“A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias: Os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm probabilidade de serem neles encontradas. As rotinas de relação social em ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com "outras pessoas" previstas sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a sua categoria e os seus atributos, a sua "identidade social" - para usar um termo melhor do que "status social", já que nele se incluem atributos como "honestidade", da mesma forma que atributos estruturais, como "ocupação".” (P.5)

“Assim, as exigências que fazemos poderiam ser mais adequadamente denominadas de demandas feitas "efetivamente", e o caráter que imputamos ao indivíduo poderia ser encarado mais como uma imputação feita por um retrospecto em potencial - uma caracterização "efetiva", uma identidade social virtual. A categoria e os atributos que ele, na realidade, prova possuir, serão chamados de sua identidade social real.” (P.6)

“Finalmente, há os estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos através de linhagem e contaminar por igual todos os membros de uma família1.” (P.7)

“As atitudes que nós, normais, temos com uma pessoa com um estigma, e os atos que empreendemos em relação a ela são bem conhecidos na -medida em que são as respostas que a ação social benevolente tenta suavizar e melhorar. Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida: Construímos uma teoria do estigma; uma ideologia para explicar a sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa, racionalizando algumas vezes uma animosidade baseada em outras diferenças, tais como as de classe social. (...) Tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original e, ao mesmo tempo, a imputar ao interessado alguns atributos desejáveis mas não desejados, freqüentemente de aspecto sobrenatural, tais como "sexto sentido" ou "percepção":” (P.8)

Como as pessoas dentro da religião criam conceitos baseados nos itans, criando um estigma para aquelas pessoas que se associam com certos voduns ou certas energias. Me pergunto se na hora das pessoas construírem as próprias identidades e as identidades dos outros através de seus discursos baseados nas qualidades dos santos, se elas

não acabam estigmatizando as pessoas por conta de tendências que se diferem de si mesmas. Exemplo: Uma filha de Iemanjá ao falar de uma filha de Oxum acaba trazendo certo desprezo, enfatizando as qualidades da santa trazida por suas histórias. Vendo como Oxum é manipuladora, as filhas de Iemanjá acabam estigmatizando as filhas de Oxum como falsas e manipuladoras da mesma forma. Estariam essas pessoas muito presas a um tipo apenas de avaliação do que as histórias trazem?

“A questão do estigma não surge aqui, mas só onde há alguma expectativa, de todos os lados, de que aqueles que se encontram numa certa categoria não deveriam apenas apoiar uma norma, mas também cumpri-la.” (P.9)

Na hora de falar das filhas das yabás, há uma noção de que estas seriam pessoas que naturalmente deveriam ser boas cozinheiras, boas mães, com dons naturais femininos e gostando disso. É esperado dessas pessoas um tipo de comportamento.

Goffman fala que há a possibilidade de existir grupos e pessoas que não se enquadram nessas expectativas, mas continuam se achando normais, sendo muito aclamados por isso socialmente. No caso do Candomblé, isso é mais raro de acontecer, uma vez que falamos da essência a qual a pessoa se uniu religiosamente e, portanto, é esperado que ela siga seu caminho cada vez mais dentro daqueles padrões esperados. Se a pessoa não corresponde a essas expectativas, ela é considerada alguém que está muito distante de seu propósito dentro da religião e é, por conta disso, julgada dentro daquela comunidade.

PERGUNTA PARA ENTREVISTA:1) VOCÊ PODE ME FALAR UM POUCO DE COMO VOCÊ ACHA

QUE SÃO AS FILHAS DA OXUM? QUAL É O COMPORTAMENTO DELAS DENTRO DA CASA ESPIRITUAL, COMO ELAS SÃO DE PERSONALIDADE, COMO É LIDAR COM ELAS NO DIA A DIA? O QUE É NORMALMENTE ESPERADO DE MULHERES FEITAS NESSA SANTA EM COMPORTAMENTO, EM GOSTOS, EM QUESTÕES DE PERSONALIDADE?

2) LEVANDO EM CONTA A HISTÓRIA DAS YABÁS, POR EXEMPLO, QUE TEM UMA LIGAÇÃO FORTE COM A COZINHA, COM COLHERES DE PAU, COM A MATERNIDADE, QUANDO VEMOS UMA FILHA DE YABÁ QUE NÃO TEM INTERESSE POR ESSAS COISAS,

DESPREZANDO A MATERNIDADE E OS DOTES CULINÁRIOS, VOCÊ ACHA QUE ESSA PESSOA DE ALGUMA FORMA ESTÁ DISTATE DA VIVÊNCIA COM A SUA SANTA? COMO VOCÊ ACHA QUE ISSO ACARRETA NA VIDA DESSA PESSOA COM A SUA SANTA E DENTRO DO BARRACÃO?

3) VOCÊ ACHA QUE ESSAS EXPECTATIVAS DE COMPORTAMENTO E AFINIDADES PODEM VIR A SER UM ESTIGMA NA SOCIEDADE SE POR ACASO AS PESSOAS NÃO SE ADEQUAREM AO ESPERADO?

4) HÁ PESSOAS MAIS CERTAS OU MAIS ERRADAS SOBRE ISSO? OU EXISTEM DIFERETES VISÕES SOBRE A SINTONIA DOS INICIADOS PERANTE AS QUALIDADES DE SEUS SANTOS? POR EXEMPLO, EU E KARINE SOMOS FILHAS DA MESMA SANTA. NO ENTANTO, EM UMA FESTA DE OXUM UMA PESSOA DA CASA VEIO ME FALAR QUE A SANTA DELA PARECE SER MUITO MAIS QUENTE DO QUE A MINHA, POIS A MINHA SANTA DANÇA MUITO MAIS SUTILMENTE. A PERSPECTIVA QUE ESSA PESSOA TEVE SOBRE AS DUAS SANTAS DANÇANDO ESTÁ CERTA OU SERIA ESSA UMA FORMA DOS PRÓPRIOS VODUNS DEMARCAREM AS SUAS PECULIARIDADES E DIFERENÇAS, APESAR DE SEREM A MESMA SANTA? OS VODUNS PODEM, DESSA FORMA, TRAZER ENSINAMENTOS PARA NÓS? MOSTRANDO UM LADO DIFERENTE DE ANALISAR UMA MESMA ESSÊNCIA, TALVEZ? OU SERIAM ESSAS ESSÊNCIAS DIFERENTES DENTRO DE UM MESMO ARQUÉTIPO DE SANTO? SERIA POSSÍVEL QUE UM MESMO SANTO POSSUÍSSE MÚLTIPLAS ESSÊNCIAS QUE PODEM OU NÃO ESTAR DESPERTADAS EM SEUS FILHOS?

5) EXISTEM FUNÇÕES DENTRO DO CANDOMBLÉ QUE SÃO ESPECIFICAMENTE PARA HOMENS E PARA MULHERES? POR EXEMPLO, DESFIAR MARIÔ DIZ-SE SER COISA PARA FILHO DE OBORÓ FAZER. NO ENTANTO, NA MINHA VIVÊNCIA, O ALAGBÊ DISSE QUE NÃO HAVIA PROBLEMA QUE EU FIZESSE ISSO. MAS QUANDO HÁ UM HOMEM PARA FAZER É MUITO MAIS INDICADO. VOCÊ ACHA QUE UMA FILHA DE YABÁ QUE PREFERE FAZER ESSE TIPO DE TRABALHO AO INVÉS DE FICAR NA COZINHA, POR EXEMPLO, E UM FILHO DE OBORÓ QUE PREFERE COZINHAR A ESTAR REALIZANDO TAREFAS MASCULINAS ESTÃO DESCONECTADOS DE ALGUMA FORMA COM A ESSÊNCIA DE SEU SANTO?

6) NO CANDOMBLÉ EXISTE UMA SÉRIE DE REGRAS E CONDUTAS ESPERADAS. A HUMILDADE PERANTE A HIERARQUIA, OBEDIÊNCIA, RESPEITO, ALÉM DE CONDUTAS PERATE A CASA, ZELANDO PELO BEM ESTAR DO HUMPAME E DA COMUNIDADE. QUANDO AS PESSOAS NÃO AJEM DE ACORDO COM ESSAS NORMAS ESPERADAS, O QUE VOCÊ ACHA QUE ACONTECE COM ELA E COM AS OUTRAS PESSOAS DA COMUNIDADE? VOCÊ ACREDITA QUE EXISTAM CONSEQUÊNCIAS PARA ISSO OU VOCÊ ACREDITA QUE É UMA ESCOLHA DA PESSOA E QUE ELA É LIVRE PARA AGIR DE ACORDO COM AS SUAS VONTADES?

7) VOCÊ ACREDITA QUE ESSE É UM CAMINHO MUITO DIFÍCIL DE SE TRILHAR? QUESTÕES COMO O EGO E A VAIDADE ESTÃO SENDO SEMPRE TRABALHADAS AQUI DENTRO EM RELAÇÃO ÀS HIERARQUIAS DENTRO DO CANDOMBLÉ. VOCÊ ACHA QUE ESSAS DIFICULDADES FAZEM PARTE DO PROCESSO? VOCÊ ACREDITA QUE PASSAR POR TUDO ISSO É O TIPO DE COISA QUE AJUDA OU ATRAPALHA A CAMINHADA ESPIRITUAL? TEM COMO UMA PESSOA TORNAR POR SE “REERGUER DAS CINZAS” APÓS MUITA DIFICULDADE PARA SE ADAPTAR E SUPERAR ESSAS DIFICULDADES?

8) VOCÊ ACHA QUE NA HORA DAS PESSOAS CONSTRUIREM SUAS IDENTIDADES DENTRO DA CASA DE SANTO, OS ITANS ACABAM POR INFLUENCIÁ-LAS? NA SUA VIVÊNCIA, AS PESSOAS CONSTROEM AS SUAS IDENTIDADES E AS IDENTIDADES DOS OUTROS BASEADAS NAQUILO QUE ELAS APRENDEM SÓCIO E CULTURALMENTE COM OS ITANS, COM OS MAIS VELHOS NAS SUAS VIVÊNCIAS? POR EXEMPLO, A IDEIA DE QUE MULHERES FILHAS DE OXUM DEVERIAM TER APTIDÃO PARA SEREM MÃES. VOCÊ ACHA QUE NA HORA DE DEFINIR QUEM ESSAS PESSOAS SÃO, ELAS SE INFLUENCIAM PELO QUE É ESPERADO DELAS POR ALGUM TIPO DE CONVENÇÃO SOCIOCULTURAL?

“Ademais, os padrões que ele incorporou da sociedade maior tornam-no intimamente suscetível ao que os outros vêem como seu defeito, levando-o inevitavelmente, mesmo que em alguns poucos momentos, a concordar que, na verdade, ele ficou abaixo do que realmente deveria ser: A vergonha se torna uma possibilidade central, que surge quando o indivíduo percebe que um de seus próprios atributos é impuro e pode imaginar-se como um não-portador dele. A presença próxima de normais provavelmente reforçará

a revisão entre auto-exigências e ego, mas na verdade o auto- ódio e a autodepreciação podem ocorrer quando somente ele e um espelho estão frente a frente:” (P. 10)

Ao se deparar com as expectativas da comunidade às quais a pessoa não corresponde, gera um sentimento de inadequação dentro da religião. A pessoa passa a se sentir desconectada com o caminho seguido, gerando conflito e questionado a sua conexão com o divino. Dessa forma, como conseqüência, vemos pessoas dentro da casa de santo que não sentem tanto prazer na convivência com a comunidade por conta desses estigmas. Há um sentimento de abandono e de exclusão que acaba se instaurando na pessoa estigmatizada, provocando o seu desvinculo com a comunidade.

“Finalmente, a pessoa com um atributo diferencial vergonhoso pode romper com aquilo que é chamado de realidade, e tentar obstinadamente empregar uma interpretação não convencional do caráter de sua identidade social. A criatura estigmatizada usará, provavelmente, o seu estigma para "ganhos secundários", como desculpa pelo fracasso a que chegou por outras razões: (...) Essa desvantagem era o "cabide" no qual o paciente pendurava todas as insuficiências, todas as insatisfações, todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social, e do qual veio a depender não somente como forma de libertação racional da competição mas ainda como forma de proteção contra a responsabilidade social.” (P.12)

As pessoas fazem uso dessa deslocação social para justificar suas frustrações com o meio e acabam se desvencilhando dele com essa justificativa, quando na verdade pode vir a ser apenas uma desculpa para se abster de sua responsabilidade social dentro da comunidade. Há uma expectativa dentro do candomblé de comportamentos que quando não alcançados podem vir a ser motivo de linchamento social e estigma.

“O que se sabe é que os membros de uma categoria de estigma particular tendem a reunir-se em pequenos grupos sociais cujos membros derivam todos da mesma categoria, estando esses próprios grupos sujeitos a uma organização que os engloba em maior ou menor medida. E observa-se também que quando ocorre que um membro da categoria entra em contato com outro, ambos podem dispor-se a modificar o seu trato mútuo, devido à crença de que pertencem ao mesmo "grupo". Além disso, fazendo parte da categoria um indivíduo pode ter uma probabilidade cada vez maior de entrar em contato com qualquer outro membro e, mesmo, de entrar em

relação com ele, como resultado. Uma categoria, então, pode funcionar no sentido de favorecer entre seus membros as relações e formação de grupo mas sem que seu conjunto total de membros constitua um grupo” (P. 23)

Podemos observar dentro das casas de candomblé uma identificação entre os filhos dos mesmos santos. Filhas de Oxum acabam se aproximando mais com outras filhas de Oxum. Ao olharmos os itans, quando um santo tem problemas com outro, é comum vermos seus filhos se estranhando. Eu me questiono se isso é uma coisa que vem de essência ou se é algo que acontece na construção identitária dos indivíduos que se influenciam nas histórias contadas para construir suas identidades.

Parei de ler a página 25.