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ESTÁGIO INTEGRADO NA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO: PREPARO PARA O TRABALHO MULTIPROFISSIONAL Isabel Maria Teixeira Bicudo Pereira * William Moffitt Harris ** * Do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil. ** Do Departamento de Prática Médica em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil. RSPU-B/320 BICUDO PEREIRA, I.M.T. & HARRIS, W.M. Estágio integrado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo: preparo para o trabalho multiprofissional. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 10:257-66, 1976. RESUMO: O presente trabalho relata a experiência havida em 1975 na Faculdade de Saúde Pública da USP no Estágio Integrado dos alunos. A comissão incumbida do estágio resolveu introduzir algumas modificações na metodologia utilizada tendo em vista os precários resultados da chamada Carta Sanitária até agora em vigor. Procurou-se conduzir os alunos em seus tra- balhos para um diagnóstico setorial de saúde através de parte das técnicas da CENDES/OPS e Programação Integrada de Saúde. Neste trabalho são apon- tadas dificuldades encontradas e alguns resultados auspiciosos conseguidos. Conclue-se pela continuação da experiência. UNITERMOS: Saúde Pública. Trabalho multiprofissional. Treinamento mul- tiprofissional. Ensino. Estágio integrado. INTRODUÇÃO Entende-se por multiprofissionalismo o trabalho comum elaborado por profissio- nais de diversas categorias onde a contri- buição individual leva a um produto final satisfazendo as exigências peculiares de cada setor na solução de problemas diag- nosticados conjuntamente pelos membros da equipe. Dana e Sheps, citados por Mason e Parascandola 6 , ao descreverem a colaboração interdisciplinar dizem que o comportamento interprofissional não exi- ge que membros de profissões correlatas pensem da mesma forma, mas sejam ca- pazes de trabalhar em grupos exigindo do profissional que coloque o problema aci- ma da profissão e/ou de ajudas institu- cionais. Cabe ao profissional compreensão e habilidade para reconhecer em seus pa- res os mesmos direitos de participar no processo de solução de problemas. Ramos 8 descreve o primeiro estágio de campo multiprofissional realizado na Fa- culdade de Saúde Pública da USP em 1966, abrangendo, na ocasião, experimen- talmente apenas três categorias profissio- nais: médicos, engenheiros e veterinários. Esta tentativa, apesar das dificuldades e contratempos, resultou em experiência po-

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ESTÁGIO INTEGRADO NA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DAUNIVERSIDADE DE SÃO PAULO: PREPARO PARA O TRABALHO

MULTIPROFISSIONAL

Isabel Maria Teixeira Bicudo Pereira *William Moffi t t Harris **

* Do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP— Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil.** Do Departamento de Prática Médica em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Públicada USP — Av. Dr. Arnaldo, 715 — São Paulo, SP — Brasil.

RSPU-B/320

BICUDO PEREIRA, I .M. T . & HARRIS, W.M. — Estágio integrado na Faculdadede Saúde Pública da Universidade de São Paulo: preparo para o trabalhomultiprofissional. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 10:257-66, 1976.

RESUMO: O presente trabalho relata a experiência havida em 1975 naFaculdade de Saúde Pública da USP no Estágio Integrado dos alunos. Acomissão incumbida do estágio resolveu introduzir algumas modificações nametodologia utilizada tendo em vista os precários resultados da chamada CartaSanitária até agora em vigor. Procurou-se conduzir os alunos em seus tra-balhos para um diagnóstico setorial de saúde através de parte das técnicas daCENDES/OPS e Programação Integrada de Saúde. Neste trabalho são apon-tadas dificuldades encontradas e alguns resultados auspiciosos conseguidos.Conclue-se pela continuação da experiência.

UNITERMOS: Saúde Pública. Trabalho multiprofissional. Treinamento mul-tiprofissional. Ensino. Estágio integrado.

I N T R O D U Ç Ã O

Entende-se por multiprofissionalismo otrabalho comum elaborado por profissio-nais de diversas categorias onde a contri-buição individual leva a um produto finalsatisfazendo as exigências peculiares decada setor na solução de problemas diag-nosticados conjuntamente pelos membrosda equipe. Dana e Sheps, citados porMason e Parascandola6, ao descreverema colaboração interdisciplinar dizem queo comportamento interprofissional não exi-ge que membros de profissões correlataspensem da mesma forma, mas sejam ca-pazes de trabalhar em grupos exigindo do

profissional que coloque o problema aci-ma da profissão e/ou de ajudas institu-cionais. Cabe ao profissional compreensãoe habilidade para reconhecer em seus pa-res os mesmos direitos de participar noprocesso de solução de problemas.

Ramos 8 descreve o primeiro estágio decampo multiprofissional realizado na Fa-culdade de Saúde Pública da USP em1966, abrangendo, na ocasião, experimen-talmente apenas três categorias profissio-nais: médicos, engenheiros e veterinários.Esta tentativa, apesar das dificuldades econtratempos, resultou em experiência po-

sitiva acarretando a inclusão desse estágiocomo disciplina obrigatória nos cursos deSaúde Pública, de Educação em SaúdePública e Administração Hospitalar.

A partir desse trabalho 8 nada mais foipublicado referente ao estágio integradona Faculdade; apenas a análise dos rela-tórios das comissões responsáveis por essadisciplina, de 1967 a 1974, permitiu quese conhecesse a sistemática imprimida du-rante este período.

A experiência pioneira de 1966 em queos alunos se preocuparam em levantar da-dos gerais e específicos sobre as condiçõessanitárias de algumas localidades e plane-jar atividades de saúde pública a nívellocal, tinha por finalidade básica a inte-gração da equipe multiprofissional, ou se-ja, a formação do espírito multiprofissio-nal nos alunos.

A partir de então o estágio integradoenriquecido por diversas categorias de pro-fissionais da saúde, apesar de conservaro mesmo objetivo, partiu para uma sofis-ticação e detalhamento de atividades, ori-ginando um documento que agrupava ca-da vez maior número de dados: a CartaSanitária.

A preocupação no detalhamento dos da-dos pertinentes à Carta Sanitária levou àespecialização dos grupos profissionais, ca-da qual em sua área básica de formação.Destarte o objetivo inicial e básico quenorteou a criação do estágio integradopassou a ser gradativamente desvirtuado,porquanto o resultado final representavana verdade um trabalho de muitos profis-sionais e não mais um trabalho multipro-fissional. Perdia-se assim a oportunidadede observar de perto o trabalho de outrosalunos de outras profissões na solução dosproblemas encontrados conjuntamente, o

que seria uma verdadeira iniciação a si-tuações com que haveriam mais tarde dese defrontar na vida prática.

A Faculdade de Saúde Pública iniciousuas atividades relativas ao estágio inte-grado dos alunos, previsto nos currículosde seus diversos cursos para graduados em1975, com a designação por portaria doDiretor *, da Comissão de Estágio de Cam-po Multiprofissional. Esta Comissão(CECM) ficou então oficialmente consti-tuída por docentes indicados pelos cincoDepartamentos da Escola, sendo dois porDepartamento **, totalizando 10 membros.Nas primeiras reuniões a CECM elegeuseu presidente, seus tesoureiros e convi-dou para integrar seu quadro como mem-bro/secretário o primeiro autor deste tra-balho.

A CECM se reuniu 28 vezes em 1975tendo sido seus trabalhos de planejamento,execução e avaliação se extendido de abrilaté fins de novembro. Suas atividades fo-ram registradas em atas e que constitui-ram em um dos anexos ao relatório apre-sentado ao Diretor da Faculdade 11.

"Preocupou-se a CECM, logo em suasprimeiras reuniões, em fazer uma análisedos relatórios de comissões anteriores,equacionar objetivos e planificar uma me-todologia de trabalho que redundasse emo melhor aproveitamento possível para aaprendizagem dos alunos, sem contudo al-terar as diretrizes gerais que vinham nor-teando a inserção do estágio integrado nocontexto programático da Faculdade. Des-ta forma manteve-se o caráter multiprofis-sional do estágio com a composição dasequipes por profissionais de todas as ca-tegorias; foram trabalhados municípios doEstado de São Paulo e as tarefas foramexecutadas pelos alunos dentro do prazo

* Port. n.o 13 de 23/3/1975.** Departamento de Epidemiologia: Marília Belluomini e José Maria Soares Barata; Departa-mento de Nutrição: Rosa Nilda Mazzili, Maryland Miguel; Departamento de Prática de SaúdePública: Anthero Barradas Barata, Rosa Rosemberg Krausz; Departamento de Saúde Am-biental: Antonio Carlos Rossin, George Kenje Ishihata; Departamento de Prática Médicaem Saúde Pública: Arnaldo Augusto Franco de Siqueira e William Moffitt Harris.

previsto no calendário escolar estabelecidono ano anterior, pela Comissão de Ensi-no" 11.

Objetivos

"Os objetivos para o estágio de campomultiprofissional para 1975 foram defini-dos pelos membros da Comissão, após pro-longadas discussões em grupo até que sechegou a um consenso que traduziu real-mente o pensamento da CECM como umtodo e que serviu de base para todas suasdecisões:— integração da equipe multiprofissional;— treinamento dos alunos através de con-

tato com as populações nas condiçõesem que vivem, para o conhecimentoe a solução dos problemas de saúdeencontrados;

— prestação de serviços à comunidade.Entretanto, para que o projeto fosse

avaliado em função destes objetivos, fo-ram os mesmos operacionalizados e deta-lhados ficando assim definidos:— trabalhar integradamente como mem-

bros de uma equipe multiprofissionalatuando na área de saúde pública;

— identificar as condições de vida dapopulação das comunidades estudadas;

— diagnosticar os principais problemasde saúde das comunidades estudadas;

— propor soluções alternativas para osproblemas de saúde diagnosticados le-vando em consideração os recursosexistentes e/ou disponíveis e as carac-terísticas da comunidade;

— elaborar projetos factíveis visando asolução dos problemas de saúde diag-nosticados;

— colaborar para a solução dos proble-mas de saúde diagnosticados nas co-munidades estudadas através do enca-minhamento de relatório final às auto-ridades competentes" 11.

P R O C E D I M E N T O S

Sendo a Comissão constituída de ex-alunos da Faculdade que passaram pela

experiência da Carta Sanitária, houve estaconstante preocupação de por termo aoindividualismo profissional, procurandopermanentemente dar ao aluno o enfoquegeneralista das condições encontradas, ca-racterística do sanitarista.

Foi este o ponto que fez com que aCECM se decidisse a voltar às origens doestágio integrado (1966) e adotar comofilosofia de trabalho, o multiprofissiona-lismo, isto é, o trabalho se desenvolveriaatravés de equipes multiprofissionais vi-sando não o crescimento isolado de cadacategoria profissional, mas o aprimora-mento de cada aluno como sanitarista comuma abordagem global da problemática desaúde.

"Uma vez estabelecidos os objetivos pa-ra o estágio multiprofissional. a comissãopassou a discutir e analisar qual o méto-do mais eficiente a ser adotado para con-secução satisfatória dos mesmos.

Basicamente imaginou-se envolver asequipes em tarefas ligadas a um diagnós-tico setorial de saúde nas quais todos osdiferentes profissionais teriam igual opor-tunidade de ação. Decidiu-se adotar umalinha de programação em quatro etapas:primeiramente teriam os alunos que seocupar com o diagnóstico setorial de saú-de de uma determinada área e as turmasseguintes trabalhariam sucessivamente naelaboração de projetos, execução e imple-mentação dos mesmos, culminando com aetapa de avaliação. Pretendia-se como hi-pótese de trabalho desenvolver o projetoem um período de três a quatro anos" 11.

Após ouvir pessoalmente o Professor Rei-naldo Ramos, autor do trabalho menciona-do 8 e responsável pelas disciplinas de Ad-ministração Sanitária e de Planejamentoda Faculdade, a CECM decidiu utilizar-sede parte da Técnica de Programação Lo-cal da CENDES/OPS 1 assim como deuma variante da mesma, a Técnica deProgramação Integrada de Saúde 4, atual-mente preconizada pela Fundação SESPe introduzida em nosso meio por Al-vim 2, 3, 4.

"As técnicas de planejamento indicadase depois aplicadas no trabalho dos alunosvisam, no que tange ao diagnóstico seto-rial de saúde, estudar a problemática me-dindo a adequação dos recursos disponí-veis no que se refere ao equipamentomédico-sanitário existente, frente à de-manda de consultas médicas e hospitali-zação, em função da nosologia da áreaestabelecida em termos de morbidade emortalidade" 11. Os resultados das pesqui-sas dos alunos seriam posteriormente envia-dos à cúpula da Secretaria de Estado daSaúde em São Paulo.

Como uma das estratégias a serem uti-lizadas resolveu-se aglutinar os alunos esteano numa só área administrativa do esta-

do ao invés de pulverizá-los em municí-pios esparsos. Assim foi escolhida paraárea de trabalho a 3.a Região Administra-tiva do Estado de São Paulo (Vale doParaíba) pela proximidade com a Capi-tal, facilidade de acesso para fins de su-pervisão e comunicação através do eixoda Via Dutra e o estádio atual de desen-volvimento demográfico e crescimento eco-nômico da Região com evidentes reflexosna saúde da população. Desta forma, fo-ram trabalhados os 32 municípios paulis-tas do Vale do Paraíba, com uma áreatotal de 14.000 Km2 e uma população de1.050.000 habitantes. A cada equipe dealunos coube de 1 a 4 municípios, tendosido utilizados como critérios de distribui-

ção a facil idade de interl igação rodoviáriae a extensão territorial dos municípios(Fig. 1).

Foram feitos os contatos indispensáveiscom os poderes públicos para obtenção danecessária anuência quanto ao acesso aosdados imprescindíveis para o trabalho. Asempresas privadas facilitaram sobremanei-ra as atividades dos alunos colaborando aomáximo de suas possibilidades.

RECURSOS HUMANOS E FINANCEIROS

Para a fase executiva do projeto foramalocados os seguintes recursos humanos:

— treze docentes da Faculdade (dos quaiscinco de tempo integral) :

— onze elementos colaboradores de níveluniversitário do Vale do Paraíba, to-dos funcionários da Divisão Regionalde Saúde (DRS-3) ;

— duzentos e quinze alunos dos diversoscursos da Faculdade de Saúde Pública( e n t r e os quais haviam pedagogos,educadores sanitários, sociólogos, den-tistas, veterinários, médicos, enfermei-ros, economistas, assistentes sociais, bi-bliotecários, farmacêuticos bioquími-cos, nutricionistas e outros g r a d u a d o s ) .

"Quase todos os membros da CECM ti-veram que atuar também como supervi-sores de equipes de alunos, uma vez quepoucos foram os outros docentes da Fa-culdade que se prontificaram a participarao serem consultados através de questio-nário distribuído algum tempo antes.

Cabe aqui ressaltar o despreendimento.dedicação e interesse com que quatro do-centes voluntários se entregaram à tare-fa" 11.

Por sua vez a CECM em alguns pontosdo projeto teve também oportunidade dereceber consultoria ocasional por parte deum dos outros docentes da Disciplina deAdministração Sanitária.

Foram gastos, com o Estágio de CampoMultiprofissional Cr$ 39.306.55 em com-bustíveis, lubrificantes, pedágios, passa-gens de ônibus e taxis, serviços especiais

de terceiros, papelaria e clicheria, diárias,estada e refeições, etc, redundando paraa escola em custos diretos adicionais mé-dios de Cr$ 182,82 por aluno ou Cr$. . .1.228,32 por município. As demais des-pesas de hospedagem, alimentação e con-dução foram cobertas pelos próprios alu-nos ou pelas prefei turas locais 31.

"Não foram também computados aindapara efeito destes custos unitários os sa-lários normais dos professores, func ioná-rios e a utilização de equipamentos ( c o -mo, por exemplo, os mimeógrafos da grá-fica da Faculdade) e instalações"1 1 .

E X E C U Ç Ã O

"Tomou-se por base para a composiçãodas equipes multiprofissionais os gruposde alunos já constituídos pela DisciplinaEducação em Saúde Pública no início doano. pois a CECM julgou procedente a su-gestão dos especialistas de que o treina-mento já havido em dinâmica de grupofaci l i tar ia o entrosamento. espírito de equi-pe e camaradagem tão necessários paraeste tipo de trabalho. As poucas altera-ções que se impuseram até a composiçãof ina l foram a inclusão dos alunos do Cur-so de Educação em Saúde Pública e ele-mentos esparsos, mormente alguns enge-nheiros, que estavam fazendo o curso par-celadamente, além da redistribuição detrês elementos a fim de facilitar a ida decônjuges para os mesmos municípios ' '1 1 .

Ainda nesta fase, que precedeu o iníciodos trabalhos dos alunos, a CECM preo-cupou-se em julho de providenciar umrápido treinamento dos futuros supervi-sores da Faculdade, assim como dos ele-mentos do Vale do Paraíba abrangendotópicos das técnicas a serem utilizadas,assim como de dinâmica de grupo.

Houve também por parte da Comissãoum grande esforço no sentido de ofereceraos alunos o suficiente material impressopara susidiar seus estudos e seu trabalho.Para tanto, o material utilizado referenteà Técnica de Programação Integrada emSaúde e de Amostragem foi selecionado

de trabalhos apresentados ao XVIII Con-gresso de Higiene (S. Paulo, outubro de1970) pela Fundação SESP e posterior-mente publicados 2, 3, 4, 5. A Disciplina deAdministração Sanitária da Faculdade for-neceu material referente à Técnica deProgramação Local (CENDES/OPS) 9,10.

A fase executiva propriamente dita doprojeto e que durou cinco semanas teveinício com o retorno dos alunos de suasférias no meio do ano, obedecendo aocronograma ilustrado da Fig. 2 11.

Um simpósio realizado em dependênciasda Escola de Enfermagem aos 28 de julhodeu início aos trabalhos. Foram aborda-dos os seguintes pontos:

— Filosofia do estágio multiprofissional;— Evolução do Vale do Paraíba (resumo

do livro de Müller 7) ;— Indicadores de saúde para a série his-

tórica 1961-1970.

"Ainda neste primeiro dia e no dia se-guinte foram aplicadas as técnicas de di-nâmica de grupo às equipes visando me-lhorar o nível de conhecimento pessoale entrosamento entre seus membros.

O restante desta primeira semana foidedicado ao estudo do material didáticodistribuído culminando com uma longasessão de perguntas e respostas que tevepor objetivo dirimir as dúvidas dos alu-nos quanto ao manuseio das técnicas aserem empregadas para o diagnóstico se-torial de saúde.

A segunda semana (4 a 10 de agosto)foi inteiramente dedicada ao levantamen-

to de dados na Capital junto aos órgãoscentralizadores de informação estatística,assim como a elaboração dos primeiros es-tudos em busca do chamado modelo nor-mativo para o Vale conforme exigia aversão utilizada da Técnica de Programa-ção Integrada de Saúde.

Alguns elementos de cada equipe, nes-tas duas primeiras semanas, estiveramnos municípios que iriam ser trabalhadosprovidenciando reserva de acomodaçõespara si e seus colegas, para a semana com-preendida entre 11 a 17 de agosto em queiam permanecer no Vale do Paraíba" 11.

Os 215 alunos envolvidos participaramativamente, não tendo havido problemasde maior monta durante a semana emque estiveram nos municípios do Vale. Al-gumas equipes terminaram suas tarefas no5.° dia e outras somente puderam retor-nar no 7.° dia.

No período compreendido entre 18 e 30de agosto os alunos permaneceram na Fa-culdade trabalhando dados, elaborandográficos, calculando coeficientes e outrastarefas afins. Os supervisores circularamentre as equipes esclarecendo dúvidas eresolvendo questões de ordem administra-tiva, não perdendo contato com a cúpulada comissão.

"O progresso das equipes, o entrosamen-to multiprofissional e o acerto no manu-seio das técnicas empregadas foram mo-tivo de constante preocupação da CECMe várias vezes houve necessidade de re-formular determinações de caráter técni-co-administrativo visando reconduzir ostrabalhos para uma linha de maior pro-babilidade de acerto e exatidão científica.

Durante estas cinco semanas, de umamaneira periódica, os alunos e o trabalhoforam sendo avaliados pela CECM atravésde dados fornecidos pelos supervisores epor sua vez tiveram os alunos oportuni-dade de se avaliar entre si e colaborarcom a Comissão criticando o andamentodo projeto em diversos de seus aspec-tos" 11.

No último dia dos trabalhos houve vá-rias sessões finais de avaliação por parte

dos alunos, envolvendo equipes multipro-fissionais e grupos uniprofissionais commembros da Comissão.

"Os seminários previstos para a apre-sentação dos trabalhos dos alunos e quedeveriam ter sido realizados nos últimosdias reservados para a disciplina foramcancelados tendo em vista que muitas dasmetas originariamente traçadas não foramalcançadas pela maioria das equipes.

A Comissão forneceu aos alunos um ro-teiro padronizado de relatório final a fimde homogeneizar seu trabalho. Tal rotei-ro originou-se da análise de várias suges-tões provenientes das próprias equipes" 11.

Os trabalhos da CECM praticamenteencerraram-se com a apresentação de umsimpósio para os docentes da Faculdade,em novembro, sobre o estágio integradodos alunos em que foram abordados osseguintes pontos:— histórico, objetivos e metodologia do

estágio;— participação dos docentes da Facul-

dade;— avaliação do estágio integrado dos alu-

nos.

Compareceram a este simpósio cercade 20 professores da Faculdade, o querepresenta 1/5 de seu corpo docente.

A V A L I A Ç Ã O

"A CECM teve oportunidade, conformemencionado acima, de ouvir os alunos emsuas críticas quanto à metodologia de tra-balho adotado pela comissão e proporcio-nou uma reunião para que os superviso-res também se manifestassem. Os resul-tados destas avaliações encontram-se re-gistradas de maneira circunstanciada emata de reunião da CECM.

Em resumo, dentro do subjetivismo aque está sujeito este tipo de avaliação,sentiu-se, tanto por parte dos alunos quan-to dos supervisores, que para um projetotão extenso e envolvendo tantas variáveisos supervisores não estavam adequada-mente preparados e se sentia uma grande

insegurança no manuseio das técnicas porparte dos membros da CECM. Além domais, verificou-se no campo que muitasagências de saúde não estavam a par dotrabalho a ser desenvolvido pelos alunos.

Criticou-se a escolha das técnicas utili-zadas pois seriam por demais sofistificadaspara nosso meio devido à enorme deficiên-cia no registro de dados" 11.

As equipes não esgotaram as possibili-dades das técnicas utilizadas e não chega-ram a desenvolver todas suas fases poistrabalharam até o equacionamento de prio-ridades através da determinação da mag-nitude dos problemas de saúde em funçãodo chamado "fator Q" 3, por limitação dotempo disponível para o estágio integra-do. Destarte não tiveram os alunos tem-po hábil para se aprofundarem no diag-nóstico setorial de saúde da região estu-dada como um todo ou mesmo municípiopor município em toda sua plenitude con-ceitual e muito menos elaborar projetospropondo soluções alternativas.

Por outro lado os alunos consideraramválida a filosofia que orientou o estágiointegrado e que visava ao aperfeiçoamen-to do aluno como sanitarista e não comoelemento especializado de saúde. Na opi-nião dos alunos o estágio proporcionou aintegração multiprofissional, foi bem orga-nizado mas por demais dirigido, não per-mitindo muita iniciatva por parte dosmesmos 11.

Outros objetivos não pré-equacionadosna fase de planejamento do projeto foramalcançados no decorrer da fase executiva.Desta forma cairam os alunos na realida-de nacional quanto à inexistência de da-dos de morbidade em termos de abrangên-cia significante e inexatidão quanto aoregistro de dados de mortalidade e de pro-dução de serviços a nível local. Outroponto alto foi a intensa participação dosalunos que realmente se interessaram pe-los diferentes aspectos do projeto. Um de-les chegou a escrever pessoalmente à en-fermeira Ermengarda de Faria Alvim soli-citando esclarecimentos adicionais sobre

uma determinada fórmula. Outro grupose preocupou em elaborar um documentoanalítico sobre indicadores de saúde paraa municipalidade de São José dos Campos,também após ter concluído os trabalhosregulares da Disciplina" 11.

Ainda em termos de avaliação o pro-jeto criou a possibilidade para a elabora-ção de muitas pesquisas pelo volumeimenso de dados colhidos; este materialestá sendo trabalhado pelos alunos da Fa-culdade 11.

C O N C L U S Õ E S

"— As metas propostas pela Comissãode Estágio de Campo Multiprofissionalpara 1975 foram por demais ambiciosaspela impossibilidade de um prévio conhe-cimento em extensão e profundidade dasexatas dimensões do projeto a ser executa-do pelos alunos no prazo previsto, por fal-ta de uma experiência pregressa por par-te da Faculdade" 11.

— O treinamento dos supervisores nãofoi suficiente ocasionando perda de tem-po nos reajustes e reformulações que seimpuseram no decorrer dos trabalhos.

"— Há necessidade de se propor algu-mas alterações nas técnicas utilizadas pa-ra fins de diagnóstico setorial de saúde,no intuito de melhor aproveitar os dadosexistentes e obter outras informações pa-ra a elaboração de projetos específicosdas várias disciplinas da Faculdade"11.

— Assim como ocorreu em 1966 8, tam-bém em 1975 não ficou bem claro paraos alunos qual o papel dos supervisorespois suas atribuições foram consideradaspor muitos alunos como sendo de contro-le. O fato de que quase todas as equipespoderem contar com um elemento cola-borador da DRS-3 no campo confundiu-ostambém e alguns alunos alegaram que

houve dualidade de mando em alguns lu-gares 11.

"— O fato da CECM ter caráter transi-tório enfraquece sua posição como res-ponsável por uma disciplina obrigatóriageral e ponto básico na formação dos alu-nos, dificultando o relacionamento e aconsecução dos objetivos propostos pelaComissão.

— Houve efetiva participação do cor-po discente nas tarefas a serem cumpri-das; o constante questionamento da vali-dade de determinados dados e procedimen-tos associados a sugestões demonstrou pa-ra a CECM o alto grau de interesse porparte dos alunos.

— O contato com a realidade nacionalquanto à fragilidade dos dados registra-dos nos serviços públicos e privados per-mitiu aos alunos conhecerem as condiçõesem que terão de trabalhar futuramente.

— A dinâmica de grupo efetuada noinício do ano pela Disciplina de Educa-ção em Saúde Pública foi um sucesso pa-ra o bom êxito dos trabalhos.

— O fato dos alunos terem executadotarefas comuns a todos os membros daequipe, indepedentemente de suas profis-sões, ocasionando o contato de muitos alu-nos com fatos e procedimentos que nãoeram específicos de suas respectivas espe-cializações, tanto no campo de graduaçãocomo no curso que estava freqüentando naFaculdade, extendeu muito seu campo deconhecimento.

— Sendo a CECM constituída de anti-gos alunos da Faculdade, puderam seusmembros sentir a grande diferença em ter-mos de participação geral grupal na novametodologia operacional do estágio inte-grado, ao se optar pela substituição dachamada Carta Sanitária em vigor nestaFaculdade nos últimos anos.

— A CECM, apesar das restrições apon-tadas, considera que a experiência inova-dora realizada em 1975 foi plenamenteválida, justificando sua continuidade" 11;

— Finalmente, comparando os resulta-dos do presente estudo com o relato deRamos8 e os dados extraídos de relató-rios de outras comissões, conclui-se quemuitas das dificuldades apontadas poraquele autor ainda não foram superadas,malgrado o tempo decorrido; provavel-mente a mudança da composição da equi-pe participante da comissão encarregadados trabalhos a cada dois anos tem con-tribuído para a permanência de algumasdas falhas.

S U G E S T Õ E S 1 1

As principais sugestões apresentadas aoDiretor da Faculdade foram as seguintes:

— Sugere-se que seja criado um cor-po docente estável com pessoal suficientee recursos materiais próprios devido àimportância da disciplina, evitando assimque cada nova comissão tenha que se uti-lizar de seu primeiro ano de gestão paraseu próprio adestramento;

— Devido à constatação da importân-cia da dinâmica de grupo nas atividadesdo estágio integrado sugere-se que a mes-ma seja incorporada entre as atividadesespecíficas da Disciplina;

— Havendo necessidade de se introdu-zir alterações nas técnicas utilizadas noque diz respeito a diversos itens do diag-nóstico setorial de saúde, sugere-se quecada Disciplina oferecida nos diversoscursos da Faculdade elabore estudos afim de colher subsídios para esta com-plementação;

— O material coligido pelos alunos de-verá ficar à disposição dos Departamen-tos da Faculdade para efeito de estudoscomplementares a fim de dar prossegui-mento à idéia inicial da CECM quantoàs quatro fases do projeto (diagnóstico,elaboração de projetos específicos, imple-mentação de sua implantação e avaliaçãodos mesmos) ;

— Quanto aos supervisores sugere-seque os mesmos devem ser indicados pelosseus respectivos Departamentos logo noinício do ano, para fins de um treinamen-to mais eficaz; os membros da Comissãoencarregada, preferivelmente, não deverãotambém atuar como supervisores.

RSPU-B/320

BICUDO PEREIRA, M. I .T . & HARRIS, W.M. — [Interdisciplinary training at theS. Paulo University School of Public Health: a preparation for multiprofes-sional teamwork]. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 10:257-66, 1976.

SUMMARY: The present paper gives a brief description of the experienceundergone at the São Paulo University School of Public Health in 1975 regard-ing interdisciplinary teamwork among its pupils. The committee in charge ofthe practical work changed the methodology used in the school this year. Thestudents were conducted in the general direction of a health sectorial diagnosisprogramme collecting data belonging to one of the São Paulo State's Admini-strative Regions, The Paraiba Valley (14,000 square kilometers and a populationof 1,050,000 inhabitants). Parts of the CENDES/PAHO technique and theProgramme Packaging technique were used as tools by the students. Thispaper points out difficulties that turned up as well as some of the goodresults. Conclusions indicate that the experiment ought to go on.

UNITERMS: Public Health. Multiprofessional teamwork. Interdisciplinarytraining. Teaching.

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8. RAMOS, R. — Treinamento de campointegrado. Arq. Fac. Hig. S. Paulo,20:199-206, 1966.

9. TINOCO, A. F. — O diagnóstico da si-tuação de saúde de uma área pro-gramática local. São Paulo, Facul-dade de Saúde Pública da USP, 1975[mimeografado] .

10. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Fa-culdade de Saúde Pública. Técnicade programação local. São Paulo,1974. [Trabalho docente n.° 50 doCurso de Especialização de Planeja-mento do Setor Saúde — mimeogra-fado] .

11. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Fa-culdade de Saúde Pública. Comissãode Estágio de Campo Multiprofissio-nal. Relatório referente a 1975. SãoPaulo, 1976 [mimeografado].

Recebido para publicação em 08/03/1976

Aprovado para publicação em 12/03/1976