estado democrÁtico de direito e processo penal … · partes, através do diálogo entre estas e o...

179
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Direito ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO: a participação dos sujeitos no centro do palco processual José de Assis Santiago Neto Belo Horizonte 2011

Upload: trinhhuong

Post on 10-Nov-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Direito

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO:

a participação dos sujeitos no centro do palco processual

José de Assis Santiago Neto

Belo Horizonte

2011

José de Assis Santiago Neto

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E PROCESSO PENAL ACUSATÓRIO:

a participação dos sujeitos no centro do palco processual

Belo Horizonte

2011

Dissertação apresentada ao programa de

Pós-Graduação em Direito da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais,

como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em Direito Processual.

Orientador: Professor Doutor Leonardo

Augusto Marinho Marques

FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Santiago Neto, José de Assis S235e Estado democrático de direito e processo penal acusatório: a participação dos

sujeitos no centro do palco processual / José de Assis Santiago Neto. Belo Horizonte, 2011.

177f. Orientador: Leonardo Augusto Marinho Marques Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Direito. 1. Processo penal. 2. Democracia. 3. Acusação (Processo penal). I. Marques,

Leonardo Augusto Marinho. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

CDU: 343.1

José de Assis Santiago Neto

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E PROCESSO PENAL ACUS ATÓRIO: a participação dos sujeitos no centro do palco processual

Prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques (Orientador) – PUC Minas

Prof. Dra. Flaviane de Magalhães Barros – PUC Minas

Prof. Dr. Luciano Santos Lopes – Faculdades Milton Campos/MG

Belo Horizonte, 29 de novembro de 2011

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia Universidade

Católica de Minas Gerais, como requisito parcial

para obtenção do título de Mestre em Direito

Processual.

Dedico este trabalho a todos aqueles que, de alguma forma contribuíram com sua realização:

Aos meus pais, por cada palavra de incentivo,

Aos meus avôs, com a saudade que o tempo ensinou a conviver,

Aos meus irmãos pelo apoio ainda que inconsciente,

À Mari pelo companheirismo e dedicação cujo sorriso sempre deu segurança e apoio

incondicionais,

À PUC Minas Serro, seus professores, alunos e funcionários,

Ao Centenário, simplesmente por existir!

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à minha família, porto seguro de todas as horas e momentos

de tensão. À minha mãe pela dedicação e apoio, pelos cafés que auxiliaram nas noites de

estudo. Ao meu pai pelo apoio e incentivo, sempre ao meu lado durante todas as horas. Aos

meus irmãos pelo apoio constante que sempre deu força para seguir em frente.

Agradeço à Mari, companheira para todos os momentos, de alegria e estudo. Pela

compreensão incondicional, muitas vezes abrindo mão de vários desejos para me apoiar. Pelo

chocolate quente sempre pronto quando o cansaço derrubava na forma de gripes, resfriados,

febres. Pelo sorriso na hora certa e pelo puxão de orelha nos momentos de exagero. Pelos

momentos de descontração que foram fundamentais para me dar forças para seguir em frente!

Ao meu orientador, prof. Dr. Leonardo Augusto Marinho Marques, pela confiança e

dedicação. Pelas obras emprestadas e conselhos sempre imprescindíveis para a realização

deste trabalho.

Aos amigos da PUC Minas Serro, professores, alunos, e funcionários. Aos professores,

pela amizade e interlocução, fazendo com que este trabalho fosse construído através do debate

plural e democrático. Aos funcionários, que sempre proporcionaram o ambiente adequado

para o estudo. Aos alunos, que mais me ensinam que aprendem.

Aos companheiros de advocacia do Santiago e Associados Advocacia, que me

receberam em um momento de tensão e sempre apoiaram durante todo o curso de mestrado.

Aos colegas de mestrado, que pela união fizeram com que o sofrimento e angustia se

diluíssem de forma tranqüila e contribuíram com o aprendizado. Mais do que colegas

tornaram-se amigos, amanhã ainda vamos rir de tudo que passamos juntos!

Ao Centenário, pelos momentos de alegria e descontração, fundamentais para relaxar e

continuar esta caminhada. Obrigado, simplesmente por existir.

A todos, minhas sinceras desculpas pela ausência constante, preço que teve de ser

pago para desenvolver este trabalho.

Liberdade – essa palavra

que o sonho humano alimenta:

que não há ninguém que explique,

e ninguém que não entenda!

(Cecília Meireles)

Crise de democracia se cura com mais democracia.

(Leonardo Boff)

RESUMO

Esta dissertação teve como objetivo central demonstrar que o processo penal acusatório é o

único modelo compatível com o paradigma do Estado Democrático de Direito, porque, nele, o

julgamento se funda no debate em contraditório promovido pelas partes. O Estado

Democrático de Direito reclama a participação dos interessados nas instâncias decisórias.

Nesse sentido, a obra de Elio Fazzalari, através de sua teoria do processo como procedimento

em contraditório, serviu de base para defender a construção comparticipada da decisão e para

combater o protagonismo judicial, herdado do sistema inquisitório, e que serve à teoria da

relação jurídica em sua vertente instrumentalista, mas não serve à democracia. O trabalho

busca, através do modelo constitucional de processo, estudar nessa participação democrática,

a fundamentação necessária para retirar o juiz do centro do palco processual e afirmar a

importância da atuação das partes. Nesse modelo, o juiz passa a atuar em conjunto com as

partes, através do diálogo entre estas e o julgador, de modo a assegurar os direitos

fundamentais dos sujeitos do processo e a garantir que todos tenham iguais oportunidades de

fala e participação na construção da decisão. Pretendeu-se construir um modelo processual

comparticipativo e policêntrico que tenha no processo acusatório seu porto seguro.

Palavras Chave: Processo Penal. Democracia. Participação. Acusatório. Sujeitos.

ABSTRACT

This present study has the objective to demonstrate the penal process indictment like the only

compatible model with the Democratic Rule of Law, because in it the trial is based on the

contradictory debate promoted by the parties. The Democratic Rule of Law demands the

participation of all parties in the decision-making. In this sense, the theory of Elio Fazzalari

about of the process as adversarial procedure, served as a basis to defending the the

construction would involve turning of the decision and to combat the judicial prominence,

inherited from the inquisitorial system, besides marking the theory of legal relationship

instrumentalist. This study approaches the democratic participation and the necessary decision

to take out the judge in the center of the process and importance the actuations of all parties.

In this model, the judge passes by to act in the process with the parties, with dialogs between

this and the judge, so as to ensure the fundamental rights of the individuals in the process and

to ensure that all have equal opportunities to talk about and participation in the construction of

the decision. Intended To construct a procedural comparative model and polycentric, it has in

the accusatory process its safe harbor.

Key words: Penal process, democracy, participation, accusation and subjects.

LISTA DE ABREVIATURAS

Art. – Artigo. CPP – Código de Processo Penal. Des. – Desembargador. DJ – Diário de Jurisprudência DJe – Diário de Jurisprudência Eletrônico ed. – Edição. EMENT. – Ementário. HC – Habeas Corpus. j. – Julgado em. Min. – Ministro. MS – Mandado de Segurança. n. – número. p. – Página. PP. – Página. Rel. – Relator. v.g – verba gratia (por exemplo). Vol. – Volume.

LISTA DE SIGLAS STF – Supremo Tribunal Federal. STJ – Superior Tribunal de Justiça. TJMG – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. TJRS – Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................11

2 ESTADO DEMOCRÁTICO E MODELO CONSTITUCIONAL DE PRO CESSO ....15 2.1 O Estado Democrático de Direito....................................................................................15 2.2 Teoria do Processo e Modelo Constitucional de Processo ............................................26

2.3 Base principiológica uníssona segundo o modelo constitucional do processo........37 2.4 O Código de Processo Penal brasileiro como obra do Estado Social e inaplicabilidade no Estado Democrático de Direito: quebrando o binômio segurança pública X liberdade individual.................................................................................................................................54

2.5 O devido processo legal e a participação dos sujeitos processuais no processo democrático .............................................................................................................................60

3 SISTEMA ACUSATÓRIO.............................................................................................64 3.1 Significado da Palavra “Sistema” ...................................................................................64 3.2 Evolução histórica dos sistemas processuais penais .................................................67

3.3 Características do sistema acusatório........................................................................75 3.3.1 A (in)existência de um sistema misto.............................................................................89 3.4 Afinal, qual sistema foi adotado no Brasil?...............................................................91

4 PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO E SISTEMA ACUSATÓRIO A PERSECUÇÃO PENAL LEGITIMADA PELA CONSTITUIÇÃO ...... ........................109 4.1 Presunção de não culpabilidade: o horizonte do processo penal democrático .........111

4.2 Recolocando os sujeitos em seus lugares para a formatação do processo penal democrático ...........................................................................................................................128

4.3 O processo penal comparticipativo como solução democrática para assegurar o modelo acusatório .................................................................................................................156

5 CONCLUSÃO....................................................................................................................162 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................165

11

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa estudar a participação das partes e do juiz e sua relação com a

construção da decisão penal segundo o processo penal acusatório no paradigma do Estado

Democrático de Direito. Busca-se, dessa forma, demonstrar que o processo penal somente

poderá estar em conformidade com as bases democráticas se possibilitar a efetiva participação

das partes na construção do provimento jurisdicional adotando, para tanto um modelo

acusatório com a completa separação entre as tarefas de julgar, acusar e defender.

O trabalho será dividido em três capítulos, sendo que no primeiro construiremos, a

partir do paradigma do Estado Democrático de Direito segundo a concepção de Habermas, as

bases do processo democrático e a relação com o processo penal; no segundo capítulo

estudaremos as bases do sistema acusatório e determinaremos qual foi o sistema processual

adotado em nosso ordenamento jurídico; já no terceiro capítulo construiremos as bases para

um processo penal que se possa dizer democrático e segundo o modelo acusatório,

demonstrando que somente o processo acusatório está em conformidade com o paradigma

democrático adotado no capítulo inaugural.

Para o desenvolvimento do trabalho, será imprescindível estabelecer as origens do

Estado Democrático de Direito, que é fruto da evolução da própria humanidade,

representando verdadeira ruptura em relação aos paradigmas Liberal e Social. Para tanto, nos

valeremos das lições da teoria procedimentalista de Habermas no que se refere aos

paradigmas do Direito, adotaremos as obras “Direito e Democracia: entre facticidade e

validade” e “A Inclusão do Outro”.

É importante afirmar que o Estado Democrático de Direito não é, e nem deve ser, um

modelo pronto e acabado. Ao contrário, desde seu surgimento, com o fim da Segunda Guerra

Mundial e os movimentos reformistas das décadas que se seguiram, principalmente nos anos

1960/1970, até hoje o Estado Democrático de Direito mostra-se um modelo inacabado e

inacabável, que será construído a cada dia pela participação popular na construção das

decisões do próprio Estado.

Não basta garantir a mera participação, ou a mera possibilidade de discutir as decisões

coletivamente. É imprescindível que a participação se dê de forma a que todos aqueles que

serão afetados pela decisão tenham as mesmas condições de interferir em sua construção. O

processo penal, nesse raciocínio, é imprescindível para trazer as partes, materialmente

desiguais, para a participação simétrica na construção da decisão. O próprio Estado exerce as

12

funções de acusar e de julgar enquanto o acusado acabaria, se não fosse o processo, em

posição de inferioridade. Assim, o Processo Penal busca colocar em posição simétrica os

desiguais, dando-lhes iguais oportunidades de participar democraticamente da construção do

provimento penal. Ademais, a participação tem por escopo primordial garantir que a decisão

não seja fruto de um só intérprete, preservando e respeitando as diferenças existentes em uma

sociedade plural.

Faremos uma incursão na teoria do processo, demonstrando sua evolução teórica

desde sua desvinculação em relação ao direito material, através da teoria da relação jurídica

até o processo democrático construído pela participação dos sujeitos na construção da

sentença. Analisaremos as principais teorias do processo e a forma em os sujeitos do

processo são percebidos e inseridos na relação processual. Buscaremos demonstrar que a

teoria da relação jurídica e sua concepção instrumentalista não consegue assegurar a

participação democrática dos sujeitos processuais, colocando o juiz em posição de

superioridade em detrimento dos demais participantes do processo e, por isso, possibilitando a

manutenção do sistema inquisitório na forma adotada por nosso Código e Processo Penal.

Diante da incapacidade da teoria da relação jurídica em possibilitar a simetria entre os

sujeitos do processo, estudaremos a teoria do processo como procedimento em contraditório e

as teorias que partem dessa concepção para construir o processo constitucional e democrático,

através do que estabeleceremos o modelo constitucional de processo como base para a

construção da participação das partes na construção da decisão. Estudaremos, também a teoria

constitucionalista do processo elaborada no Brasil por José Alfredo de Oliveira Baracho e a

teoria neo-institucionalista do processo do professor Rosemiro Pereira Leal, para demonstrar

que somente se colocando os sujeitos em posição de simetria é que se possibilitará a

construção comparticipativa do provimento jurisdicional.

Visando formatar um modelo constitucional de processo que possibilite a efetiva

participação democrática dos sujeitos na construção do provimento discorremos sobre a base

principiológica uníssona que forma o referido modelo (contraditório, ampla argumentação,

terceiro imparcial e fundamentação das decisões).

Na seqüencia apresentamos o Código de Processo Penal vigente no Brasil, elaborado

durante o governo ditatorial de Getulio Vargas e com forte inspiração no Código de Processo

Penal italiano da década de 1930 elaborado por Rocco sob supervisão de Manzini durante o

regime fascista de Mussolini. Buscaremos nesse ponto demonstrar o autoritarismo marcante

em nosso Código de Processo Penal, que serviu regimes ditatoriais e que não serve à

democracia.

13

Ao final do primeiro capítulo apresentaremos um modelo de processo que tem na

participação seu eixo principal, buscando, apresentar uma idéia geral do que será

desenvolvido nos capítulos seguintes.

No segundo capítulo estudaremos o sistema acusatório, calcando nossos estudos nas

concepções de Franco Cordero e de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, demonstrando suas

características e separando-o do sistema inquisitório. Para tanto iniciaremos o capítulo

conceituando a palavra sistema e definindo a forma que a utilizamos durante este trabalho.

Após definirmos o conceito da palavra sistema procuraremos apresentar as

características principais do sistema acusatório e apontar seu antagonismo com o

procedimento inquisitório. Buscaremos neste capítulo demonstrar que somente o sistema

acusatório é que poderá ser considerado como um modelo processual, enquanto o modelo

inquisitório tratar-se-á de um modelo procedimental. Assim, somente no processo acusatório é

que estaríamos diante de um modelo participativo de construção do provimento e,

conseqüentemente, somente este modelo poderá ser observado em regimes democráticos.

Fixadas as características dos sistemas processuais penais demonstraremos que é impossível a

existência de um sistema misto, sendo este mais um engodo criado por Napoleão para

conservar o estado das coisas da forma em que estavam antes da revolução.

Após fixarmos as características dos sistemas processuais penais analisaremos a

legislação brasileira para definirmos qual sistema foi adotado entre nós. Demonstrando a

existência clara de contradição entre a Constituição e o Código de Processo Penal, sendo este

inquisitório e aquela acusatória.

No terceiro capítulo buscaremos construir um modelo de processo penal policêntrico e

comparticipativo no qual a decisão deixe de ser fruto da mente privilegiada de um ser

messiânico para passar a ser o resultado do trabalho coletivo entre as partes e o julgador.

Demonstraremos que o processo penal no Estado Democrático de Direito deve ser marcado

pela atuação efetiva de todos seus sujeitos, em um processo de partes onde a participação é

marca inafastável.

Para tanto, partiremos do princípio da presunção de não culpabilidade, premissa básica

do processo penal que se pretenda democrático, que deverá sempre ser colocada no horizonte

daquele que se propor a estudar este ramo do direito ou ingressar em uma das carreiras

jurídicas que lide com o Direito Penal. Dividiremos o princípio da não culpabilidade em duas

premissas básicas discorrendo sobre o princípio como sendo uma norma de tratamento que

obriga dar tratamento ao acusado como sendo inocente e, de outro lado, como norma de

14

julgamento que impõe à acusação todo o ônus probatório. Dessas duas premissas básicas

extraímos diversas outras conseqüências do princípio da presunção da não culpabilidade.

Após, passaremos à análise da posição de cada um dos sujeitos do processo penal, para

recolocar o juiz, o acusador, o defensor, o acusado e a vítima em conformidade com o

paradigma democrático de processo penal, possibilitando a ampla participação de todos na

construção coletiva da decisão. Assim, o juiz no processo penal democrático deve ter posição

de garantidor dos direitos fundamentais, competindo-lhe assegurar a participação das partes

na construção do provimento. Ao Ministério Público cabe assumir a posição de parte e atuar

de forma efetiva no processo através de manifestações bem fundamentadas e parciais,

competindo-lhe todo o ônus probatório. Já ao acusado e à defesa técnica cabe-lhes a atuação

ativa em arrazoados bem fundamentados e a participação na construção da prova de modo a

refutar as alegações da acusação, somente uma defesa ativa poderá colocar as partes em

posição simétrica nos termos exigidos pela Constituição. Por fim reveremos a participação da

vítima no processo penal, atualmente esse papel é ínfimo, devendo sua participação ser revista

e incentivada, vez que também será afetada diretamente pela decisão penal, além de ser peça

fundamental do evento criminoso.

Após recolocarmos os sujeitos processuais em seus lugares segundo o processo penal

democrático, buscaremos demonstrar como deveria ser o processo penal no modelo

democrático: comparticipativo e policentrico, possibilitando a real e concreta participação de

todos os sujeitos do processo na construção do provimento jurisdicional. Para tanto, nos

valemos principalmente das lições de Alexandre de Morais da Rosa e de Dierle José Coelho

Nunes, bem como das concepções de Fazzalari aliadas à teoria de Habermas.

Através da estrutura apresentada, pensamos que o processo penal democrático

somente se coaduna com um modelo acusatório. Sendo certo que somente pela participação

de todos aqueles que serão atingidos pelo provimento jurisdicional é que nos aproximaremos

desse modelo processual e, conseqüentemente da democracia no Direito Processual Penal.

15

2 ESTADO DEMOCRÁTICO E MODELO CONSTITUCIONAL DE PRO CESSO

2.1 O Estado Democrático de Direito

O Estado não existe antes do ser humano, pelo contrário, é criação da humanidade

para possibilitar a harmônica convivência. Aristóteles ao afirmar que o homem é um ser

político, quis dizer que o ser humano vive e se realiza em sociedade. A sociedade nasce da

reunião dos seres humanos para possibilitar a própria sobrevivência. Álvaro Ricardo de Souza

Cruz (CRUZ, 2004, p. 33) afirma que, para os gregos, a pólis precedia ao próprio indivíduo,

que, por não ser auto-suficiente, precisava da vida social e política para realizar-se enquanto

ser humano, dessa forma a vida em coletividade, antes de ser uma escolha, era uma condição

humana.

Porém, a sociedade, por si só não é suficiente para assegurar a felicidade e a

sobrevivência humana, é necessário é necessário que existam regras para possibilitar a

convivência harmônica e em sociedade. Dessa necessidade, surge o Estado e o Direito,

criações puramente da humanidade. Não há Estado sem direito e nem direito sem o Estado

para impor o cumprimento de suas normas (SOTELO, 2010, p. 113).

Nesse sentido, Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2010, p. 2) afirma que o direito é

construção da humanidade em decorrência de suas necessidades, sendo produzido por ela para

a regulação dos interesses prevalentes em cada época. Ana Messuti (MESSUTI, 2003, p 109-

111) ensina que o direito é construção humana para separar o ser humano do mundo natural,

garantindo estabilidade e previsibilidade em suas relações. Segue a referida professora

afirmando que não existe sociedade de apenas duas pessoas, e, muito menos de um só ser

humano. Para a existência da sociedade é imprescindível a intervenção de, no mínimo três

pessoas, assim, também ocorreria com o direito, já que este é um fenômeno essencialmente

social, sendo necessária a presença de um “terceiro”, que estaria presente desde o momento da

criação da norma jurídica até o momento de sua concretização pela atividade jurisdicional. O

terceiro, segue Ana Messuti, é o próprio Estado.

Assim, para que nenhum ser humano pudesse abusar de seus direitos em detrimento

dos direitos dos demais indivíduos, a humanidade criou o Estado. Porém, o Estado, como ente

abstrato que é, é composto por seres humanos que, durante a evolução da humanidade,

16

acabaram por usar do Estado para fins pessoais e em detrimento da própria humanidade, ou

confundindo o próprio ser com o Estado.

Dos abusos notados durante o sistema absolutista, no qual a figura do Estado se

confundia com a figura do soberano, como sintetizou em célebre frase Luis XIV ao afirmar

que “L'État c'est moi” 1, surgiu a necessidade de conter o poder do Estado, fazendo-se

imperiosa a revisão das formas e paradigmas para que alguns detentores do poder não

acabassem por abusar em prejuízo dos indivíduos.

Durante a evolução da sociedade, desde a ruptura com o antigo regime absolutista, o

Estado de Direito passou pelos paradigmas2 do Estado Liberal, Estado Social e, por fim do

Estado Democrático de Direito, que trouxeram diferentes formas de interpretação dos

institutos processuais, sobretudo na relação da sociedade com o Estado e, conseqüentemente,

com o poder.

Vale lembrar que esta evolução não se deu de forma linear, mas foi permeada de

avanços e retrocessos, sendo que essa marcha histórica tem natureza dialética, e deve ser

percebida como a absorção/superação das etapas anteriores pelas posteriores (MENDES;

COELHO; BRANCO, 2009, p. 66), assim, a fase anterior não é abandonada, mas

1 “O Estado sou eu”. 2 O termo “paradigma” tem origem nas ciências naturais através da obra de Thomas Khun, Alberico Alves da Silva Filho (SILVA FILHO, 2000, p. 134) afirma que a definição “paradigma” deriva da obra “A Estrutura das Revoluções Científicas” escrita por Thomas Khun. Segundo Alberico, Khun “não apresenta uma definição capaz de delimitar seu sentido explícito”. Em nota de rodapé, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (DIAS, 2004, p. 101) aponta que “paradigmas do Estado de Direito e do Estado Democrático de Direito devem ser compreendidos como sistemas jurídico-normativos consistentes, concebidos e estudados pela teoria do Estado e pela teoria constitucional, no sentido técnico de verdadeiros complexos de idéias, princípios e regras juridicamente coordenados, relacionados entre si por conexão lógico-formal, informadores da moderna concepção de Estado e reveladores das atuais tendências científicas observadas na sua caracterização e estruturação jurídico-constitucional.”. Para ilustrar, vale destacar as palavras de Thomas Khun (KHUN, 2007, p. 43) ao afirmar que “No seu uso estabelecido, um paradigma é um modelo ou padrão. Este aspecto de seu significado permitiu-me, na falta de termo melhor, servir-me dele aqui. Mas dentro em pouco ficará claro que o sentido de ‘modelo’ ou ‘padrão’ não é o mesmo que o habitualmente empregado na definição de ‘paradigma’. Por exemplo, na gramática, amo, amas amat é um paradigma porque apresenta um padrão a ser usado na conjugação de um grande número de outros verbos latinos - para produzir, entre outros, laudo laudas, laudat. Nessa aplicação constumeira, o paradigma funciona ao permitir a reprodução de exemplos, cada um dos quais, poderia, em princípio,substuir aquele. Por outro lado, na ciência, um paradigma raramente é suscetível de reprodução. Tal como uma decisão judicial aceita no direito costumeiro, o paradigma é um objeto a ser melhor articulado e precisado em condições novas ou mais rigorosas.”. Porém, conforme apontam Bernardo Gonçalves Fernandes e Flávio Quinaud Pedron (FERNANDES; PEDRON, 2008, p. 12), coube a Jürgen Habermas a transposição do conceito de paradigma das ciências naturais para as ciências sociais, assim, segundo as palavras do próprio Habermas, “Por esse último (paradigmas de Direito), entendo as visões exemplares de uma comunidade jurídica que considera como os mesmos princípios constitucionais e sistemas de direitos podem ser realizados no contexto percebido de uma dada sociedade”, e segue Habermas “Um paradigma delineia um modelo de sociedade contemporânea para explicar como direitos constitucionais e princípios devem ser concebidos e implementados para que cumpram naquele dado contexto as funções a eles normativamente atribuídas” (HABERMAS, 1997a, p. 194-195). Exatamente no sentido habermasiano, como princípios constitucionais e sistemas de direitos realizados em uma determinada sociedade é que iremos adotar o termo paradigma.

17

absorvida/superada pela subseqüente. Sendo certo que o Estado Democrático de Direito

representa a ruptura entre este e os paradigmas que lhe antecederam, como forma de

superação ao Liberalismo e ao Estado Social.

O termo Estado de Direito (Rechtsstaaat3) tem origem no liberalismo alemão, do

início do século XIX, em cuja origem significa o Estado do direito racional, que realiza os

princípios da razão na e para a vida humana (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 63;

DIAS, 2004, p. 94), somente em fins do século XIX foi que o termo ganhou contornos sólidos

para significar o Estado Liberal de Direito, em contraponto com o Estado de Polícia que tudo

regula em nome da “felicidade dos súditos”, sendo que a limitação do Estado estendia-se

também ao soberano, submetido ao “império da lei” (CANOTILHO, 2002, p. 96-97). Trata-se

do Estado no qual se governa conforme a vontade racional geral com o escopo de atingir o

que fosse melhor para todos os indivíduos (DIAS, 2005, p. 151). Sendo que a doutrina alemã

idealizou o Estado de Direito como sendo aquele que governasse segundo a vontade racional

geral, objetivando o melhor para todos os indivíduos (DIAS, 2010, p. 49).

Hans Kelsen (KELSEN, 1998, p. 346) afirma que um Estado que não seja submetido

ao Direito é impensável. Assim, o Estado somente existiria nos atos de Estado, ou seja, nos

atos praticados por indivíduos e atribuídos ao Estado como pessoa jurídica. Portanto, ainda

segundo Kelsen, dizer que o Estado cria o Direito significa apenas afirmar que indivíduos, em

nome do Estado (pessoa jurídica), criam o Direito, e, dessa forma, o Direito regula sua própria

criação. Não pode, neste raciocínio, haver um Estado que seja, em sua existência, anterior ao

próprio Direito por ele criado, mas seria o Direito que, ao regular a conduta dos indivíduos, e

especialmente sua própria conduta dirigida à criação do Direito submeteria a si e aos

indivíduos ao próprio Direito. Ao final, conclui Kelsen: “Se o Estado é reconhecido como

uma ordem jurídica, se todo Estado é um Estado de Direito, esta expressão representa um

pleonasmo”. Porém, na seqüência, o próprio Kelsen afirma que a expressão “Estado de

Direito” é efetivamente utilizada para designar um tipo especial de Estado que satisfaz aos

requisitos da democracia e da segurança jurídica, significando, neste sentido, uma ordem

jurídica relativamente centralizada na qual a jurisdição e a administração estejam vinculadas

às leis.

Em decorrência dos tempos vividos sob o absolutismo, o Estado Liberal representou

a reação contra o absolutismo e os privilégios que garantia ao clero e à nobreza (VARGAS,

3 Segundo anota Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (2010, p. 48), o termo alemão Rechtsstaat deriva da junção entre Recht (direito) e Staat (Estado) e surgiu em oposição à idéia do Estado de Polícia (Obrigkeitsstaaat ou Polizeistaat) no qual predominava a soberania central do monarca, que detinha poderes sobre a religião e exercia a autoridade eclesiástica e tinha a missão a promoção do bem estar e da felicidade dos súditos.

18

1992, p. 41), sendo visto como adversário do ser humano4, devendo tão somente salvaguardar

as liberdades privadas do indivíduo e intervir o mínimo que fosse possível em sua liberdade5.

Dessa forma, havia uma completa separação entre o Estado e a sociedade, que era, ou

pretendia ser, despolitizada e livre de interferências do Estado, sendo que este deveria apenas

assegurar o status negativo da liberdade dos sujeitos de direito (HABERMAS, 1997, p. 132).

A atividade hermenêutica do juiz foi reduzida à mera atividade mecânica, o juiz

passou a ser considerado como a “boca da lei” e a ele caberia apenas e tão somente aplicar a

lei ao caso concreto, evitando a interpretação (CARVALHO NETO, 2004, p. 34). Em

complemento, Daniel Sarmento (SARMENTO, 2004, p. 382) afirma que “a lei, encarnação

da vontade popular, não deveria sujeitar-se ao controle do Poder Judiciário, sob pena de

instituição de um ‘governo de juízes’ de caráter antidemocrático.” Luiz Flávio Gomes

(GOMES, 2010, p. 7) lembra que no liberalismo o legislativo e o executivo podiam tudo,

enquanto os juízes eram eunucos, servos da lei, nada fazendo contra elas. Havia, assim, nítida

confusão da lei com o Direito. Dessa forma, as partes eram os principais atores processuais,

enquanto o juiz ocupava posição de mero espectador, cabendo-lhe apenas aplicar a lei ao caso

concreto, intervindo o mínimo possível no modo de vida das partes. Assim, as partes tinham

papel central no procedimento, enquanto ao juiz, no processo liberal, era um estranho em

relação ao objeto do litígio, cumprindo-lhe função de mero espectador passivo e imparcial do

debate processual, não lhe competia interferir ou causar às partes quaisquer embaraços

interpretativos (NUNES, 2010, p. 74-77).

Dierle José Coelho Nunes (NUNES, 2010, p. 77) critica o liberalismo processual

afirmando que, em razão do completo afastamento jurisdicional, o liberalismo processual

acabou por proporcionar um sistema degenerado, no qual predominava a esperteza da parte

mais hábil.

A crise do Estado-Mínimo chegou ao seu ápice com a Primeira Guerra Mundial

(1914-1918), seguida da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque (1929) que teve como

conseqüência a grande depressão. A crise trouxe a necessidade da intervenção do Estado na

vida social e econômica, como ocorreu com o New Deal. Também nesse período, os direitos

sociais passaram a ser reconhecidos constitucionalmente, inicialmente pelas Constituições do 4 Nesse sentido, Paulo Bonavides (BONAVIDES, 1993a, p. 27) lembra que na “doutrina do liberalismo , o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de início, na moderna teoria constitucional como o maior inimigo da liberdade.” 5 Paulo Bonavides (BONAVIDES, 1993a, p. 57) lembra que “A burguesia precisava de liberdade e o Estado liberal-democrático, assentado naquele formalismo jurídico que em Kant chegara a sua formulação mais acabada, era um Estado destituído de conteúdo, neutralizado para todo ato intervenção que pudesse embaraçar a livre iniciativa material e espiritual do indivíduo, qual, como soberano, cingira a coroa de todas as responsabilidades sociais.”

19

México (1917) e de Weimar (1919), surgindo, com isso, o Estado Social (SARMENTO,

2004, p. 388), sob forte incentivo da Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (DEL

NEGRI, 2008, p. 34).

O Estado Social teve natureza intervencionista, com a presença constante do poder

político nas instâncias sociais (HABERMAS, 1997a, p. 132), aumentando, conseqüentemente,

a dependência dos indivíduos em relação ao Estado (BONAVIDES, 1993a, 196). O Estado

deixou de ser mero expectador das relações sociais para intervir diretamente nos serviços

públicos (DEL NEGRI, 2008, p. 35). O Estado passou a ter como tarefa a intervenção na

sociedade para atender as demandas sociais, buscando, dessa forma, o bem estar da população

pela constitucionalização dos direitos sociais e coletivos (MARQUES, 2009, p. 143),

implantando políticas públicas com escopo de planificar desigualdades em uma tentativa de

propiciar justiça social pela efetiva garantia de igualdade de oportunidades e de uma maior

distribuição de riquezas (BARROS, 2003, p. 2).

No Estado Social há, no processo jurisdicional o protagonismo do juiz (NUNES,

2010, p. 83), sob paradigma social, o juiz passou a ser percebido como o guardião do direito e

a função jurisdicional assumiu papel central (DEL NEGRI, 2008, p. 35). Dierle José Coelho

Nunes, ancorado nas lições de Menger, afirma que, no Estado Social, competiria ao juiz dois

papéis fundamentais, um de natureza extraprocessual e outro endoprocessual. Em sua face

extraprocessual, o juiz tinha como objetivo educar as partes, instruindo e auxiliando-as na

defesa de seus direitos; já em sua atuação dentro do processo o juiz atuava como representante

dos pobres, auxiliando a parte menos favorecida (NUNES, 2010, p. 80). Dessa forma, no

paradigma social o juiz ocupava o centro do palco processual, enquanto as partes ocupavam

posição de meros coadjuvantes, apenas auxiliando o monólogo protagonizado pelo

magistrado.

Sob o paradigma do Estado Social foram elaborados os Códigos de Processo Penal

(Decreto Lei 3.689 de 03 de outubro de 1941) e o Código Penal (Decreto Lei 2.848, de 07 de

dezembro de 19406) vigentes no Brasil até os dias atuais. Sob esse enfoque o Código de

Processo Penal elege a segurança pública como seu valor supremo e, em sua defesa, permite

as maiores interferências sobre a vida dos cidadãos. Evidencia-se no Código de Processo

Penal o falso conflito dentre a segurança pública e a liberdade individual. Em que pesem as

6 O Código Penal sofreu considerável reforma com a alteração integral de sua parte geral (art. 1 ao art. 120) realizada em 1984 pela Lei 7.209/1984, bem como por alterações posteriores, porém, sua marca social continua presente em diversas criminalizações que visam impor forma única de felicidade e de valores comuns. Não nos ateremos ao Código Penal por versar nosso estudo no campo do Direito Processual Penal, assim nos deteremos ao Código de Processo Penal.

20

inúmeras reformas sofridas pelo Código de Processo Penal até hoje, principalmente aquelas

posteriores à Constituição de 1988 que buscaram sua adequação constitucional, o referido

diploma mantém seu caráter social e sua alma autoritária, visto que o vício está arraigado em

sua base e somente uma reforma integral conseguirá modificá-lo.

O paternalismo do Estado Social fez com que o estado providência tivesse que

distribuir chances de vida, assegurando a cada indivíduo a base material para uma existência

digna. Porém, pela sua intervenção que visava assegurar o “bem comum” acabou por

prejudicar a própria autonomia individual que deveria proteger (HABERMAS, 1997a, p. 144-

145).

O Estado Social, contudo, não conseguiu realizar a igualdade material e foi incapaz

de reduzir as desigualdades geradas pelo capitalismo. As diferenças geradas pelo pluralismo

de idéias não poderiam ser atendidas por um sistema que buscava a igualdade através de um

projeto que visava ao bem comum a partir de uma visão unitária do mundo (MARQUES,

2009, p. 144). Sob o paradigma social regimes autoritários foram erguidos, Hitler subiu ao

poder na Alemanha, Mussolini na Itália, Franco em Portugal, Salazar na Espanha, no Brasil,

como não poderia ser diferente, Getulio Vargas assumiu o poder e governou o País durante o

Estado Novo7.

O crescimento dos regimes Nazifascistas proporcionou à humanidade suas mais

cruéis cenas, quando milhões de pessoas foram mortas em campos de concentração,

simplesmente por não pertencerem ao padrão da “raça ariana”, outros milhões foram mortos

durante os sangrentos combates da segunda grande guerra mundial. O paradigma social,

aponta Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2004, p. 6), serviu de base para a ruptura

para o paradigma do Estado Democrático de Direito, sobretudo após a Segunda Guerra

Mundial e de suas tristes memórias como o holocausto e a bomba atômica. Se junta a estas

páginas da humanidade desumana, os movimentos reformistas da segunda metade do século

XX, que serviram de base crítica para questionar e colocar em cheque o paradigma social,

como o movimento hippie, os movimentos estudantis e o movimento feminista.

A busca de um bem comum restou insuficiente, tendo em vista que o Estado Social

buscava aquilo que entendia ser o bem para todos seus cidadãos, desconsiderando que cada

pessoa é única. A individualidade que forma a pluralidade dos indivíduos restou

flagrantemente desrespeitada pelo Estado Social, que, em face disso, acabou levando à

7 O governo Vargas no Brasil foi de grande contradição, ao mesmo tempo que internamente era regido à mão de ferro nos moldes totalitários, chegando a enviar Olga Benario Prestes para as garras do regime alemão, externamente Vargas enviou tropas para o combate ao lado das tropas aliadas e contra as tropas de Hitler

21

sociedade a buscar novas conquistas que levaram à sua decadência e com o rompimento que

nos trouxe ao Estado Democrático de Direito.

O Estado Democrático de Direito é configurado pela busca do Estado de assegurar ao

povo8 a liberdade necessária para poder gerir a própria existência, entendendo-se esta de

forma individual. O Estado Democrático de Direito tem por escopo assegurar a participação

do povo na tomada das decisões pelas quais os cidadãos serão atingidos, além de assegurar a

todos o respeito e efetividade dos direitos individuais fundamentais, seguindo critérios de

legalidade estabelecidos pela Constituição.

Vale salientar, com Habermas (HABERMAS, 1997, p. 146) que o paradigma

Democrático ainda encontra-se em construção, tratando-se de uma obra em lento

desenvolvimento. O Estado Democrático de Direito tem por escopo assegurar aos indivíduos

o status de pessoas do direito e, como tal, destinatárias da ordem jurídica. Porém, ainda

segundo o professor da Escola de Frankfurt, as pessoas somente serão autônomas na medida

em que se compreenderem, concomitantemente, como destinatárias e autoras do direito ao

qual estarão submetidas. Assim, a legitimidade do direito se dará pela formação discursiva da

opinião e da vontade dos cidadãos, que, na democracia devem possuir direitos iguais e que

participam dos discursos políticos para a formação de “critérios de tratamento igualitário de

casos iguais e para o tratamento diferenciado de casos diferentes” (HABERMAS, 1997, p.

183).

A idéia de democracia denota a autonomia jurídica dos cidadãos, que passam a ser

percebidos de modo a serem concomitantemente autores e destinatários das normas

(HABERMAS, 1997b, p. 293). Porém, para que os cidadãos sejam autores das normas é

imprescindível que exista a participação em sua construção, que será efetivada pela teoria do

discurso, que visa possibilitar que visa fomentar a racionalidade das decisões por meio da

participação através das regras discursivas e das formas argumentativas (HABERMAS,

1997b, p. 278).

A marca indelével do Estado Democrático de Direito é a tutela dos direitos

fundamentais, competindo ao Estado a missão árdua de contemplar os diversos projetos

individuais e coletivos que marcam uma sociedade plural (OLIVEIRA, 2004, p. 157). Dessa

forma o Estado Democrático de Direito deverá assegurar que todos os indivíduos possam

8 Importante destacar que ao nos referirmos ao povo não falamos do povo como icônico que Friedrich Müller (1997, p. 65) preconiza em sua obra, mas segundo o conceito trazido por Rosemiro Pereira Leal (2010, p. 54) pelo qual povo, no Estado Democrático de Direito deve ser entendido como os legitimados ao processo. Assim, por povo, se deve compreender aqueles que possuem a necessária legitimidade para atuar no processo, contribuindo para a construção da decisão (provimento) pela qual serão atingidos.

22

desenvolver seus projetos individuais, sem impor-lhes aquilo que o próprio Estado determina

ser o “bem comum” e permitindo que cada um possa buscar na sua individualidade aquilo que

possa lhe satisfazer.

O juiz, no Estado Democrático de Direito, passou de aplicador do Direito a seu

construtor, construindo em co-autoria com as partes a decisão do caso concreto, norma

específica e adequada ao caso levado à jurisdição. “O juiz ou o decididor, nas democracias,

não é livre intérprete da lei, mas aplicador da lei como intérprete das articulações lógico-

jurídicas produzidas pelas partes da estrutura procedimental.” (LEAL, 2010, p. 63).

A legitimidade democrática do juiz, aponta Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR,

2010c, p. 144), é originada do caráter democrático da Constituição. Assim, a atuação do juiz

deixa de ser política para assumir caráter constitucional, fundamentada na intangibilidade dos

direitos fundamentais, dos quais passa a ser o garantidor. Esta concepção não esvazia o papel

da magistratura, mas o redefine, visto que o juiz passa a ser garantidor dos direitos

fundamentais, dentre os quais os que garantem a participação dos sujeitos na construção da

decisão (NUNES, 2009, p. 200).

Assim sendo, o juiz, no Estado Democrático de Direito, tem sua legitimidade

vinculada à Constituição, adquirindo a função de proteger os direitos fundamentais de todos e

de cada um, mesmo que, para isso tenha que contrariar a opinião da maioria em benefício de

um só indivíduo (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 281). A legitimidade do juiz não deriva da

vontade da maioria, mas da intangibilidade dos direitos fundamentais, que constituem a base

da democracia (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 285).

Conforme afirma Paulo Bonavides (BONAVIDES, 1993b, p. 13), a democracia é a

forma de exercício da função na qual o povo, por sua vontade soberana, decide, direta ou

indiretamente, todas as questões de governo. Assim, o povo é sempre o titular e o objeto, o

sujeito ativo e o sujeito passivo de todo poder legítimo. Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 30)

aponta que a democracia é um sistema político que visa promover decisões políticas,

legislativas e administrativas com base na participação popular. Dessa forma, a democracia

configura um sistema político institucionalmente convencionado com o escopo de promover

decisões administrativas, legislativas ou jurisdicionais, de acordo com a participação dos

afetados.

A realização dos direitos fundamentais é o valor fundante do Estado de Direito,

porém, para que este Estado de Direito seja democrático, deve-se assegurar que todo exercício

do poder, desde a sua origem, tenha a marca indelével da participação popular (OLIVEIRA,

23

2004, p. 14). O maior valor da democracia é a valorização do indivíduo em todas suas

relações com o Estado (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 143).

Nesse sentido, no Estado Democrático de Direito o cidadão é, concomitantemente,

autor e destinatário do direito, participando de forma ativa no processo de construção e

reconstrução comunicativa de seus direitos (BARROS, 2003, p. 3). “No constitucionalismo

democrático, os direitos fundamentais e a dimensão participativa nas instâncias decisórias se

consubstanciam como fatores de legitimação do poder e de preservação do pluralismo”

(MARQUES, 2009, p. 145).

Assim, o Estado Democrático de Direito tem por escopo promover a igualdade por

meio da participação do povo na tomada das decisões (FABRIZ, 2009, p. 147). A democracia

busca, pela participação, organizar a sociedade política de modo que a pluralidade das

manifestações sociais possa integrar as decisões a serem tomadas (FABRIZ, 2009, p. 154).

Não se deve confundir a participação com a chamada regra da maioria. A

participação democrática não é a simples opinião externada pelo voto da maioria, mas a

participação efetiva na construção do provimento. No que tange a direitos fundamentais,

como é o caso da aplicação processual do direito penal, a regra da maioria não será legítima,

Celso Fernandes Campilongo (CAMPOLONGO, 1997, p. 53) afirma que é “ridículo

submeter os direitos fundamentais ao escrutínio do maior número. A regra da maioria tem

um limite claro: não é legítima – nem nenhuma outra – para condicionar, suprimir ou reduzir

direitos essenciais da pessoa humana”. Assim, somente pelo devido processo legal é que

haverá a legítima e democrática intervenção nos direitos fundamentais, seja para criar ou

suprimir. A participação não se resume à vontade da maioria, mas ao debate, em igualdade, de

todos aqueles que serão afetados pela decisão, possibilitando que esta seja o resultado da

participação de todos aqueles que estarão a ela submetidos.

O regime democrático não deve ser confundido com o regime da maioria, mas

concebido como o regime no qual compete ao Estado assegurar as diferenças de cada

indivíduo. Desse modo o Estado estará assegurando os direitos tanto da maioria quanto da

minoria. O que faz uma sociedade democrática é o respeito aos direitos fundamentais, dentre

os quais o de participar na tomada de decisões. O Estado Democrático de Direito é aquele que

assegura a todos seus integrantes, individualmente considerados e segundo o próprio modo de

buscar sua felicidade, os direitos fundamentais, respeitando a individualidade de cada um

como ser único que é cada indivíduo.

O Estado Democrático de Direito deve ser construído pelo reconhecimento e pela

proteção aos direitos fundamentais do homem, que, como afirmamos no início do capítulo, foi

24

quem criou o próprio Estado. Sem o reconhecimento dos direitos fundamentais, não há

democracia. (THUMS, 2006, p. 96)

Daury Cesar Fabriz (FABRIZ, 2009, p. 148) aponta como princípios basilares do

Estado Democrático de Direito o respeito à constituição; a dignidade da pessoa humana; e a

ordem econômica e social voltada para a igualdade e justiça social.

Porém, entendemos por bem ressaltar, com Daury Cesar Fabriz (FABRIZ, 2009, p.

143) que a democracia não se sustenta apenas na fé dos cidadãos ou na singela proclamação

do regime político como democrático. A democracia somente será efetiva com os respeito às

regras constitucionais pré-estabelecidas e pela luta quotidiana pela realização dos direitos

fundamentais.

Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2002, p. 39) ensina que nenhuma norma será exigível

se não possui como destinatário seu próprio autor, assim, se o povo não legislou, o direito será

inexistente. Na democracia, o que não é provido por meio do devido processo legal não

poderá ser juridicamente existente.

Antonie Garapon afirma que o centro de gravidade do Estado Democrático de

Direito, que no Estado Liberal foi a função legislativa e no Estado Social foi a função

administrativa, agora passaria a ser agora a função jurisdicional. “O juiz torna-se o novo anjo

da democracia e reclama um status privilegiado, o mesmo do qual ele expulsou os políticos”

(GARAPON, 2001, p. 74). A função jurisdicional passaria a ser percebida como salvadora e

pacificadora das relações sociais, como se a sentença fosse capaz de solucionar a todos

problemas da sociedade (GARAPON, 2001, p. 24).

Contudo, entendemos que em um sistema democrático não deve haver a aglutinação

das funções nas mãos de um único e privilegiado intérprete, sendo impreterível que as funções

sejam repartidas. Não se pode ter espaço para que um ser seja colocado em posição de

superioridade e assuma o papel central de construir, segundo suas concepções, os caminhos da

democracia. Assim, cada função atua dentro da sua devida atribuição. Consoante afirma

Marcelo Cattoni Andrade de Oliveira (OLIVEIRA, 2009, p. 245), não se pode afastar a

cidadania nem do momento de criação das normas nem do momento de sua aplicação, somos

todos intérpretes legítimos da Constituição. Dessa forma, como afirmamos linhas acima, na

democracia, o juiz assume papel de garantidor dos direitos fundamentais, devendo assegurar,

sobretudo, o direito das partes de participar em posição de isonomia da construção do

provimento pelo qual serão diretamente atingidas.

Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2002, p. 136), afirma que no Estado Democrático de

Direito, o julgador deve postar-se como um dos elementos figurativos procedimentais,

25

juntamente das partes, a figurarem, juntos, na rede discursiva da normatividade

procedimental, com o objetivo de buscar uma decisão preparada pelo compartilhamento

estrutural de todos aqueles que atuam no processo e em conformidade com o devido processo

legal.

Segundo lembra Lênio Luiz Streck (STRECK, 2009, p. 4), uma democracia se

consolida no momento em que todas as funções republicanas verificam que a Constituição é a

explicitação do próprio contrato social, o estatuto jurídico do político.

Diante das conquistas históricas que nos conduziram do paradigma do Estado Liberal

ao atual paradigma do Estado Democrático de Direito, o Processo passou por diversas formas

de interpretar suas normas e de ser percebido. O Estado Democrático de Direito reclama do

aplicador/operador do Direito a participação na formação do provimento como forma de sua

legitimação democrática.

Porém, a simples participação não é o suficiente, é necessário que o provimento seja

precedido de simetria entre as partes e do respeito pelos direitos fundamentais e pela

Constituição, sob pena de ter-se uma decisão inconstitucional e desprovida de legitimidade.

Assim, a decisão no processo democrático é processualmente construída a partir da legalidade

procedimental e legitimada pelos fundamentos teórico-jurídicos do discurso democráticos que

carrega (LEAL, 2002, p. 101).

Resta fácil a conclusão de que no Estado Democrático de Direito, a função

jurisdicional se concretizará dentro da estrutura constitucionalizada do processo (DIAS,

2004a, p. 84), sendo que a tutela do processo é efetivada pelo reconhecimento da supremacia

da Constituição sobre as normas processuais, sendo que as garantias constitucionais atingem a

todos os participantes do processo (BARACHO, 1999, p. 89; 2008, p. 11; 1997, p. 105).

O processo se posiciona ao centro da estrutura de atuação das garantias

constitucionais e, concomitantemente, como instrumento de atuação dos modelos de

“jurisdicionalidade plena” delineados pela Constituição (ANDOLINA, 1997, p. 65). Daí a

necessidade de estudarmos o processo constitucional, posicionando-o na teoria do processo e

os princípios processuais, como faremos adiante.

26

2.2 Teoria do Processo e Modelo Constitucional de Processo

Através da obra de Bülow “Teoria das Exceções Processuais e os Pressupostos

Processuais” (1868), segundo aponta Rosemiro Pereira Leal, o processo adquiriu autonomia

em relação ao direito material. Bülow estudou os pressupostos processuais, de existência e

desenvolvimento, pela relação entre autor, réu e juiz, que deveriam cumprir os requisitos

previstos na lei processual para validade e legitimidade do processo.

Porém, Bülow não criou o conceito de relação jurídica processual, mas busco-a nos

textos de Búlgaro, jurista italiano do século XII, que afirmava que o processo (juízo) era o ato

de três pessoas: juiz, autor e réu9. (ALVIM, 2002, p. 161; LEAL, 2010, p. 78)

Bülow (BÜLOW, 2005, p. 6-7), em sua clássica obra, escrita originalmente em 1868,

adotou a concepção de que o processo seria uma relação jurídica de direito público

progressivamente desenvolvida entre o tribunal (juiz) e as partes. Assim, a relação jurídica

processual seria diferenciada das demais relações jurídicas por ser uma relação jurídica

contínua, ou seja, que se avança gradualmente, passo a passo. Dessa forma, a relação jurídica

processual, seria um contrato aperfeiçoado pela litiscontestação, no qual as partes seriam

obrigadas a colaborar com a decisão e a submeterem-se a ela, enquanto o juiz seria obrigado a

decidir e a realizar o direito deduzido em juízo.

Segundo a teoria da relação jurídica, o processo é uma relação intersubjetiva,

dinâmica e de direito público, que tem por escopo permitir a apreciação do direito material

pelo Estado-juiz (CÂMARA, 2004, p. 135). Bülow observou a que a relação jurídica

processual se distingue da relação de direito material em três aspectos: entre os sujeitos (autor,

réu e Estado-juiz); pelo objeto (prestação jurisdicional); e por seus pressupostos (pressupostos

processuais) (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 1999, p. 278).

Essa teoria, que ainda predomina na elaboração dos ordenamentos jurídicos

positivados, foi aprimorada por juristas como Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei e Liebman

(LEAL, 2010, p. 78), e teve grande influência no ordenamento jurídico brasileiro através de

Liebman, discípulo de Chiovenda, que, fugindo da Itália durante a Segunda Guerra Mundial,

veio a refugiar-se em São Paulo e lecionou na Universidade de São Paulo (USP), fundando a

chamada Escola Paulista de Processo da qual foi aluno Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça

responsável pela lavra do Código de Processo Civil vigente, o que denota sua grande

influência na legislação processual brasileira.

9 Iudicium est actus trium personarum: iudicis, actoris et rei.

27

Chiovenda concebeu o processo como uma relação jurídica (CHIOVENDA, 1942, p.

95-96), de natureza autônoma (possui vida autônoma, independente da norma de direito

material) e complexa (não contêm apenas um direito ou obrigação, mas um conjunto

indefinido de direitos coordenados para um objetivo comum) e que pertenceria ao direito

público vez que o processo seria derivado de normas reguladoras de uma atividade pública

(CHIOVENDA, 1942, p. 97-98). A relação jurídica, para Chiovenda (CHIOVENDA, 1942, p.

103) seria desenvolvida mediante uma série de atividades das partes e do tribunal

determinadas pela lei e que possuiriam como finalidade a sentença de mérito.

Carnelutti (CARNELUTTI, 1959, p. 21-22) afirma que o processo seria um conjunto

de atos dirigidos à formação ou aplicação de normas jurídicas de caráter a permitir a

participação das pessoas interessadas (partes) e de pessoas desinteressadas (juiz, auxiliares,

peritos, etc.), servindo o processo para a aplicação do direito. Assim, os sujeitos processuais

estabeleceriam relações jurídicas processuais para ordenar as atividades do processo

viabilizando seu desenvolvimento (CARNELUTTI, 1959, p. 290).

Por sua vez, Calamandrei (CALAMANDREI, 1962, p. 317-318) afirmava que o

processo seria uma série de atividades que deveriam ser levadas a cabo para se obter a

providência jurisdicional, enquanto o procedimento seria, de forma singela, o aspecto exterior

do fenômeno processual.

Da teoria da relação jurídica deriva a concepção instrumentalista do processo,

segundo a qual o processo seria mero instrumento da jurisdição na busca da paz social

(CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 41), possuindo escopos meta-jurídicos.

Segundo aponta Cândido Rangel Dinamarco, o processo seria um método pelo qual seriam

buscados os objetivos da jurisdição. Assim, ainda segundo Dinamarco (1975, p. 66-67)

somente poderíamos falar em processo diante da função jurisdicional, não havendo processo

fora de seu exercício.

Nesse aspecto, a função do juiz, para a Escola Instrumentalista seria a de assegurar

que o processo atingisse, através da jurisdição, seus escopos meta-jurídicos, tais como a

pacificação social e o acesso à justiça. Cândido Rangel Dinamarco (DINAMARCO, 2009, p.

188) aponta como escopo social da jurisdição a realização da justiça, pelo qual o Estado

realizaria o escopo de proporcionar a paz social. Através da jurisdição o Estado também

realizaria o objetivo de educar a sociedade, através da conscientização da população em

relação aos seus direitos e obrigações (DINAMARCO, 2009, p. 191). A jurisdição teria

escopos políticos, que se daria através de três aspectos básicos: primeiro pela afirmação do

poder do Estado para decidir de forma coativa; segundo pela concretização da liberdade; e,

28

por fim para assegurar a participação dos cidadãos nos destinos da sociedade política

(DINAMARCO, 2009, p. 198).

O juiz, nessa concepção teria a atribuição de resolver o caso concreto segundo sua

sensibilidade, através da qual buscaria no direito positivo a solução justa do caso

(DINAMARCO, 2009, p. 235). Verifica-se que a solução, segundo a concepção de

Dinamarco, bem como da escola instrumentalista do processo, está nas mãos do juiz, ator

principal do palco processual, deixando a atuação das partes relegada a mero papel

coadjuvante, ou, quiçá, apenas colocada nos bastidores como meros auxiliares.

Conseqüentemente, o conceito de justiça, ao invés de ser jurídico, na concepção

instrumentalista do processo, adquire contornos políticos, vez que representa a manifestação

de poder do Estado, orientada a realizar os fins do próprio Estado (FERNANDES; PEDRON,

2008, p. 65-66).

Tal concepção, ao adotar critérios políticos para definir conceitos puramente

processuais, acabou por atribuir ao processo finalidades políticas e sociais, os chamados

“escopos meta-jurídicos do processo”. Assim, para aqueles que ainda defendem a doutrina

instrumentalista, o processo seria o instrumento do qual a jurisdição lançaria mão para fazer

justiça. Através do discurso de que o processo teria finalidades meta-juridicas, sobretudo a de

pacificação social esta concepção coloca o juiz no centro do palco processual, como seu

principal autor e com ascendência hierárquica sobre os demais. Competiria ao juiz a definição

daquilo que seria melhor para as partes. Nesse contexto, verifica-se que a concepção

instrumentalista do processo não pode ser identificada com o paradigma do Estado

Democrático de Direito, visto que as partes são colocadas em posição de inferioridade em

relação ao juiz.

A concepção instrumentalista acaba por se aproximar do paradigma do Estado

Social, onde caberia ao Estado-Juiz dizer às partes, colocadas em posição de completa

sujeição, a melhor solução da lide.

Para a teoria da relação jurídica, o processo seria visto pelos atos que lhe dão corpo e

pelas relações entre esses atos bem como pelas relações entre os sujeitos do processo.

Enquanto o procedimento seria tão somente o meio extrínseco pelo qual o processo se

desenvolveria. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 1999, p. 275)

Verifica-se que os adeptos da Teoria da Relação Jurídica, e de sua ramificação

instrumentalista, se perdem na tentativa de discernir o processo do procedimento. Sendo de

grande valia a crítica apresentada por Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2010, p. 78-79) que, em

sua obra, afirma que os adeptos dessa teoria fazem uma tormentosa confusão entre processo e

29

procedimento, vez que, na tentativa de distingui-los hermetizam os conceitos de Bülow e não

explicam qual seria o meio pelo qual se desenvolveria o processo.

Na teoria da relação jurídica, o processo é o gênero e o procedimento é a espécie, tal

qual se verifica nos Código de Processo Civil (vg. art. 270 – 27210 e art. 27411) e Código de

Processo Penal (vg. art. 394, redação dada pela Lei 11.719/200812) brasileiros.

Contudo, a teoria da relação jurídica mantém a jurisdição como atividade do juiz,

vinculando o juiz e as partes e definindo-lhes sujeição, poderes, direitos e obrigações (DIAS,

2009, p. 420), mantendo, dessa forma, as partes em relação de subordinação em relação ao

juiz, gerando o que André Cordeiro Leal (2008, p. 29) chama de “paradoxo de Bülow”.

Nesse diapasão, a teoria da relação jurídica confinou o processo a um “recinto

prescritivo de atos jurídicos seqüenciais em que decisões adviriam do exercício da vontade

última e superior de uma razão prática (do bem e do mal) sensibilizada pelo juiz” (LEAL,

2002, p. 168), colocando, assim o processo “como instrumento de uma sábia jurisdição

provedora de direitos” (LEAL, 2002, p. 169).

Ao perceber o processo como instrumento da jurisdição a teoria da relação jurídica

acaba por conceber o julgador em posição de superioridade em relação aos demais sujeitos

processuais o que não se coaduna com o processo democrático.

Nesse sentido, Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2009, p. 299) afirma que aceitar

irrefletidamente o ensino de Bülow até Liebman e, conseqüentemente, dos adeptos da

concepção instrumentalista de processo, permitiria entregar a aplicação do direito a uma

justiça de portadores natos de saberes oriundos de uma entidade perfeita e uma experiência de

vida irretocável.

10 “Título VII: Do Processo e do Procedimento – Capítulo I :Das Disposições Gerais – Art. 270. Este Código regula o processo de conhecimento (Livro I), de execução (livro II), cautelar (Livro III) e os procedimentos especiais (Livro IV). Art. 271. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei especial. Art. 272. O procedimento comum é ordinário ou sumário. Parágrafo único. O procedimento especial e o procedimento sumário regem-se pelas disposições que lhe são próprias, aplicando-se-lhes, subsidiariamente, as disposições gerais do procedimento ordinário. (grifos nossos) 11 Art. 274. O procedimento ordinário reger-se-á segundo as disposições dos livros I e II deste Código. (grifos nossos) 12

Art. 394. O procedimento será comum ou especial. §1.º O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: I – ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; II – sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; III – sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. §2º Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições ao contrário deste Código ou de lei especial. §3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código. §4º As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos de primeiro grau, ainda que não regulamentados neste Código. §5.º Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo, as disposições do procedimento ordinário.

30

Interessante notar a concepção de Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 9)

de que o processo penal seria um instrumento cujo conteúdo seria a máxima eficácia dos

direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição. Contudo, Aury Lopes Júnior

(LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 26-27) não adota o termo instrumentalidade do processo no

mesmo sentido adotado por Cândido Rangel Dinamarco, mas no sentido de que não se

poderia, no processo penal, aplicar a pena sem a existência do processo.

Assim, Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2001, p. 25) coloca o processo como

instrumento para a realização do direito penal, lhe apontado duas funções: viabilizar a

aplicação da pena e servir como instrumento de garantia dos direitos e liberdades individuais.

Contudo, a concepção de Aury Lopes Júnior, apesar de significar considerável

avanço ao estabelecer o processo como instrumento da máxima eficácia dos direitos

fundamentais, mantém o processo nas mãos do julgador ao afirmar que este seria instrumento

da aplicação do direito penal material. Assim, ao mesmo tempo que o professor gaúcho

avança, também mantém, ainda que inconscientemente, o julgador em posição de

superioridade em relação às partes, caindo no que André Cordeiro Leal denomina de

paradoxo de Bülow.

Importante notar que o processo não visa a consecução de maior justiça ou paz

social13, nem mesmo pode ser visto como mero instrumento da aplicação da pena. O processo,

segundo aponta Marcelo Cunha de Araújo (ARAÚJO, 2003, p.105), tem por escopo garantir

um espaço de discurso ao cidadão que, no Estado Democrático de Direito, tem o direito de

influir ativamente na construção da decisão que aplicará o direito no caso concreto.

Como vimos o Estado Democrático de Direito exige a possibilidade de participação

na construção do provimento em sua construção e, para isso, os sujeitos do processo devem

ser postos em posição de igualdade. Dessa forma, não há espaço no processo democrático

para inserir um dos sujeitos em posição de soberania em relação aos demais sujeitos, não

havendo, portanto, como conceber um modelo de processo com o juiz colocado em posição

de superioridade em relação às partes.

Na teoria da relação jurídica, assim como nas teorias nela fundadas, o juiz é colocado

em posição superior às partes e aos demais sujeitos do procedimento, em posição de destaque,

enquanto ficaria relegada às partes a mera função de levar a ele os fatos que o messiânico

julgador daria o direito.

13 Marcelo Cunha de Araújo (ARAÚJO, 2003, p. 103) aponta que a paz social é obtida pela existência de direitos materiais apropriados aos fins da sociedade.

31

Não coaduna com o paradigma do Estado Democrático de Direito a teoria da relação

jurídica ou qualquer das teorias dela decorrentes, dentre as quais destacamos a concepção

instrumentalista, visto que em tais teorias o processo possui finalidades meta jurídicas às

quais está o juiz incumbido de assegurar. Resta fácil concluir que as teorias referidas, ao

colocarem o juiz como um ser sábio e messiânico capaz de verificar o que é melhor para as

partes e garantir o bem comum, inclusive assegurando finalidade extra-processuais, são

típicas do paradigma do Estado Social.

Visando quebrar a posição de hierarquia entre o juiz e as partes existente na teoria do

processo como relação jurídica, o professor italiano Elio Fazzalari rompeu com a concepção

de iniciada por Bülow e formulou a teoria do processo como procedimento que se desenvolve

em contraditório. Contudo, vale ressaltar, Fazzalari vislumbrou o processo como sendo

procedimento em contraditório, porém o processo não foi, em sua teoria, percebido de modo

democraticamente constitucionalizado (LEAL, 2002, p. 168).

Aroldo Plínio Gonçalves (GONÇALVES, 1992, p. 132) anota que o processo como

procedimento em contraditório entre as partes não é compatível com o conceito de relação

jurídica. Isso se dá porque o conceito de relação jurídica é marcado pelo vínculo de

exigibilidade e de subordinação e uma garantia não é uma imposição, é uma liberdade

protegida. Se o contraditório é uma garantia, não poderia ser, portanto, compatibilizado com o

conceito de relação jurídica.

Dessa forma, Fazzalari rompeu com a teoria da relação jurídica (LARA,

CARVALHO, PENNA, 2004, p. 259) e ao colocar o processo como procedimento em

contraditório, redefiniu o processo e o procedimento, passando aquele a ser espécie de

procedimento, quando este possuir a marca característica do contraditório (FAZZALARI,

2006, p. 93).

(...) o “procedimento” se verifica quando se está de frente a uma série de normas, cada uma das quais reguladora de uma determinada conduta (qualificando-a como lícita ou obrigatória), mas que enunciam como condição de sua incidência o cumprimento de uma atividade regulada por outra norma da série, e assim por diante, até a norma reguladora de um “ato final”. (FAZZALARI, 2006, p. 93)

Por sua vez, o processo, na concepção de Fazzalari “é um procedimento do qual

participam (são habilitados a participar) aqueles em cuja esfera jurídica o fato final é

destinado a desenvolver efeitos: em contraditório, e de modo que o autor do ato não possa

obliterar as suas atividades” (FAZZALARI, 2006, p. 118-119). Esta percepção de processo,

como espécie do gênero procedimento, permitiu a Fazzalari (FAZZALARI, 2006, p. 115)

32

estabelecer também sub-espécies do processo: processo legislativo, processo administrativo e

processo jurisdicional.

Assim, segundo aponta Rosemiro Pereira Leal, a teoria do processo como

procedimento em contraditório

(...) nos habilitou saltar de uma subjetividade apofânica milenar para uma concepção processual expressa numa relação espácio-temporal internarrativa como estruturante jurídica do agir em simétrica paridade e instaladora do juízo discursivo preparatório do provimento (decisão). (LEAL, 2002, p. 15)

A teoria desenvolvida por Fazzalari promoveu verdadeira revolução na teoria do

processo, sendo a primeira a se adequar ao paradigma do Estado Democrático de Direito. O

processo democrático, segundo Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2004, p. 21), clama

por participação daqueles que serão atingidos pelo provimento, que devem participar em

simétrica paridade, em contraditório, e, dessa forma, colaborar com a construção do

provimento.

O rompimento proporcionado pela teoria do processo como procedimento em

contraditório fez com que o processo pudesse saltar do Estado Social para o Estado

Democrático, visto que colocou todos os sujeitos processuais em patamar de igualdade, e

ensejou na real possibilidade de participação das partes na construção do provimento. Assim,

as partes, segundo a teoria de Fazzalari, passaram a participar efetivamente na construção do

provimento pelo qual seriam afetadas.

Contudo, conforme crítica apresentada por Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2010, p.

83), Fazzalari, ao conceber o processo como procedimento realizado em contraditório, não o

fez segundo uma reflexão constitucional de direito-garantia (teoria constitucionalista do

processo) ou de uma instituição constitucionalizada regente dos procedimentos (teoria neo-

institucionalista do processo).

Competiu ao professor mexicano Héctor Fix-Zamudio iniciar os estudos

relacionando constituição e processo. Sendo que, no Brasil, os estudos do processo

constitucional foram capitaneados pelo professor mineiro José Alfredo de Oliveira Baracho

(LEAL, 2010, p. 84). Baracho aponta que a Constituição determina diversos institutos básicos

do processo, havendo, portanto, ligação direta entre o Processo e a Constituição (BARACHO,

1984, p. 122).

Segundo a teoria constitucionalista do processo, este se apresenta como instituição

constitucionalizada que possui principiologia constitucional do devido processo

constitucional. Por sua vez, o devido processo constitucional abrange os princípios da ampla

33

defesa, da isonomia e do contraditório, e, por isso, o processo é convertido em direito-

garantia, representando conquistas históricas da humanidade no combate à tirania. (LEAL,

2010, p. 85)

Assim o processo constitucional não é somente um direito instrumental, mas

verdadeira metodologia de garantia dos direitos fundamentais. (BARACHO, 2008, p. 47)

Como anota Marcelo Cunha de Araújo (ARAÚJO, 2003, p. 97-98) o devido processo

constitucional democrático, em uma visão do processo jurisdicional, é o conjunto mínimo de

características, trazidas pela Constituição, que conferem ao processo o título de direito-

garantia fundamental do cidadão, permitindo sua participação política na aplicação do direito.

Importante, antes de traçarmos as linhas gerais do processo constitucional diferenciar

o direito constitucional processual do direito processual constitucional. Nesse sentido, José

Alfredo de Oliveira Baracho (BARACHO, 1984, p. 122-130) distingue que o Direito

Processual Constitucional tem por escopo o estudo dos instrumentos de garantia em sentido

estrito; já o Direito Constitucional Processual é posterior e tem por objetivo estudar

sistematicamente as instituições processuais consagradas pelas Constituições (garantias

constitucionais de caráter processual.

José Alfredo de Oliveira Baracho aponta ainda que o processo como garantia

constitucional se consolidou nas constituições do século XX, através da consagração de

princípios de direito processual e do reconhecimento e enumeração dos direitos da pessoa

humana (BARACHO, 2008, p. 12; 1997, p. 106). Dessa forma, a Constituição demanda o

processo como garantia da pessoa humana (BARACHO, 1984, p. 125).

Assim, o processo jurisdicional coloca-se ao centro da estrutura de atuação das

garantias constitucionais, e, ao mesmo tempo, como instrumento da atuação dos modelos de

jurisdicionalidade plena delineados por ela (ANDOLINA, 1997, p. 65). O processo, no Estado

Democrático de Direito, é garantia constitutiva dos direitos fundamentais (BARROS, 2009, p.

332). As referidas garantias constitucionais do processo permeiam e abrangem a todos os seus

participantes (BARACHO, 1999, p. 90).

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias destaca, em inúmeras obras (DIAS, 2010, p. 32;

2009a, p. 437; 2009b, p. 468; 2006, p. 655), que a viga mestra do Processo Constitucional

encontra-se no devido processo legal. Ainda, seguindo os ensinamentos do autor citado, o

devido processo legal constitucional deve ser entendido como o direito de ação (direito à

jurisdição), direito de ampla defesa, direito à defesa por advogado, direito ao processo sem

dilações indevidas (razoável duração do processo), direito a uma decisão proferida por órgão

34

jurisdicional previamente definido pela Constituição e fundamentado no ordenamento jurídico

(juízo natural) e direito aos recursos.

Pelo processo constitucional, o direito de ação e de defesa são assegurados a todos os

indivíduos, de forma completa, devendo o processo ser justo e leal (BARACHO, 2008, p. 57;

1999, p. 127). Afirmar que o processo deve ser justo significa dizer que o processo deve ser

organizado de modo a que sejam respeitadas suas garantias fundamentais, dentre as quais se

destaca o contraditório (ANDOLINA, 1997, p. 66), sendo certo que o contraditório significa

muito mais que a simples bilateralidade de audiência, sendo simplista a visão que o considera

como sendo o direito de dizer e contradizer, nos termos em que o contraditório é apresentado

pela corrente instrumentalista do processo (THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 24).

No Estado Democrático de Direito, em razão da exigência de participação que marca

esse modelo, conforme afirmamos acima, o contraditório passou a ser percebido como o

direito de influência e de participação (real e efetiva) das partes na formação da decisão

(provimento, seja ele de natureza administrativa, legiferante ou jurisdicional) (STRECK,

2009, p. 19; NUNES, 2010, p. 227). O contraditório assegura a garantia da não surpresa

segundo a qual a parte não poderá ter sua esfera de direitos afetadas por uma decisão da qual

não teve efetiva participação de sua construção (BARROS, 2009, p. 18; NUNES, 2010, p.

229). Desse modo, a legitimação da decisão somente de dará pela observância das regras do

devido processo constitucional (LOPES JÚNIOR, 2010b, p. 369).

Por sua vez, devemos destacar a teoria Neo-Institucionalista do processo que “é uma

teoria da processualização testificante da validade normativo-democrática” que propõe e

atua pela reflexão jurídica pela testificação e problematização da produção e aplicação do

direito (LEAL, 2010, p. 90), testificação que se dará pelos princípios institutivos do processo,

contraditório, ampla defesa e isonomia.

Para a teoria Neo-Institucionalista do processo, o processo não se estabelece por

forças pré-concebidas de uma sociedade ideal, nem pelo poder de uma elite dirigente e nem

pelo diálogo de especialistas, o processo se institui pela conexão teórica da cidadania, pela

soberania popular constitucionalmente assegurada. Assim, o processo é concebido como uma

instituição regente e pressuposto de legitimidade do provimento (seja ele jurisdicional,

legislativo ou administrativo) (LEAL, 2010, p. 88).

Importantíssimo para compreender a teoria Neo-Institucionalista do processo é não

confundi-la com a teoria do processo como instituição jurídica (Guasp e Hauriou). A teoria do

processo como instituição jurídica concebe o termo instituição como um bloco de condutas

construído de maneira aleatória pelas leis naturais da sociologia ou da economia, sendo o

35

processo (LEAL, 2010, p. 86), sendo o processo um complexo de atos regulados pelo direito

para obter uma finalidade (LEAL, 2010, p. 81). Por sua vez, para a teoria Neo-

Institucionalista do processo, este é composto pelo “conjunto de princípios (institutos)

jurídicos reunidos ou aproximados pelo texto constitucional com a denominação jurídica de

devido processo” (LEAL, 2010, p. 86) que tem como objetivo assegurar o exercício dos

direitos criados e expressos pela Constituição, utilizando-se para tal do devido processo legal

pelos institutos do contraditório, da ampla defesa, da isonomia, do direito ao advogado e do

livre acesso à jurisdicionalidade (LEAL, 2010, p. 86).

Assim, a teoria Neo-Institucionalista “busca legitimar uma instituição processual

constitucionalizada de controle irrestrito dos procedimentos político-jurídicos como diretriz

principiológica das regras de relacionamento na elaboração e operacionalização de um

Sistema de Direitos” (LEAL, 2010, p. 86-87).

O direito ao processo, ou direito à tutela jurisdicional, é uma garantia consagrada

pela Constituição14. O direito ao processo, no Estado Democrático de Direito, é

complementado pelo direito de se obter uma decisão de mérito (BARACHO, 1999, p. 94).

Dessa forma, a jurisdição é um direito fundamental das pessoas (naturais ou jurídicas), sendo,

em contrapartida, atividade-dever do Estado exercida por seus órgãos competentes e mediante

petição daquele que invoca, devendo ser garantido aos sujeitos a garantia fundamental do

devido processo constitucional (DIAS, 2009a, p. 420; 2005, p. 149).

Há, por fim, que ser ressaltado que o processo somente será justo caso não exista

hierarquia entre as partes e o julgador15 (BARACHO, 2008, p. 57; 1999, p. 127). As partes e o

julgador são iguais, devendo agir em igualdade na construção do provimento. A isonomia

entre os sujeitos processuais decorre diretamente do contraditório, um dos princípios

institutivos do processo, que possibilita a simétrica participação igualitária das partes na

preparação do provimento jurisdicional (DIAS, 2009b, p. 467).

Porém, a visão do processo constitucional não é suficiente, é imprescindível que o

processo também seja democrático. Nesse sentido, o professor Rosemiro Pereira Leal vem

desenvolvendo a sua teoria Neo-Institucionalista do processo16 que se volta a qualificar o

discurso da procedimentalidade na qual se funda o direito democrático vendo no processo 14 Vg. art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil. “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 15 A posição das partes no processo penal constitucional e democrático será nosso objeto de estudo no terceiro capítulo do presente trabalho. 16 A Teoria Neo-Institucionalista do processo é desenvolvida pelo Professor Rosemiro Pereira Leal que realiza seus estudos na atualidade, lecionando para graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado) na PUC-MG. Trata-se, portanto, de teoria inacabada e que vem sendo desenvolvida por seu criador e pelos alunos da Faculdade Mineira de Direito.

36

uma instituição constitucionalizada de controle e regência popular na qual se legitimam os

procedimentos (estruturas técnicas de argumentação jurídica onde são assegurados a criação,

recriação/transformação, extinção, fiscalização, aplicação/decisão e realização/execução de

direitos) segundo os princípios do contraditório, da isonomia e da ampla defesa (LEAL, 2002,

p. 179).

Buscando dar efetividade à participação processual das partes durante o processo,

vem também sendo desenvolvido o modelo constitucional de processo, que busca na teoria

procedimentalista de Jürgen Habermas, para construir uma colocar o processo como garantia

constitutiva dos direitos fundamentais. Para tanto, o modelo constitucional de processo

estabelece o processo, seja ele jurisdicional, administrativo ou jurisdicional, definido sobre

uma base principiológica uníssona constituída pelos princípios do contraditório, da ampla

argumentação; da fundamentação das decisões e o da participação de um terceiro imparcial.

Tal modelo, estabelece um modelo geral de processo, que possui como características básicas

a expansividade (que assegura a idoneidade para que a norma processual possa ser expandida

para microssistemas); a variabilidade (que possibilita que uma norma processual possa

adquirir características variáveis para melhor se adequar a um determinado microssistema); e

a perfectibilidade (capacidade do modelo constitucional de processo em se aperfeiçoar através

de novos institutos criados pelo processo legislativo, mas sempre mantendo seu esquema

geral) (BARROS, 2009, p. 11- 24).

Dessa forma, segundo o modelo constitucional de processo, deve a decisão ser

proferida por um terceiro imparcial, sendo, porém, construída de forma participativa pelas

partes e em contraditório, do qual participam argumentativamente tanto as partes como o juiz,

que, contudo, não é contraditor, mas garantidor do direito de participação. Devendo, ao final,

o terceiro (juiz) decidir de forma fundamentada demonstrando que as partes realmente

participaram da construção da decisão.

Assim, estando o modelo constitucional do processo calcado sobre uma base

principiológica uníssona, devemos estudá-la, juntando à referida base, como forma de

sedimentarmos as bases necessárias para a recolocação das partes no centro do palco

processual.

37

2.3 Base principiológica uníssona segundo o modelo constitucional do processo

O conceito de princípio não é unívoco, podendo haver um ou mais significados,

principalmente ao se estudar a evolução do conceito. Segundo aponta Paulo Bonavides

(BONAVIDES, 2001, p. 228), calcado no estudo de Luís Diez Picazo, a idéia de princípio

deriva da geometria onde designa as verdades primeiras.

No sentido jurídico, o termo princípio, segundo ensina Ronaldo Brêtas de Carvalho

Dias (DIAS, 2009, p. 227; 2004, p. 119) significa espécie norma jurídica que, sob enunciados

sintéticos, exprimem o conteúdo complexo de idéias científicas e proposições fundamentais

que formam o ordenamento jurídico.

Porém, nem sempre os princípios foram considerados normas jurídicas, as

concepções juspositivistas concebiam os princípios como sendo meras pautas programáticas

supralegais, sem qualquer relevância jurídica (BONAVIDES, 2001, p. 236).

Somente com a superação do juspositivismo, pelo pós-positivismo jurídico17, é que

os princípios passaram a ter relevância para o direito (BONAVIDES, 2001, p. 237).

Modernamente os princípios são vistos como normas jurídicas e configuram diretrizes gerais

induzidas e indutoras do direito, uma vez que são inferidas do sistema jurídico e, após serem

inferidas, o informam, reportando-se ao próprio sistema jurídico (DIAS, 2009c, p. 227; 2004,

p. 119).

Assim sendo, a idéia de norma jurídica configura o gênero, do qual fazem parte as

regras jurídicas e os princípios (ALEXY, 2008, p. 87). Conforme ensina Humberto Ávila:

As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de participabilidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. (ÁVILA, 2009, p. 78-79)

Robert Alexy (ALEXY, 2008, p. 87), ao distinguir princípios de regras anota que os

princípios são normas jurídicas com grau de generalidade elevado, enquanto as normas

17 Luís Roberto Barroso aponta que o “pós positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade humana.” (BARROSO, 2009, p. 351-352)

38

possuem grau de generalidade menor. Assim, os princípios são mandamentos de otimização,

vez que são normas jurídicas que determinam que a conduta seja realizada na maior medida

possível, enquanto as regras, por sua vez, são normas que ou são satisfeitas ou insatisfeitas,

não havendo meio termo já que são aplicadas ou não pelo critério do tudo ou nada (ALEXY,

2008, p. 90-91).18

Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias (DIAS, 2009c, p. 280; 2004, p. 122) aponta três

funções básicas dos princípios jurídicos: a) função interpretativa19, segundo a qual os

princípios não seriam fontes formais do Direito, mas apenas auxiliariam em sua interpretação;

b) função supletiva, pela qual os princípios atuariam como fontes normativas subsidiárias em

casos de lacunas e/ou omissões20 na regra de Direito; c) função normativa própria, pela qual

os princípios constituiriam a razão de todo o sistema jurídico, assumindo a posição de normas

jurídicas efetivas.

Porém, como o presente trabalho não tem por escopo um estudo mais aprofundado

do conceito de princípio ou de sua aplicação, tendo o presente tópico apenas o escopo de

apresentar os princípios processuais do processo constitucional democrático, passaremos a

discorrer sobre os princípios processuais propriamente ditos.

Vale, antes de apresentar os princípios de forma específica, salientar que a

Constituição da República Federativa do Brasil (1988) foi um verdadeiro marco no

reconhecimento dos princípios como normas jurídica impositiva (DIAS, 2009c, 283; 2004, p.

125). A Constituição, nos últimos anos, passou a ser percebida como um sistema aberto de

princípios e regras pelo qual a idéia de justiça e realização dos direitos fundamentais possuem

papel central (BARROSO, 2009, 353). É na Constituição que se encontra a base uníssona de

princípios que definem o processo como garantia (BARROS, 2009b, p. 332), e é da

Constituição que extrairemos os princípios abaixo expostos.

Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2010, p. 94) divide os princípios do processo em

institutivos e informadores. Os primeiros assumem características de verdadeiros institutos

18 Vale destaque que o conflito de regras sempre se solucionará se houver em uma das regras uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se uma das regras for declarada inválida através da aplicação das máximas Lex posterior derogat legi priori e Lex specialis derogat legi generali.Por sua vez o conflito entre princípios resolve-se pela lei da ponderação, segundo a qual o princípio será aplicado segundo o caso concreto. (ALEXY, 2008, p. 92-103) 19 Também chamada de descritiva ou informativa. 20 Importante notar que as lacunas e omissões são referentes à inexistência de regras aplicáveis ao caso concreto, não existindo omissões e lacunas no ordenamento jurídico, vez que, este é composto por normas e princípios e, pela função supletiva dos princípios, o ordenamento jurídico não possuirá omissões e nem lacunas. O mesmo não se pode dizer das regras, que, por não conseguirem prever todas as situações da vida, possuem lacunas e omissões que devem ser suplementadas pelos princípios para que não haja lacunas e omissões no ordenamento jurídico.

39

jurídicos, em razão ao seu amplo grau de fecundidade. Assim, são princípios institutivos do

processo: o contraditório, a ampla defesa e a isonomia. A falta de qualquer dos princípios

institutivos faz com que o processo se desnature, tornando impossível a definição do processo

como direito-garantia constitucionalizado (LEAL, 2010, p. 96). Destaque-se que segundo o

modelo constitucional do processo, que adotamos no presente trabalho, a base principiológica

uníssona deve ser composta pelos princípios da ampla argumentação (ampla defesa),

contraditório, fundamentação das decisões e pela presença do terceiro imparcial (BARROS,

2009, p.16).

O princípio do contraditório, que é tradicionalmente descrito pela concepção

instrumentalista do processo como singelo direito de informação e de reação em relação aos

atos processuais (THEODORO JÚNIOR, 2003, p. 24; CINTRA; GRINOVER;

DINAMARCO, 1999, p. 57; SANTOS, 1996, p. 36; FERNANDES, 2010, p. 56), em uma

visão de processo constitucional-democrático, vai muito além, merecendo o conceito ser

melhor refletido sob o enfoque constitucional.

A concepção do contraditório como mero direito de informação e reação, ou, em

outras palavras, como sendo a simplista bilateralidade de audiência, não satisfaz as exigências

democráticas. Trata-se de posicionamento que não saiu do Estado Liberal e, mesmo assim,

ainda perambula nos dias atuais, deixando de lado as importantes conquistas do Estado

Democrático de Direito.

O simples direito de ser informado e de poder reagir aos atos processuais não torna o

processo democrático. É preciso muito mais para assegurar a participação e a igualdade

exigidas pela democracia. Este conceito satisfaz à teoria da relação jurídica, de cunho

eminentemente do Estado Social. No Estado Democrático de Direito, deve-se perceber o

contraditório com aspecto amplíssimo, compreendendo o direito de participação efetiva na

construção do provimento, pela real possibilidade das partes influírem nas decisões tomadas

durante o processo.

O contraditório, aponta Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2001, p.

43) em claro avanço à concepção clássica do instrumentalismo liberal, seria traduzido pela

necessidade de se proporcionar às partes a possibilidade de exposição de suas razões e de

requererem a produção das provas que lhes forem importantes. Aury Lopes Júnior (LOPES

JÚNIOR, 2001, p. 29) anota que o contraditório seria caracterizado pelo “confronto claro,

público e antagônico entre as partes em igualdade de condições”. Contudo, os apontados

autores, afirmam que se resumiria na singela ciência bilateral dos atos e termos do processo e

na possibilidade de refutá-los.

40

Entendemos que o direito à audiência bilateral muito bem atendeu ao processo dos

paradigmas liberal e social, que não exigiam a efetiva participação dos envolvidos na

construção da decisão, contudo, esta concepção está muito aquém do modelo processual

democrático, pelo qual se faz imprescindível a efetiva e real participação dos afetados na

construção do provimento, o que somente se deu com a revolução proporcionada pela teoria

do processo como procedimento em contraditório, cunhada por Fazzalari.

Para a teoria fazzalariana, que concebeu o processo como procedimento em

contraditório, o princípio do contraditório era considerado como a garantia de participação das

partes, em simétrica paridade, na formação / construção do provimento ao qual se sujeitariam

(GONÇALVES, 1992, p. 120).

Segundo a concepção fazzalariana, o contraditório não é visto como a ação e reação,

ou o dizer e contradizer, o contraditório compreendido como posição de simétrica paridade

entre os afetados pela decisão é concebido como sendo “a estrutura argumentativa que

propicia as partes intervirem de maneira participativa em toda a construção do provimento

jurisdicional juntamente com o juiz” (BARROS, CARVALHO; GUIMARÃES, 2006, p. 11).

Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2010, p. 97) aponta que o princípio do contraditório é

um referente lógico do processo constitucionalizado que pode ser traduzido pela dialogicidade

entre os interlocutores (partes), que podem, inclusive exercer a liberdade de nada dizerem,

tendo, contudo, a o direito garantia de manifestação.

Nesse diapasão, segundo a concepção adotada de Estado Democrático de Direito, o

contraditório pode ser concebido sob dupla acepção, de um lado pelo princípio da não

surpresa, de outro pelo princípio da influência, sendo que aquele decorre diretamente deste

(BARROS, 2009a, p. 19).

Pelo princípio da influência as partes, através da participação em simétrica paridade,

têm o direito de influir diretamente na construção do provimento, o que fazem pela exposição

fundamentada de seus argumentos (BARROS, 2009a, p. 18; NUNES, 2009, p. 227). Segundo

aponta Lênio Streck, “o contraditório passa a ser a garantia da possibilidade da influência (e

efetiva participação) das partes na formação da resposta judicial, questão que se refletirá na

fundamentação da decisão” (STRECK, 2009, p. 19).

Já a segunda face do princípio do contraditório, o princípio da não surpresa, garante

que as partes não sejam afetadas por uma decisão da qual não tenham participado de sua

construção (BARROS, 2009a, p. 18).

Segundo aponta Binder (BINDER, 2003, p. 199) o debate seria um ponto de

encontro pelo qual se garante às partes a construção da solução, sendo que a referida solução é

41

produto do diálogo em um processo dialético. Assim sendo, o debate gerado pelo

contraditório assegura às partes o espaço necessário para a participação na construção do

provimento.

Em decorrência do princípio do contraditório, as partes têm direito de ver todas as

suas teses apreciadas pela decisão, ainda que tenham sido refutadas, assim, não basta o

julgador dizer o motivo de sua decisão, a decisão somente será fundamentada, nos termos

exigidos pelo art. 93, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil (1988)21, caso o

julgador demonstre os motivos pelos quais as teses trazidas pelas partes não foram acatadas e

os motivos pelos quais a tese acolhida foi aceita. Assim, tornou-se insustentável no Estado

Democrático de Direito, concepções de que o julgador não estaria obrigado a apreciar todas as

teses expostas pela parte, infelizmente, talvez em razão de faltar maior reflexão constitucional

ou em razão do discurso utilitarista de celeridade a qualquer preço, ainda predominante nos

tribunais pátrios22.

Contudo, louváveis decisões vêm renovando as esperanças de que o contraditório

demande a ampla fundamentação e análise de todas as teses expostas pelas partes, fazendo

valer o disposto no art. 93, IX, da Constituição Brasileira.

Nesse sentido, vale citar as decisões emanadas do Supremo Tribunal Federal no

julgamento do Habeas Corpus nº HC-74.07323, relatado pelo Ministro Celso de Mello e no

21 Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (grifos nossos) 22 Nesse sentido, v.g., decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “O julgador, ao decidir, não está obrigado a se manifestar expressamente sobre todos os pontos que a parte entender relevantes, podendo fazê-lo implicitamente.” (MINAS GERAIS, TJ, Apelação Criminal nº 1.0024.08.074.418-8/001(1), rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel, 2009). Por sua vez o Superior Tribunal de Justiça: “A jurisprudência desta Corte já consagrou a orientação de não ser carente de fundamentação o decisum que, cotejando as provas contidas nos autos, faz menção direta às razões que serviram para afastar, expressamente, as teses da defesa e formar a convicção do Magistrado, sendo desnecessária a menção exaustiva de cada uma das hipóteses defensivas que não foram acolhidas.” (BRASIL, STJ, Habeas Corpus 136.659/SC, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 2010); “Embora seja necessário apreciar as teses ventiladas pela defesa, torna-se desnecessária a menção expressa a cada uma das alegações se, pela própria decisão, resta claro que o Julgador adotou posicionamento contrário porém suficiente para embasar o julgado.” (BRASIL, STJ, Habeas Corpus 105956/SP, rel. Min. Laurita Vaz, 2011). E, ao arremate, o Supremo Tribunal Federal decidiu que “o órgão judicante não é obrigado a se manifestar sobre todas as teses apresentadas pela defesa, bastando que aponte fundamentadamente as razões de seu convencimento.” (BRASIL, STF, Agravo de Instrumento 690.504, Agravo Regimental, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2008). 23 E M E N T A: HABEAS CORPUS - ACÓRDÃOS PROFERIDOS EM SEDE DE APELAÇÃO E DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS - IMPUTAÇÃO DE ROUBO DUPLAMENTE QUALIFICADO - DECISÕES QUE NÃO ANALISARAM OS ARGUMENTOS SUSCITADOS PELA DEFESA DO RÉU - EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE MOTIVAÇÃO DOS ATOS DECISÓRIOS - INOBSERVÂNCIA - NULIDADE DO ACÓRDÃO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE. A FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUI PRESSUPOSTO DE LEGITIMIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. - A fundamentação dos atos decisórios

42

acórdão do Mandado de Segurança nº MS-24.268 de relatoria da Ministra Ellen Gracie e

relatado, para o acórdão, pelo Ministro Gilmar Mendes, de onde se extrai o seguinte trecho:

Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que envolve não só o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas (Erwägungspflicht). (BRASIL, STF, Mandado de Segurança 24.268, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2006).

Destaque-se ainda a seguinte decisão proferida pela Quinta Câmara Criminal do

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que anulou a sentença de primeiro grau

que deixou de apreciar todas as teses defensivas, inclusive aquelas levantadas pelo próprio

acusado em seu interrogatório:

PROCESSO PENAL. SENTENÇA. NULIDADE. AUTODEFESA. - No ato sentencial devem ser apreciadas absolutamente todas as teses defensivas, por mais absurdas que pareçam – princípios da ampla defesa e da obrigatoriedade da fundamentação decisória. - As teses levantadas em autodefesa, mesmo que não encampadas pela defesa técnica, também devem ser objeto de análise no ato sentencial, porque defesa o é. - Decretaram a nulidade da sentença. (RIO GRANDE DO SUL, Apelação-Crime nº 70008576449, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, 2004)

A doutrina de Amilton Bueno de Carvalho (CARVALHO, 2011, p. 51-52) também é

clara ao afirmar que a legitimação democrática da decisão se dá pela fundamentação,

dividindo a legitimação em (a) interna, pelo alcance da decisão em relação às partes e à

instância superior; (b) externa, pelo alcance da decisão em relação à ciência da própria

sociedade. Diante disso, o autor citado afirma que faltaria fundamentação à decisão que não

enfrentasse todas as teses defensivas levantadas, seja pela defesa técnica, seja pela auto

defesa, sendo que o “não enfrentamento caracteriza totalitarismo judicante ou, no mínimo,

uma espécie de falta de educação processual”. O autor citado aponta ainda que também não

seria fundamentada a decisão que se limitasse à transcrever depoimentos das testemunhas,

sem deixar claro de onde veio o “saber”; além da decisão que restringe-se a repetir as palavras

qualifica-se como pressuposto constitucional de validade e eficácia das decisões emanadas do Poder Judiciário. A inobservância do dever imposto pelo art. 93, IX, da Carta Política, precisamente por traduzir grave transgressão de natureza constitucional, afeta a legitimidade jurídica do ato decisório e gera, de maneira irremissível, a conseqüente nulidade do pronunciamento judicial. Precedentes. A DECISÃO JUDICIAL DEVE ANALISAR TODAS AS QUESTÕES SUSCITADAS PELA DEFESA DO RÉU. - Reveste-se de nulidade o ato decisório, que, descumprindo o mandamento constitucional que impõe a qualquer Juiz ou Tribunal o dever de motivar a sentença ou o acórdão, deixa de examinar, com sensível prejuízo para o réu, fundamento relevante em que se apóia a defesa técnica do acusado. (BRASIL, STF, Habeas Corpus nº 74.073, rel. Min. Celso de Mello, 1997) grifos nossos.

43

da lei, não dizendo nada em relação ao sujeito que sofre o processo ou à argumentação levada

pelas partes.

Em trabalho que busca distinguir a decisão fundamentada da decisão apenas

motivada24, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira e Flávio Quinaud Peron (OLIVEIRA;

PEDRON, 2010, p. 126), criticam a posição majoritária da jurisprudência. Afirmam os

citados autores, que a concepção que entende bastar ao julgador que exponha os motivos de

sua decisão, sem que analise detidamente todas as teses e concepções trazidas pelas partes,

entende que onde o texto constitucional faz referência à fundamentação das decisões bastaria

apenas sua motivação, demonstrando o magistrado, na decisão, seu entendimento, de forma

solipsista e, trazendo nela seu querer como ato de autoridade. Dessa forma, concluímos que a

decisão será meramente motivada quando o julgador se limitar a expor os motivos que

levaram à decisão, sem a análise dos argumentos levados pelas partes e em uma decisão fruto

do autoritarismo e da imposição de uma posição tida como superior em detrimento das

demais, consequentemente, inconcebível no Estado Democrático de Direito. Por sua vez, a

decisão será fundamentada, nos moldes exigidos pelo art. 93, IX, da Constituição da

República, quando o julgador analisar detida e pormenorizadamente todas as teses levantadas

pelas partes, demonstrando os motivos que o levaram a adotar esta e não aquela tese.

Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p. 227) aponta que pela motivação é que o

julgador demonstrará como apreendeu os fatos e/ou interpretou a lei, proporcionando a

compreensão da abordagem de todos os pontos questionados. Porém, como vimos, não basta a

mera motivação, sendo imprescindível, por disposição constitucional, a fundamentação da

decisão, pela qual o magistrado deve apreciar séria e detidamente todos os argumentos

levados pelas partes, afinal, a sentença, no processo democrático, não é mais obra solitária do

juiz, mas o resultado da construção isonômica das partes através do contraditório.

O juiz deixa de ser o único ator do palco processual e o processo deixa de ser um

monólogo do juiz onde as partes seriam apenas figurantes, em uma concepção democrática, o

julgador deixa o palco do processo para as partes (SANTIAGO NETO, 2011, p. 222), porém

essa retirada do julgador do centro do palco não torna seu papel menos importante, apenas o

redefine, vez que, como já afirmamos, ao juiz caberá a tarefa de garantidor dos direitos

24 Tal confusão entre decisão motivada e decisão fundamentada é percebida na doutrina, como se verifica na obra de Fernando da Costa Tourinho Filho (2010, p. 61), que afirma: “Sentença sem motivação é uma não sentença, tanto mais quanto a sociedade e em particular as partes devem saber que motivos levaram o Magistrado a esta ou àquela posição.”. Verifica-se que para o autor basta que o julgador motive sua decisão, contudo, na concepção democrática de processo isso não será suficiente, devendo a decisão ser, segundo expressa disposição Constitucional (art. 93, IX), fundamentada.

44

fundamentais, inclusive dos direitos que asseguram a participação das partes na construção da

decisão (NUNES, 2009, p. 200).

Por fim, vale destacar, conforme leciona André Cordeiro Leal (LEAL, 2002, p. 77), o

contraditório é que proporcionará uma atuação equitativa dos sujeitos no procedimento

jurisdicional, garantindo, em conjunto com o princípio da fundamentação das decisões

jurisdicionais uma decisão forjada no Direito debatido entre as partes e nos fatos por elas

reconstruídos.

Constitucionalmente, o contraditório passou a fazer parte da Constituição brasileira

em 193725, sendo mantido nas posteriores Constituições de 194626, 196727, na Emenda

Constitucional de 196928 e, por fim foi previsto no art. 5º, LV29, da Constituição da República

Federativa do Brasil de 198830, que acabou com qualquer dúvida quanto à aplicabilidade do

princípio do contraditório a toda e qualquer espécie de processo e não apenas exclusivamente

ao processo penal (FERNANDES, 2010, p. 60).

Para a efetiva existência do contraditório é imprescindível que os sujeitos processuais

(partes e juiz) tenham iguais condições de atuação sem que a função de uma torne-se mais ou

menos importante e essencial que as demais, por isso, entendemos que deverá ser observado o

princípio da isonomia, que, consoante ensina Rosemiro Pereira Leal (2010, p. 98), significa a

25 Art. 122. A Constituição assegura aos brasileiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 11. À exceção de flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois da pronúncia do indiciado, salvo nos casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado na prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas, antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa. (grifos nossos) 26

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: §25. É assegurada aos acusados a plena defesa, com todos os meios e recursos essenciais a ela, desde a nota de culpa, que, assinada pela autoridade competente, com os nomes do acusador e das testemunhas, será entregue ao preso dentro de vinte e quatro horas. A instrução criminal será contraditória. (grifos nossos) 27 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: §16. A instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior, no relativo ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu; 28 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: §16. A instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior, no relativo ao crime e à pena, salvo quando agravar a situação do réu; 29 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; 30 Vale destacar que a Constituição da República de 1988 inovou no ordenamento Constitucional brasileiro ao trazer os direitos fundamentais para o início de seu texto, denotando a grande importância dada pela “Constituição Cidadã” aos direitos e garantias individuais.

45

garantia que as partes possuem de igualdade temporal de participar da construção do

provimento. Ainda segundo o professor citado (LEAL, 2010, p. 197), a isonomia deve ser

analisada sob três prismas: a isotopia (igualdade de tratamento pelo texto legal, ou seja,

igualdade no plano dos direitos fundamentais entre sujeitos/pessoas diferentes, igualdade de

tratamento perante a lei); isomenia (igualdade de todos para interpretar a lei); e isocrítica

(capacidade de análise do texto legal para o apontamento de suas falhas, visando fazer, alterar

ou substituir a lei) (LEAL, 2005, p. 96).

Interessante notar que Carlos Roberto de Siqueira Castro (CASTRO, 1989, p. 159)

conjuga o princípio da isonomia com a garantia do devido processo legal para associá-los em

um feixe de proteção contra normas e/ou decisões arbitrárias provenientes do Estado em

detrimento dos indivíduos.

Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p. 143) anota que a isonomia processual exige

que sejam concedidas às partes as mesmas armas, para que, de forma paritária, tenham as

iguais chances de reconhecimento, satisfação ou asseguração dos direitos discutidos no

processo jurisdicional.

Podemos afirmar, portanto, que a isonomia acaba por figurar como o elo que liga o

contraditório à ampla argumentação, possibilitando a participação, em igualdade de

condições, das partes e do julgador na construção do provimento jurisdicional (sentença).

Para que seja garantida a isonomia processual, as partes não podem estar sujeitas a

um julgamento parcial, deve haver o julgamento por meio de uma terceira pessoa,

representante do Estado e imparcial. Assim o terceiro imparcial exige que o julgador seja

isento em relação às partes, garantindo que possam efetivamente participar da construção do

provimento eis que o terceiro formará a decisão segundo os argumentos e provas levadas

pelas partes ao processo.

Por fim, temos o princípio da ampla argumentação, trazida classicamente como

ampla defesa31, que não significa infinitude de defesa, significa que as partes possam utilizar

de todos os meios de defesa, provas e alegações, no tempo processual oportunizado pela lei. A

defesa é ampla uma vez que não poderá ser estreitada pela sumarização do tempo. (LEAL,

2010, p. 94)

31 Veremos que a ampla defesa refere-se à típico resquício do liberalismo, sendo que no processo democrático melhor seria a adoção da ampla argumentação. Contudo, tendo em vista a clássica denominação e a concepção teórica traçada por Rosemiro Pereira Leal na Teoria Neo-Institucionalista do processo, que adotam o termo ampla defesa, preferimos manter o princípio com sua denominação clássica quando nos referirmos aos autores que utilizam esta denominação e ampla argumentação quando tratarmos de concepções que preferem essa terminologia.

46

A ampla defesa sempre esteve presente nas Constituições brasileiras, como aponta

Antônio Scarance Fernandes (2010, p. 251), sendo mencionada desde a Constituição imperial

de 1824 (art. 179, VIII32); bem como esteve presente nas Constituições de 1891 (art. 72,

§1633); 1934 (art. 113, nº 2434); 1937 (art. 122, n. 11, segunda parte); 1946 (art. 141, § 25);

1967 (art. 153, §1535) e na emenda constitucional de 1969 (art. 153, § 1536). Esclarece o autor

citado que a garantia da ampla defesa esteve vinculada ora à nota de culpa (1824, 1891, 1937

e 1946) ora foi vinculada à instrução criminal (1937 e 1946). Por sua vez, a constituição

vigente preferiu inserir a ampla defesa no art. 5º, LV, vinculando-a ao princípio do

contraditório.

Em uma concepção clássica, porém insuficiente ao Estado Democrático de Direito,

Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p. 174) afirma que a ampla defesa é uma exigência do

due process of Law e conjuga-se por três realidades procedimentais: a) direito de informação;

b) bilateralidade de audiência; c) direito à prova (TUCCI, 2004, p. 176; p. 207). Impondo,

segundo Eugênio Pacelli de Oliveira (2009, p. 35) a efetivação da participação das partes,

participação esta que liga este princípio de forma umbilical ao princípio do contraditório. Na

realidade, no processo penal, o direito de defesa figura em conjunto com as demais garantias

do processo e, ao mesmo tempo, é a garantia que tem por fim operacionalizar as demais

garantias, possuindo, dessa forma, um papel particular e especial (BINDER, 2003, p. 115).

32 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: VIII – Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do Juiz, e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma nota, por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão e os nomes do seu acusador e os das testemunhas, havendo-as. 33 Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes: §16. Aos acusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciais a ela, desde a nota de culpa, entregue com os nomes do acusador e das testemunhas. 34 Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 24) A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os meios e recursos essenciais a esta. 35 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: §15. A lei assegurará aos acusados a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado nem tribunais de exceção. 36 Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: §15 – A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá foro privilegiado bem tribunais de exceção.

47

Segundo a concepção clássica, de matiz liberal, a amplitude de defesa abrangeria

dois importantes direitos no processo constitucional, a auto defesa e a defesa técnica37

(TUCCI, 2004, p. 185), sendo prevista, dessa forma, pela Convenção Interamericana de

Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica em seu art. 8º, inciso 2, alínea “d”38, que

assegura a defesa pessoal do acusado e a defesa realizada por defensor técnico.

Frise-se que a defesa técnica é irrenunciável, vez que, conforme anota Aury Lopes

Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 200), esta decorre do interesse da coletividade na

realização do devido processo penal. Por sua vez, a autodefesa é renunciável visto que o

acusado não é obrigado a participar do procedimento criminal (LOPES JÚNIOR, 2010a, p.

203). Porém, ainda que a defesa técnica seja irrenunciável e a autodefesa somente facultativa,

a defesa técnica não poderá dispensar a autodefesa, sendo certo que a garantia da defesa

técnica teria por escopo assegurar a simetria no processo (TUCCI, 2004, p. 100). Assim, a

defesa não poderá ser um direito disponível ao acusado, visto que a legitimidade da decisão e,

conseqüentemente, do próprio processo penal, estará em disputa, sendo a defesa, portanto,

exigência do próprio Estado Democrático de Direito (BINDER, 2003, p. 118).

A ampla defesa não poderá ser concebida apenas de forma assistência passiva, como

se o advogado fosse mero expectador, mas deve ser efetiva, sendo exercida em sua maior

amplitude, na forma pela qual preconiza o art. 5º, LV, da Constituição da República (TUCCI,

2004, p. 350). Nesse sentido, complementa Alberto Binder (2003, p. 116) que o direito de

defesa deve ser exercitado desde o primeiro momento em que existir uma acusação, inclusive

37 Enquanto a defesa técnica pressuporia o acompanhamento e orientação da parte por uma pessoa com conhecimentos técnicos e teóricos do Direito (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 199), Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 41) aponta, em complemento, que compete ao defensor técnico assegurar a qualquer pessoa submetida ao julgamento a defesa, advogando em seu favor e apresentando provas para isentar-lhe a responsabilidade; a auto defesa, por sua vez, seria aquela pela qual o próprio indivíduo realizaria pessoalmente (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 203). Antônio Scarance Fernandes (FERNANDES, 2010, p. 255) aponta que, no Processo Penal, encontram-se, como partes, de um lado o Ministério Público, que detém em seus quadros competentes membros, técnicos reconhecidamente habilitados para a atuação processual. De outro está o acusado que, para assegurar a isonomia, também deverá estar acompanhado por profissional tecnicamente capacitado. A assistência técnica, ou defesa técnica, é aquela realizada por advogados ou por defensores públicos, não significa a simples assistência passiva do desenrolar do procedimento, mas a assistência técnica que se dará pela efetiva participação (TUCCI, 2004, p. 104-105). Assim, a assistência por advogado não poderá ser meramente formal, mas deve ser concretizada de forma efetiva e dinâmica na procura de se efetivar a liberdade do assistido e o esclarecimento dos fatos levados ao procedimento (TUCCI, 2004, p. 161-162). 38 Art. 8º. Garantias judiciais: 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e pessoalmente com seu defensor.

48

nas fases pré-processuais ou policiais, sendo inconstitucional qualquer forma de restringir a

defesa em qualquer fase do processo39.

A autodefesa, por sua vez, poderia assumir duas facetas importantíssimas para a

compreensão do tema, podendo configurar-se como sendo positiva ou negativa. A primeira

refere-se ao direito do sujeito passivo na prática de atos quando atuará de forma ativa,

participando positivamente da construção do provimento (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 203).

Por sua vez a autodefesa será exercida de forma negativa, quando o acusado, abre mão de

participar fazendo valer o direito ao silêncio e à não auto incriminação conforme lhe garante o

princípio nemo tenetur se detegere (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 207).

Carnelutti já afirmara em suas “Misérias do Processo Penal” (CARNELUTTI, 2007,

p. 55) que o juiz deveria percorrer toda a história do acusado, devendo ter tempo e paciência

para ouvi-la e fazer com que o próprio acusado relate sua história. Esse “ouvir a história” é

exatamente uma das formas de assegurar o direito do acusado à ampla argumentação, através

da qual terá assegurada sua participação na construção da sentença.

Importante ressaltar que a autodefesa se manifestaria de várias formas no processo

penal: direito de audiência, direito de presença e direito de postular pessoalmente.

(FERNANDES, 2010, p. 263)

Em síntese, entendemos que a ampla defesa é configurada pela ampla possibilidade

de participação das partes no processo, através de argumentos e provas levadas ao processo,

porém, devemos destacar que esta participação argumentativa somente se dará se assegurada a

presença, a audiência e a postulação. E, ainda mais que isso, a participação que conformará a

amplitude de defesa deve ser assegurada a todos os sujeitos processuais, não se fala em ampla

defesa apenas ao acusado, mas, em uma leitura constitucional e democrática do processo, a

ampla defesa abrange a todos os sujeitos do processo (autor, acusado e vítima). Por óbvio, que

39 Parte da doutrina afirma que durante o inquérito policial não há a presença dos direitos constitucionais à ampla defesa e ao contraditório, vez que esta fase configuraria mero procedimento administrativo de investigação (v.g. TOURINHO FILHO, 2010, p. 113; BONFIM, 2009, p. 110; CAPEZ, 2011, p. 117). Contudo, entendemos que essa posição prescinde de melhor reflexão para se adequar à Constituição, vez que o art. 5º, LV, exige que os acusados em geral e aqueles sujeitos a processos judiciais e administrativos devem gozar da garantia do contraditório e da ampla defesa. Além do mais, desde 1941 o Código de Processo Penal preceitua em seu art. 14 que o indiciado poderá requerer diligências que serão realizadas a critério da autoridade policial. Assim, ainda que não exista o contraditório pleno, o contraditório está presente no Inquérito Policial, ainda que de forma mitigada, afirmar por sua exclusão significa restringir o texto constitucional para suprimir garantias. Vale salientar que é direito do advogado extrair cópias dos autos do inquérito policial, nos termos do art. 7º, XIV do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994). Ademais, o Supremo Tribunal Federal editou em 02 de fevereiro de 2009 a súmula vinculante de número 14 que assegura o direito do defensor ao acesso aos autos do inquérito policial no interesse de seu constituinte. Assim, verifica-se a presença, ainda que mitigada, do contraditório e da ampla defesa mesmo durante o inquérito policial. (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 319-327)

49

tal concepção enseja em considerarmos o Ministério Público parte no processo penal e, como

tal, nada tem o Parquet de imparcial, afinal, ou se é parte ou se é imparcial.

A ampla defesa positiva não se realizaria apenas pelo interrogatório, mas pelo direito

de presença do acusado na produção da prova40 e, com ela, assegura-se sua efetiva

participação a formação da sentença. “A presença do imputado é fundamental porque ele tem

o direito essencial de defesa.” (BINDER, 2003, p. 200)

O direito de presença, decorrente direto do princípio da ampla defesa, foi

expressamente consagrado em diversos pactos internacionais como a Convenção

Interamericana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica – que ingressou no

ordenamento jurídico interno do Brasil pelo Decreto 678/1992, como se verifica no em seu

art. 7º, inciso 541 e no já citado art. 8º inciso 2, alínea “d” do mesmo pacto; bem como pelo

Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, como disposto no art. 14, inciso 3, alínea

“d” 42. O acusado, dessa forma tem direito de estar presente na colheita da prova (SANTIAGO

NETO, 2009, p. 4), como já decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Habeas

Corpus nº 86.63443.

40 O direito de presença corresponderá ao direito do acusado acompanhar todos os atos do processo, ao lado de seu defensor, possibilitando que aquele auxilie este na construção do provimento (FERNANDES, 2010, p. 264). Portanto, na síntese de Binder (BINDER, 2003, p. 122), o direito de presença “significa a possibilidade concreta e real para o acusado de participar do andamento do julgamento e de seus debates”. Luiz Flávio Gomes e Valério de Oliveira Mazzuoli (GOMES; MAZZUOLI, 2010, p. 123) apontam que o direito de presença abrange tanto o direito de confrontação com as vítimas e testemunhas como o direito de compreender todos os atos praticados durante o processo. Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 135) aponta que o direito de defesa possui importante manifestação no direito de depor, que se configura pelo direito do acusado em introduzir no processo as informações que julgar adequadas. Porém, frise-se, que o acusado não terá, no processo democrático, qualquer dever de produzir provas contra si mesmo. 41 Art. 7º Direito à liberdade pessoal: 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada à garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 42 Artigo 14: 3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos, as seguintes garantias: d) de estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de defender de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor designado "ex offício" gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo; 43 "HABEAS CORPUS" - INSTRUÇÃO PROCESSUAL - RÉU PRESO - PRETENDIDO COMPARECIMENTO À AUDIÊNCIA PENAL - PLEITO RECUSADO - REQUISIÇÃO JUDICIAL NEGADA SOB FUNDAMENTO DA PERICULOSIDADE DO ACUSADO - INADMISSIBILIDADE - A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA: UMA DAS PROJEÇÕES CONCRETIZADORAS DA CLÁUSULA DO "DUE PROCESS OF LAW" - CARÁTER GLOBAL E ABRANGENTE DA FUNÇÃO DEFENSIVA: DEFESA TÉCNICA E AUTODEFESA (DIREITO DE AUDIÊNCIA E DIREITO DE PRESENÇA) - PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS/ONU (ARTIGO 14, N. 3, "D") E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS/OEA (ARTIGO 8º, § 2º, "D" E "F") - DEVER DO ESTADO DE ASSEGURAR, AO RÉU PRESO, O EXERCÍCIO DESSA PRERROGATIVA ESSENCIAL, ESPECIALMENTE A DE COMPARECER À AUDIÊNCIA DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS, AINDA MAIS QUANDO ARROLADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - RAZÕES DE CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA OU GOVERNAMENTAL

50

Dessa forma, o direito à ampla defesa abrangeria, nesta concepção clássica, o direito

de audiência e o direito de presença, ou seja, somente se terá como ampla a argumentação se

for efetivamente levada em consideração pelo julgador, ou seja, se a parte for efetivamente

ouvida pelo juiz que lhe deve assegurar o contato pessoal e direto. O direito de ser ouvido não

seria apenas o direito de argumentar, mas o direito de compreender os direitos básicos do

processo (alegar e provar). Em síntese, o direito de audiência seria constituído pelo direito de

argumentação (ampla e irrestrita) e o direito de compreender os elementos do processo.

(AROCA, 1997, p. 141)

A ampla defesa no Estado Democrático de Direito, aponta Rosemiro Pereira Leal

(LEAL, 2010, p. 99) envolve o devido processo legal em sentido substancial, podendo ser

traduzida pela garantia de plenitude de defesa em tempo e modo suficiente para ser

sustentada. Porém, importante destacar que não defendemos uma concepção liberal da ampla

defesa, ou seja, não falamos em um direito da defesa ampla em face a um Estado opressor das

liberdades individuais. A ampla defesa em uma concepção democrática refere-se à ampla

defesa das teses que são levadas à construção do provimento, dessa forma, todos os sujeitos

que participem de sua construção deverão ter garantida a amplitude de defesa. Assim

entendemos porque em uma concepção democrática os destinatários das normas se

reconhecem como seus próprios autores, o que só é possível pelo espaço processualizado e as

decisões são atos preparados processualmente através da estrutura procedimental aberta a

todos seus sujeitos (LEAL, 2002, p.131), no Processo Penal esta construção deverá contar

com a participação do Ministério Público, do acusado, do defensor técnico e da vítima.

NÃO PODEM LEGITIMAR O DESRESPEITO NEM COMPROMETER A EFICÁCIA E A OBSERVÂNCIA DESSA FRANQUIA CONSTITUCIONAL - NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA - AFASTAMENTO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, NO CASO CONCRETO, DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF - "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO DE OFÍCIO. - O acusado, embora preso, tem o direito de comparecer, de assistir e de presenciar, sob pena de nulidade absoluta, os atos processuais, notadamente aqueles que se produzem na fase de instrução do processo penal, que se realiza, sempre, sob a égide do contraditório. São irrelevantes, para esse efeito, as alegações do Poder Público concernentes à dificuldade ou inconveniência de proceder à remoção de acusados presos a outros pontos do Estado ou do País, eis que razões de mera conveniência administrativa não têm - nem podem ter - precedência sobre as inafastáveis exigências de cumprimento e respeito ao que determina a Constituição. Doutrina. Jurisprudência. - O direito de audiência, de um lado, e o direito de presença do réu, de outro, esteja ele preso ou não, traduzem prerrogativas jurídicas essenciais que derivam da garantia constitucional do "due process of law" e que asseguram, por isso mesmo, ao acusado, o direito de comparecer aos atos processuais a serem realizados perante o juízo processante, ainda que situado este em local diverso daquele em que esteja custodiado o réu. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos/ONU (Artigo 14, n. 3, "d") e Convenção Americana de Direitos Humanos/OEA (Artigo 8º, § 2º, "d" e "f"). - Essa prerrogativa processual reveste-se de caráter fundamental, pois compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu processado por suposta prática de crimes hediondos ou de delitos a estes equiparados. Precedentes. (BRASIL, STF, Habeas Corpus 86.634, rel. Min. Celso de Mello, 2007.)

51

Verifica-se que parte considerável dos autores do Processo Penal, sobretudo nos

manuais, ainda concebem que a ampla defesa seria destinada apenas ao acusado, sendo

concebida apenas como uma garantia do jurisdicionado face ao Estado (Jurisdição). Tal

concepção não é suficiente ao paradigma do Estado Democrático de Direito, visto que,

“acaba mitificando os direitos fundamentais e garantias constitucionais como proteção do

indivíduo face ao Estado, numa concepção própria do paradigma liberal” (BARROS,

CARVALHO; GUIMARÃES, 2006, p. 8).

Como afirmamos acima, o Estado Liberal foi uma resposta ao modelo absolutista o

qual tinha por característica a grande intervenção do Estado na liberdade individual. Assim,

segundo o paradigma liberal, quanto menos o Estado interviesse na esfera privada, melhor.

Dessa forma, indivíduo deveria gozar de direitos e garantias para fazer frente e impedir os

abusos estatais que fizeram gerar a ruptura entre o antigo regime e o Estado Liberal. Assim,

segundo a concepção clássica do princípio da ampla defesa, esta seria uma garantia dos

indivíduos para fazer frente ao Estado, o que não é concebível com o paradigma do Estado

Democrático de Direito.

Como vimos, o Estado Democrático de Direito exige a participação dos interessados,

em contraditório e de forma isonômica, na construção das decisões. Assim, toda decisão deve

ser fruto da discussão processual entre aqueles que sofrerão seus efeitos. Não sendo viável na

democracia que uma parte tenha mais garantias que a outra.

Percebendo esse problema da concepção clássica da ampla defesa com o Estado

Democrático de Direito, Flaviane de Magalhães Barros, Marius Fernando Cunha de Carvalho

e Natália Chernicharo Gimarães (BARROS; CARVALHO; GUIMARÃES, 2006, p. 10), após

traçarem o conceito de ação para Fazzalari, chegam à conclusão de que a ampla defesa deve

ser percebida como ampla argumentação, pois, somente assim, esta garantia abrangeria aos

sujeitos do processo penal, sendo assegurada não apenas ao acusado, mas também à acusação

e à vítima, “sob pena de quebrar-se um dos princípios institutivos do processo, qual seja, a

simétrica paridade” (BARROS, CARVALHO e GUIMARÃES, 2006, p. 10). Assim, o

direito de defesa não pertenceria exclusivamente a uma das partes face à outra (direito de

defesa do réu frente ao pedido do autor), seria titularizado por todos os sujeitos do processo

(jurisdicionados) frente ao Estado (jurisdição) na pessoa do juiz, permitindo que qualquer das

partes reaja aos atos do juiz que lhe sejam prejudiciais. (BARROS, CARVALHO e

GUIMARÃES, 2006, p. 8)

52

Porém, para entendermos o tema, devemos, antes, enfrentar o conceito de ação em

Fazzalari, tema este que dedicaremos algumas linhas para, após retomaremos o conceito de

ampla defesa segundo uma concepção democrática.

Ao repudiar o conceito de processo como relação jurídica, Fazzalari elabora um novo

conceito de ação, baseando-se, para tanto das medidas jurisdicionais e de seu conceito de

provimento (GONÇALVES, 1992, p. 140).

Segundo a obra de Fazzalari, ação seria uma situação subjetiva composta, ou seja, a

ação deverá ser percebida como uma série de faculdades, poderes e deveres atribuídos pela lei

ao sujeito em razão de sua conduta ao longo do processo até chegar-se à sentença

(FAZZALARI, 2006, p. 504). “Por isso, nos nossos dias, ou se emprega o nome de “ação”

para significar tal situação subjetiva composta – a única realidade que importa pelo

ordenamento e que é parte integrante do processo -, ou é preciso renunciar ao velho e

glorioso nome” (FAZZALARI, 2006, p. 505).

Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2003b, p. 26) anota que a ação, na

concepção de Fazzalari não é apenas o direito ou a faculdade do autor de colocar o processo

em movimento, nem é o ato inicial do processo. Para o citado professor italiano, a ação é uma

situação subjetiva que compreende uma série de poderes, deveres e faculdades que as partes

possuem durante o processo. Assim, o conceito de parte não se aplica apenas ao autor,

aplicando-se a todos os sujeitos do processo, dentre os quais estão o autor e o réu, mas

também estão o juiz, o interveniente, o denunciado, o serventuário, etc.

Fazzalari tem como critério básico para a revisão do conceito de ação a idéia da

legitimação para agir, que, segundo o professor italiano, não mais pode ser atribuída apenas

ao autor, mas estendida a todos os sujeitos do processo (GONÇALVES, 1992, p. 144), que,

segundo anotam Leonardo Augusto Leão Lara, Newton Teixeira de Carvalho e Saulo

Versiani, tanto no processo civil, como no administrativo, penal ou constitucional, para a

concepção Fazzalariana, sujeitos processuais são a função jurisdicional, seus auxiliares e as

partes. (LARA, CARVALHO, PENNA, 2004, p. 277)

Configura-se, para Fazzalari, portanto, a ação, como a seqüência de posições

processuais que cabem a cada uma das partes durante o curso processual. Nesse sentido, com

Fazzalari:

Configurada a “ação” como seqüencia das posições processuais que cabem à parte, ao longo do curso do processo, não é, pois, consentido considerar que tenha “ação” somente a parte que promove o processo (assim, no processo civil, o autor): também tal limitação, afirmada ainda hoje, é conseqüência da originária união entre direito subjetivo e ação, pela qual tem ação quem é (ou se afirma) titular de um direito

53

lesado. A verdade é invés, que tem ação própria qualquer outra parte (como ainda no processo civil, o réu, o interveniente): de fato cada parte tem uma série de poderes, faculdades, deveres, assinalados exatamente para realizar como uma série de atos, a sua participação no processo, ou seja, o contraditório.(FAZZALARI, 2006, p. 505)

Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2009, p. 20-21) propõe uma releitura do

princípio da ampla defesa preferindo a utilização do termo ampla argumentação para designar

a ampla defesa, vez que o processo penal constitucional tem por escopo possibilitar a

participação argumentativa das partes na construção do provimento e não defender quem quer

que seja da atuação estatal. Assim, a citada autora da ampla argumentação decorrem o direito

à prova, à assistência técnica por advogado, a necessidade de se garantir o tempo processual

necessário para que as partes possam reconstruir o caso concreto e discutir as normas jurídicas

aplicáveis.

Assim sendo, considerando o conceito de ação e o conceito de contraditório

expostos, a ampla defesa deverá ser concebida como garantia das partes de amplamente

argumentar, tendo estas, além do direito de participar da construção da decisão, “o direito de

formularem todos os argumentos possíveis para a formação da decisão, sejam estes de

qualquer matiz”, abrangendo o direito de argumentação ampla, lógica e consequentemente, a

possibilidade de ampla produção de provas para reconstruir os fatos e as circunstâncias que

sejam relevantes ao processo (BARROS, CARVALHO, GUIMARÃES, 2006, p. 11).

Importante salientar que a ampla argumentação abrange tanto a possibilidade de

serem formuladas pela parte teses jurídicas sobre os temas a serem decididos (argumentos

jurídico processuais e argumentos quanto ao mérito da decisão) como a possibilidade das

partes reconstruírem, através das provas levadas aos autos, os fatos relevantes para a formação

da cognição, em outras palavras o amplo direito à produção de provas por meios lícitos

(BARROS, CARVALHO, GUIMARÃES, 2006, p. 12).

Em síntese:

Portanto, a ampla defesa deve ser vista não somente como o direito de se defender, mas principalmente, a garantia de produção irrestrita de provas dentro de um espaço devidamente procedimentalizado (devido processo legal), que assegure tanto ao réu quanto ao autor a simétrica paridade e o próprio contraditório. (BARROS, CARVALHO, GUIMARÃES, 2006, p. 13)

Somente através de uma concepção democrática da ampla defesa, abandonando de

vez seu caráter liberal, é que será viável a democratização processual. Leonardo Augusto

Marinho Marques (MARQUES, 2011, p.475) afirma que “a universalização do discurso e a

54

rejeição à fala autorizada do mestre demarcam o espaço livre e democrático” em razão do

qual o processo penal deverá se construir. “Nesse espaço, a ampla argumentação de todos os

sujeitos processuais, incluindo a vítima, adquire validade sem se prender aos vícios de uma

técnica excludente.” (MARQUES, 2011, p.475).

É a ampla defesa (ou ampla argumentação), como salienta Rosemiro Pereira Leal

(LEAL, 2002, p. 171), que possibilitará defesas que abranjam defeitos procedimentais, de

mérito e a negação ou afirmação da constitucionalidade dos atos jurídicos. O processo penal,

afirma Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 260), somente será legítimo caso tenha sido

assegurado suficientes oportunidades de defesa. Contudo, vale destacar que o professor

argentino afirma que a defesa somente deveria ser garantida ao acusado e, como

demonstramos, o direito de defesa, em um processo democrático, deve ser destinados a todos

aqueles que participam do processo (ampla argumentação) e não apenas ao acusado.

Assim, na teoria neo-institucionalista do processo, a ampla defesa possui caráter

expansivo e é concebida como o direito a um espaço procedimental cognitivo destinado à

construção de fundamentos obtidos dos argumentos jurídicos originados na liberdade

isonômica exercida em contraditório da preparação das decisões.

Por fim, verifica-se que a base principiológica uníssona, que forma o modelo

constitucional de processo, adotado no presente trabalho, é configurada pela ampla

argumentação (ou ampla defesa), pelo contraditório, pela fundamentação das decisões e pelo

terceiro imparcial, que coexistem de forma complementar de modo que um não existirá sem o

outro. Assim a base principiológica referida constitui os pilares do modelo constitucional de

processo, e, a falta de qualquer um deles leva o processo à completa desnaturação.

2.4 O Código de Processo Penal brasileiro como obra do Estado Social e inaplicabilidade no Estado Democrático de Direito: quebrando o binômio segurança pública X liberdade individual

Como vimos acima, o Estado Social tem como baliza histórica o fim da primeira

grande guerra mundial e a crise da bolsa de Nova Iorque, bem como pelas constituições do

México (1917) e de Weimar (1919). O Estado Social surgiu da necessidade de maior

intervenção estatal na vida da sociedade, constituindo um Estado interventor que buscava dar

a sociedade aquilo que entendia ser o “bem comum”.

55

A concepção intervencionista do Estado possibilitou a ascensão de vários regimes

autoritários, como os regimes nazifascistas capitaneados por Hitler (Alemanha) e Mussolini

(Italia), bem como de outros regimes totalitários como os de Franco (Espanha), Salazar

(Portugal), Stalin (União Soviética), entre outros regimes que mostraram a face mais cruel e

vergonhosa da humanidade ao provocar a morte de milhões de pessoas durante a segunda

grande guerra mundial.

No Brasil o Estado Providência teve sua face durante o governo Vargas, que

governou o País por dois períodos distintos, o primeiro que durou longos quinze anos (1930-

1945) e o segundo, após ser eleito, que durou de 1951 até sua morte em 24 de agosto de 1954.

Principalmente durante o primeiro período Vargas governou de forma contraditória, atuando,

no plano interno, de forma ditatorial e semelhante aos governantes dos regimes autoritários

europeus, inclusive entregando à Alemanha de Hitler a judia e comunista alemã Olga Benario

Prestes, esposa de Luis Carlos Prestes, e, em contrapartida, lutando ao lado das tropas aliadas

na segunda guerra mundial.

Nesse período histórico, marcado pelo autoritarismo de Getulio Vargas, foi

elaborado pelo então Ministro da Justiça Francisco Campos o Código de Processo Penal

brasileiro, Decreto-Lei nº 3.689/1941. Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2009, p. 1)

aponta que o Código de Processo Penal brasileiro teve inspiração na legislação penal italiana

da década de 1930, elaborada em pleno regime fascista e tendo, portanto, bases notoriamente

autoritárias. À título de exemplos do autoritarismo do Código de Processo Penal vigente no

Brasil, o citado autor afirma que:

Na redação primitiva do CPP, até mesmo a sentença absolutória não era suficiente para se restituir a liberdade do réu, dependendo do grau de apenação da infração penal (o antigo art. 596). Do mesmo modo, dependendo da pena abstratamente cominada ao fato, uma vez recebida a denúncia, era decretada, automaticamente, a prisão preventiva do acusado, como se realmente do culpado se tratasse (o antigo art. 312). (...) O princípio fundamental que norteava o CPP era, como se percebe, o da presunção de culpabilidade. Manzini, penalista italiano que ainda goza de grande prestígio entre nós, ria-se daqueles que pregavam a presunção de inocência, apontando uma suposta inconsistência lógica no raciocínio, pois dizia ele, como se justificar a existência de uma ação penal contra quem seria presumivelmente inocente?

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 1998, p. 122) aponta que a

legislação processual penal brasileira foi sufocada por uma legislação fascista, copiada, na

maior parte, do Código de Rocco de 1930, com princípios autoritários que somente poderão

ser solucionados com uma nova legislação. Franco Cordero (CORDERO, 2000, p. 61) aponta

56

que o código de processo penal italiano, que entrou em vigor em 19 de outubro de 1930, era a

própria manifestação do autoritarismo, nele o Ministério Público teve suas atribuições

ampliadas sendo equiparado ao juiz, enquanto isso os defensores foram expulsos. No modelo

italiano fascista a prisão era considerada a regra do sistema, assim como a instrução secreta e

o procedimento sumário com a atuação do Ministério Público como “órgão de justiça”. Em

síntese, ainda seguindo o professor italiano, o sistema processual penal italiano da década de

1930:

Pretende ser e é um sistema ferozmente contrario às garantias: até a Corte de Cassação duvidou em aplicá-lo, nos anos da década de 1930 a 1940 concedeu uma elementar proteção ao acusado, considerando inexistente o debate ao qual não havia sido citado ou ao qual não havia assistido (por norma legal são nulidades sanáveis quando ninguém as alegue).44 (CORDERO, 2000, p. 61, tradução livre)

Do Código de Processo Penal italiano de 1930, elaborado por Rocco, que constituiu

verdadeira obra prima do autoritarismo vigente em varias partes da Europa da época, é que o

legislador brasileiro buscou inspiração para elaborar o Código de Processo Penal, que, como

não poderia deixar de ser carrega consigo a marca indelével do autoritarismo típico das

grandes ditaduras.

Em razão do Estado Social estabelecido no País, o Código de Processo Penal trouxe

como marca característica o intervencionismo do Estado, através da adoção da teoria da

relação jurídica, atribuindo poderes instrutórios ao juiz e colocando-o em posição de

superioridade em relação às partes, bem como adotando um discurso de defesa social.

Também demonstrou o lado autoritário da ditadura na qual foi gerado tratando a liberdade de

forma excepcional e colocando a prisão como regra do sistema, bem como adotando o

discurso de tutela da segurança pública em detrimento da liberdade individual.

Verifica-se pela análise da exposição de motivos que o Código de Processo Penal de

1941 buscou um sistema no qual as garantias individuais acabaram por dar lugar à prevenção

do crime, buscando, dessa forma, justificar seu autoritarismo e sua forma intervencionista. A

busca pela repressão e pela garantia do “bem comum” foram a pedra fundamental de todo o

texto do Código. Nesse sentido, afirma a exposição de motivos:

44 No original: “Pretende ser y es un sistema ferozmente contrario a las garantías: hasta la Corte de Casación duda en aplicarlo, y en los años de la década de 1930 a 1940 concede una elemental protección al acusado, considerando inexistente el debate al cual no haya sido citado o al cual no hubiera asistido (por norma legal son nulidades saneables cuando nadie las alegue).” (CORDERO, 2000, p. 61)

57

De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil, impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinqüem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um indireto estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal-avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal-compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equivoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal. (BRASIL, 1941)

E, ao final, arremata a exposição de motivos sobre o espírito do Código de Processo

Penal:

Do que vem de ser ressaltado, e de vários outros critérios adotados pelo projeto, se evidencia que este se norteou no sentido de se obter equilíbrio entre o interesse social e o da defesa individual, entre o direito do Estado à punição dos criminosos e o direito do indivíduo às garantias e seguranças de sua liberdade. Se ele não transige com as sistemáticas restrições ao poder público, não o inspira, entretanto, o espírito de um incondicional autoritarismo do Estado ou de uma sistemática prevenção contra os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1941)

Em que pese a exposição afirmar que o Código não foi inspirado no espírito

autoritário, tal afirmação somente serviu para mascarar o espírito autoritário que viria no

texto. Afinal, não é hábito dos ditadores assumirem o próprio autoritarismo. O texto justifica

na tutela dos direitos da sociedade a profunda intervenção penal repressora, típica do Estado

Social, colocando em confronto a segurança pública em face das liberdades e garantias

individuais, constituindo-se sob o binômio segurança pública X direitos individuais.

Porém, como vimos, o intervencionismo estatal acabou por levar a humanidade a

terríveis modelos ditatoriais que mostraram o que de mais terrível o ser humano foi capaz de

fazer. Milhões de pessoas foram mortas pelos regimes nazifascistas, o planeta viu-se imerso

na mais sangrentas das guerras, mostrando que o paradigma social não poderia ser mais

adotado. Vimos ainda que, após a segunda guerra mundial e, principalmente nas décadas de

1960 e 1970, a humanidade viu que um projeto único de vida não era viável e o Estado

deveria tutelar os projetos individuais reconhecendo as diferenças e visando garantir a todos o

58

mais amplo exercício dos direitos individuais. Nesse contexto, como já afirmamos, nasce o

Estado Democrático de Direito.

Porém, entre 1964 e 1984 o Brasil viu-se submerso pelo regime militar, também

adepto do intervencionismo e do Estado Social, buscando aquilo que acreditava ser o “bem

comum” da sociedade. Tal regime levou o País a um verdadeiro banho de sangue havendo, até

a presente data, pessoas desaparecidas. Entre o regime Vargas e o final do regime militar o

Brasil passou por nada mais que quatro Constituições diferentes (1934, 1937, 1946 e 1967),

bem como por uma “emenda” à constituição de 1967 que representou uma alteração

praticamente integral de seu texto (1969), que, entretanto, não foram capazes de alterar o

modelo intervencionista vivido naquele período.

Somente em 1988, após o fim do regime ditatorial (ocorrido em 1984), é que foi

estabelecida uma nova ordem social e o Brasil passou a adotar o paradigma do Estado

Democrático de Direito. A ordem Constitucional buscou separar completamente as atividades

de acusar e de julgar, bem como trouxe a ação penal pública ao status de direito fundamental

(art. 5º, LIX45). Nesse sentido, Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 99)

identifica a ação penal como uma garantia fundamental, demonstrando ser inadequado o

conflito entre segurança pública X liberdades individuais.

A constitucionalização do processo penal é imperiosa46, sobretudo pela inspiração

autoritária do Código vigente, devendo a Constituição ser o porto seguro do intérprete e do

operador do direito processual penal. Porém, o Código de Processo Penal, por possuir sua

estrutura calcada no autoritarismo, não consegue, mesmo após inúmeras reformas pontuais, se

adequar aos ditames constitucionais, e nem conseguirá, somente um novo código, concebido

sob o paradigma democrático que será capaz de trazer ao processo penal brasileiro os ares da

democracia processual. Enquanto isso, sigamos interpretando o código à luz da Constituição,

mesmo sabendo de alguns intérpretes que continuam a interpretar a Constituição à escuridão

do Código de Processo Penal.

A percepção de Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 119) de um

processo público e que figura entre as garantias fundamentais estampados na Constituição faz

com que seja erguido um novo modelo de processo penal, demonstrando a impossibilidade de 45 Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal; 46 Não somente o processo penal deve ser lido à luz da Constituição, todas as normas do ordenamento jurídico devem ser lidas sob o prisma constitucional, contudo, como a Constituição trouxe um extenso rol de garantias e direitos fundamentais, inexistentes no Código de Processo Penal, deve-se levar ao código a vontade do constituinte.

59

um modelo calcado no conflito entre segurança pública e liberdades individuais. Assim, com

Eugênio Pacelli de Oliveira:

A imposição de sanção quando destinada à proteção de direitos fundamentais se coloca em posição de reciprocidade e de complementariedade com a proteção à liberdade individual, que também se qualifica como direito fundamental. Não se cuida de mera oposição entre segurança pública x liberdade individual, mas da afirmação dos direitos fundamentais (potenciais) x direitos fundamentais individualizado. (OLIVEIRA, 2004, p. 99)

E continua mais adiante o professor citado:

A instituição ou reconhecimento de uma ação penal pública como garantia fundamental, primeiro enquanto dever do Estado (ação pública), e depois como direito do particular quando inerte aquele (ação pública de iniciativa do particular), somente pode ser explicada, sob a perspectiva procedimental ou processual, enquanto destinada à proteção de direitos fundamentais. Por essa razão, não há como recusar: trata-se de um processo público cujo conteúdo situa-se em meio aos apontados direitos fundamentais, isto é, pela fórmula direitos fundamentais x liberdade individual, que é também uma manifestação daqueles (direitos fundamentais), em relação, pois, de reciprocidade e de complementariedade. (OLIVEIRA, 2004, p. 119, grifos no original)

O conflito entre liberdade individual e segurança pública, segundo aponta Pacelli

(OLIVEIRA, 2004, p. 6) “é constitutiva de todo o direito estatal que tenha por objeto

relações de natureza jurídica entre o Estado e seus administrados e jurisdicionados”.

Não há, portanto, no processo penal, espaço para o conflito entre segurança pública e

liberdade individual. No processo penal democrático há o dever do Estado de proteger os

direitos fundamentais, consoante dispõe o art. 5º, XLI 47, da Constituição da República,

devendo, para tanto e se realmente necessário, fazer uso do direito e do processo penal.

Assim, se é dever do Estado a tutela dos direitos fundamentais e, ao mesmo tempo, a

ação penal é uma garantia fundamental, verifica-se um conflito entre direitos fundamentais.

Como defende Pacelli:

É bom que se diga mesmo que a equação que ora se põe a descoberto não é aquela, já tradicional, da segurança pública x liberdade individual. Aqui a operação hermenêutica deve partir de outra angulação: a da proteção de direitos fundamentais x a proteção da liberdade individual. Mas, note-se: tanto a proteção da liberdade individual constitui-se como um direito fundamental, como a proteção de direitos fundamentais deve também garantir a liberdade individual. (OLIVEIRA, 2004, P. 44)

47 Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

60

Percebe-se, nessa linha que com a concepção de que a ação penal pública é uma

garantia fundamental, deve-se abandonar a bolorenta concepção de que o processo penal se

ergue com o conflito entre liberdade individual e segurança pública para adotar a concepção

de que o binômio é outro, ou seja, o processo penal deve ser pensado a partir do conflito entre

direitos fundamentais (na dimensão coletiva) x direitos fundamentais (na perspectiva

individual) (OLIVEIRA, 2004, p. 227).

2.5 O devido processo legal e a participação dos sujeitos processuais no processo democrático

Iniciamos o presente capítulo pelo estudo da evolução do Estado de Direito que, por

conquistas da humanidade, através de avanços e retrocessos, saiu do paradigma liberal para

atingir o atual estágio do Estado Democrático de Direito.

Em seguida passamos, ainda que superficialmente, pela teoria do processo e o

modelo constitucional de processo, vez que o Estado Democrático se perfaz pela participação

dos envolvidos na construção dos provimentos, sendo imprescindível para a participação, e,

portanto, para a democracia, que a participação se dê pelo devido processo constitucional.

Por fim, estudamos a base principiológica uníssona que forma o modelo

constitucional de processo, porque o devido processo demanda a obediência aos princípios

processuais constitucionais para se realizar.

Porém, o processo não visa promover a justiça ou a paz social. O escopo do processo

é garantir um espaço de manifestação da cidadania para a efetivação dos direitos

fundamentais tutelados pelas normas, somente indiretamente o processo atuará pela paz social

(ARAÚJO, 2003, p. 103).

Cabe ao devido processo legal, consoante Rosemiro Pereira Leal, estabelecer o

espaço discursivo de legitimação da decisão, que será preparada pela participação de todos os

sujeitos do processo (LEAL, 2002, p. 104).

Dessa forma, para que o processo possa viabilizar um espaço de manifestação da

cidadania e seja realmente democrático, o que ocorrerá pela participação simétrica das partes

na construção do provimento, mudanças devem ser realizadas, sobretudo no processo

jurisdicional, principalmente no comportamento dos sujeitos com fim de garantir a efetiva

participação das partes na construção da sentença.

61

Vale salientar que, neste capítulo faremos apenas uma análise da participação dos

sujeitos processuais no processo constitucional democrático, deixando para o último capítulo

uma volta a este tema para uma análise da participação dos sujeitos sob o enfoque do modelo

constitucional de processo e do sistema acusatório (que abordaremos no próximo capítulo).

Assim, o objetivo aqui será de uma análise geral, para ao final estudarmos este tema de forma

específica no processo penal.

Fazzalari, pela teoria do processo como procedimento em contraditório, rompeu com

a teoria da relação jurídica e retirou o juiz da posição superior da relação jurídico-processual

para inseri-lo em igualdade em relação às partes.

Assim, o Estado constitucional democrático, conforme salienta Dierle José Coelho

Nunes (NUNES, 2009, p. 197), garante a participação permanente e efetiva dos sujeitos de

direitos na formação dos provimentos aos quais estarão sob os efeitos.

A retirada do juiz do centro do palco processual não esvazia o papel da magistratura,

mas o redefine, o juiz deve ser um garantidor dos direitos fundamentais, entre os quais se

encontra o direito de participação dos sujeitos na formação do provimento. O juiz

democrático não pode omitir-se em relação à realidade social, assumindo função decisória

segundo as regras e princípios do sistema processual e deve assegurar que o provimento seja

extraído do debate endoprocessual pelo qual todos os sujeitos possam, por seus argumentos,

influenciar no dimensionamento da decisão (NUNES, 2009, p. 200).

O juiz, segundo aponta Aroldo Plínio Gonçalves (GONÇALVES, 1992, p. 120-121),

é sujeito do processo, tendo a titularidade dos provimentos, contudo, sua participação no

processo não o faz contraditor, ou seja, o juiz não participa da relação processual em

contraditório com as partes. Contudo, como explicitamos acima, o juiz tem o dever de

fundamentar sua decisão e analisar todas as teses apresentadas pelas partes, vez que, somente

pela fundamentação é que será garantido o contraditório e a ampla defesa. Verifica-se que as

partes, pelo debate endoprocessual, é que estabelecerão os limites da decisão, que, sob pena

de tornar-se ilegítima, deverá ser vinculada àquilo que as partes produziram dentro do

processo.

Dessa forma, em uma visão constitucional democrática, não existe entre os sujeitos

do processo relação de submissão, mas de interdependência, o que torna inaceitável

concepções que colocam as partes submissas ao juiz (NUNES, 2009, p. 200).

62

O juiz não é o único garantidor da democracia e nem o mais avalizado, ao contrário

do que afirma José Renato Nalini48 (NALINI, 1994, p. 10). A democracia é de todos e

compete ao povo sua manutenção, sendo que, no processo, competirá essa tarefa a todos seus

sujeitos. Consoante Rosemiro Pereira Leal (LEAL, 2010, p.54), no Estado Democrático de

Direito é o povo que faz e garante suas conquistas por meio do processo constitucional.

Nesse contexto, o juiz é funcionário do povo, não construtor do direito, mas

concretizador dele, por meio do provimento (LEAL, 2010, p. 54), “não é livre intérprete da

lei, mas o aplicador da lei como intérprete das articulações lógico-jurídicas produzidas pelas

partes construtoras da estrutura procedimental” (LEAL, 2010, p. 63).

Segundo ressalta Alexandre de Moraes da Rosa (ROSA, 2006, p. 266), o juiz não

pode, no processo, realizar os anseios sociais, deve manter-se de maneira imparcial e garantir

o equilíbrio do contraditório, assegurando, assim, a democracia processual.

Assim, no Estado Democrático de Direito, o juiz justiceiro, que se coloca como

protagonista do processo, não tem lugar. Atualmente, o julgador deve pautar-se pela abertura

para a participação, colocando-se em igualdade com os demais sujeitos do processo.

Os órgãos jurisdicionais devem também cumprir as normas, principalmente os prazos

a eles destinados, contribuindo, assim, para a almejada celeridade procedimental.49

Porém, essa mudança de postura compete não apenas aos membros dos órgãos

jurisdicionais e serventuários da jurisdição, é imprescindível que ocorra a mudança de

comportamento e de postura também em relação às partes, principalmente de seus

procuradores, que devem se colocar como agentes do contraditório e, conseqüentemente, da

democracia.

Segundo aponta Carlos Henrique Soares (SOARES, 2004, p. 72), o advogado é

pressuposto para a garantia dos direitos fundamentais, estabelecendo o efetivo contraditório

no processo jurisdicional e garantindo o devido processo legal. O advogado, nesse diapasão, é

48 “O juiz que não se conforma com uma atuação meramente burocrática e que repensa continuamente os aspectos institucionais de seu mister não se acomoda perante esse quadro. Procura contribuir para uma reflexão que não é só dele, mas de todos os interessados na preservação da democracia, alternativa menos falível de uma vida social digna e da qual o juiz é categorizado avalista” (NALINI, 1994, p. 10) 49 Nesse sentido, válida a crítica de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias: “Obviamente, quando os órgãos jurisdicionais descumprem essas normas do ordenamento jurídico, o que é prática ilícita corriqueira no Estado brasileiro, a jurisdição se apresenta como morosa, intempestiva e ineficiente, ao contrário do que se fala – “processo moroso” – de forma tecnicamente inadequada. Na realidade não é o processo que se mostra moroso, mas morosa é a atividade essencial monopolizada pelo Estado, denominada jurisdição, até porque, normalmente, as partes cumprem os prazos que lhe são impostos, a fim de lhes afastar a inexorável preclusão temporal, que é a perda do direito à prática do ato processual pelo decurso do prazo. Os órgãos jurisdicionais do Estado brasileiro é que sistemática e ilicitamente não cumprem os prazos que o ordenamento jurídico lhes determina para a prática dos atos jurisdicionais nos processos, sem que nada aconteça aos agentes públicos julgadores infratores”. (DIAS, 2009c, p. 304)

63

o responsável pelo reconhecimento das partes como autores e destinatários do provimento

jurisdicional. Assim agindo, o advogado será, de fato, indispensável à administração da

justiça, tal qual prescreve o art. 133 da Constituição da República Federativa do Brasil50.

Dessa maneira, verifica-se que o processo constitucional está a exigir uma mudança

de comportamento tanto dos juízes como dos advogados. Aos juízes cumpre deixarem a

postura messiânica e aos advogados cumpre perceberem-se em igualdade em relação aos

magistrados. Aos juízes, advogados e partes, cumpre o dever de se postarem de forma a

construírem, juntos, o provimento.

O que se está a propor é que o processo seja regido pelo contraditório e, com base

nele, implemente-se o diálogo entre os sujeitos processuais, evitando-se decisões-surpresa por

parte do juiz e a imposição de argumentos estratégicos e persuasivos por parte de uma parte

melhor assessorada tecnicamente. Somente argumentos legitimados pelo processo poderão

formar/construir uma decisão compartilhada (NUNES, 2009, p. 200).

Dessa forma, para aprofundar no papel dos sujeitos do processo no processo penal

constitucional, imprescindível o estudo dos sistemas acusatório e inquisitório para

verificarmos suas compatibilidades com o Estado Democrático de Direito e, ao final,

demonstrarmos qual deve(ria) ser a conduta de cada um dos sujeitos do processo para se

garantir um processo penal efetivamente democrático.

50 Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

64

3 SISTEMA ACUSATÓRIO

3.1 Significado da Palavra “Sistema”

A compreensão dos sistemas processuais penais é imprescindível para a construção

de um processo penal constitucional e democrático, no qual seja assegurada às partes a ampla

participação na construção do provimento. Porém, antes de compreendermos quais são os

sistemas processuais penais, é importante uma reflexão sobre o significado da palavra

“sistema”.

O Dicionário Aurélio Buarque de Holanda da língua portuguesa (HOLANDA, 1986,

p. 1594) abarca dezenove acepções sobre a definição da palavra “sistema”, dentre as quais

vale destacar a referente ao conjunto ordenado de princípios ou idéias relacionadas para

abranger um campo do conhecimento. Porém, a concepção científica do que seriam sistemas,

sobretudo o sistema jurídico, não é tão singela.

Em uma concepção kantiana, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO,

2002, p. 688) afirma que a concepção de sistema deverá ser fundada na noção de princípio

unificador.

Assim, segundo a acepção acima do verbete “sistema”, podemos dizer que estamos

falando de um conjunto ordenado de princípios que se aproximam por meio de características

comuns que são unidas para formar um conceito comum.

Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 30) define sistema jurídico como

sendo “a reunião ordenada de entes, conceitos, enunciados jurídicos, princípios gerais,

normas ou regras jurídicas, fazendo com que se estabeleça, entre os sistemas jurídicos e

esses elementos, uma relação de continente e conteúdo, respectivamente”.

Assim sendo, os sistemas formam-se pela aproximação de normas ou regras,

forjando-se dessa aproximação e da relação surgida por afinidade entre as categorias unidas,

uma relação de unidade, denominada sistema.

Porém, nem sempre o sistema é formatado de forma a possuir apenas elementos

fixos, Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 31) destaca que os sistemas jurídicos

são formatados por duas categorias de elementos, um núcleo duro e outra parte variável.

Sendo que o núcleo duro compõe-se de elementos rígidos, fixos e imutáveis, sendo que a

exclusão de qualquer destes elementos levaria à extinção do próprio sistema. Por sua vez os

65

elementos variáveis têm por fim a mobilidade do sistema, possibilitando seu funcionamento, a

falta de um desses elementos não é capaz de por fim ao sistema, assim, apenas representa uma

variação do próprio sistema.

Dessa forma, os sistemas processuais penais formaram-se pelas manifestações

históricas do processo penal dos períodos históricos vividos e enfrentados pela humanidade,

de acordo com a regulamentação de cada época e de cada povo (ANDRADE, 2008, p. 37).

No processo penal podemos identificar dois sistemas que, através da aproximação de

princípios e características, estabeleceram-se historicamente: o sistema inquisitivo

(inquisitório) e o sistema acusatório. Valendo ainda destacar que parte considerável da

doutrina aponta ainda a existência do sistema misto, que congregaria características de ambos

os sistemas formando um sistema hibrido.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009, p. 103) alerta que todos os

sistemas processuais penais conhecidos pela humanidade não são puramente acusatórios ou

inquisitórios, sendo certo que são todos mistos e inexistindo, portanto, um sistema que possa

ser concebido como puro. Contudo, o fato de inexistirem sistemas puros não nos leva a

concluir que exista um sistema que pode ser denominado “misto”, vez que mistos todos são, o

que deverá ser observado para a definição do sistema adotado concretamente é a prevalência

de um ou outro modelo, segundo suas características determinantes.

Aury Lopes Júnior alerta que os sistemas processuais acusatório e inquisitório

refletem o processo penal segundo as exigências do Direito Penal e do próprio Estado

segundo o momento histórico vivido (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 57; 2010c, p. 151).

Podemos afirmar, ainda que em linhas gerais, com Enrique Jimenez Asenjo

(ASENJO, 1949, p. 81) que o sistema será acusatório quando houver a manifestação do

princípio acusatório, tratando o acusado como sujeito de direito, enquanto, será inquisitório o

sistema onde prevaleça o princípio inquisitivo, pelo qual o acusado figurará de tal forma

subordinado ao processo que será tratado como mero objeto do processo, sem possuir

nenhuma garantia processual.

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 31) afirma que os sistemas processuais penais

buscam, cada qual à sua maneira, adequar a eficiência e as garantias. Assim, ainda seguindo o

autor argentino, podemos afirmar que o sistema acusatório preserva as garantias em

detrimento da eficiência, enquanto o sistema acusatório prima pela eficiência, diminuindo, em

contra partida, o respeito à liberdade e à dignidade das pessoas. Porém, não se pode dizer que

um dos sistemas seja puramente garantidor, ainda nos mais duros tempos da inquisição havia

66

restrições à tortura, de modo a evitar o que se considerava “torturas injustas” (BINDER, 2003,

p. 28), como se pudéssemos falar em “torturas justas”.

Dessa forma apenas a título introdutório, em síntese, podemos, com Ferrajoli

(FERRAJOLI, 2006, p. 519) determinar que o sistema será considerado acusatório quando o

juiz atuar de maneira rigidamente separada das partes, tendo o processo início através da

acusação à qual incumbe todo ônus probatório e, em contrapartida, o chamaremos inquisitório

o procedimento no qual o juiz atuará de ofício, participando ativamente de toda atividade

probatória (FERRAJOLI, 2006, p. 520). Essa diferenciação, aliada à concepção traçada no

capítulo primeiro sobre processo e procedimento, nos leva a concordar com Juan Monteiro

Aroca (AROCA, 1997, p. 28-29) que afirma não existirem dois sistemas processuais penais,

vez que o sistema inquisitório não seria um modelo processual, vez que nele o juiz não seria

imparcial vez que acumularia os papéis de julgador e acusador (AROCA, 1997, p. 97),

urgindo esclarecermos que, nesse diapasão apenas o modelo acusatório configuraria um

modelo processual, sendo que o modelo inquisitivo seria mero modelo procedimental.

Leonardo Augusto Marinho Marques (MARQUES, 2009, p. 147) ressalva com

propriedade que atualmente o termo “sistema” vem sendo substituído pelo termo “método”,

visto que a história não registra a adoção de “modelo normativo lógico e racional que esteja

orientando simultaneamente culturas jurídicas diversas”. Salienta ainda o referido professor

(MARQUES, 2011, p. 477) que “na História da civilização ocidental, nunca existiu sistema

processual universal, que fosse capaz de reunir, de uma só vez, todas as características

específicas de um determinado método (inquistivo ou acusatório), conformando um modelo

que servisse de padrão”.

Leonardo Augusto Marinho Marques adota, porém, em trabalho mais recente o termo

procedimento inquisitório ao invés da clássica concepção de sistema inquisitório e da

denominação “método” anteriormente utilizada (MARQUES, 2011, p. 476-478), para tanto, o

referido autor recorre ao pluralismo jurídico, afirmando que em razão dele o processo

necessita se abrir para a diversidade interpretativa e potencializar a ampla argumentação dos

afetados na construção do provimento jurisdicional, o que não ocorre no procedimento

inquisitório. Conclui o autor afirmando que compreende procedimento como sendo a

atividade preparatória de um ato de poder do Estado que se regularia por uma estrutura

normativa desenvolvida para o exercício das funções administrativa, legislativa e

jurisdicional.

67

Assim, não houve, em uma análise histórica, uma cultura jurídica que reunisse todas

as características de um dos modelos, seja acusatório ou inquisitório, ao contrário, suas

características podem ser identificadas em vários momentos e nem sempre são coincidentes.

Feitas as observações acima, optamos por tratar dos modelos acusatório e

inquisitório como sistema acusatório e procedimento inquisitório. Porém, que fique bem claro

que dentro da concepção teórica adotada, apenas podemos afirmar configurar realmente um

modelo processual o sistema acusatório, enquanto o procedimento inquisitório constitui mero

procedimento, visto inexistir a isonomia entre as partes, necessária para se assegurar o

contraditório. Assim, ausentes a isonomia e o contraditório, não há como se conceber o

procedimento inquisitivo como sendo “processo”, mas como mero procedimento.

3.2 Evolução histórica dos sistemas processuais penais

Durante os séculos, a humanidade sempre alternou entre regimes de maior liberdade

e regimes autoritários. Nesse contexto, o procedimento inquisitório sempre favoreceu a

ascensão de modelos autoritários, enquanto o sistema acusatório esteve presente em

momentos de maior liberdade.

O sistema acusatório, para a maioria da doutrina, consoante assevera Mauro Fonseca

Andrade (ANDRADE, 2008, p. 50)51, foi o primeiro sistema processual penal conhecido pela

humanidade. Ferrajoli (ANDRADE, 2006, p. 520) assevera que no processo penal da

Antiguidade, como se verifica nos modelos da Grécia e de Roma republicana, teve estrutura

essencialmente acusatória, tendo em vista o caráter predominantemente privado da acusação e

da conseqüente natureza arbitral, tanto do juiz como do juízo.

Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 50) aponta que, “apesar de o direito

ateniense ser considerado o berço do sistema acusatório, o certo é que ele não foi o primeiro

a vigorar em Atenas”. Assim, inicialmente no direito ateniense foi adotado o procedimento

inquisitório.

No direito ateniense clássico, segundo aponta Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE,

2008, p. 51), originalmente vigorou o procedimento inquisitório no qual os magistrados, que

normalmente eram pessoas notáveis e ricas que recebiam a atribuição por designação do rei,

acumulavam as tarefas de iniciar, instruir e julgar o procedimento criminal. 51 Ressalvamos, em razão de lealdade acadêmica, como também ressalta Mauro Fonseca Andrade (2008, p. 50), que parte minoritária da doutrina afirma que o sistema inquisitório precedeu ao sistema acusatório.

68

Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 71), em rápida análise do sistema egípcio antigo

classifica-o como um embrião do princípio inquisitório, uma vez que a persecução penal era

iniciada por uma forma de governo absoluta cujo domínio e inspiração era sacerdotal. Aponta

o referido autor que nesse período a persecução penal apresentava como características a

acusação como dever cívico das testemunhas; a polícia repressiva e auxiliar da instrução a

cargo das testemunhas; a instrução pública e escrita; e, por fim, o julgamento que era secreto e

possuía uma decisão puramente simbólica. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

(COUTINHO, 2009b, p. 256), por sua vez, aponta o período da decadência romana como

origem do sistema inquisitório.

Na Grécia, aproximadamente no ano de 640 a. C, Sólon teve como missão a

elaboração de uma nova Constituição ateniense (ANDRADE, 2008, p. 52), iniciando

profunda mudança no sistema destinada à adoção do sistema acusatório. Porém, o sistema

acusatório somente começou efetivamente a se desenvolver em Atenas quando o povo passou

a ter acesso aos tribunais e adquiriu o direito de apelar a um tribunal popular contra decisões

dos magistrados e o livre acesso à justiça (ANDRADE, 2008, p.53).

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 58/59; 2010c, p. 152/153) aponta

que no sistema acusatório ateniense clássico vigorou, para os delitos graves, o sistema de ação

popular no qual qualquer pessoa poderia acusar e, em relação aos delitos de menor gravidade,

seguindo as normas do direito civil, vigorava a acusação privada. Geraldo Prado (PRADO,

2006, p. 73) aponta que a nota característica que diferenciava os delitos, e, conseqüentemente,

o rito adotado (público ou privado) consistia no interesse público ou privado na repressão da

infração, sendo que quando se tratasse da ordem, tranqüilidade ou paz pública ter-se-ia o

sistema de ação popular, quando a lesão consistisse apenas na esfera privada, aplicava-se a

acusação privada.52

O sistema processual romano oscilou entre o sistema acusatório e o procedimento

inquisitório durante sua longa existência na qual passou por três sistemas políticos distintos:

monárquico, republicano e imperial. (ANDRADE, 2008, p. 68).

Durante o período monárquico, o império romano distinguia os crimes segundo o

interesse ofendido entre os crimes que ofendiam interesses eminentemente privados e os

crimes que violavam interesses considerados públicos. A repressão dos crimes que atingiam

interesses predominantemente privados dava-se por conta do ofendido; enquanto, por sua vez

52 Como nosso foco não é uma visão histórica pormenorizada dos sistemas processuais penais durante o direito clássico, remetemos o leitor à obra “Sistemas Processuais Penais e Seus Princípios Reitores” do professor Mauro Fonseca Andrade, páginas 50 – 68, na qual o autor analisa o sistema acusatório ateniense com profundidade.

69

os interesses públicos eram considerados de interesse religioso, atingindo a paz social e a paz

divina, tornando a repressão penal pública fosse delegada pelos cidadãos ao rei, sacerdote

supremo da comunidade. Contudo, não se sabe se o rei julgava sozinho os delitos de interesse

público ou se recebia auxilio de consultores (ANDRADE, 2008, p. 68-70).

Em Roma, no período republicano, adotou-se até os anos de 123-122 a.C. o

procedimento inquisitório, sendo certo que, nesse período o magistrado era o máximo

responsável pela repressão criminal, sendo-lhe atribuída a função de investigar, acusar e

julgar os delitos que chegassem ao seu conhecimento (ANDRADE, 2008, p. 71). A adoção

do procedimento inquisitório em Roma coincidiu com o deslocamento da fonte da soberania

da cidadania para o Imperador (PRADO, 2006, p. 76). O sistema da cognitio, adotado no

direito romano da Alta República, atribuía poderes de instrução aos magistrados, sendo,

portanto, predominantemente inquisitivo.

No direito romano da Alta República surgiram duas formas de processo penal: a

cognitio e a accusatio. A cognitio outorgava poderes ao magistrado que poderia esclarecer os

fatos da forma que entendesse melhor (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 59), assim adotou uma

forma embrionária do sistema inquisitório, com o magistrado concentrando os poderes de

investigação, acusação e julgamento de todos os delitos que fossem levados ao seu

conhecimento. Porém, a concentração de poderes nas mãos do magistrado provocou temor de

que o regime republicano pudesse ser convertido em um regime tirânico (ANDRADE, 2008,

p. 71).

A accusatio provocou profunda mudança no Direito Processual romano, nela a

acusação era assumida por um cidadão do povo e, quando se tratasse de delicta publica, a

persecução penal e o exercício da ação penal eram atribuídos a um órgão diverso do juiz e não

pertencente ao Estado, um acusador representante da coletividade. (LOPES JÚNIOR, 2010a,

p. 59). Somente nos anos finais do sistema republicano (anos 123-122 a.C), por conta da

Actilia repetundarum é que foi criado o primeiro tribunal criminal, nos quais foi aberta a

possibilidade de atuação da própria vítima e, posteriormente do autor popular como acusador

(ANDRADE, 2008, p. 75).

Já no período imperial o magistrado passou a ser eminentemente inativo. A acusação

passou a ser formulada pelos cidadãos, havendo a possibilidade de uma acusação subsidiária,

que possuíam também a capacidade para exercer a investigação criminal (ANDRADE, 2008,

p. 93).

Verifica-se que, em linhas gerais, em Roma, no período monárquico adotou-se um

modelo eminentemente inquisitório que veio sendo modificado no período republicano até

70

atingir um sistema acusatório no período imperial. Com o fim do império romano, marcado

pelas invasões bárbaras e o regime feudal a Europa passou por séculos de domínio da religião

durante o período da idade média período em que a Europa viveu o apogeu e a decadência do

sistema feudal e o nascimento do modelo absolutista. Nesse período o procedimento

inquisitório ganhou força e sistematização pelas mãos dos inquisidores medievais e sua

temida “caça às bruxas”, período este que marcou o apogeu do procedimento inquisitório.

O marco de consolidação do sistema inquisitivo foi a assunção do cristianismo como

religião oficial, ocorrida no império de Constantino no ano de 325 d.C. (ANDRADE, 2008, p.

267). Foi na idade média que o procedimento inquisitório encontrou campo fértil para seu

desenvolvimento, tendo aparecido de forma associada à formação dos Estados Nacionais e às

monarquias absolutistas, reforçando a idéia de unidade de poder. Durante a idade média, a

inquisição foi utilizada como instrumento de combate à diferença religiosa53, ao poder

econômico e ao conhecimento científico, em uma política de intolerância contra aqueles que

ousavam a contestar os dogmas ditados pela Igreja (MARQUES, 2011, p.483).

Durante esse período, no seio da Igreja Católica, o procedimento inquisitório tomou

a forma que conhecemos atualmente, tomando corpo em resposta defensiva ao

desenvolvimento às chamadas “doutrinas heréticas”, o que, segundo aponta Jacinto Nelson de

Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009b, p. 256) foi o “maior engenho jurídico que o mundo

conheceu; e conhece”.

O crescimento da Igreja Católica durante a idade média e sua necessidade de

consolidação como religião oficial determinou o seu objetivo de impedir o avanço de outras

manifestações religiosas, sobretudo com o uso da violência através da caça aos hereges

(ANDRADE, 2008, p. 270).

Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 273-274) anota que a primeira

manifestação da Inquisição Católica no combate aos hereges deu-se no ano de 1178, quando o

Papa Alessandro III determinou a perseguição à heresia em Languedoc (sudeste da França) ao

cardeal S. Crisogono.

Por sua vez, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009a, p. 104)

aponta as origens do sistema inquisitório no âmbito da igreja Católica no ano de 125, no IV

53 Vale destacar, à título de exemplo, para exemplificar a perseguição religiosa pela inquisição, o conceito de herege trazido no “Manual dos Inquisidores”; segundo o “Manual” o termo “herege” “designa todos aqueles que acreditam ou ensinam coisas contrárias à fé de Cristo e de sua igreja” (...) “Existem heresia e seita, quando a compreensão e a interpretação do Evangelho está em desacordo com a compreensão e a interpretação tradicionalmente defendidas pela Igreja Católica.” (EYMERICH, 1993, p. 32).

71

Concílio de Latrão54. Valendo frisar que, ainda segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

(2009, p. 104) o embrião inquisitório já estava lançado desde 1199, quando o Papa Inocêncio

III baixou a Bula Vergentis in senium e, com ela, equiparou a heresia ao crime de lesa

majestade, o mais grave dos crimes até então conhecidos.

A consolidação do procedimento inquisitório deu-se pela Bula Ex Excomuniamus,

datada de 1231, editada pelo Papa Gregório IX, na qual o sistema tem traçado seu arcabouço

técnico. Além da referida bula, também consolidou o sistema inquisitório a bula Ad

extipanda, do Papa Inocêncio IV, editada em 1252 e estendida ao mundo em 1254 que

permitiu que os métodos utilizados na inquisição, dentre eles a tortura, passassem a ser

utilizados pelos inquisidores em sua caça aos hereges (COUTINHO, 2009a, p. 105).

Nesse período o objetivo do procedimento não era apenas a punição dos hereges,

mas sua conversão e emenda. O imputado nem sempre tinha direito ao contraditório, bem

como desconhecia o nome das testemunhas do procedimento, sequer possuindo direito a um

defensor. Em 15 de maio de 1252, através da bula Ad extirpanda o Papa Inocêncio IV

instituiu o uso da tortura pelos inquisidores. A sentença, por fim, era pública e irrecorrível

(ANDRADE, 2008, p. 274-275).

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 118) aponta que os acusados de heresia não

tinham direito de defesa, tendo em vista que o defensor tinha compromisso com a religião e

com a verdade antes do compromisso com o acusado. Nicolau Eymerich (EYMERICH, 1993,

p. 137 - 139) anota em seu manual dos inquisidores que o acusado de heresia somente teria

direito a defesa, e mesmo assim uma defesa patrocinada por defensor que fosse católico

fervoroso e de antiguíssimas raízes cristãs, caso não confessasse a heresia pela qual era

acusado, seria dever do defensor fazer com que o acusado confessasse a heresia e se

arrependesse, pedindo a aplicação da pena pelo crime cometido.

Em síntese, no procedimento inquisitório católico, ou o acusado de heresia não

necessitava de defesa por ser culpado ou, caso fosse inocente, dela não precisava por não ser

culpado. Somente havendo dúvidas era nomeado um defensor ao acusado, que tinha por

missão precípua convencê-lo a confessar a acusação. Verifica-se, portanto, a completa

54 Esclarece Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009a, p. 105): “No início do século XIII, então presente o problema, Inocêncio III reúne a cúpula da Igreja Católica em São João de Latrão e, ali, em 1215, decide-se (faz uma opção) pela força. É o nascimento de um novo modelo processual, ao qual não interessava aquele em vigor, ou seja, os chamados Juízos de Deus, adotado (ou domesticado?) dos invasores ‘bárbaros’ vindos do norte para demolir o império romano. No IV Concílio de Latrão decide-se, entre outras coisas pela confissão pessoal obrigatória, pelo menos uma vez ao ano; e ela é o marco histórico do novo sistema. A partir daí a noção de Búlgaro (actus trium personarum: iudiciis, actori et rei) tende a desaparecer, pelo menos em processo penal.”

72

ausência de defesa no procedimento da inquisição católica, visto que, mesmo quando

presente, o defensor acabava por contribuir com a acusação.

A inquisição ultrapassou os limites religiosos, sendo que com a consolidação das

monarquias absolutistas na Europa, iniciada no século XIII e consolidada no século XV.

Porém, o direito canônico da época influenciou de forma decisiva o modelo de persecução

penal adotado pelos reis da Europa, adotando assim o sistema inquisitivo (ANDRADE, 2008,

p. 302-303).

Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 81) aponta que os séculos XIII e XIV marcaram o

início do procedimento inquisitorial na justiça laica, o que se deu pelo fortalecimento das

monarquias e pela centralização do poder gerada pela formação do Estado-Nação. Assim, o

procedimento inquisitório viu-se, na idade média, associado à formação dos estados nacionais

e à aparição das monarquias absolutistas, reforçando a idéia de unidade de poder

(MARQUES, 2011, p. 479).

Na Europa absolutista a persecução penal poderia ser desencadeada de ofício, sem

necessidade da existência de qualquer provocação popular ou do ofendido. A instrução

criminal tinha seu eixo central nas mãos do juiz, que podia tomar depoimentos diretamente ou

delegar a funcionários esta tarefa. Os debates perderam a importância na formação do

convencimento do juiz que decidia tão somente com base no processo escrito e nos

depoimentos, das partes e testemunhas, que havia colhido, como não havia debates, as partes

acabavam sendo tolhidas do acesso ao material probatório produzido, verificando-se a

existência de processo sigiloso (ANDRADE, 2008, p. 303).

Ainda na Europa durante o período absolutista, o imputado era considerado mero

objeto do processo, pouco ou nada influindo em sua instrução. A tortura era amplamente

utilizada na procura doentia pela confissão (ANDRADE, 2008, p. 303). Na Europa da idade

média o acusado tinha o dever de responder a todas as indagações que lhe eram formuladas,

não se aplicando o princípio nemo tenetur se detegere, empregando-se a tortura como meio de

obrigá-lo à responder e, principalmente de confessar a imputação formulada (TUCCI, 2004, p.

363).

Vale ressaltar, seguindo a lição de Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 90), que o

modelo de processo penal até então vigente no Ancien Régime, tinha por base mecanismos

punitivos que não faziam nada mais que manter uma ordem classista e desigual,

desempenhando o papel de garantir o status quo de injustiças.

Somente ao final do regime absolutista, originada, sobretudo, pela revolução

Francesa de 1789 que derrubou o antigo regime com propostas de liberdade inspiradas nos

73

filósofos do século XVII e na revolução americana de 1776 (BURNS; LERNER;

MEACHAM, 1993, p. 483), também culminou pela derrubada do sistema teocentrista que

permitia os procedimentos inquisitórios para o (re)nascimento do modelo acusatório e o

surgimento do sistema “misto”.

Dessa forma, somente no século XVIII, pela Revolução Francesa que trouxe consigo

suas novas ideologias e postulados de valorização do homem, acabaram levando a um gradual

abandono dos traços mais cruéis do sistema inquisitório (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 60).

Tão logo a revolução logrou êxito, pela lei de 8-9 de outubro de 1789, foram

aprovadas reformas urgentes, que modificaram substancialmente o modelo processual penal.

Os juízos secretos, que reinaram na inquisição, deixam de existir, todo procedimento passa a

ser público55; os acusados passam a ter o direito a um defensor; as provas são estabelecidas

por um debate em contraditório; ao final do procedimento o Ministério Público tece suas

conclusões e, após, fala o defensor. Mediante a lei de 7 de novembro de 1789, foi suprimida

todos os antigos tribunais e em setembro de 1791 foi realizada uma reforma orgânica que

derrogou a antiga Ordenação Criminal, sendo elaborada, pelos Constituintes, um modelo de

forma acusatória (CORDERO, 2000, p. 34-35). A tortura, método utilizado durante a idade

média pela Inquisição, que um dia foi denominada “Santa”, também sofreu sérias críticas

(BECCARIA, 1999, p. 65), sendo deixada de lado.56

Com a revolução francesa, tem-se o nascimento do denominado “sistema misto”57,

que conjugaria uma primeira fase inquisitória e uma segunda fase acusatória. O sistema

chamado de misto nasce da Revolução Francesa, possuindo sua origem no Código de

Instrução Criminal francês de 180858, durante o período napoleônico. O processo foi dividido

em duas fases, uma primeira fase inquisitória, chamada de instrutória, na qual o instrutor

55 Em sua clássica obra, publicada originalmente no ano de 1764, Cesare Beccaria já criticava as acusações secretas. (BECCARIA, 1999, p. 60) 56 Como nosso escopo é apenas tracejar um histórico dos sistemas, não aprofundaremos nos respectivos históricos, apenas anotando uma base histórica para que possamos compreender como são concebidos o sistema acusatório e o sistema inquisitório nos dias atuais, bem como para que o leitor tenha claro que não se trata de criação da atualidade, mas de desenvolvimento do direito processual penal durante sua história. 57 O sistema misto será objeto de análise mais adiante, sobretudo de maneira a criticar sua existência como sistema independente. 58 Destaque-se que Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 415) aponta como sendo a primeira manifestação do sistema misto o modelo encontrado nas instruções de Fernando de Valdés, datadas do ano de 1561, durante a Inquisição Espanhola. Segundo as instruções de Valdés o princípio acusatório estava presente ao longo de todo processo, vez que os inquisidores não possuiriam poderes para acusar, substituir o acusador ou obrigá-lo a praticar nenhum ato no procedimento, os inquisidores nesse período não possuiriam nenhuma conduta ativa, seja apresentando uma acusação ou propondo meios de prova. Ainda ressalta o autor citado que o procedimento de Valdés tinha uma estrutura bifásica, sendo que a primeira fase tinha início com a notitia criminis e seu fim era a realização do interrogatório do acusado, sem a presença de advogado ou do direito de defesa; a segunda fase iniciava após o oferecimento da acusação e desenvolvia-se com a presença obrigatória de defensores fornecidos pelos inquisidores.

74

trabalha de forma secreta e outra contraditória, desenvolvida perante os jurados (CORDERO,

2000, p. 57). “Da instrução ao debate, se passa da escuridão à luz plena”59 (CORDERO,

2000, p. 58). Segundo narra Cordero (CORDERO, 2000, p. 59), o Sistema misto fora

marcado por largas instruções inquisitórias e por confusos debates orais, com muitas leituras e

algumas declarações.

Assim sendo, o processo, seria dividido em duas fases, na primeira, haveria a

supremacia dos elementos e princípios do sistema misto (abertura do procedimento de ofício

pelo juiz ou mediante apresentação de notitia criminis; procedimento secreto e escrito), por

sua vez, na segunda fase vigoravam os princípios do sistema acusatório (princípio acusatório,

contraditório, publicidade e oralidade) (ANDRADE, 2008, p. 402-403).

Dessa forma, Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 410) afirma que o

sistema misto é construído pela combinação entre os elementos dos sistemas acusatório e

inquisitório. Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 160-161) afirma que o sistema misto,

também chamado de sistema inquisitivo reformado, teve origem no século XIX e contém

alguns elementos dos antigos sistemas acusatórios de origem romano-germânico,

reafirmando, contudo, a participação do Estado e sua força. No sistema misto, o “juízo de

instrução” convalidaria as provas produzidas durante a primeira fase, chamada de sumário

(BINDER, 2003, p. 81).

Segundo aponta Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2009, p. 5) no sistema

misto a jurisdição seria iniciada na fase de investigação e a acusação ficaria a cargo de outro

órgão (Ministério Público), diverso do juiz. Assim, por serem aglutinadas características do

sistema acusatório e do sistema inquisitório, estaria configurado o “novo” sistema,

denominado de “misto”.

Contudo, Napoleão e o Código Criminal francês, apesar de mudarem sensivelmente a

forma do processo penal acabaram deixando tudo como antes, o sistema napoleônico realizou

grandes mudanças nos sistemas para, no fim das contas, deixar tudo como sempre esteve, na

forma inquisitorial, ou Napoleão aceitaria o “novo” sistema bifásico se não soubesse que

mudaria para continuar como sempre esteve? O tirano Napoleão não aceitaria a mudança se

não soubesse que manteria em suas mãos o controle de todo procedimento penal, realizado

pelo domínio da fase inquisitorial (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 166).

Ferrajoli (FERRAJOLI, 2006, p. 524) afirma que o sistema misto é configurado pela

justaposição de uma instrução inquisitiva e de um juízo acusatório, fruto de uma hibrida união

59 No original: “De la instrucción al debate ‘se pasa de la oscuridad a la luz plena’”

75

entre a publicidade da acusação e de seus órgãos, de derivação inquisitória, e da

discricionariedade da acusação, que deita sobre origens acusatórias. Conclui o professor

italiano que o sistema misto é um monstro de duas cabeças.

É esse sistema misto um monstro de duas cabeças no qual mais vale a prova

inquisitória que aquela produzida em contraditório. A prova produzida na primeira fase é, de

forma velada, trazida à segunda fase pelo uso de recursos retóricos e por um belo discurso.

Ademais, se o sistema misto serviu a Napoleão, um tirano, acaba servindo a qualquer senhor

e, conseqüentemente não pode servir à democracia60 (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 165).

Verifica-se que apesar de possuir algum resquício acusatório, o sistema misto acaba

sendo uma forma de preservação do sistema inquisitivo, sendo verdadeiro engodo produzido

de forma astuta e hábil por Napoleão. Toda a prova é produzida, de antemão, em uma fase

inquisitória, sem qualquer participação das partes, na qual o inquisidor buscará de todas as

formas uma “verdade”. Após essa fase, instaura-se, milagrosamente uma fase acusatória, que

somente tem por escopo a legitimação das provas arbitrariamente produzidas na fase anterior.

O sistema misto nada mais é do que um disfarce bem arquitetado para o modelo inquisitório.

Dessa feita, o sistema “misto”, na realidade inquisitivo travestido de acusatório,

verdadeiro lobo na pele de cordeiro, acabou servindo e sendo adotado nos paradigmas liberal

e social, não servindo, contudo, ao modelo democrático de processo, o qual se configura por

um processo de partes e não possui espaço para o julgador-inquisidor.

No Estado Democrático de Direito, como vimos, compete ao juiz assegurar os

direitos fundamentais das partes, sobretudo naquilo que se refere à participação isonômica e

em contraditório na construção da sentença. Assim, somente o processo acusatório que pode

ser tido como adequado à democracia.

3.3 Características do sistema acusatório

Como vimos, o processo penal adotou ao longo de seu desenvolvimento dois

modelos básicos, o sistema acusatório e o procedimento inquisitório, sendo que este sempre

foi vinculado a regimes autoritários e que utilizaram do discurso de “pacificação social”,

60 O trecho que parafraseamos é de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho em correspondência eletrônica particular destinada ao professor Aury Lopes Júnior que citou a frase em sua obra “Introdução Crítica ao Processo Penal” de onde citamos.

76

“garantia da ordem pública”, entre outras frases vazias para legitimar-se. Enquanto o sistema

acusatório liga-se a regimes não autoritários nos quais a preocupação é com o devido processo

legal.

Na história do desenvolvimento dos sistemas processuais penais não se pode falar em

um sistema puro, mas em sistemas nos quais prevalecem as características acusatória ou

inquisitória, de onde se extrai a conclusão diante das características prevalecentes de qual

sistema é adotado no ordenamento jurídico analisado. Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR,

2010c, p. 152) alerta que não existem mais sistemas puros, visto que todos os sistemas são

mistos, pois são tipos históricos. O que diferenciará um sistema de outro será a identificação

de seu princípio informador.

Como salienta Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 31), os sistemas

jurídicos são formados por duas categorias de elementos: uma de presença obrigatória (núcleo

duro), responsável diretamente por sua criação e existência, e outra categoria de presença

facultativa, que permitiria sua mobilidade e funcionamento. Qualquer mudança na primeira

categoria desnatura o próprio sistema, enquanto modificações na segunda não atingirão a

identidade do sistema. Dessa forma, os elementos fixos são compreendidos como sendo

aqueles que sempre devem estar presentes em determinado sistema jurídico, “pois sua

finalidade é permitir a criação e diferenciação entre os sistemas já existentes” (ANDRADE,

2008, p. 33). Já os elementos variáveis, não são de presença obrigatória, pois permitem apenas

a mobilidade e funcionamento do sistema jurídico.

Deve-se destacar com Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 104) que “por sistema

acusatório compreendem-se normas e princípios fundamentais, ordenadamente dispostos e

orientados a partir do principal princípio, tal seja, aquele do qual herda o nome:

acusatório”.

A busca pela verdade como objetivo do processo penal é de grande relevância para a

definição do sistema adotado. Tem-se no modelo inquisitório a busca pela verdade real como

grande objetivo, assim, em seu nome o juiz-inquisidor, acaba por tomar lugar no centro dos

atos procedimentais para, em substituição à parte que deveria formular e provar a acusação,

atuar de forma ativa. Já no processo acusatório, por mais redundante que seja a expressão, não

se busca a verdade real, mas uma verdade processual, retratada pelos fatos e provas levados

aos autos pelas partes. Portanto no sistema acusatório, existem limitações ao atuar do

julgador, que não poderá substituir a atuação dos sujeitos na construção do provimento.

Dessa forma, a busca pela verdade material, típico daqueles que ainda estão

vinculados à filosofia da consciência, acaba por dar suporte ao modelo inquisitório,

77

permitindo que o juiz busque provas de ofício, independentemente de qualquer manifestação

das partes. Tal busca desenfreada pela verdade é marca constante dos discursos justificadores

de regimes autoritários (THUMS, 2006, p. 197). Em contrapartida, os regimes democráticos

primam pela participação e vêm abandonando cada vez mais a idéia de verdade real (ou

material), percebendo, em razão do giro lingüístico e do abandono da filosofia da consciência

para a adoção da filosofia da linguagem, que a verdade é inalcançável, visto que, no máximo

que se poderá obter no processo é a reprodução dos fatos segundo as impressões e descrições

trazidas por aqueles que o assistiram (testemunhas/informantes) ou o analisaram (peritos) ou

pelos olhos dos demais sujeitos do processo.

O sistema acusatório é marcado por configurar-se em um processo de partes, no qual

há a completa dissociação entre a atividade de acusar e a tarefa de julgar, assim a iniciativa

probatória compete exclusivamente às partes, mantendo-se o juiz como um terceiro imparcial

e proporcionando tratamento isonômico às partes que atuam em contraditório, sendo o

acusado sujeito de direitos e não mero objeto do processo. O processo acusatório, em regra é

oral e público e não há nenhuma tarifação da prova, primando a sentença pelo livre

convencimento fundamentado do julgador. Já ainda o duplo grau de jurisdição, pela

possibilidade das decisões serem impugnadas por meio dos recursos e a coisa julgada que visa

atribuir segurança à decisão (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 154-155; 2010a, p. 60-61).

Hélio Tornaghi (TORNAGHI, 1959, p. 200) sintetiza a distinção entre o sistema

acusatório e o inquisitório salientando que a diferença consiste no fato de que no modelo

acusatório as três funções de acusar, defender e julgar estão atribuídas a órgãos distintos

(acusador, defensor e juiz), já no procedimento inquisitório as funções se misturam nas mãos

de um só órgão.

A doutrina majoritária61 aponta que é a gestão da prova que distinguirá o sistema

acusatório do procedimento inquisitório, sendo que os demais elementos são meramente

secundários, podendo, portanto, passar de um sistema ao outro sem desnaturar o modelo.

Assim, no sistema acusatório, a gestão da prova, por se tratar de um sistema processual de

partes, estará nas mãos das partes enquanto caberá ao juiz o julgamento, no qual deverá

basear-se exclusivamente com base nas provas pelas partes produzidas, dirá o direito a ser

aplicado no caso concreto, o que faz do processo nesse sistema um processo nitidamente de

61 Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2001, p. 28; 2009a, p. 109; 2009b, p. 254-255), Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 105), Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2003, p. 1; 2010a, p. 190; 2010c, p. 157), Alexandre de Moraes da Rosa (ROSA, 2006, p. 323-324), Lênio Luiz Sreck (STRECK, 2009, p. 119-120), Leonardo Augusto Marinho Marques (MARQUES, 2011, p. 480), Natalie Ribeiro Pletsch (PLETSCH, 2007, p. 68), Franco Cordero (CORDERO, 2000, p. 21), Luigi Ferrajoli (FERRAJOLI, 2006, p. 520 e p. 530); Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 238).

78

partes. Dessa forma, a diferença entre o sistema acusatório e o sistema inquisitório encontra-

se na gestão da prova, e, conseqüentemente do próprio processo, sendo inquisitório o

procedimento em que o juiz age de ofício e acusatório o processo no qual o juiz separa-se das

partes e deixa ao encargo delas a atuação procedimental, principalmente a gestão da prova.

No sistema acusatório, o juiz possui o papel de garantidor das regras do jogo,

competindo a ele assegurar o devido processo legal, sendo, portanto, como afirmamos no

capítulo primeiro, garantidor dos direitos fundamentais, assim, às partes cabe o ônus de

apresentar as provas licitamente obtidas, sendo, por isso, imprescindível a isonomia. No

sistema acusatório, o acusado é concebido como sujeito de direitos, visto que poderá se

defender, em igualdade, da acusação, sendo, portanto, a regra a liberdade do acusado, eis que

se presume a não culpabilidade do acusado. O processo, nesse sistema, se estabelece pela

discussão entre acusador e defensor perante o olhar imparcial do juiz (COUTINHO, 2009b, p.

255-256).

Dessa forma, o critério de distinção entre os sistemas acusatório e inquisitório é seu

princípio unificador, a gestão probatória. No sistema acusatório a prova é gerida pelas partes,

enquanto, no sistema inquisitivo, essa tarefa concentra-se nas mãos do próprio julgador, que

poderá determinar sua produção de ofício. Assim, o juiz inquisidor, ao produzir provas de

ofício, acaba confundindo-se com as partes e camufla seu papel de julgador. (PLETSH, 2007,

p. 68)

Ferrajoli (FERRAJOLI, 2006, p. 519-520) afirma que é acusatório o sistema

processual no qual o juiz é um sujeito passivo e rigidamente separado das partes, possuindo o

sistema um debate paritário iniciado pela acusação (que possui todo o ônus probatório) e se

desenvolve com a participação, em contraditório, através de um processo público e oral,

solucionado pelo juiz com base na sua livre convicção. Assim, para Ferrajoli, seriam

características do modelo acusatório: “a discricionariedade da ação, o ônus acusatório da

prova, a natureza do processo como controvérsia baseada na igualdade das partes a

atribuição a estas de toda atividade probatória e até mesmo da disponibilidade das provas,

as conexas publicidade e oralidade do debate, o papel de árbitro ou espectador reservado ao

juiz”.

Pelo exposto, o sistema acusatório prima pela completa separação das partes do

julgador, competindo àquelas o ônus probatório, enquanto à este cabe o julgamento, enquanto

que o procedimento inquisitório prima pela confusão entre aquele que acusa e o julgador,

marcando a completa quebra da imparcialidade do julgamento.

79

A (con)fusão entre as tarefas de acusar e julgar termina por impedir a igualdade que

deve existir entre as partes e, conseqüentemente, por fim ao contraditório e à participação das

partes na construção do provimento final. Dessa forma, somente o sistema acusatório poderá

ser considerado como um sistema processual, enquanto o inquisitório será mero sistema

procedimental, não podendo, portanto, ser considerado um modelo processual.

Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009a, p. 106), no

procedimento inquisitório reina o solipsismo, permitindo que sejam manipuladas as premissas

fáticas e jurídicas. O conhecimento se forma na consciência do investigador que é auto-

suficiente para a revelação da verdade. O juiz inquisidor exerce o monopólio da investigação

e, solitariamente, começa a pesquisar, de modo em que acredita fielmente que sua consciência

e inteligência são plenamente suficientes para alcançar a verdade. (MARQUES, 2011, p. 480)

Dessa forma, o principio inquisitório concentra nas mãos do juiz todo o

conhecimento adquirido na investigação, sendo que o julgador acumula as funções de acusar,

defender e de julgar. O procedimento inquisitório acaba por excluir as partes, proporcionando

que o juiz, de modo solitário, construa todo o saber que será, ao final, anunciado como a

verdade real. (MARQUES, 2009, p. 147). Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 258) ressalta

que o processo acusatório demanda um juiz espectador, enquanto no procedimento

inquisitório o juiz detém os poderes de investigação, figurando como um juiz ator.

Como vimos no capítulo anterior, o paradigma democrático exige que o juiz tenha

revista sua participação no processo, deixando de ser ator para adotar postura de espectador.

Daí, resta fácil que o único sistema compatível com o paradigma democrático é o processo

acusatório.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009b, p. 255) aponta que a

marca característica do sistema inquisitório remete à extrema concentração de poder nas mãos

do juiz, que, no sistema inquisitório, em primeiro lugar, recolhe a prova e/ou determina sua

produção, sendo o acusado mero objeto de investigação cuja prisão figura como regra.

Verifica-se, assim, que no sistema inquisitório se tem um completo desequilíbrio entre as

partes, no qual prevalecem os interesses acusatórios em detrimento dos direitos do acusado.

Andrés de La Oliva Santos (SANTOS, 2000, p. 38-39) afirma que a principal característica do

sistema inquisitório consiste na atividade ativa do órgão jurisdicional e passiva dos demais

sujeitos.

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 259) aponta que o sistema inquisitivo é um

modelo paternalista, inexistindo uma disputa entre as partes e, conseqüentemente, não se

verifica a existência efetiva de diferentes sujeitos processuais. Em um sistema inquisitivo o

80

juiz acumula todas as funções, primeiro obtém as informações e, na seqüência, profere

julgamento, depreciando a figura dos sujeitos processuais e, sobretudo do próprio imputado,

que, nesse sistema é mero objeto da prova que será produzida. Luigi Ferrajoli (FERRAJOLI,

2006, p. 530) aponta que o sistema inquisitório é marcado pela figura do juiz ator, que

representa o interesse punitivo.

No sistema inquisitório, parte-se de uma investigação secreta, na qual o juiz

investigador possui a gestão da prova e pode demonstrar antecipadamente a culpa

(MARQUES, 2009, p. 147), e, ao se autorizar que o juiz instaure de ofício o processo, acaba-

se por permitir que o juiz tome a decisão de forma antecipada, antes de qualquer prova,

passando, então, a buscar os elementos para justificar sua decisão previamente definida. Este

fato é chamado por Franco Cordero de “quadro mental paranóico” (COUTINHO, 2001, p.

37).

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 171) afirma que no quadro mental

paranóico traçado por Franco Cordero, há um primado da hipótese sobre os fatos, uma vez

que o juiz que busca as provas, em um primeiro momento decide, definindo a hipótese, e,

somente em um segundo momento, busca as provas dos fatos para justificar a decisão que já

havia tomado, podendo tomar o “imaginário” como algo “real” (COUTINHO, 2009c, p. 225;

2009b, p. 257). Dessa forma, afirma Franco Cordero (COUTINHO, 2000, p. 23) que o

inquisidor atua secretamente na busca de uma confissão, assim, uma vez que formulam uma

hipótese em relação ao objeto de investigação ou de julgamento, passa a trabalhar sobre ela de

maneira indutiva, sendo que a falta do contraditório leva a um pensamento paranóico no qual

a hipótese acaba ocultando os fatos.

Esse juiz paternalista é típico do Estado Social, em posição consoante àqueles que

concebem o processo penal como mero instrumento da jurisdição para obter a pacificação

social, porém, não coaduna com o Estado Democrático de Direito, nem com as teorias de

matizes fazzalarianas, dentre as quais a moderna e em plena conformidade constitucional

Teoria Neo-Institucionalista do Processo. Isso se deve ao fato de que nas teorias derivadas da

Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório, cunhada por Fazzalari, e em suas

posteriores evoluções, sobretudo na Teoria Neo-Institucionalista do Processo, não se pode

conceber o juiz como um ser messiânico, e, muito menos o processo como forma de

pacificação, o juiz encontra-se em posição de igualdade em relação às partes e, somente às

partes devem participar em igualdade da construção do provimento, cuja legitimidade será

encontrada pela testificação do contraditório como forma de assegurar a isonomia. Dessa

forma, somente é compatível com o Estado Democrático de Direito o sistema acusatório, que

81

assegura um processo de partes, sem a presença paranóica de um juiz parte e com a presença

de um julgador imparcial.

Como vimos no capítulo primeiro deste trabalho, o processo deve assegurar às partes

a participação isonômica na construção do provimento. Contudo, o sistema inquisitório não

permite a participação das partes, Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2003, p. 1) aponta

que a atribuição de poderes de instrução ao juiz, acaba sendo destruída a estrutura dialética do

processo, formada pelo contraditório, assim, joga por terra qualquer forma de imparcialidade

do julgador. Dessa forma, o modelo inquisitório é incompatível com o sistema democrático e,

principalmente ao processo na forma exigida pelo Estado Democrático de Direito.

Leonardo Augusto Marinho Marques (MARQUES, 2011, p. 478) aponta que o termo

procedimento inquisitório compreende uma seqüência de atos vinculados por uma estrutura

normativa destinados a legitimar um ato de poder do Estado. Em complemento, nos valemos

das lições de Juan Montero Aroca (AROCA, 1997, p. 29) que aponta que a inexistência das

partes separadas do julgador impede a existência de um processo inquisitivo.

Vimos, no primeiro capítulo que a diferença entre procedimento e processo, valendo,

apenas para relembrar, destacar que a existência do contraditório é que marcará sua

existência, enquanto sua ausência levará a existência de mero procedimento.

O exercício, por uma só pessoa, das tarefas de julgar e acusar termina por impedir a

participação da defesa, tendo em vista que o julgador-acusador possui, já no início do

procedimento sua hipótese condenatória e, durante o procedimento passa a apenas buscar

provas e fundamentos para legitimar a decisão previamente tomada (quadro mental

paranóico). Assim, a atividade da defesa é meramente formal, não existindo qualquer

amplitude; o contraditório não existirá, visto que, como o julgador já possui seu

convencimento, as partes não poderão atuar para construir o provimento; diante desse quadro,

é impossível se falar em isonomia. Dessa forma, impossível se falar em processo inquisitório

e a expressão é, por si só, completamente contraditória.

Já o processo acusatório, por configurar-se por um modelo de partes, nas quais as

tarefas de acusar e julgar estão desvinculadas e nas mãos de diferentes pessoas, competindo a

atividade acusadora a uma das partes, a defesa ganha importância, vez que lhe competirá atuar

em igualdade em relação à parte acusadora. Assim, no sistema acusatório, poderemos falar em

ampla argumentação, conseqüentemente, estaremos diante de um modelo no qual as partes

construirão a decisão em contraditório e pela atuação isonômica. Assim, o modelo acusatório

configura evidente modelo processual.

82

No modelo acusatório o réu é sujeito processual e, logicamente, sujeito de direitos,

devendo ter tratamento digno e não ser submetido a qualquer forma de tortura ou tratamento

desumano ou degradante. Já no sistema inquisitivo o réu é considerado um pecador,

conseqüentemente, é detentor de uma “verdade” a ser obtida a qualquer custo. A tortura

ganhou força e passou a ser utilizada de forma a obter a confissão, rainha das provas

(COUTINHO, 2009a, p. 105). Destaca Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 145) que o método

inquisitivo estabelece a verdade como um de seus objetivos principais, comprometendo-se a

buscá-la por qualquer meio, inclusive pela utilização da tortura62.

O processo acusatório possibilita que as partes atuem para construírem, juntas e de

forma comparticipada, o provimento; enquanto que no procedimento inquisitório tem-se a

busca da “verdade” que pela qual podem ser utilizados os mais diversos ardis, seja a tortura

ou a utilização de provas ilícitas. Em nome da verdade, tudo é válido, não havendo limites

para sua busca.

Leonardo Augusto Marinho Marques (MARQUES, 2009, p. 147) aponta que o

sistema inquisitivo é inspirado na idéia de defesa social de modo a instrumentalizar e

centralizar a gestão de poder. Nessa senda, o sistema inquisitório não permite um controle

sobre a forma de obtenção da prova, tendo em vista que inexistem limitações formais, a

sentença acaba considerando valores preestabelecidos sobre as provas (modelo de provas

tarifadas). No modelo inquisitivo, o juiz busca de todas as formas obter a confissão do réu,

constrangendo-o em suas contradições para que admita a prática do crime imputado

(THUMS, 2006, p. 55).

No sistema inquisitório, aponta Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 163)

os indivíduos são meros objetos do poder soberano. Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 116)

afirma que no modelo inquisitório o depoimento do acusado é o meio pelo qual se busca a

confissão do acusado. A tortura e a prisão provisória é aplicação recorrente no procedimento

inquisitório, vez que, como afirmamos, a prova plena é obtida mediante a confissão do

acusado (THUMS, 2006, p. 164). Dessa forma, no sistema inquisitório, afirma Franco

Cordero (CORDERO, 2000, p. 22), o uso da tortura torna-se corrente, visto que a busca da

confissão é recorrente. “O acusado é visto como uma besta que deve confessar e ser

explorado a fundo” 63 (CORDERO, 2000, p. 23).

62 Binder (2003, p. 145) afirma que “A tortura é a utilização de meios violentos para se conseguir de uma pessoa determinada informação. (...) Por ‘violência’ deve-se compreender todo dispositivo que anula a vontade da pessoa, seja mediante a aplicação de violência física, violência psicológica ou mediante a aplicação de meios químicos ou hipnóticos que produzam uma anulação psíquica da vontade.”. 63 No original: “El acusado es una bestia que debe confesar y que debe ser explotada a fondo.”

83

Vale destacar a crítica elaborada por Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 136) que

afirma que o processo penal não pode buscar a confissão, “não pode haver, por parte do

Estado, nenhum tipo de dispositivo, astúcia ou pressão que provoque a confissão do

acusado”.

Como elementos secundários do sistema acusatório, aqueles que podem passar de

um sistema ao outro sem desnaturar o sistema originário, Jacinto Nelson de Miranda Coutinho

(COUTINHO, 2009b, p. 266; 2001, p. 29) aponta o julgamento pela assembléia ou por

jurados populares; a igualdade das partes, sendo o juiz o árbitro sem qualquer poder de

iniciação de investigação; os delitos públicos são de ação popular e os privados de

competência do prejudicado ou do ofendido; o processo é oral, público e com contraditório; a

prova é analisada segundo sistema da livre convicção do juiz; a sentença faz coisa julgada; o

acusado, em regra, permanece em liberdade.

A primeira característica secundária do processo acusatório tange aos tribunais

populares. Porém, modernamente, esses tribunais foram substituídos pelo Estado,

principalmente no exercício da função Jurisdicional. Se outrora o tribunal popular foi

sinônimo de imparcialidade, atualmente as garantias da magistratura visam assegurar aos

julgadores a imparcialidade necessária. Assim, os tribunais populares acabaram substituídos

por juízes profissionais (ANDRADE, 2008, p. 119). Assim, a existência de um tribunal

popular não terá o condão de definir o sistema em apreço, sendo certo, assim, tratar-se de uma

característica não essencial do sistema acusatório.

O sistema acusatório clássico teve como característica o princípio da irrecorribilidade

das decisões proferidas nos julgamentos populares. Com a substituição dos tribunais

populares pela função Jurisdicional, o sistema acusatório moderno, encampando resquícios do

modelo inquisitório da idade média, passou a adotar a impugnação à decisão no curso do

processo. Assim, reconhecendo a falibilidade humana, passou o sistema acusatório moderno a

adotar a possibilidade da parte recorrer em relação às decisões que lhe parecerem contrárias.

(ANDRADE, 2008, p. 121). Porém, a recorribilidade não pode ser tida como elemento

essencial do sistema acusatório, visto que, inclusive trata-se de conquista da moderna

concepção acusatória que teve origem no modelo inquisitório, assim, não configura um

requisito indispensável do modelo acusatório.

No sistema acusatório contemporâneo, a manifestação de inconformidade às decisões passou a ser feita ainda no curso do processo, por influência de toda a estrutura e organização deixadas pelo sistema inquisitivo que vigorou nas Idades Média e Moderna. E, ao contrário do que se pode pensar, essa herança pode ser

84

encarada como um aspecto positivo deixado por aquele sistema. (ANDRADE, 2008, p. 121)

Outro princípio do modelo acusatório que é posto como secundário é o princípio de

quem acusa investiga. Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 122) aponta que no

sistema grego antigo havia a possibilidade dos thesmothetai64 investigarem de ofício para que

outra pessoa pudesse atuar como acusadora. Assim, não haveria a necessidade de se conferir a

atribuição da investigação criminal ao acusador. Porém, frise-se que, para a configuração de

um sistema acusatório, a atribuição da acusação jamais poderá ser atribuída ao julgador,

podendo, portanto ser exercida por qualquer outra pessoa.

Outra importante, mas não essencial característica do sistema acusatório tange à

publicidade. Frise-se que no processo democrático a publicidade é peça imprescindível, vez

que, como aponta Binder (BINDER, 2003, p. 71), é a publicidade que assegurará o controle

exercido pelos cidadãos sobre a justiça, sendo, a publicidade dos atos do governo uma das

características básicas de uma república (BINDER, 2003, p. 61). A publicidade, afirma

Antônio Scarance Fernandes (FERNANDES, 2010, p. 67), é que garante a transparência da

atividade jurisdicional, possibilitando sua fiscalização pelas partes e pela própria comunidade,

assim, em complemento com Ferrajoli (FERRAJOLI, 2006, p. 567), a publicidade é que

“assegura o controle tanto externo como interno da atividade judiciária”.

Porém, o princípio da publicidade também é posto por Mauro Fonseca Andrade

(ANDRADE, 2008, p. 129) como sendo um princípio secundário, não sendo, portanto,

imprescindível para a configuração do sistema acusatório, embora a publicidade seja de suma

importância nesse sistema. Sua ausência, continua o autor citado, não implicará na conversão

do sistema acusatório em sistema inquisitório.

Diretamente ligada à publicidade está o princípio da oralidade, que, segundo Mauro

Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 141) significa que a participação das partes na

formação do provimento deve se dar de forma oral. A oralidade representa a principal garantia

da publicidade, sendo que a forma falada implicará necessariamente na publicidade

(FERRAJOLI, 2006, p. 570). Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 63-64) afirma que a

oralidade serve para a preservação do princípio da imediação, da publicidade do julgamento e

da personificação judicial, representando um meio de comunicação entre as partes e o juiz

(palavra proferida e não escrita) e um meio de expressão dos diferentes instrumentos de

64 Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, 2010, p. 388) aponta os Themotetis gregos são apontados como uma das origens institucionais do Ministério Público, citando também os Magiaí (Egíto); Éforos (Esparta); Gastaldi (Lombardia) Gemeiner ou Anklager (do Direito germânico) e os Procuratodes Caesaris (do Direito canônico).

85

prova. Ou, na síntese de Binder (BINDER, 2003, p. 66) “a oralidade é uma consideração

tradicional, é um dispositivo que gera um sistema de comunicação entre o juiz, as partes e os

meios de prova, permitindo descobrir a verdade de um modo eficaz e controlado”.

Porém, o princípio da oralidade não é essencial ao modelo acusatório, visto que

poderá ser percebido também no modelo inquisitório (ANDRADE, 2008, p. 152).

A liberdade do acusado é outra característica que é apontada como sendo do sistema

acusatório, contudo, não podemos tê-la como essencial a este sistema. A prisão processual do

acusado esteve presente no modelo clássico ateniense e romano, que, como vimos, adotava o

sistema acusatório. Ademais, nos sistemas processuais acusatórios modernos, admitem-se

inúmeras espécies de prisões cautelares, sem que isso desnature o sistema como acusatório ou

o transforme em inquisitivo.

Outra característica do sistema acusatório é o contraditório, que já foi tratado no

capítulo primeiro. Mauro Fonseca Andrade (ANDRADE, 2008, p. 139) aponta que o

contraditório não seria uma característica essencial do modelo acusatório, visto que há a

possibilidade de decisões inauditera et altera parte. Contudo, ousamos discordar do referido

autor, pois, como já vimos no capítulo primeiro, o contraditório é um dos princípios que

compõe a base principiológica uníssona do modelo constitucional do processo que se

desnatura com sua ausência. Como veremos, a gestão da prova pelas partes é que marcará o

processo acusatório (COUTINHO, 2001, p. 29), porém, somente em um processo

contraditório é que se terá um processo de partes e um processo acusatório. Assim, é o

contraditório imprescindível ao sistema acusatório.

Mauro Fonseca Andrade afirma que a igualdade não seria uma característica

essencial do modelo acusatório (ANDRADE, 2008, p. 172), apontando as garantias atribuídas

ao acusado como fatores que tratariam de forma desigual as partes do processo, contudo,

somente através da isonomia, é que teremos um processo de partes no qual o contraditório

será viável. Assim, também temos como imprescindível ao processo acusatório o princípio da

isonomia.

A valoração da prova no sistema acusatório é realizada pelo método da persuasão

racional, ou livre convencimento motivado, segundo o qual o juiz, ao decidir a demanda não

está vinculado a nenhuma das provas, tendo, contudo, que fundamentar o provimento segundo

a construção das partes. Para assegurar a igualdade entre as provas, imprescindível ao método

da persuasão racional e, conseqüentemente ao modelo acusatório, este sistema é formado por

um conjunto de regras para a produção da prova e para assegurar as garantias do acusado, que

86

visam garantir a valoração das provas que não possuirão qualquer hierarquia entre elas

(THUMS, 2006, p. 55).

Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 113) aponta que em uma análise estática do

princípio acusatório há a divisão do direito de ação, do direito de defesa e do poder

jurisdicional que são distribuídos respectivamente entre a acusação, a defesa e o juiz.

O sistema acusatório assegura a imparcialidade a tranqüilidade psicológica do juiz,

evitando os abusos que podem ocorrer em razão do “juiz apaixonado” por seu labor do juiz

investigador que trata o acusado como condenado desde o início da investigação. Isso causa

sensível alteração da figura do acusado, que é considerado como parte do processo penal,

fazendo com que a responsabilidade das partes também seja majorada, visto que estas terão o

dever de investigar e proporcionar ao juiz as provas necessárias para demonstrar os fatos

levados a julgamento (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 156).

O princípio acusatório assegura a democracia processual, marcado pelo debate

público, oral, contínuo, em contraditório, promovido pelas partes. Descentralizando, dessa

forma, o poder e transformando o processo penal em um ambiente de argumentação e

proteção dos direitos humanos (MARQUES, 2009, p. 147).

Dessa forma, a decisão no processo penal acusatório é o resultado da construção das

partes através de um raciocínio problematizado, sendo o modelo acusatório fundado no

protagonismo das partes (PRADO, 2006, p. 127), no qual é presença imprescindível a ampla

argumentação jurídica que se desenvolve ao redor do caso concreto. “Decerto, o princípio

acusatório assegura a unidade entre a produção da prova, o debate e o julgamento”

(MARQUES, 2009, p. 148).

Nesse sentido, aponta Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 116) que, ao afirmar que o

contraditório é imperativo para validade da sentença, o juiz, conseqüentemente, não poderia

fundamentar sua decisão em provas ou argumentos que não foram objeto do debate

endoprocessual em contraditório de forma que será nula a sentença penal condenatória

proferida em procedimento no qual a acusação tenha formulado pedido de absolvição do

réu.65

Visando a garantir a separação entre o julgador e o acusador, tem-se a criação do

Ministério Público, que nasce como um contraditor natural do imputado (LOPES JÚNIOR,

65 Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 116) ressalva, em nota de rodapé, a posição do Supremo Tribunal Federal que no HC 82.844 manteve condenação proferida em segundo grau jurisdicional em caso no qual o Ministério Público pediu a absolvição do acusado, tendo o juiz de primeiro grau proferido sentença absolutória; contra a sentença foi interposta apelação pelo assistente da acusação e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro proferido acórdão condenatório.

87

2004, p. 1). Para possibilitar a existência do processo penal acusatório foi necessária a criação

de uma parte acusadora, daí surgindo o Ministério Público, pois para dividir a atividade

estatal é imprescindível a existência de duas partes, sendo necessária a fabricação do

Ministério Público (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 163). Juan Montero Aroca (AROCA, 1997, p.

50) afirma que o Ministério Público é uma criação artificial que serve para possibilitar o

processo, chamando para si toda a função acusadora. Em que pese o exercício de sua função

segundo os princípios da impessoalidade e da legalidade, que atingem indistintamente a todo

funcionário público (art. 37 da Constituição da República66), não sendo o membro do parquet

exceção, o Ministério Público no processo penal é parte e nada tem de imparcial, visto que em

sua atuação processual penal este órgão pede a aplicação da lei penal e atua como contraditor

natural do acusado. Como afirma Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2004, p. 1) o

Ministério Público é uma parte acusadora, negar essa natureza a ele é desconhecer sua

origem, uma vez que o Parquet nasceu como contraditor natural do imputado para viabilizar o

sistema acusatório.

Com efeito, Alberto Binder (BINDER, 2003, p.252) aponta que a figura do promotor

liga-se, desde seu nascimento, ao princípio acusatório, pelo qual não poderá haver julgamento

sem que exista uma acusação. Assim, a existência do promotor é relacionada diretamente com

o sistema acusatório (BINDER, 2003, p. 251). Porém, como bem lembra Gilberto Thums

(THUMS, 2006, p. 253) o Ministério Público surge somente na França do século XVII, sendo

certo que não será sua presença que caracterizará o sistema como acusatório, mas, a separação

entre o julgador e a acusação, seja ela realizada pelo Ministério Público ou por qualquer outro

sujeito, desde que diverso do juiz.

O procedimento inquisitório tem como marca a celeridade ao preço das garantias do

acusado. No sistema inquisitório as possibilidades de defesa são minimizadas na busca de

uma resposta imediata, ou próxima ao cometimento do delito, utilizando-se de julgamentos

sumários (THUMS, 2006, p. 34). A redução do tempo dos atos processuais, afirma Gilberto

Thums (THUMS, 2006, p. 39), representa uma atividade inquisitória, visto que os

inquisidores buscam uma resposta rápida, que será obtida pela concentração dos atos

processuais, tendo em vista que o modelo inquisitório busca resultados a qualquer custo,

mesmo que tenham que ser sacrificados direitos individuais (THUMS, 2006, p. 43).

66 Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: (...) (grifos nossos)

88

O processo acusatório, aponta Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 32), não trata o

tempo processual da mesma maneira que o procedimento inquisitivo. Enquanto o

procedimento inquisitivo restringe ao máximo o tempo dos atos procedimentais, reduzindo a

possibilidade de defesa, o processo acusatório vai no sentido do equilíbrio, não é nem lento e

nem rápido em demasia, o processo acusatório deve ter o tempo razoável para permitir a

plenitude da defesa e impedir o sofrimento gerado pela demora da resposta do Estado.

Infelizmente, nos últimos tempos, diante do grande clamor público gerado pela

violência, ou pelo falso alarme gerado pela maior divulgação de diversos crimes bárbaros,

vem provocando manifestações inúmeras por punições mais severas e aplicadas de forma

mais rápida e eficaz. Para tanto, inúmeras propostas de redução de garantias, supressão de

recursos e utilização da prisão processual como antecipação da pena vêm ganhando fôlego e

nos afastando cada vez mais do Estado Democrático de Direito que tantas vidas nos custou.

Com esse discurso repressor e antidemocrático o sistema inquisitório acaba servindo como

uma luva à mão, atendendo aos movimentos autoritários que apregoam a “lei e a ordem”, a

“tolerância zero”, e a outros movimentos que se distanciam da democracia que tanto

almejamos (THUMS, 2006, p. 3).

Assim, o sistema inquisitório foi de grande valia e interesse às ditaduras

(COUTINHO, 2009a, p. 106), servindo a regimes políticos autoritários que primam pela

concentração do poder (MARQUES, 2011, p. 478-479). E, o que serviu às ditaduras,

definitivamente, é imprestável às democracias, e, conseqüentemente, deve ser mantido longe

do Estado Democrático de Direito que tanto desejamos. Verifica-se, portanto, que o

procedimento inquisitório é compatível com Estados autoritários, que buscam no direito penal

máximo a solução de problemas criminais; já o processo acusatório é marca de Estados que

têm no direito penal mínimo como forma de assegurar a todos os direitos fundamentais

(THUMS, 2006, p. 175).

Gilberto Thums lembra que:

Atualmente, os sistemas processuais decorrem diretamente do sistema político, fundado na Constituição. Estados autoritários adotam modelos inquisitoriais, enquanto Estados de Direito compatibilizam-se melhor com o modelo acusatório, também denominado garantista. (THUMS, 2006, p. 234)

Verifica-se, portanto, que o sistema acusatório vem ao encontro do processo penal

constitucional, constituindo um imperativo do moderno processo penal em relação à estrutura

atual, social e política, do Estado (LOPES JÙNIOR, 2010a, p. 61) adequando-se também à

89

teoria neo-institucionalista do processo, visto que ao separar a prova do julgador, assegura às

partes o contraditório, a isonomia, e a ampla defesa, elementos institutivos do processo nos

moldes propostos pela teoria em comento.

Modernamente o sistema inquisitivo é perfeitamente compatível com os movimentos

punitivistas como o “lei e ordem” ou o “tolerância zero”, sendo prevalecente em países de

grande controle social, portanto, sendo adotado por todos os sistemas penais e processuais

penais com características autoritárias. (THUMS, 2006, p. 300). Por sua vez, o modelo

acusatório é adotado em sistemas constitucionais democráticos, nos quais a participação das

partes é imprescindível assim como o é a postura eqüidistante do juiz em relação aos sujeitos

processuais.

3.3.1 A (in)existência de um sistema misto

Vimos que o que diferencia o sistema inquisitório do sistema acusatório é, sobretudo,

a participação ou não do julgador na produção da prova, ou seja, a gestão da prova. Se o juiz

tem poderes instrutórios, o sistema adotado será inquisitório, se não possui tais poderes,

estaremos diante de um sistema acusatório. Também se deve ressaltar que no sistema

inquisitório o juiz age de ofício, podendo produzir provas, decretar prisões, etc. Já o sistema

acusatório, tem-se verdadeiro processo, segundo o qual a ação compete às partes, devendo o

juiz ser provocado. Dito isso, verificamos que não há espaço para um sistema misto, ou o juiz

age de ofício ou não.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2001, p.29) aponta, em

consonância com o que já afirmamos acima, que não existem mais sistemas processuais

penais puros, sendo que quaisquer sistemas terão características do sistema acusatório e do

sistema inquisitório, sendo, portanto, mistos. Contudo, não há, e nem pode haver, um

princípio misto, o que, por si só, já desfigura completamente a existência do sistema misto.

De fato, isso significa que ser misto significa ser essencialmente inquisitório ou acusatório,

recebendo a adjetivação por conta dos elementos prevalentes.

A falta de um sistema puro, universal, que fosse capaz de reunir todas as

características de um determinado sistema, seja ele acusatório ou inquisitório, levou o

Leonardo Augusto Marinho Marques (MARQUES, 2011, p.477) a rejeitar também a

existência do sistema misto. Se todos os sistemas existentes possuem características dos dois

tipos teoricamente puros, e, portanto, todos são sistemas mistos, não há como conceber a

90

existência do sistema misto. Assim, a definição do sistema, se acusatório ou inquisitório, se

dará pelas características prevalecentes.

Jiménez Asenjo (ASENJO, 1949, p. 84), em contrapartida, afirma nenhuma das

características que se destacam nos sistemas acusatório e inquisitório são exclusivamente

suas, o que leva ao sistema adotar preponderantemente as características de um ou de outro,

com o que Asenjo classifica de sistema misto de características acusatórias ou sistema misto

de características inquisitórias.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009a, p. 110) anota que o

sistema misto mostrou-se, desde sempre, uma fraude à democracia processual, ou, como

assinala Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 213) trata-se de uma forma simpática de se

identificar o procedimento inquisitório moderno ou reformado. No fundo o sistema misto é

configurado por um sistema inquisitorial mesclado com alguns elementos provenientes do

sistema acusatório, principalmente da existência de partes com a acusação separada

formalmente do órgão julgador e de debates orais.

A prova colhida na fase inquisitorial é levada integralmente e sem qualquer filtro à

segunda fase, convertendo o processo em mera repetição da primeira fase. Na segunda fase,

que seria acusatória, busca-se a legitimação da primeira e, para tanto, basta a utilização de um

belo discurso retórico para que a decisão seja imunizada e para que sejam fraudados o

processo e, conseqüentemente, a Constituição (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 165). É recorrente

nos foros criminais, durante o processo em sua fase supostamente acusatória, a pergunta à

testemunha que depôs durante o inquérito policial se confirma aquele depoimento prestado na

primeira fase inquisitorial; assim como é comum ver em sentenças e acórdãos expressões

como “a prova do inquérito é corroborada pela prova judicializada”, “cotejando a prova

policial com a judicial”, “corroborando ainda mais a prova da autoria do delito, há os

depoimentos prestados pelas testemunhas que, sob o crivo do contraditório, e da ampla

defesa, ratificaram o narrado perante a autoridade policial”67; “corroborando os depoimentos

prestados na fase extrajudicial”68 entre outras fraudes lingüísticas que somente visam dar uma

coloração democrática à mais terrível face da tirania.

O sistema misto, aduz Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009a, p.

110), serviu para de Napoleão, seu criador, bem como aos regimes nazistas, fascistas,

soviéticos, que, graças à suas duas cabeças puderam afirmar que tinham um processo penal

67 Como se verifica na sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte – MG, nos autos do procedimento criminal nº 024.10.153.518-5. 68 Como se verifica no acórdão prolatado pela 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais na Apelação Criminal nº 1.0145.01.005171-5/001(1).

91

democrático que afirmaram ser do modelo acusatório. Como veremos adiante, no Brasil o

nosso Código de Processo Penal, datado de 1941, e ainda vigente (mesmo depois da

Constituição Cidadã de 1988), também utilizou desta fórmula, que originalmente interessava

ao ditador Getúlio Vargas em pleno Estado Novo.

Concluímos com Aury Lopes Júnior:

Enquanto não tivermos um processo verdadeiramente acusatório, do início ao fim, ou, ao menos, adotarmos o paliativo da exclusão física dos autos do inquérito policial de dentro do processo, as pessoas continuarão sendo condenadas com base na “prova” inquisitorial, disfarçada no discurso do “cotejando”, “corrobora”... e outras fórmulas que mascaram a realidade: a condenação está calcada nos atos de investigação, naquilo feito na pura inquisição. (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 71)

O sistema misto, dessa forma, nada mais é que uma inteligente forma de se camuflar

o sistema inquisitório que figura como seu pano de fundo. É o sistema inquisitório que está

por de trás do sistema misto, que nada mais é que uma forma travestida do modelo autoritária.

E, se serviu às ditaduras, tal qual o sistema inquisitório, não serve à democracia. É, na

verdade, o próprio sistema inquisitório e, portanto, não existe o sistema que se possa chamar

“misto”.

Não há, e nem poderá existir um sistema misto. Ou o juiz detém a gestão da prova e

se mistura com as partes ou não gerencia as provas permanecendo imparcial. Não tem como

ficar no meio do caminho. Nessa partida não há empate e, muito menos neutralidade, ou se

está de um lado ou de outro.

Portanto, o sistema misto nada mais é que uma figura travestida do sistema

inquisitório. Muda-se a embalagem, mas o produto é o mesmo. A produção de provas na

primeira fase acaba se repetindo na segunda e influencia de forma decisiva o julgamento,

ainda que o julgador busque outros elementos para justificar a decisão tomada com base

naquelas provas produzidas de forma inquisitória.

3.4 Afinal, qual sistema foi adotado no Brasil?

No ordenamento jurídico brasileiro não restou definido expressamente a adoção de

nenhum dos modelos, assim nem a Constituição da República de 1988 e nem o Código de

Processo Penal, o quaisquer das leis especiais trataram de definir o sistema adotado, cabendo

à tarefa à doutrina, que, por sua vez não se entende. Leonardo Augusto Marinho Marques

92

(MARQUES, 2009, p. 152) afirma que o Brasil possui em sua história verdadeira tradição

inquisitória, visto que o princípio inquisitivo esteve presente desde o período das Ordenações

(Filipinas, Manuelinas e Afonsinas), passando pelo Código Criminal de 1832 e pelas reformas

de 1841 e 1871. Tradição essa que foi fielmente mantida pelo autoritarismo presente no

Código de Processo Penal de 1941.

No ordenamento Constitucional pátrio nenhuma das constituições preocupou-se em

prever expressamente o princípio processual adotado, tendo a Constituição da República

Federativa do Brasil, 1988, adotado, ou pretendido adotar, uma vez que não o fez

expressamente, o modelo acusatório, único compatível com o Estado Democrático de Direito

que foi por ela adotado expressamente já no caput de seu primeiro artigo69. Para tanto a Carta

trouxe em seu texto nítida disposição acusatória, prevendo dentre os direitos e garantias

fundamentais (art. 5º70) disposições relativas ao acesso à função jurisdicional (art. 5º,

XXVI 71); a adoção do juiz natural, vedando a criação de tribunais de exceção (art. 5º,

XXXVII 72); a tutela de direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI73); o princípio do juiz

natural (art. 5º, LIII74); o princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV 75); os princípios

institutivos do processo referentes à ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV), que, frise-se

devem(riam) ser observados em qualquer das fases do processo penal, ou seja, tanto no

inquérito como na fase jurisdicional; a vedação das provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º,

LVI 76); a presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII77); a publicidade do processo (art. 5º,

LX 78 e art. 93, IX); restrição à prisão que somente poderá ocorrer em casos de flagrante delito

ou por ordem da autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI).

Porém a principal disposição constitucional que nos faz crer que o legislador

constituinte desejou estabelecer o modelo acusatório é a separação entre a tarefa de acusar e

de julgar, na forma do art. 129, I79, da Constituição, estabelecendo a exclusividade da ação

69 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estado e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) (grifos nossos). 70 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. 71 XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito. 72 XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção. 73 XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; 74 LIII – ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade competente. 75 LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. 76 LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. 77 LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 78 LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. 79 Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei.

93

penal ao Ministério Público. Frise-se que o juiz não poderá, portanto, iniciar a ação penal,

mesmo em casos de inércia do órgão ministerial, hipótese em que seria cabível a ação penal

privada subsidiária, nos termos do art. 5º, LIX da Constituição. Assim, a Constituição pátria

separou, de forma clara, a atividade jurisdicional da atividade do Ministério Público.

Vale ressaltar que Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 165) afirma que o Constituinte

não teria adotado o processo acusatório, mas apenas um sistema processual garantista.

Contudo, discordamos desse posicionamento, visto que o legislador constituinte preocupou-se

em tentar separar as tarefas de julgar, acusar e defender, principal marca do processo

acusatório, adotando, dessa forma, o procedimento acusatório, embora de forma tácita.

Contudo, como a adoção do sistema acusatório não foi expressa, a porta para a

regulamentação em sentido diverso no plano infraconstitucional continuou aberta, permitindo

que o Código de Processo Penal, forjado no ano de 1941 e em pleno Estado Novo, regime

autoritário imposto por Getulio Vargas, seja mantido em vigor e sem que seja questionada sua

recepção pela nova ordem constitucional. Porém, deve o Código de Processo Penal brasileiro

ser interpretado à luz do modelo constitucional de processo, para que seja lido de acordo com

sua base principiológica e afastados todos os dispositivos que, de qualquer maneira, sejam

incompatíveis com o ordenamento constitucional.

Diante dessa dicotomia, parte da doutrina80 afirma que o sistema adotado foi o

modelo acusatório, sendo que esta parte afirma que o inquérito policial é mero procedimento

administrativo preparatório da ação penal que ficaria atribuída à Policia Judiciária, assim, não

serviria para desconfigurar a natureza acusatória do processo penal que se iniciaria somente

com o oferecimento da denúncia perante o juízo competente. Afirmam ainda que tal sistema

foi o escolhido pela Constituição de 1988, contudo, não fazem uma análise sistemática do

ordenamento jurídico, ignorando que a Carta Política não faz qualquer referência expressa ao

sistema, o que permite que a legislação infraconstitucional acabe adotando outro modelo.

No mesmo sentido, porém, fazendo ressalvas, vale ressaltar a posição adotada por

Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, 2010, p. 77-78), que afirma que o

sistema pátrio adota o modelo acusatório, contudo, com laivos do procedimento inquisitivo,

ao conceder poderes instrutórios ao juiz. Também seguindo por esse caminho, Paulo Rangel

(2006, p. 51) afirma que o Brasil adotou o sistema acusatório, não o adotando, contudo, em

sua essência, já que durante o inquérito policial seria adotado o princípio inquisitório.

80 Nesse sentido Júlio Fabbrini Mirabete (MIRABETE, 1991, p. 42); José Frederico Marques (MARQUES, 2009, p. 48); Fernando Capez (CAPEZ, 2011, p. 83); Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2009, p. 9).

94

Para outra parte da doutrina81 o sistema adotado pelo Brasil seria o misto, anotando

que a Constituição seria de matiz acusatória enquanto o Código de Processo Penal seria

inquisitório. Afirmando ainda que o processo penal brasileiro seria dividido em duas fases

bem demarcadas, a primeira, Inquérito Policial, seria regida pelos princípios atinentes ao

procedimento inquisitório e a segunda, judiciária, seria conduzida pelo processo acusatório.

Por fim, outra parte da doutrina82 entende que o Brasil, apesar de não fazê-lo

expressamente, adota o procedimento inquisitório. Entendemos que esta corrente está com

razão, visto que, em nosso sistema o é comum o juiz ter poderes instrutórios, poder de

decretar prisões de ofício sem qualquer requerimento, a defesa nem sempre é ampla como

deveria ser, o julgador que conhece a prova inquisitorial é o mesmo que julgará em sentença

de mérito, a prevenção é critério de fixação de competência, determinando que o julgador que

conhecer de habeas corpus impetrado na fase de inquérito torne-se competente para todos os

demais recursos, sejam eles apelações, recursos em sentido estrito e até os agravos em

execução interpostos já na fase de cumprimento de pena, entre outras formas de atuar de

juízes inquisidores brasileiros, todas amparadas pela lei, mas afastadas da Constituição, ou, o

que é pior, interpretando a Constituição à escuridão do Código de Processo Penal Brasileiro.

A opção do legislador constituinte por não adotar de forma expressa um dos sistemas

processuais penais, aliada à completa falta de acordo doutrinária, permitiu que a norma

infraconstitucional também não definisse expressamente o sistema a ser adotado. Como

dissemos linhas acima, o Código de Processo Penal brasileiro foi forjado sob o autoritarismo

do Estado Novo de Getúlio Vargas e constitui uma cópia mal traduzida do Código de Rocco e

de Manzini da Itália Fascista da década de 1930 sob o governo de Mussolini, código este que

foi taxado por Cordero (CORDERO, 2000, p. 77) como sendo um temível artigo inquisitório

no qual trabalharam muito bem Rocco e Manzini, como o próprio Minstro Franciso Campos

afirma na exposição de motivos do Código brasileiro.

O vigente Código de Processo Penal brasileiro, Decreto Lei 3.689 – de 03 de outubro

de 1941, surgiu da ânsia de endurecimento no tratamento penal e, conseqüentemente, tem o

escopo de reduzir as garantias processuais na busca da punição mais célere. Características

típicas de um processo penal inquisitório, bem como do modelo social no qual o juiz era 81 Nesse sentido: Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2008, p. 117); Edilson Mougenot Bonfim (BONFIM, 2009, p. 31); Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p. 47 e p. 152); Hélio Tornaghi (TORNAGHI, 1987, p.18); Sérgio Demoro Hamilton (HAMILTON, 2011, p. 94). 82 Nesse sentido: Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2009a, p. 6; 2009b, p. 338); Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 78; 2010c, p. 170); Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2001, p. 29; 2006, p. 390; 2002b, p. 61; 2009a, p. 109; 2009b, p. 257; 2009c, p. 229); Lênio Luiz Streck (STRECK, 2009b, p. 118); Leonardo Augusto Marinho Marques (MARQUES, 2009, p. 152); Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 264).

95

colocado como principal ator do processo, enquanto às partes caberia mero papel de

figuração. Extrai-se, nesse sentido, da exposição de motivos do Código de Processo Penal

vigente:

De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do processo penal num Código único para todo o Brasil impunha-se o seu ajustamento ao objetivo de maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que delinqüem. As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogos de garantias e favores, que a repressão se torna, necessariamente, defeituosa e retardatária, decorrendo daí um estímulo à expansão da criminalidade. Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudo direitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal avisado favorecimento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal-compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equívocos e transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal. (BRASIL, 1941)

Da citação supra se verifica que as bases do Código de Processo Penal pátrio foram a

redução das garantias e a eficiência repressiva, reduzindo-se as garantias dos acusados e

buscando um “bem comum” em detrimento do indivíduo. Verifica-se com nitidez pela citação

que o nosso Código foi elaborado sob o Estado Social e fruto de um sistema autoritário,

segundo o qual ao Estado competia a busca desenfreada daquilo que o próprio Estado definia

como “bem comum” em detrimento da individualidade e da autonomia de cada um de seus

membros.

O Código de Processo Penal vigente possui inúmeros dispositivos nos quais se

verifica a adoção do procedimento inquisitório. Procuraremos, à título exemplificativo,

explicitá-los para fins de demonstrar a adoção do procedimento inquisitório pelo ordenamento

procedimental penal brasileiro.

O modelo procedimental brasileiro encontra-se dividido em duas fases primárias, o

Inquérito Policial (fase investigativa a cargo da Autoridade Policial) e a fase jurisdicional

(perante a autoridade judiciária). Ao final da primeira fase deverá a Autoridade Policial

remeter os autos do Inquérito ao juiz competente, como estabelece o art. 10, §1º83, do Código

83 Art. 10. O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado estiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trinta) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.

96

de Processo Penal, essa remessa dos autos ao juiz competente para a ação penal acabará por

fixar a competência por toda a ação penal, visto que a prevenção é critério de fixação de

competência no sistema processual brasileiro, art. 83 do Código de Processo Penal84. Tal fato

faz com que o juiz que receber os autos da investigação acabe por conhecer das provas

inquisitórias e, forme, com base nelas, sua convicção, passando, de forma paranóica, a apenas

buscar na instrução jurisdicional, elementos que comprovem a hipótese prévia.

Destaque-se ainda que o art. 2885 do Código de Processo Penal permite que o juiz

discorde do pedido de arquivamento realizado pelo Ministério Público, titular privativo da

ação penal, remetendo os autos ao Procurador Geral de Justiça. Segundo o sistema adotado

pelo Código de Processo Penal, compete ao julgador, diante da análise da prova inquisitória,

antes do início da ação penal verificar se o titular da ação penal está correto ao pedir o

arquivamento das provas. Esse dispositivo configura nítido matiz inquisitório, visto que o juiz

atua como parte acusadora, discordando daquele que compete promover a ação penal quando

este não vislumbra elementos para oferecer a denúncia.

Porém a maior manifestação do procedimento inquisitório do Código de Processo

Penal brasileiro é verificada pelo art. 15686, que permite que o julgador possa produzir provas

de ofício, ou seja, sem provocação de qualquer das partes. O referido artigo foi alterado pela

Lei 11.690 de 09 de junho de 2008, porém, em sua redação original87 o referido dispositivo

permitia ao juiz produzir, de ofício, provas para solucionar pontos que considerasse relevante.

Verifica-se que a reforma de 2008 manteve a base inquisitorial do Código de Processo Penal,

em flagrante discrepância com o modelo constitucional acusatório (BARROS, 2008, p. 33-

34). E vamos além, a redação atual do art. 156 escancarou de vez o modelo inquisitivo,

§1.º A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente. 84 Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (arts. 70, §3º, 71, 72, §2º, 78, II, c). 85 Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. 86 Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de recebida a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, a realização de diligência para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (redação dada pela Lei 11.690/2008) 87 Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para diminuir dúvida sobre ponto relevante. (redação original)

97

explicitando a possibilidade do juiz, sem qualquer provocação, poder produzir provas quando

sequer houve o início da ação penal.

A leitura do art. 156 do Código de Processo Penal brasileiro deve ser feita em

conjunto com os dizeres de sua exposição de motivos, que, segundo Sérgio Demoro Hamilton

(HAMILTON, 2011, p. 93), faz com que o verbo “poderá” constante do artigo em análise

deva ser lido como um dever do julgador, não uma faculdade. Diz a exposição de motivos:

Por outro lado, o juiz deixará de ser um espectador inerte da produção das provas. Sua intervenção na atividade processual é permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também para ordenar, de ofício, as provas que lhe parecerem úteis ao esclarecimento da verdade. Para a indagação desta, não estará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a matéria da acusação ou da defesa, e houver uma fonte de prova ainda que não explorada, o juiz não deverá pronunciar o in dúbio pro reo ou o non liquet. (BRASIL, 1941)

Verifica-se que o Código de Processo Penal tem no juiz como uma figura ativa,

autentico justiceiro de toga que deverá buscar, a qualquer preço, a verdade, seja ela o que for.

Tem o juiz amplos poderes instrutórios e a produção de provas de ofício não é direito do

julgador, mas seu dever. Daí fica fácil de perceber a figura do juiz inquisidor e da adoção do

procedimento inquisitivo pelo Processo Penal Brasileiro que acaba ficando cada vez mais

afastado das bases constitucionais democráticas.

Destaque-se também que o juiz poderá julgar com base nas provas do inquérito

policial, desde que não seja a única fonte de prova por ele adotada, como prevê o art. 15588 do

Código de Processo Penal. A palavra exclusivamente constante do texto do art. 155 não

existia na redação do anteprojeto, ou seja, a alteração visava impedir que o juiz pudesse

utilizar do inquérito policial para fundamentar sua decisão, contudo a indevida inserção da

“palavra mágica” deu sentido oposto ao texto e permitiu a fundamentação da decisão com

base no inquérito, bastando que o julgador pince qualquer outra prova judicial, por mais

isolada que seja. Trata-se, portanto, de nítido matiz inquisitório, que somente será solucionado

pela exclusão física do inquérito dos autos do processo, permanecendo apenas as provas

impossíveis de serem refeitas, obrigando o juiz criminal a refazer toda a prova e não apenas

legitimar aquela já produzida, legitimando, nos dizeres de Aury Lopes Júnior a infeliz

“prática do “cotejando”, “corrobora”, e outras tantas manipulações discursivas para

disfarçar a condenação fundada no inquérito policial” (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 307).

88 Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

98

A forma pela qual é conduzida o interrogatório do acusado também indica o sistema

processual adotado, no Brasil, até a significativa mudança operada pela Lei 10.792/2003, o

interrogatório era ato privativo do juiz, enquanto o acusado era mero objeto do processo,

sendo que a defesa técnica sequer poderia intervir no interrogatório. Com a alteração realizada

pela Lei 10.792/2003 o interrogatório sofreu grande mudança, para permitir a participação da

defesa, passando a tratar o interrogatório como um momento de atuação defensiva, porém,

manteve seu caráter probatório. Atualmente o interrogatório continua sendo presidido pelo

juiz, podendo as partes formular perguntas para esclarecer os fatos que restarem obscuros,

sendo as perguntas repassadas ao interrogando somente se o juiz entender pertinente e

relevante89. Assim, “o fato de exigir a presença de advogado não modifica a situação. O juiz

continua no controle absoluto do interrogatório” (THUMS, 2006, p. 273), desse modo, o

interrogatório continua sendo um ato do juiz e coloca-se no Código de Processo Penal como

meio de prova, no qual o juiz buscará, a todo preço, a confissão do acusado.

O interrogatório não pode ser tido como meio de prova, ainda que seja,

concomitantemente percebido como meio de defesa. Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 268)

afirma que essa concepção está arraigada ao sistema inquisitório. No processo acusatório o

interrogatório deve ser percebido unicamente como meio de defesa e como tal ser uma

faculdade ao acusado. Daí ser incompatível com o processo acusatório a possibilidade de

condução coercitiva ao acusado que, intimado, deixa de comparecer ao interrogatório, sendo o

art. 26090 do Código de Processo Penal Brasileiro mais um dispositivo de nítido matiz

inquisitório.

Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 152) afirma que a forma pela qual se realiza o

interrogatório, sobretudo no elenco de perguntas que o juiz deve formular ao interrogando,

denota claramente a adoção, e a manutenção após as reformas sofridas pelo Código de

Processo Penal, do procedimento inquisitório.

A busca desenfreada pela confissão, característica típica do procedimento

inquisitório aparece de forma nítida em institutos como a delação premiada91, pelo qual o

agente que confessar a prática de determinados crimes e entregar outros agentes, facilitando a

89 Art. 188. Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes e o entender pertinente e relevante. 90 Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença. 91 Não é nosso escopo a análise pormenorizada do instituto da delação premiada, assim, não abordaremos as questões referentes à sua (in)constitucionalidade e, tão pouco a sua moralidade e aplicabilidade. Porém, desde já, deixamos consignado que se trata de instituto desprezível no qual o Estado utiliza-se de instrumentos imorais para a persecução penal.

99

elucidação dos fatos e a prisão dos comparsas, terá, como prêmio, uma redução da reprimenda

aplicada, como, v.g., é previsto pelo art. 6º da Lei 9.034/95 (Crime Organizado) 92.

No sistema processual brasileiro o juiz poderá, de ofício (portanto, sem qualquer

provocação das partes), decretar a prisão preventiva do acusado, conforme lhe faculta o art.

31193 do Código de Processo Penal, durante a ação penal. Frise-se que o referido artigo foi

objeto de alteração pela Lei 12.403/2011, que, mais uma vez, perdeu o trem da história e

deixou de aproximar o inquisitório Código de Processo Penal do modelo acusatório trazido

pela Constituição.

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010b, p. 102-104) aponta que a

imparcialidade do julgador resta comprometida quando o juiz decreta de ofício a prisão

preventiva, visto que ele assume postura ativa e atuante, agindo como inquisidor, o que

contrasta com a postura passiva que lhe é exigida pelo sistema acusatório. O decreto de ofício

da prisão preventiva coloca o juiz na posição de justiceiro, com clara postura inquisitória e

que tem por objetivo ser o guardião da limpeza social e da tranqüilidade e paz da sociedade,

seja lá o que isso represente em suas mentes “salvadoras”. Um típico exemplo de juiz

paranóico, para usar propositalmente a expressão de Cordero, que atua como perseguidor,

negando completamente a imparcialidade que lhe é exigida para a existência do processo e

substituindo a uma das partes, o Ministério Público.

Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, 2010, p. 671) aponta que o

juiz ao decretar a prisão preventiva de ofício instauraria um procedimento cautelar sem

provocação, constituindo um caso de jurisdição sem ação. O autor citado compara aqueles que

defendem a possibilidade de ser decretada a prisão preventiva de ofício à atuação de

Torquemada, inquisidor espanhol. Porém, em um franco avanço, tem-se a posição firmada em

acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ainda que

anterior à alteração promovida pela Lei 12.303/2011, sempre se colocando em posição de

vanguarda no direito brasileiro:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO DECRETADA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. INCOSNTITUCIONALIDADE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REQUISITO VAGAMETNE INVOCADO. IMPRESTABILIDADE. GRAVIDADE DO DELITO – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.

92 Art. 6º Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a 2/3 (dois terços), quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais de sua autoria. 93 Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do curso da ação penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

100

- A regra do jogo processual democrático é assim estabelecida: um acusa, outro defende e outro julga. Ou seja, se está frente a processo penal de partes: cada uma com suas funções bem definidas. - Nesta ótica, compete ao Ministério Público, e tão somente a ele, além de promover a ação penal, atuar no interesse acusatório no seu todo, tanto na deflagração da ação quanto das cautelares que sustentam o processo penal. - No momento em que o julgador invade a competência do acusador, é estabelecida uma relação incestuosa entre aquele que julga e aquele que persegue, abalando a imparcialidade – vista como eqüidistância. - A gravidade do delito não é requisito legal à prisão preventiva e, por si-só, não a pode sustentar. - A garantia da ordem pública, quando genericamente invocada, sem qualquer elemento concreto que o possa fundamentar, é imprestável a amparar prisão de caráter excepcional Concederam a ordem (unânime). (RIO GRANDE DO SUL, TJ, Habeas Corpus 70018920934, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, 2007)

Em seu voto asseverou o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho:

A regra do jogo processual democrático é assim estabelecida: um acusa, outro defende e outro julga. Ou seja, se está frente a processo penal de partes: cada uma com suas funções bem definidas. No sistema constitucional – abandonado o modelo antigo e vigente antes da atual Constituição – compete ao órgão do ministério público, “promover, privativamente, a ação penal pública”. Nesta ótica, compete a ele, ministério público, e tão somente a ele, além de promover a ação penal, atuar no interesse acusatório no seu todo, tanto na deflagração da ação quanto das cautelares que sustentam o processo penal. Em outras palavras, somente ele pode “perseguir” o acusado: é a leitura que faço do mandamento constitucional. A característica do sistema acusatório é exatamente esta: o processo penal é um processo de partes. Assim, no momento em que o julgador invade a competência do acusador, é estabelecida uma relação incestuosa entre aquele que julga e aquele que persegue, abalando a imparcialidade – vista como eqüidistância. Tal relação remonta ao inquisitório medieval – ali, o acusado se defendia de tudo e de todos, inclusive daquele que tem o dever de preservar seus direitos. (RIO GRANDE DO SUL, TJ, Habeas Corpus 70018920934, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, 2007)

A decisão acima citada demonstra que, em que pese a autorização legislativa para

que o julgador decrete de ofício a prisão preventiva do acusado, a norma deve ser interpretada

em conformidade com a Constituição. Assim sendo, deve-se ter presente que a Constituição

da República colocou nas mãos do Ministério Público a titularidade da ação penal e,

conseqüentemente, retirou do juiz a possibilidade de agir de ofício na ação penal. Porém,

decisões como a citadas ainda são minoritárias, isoladas, configurando um verdadeiro oasis

acusatório no deserto inquisitivo do processo penal brasileiro.

Verifica-se, portanto, que o Código de Processo Penal coloca o juiz no centro do

palco processual, configurando-se como um diploma inquisitorial e afastado dos ditames

101

processuais democráticos. Assim, podemos afirmar que não temos um “código de processo

penal” mas apenas e tão somente um “código de procedimentos penais”.

A análise do ordenamento jurídico pátrio de forma sistêmica leva-nos à conclusão de

que, apesar de termos uma Constituição acusatória, temos uma cultura, uma prática e, para

possibilitar as duas últimas, uma legislação inquisitórias. Como vimos, a Constituição da

República, de 1988, adotou um sistema que tentou superar o inquisitorialismo e separar a

atividade julgadora das partes, principalmente da acusação. Contudo, como vimos, a

legislação infraconstitucional prima pelo autoritarismo inquisitório, atribuindo poderes

probatórios ao juiz além de possibilitar-lhe um amplíssimo cardápio de atos de ofício. A

prática também é inquisitória, muitos juízes, ainda arraigados em uma cultura inquisitória, não

percebem o modelo constitucionalmente adotado, preferindo interpretar a Constituição à

escuridão do Código de Processo Penal, não percebem que seu papel é de julgar e não de

paladinos sociais, ou, pior, de justiceiros de toga em busca de limpeza social. Preferem, nesse

diapasão, o sistema inquisitorial que lhes dá a falsa sensação de “fazer justiça”, mesmo que

seu preço seja a democracia. Porém essa cultura e essa prática somente existem por termos,

normalmente, defesas pouco ou quase nada cientes de seu papel, que, por sua inércia,

permitem (ou até obrigam) que o julgador tome a iniciativa processual. Deve-se mudar

primeiro a cultura judiciária brasileira e a legislação processual penal, muitos ainda não estão

adaptados ao Estado Democrático de Direito. Somente quando percebermos o preço que foi

pago pela humanidade pela conquista da democracia é que a valorizaremos, porém, esta é

uma conquista inacabada e que deve ser buscada diariamente por todos, com imprescindível

participação dos juízes na consolidação do Estado Democrático em nosso País.

Nem mesmo as inúmeras reformas promovidas no Código de Processo Penal foram

capazes de retirar dele a adoção do procedimento inquisitivo. Isso seria impossível, visto que

o Código possui natureza inquisitória e reformas pontuais não serão capazes de alterar sua

forma, o que somente será possível pela edição de uma nova legislação processual penal,

concebida em consonância com os princípios do Estado Democrático de Direito e,

principalmente em consonância com a Constituição.

Afinal, desde 1941 fazem-se no Brasil reformas parciais; e a situação permanece como sempre esteve. Só isso já seria suficiente para fazer ver a todos sobre a imprescindibilidade de uma reforma global, total, que trate de mudar o próprio sistema processual, empurrando o país na direção do sistema acusatório e seu princípio dispositivo, único compatível com a ordem democrática. (COUTINHO, 2006, p. 390)

102

Com o propósito de revogar o vigente Código de Processo Penal e, em seu lugar,

adotar um novo regimento processual, o Senado Federal nomeou, na forma do Requerimento

nº 227 de 2008, aditado pelos Requerimentos nº(s) 751 e 794, e pelos Atos do Presidente do

Senado Federal de nºs. 11, 17 e 18 de 2008, uma comissão de juristas para a elaboração do

anteprojeto do novo Código de Processo Penal. Esta comissão foi presidida pelo Ministro

Hamilton Carvalhido e teve como relator o professor Eugênio Pacelli de Oliveira, sendo

integrada ainda pelos professores Antônio Correa; Antônio Magalhães Gomes Filho; Fabiano

Augusto Martins Silveira; Felix Valois Coelho Júnior; Jacinto Nelson de Miranda Coutinho;

Sandro Torres Avelar; e Tito Souza do Amaral, apresentando ao Senado Federal no ano de

2009. O Projeto de Lei que naquela Casa Legislativa recebeu o número PLS 156/2009, tendo

sido aprovado pelo Senado Federal e atualmente está tramitando na Câmara dos Deputados.

Vale salientar que não é a primeira vez que se tenta modificar integralmente o

Código de Processo Penal, Sérgio Demoro Hamilton (1974, p. 1), em artigo destinado a

comentar o anteprojeto elaborado pelo Professor José Frederico Marques que teria adotado o

modelo acusatório, o autor cita também o anteprojeto elaborado por Hélio Tornaghi. Porém,

os referidos anteprojetos foram abandonados e, como nosso objeto de estudos é o sistema

adotado no Brasil, analisaremos apenas o PLS 156/2009, em sua redação final aprovada pelo

Senado Federal, tendo em vista que o mesmo ainda está tramitando pela Câmara dos

Deputados. Frise-se que o projeto de lei analisado ainda poderá sofrer modificações pela

Câmara dos Deputados, podendo, portanto, haver diferença quando da leitura do presente

trabalho e do texto aprovado, caso o projeto venha a se tornar lei.

O projeto de lei 156/2009 tentou instituir expressamente o modelo processual

acusatório, como prevê o seu art. 4º94, que veda, inclusive a atuação do juiz em substituição

da parte acusadora e sua iniciativa probatória. Destaque-se que o projeto destina um título

específico aos princípios fundamentais (art. 1º a 7º), sendo certo que estes sete artigos devem

iluminar a interpretação de todo seu texto. Vale destacar que o Projeto assegura o

contraditório e a ampla defesa, com sua efetiva participação em todas as fases do processo95.

Visando a adoção do modelo acusatório o projeto cria a figura do juiz das garantias,

art. 1496, que terá por finalidade a atuação durante o inquérito policial, evitando-se o contato

94 Art. 4º O processo penal terá estrutura acusatória, nos limites definidos neste Código, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. 95 Art. 3º Todo processo penal realizar-se-á sob o contraditório e a ampla defesa, garantida a efetiva manifestação do defensor técnico em todas as fases procedimentais. 96 Art. 14. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

103

do juiz que julgará a demanda com a prova inquisitorial, sendo o juiz que atuar como juiz das

garantias impedido de atuar na ação penal97. Porém, o projeto aprovado pelo Senado alterou o

art. 67898, para excluir da regra de impedimento do juiz das garantias nas comarcas em que

houver apenas um único julgador, enquanto as respectivas leis de organização judiciária não

disciplinarem a atuação do juiz das garantias não será aplicado a regra de impedimento

prevista no art. 16. Caso o texto seja mantido, teremos, nas comarcas maiores onde houver o

juiz das garantias, um processo mais próximo do modelo acusatório, enquanto naquelas

menores, onde não houver o juiz das garantias, permaneceremos com um procedimento

inquisitório.

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil; II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 555; III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença; IV – ser informado sobre a abertura de qualquer investigação criminal; V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar; VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las; VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa; VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo; IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação; XI – decidir sobre os pedidos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado. XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 452, § 1º; XIV – arquivar o inquérito policial; XV – assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito de que tratam os arts. 11 e 37; XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia; XVII – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo. Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação do delegado de polícia e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada. 97 Art. 16. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 14 ficará impedido de funcionar no processo, observado o disposto no art. 748. 98 Assim afirmava o projeto de Lei formulado pela Comissão de Juristas: Art. 678. Nas comarcas onde houver apenas um juiz, as normas de organização judiciária disciplinarão formas de substituição, de modo que seja observada a regra de impedimento prevista no art. 17. Por sua vez, a redação do art. 748 após a tramitação pelo Senado ficou da seguinte forma: Art. 748. O impedimento previsto no art. 16 não se aplicará: I – às comarcas ou seções judiciárias onde houver apenas 1 (um) juiz, enquanto a respectiva lei de organização judiciária não dispuser sobre criação de cargo ou formas de substituição; II – aos processos em andamento no início da vigência deste Código. Parágrafo único. O impedimento de que trata o inciso I do art. 314 não se aplicará à hipótese prevista no inciso II do caput deste artigo.

104

O anteprojeto altera a forma com que é feito o interrogatório judicial, passando a

configurar típico momento de atuação da defesa (art. 6499), tendo o juiz participação passiva,

cabendo-lhe apenas as perguntas referentes às condições pessoais do acusado, e às partes

ficarão responsáveis por todas as perguntas, que serão formuladas diretamente, referentes aos

fatos objeto do procedimento, podendo o juiz complementar o interrogatório nos pontos que

restarem obscuros ou duvidosos100.

Ao juiz competirá apreciar a prova produzida pelas partes101, não podendo

fundamentar sua decisão com base em elementos não levados pelas partes em contraditório

jurisdicional102. O que também significa considerável avanço rumo à adoção do modelo

acusatório na forma constitucional. Assim o art. 165 do projeto de lei deverá ser analisado em

conjunto com seu art. 4º, ou seja, segundo os limites impostos pelo sistema acusatório,

trazendo ao processo penal verdadeira estrutura processual, o que não significa que o juiz será

um sujeito passivo a apenas observar a atuação das partes, mas que será colocado no lugar que

lhe foi destinado pela Constituição, como garantidor dos direitos fundamentais e,

principalmente do direito de participação das partes na construção do provimento, colocando

as partes, consequentemente, em seu lugar constitucional de sujeitos de direitos e que devem

atuar de forma comparticipativa na construção da decisão final. Nesse sentido, são

esclarecedoras as palavras de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho:

Ora, para o processo penal ser devido as partes devem ocupar o lugar que a CR destinou para elas e, assim, não faz qualquer sentido o juiz ter a iniciativa da prova

99 Art. 64. O interrogatório constitui meio de defesa do investigado ou acusado e será realizado na presença de seu defensor. 100 Art. 73. No interrogatório realizado em juízo, caberá à autoridade judicial, depois de informar o acusado dos direitos previstos no art. 66, proceder à sua qualificação. Parágrafo único. Na primeira parte do interrogatório, o juiz indagará ainda sobre as condições e oportunidades de desenvolvimento pessoal do acusado e outras informações que permitam avaliar a sua conduta social. Art. 74. As perguntas relacionadas aos fatos serão formuladas diretamente pelas partes, concedida a palavra primeiro ao Ministério Público, depois à defesa. § 1º O defensor do corréu também poderá fazer perguntas ao interrogando, após o Ministério Público. § 2º O juiz não admitirá perguntas ofensivas ou que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem repetição de outra já respondida. Art. 75. Ao término das indagações formuladas pelas partes, o juiz poderá complementar o interrogatório sobre pontos não esclarecidos, observando, ainda, o disposto no § 3º do art. 67. 101 Art. 165. As provas serão propostas pelas partes. Parágrafo único. Será facultado ao juiz, antes de proferir a sentença, determinar diligências para esclarecer dúvida sobre a prova produzida por qualquer das partes. 102 Art. 168. O juiz formará livremente o seu convencimento com base nas provas submetidas ao contraditório judicial, indicando na fundamentação todos os elementos utilizados e os critérios adotados, resguardadas as provas cautelares, as não repetíveis e as antecipadas. § 1º A existência de um fato não pode ser inferida de indícios, salvo quando forem graves, precisos e concordantes. § 2º As declarações do coautor ou partícipe na mesma infração penal só terão valor se confirmadas por outros elementos de prova colhidos em juízo que atestem sua credibilidade.

105

(como se fosse ônus processual seu), mormente em favor da acusação e contra o réu ou mesmo vice-versa. Isso não significa que ele vá ser como uma “samambaia”, conforme ingenuamente alguém sugeriu. Basta ver que se as partes propõe meios de provas para esclarecer o juiz, é evidente que tal esclarecimento deve ser feito por ele se elas não conseguirem se desincumbir de sua função. Assim, se alguém arrola uma testemunha – como já deveria ser hoje – ele, o juiz, espera que as partes façam suas perguntas a fim do esclarecimento pretendido. Se isso não vier, por que ele não poderia perguntar também, depois? Eis por que se não deve confundir as coisas. Um sistema assim é, sem dúvida, mais democrático, com cada parte no seu lugar, o que permite, antes de tudo, que o juiz possa manter uma maior eqüidistância das partes e dos seus pedidos. O juiz, desde este lugar, assume seu mister constitucional e, assim, passa a ser garante-mor da Constituição e, por conseguinte, dos direitos e garantias individuais. (COUTINHO, 2010, p. 17, grifos no original)

Dessa forma, o projeto limita a atividade probatória do juiz em busca de um processo

de partes no qual o juiz somente poderá atuar ao final e, ainda assim, em hipótese alguma

poderá substituir ao órgão da acusação (DEZEM, 2010, p. 13). Porém, o parágrafo único do

art. 165 esconde perigosa armadilha ao modelo acusatório que o projeto pretendeu adotar, vez

que possibilita ao juiz a realização de diligências para sanar dúvidas o que pode, diante de

mentes paranóicas e distantes da constituição, gerar problemas e permitir, através de

interpretações afastadas dos preceitos do processo democrático, a ressurreição do juiz

inquisidor. Melhor seria a exclusão do referido parágrafo, a retomada de sua redação original

que constava do anteprojeto elaborado pela Comissão de Juristas, que previa a possibilidade

do juiz, antes de proferir a sentença, de esclarecer dúvidas sobre a prova produzida, sem,

contudo, determinar a realização de diligências. A manutenção da redação aprovada pelo

Senado Federal esconde sério perigo ao modelo acusatório, devendo ser interpretada em

conformidade com o art. 4º e com os ditames constitucionais, para impedir que o julgador

produza provas de ofício e se transforme em inquisidor. Além disso o referido parágrafo

mantém faz com que o projeto, e, se aprovado e promulgado, o novo Código de Processo

Penal, mantenha sua base inquisitória, tornando letra morta a essência de seu art. 4º, vez que

de nada adiantará a previsão da estrutura acusatória se, em seu conteúdo, não adotarmos

efetivamente tal estrutura.

A regulamentação da prisão cautelar, assim como de todas as medidas cautelares,

ganhou contornos semelhantes aos adotados no Código de Processo Penal com a reforma

produzida pela Lei 12.403/2011. Contudo, apesar de sua raiz acusatória, o projeto conservou

traços inquisitórios, visto que a prisão preventiva e as medidas cautelares pessoais poderão103,

103 Art. 525. No curso do processo penal, as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes, observados os princípios do Código e as disposições deste Livro. Parágrafo único. Durante a fase de investigação, a decretação depende de requerimento do Ministério Público ou de representação do delegado de polícia, salvo se a medida substituir a prisão ou outra cautelar anteriormente imposta, podendo, neste caso, ser aplicada de ofício pelo juiz.

106

na fase jurisdicional, ser decretadas de ofício pelo julgador, o que é incompatível com o

modelo processual acusatório pretendido pelo projeto de lei. Tal fato acaba abrindo a

possibilidade para o perigoso continuísmo inquisitório gerado pela possibilidade dos juízes

continuarem a decretar prisões de ofício, fomentando a existência de “juízes justiceiros,

incapazes de aceitar que tal ativismo inquisitório é absolutamente incompatível com sua

função no processo penal e, principalmente, com o nível de evolução civilizatória alcançada

por nossa sociedade” (LOPES JÚNIOR, 2010d, p. 7-8).

Ademais, na lição de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2011, p. 4)

as reformas parciais do Código são desastrosas, vez que, ao invés de melhorarem o sistema

processual acabam por desestruturá-lo.

Porém, o projeto prevê que o juiz que julgará a demanda receba a denúncia, tendo

acesso ao material produzido no Inquérito Policial e possibilitando-lhe formular a hipótese

antes da instrução, apenas produzindo as provas para legitimar seu convencimento prévio.

Mantendo-se, dessa forma, um pequeno resquício inquisitorial que somente seria excluído

com a exclusão das peças inquisitórias após o oferecimento da denúncia que teria que ser

recebida por um juiz diverso do juiz das garantias e que também não poderia ser o mesmo juiz

que fosse julgar o procedimento. Dessa forma, um processo criminal deveria ter três juízes: o

juiz das garantias, o juiz que receberia a inicial acusatória e o juiz responsável pelo

julgamento do processo penal. Somente assim teríamos um processo acusatório.

Outro ponto que deve ser destacado de adoção de indícios inquisitórios no projeto de

Código de Processo Penal tange à possibilidade de que o juiz discorde do pedido de

arquivamento do Inquérito Policial e remeta os autos ao Procurador Geral de Justiça,

mantendo a estrutura do art. 28 do vigente código, apenas levado ao parágrafo único do artigo

38104 do projeto em análise. Frise-se, porém, que o artigo do projeto foi objeto de reforma

pelo Senado, visto que o referido artigo possuía redação diferente no anteprojeto elaborado

pela comissão de juristas, estabelecendo que, caso o Ministério Público requeresse o

arquivamento dos autos, deveria comunicar à vítima que poderia, caso discordasse do pedido,

submeter a matéria a revisão interna nos próprios quadros do Ministério Público105.

104 Art. 38. O órgão do Ministério Público poderá requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, seja por insuficiência de elementos de convicção, seja por outras razões de direito. Parágrafo único. O juiz das garantias, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. 105 Art. 38. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o Ministério Público comunicará a vítima, o investigado, a autoridade policial e a instância doe revisão do próprio órgão ministerial, na forma da lei.

107

Por fim, devemos trazer que o texto aprovado pelo Senado Federal manteve a

possibilidade de que o juiz profira decisão condenatória ainda que o Ministério Público tenha

pedido a absolvição do acusado. Trata-se da manutenção parcial do art. 385 do vigente

Código de Processo Penal106, mantido parcialmente no art. 420107 do texto aprovado pelo

Senado, que apenas vedou ao juiz que reconheça agravantes não alegadas. Trata-se de medida

que vai em sentido oposto à adoção do sistema acusatório, eis que coloca o juiz em posição de

inquisidor na busca de uma condenação à qualquer preço. Também não condiz com o modelo

constitucional de processo, eis que permite uma decisão que não foi resultante do debate

travado entre as partes, eis que tendo o titular da ação penal pedido a absolvição não há mais

qualquer pedido condenatório que possa ensejar tal decisão. Trata-se, seja na redação vigente

ou no texto do projeto de lei, de medida violadora da Constituição da República e, portanto,

eivada da mais absoluta inconstitucionalidade.

Conclui-se, portanto, que a Constituição adotou, ainda que de forma tácita, o

processo acusatório, enquanto o Código de Processo Penal preferiu adotar o procedimento

inquisitório, sendo que nenhuma das reformas pontuais que o Código passou ao longo de sua

longa vigência foi capaz de desnaturar seu sistema informador autoritário. Assim, um novo

Código foi elaborado para corrigir esse problema, assumindo nítida vertente acusatória,

porém, ainda conservando alguns pontos a serem aperfeiçoados onde se manteve próximo ao

modelo inquisitório.

Por fim, devemos destacar que de nada adiantará o Código de Processo Penal adotar

um modelo acusatório se também não mudarmos a mentalidade dos aplicadores do direito e

operadores do Processo Penal. Enquanto os operadores do Direito não se perceberem como

partes na construção do pretendido Estado Democrático de Direito e não entenderem a

importância das conquistas históricas que isso representa não teremos a aplicação do processo

acusatório e, correremos o sério risco de nos termos, através de recursos lingüísticos e

hermenêuticos, um modelo constitucional e infraconstitucional acusatório e uma prática

inquisitória.

§1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica. §2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a revisão poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber sua representação judicial. 106 Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. 107 Art. 420. O juiz poderá proferir sentença condenatória, nos estritos limites da denúncia, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, não podendo, porém, reconhecer qualquer agravante não alegada ou causa de aumento não imputada.

108

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2011, p. 4) afirma que ainda

teremos um longo caminho a ser traçado para a construção de uma cultura democrática no

processo penal, que somente será conquistada pela reforma global do Código de Processo

Penal e com uma mudança de mentalidade. Valendo o complemento de Aury Lopes Júnior

(LOPES JÚNIOR, 2011, p. 6) que cobra a mudança da mentalidade dos atores judiciários

visando a construção de uma evolução democrática.

Portanto, é importante que os julgadores tenham consciência da mudança de seu

papel no Estado Democrático de Direito, que, não é mais de “salvadores da sociedade” mas de

garantidores de direitos fundamentais, sobretudo do direito de participação. É imprescindível

que o Ministério Público se assuma como parte no processo penal e deixe de lado a falaciosa

posição de fiscal da lei, ou, o que é pior, de “parte imparcial”. Bem como é exigido das partes,

Ministério Público e defensores (advogados), que assumam postura crítica frente às mudanças

constitucionais, visando à construção comparticipativa da decisão penal. Somente dessa forma

será construído um modelo realmente acusatório e o processo penal se colocará no rumo da

constitucionalização democrática.

109

4 PROCESSO PENAL DEMOCRÁTICO E SISTEMA ACUSATÓRIO A PERSECUÇÃO PENAL LEGITIMADA PELA CONSTITUIÇÃO

No primeiro capítulo do presente trabalho buscamos demonstrar que o processo deve

assegurar às partes a participação na construção do provimento, sendo, assim, uma das formas

de se assegurar a construção do Estado Democrático de Direito. Para tanto, verificamos que a

teoria do processo como procedimento em contraditório representou um marco de ruptura

com as antigas concepções do processo como relação jurídica, desvelando a desigualdade em

que eram colocadas as partes nas concepções que adotavam a concepção de Bülow ou seus

desdobramentos.

O Estado Democrático de Direito exige que as partes e o juiz sejam colocadas em

posição se isonomia, atuando de forma conjunta, comparticipativa, na construção da decisão.

Isso somente se conseguirá com a adoção de um modelo constitucional de processo que

coloque o juiz e as partes em posição isonômica, de forma que todos sejam responsáveis pelo

resultado do provimento, atuando de forma conjunta com iguais oportunidades de fala e de

atuação.

Para que isso se torne possível o juiz não poderá figurar como o principal

personagem do processo, nem mesmo atuar de forma suplementar a nenhuma das partes.

Assim, o processo democrático exige um juiz que atue em conjunto, não sendo mero

espectador, mas que não esteja no centro do palco processual, atuando em conjunto com as

partes de forma a construírem, de forma comparticipativa a sentença. Assim, compete ao juiz,

no processo democrático, o relevante papel de assegurar os direitos fundamentais, dentre os

quais o direito de participação.

No segundo capítulo, estudamos o modelo acusatório de processo penal, fazendo seu

contraponto ao sistema inquisitório e demonstrando que não existe um modelo que possamos

chamar de misto. No modelo acusatório, único dos sistemas processuais penais que configura

como um modelo processual, o juiz não pode substituir a atuação das partes na

produção/gestão da prova, cabendo-lhe apenas a posição imparcial. Percebe-se que o papel do

juiz no processo acusatório vem ao encontro do papel do juiz no processo democrático, sendo

que somente será democrático o modelo de processo penal que adotar o processo acusatório.

Além disso, somente no modelo acusatório é que teremos o juiz em posição de igualdade em

relação às partes, de forma que nenhum dos sujeitos processuais tenha posição de

superioridade em relação aos demais.

110

Dessa forma, construímos no capítulo inaugural uma base principiológica do

processo constitucional em geral, configurada pelos princípios do contraditório, ampla

argumentação, pela fundamentação das decisões jurisdicionais e pelo terceiro imparcial; no

segundo capítulo adentramos no microssistema do processo penal para discutir o modelo

processual acusatório e demonstrar, já no processo penal, a posição do juiz como terceiro

imparcial. Agora, por fim, nos caberá colocar os sujeitos em seus devidos lugares para

construirmos um modelo de processo penal efetivamente democrático, partindo, para tanto, do

princípio da presunção de não culpabilidade, que deve ocupar posição de destaque em

qualquer modelo de processo penal que se pretenda democrático. Cumpre-nos neste

derradeiro capítulo, construir o processo penal democrático, que se dará seguindo o princípio

acusatório e colocar os sujeitos processuais em seus respectivos lugares, buscando que a

decisão penal seja legitimada pela real e efetiva participação em contraditório daqueles que

sofrerão seus efeitos. Essa é nossa missão nas próximas linhas.

Para tanto, partiremos do princípio da presunção de não culpabilidade que, para a

construção do devido processo penal deve ser o norte do interprete, que sempre deve lembrar

que o acusado deve ser percebido como não culpado, ou, como preferem alguns, como

inocente. Essa concepção trará inúmeras conseqüências dentre as quais vale destacar a

inversão do ônus probatório, e a conseqüente atribuição de todo do ônus da prova à acusação,

e o tratamento a ser atribuído ao acusado pelos órgãos da persecução criminal. Outras

conseqüências serão trazidas quando analisarmos pormenorizadamente o referido princípio.

Porém, para que isso tudo seja possível devemos colocar as partes em seus

respectivos lugares, atribuindo a cada uma seu papel. Não se pode conceber um modelo de

processo onde as partes misturam seus papéis e uma acaba fazendo a função da outra. Tal fato

fulminaria o modelo constitucional de processo. O processo acusatório, como visto no

segundo capítulo, exige que as partes tenham posições bem delimitadas, de modo a garantir a

seus sujeitos posição isonômica para participar da construção do provimento.

Após colocarmos os atores do processo em seus respectivos lugares, demonstraremos

que somente pela participação conjunta, de forma coordenada, comparticipativa, é que o

processo ganhará o caminho para a democracia. Porém, essa participação não se dará de

forma isolada, deverá ocorrer através dos limites do modelo acusatório, único modelo capaz

de fornecer as bases para o processo democrático.

Portanto, nas próximas linhas buscaremos construir as bases do processo penal

democrático, ou melhor dizendo, do devido processo penal constitucional, calcado no

princípio da não culpabilidade e em conformidade com o modelo constitucional de processo.

111

4.1 Presunção de não culpabilidade: o horizonte do processo penal democrático

A presunção de não culpabilidade, também conhecida como presunção de inocência,

estado jurídico de inocência, situação de inocência, etc. é o princípio basilar de qualquer

construção processual penal calcada em preceitos democráticos, configurando, conforme

aponta Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p. 378) um dos mais importantes corolários do

devido processo penal. Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 173) anota que não

há como estruturar os princípios fundamentais do processo penal senão partindo do princípio

segundo o qual ninguém poderá ser considerado culpado sem que exista, antes, uma decisão

penal condenatória transitada em julgado. Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 11),

parafraseando Goldschmidt afirma que “se o processo penal é o termômetro dos elementos

autoritários ou democráticos de uma Constituição, a presunção de inocência é o ponto de

maior tensão entre eles”. E segue o citado autor afirmando que o princípio em tela é um

princípio fundamental de civilidade, fruto da opção ideológica de proteção ao indivíduo, vez

que o maior interesse é que todos os inocentes sejam protegidos, ainda que o preço dessa

proteção seja a impunidade de algum culpável.

Segundo ensina Amilton Bueno de Carvalho (CARVALHO, 2011, p. 7), a presunção

de não culpabilidade é dever constitucional do juiz, que deve iniciar o procedimento

convencido da inocência do acusado. Trata-se de um pré-juízo constitucional. Assim, somente

poderá existir a condenação caso, esgotados todos os esforços interpretativos, for impossível a

sentença absolutória.

Juan Montero Aroca (AROCA, 1997, p. 153) ensina que o princípio da não

culpabilidade se trata de uma garantia processual, não afetando a qualificação do delito ou a

responsabilidade penal de seu autor. Porém, atende à culpabilidade do agente de forma que

deverá resultar comprovada sua participação no crime que lhe for imputado.

O princípio da não culpabilidade significa que “ninguém pode ser considerado

culpado sem uma sentença, obtida em um julgamento (...) que o declare como tal. Por

imposição constitucional, então, toda pessoa inocente, e assim deve ser tratada, enquanto

não for declarada sua culpa em uma sentença judicial” (BINDER, 2003, p. 85). E

complementa Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 88) que o que se espera do princípio da não

culpabilidade é que ninguém seja considerado e nem tratado como culpado antes da sentença

penal condenatória, impedindo que o acusado tenha um julgamento prévio.

112

Dessa forma, feliz é a síntese de Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p. 280) que

afirma que o princípio da não culpabilidade expressa “o direito do cidadão, envolvido numa

persecução penal, à não-consideração prévia de sua culpabilidade, isto é, de não poder ser

tido como culpado até que coberto pela coisa julgada do decisum condenatório”.

Preferimos adotar, frise-se, a denominação de princípio da presunção de não

culpabilidade, tendo em vista que o ordenamento Constitucional brasileiro, vigente desde

1988, afirma em seu art. 5º, LVII que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em

julgado de sentença penal condenatória” 108. Assim, o legislador Constituinte estabeleceu que

não se pode considerar o indivíduo culpado antes da sentença penal condenatória passada em

julgado, daí falarmos em presunção de não culpabilidade.

Trata-se de presunção relativa e não de presunção absoluta, eis que se admite prova

em contrário, podendo ser quebrada por força de sentença penal condenatória transitada em

julgado. Porém, infelizmente, mesmo após mais de vinte anos da vigência da Constituição da

República muitos ainda ignoram este princípio presumem o acusado culpado até que ele prove

o contrário, em verdadeira ignorância do texto constitucional e completa dissonância com o

regime democrático.

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 173) aponta que o princípio em

análise remonta aos escritos de Trajano, no Direito Romano. Porém, na idade média, a

implantação do procedimento inquisitório abandonou a presunção de não culpabilidade, visto

a presunção adotada pela inquisição era a de culpabilidade, cabendo ao acusado a prova de

sua inocência.

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 87) aponta o princípio da não culpabilidade nem

sempre foi reconhecido, tendo o positivismo criminológico e certas tendências processuais de

cunho autoritário limitado este status a alguns acusados, v. g. os criminosos ocasionais

Entre nós o princípio da não culpabilidade não é novo, tendo sido previsto, ainda que

de forma frágil, na maioria dos ordenamentos constitucionais brasileiros, desde os mais

liberais até os mais autoritários. Porém, somente com a Constituição de 1988 é que o

princípio da não culpabilidade ganhou previsão expressa. Valendo a ressalva de que a

Constituição da República de 1988 foi a primeira carta política a prever os direitos

fundamentais em seus artigos iniciais, denotando a importância dada a esses direitos pela

Constituição Cidadã. Kildare Carvalho (CARVALHO, 2007, p. 587) anota que a colocação

topográfica dos direitos fundamentais no início da constituição seguiu o modelo, dentre

108 Grifos nossos.

113

outras, das constituições do Japão, México, Portugal e Espanha, tendo significado de que

todas as instituições estatais deverão ser submetidas aos direitos fundamentais, os quais estão

obrigadas a observar. Assim, a presunção de não culpabilidade não é exclusividade do

processo penal, ao contrário, deve ser observada em toda e qualquer esfera jurídica ou em

todas as funções do Estado, seja jurisdicional, administrativa ou legislativa.

Ainda que de forma rudimentar, o princípio da presunção da não culpabilidade

encontrava-se presente já na Constituição de 1824, podendo ser extraída do artigo 179, incisos

VII e IX 109, que previam a impossibilidade de existir prisão antes da formação da culpa.

Denota-se que não há a previsão do princípio da presunção de não culpabilidade de forma

expressa, mas tão somente o impedimento da prisão ser decretada ou mantida sem a formação

da culpa denota que os acusados eram presumidos não culpados pelo sistema constitucional

então vigente.

Seguindo a forma arcaica da Constituição imperial, a primeira Constituição

Republicana, de 1891, manteve a regulamentação da não culpabilidade de forma bastante

superficial. Assim, previu em seu art. 72110, no título destinado à declaração de direitos, a

impossibilidade da prisão anterior à pronúncia do acusado (§13) ou a impossibilidade de se

conservar a prisão sem que fosse formada a culpa do indivíduo (§14).

A Constituição de 1934, que vigorou até o ano de 1937, não previu o princípio da

presunção de não culpabilidade, sequer de forma implícita, como fizeram suas antecessoras.

Nos artigos destinados aos direitos e garantias individuais sequer há referência ao princípio

em análise.

109 Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: (...) VIII – Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em Lei; e nestes, dentro de vinte e quatro horas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do Juiz; e nos lugares remotos dentro de um prazo razoável, que a Lei marcará, atenta a extensão do território, o Juiz por uma nota, por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes do seu acusador e o das testemunhas, havendo-as. IX – Ainda com culpa formada, ninguém será conduzido à prisão, ou nela conservado estando já preso, se prestar fiança idônea, nos casos que a Lei admite; e em geral nos crimes que não tiverem maior pena do que a de seis meses de prisão, ou desterro para fora da comarca, poderá livrar-se solto. 110 Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes: (...) §13. À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se, senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente. §14. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, salvas as exceções especificadas em lei, nem levado à prisão, ou nela detido, se prestar fiança idônea, nos casos em que a lei a admitir.

114

Por sua vez a Constituição de 1937, vigente durante a ditadura de Getulio Vargas,

sob a qual nasceu o vigente Código de Processo Penal (1941), retomou a forma rudimentar da

previsão do princípio da presunção de não culpabilidade. Desse modo, previu em seu art. 122,

inciso 11, dentre os direitos e garantias individuais, que a prisão somente poderia ocorrer

mediante a pronúncia do indiciado e que ninguém poderia ser mantido na prisão sem culpa

formada.

Em novo retrocesso, a Constituição de 1946 repetiu a carta de 1934 e não previu

expressamente o princípio da não culpabilidade. Sequer mencionou o princípio de forma

implícita, como fizera a Constituição de 1937. No mesmo sentido foi a Constituição de 1967,

que também não faz qualquer referência à presunção de não culpabilidade, da mesma forma

que a emenda constitucional de 1969.

Somente em 1988, com a Constituição vigente, é que o princípio da presunção de

não culpabilidade foi trazido para dentro do ordenamento Constitucional positivo brasileiro,

que trouxe sua previsão no art. 5º, LVII. A Constituição de 1988, chamada de “Constituição

Cidadã”, previu o princípio da presunção de não culpabilidade de forma expressa e de modo a

garantir que nenhuma pessoa possa ser tratada como se culpada fosse senão após a sentença

penal condenatória, o que traz inúmeras conseqüências, que serão trabalhadas nas próximas

linhas.

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 173) anota que o Código de Rocco

de 1930, fonte de inspiração do vigente Código de Processo Penal brasileiro, não consagrou o

princípio da presunção de inocência, aqui tratado como presunção de não culpabilidade, por

considerá-lo como sendo excesso de individualismo e garantismo.

Na seara internacional a presunção de não culpabilidade encontra previsão expressa

desde a Declaração de Direitos do Homem e Cidadão, de 1789, que, em seu artigo 9º111, o

previu como presunção de inocência.

A presunção de não culpabilidade também foi prevista pelo no art. XI, inciso 1112, da

Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que também tratou o referido princípio

como presunção de inocência.

Por sua vez a Convenção para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades

Fundamentais, assinada em Roma no ano de 1950, também trouxe a presunção de inocência

111 Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. 112 Artigo XI 1. Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

115

em seu texto, garantindo, em seu art. 6º113, que a pessoa acusada de uma infração seria

presumida inocente enquanto sua culpa não resultasse legalmente comprovada.

Destaque-se, ainda, que a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos, Pacto de

São José da Costa Rica, de 1962, que somente adentrou no ordenamento jurídico brasileiro

interno somente em 1992 pelo Decreto 678/1992, também previu a presunção de inocência

em seu art. 8º, inciso 2114, prevendo o princípio da presunção de inocência dentre outras

garantias mínimas processuais.

No regime democrático não há espaço para a presunção de culpa, deve-se tratar a

todos aqueles que forem acusados como se fossem inocentes e não como se fossem, de

antemão, culpados. Assim, a culpa somente poderá ter origem na sentença penal condenatória,

e ressaltamos, não basta a mera decisão, contra essa sentença não poderá mais ser cabível

113 Artigo 6.º Direito a um processo eqüitativo Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privadas partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça. Qualquer pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo. 114 Art. 8º Garantias judiciais: (...) 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, se não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua livre escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

116

qualquer recurso, em outras palavras, deverá a sentença condenatória possuir a marca do

trânsito em julgado.

Adotar o princípio da não culpabilidade possui duas importantes vertentes, a primeira

denota verdadeira norma de tratamento, eis que o acusado deve ser tratado, enquanto não

houver contra ele sentença penal condenatória transitada em julgado, como não culpado, ou

seja, não poderá sofrer restrições ou ser discriminado pelo fato que é acusado. A segunda

conseqüência, não menos importante, refere-se à distribuição do ônus probatório no processo

penal, pois, se o acusado é presumidamente não culpado, todo o ônus da prova recairá sobre

os ombros daquele que formula a acusação (Ministério Público ou Querelante), que deverá

provar todos os elementos do crime que, se não comprovados de maneira satisfatória, não

serão capazes de afastar a presunção constitucional de não culpabilidade e impondo-se uma

sentença absolutória.

Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 155) aponta que o princípio da presunção de não

culpabilidade, que garante que será preservado o estado de inocência até o trânsito em julgado

da sentença condenatória, implica em diversas conseqüências para o tratamento do acusado

pelos agentes do Estado na aplicação das normas processuais:

a) Prevalência do princípio in dubio pro reo na valoração da prova, ao proferir sentença e o quadro probatório não conferir um juízo de certeza; b) imposição para a acusação de fazer a prova sobre o fato imputado, sendo que o réu não necessita provar sua inocência, a não ser que pretenda exculpar-se; c) extrema cautela no exame da hipótese de imposição de prisão cautelar; d) dispensar tratamento ao réu, considerando-o pessoa humana digna e presumidamente inocente durante o processo. (THUMS, 2006, p. 155)

Eugênio Pacelli de Oliveira anota que a adoção do princípio da não culpabilidade,

chamado pelo referido autor de princípio da presunção de inocência, implica no esvaziamento

da clássica afirmação in dúbio pro reo, vez que:

Ora, se a inocência institui-se como direito subjetivo, toda e qualquer flexibilização desse direito deverá partir da afirmação de uma certeza judicial; primeiro, somente quando a restrição estiver prevista em lei, a decisão judicial restritiva puder assentar-se em fundamentação igualmente constitucional, de tal modo que a aplicação do Direito não se resuma ao mero juízo de subsunção de um fato à norma. De outro modo: como o princípio da inocência é, a um só tempo, direito (material) e garantia (procedimental), as restrições a ele deverão se submeter, sempre a um juízo de ponderação em cada caso concreto, pela simples razão de que, antes do trânsito em julgado, elas somente poderão ser justificadas por razões de natureza reconhecidamente cautelares. E, essas, as razões cautelares, instrumentais, que são, porque dirigidas à tutela do processo e da jurisdição penal, não estão ao alcance do legislador. (OLIVEIRA, 2004, p. 174, grifos no original)

117

Como afirmamos, a presunção de não culpabilidade deve estar sempre presente no

horizonte do intérprete das normas processuais penais que busque a conformidade entre o

Processo Penal, o modelo democrático e o Processo Constitucional.

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 175) lembra que a presunção de não

culpabilidade deve(ria) ter maior importância, sobretudo no tratamento destinado pelos

julgadores aos acusados, obrigando àqueles a manterem uma posição positiva (tratando o

acusado efetivamente como não sendo culpado) e não uma postura meramente negativa

(apenas não considerando o acusado culpado).

Dessa forma, Aury Lopes Júnior extrai do princípio da presunção de não

culpabilidade as seguintes conclusões:

a) Predetermina a adoção da verdade processual, relativa, mas dotada de um bom nível de certeza prática, eis que obtida segundo determinadas condições.

b) Como conseqüência, a obtenção de tal verdade determina um tipo de processo, orientado pelo sistema acusatório, que não impõe a estrutura dialética e mantém o juiz em estado de alheamento (rechaço à figura do juiz inquisidor – com poderes investigatórios/instrutórios – e consagração do juiz de garantias ou garantidor.

c) Dentro do processo, traduz-se em regras para o julgamento, orientando a decisão judicial sobre os fatos (carga e prova).

d) Traduz-se, por último, em regras de tratamento do acusado, posto que a intervenção do processo penal se dá sobre um inocente. (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 175)

Por fim, conclui Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 177) conclui que a

presunção de não culpabilidade é um princípio reitor do processo penal e deve ser

maximizada em todas suas nuances, especialmente no que tange à carga probatória e às regras

de tratamento do acusado (prisões abusivas e limitação à publicidade que causa

estigmatização do acusado).

Impõe lembrarmos que o acusado, durante o processo não é culpado, apenas acusado,

eis que demandará prova clara de sua culpabilidade que, não sendo produzida, levará

fatalmente à sentença absolutória. Em razão do princípio da não culpabilidade, lembra

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 89), o acusado não tem qualquer obrigação de provar sua

inocência. Se ele (acusado) é presumidamente não culpado, a não culpabilidade deve ser a

regra, exigindo, para a condenação, prova segura e precisa da culpabilidade, caso esse estágio

não seja atingido, a situação de não culpabilidade permanecerá inalterada.

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 90) anota que enquanto não for provada, pela

sentença, a culpabilidade do acusado ele não poderá, de maneira alguma, ser tratado como

118

culpado. Aponta o autor argentino que essa forma de tratamento constitui o núcleo do

princípio da não culpabilidade.

Entre as mais relevantes conseqüências dessa forma de tratamento decorrente da

presunção de não culpabilidade, está o regime jurídico das prisões e das medidas cautelares.

Se o acusado não poderá ser tratado como culpado, também não poderá ter restrita, de forma

alguma, sua liberdade como forma de aplicação antecipada da pena. Isso nos levará à

conclusão de que toda restrição da liberdade, antes do trânsito em julgado da sentença penal

condenatória, deve derivar de absoluta necessidade e fundamentar-se em bases cautelares para

serem legítimas.

Assim, as medidas cautelares, devem obrigatoriamente possuir caráter instrumental

ao processo e não atuar como mera antecipação da pena privativa de liberdade, de forma que é

urgente revisar os requisitos e pressupostos das prisões cautelares no sistema processual penal

brasileiro. Eugênio Pacelli de Oliveira afirma que “a prisão do inocente [não culpado] será

sempre possível desde que fundada em razões acautelatórias dos interesses da jurisdição

penal, e desde que devidamente fundamentada” (OLIVEIRA, 2004, p. 176). E conclui o autor

que a não culpabilidade, por ser um princípio previsto constitucionalmente, somente poderá

ser afastada para a tutela de princípios da mesma hierarquia, como a efetividade do processo e

a jurisdição penal (OLIVEIRA, 2004, p. 177).

As prisões cautelares somente poderão ser decretadas em último caso e segundo

requisitos de extrema necessidade e de adequação da medida, porém até a edição da lei

12.403/2011, não havia no processo penal nenhuma medida intermediária em relação à prisão,

assim, ou o acusado estava solto ou estava preso. Com a edição da referida lei, foram criadas

no ordenamento jurídico pátrio medidas cautelares diversas da prisão, ficando a prisão

designada ao último caso. Este é o teor do art. 282 do Código de Processo Penal, após a

redação da Lei 12.403/2011115.

Verifica-se, pela leitura do referido art. 282 do Código de Processo Penal que a

prisão preventiva somente poderá ser decretada em último caso e segundo critérios de

115 Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. (...) §4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). (...) §6º A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar.

119

necessidade e adequação da medida. Essa restrição à prisão preventiva é decorrência do

princípio da não culpabilidade, vez que somente quando for estritamente necessário é se

poderá restringir a liberdade individual de quem ainda não é culpado. Não basta sequer a

prisão em flagrante116 justificar a prisão do acusado, mesmo aquele que é colhido em flagrante

delito continuará sendo presumidamente não culpado. Repita-se, somente a sentença penal

condenatória, calcada em provas concretas e com ampla fundamentação, é que poderá quebrar

a presunção de não culpabilidade.

Dessa forma, toda prisão para ser decretada antes do trânsito em julgado da sentença

penal condenatória deverá ter natureza eminentemente cautelar, visando resguardar o processo

e não antecipar futura (e incerta) pena privativa de liberdade. Eis porque, devem ser tidos por

inconstitucionais os pressupostos da prisão preventiva consistentes na garantia da ordem

pública e da ordem econômica eis que não tem qualquer vinculação cautelar.

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 188) afirma que para a decretação de

qualquer medida coercitiva não deve ser levada em consideração a probabilidade da

existência do direito da acusação, mas a possibilidade da existência de um fato aparentemente

punível. Assim, aponta o autor citado que o requisito para a decretação da prisão cautelar deve

ser considerado o fumus commissi delicti, como possibilidade de ocorrência de um delito, ou,

na linguagem do Código de Processo Penal, a prova da existência do crime e indícios

suficientes de autoria.

Porém, não basta apenas o requisito da aparente existência do crime e dos indícios de

autoria, é necessário que a liberdade do acusado acarrete riscos ao desenvolvimento regular

do processo, devendo a prisão ser fundamentada no periculum libertatis (LOPES JÚNIOR,

2010c, p. 189).

Assim, somente quando a prisão preventiva assegurar fins eminentemente cautelares

é que poderá ser decretada, não podendo representar mera antecipação da pena a ser imposta

ao acusado e, muito menos, forma de castigá-lo de forma antecipada. Lembre-se que o preso

preventivo permanece não sendo culpado, devendo, portanto, ser considerado não culpado e

assim ser tratado por todos os envolvidos na persecução penal.

Também como reflexo direto do princípio da não culpabilidade tem-se que o uso das

algemas deve ser restringido aos casos efetivamente necessários, ou seja, quando existir risco

116 Ressalte-se que a prisão em flagrante não configura uma medida cautelar no processo penal, mas apenas uma medida pré-cautelar de natureza pessoal (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 37), que possui dois objetivos bem definidos: impedir a prática do crime e preservar as provas do delito. Uma vez exauridos os referidos objetivos, deve a prisão ser convertida em preventiva, caso estejam presentes seus pressupostos e requisitos, ou, caso não seja hipótese de prisão preventiva, deve ser restituída a liberdade do preso, devendo durar, no máximo, 24 horas (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 39).

120

fundado de fuga ou resistência do preso, o que deverá ser justificada pela autoridade que

ordenar a utilização das algemas. Assim, não baste o simples argumento de que as algemas

foram utilizadas para a segurança das pessoas envolvidas e do próprio acusado. Visando

restringir a utilização indevida das algemas, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula

Vinculante nº 11117, na qual se afirma que a utilização das algemas somente poderá ocorrer

em casos de resistência, fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física daqueles que

atuarem no ato em que as algemas foram necessárias.

As algemas não podem ser utilizadas como forma de estigmatizar o acusado, de

modo a criar nos presentes no ato processual a imagem de uma pessoa perigosa e que

efetivamente cometeu o delito. O acusado tem consigo, durante todo o procedimento até o

trânsito em julgado da sentença penal condenatória, a presunção de não culpabilidade.

Assim, nas audiências o acusado somente poderá permanecer algemado de forma

excepcional, quando as circunstâncias fáticas demonstrarem a absoluta necessidade da

utilização das algemas, não bastando o mero receio ou a justificativa de que as algemas foram

mantidas para a segurança dos presentes no ato processual. Deve haver motivação idônea,

fundada em elementos concretos, para que o acusado seja mantido algemado na sala de

audiências, não basta o simples temor hipotético, que, por vezes esconde a sádica vontade de

humilhar e estigmatizar o acusado, sob pena de ser nula toda a audiência de instrução e

julgamento na qual o acusado permaneceu imotivadamente algemado. Contudo, ainda falta

coragem aos Tribunais pátrios para anular as audiências de instrução e julgamento nas quais o

acusado permanece algemado durante o ato, valendo destaque a posição firmada pela Quinta

Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que vem anulando,

inclusive de ofício, procedimentos nos quais o acusado tenha permanecido imotivadamente

algemado, como se verifica no seguinte acórdão da lavra do desembargador Amilton Bueno

de Carvalho118:

PROCESSUAL PENAL. SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF. INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO OBJETIVA PARA A MANTENÇA DAS ALGEMAS. NULIDADE DO ATO. A mantença do réu com algemas na audiência instrutória deve ser concreta e objetivamente justificada, por imperativo da súmula vinculante nº 11 do STF. É

117 Súmula vinculante nº 11 – Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada, excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado. 118 No mesmo sentido o acórdão 70030002109 também relatado pelo Desembargador Amilton Bueno de Carvalho e a Apelação Criminal nº 70028751154, 5ª Câmara Criminal do TJRS, Rel. Des. Luís Gonzaga da Silva Moura, j. em 29.04.2009.

121

inidônea a motivação que, por genérica e impessoal, torna regra que todos os acusados conduzidos a determinado Foro, indistintamente, permanecerão algemados. Tratamento incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana. Anularam, em parte, o processo. Por maioria. (RIO GRANDE DO SUL, TJ, Habeas Corpus 70035235290, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, 2010)

Em seu voto afirmou o Desembargador Amilton Bueno de Carvalho:

Os cidadãos que não demonstram, objetivamente, com seu comportamento concreto, a intenção de se rebelar contra a execução do ato legal têm o direito de receber tratamento que respeite a dignidade da pessoa humana. E o uso de algemas – todos sabemos – tem sim efeito sugestivo da culpabilidade do acusado. (RIO GRANDE DO SUL, TJ, Habeas Corpus 70035235290, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, 2010)

O acusado preso não deve ser exposto à mídia, como, infelizmente, é prática

recorrente em nosso país. Deve o Estado resguardar sua imagem e evitar sua exposição. A

participação da imprensa no processo penal deve(ria) resumir-se à cobertura dos fatos e a

noticiar os acontecimentos, porém sem exageros e sensacionalismos. A imprensa é

fundamental na fiscalização democrática, porém a exposição da imagem do acusado acaba por

violar sua dignidade, art. 1º, III119 e art. 5º XLIX120 da Constituição da República, e formar a

opinião pública de que aquele indivíduo, preso, é culpado, normalmente antes mesmo do

oferecimento da denúncia. O sensacionalismo midiático acaba por condenar o indivíduo antes

do próprio Judiciário, esquecendo que ainda brilha ao lado do acusado a presunção de não

culpabilidade.

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 187) anota que a publicidade do julgamento

possui duas conseqüências: ao mesmo tempo que implica em garantia na estruturação do

processo penal, implica no fato de que, mesmo após sentença absolutória, o simples fato de

ter sido submetido a um julgamento já é capaz de gerar constrangimentos ao acusado. Por

esse motivo, a decisão de iniciar o processo penal não deve ser fruto de precipitação, devendo

a ação penal, antes de iniciada estar calcada em provas que levem a crer na real possibilidade

de sua procedência.

119 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; 120 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

122

Apesar da publicidade ser um dos princípios da administração pública, conforme

dispõe o art. 37 da Constituição da República, bem como ser um dos princípios da função

jurisdicional, art. 93, IX, também da Constituição, Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR,

2010c, p. 180) afirma que se trata de uma garantia secundária, destinada à tornar o

processo/debate transparente. Contudo, segue o autor citado, a publicidade exagerada é

convertida em antigarantia. “A publicidade abusiva, comprovadamente, causa distorção no

comportamento dos sujeitos processuais (promotores, advogados e juízes), aumentando ainda

mais o estigma do imputado” (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 180).

A presunção de não culpabilidade é completamente esfacelada com a exposição

excessiva dos fatos pela imprensa. A mídia realiza julgamentos paralelos, o que afeta,

consoante ao que diz Aury Lopes Júnior (2010c, p. 183) a relação entre o juiz e o acusado,

sobretudo na decisão final. O princípio da presunção da não culpabilidade é massacrado pela

publicidade abusiva e pelos julgamentos prévios, sendo a dúvida dirimida inconscientemente

pelo falso princípio in dubio pro societate, quando a dúvida somente poderia levar à

absolvição.

Também relacionado ao princípio da presunção de não culpabilidade coloca-se a

distribuição do ônus da prova no Processo Penal. Conforme dispõe o art. 156 do Código de

Processo Penal, que já foi nosso objeto de estudo quando tratamos do princípio acusatório no

segundo capítulo deste trabalho, o ônus probatório pertenceria àquela parte que fizesse a

alegação.

Diante do texto do referido art. 156 do Código de Processo Penal a doutrina

majoritária121 e a jurisprudência122, talvez ainda vinculadas ao hábito de interpretar a

Constituição à escuridão do Código de Processo Penal, ou, ainda vinculada à clássica

distribuição do ônus probatório, acaba dividindo o ônus da prova no processo penal atribuindo

à parte acusadora, Ministério Público ou querelante, o ônus de provar a existência de um fato

típico, sua autoria e materialidade, enquanto à defesa competiria o ônus probatório das

121 Adotando essa posição: Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, 2010, p. 564-565); Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2009, p. 296); Fernando Capez (CAPEZ, 2011, p. 380). Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2005, p. 344) adota a posição que criticamos, porém faz ressalva de que o ônus da prova destinado à defesa de comprovar as excludentes não deveria ser levado à extremos, caso a defesa produzisse provas capazes de colocar em dúvida o julgador, o acusado deveria ser absolvido e não condenado. Contudo, tal posição cria uma verdadeira zona nebulosa que, se adotada, levaria às mãos da subjetividade do julgador e nos afastaria do processo penal democrático que defendemos. 122 Nesse sentido, vale citar à título meramente exemplificativo como decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “Em que pese os esforços da defesa, não há também como acolher a tese de legítima defesa. Isto porque não logrou êxito o apelante em demonstrar a existência dos requisitos configuradores da aludida causa de justificação. É cediço que a alegação de legítima defesa impõe, àquele que a invoca, o ônus inafastável de demonstrá-la de forma inconcussa e estreme de dúvida.” (MINAS GERAIS, TJ, Apelação Criminal 1.0555.08.008564-3/001(1), rel. Des. Furtado de Mendonça, 2011)

123

excludentes, caso fossem alegadas. Porém, como afirma Aury Lopes Júnior (LOPES

JÚNIOR, 2010a, p. 537) trata-se de vício rançoso, visto que a carga do acusador é de provar

que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável).

É de necessidade extrema que referido artigo 156 do Código de Processo Penal seja

lido em conformidade constitucional, sendo que a primeira alegação refere-se à autoria e a

materialidade, competindo à acusação a prova da existência do delito (LOPES JÚNIOR,

2010a, p. 537; 2010c, p. 178). Assim, se, segundo dispõe o art. 5º, LVII da Constituição da

República, ninguém será considerado culpado sem o trânsito em julgado de sentença penal

condenatória, não podemos concluir de forma distante senão aquela que afirma ser o ônus

probatório integralmente daquele que promove a acusação, Ministério Público (ação penal

pública) ou ao querelante (ação penal privada ou privada subsidiária da pública).

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 179) afirma que, no Processo Penal é

como se a acusação iniciasse o procedimento com uma enorme carga probatória, constituída

não somente pelo ônus de provar a autoria do crime, mas também pela necessidade de

derrubar a presunção de não culpabilidade, chamada pelo autor de presunção de inocência.

Em complemento Paulo Rangel (RANGEL, 2006, p. 418) afirma que a regra do art. 5º, LVII

da Constituição da República promove uma inversão total do ônus da prova, impondo ao

Ministério Público todo o ônus da prova e, qualquer dúvida que restar em relação à

comprovação do fato imputado ao acusado deve ser resolvida em seu favor, não sendo capaz

de quebrar a presunção de não culpabilidade.

Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2009, p. 296) afirma que, em razão do

princípio da não culpabilidade, tratado pelo autor como situação jurídica de inocência, a prova

da materialidade do fato (existência do crime) e sua autoria competiria exclusivamente à

acusação (Ministério Público ou querelante), enquanto à defesa competiria o ônus da prova

das excludentes de ilicitude e de culpabilidade.

Porém, não concordamos com a posição de Eugênio Pacelli de Oliveira, eis que se o

acusado é tido por não culpado, toda a carga probatória deve recair sobre a acusação,

competindo a ela comprovar todos os elementos do crime que imputa ao acusado. Assim, se o

crime é um fato típico, ilícito e culpável, compete à acusação todo o ônus probatório de

comprovar cabalmente seus elementos, cabendo à defesa tão somente a faculdade de refutar a

prova produzida pela acusação. Aury Lopes Júnior afirma que:

Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina (e rançosa jurisprudência), ao afirmar que à defesa incumbe a prova de uma alegada excludente. Nada mais equivocado, principalmente se compreendido o dito até aqui. A carga do acusador é

124

de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação. (LOPES JÚNIOR, 2010a, p. 537)

Logo, devemos ter no princípio da presunção de não culpabilidade a tônica para

distribuir o ônus da prova no processo penal, diante desse princípio competirá à acusação toda

a carga probatória da existência do crime, com todos seus elementos (tipicidade,

antijuridicidade e culpabilidade), bem como de sua autoria. Nesse diapasão, é imprescindível

a revisão crítica e em conformidade constitucional da doutrina e a jurisprudência que

entendem, de forma bolorenta, competir à defesa o ônus da prova das excludentes. Dessa

forma, deve-se interpretar a distribuição do ônus probatório para que este seja adequado ao

princípio da não culpabilidade.

Além de todo ônus probatório recair sobre a parte acusadora, o acusado não tem

qualquer obrigação de produzir qualquer prova, ao contrário, vigora em seu benefício o

princípio da não auto incriminação, ou, nemo tenetur se detegere. Eugênio Pacelli de Oliveira

(OLIVEIRA, 2004, p. 207) aponta que o referido princípio tem origem na necessidade de

superação do regime absolutista, portanto, possui vínculos ao liberalismo. Ainda segundo o

autor citado (OLIVEIRA, 2004, p. 209), o direito ao silêncio é uma exigência do próprio

princípio da presunção de não culpabilidade, que gera, como conseqüência à atribuição do

ônus probatório à acusação.

Juan Montero Aroca (AROCA, 1997, p. 153) ensina que o acusado não tem qualquer

ônus probatório, não precisa provar nada, a prova de toda a imputação recai sobre os

acusadores de forma a que sua falta leva à sentença absolutória. Assim, a presunção de não

culpabilidade somente poderá restar quebrada quando houver, no processo prova válida,

produzida em conformidade com o Direito (prova lícita), em contraditório (produzida em

contraditório jurisdicional) e desde que sejam assegurados ao acusado todos os meios de

defesa e argumentação necessários (ampla argumentação).

Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p. 362-363) aponta as origens do direito a não

auto-incriminação no desenvolvimento do ius cummune e no processo penal canônico.

Contudo, o autor citado afirma que o direito de permanecer calado somente foi incorporado ao

rol de direitos fundamentais do individuo de modo enfático a partir da edição da 5ª emenda da

Constituição Norte-Americana, de 1791. Por sua vez Luigi Ferrajoli (FERRAJOLI, 2006, p.

560) aponta que o princípio da não auto-incriminação foi enunciado por Hobbes e foi

125

recebido desde o século XVII pelo direito inglês, configurando a primeira máxima do

garantismo processual acusatório.

O princípio da não auto incriminação encontra previsão expressa no ordenamento

constitucional brasileiro no art. 5º, LXIII, da Constituição da República123, que, apesar de

assegurar o direito ao silêncio apenas aos presos, aplica-se a todo e qualquer acusado, não

havendo qualquer razão para que fosse diferente. Consiste o direito ao silêncio,

concomitantemente, na proteção do silêncio do acusado e, via de conseqüência, na proteção

contra sua auto-incriminação (TUCCI, 2004, p. 363).

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, e a Convenção Européia

de Direitos Humanos, de 1950, não se referiam ao direito à não auto-incriminação e,

conseqüentemente, não adotavam o direito ao silêncio. Somente no Pacto Internacional Sobre

Direitos Civis e Políticos (Decreto 592/1992), em seu artigo 14, 3, “g”124 é que o direito à não

auto-incriminação foi expressamente previsto. Após, a Convenção Americana Sobre Direitos

Humanos (Pacto de São José da Costa Rica – Decreto 678/1992) também adotou o princípio

da não auto-incriminação de modo expresso em seu art. 8º, 2, “g”125 (TUCCI, 2004, p. 365).

Vimos, no primeiro capítulo, que a ampla defesa pode ser exercida pela auto defesa e

pela defesa técnica, sendo que a primeira pode ser dividida em ativa ou passiva, a não auto

incriminação corresponde ao exercício da auto defesa passiva, na qual o acusado126 deixa de

colaborar ativamente com a investigação ou com a instrução processual adotando postura

passiva. Apesar do texto constitucional afirmar que apenas o direito de permanecer calado, a

não auto incriminação abrange tanto o direito ao silêncio como a participação em qualquer

outro meio de prova, assim, o acusado não é obrigado a participar de reconhecimentos,

123 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; 124 ARTIGO 14 (...) 3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, a, pelo menos, as seguintes garantias: (...) g) de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada. 125 Art. 8º Garantias judiciais (...) 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada. 126 Utilizamos da expressão “acusado” em sentido amplo, devendo, portanto, ser entendido de forma a abranger tanto o acusado em processo jurisdicional como o indiciado e o investigado.

126

reconstituições, acareações, etc. e nem a ceder material para quaisquer exame pericial. Em

síntese, o acusado não tem qualquer obrigação de participar ativamente ou de praticar

qualquer ato probatório.

Juan Montero Aroca aponta que o direito ao silêncio é uma manifestação da

presunção de não culpabilidade, devendo ser garantido ao acusado no processo penal o direito

de não participar dos atos processuais e, inclusive, o direito de mentir (AROCA, 1997, p. 156-

158).

Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 209) afirma que o direito ao

silêncio é, ao mesmo tempo, uma afirmação da situação jurídica de inocência (princípio da

presunção de não culpabilidade) e uma forma de controle da idoneidade da prova que exige

que uma eventual decisão condenatória não seja baseada na maior ou menor habilidade do

inquiridor e na ausência de raciocínio lógico ou de tranqüilidade do acusado.

Além de não ser obrigado a participar, o acusado não tem qualquer obrigação com a

verdade, podendo, inclusive mentir em seu interrogatório. O interrogatório tem natureza de

ato de defesa, que, eventualmente, poderá ser utilizado como elemento para a formação do

convencimento do juiz, desde que em conjunto com as provas produzidas nos autos. Assim,

no momento do interrogatório, o acusado não está produzindo provas, mas exercitando a auto

defesa, passiva ou ativa, sendo aquele momento a oportunidade para que ele possa relatar a

própria visão dos fatos a ele imputados, mesmo que esta não seja verídica.

Alberto Binder afirma que o acusado tem o poder de decisão sobre seu depoimento,

somente ele poderá determinar o que quer ou o que interessa declarar. Assim, pode-se dizer

que o acusado não tem dever de dizer a verdade e, de sua mentira, assim como de seu silêncio,

não se poderá extrair argumentos para prejudicá-lo, eis que o ato do interrogatório possui

natureza de meio de defesa do acusado e não de produção probatória. Em complemento,

afirma que o processo penal não busca a confissão, como buscava nos procedimentos

inquisitoriais medievais, não podendo o Estado utilizar de quaisquer dispositivos, meios,

astúcias ou pressão para provocar a confissão do acusado (BINDER, 2003, p. 135-136).

O Código de Processo Penal brasileiro, mantém em seu texto o art. 198127, que

permite ao juiz valorar o silêncio do acusado para a formação de seu convencimento.

Obviamente que o referido artigo não foi recepcionado pela Constituição da República, eis

que, como vimos, o texto constitucional prevê o direito ao silêncio fazendo com que o

acusado não possa ser punido por exercer um direito constitucionalmente previsto. Se não

127 Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

127

bastasse a não recepção, a reforma realizada no interrogatório, promovida pela Lei

10.792/2003, alterou a redação do art. 186128 e previu, em conformidade com a disposição

constitucional, que o acusado deve ser cientificado do direito ao silêncio e que o exercício

desse direito não poderá ser utilizado em seu prejuízo, revogando, tacitamente, o disposto no

art. 186, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Assim, o silêncio não poderá

prejudicar o acusado eis que constitui seu direito, sendo o art. 186, parágrafo único, do CPP

um fantasma que insiste em vagar e a assombrar Código de Processo Penal brasileiro, mesmo

mais de vinte e três anos após a vigência da Constituição, já passou da hora de exorcizar esse

tipo de alma penada.

Outro fantasma que insiste em perambular na doutrina e jurisprudência e que seu

exorcismo demanda urgente visitação ao princípio da não culpabilidade é o repetido

“princípio” “ in dubio pro societate”, ou, na dúvida para a sociedade. A utilização mais

recorrente do referido “princípio” consiste na decisão de pronúncia, art. 413129 do Código de

Processo Penal brasileiro, que remete o acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri, na qual

não se exige a prova da autoria do fato, mas apenas indícios suficientes. Fala-se então que

nessa fase vigoraria o “princípio” “in dubio pro societate”, como afirma Fernando Capez

(CAPEZ, 2011, p. 639), o mesmo autor adota o referido “princípio” inclusive para

fundamentar a prisão preventiva (CAPEZ, 2011, p. 325).

Contudo, nem a Constituição e nem o Código de Processo Penal falam ou

mencionam o “princípio” “in dubio pro societate”, ou seja, ele não existe em nosso

ordenamento jurídico, e nem poderia existir, afinal o legislador constituinte pretendeu

constituir um Estado Democrático de Direito e, nesse modelo, a única presunção que se

permite é em benefício do acusado, que é presumidamente não culpado. Afirma Paulo Rangel

(RANGEL, 2006, p. 79) com muita propriedade que o “chamado princípio do in dubio pro

societate não é compatível com o Estado democrático de Direito, onde a dúvida não pode

autorizar uma acusação, colocando uma pessoa no banco dos réus”.

Não existindo o referido “princípio”, então o que fundamenta a pronúncia? E a prisão

preventiva? A decisão de pronúncia é mera decisão interlocutória de admissibilidade da

acusação para julgamento pelo juiz natural dos crimes dolosos contra a vida: o Tribunal do

Júri. Assim, não deverá o juiz, nessa fase, excluir o julgamento do órgão constitucionalmente

128 Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. 129 Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria e de participação.

128

destinado a julgar aqueles crimes. Portanto, não é o “in dubio pro societate” que fundamenta a

pronuncia, ele sequer existe, a pronúncia não exige juízo de certeza apenas por ser uma

decisão interlocutória que admite a acusação para o julgamento pelo juízo natural. Também a

prisão preventiva, como vimos, não tem qualquer lastro com esse princípio imaginário, ela

está vinculada ao juízo de cautelaridade para assegurar o próprio processo penal em casos de

extrema necessidade.

Conclui-se, pois, que o devido processo penal legal, segundo os preceitos do

processo acusatório e exigência do Estado Democrático de Direito, o acusado tem o direito

(não é nenhum favor do Estado ou nenhum benefício ao acusado, é um direito!) de ser

considerado não culpado até que a presunção, de natureza relativa, seja quebrada por sentença

penal condenatória fundamentada em provas concretas, produzidas pela parte acusadora, de

sua culpabilidade. Isso implica diretamente no fato de que o acusado não é obrigado a

produzir qualquer prova contra si mesmo, afinal, se é presumido não culpado, o acusado tem

o direito de conservar a presunção e não é obrigado a se incriminar.

4.2 Recolocando os sujeitos em seus lugares para a formatação do processo penal democrático

A construção do processo penal nos moldes constitucionais, segundo o modelo

constitucional de processo construído no capítulo inicial, demanda a revisão da posição dos

sujeitos processuais. Como vimos, a partir da teoria do processo como procedimento em

contraditório, desenvolvida por Fazzalari, houve verdadeira ruptura na teoria do processo de

origem na teoria da relação jurídica cunhada por Bülow, retirando o provimento das mãos

solitárias do juiz para colocá-lo nas mãos daqueles que serão afetados pela decisão. Também

vimos que a adoção do sistema acusatório retira das mãos do juiz a prova para determinar que

todo material probatório seja produzido pelas partes.

Porém a mudança proporcionada pelo abandono da teoria da relação jurídica e pela

adoção do processo acusatório não reduz a importância do juiz no processo democrático, e

nem o coloca em posição de submissão em relação às partes. Ao contrário, redefine o papel

do magistrado para colocá-lo como garantidor dos direitos fundamentais das partes, dentre os

quais está o direito de participação da construção do provimento.

129

Dierle José Coelho Nunes (NUNES, 2009, p. 198) anota que uma verdadeira

democracia processual somente será obtida com a assunção da co-responsabilidade social e

política de todos os envolvidos, conforme balizamentos constitucionais e técnicos que

estruturem o procedimento para que atenda as exigências de legitimidade e de eficiência

técnica.

Por outro lado, a adoção do sistema acusatório nos moldes pretendidos pelo

legislador constituinte de 1988, também demanda uma revisão do papel de cada um dos

sujeitos no processo penal. Como vimos o processo acusatório atribui às partes o dever de

participar da construção do provimento e impede a atuação probatória do juiz (gestão da

prova). Em um sistema acusatório, o juiz deve permanecer afastado da prova, sob pena de

corromper a imparcialidade que lhe é exigida para valorar a prova produzida pelas partes. O

juiz deve deixar de ser ator do processo para figurar como seu espectador, esse é o preço a ser

pago para termos o sistema acusatório (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 83). Contudo, como bem

salienta Alexandre de Morais da Rosa (ROSA, 2010, p. 129) os discursos alarmistas atuais

fomentam a idéia de que o juiz deva se colocar em um lugar paranóico, buscando uma suposta

verdade absoluta que sabemos que jamais será encontrada no processo. Retirar o juiz desse

papel paranóico, segue Alexandre de Morais da Rosa, parece ser o grande desafio do processo

penal contemporâneo.

Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 172) defende a idéia de que não se

deve vedar completamente a iniciativa probatória do juiz, o que, segundo o autor, limitaria

perigosamente a função jurisdicional e poderia causar prejuízos ao acusado que, em um país

como o Brasil, normalmente tem a defesa técnica patrocinada por defensores públicos ou

dativos. Segundo o autor citado, o que deveria ser vedado é a substituição das funções

acusatórias pela atuação do juiz, podendo a atuação jurisdicional suprir deficiência da defesa.

Contudo, em que pese ser louvável a preocupação, entendemos que a posição não se

conforma com o processo democrático, eis que, o juiz deve assegurar a participação

isonômica das partes, assegurando que a defesa tenha efetividade e qualidade suficientes para

atuar. E nem se diga da deficiência do Estado em prover recursos à defensoria pública, pois

somente teremos democracia processual quando os pobres forem assistidos por uma

defensoria pública tão bem estruturada e remunerada quanto é o Ministério Público. A falta de

estrutura do Estado não pode servir de justificativa para o protagonismo judicial, eis que hoje

aceitamos o ativismo para uma das partes, amanhã poderá ser para a outra. Com Natalie

Ribeiro Pletsch:

130

Ora, não é preciso trazer aos autos elementos de prova para atestar que o acusado é inocente, já que esta presunção deve ser destruída pela prova – e não construída -, conforme orientação imposta pela Constituição da República. O empenho em buscar provas para absolver o réu representa, em certa medida, uma prática corrente na justiça brasileira, ou seja, fundamentar as decisões favoráveis ao acusado e, em certa medida, produzir provas sobre aquilo que não precisa ser provado. O papel do magistrado quando se trata de conferir paridade de armas às partes não deve ser no sentido de suprir a incompetência da defesa inapta. Ao contrário, sua função é a de exigir do advogado uma postura ativa, ética e responsável pelo exercício da defesa de seu assistido. A superação da desigualdade, ou melhor, a redução do desequilíbrio das partes importa desrespeito do acusado como sujeito processual e de todas as garantias que devem imunizá-lo contra os excessos do poder estatal. (PLETSCH, 2007, p. 71)

Assim, é imprescindível para a construção democrática do processo penal que seja

revisto e redimensionado o papel de cada um de seus agentes (juiz, Ministério Público, Defesa

acusado e da vítima). Somente dessa forma poderemos construir um modelo constitucional e

democrático conforme o modelo acusatório adotado pela Constituição da República. E mais, o

processo democrático somente poderá ser construído se todos seus partícipes perceberem que

têm igual responsabilidade na construção da decisão, necessitando da percepção da

interdependência entre todos os sujeitos processuais de modo a garantir a existência de uma

advocacia e de uma magistratura fortes e com enormes responsabilidades, formação técnica e

poderes para o exercício de suas funções (NUNES, 2009, p. 198). Com Dierle José Coelho

Nunes:

Uma verdadeira democracia processual será obtida mediante a assunção da co-responsabilidade social e política de todos os envolvidos (juízes, partes, advogados, órgãos de execução do Ministério Público e serventuários da Justiça) segundo balizamentos técnicos e constitucionais adequados, de modo a estruturar um procedimento que atenda às exigências tanto de legitimidade quanto de eficiência técnica. (NUNES, 2009, p. 198)

Como vimos, o juiz não tem qualquer posição de superioridade em relação às partes,

o que não significa que esteja em posição de inferioridade. O julgador deve ser colocado no

mesmo plano das partes, em posição de igualdade e de forma que nenhum dos sujeitos figure

em posição predominante em relação aos demais. O processo constitucional democrático

exige a construção do provimento pelas mãos de todos seus sujeitos, não sendo obra de

nenhum deles sozinho.

O regime democrático adotado pela Constituição não abre espaço para o

protagonismo judicial, típico do Estado Social de Direito, porém, ainda somos obrigados a

conviver com decisões que colocam o julgador no topo do processo, deixando as partes o

mero papel de assistentes. Como decidiu o Ministro Humberto Gomes de Barros em decisão

que deve ser lembrada para não ser repetida:

131

Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade da minha jurisdição. O pensamento daqueles que não são Ministros deste Tribunal importa como orientação. A eles, porém, não me submeto. Interessa conhecer a doutrina de Barbosa Moreira ou Athos Carneiro. Decido, porém, conforme minha consciência. Precisamos estabelecer nossa autonomia intelectual, para que este Tribunal seja respeitado. É preciso consolidar o entendimento de que os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Humberto Gomes de Barros decidem assim, porque pensam assim. E o STJ decide assim, porque a maioria de seus integrantes pensa como esses Ministros. Esse é o pensamento do Superior Tribunal de Justiça, e a doutrina que se amolde a ele. É fundamental expressarmos o que somos. Ninguém nos dá lições. Não somos aprendizes de ninguém. Quando viemos para este Tribunal, corajosamente assumimos a declaração de que temos notável saber jurídico — uma imposição da Constituição Federal. Pode não ser verdade. Em relação a mim, certamente, não é, mas, para efeitos constitucionais, minha investidura obriga-me a pensar que assim seja. (BRASIL, STJ, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 279889, rel. Min. Peçanha Martins, 2002 – Voto do Ministro Humberto Gomes de Barros)

O juiz, no processo democrático, não deve ocupar o centro do palco processual,

devendo dividir essa posição com as partes. O processo democrático não tem apenas um

protagonista, possuindo como protagonistas as partes que lançam suas pretensões de validade

no decorrer processual, bem como o juiz que proferirá a decisão. (ROSA, 2006, p. 369) A

decisão não é fruto da consciência do julgador, como aduz a citação do Ministro Humberto

Gomes de Barros, o provimento é o resultado da construção comparticipativa das partes.

Consoante afirma Dierle José Coelho Nunes (NUNES, 2009, p. 203), a percepção

democrática do direito rechaça qualquer possibilidade de que um sujeito solitário possa captar

a percepção do bem viver em sociedades plurais e complexas, sendo que, no âmbito jurídico,

a decisão e a aplicação do direito fazem necessária a percepção de uma procedimentalidade na

qual todos os interessados possam influenciar a construção das decisões.

Eugênio Raúl Zaffaroni, em prefácio da obra “O Tempo como Pena” de Ana

Messuti, afirma que dentre os robóticos engenhos do mundo penal o juiz aparece como

suposto terceiro e toma os fantoches penais como partes na ilusão de ser o terceiro

responsável por fazer justiça. Dessa forma, o juiz retribui o mal ao ofensor na crença que,

assim agindo, estaria fazendo justiça e restauraria o direito, podendo voltar no tempo para

reparar a lesão, o crime deixaria de existir por sua mágica sentença. O juiz onipotente atua em

nome do Estado como se fosse emissário divino. Ou ainda pior, atua crendo que sua tarefa é a

de ser o sistema imunológico da sociedade, chamando para si uma identidade leucocitária

(MESSUTI, 2003, p. 14).

O processo penal no paradigma do Estado Democrático de Direito não comporta o

juiz ator, protagonista, este modelo de juiz volta-se ao inquisidor, prima por colocar a hipótese

132

em preponderância sobre os fatos. O juiz deve deixar às partes a atuação ativa, apenas

interferindo para fins de assegurar a isonomia entre os sujeitos. Isso não faz com que o

julgador se torne condescendente com o crime ou com a criminalidade, mas apenas o faz

imparcial e assegura às partes a isonomia necessária para que possam participar da construção

do provimento.

O juiz no Estado Democrático de Direito não é nem o juiz inerte do paradigma

liberal e nem o juiz justiceiro do Estado Social, deve encontrar seu lugar no equilíbrio como

garantidor dos direitos fundamentais e, consequentemente, assegurar que as partes tenham

iguais oportunidades de fala e de produção probatória durante o procedimento.

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, ao apresentar a obra “(Re)forma do Processo

Penal” de autoria da Professora Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2009, p. XXXVI)

aponta que o juiz, em um processo verdadeiramente democrático, deve ficar distante da

colheita de prova, e da iniciativa probatória, visto que o juiz que produz a prova de ofício

compromete sua conduta futura, e, evidentemente, sua decisão. Joga, dessa forma, por terra

qualquer possibilidade de um processo penal efetivamente democrático e da cidadania que

gravita em seu entorno. Em complemento, Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2009,

p.80) afirma que se pretendemos um sistema acusatório, devemos acabar com os poderes

instrutórios do juiz bem como extirpar toda atuação judicial que substitua a atuação

constitucional da acusação.

Contudo, é relevante que distingamos a vedação do juiz da colheita e da iniciativa

probatória da possibilidade do juiz exercer atividade probatória para sanar dúvidas em relação

à prova já produzida. Como lembra Leonardo Augusto Marinho Marques (MARQUES, 2009,

p. 151), a atividade probatória do juiz é relevante e compatível com o princípio acusatório e o

com o princípio da separação de poderes, derivando de uma leitura constitucionalmente

adequada que reconhece o juiz como sujeito de conhecimento que interage com a realidade.

Assim, ao juiz, no processo penal acusatório será vedado a iniciativa probatória, não a

interação com a prova já produzida, desse modo, o

ordenamento jurídico, em sua integridade, não sugere a absolvição pela dúvida, quando a convicção do juízo está ao alcance de uma simples pergunta à testemunha, à vítima ou ao acusado, nas audiências, ou ao alcance de um mero pedido de esclarecimento ao perito. (MARQUES, 2009, p. 151)

Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 53), calcado nas lições de Mittermaier, anota que

o objeto do processo penal é a reconstrução de uma verdade histórica sobre um fato, todavia,

133

afirma o autor citado, esta verdade não poderá ser rotulada de material, substancial ou

material, que é impossível de ser alcançada. Dessa forma, torna-se impróprio afirmar que o

juiz, ao proferir a sentença criminal é o dono da verdade material, se o juiz “descobrisse a

verdade” através da sentença, os tribunais não as reformariam em decisões contrárias às do

juízo de primeiro grau. Assim, a sentença não reflete a verdade material ou real, mas a

reconstrução dos fatos. Reconstrução esta que não pode ser capitaneada pela atuação

jurisdicional, mas deve ser realizada, em contraditório, pelas partes. Lembremos que o juiz

participa do processo, mas não é contraditor, visto que o contraditório deverá ser

desenvolvido entre as partes, devendo julgar segundo a argumentação e as provas levadas

pelas partes ao processo e não construir, ele próprio a decisão. Contudo, mesmo que o

contraditório seja realizado entre as partes, o juiz não é excluído do processo, devendo

garantir que o processo seja efetivamente realizado em contraditório, adotando todas as

providências necessárias para garanti-lo (GONÇALVES, 1992, p. 121-130).

Alexandre de Morais da Rosa (ROSA, 2006, p. 263) percebe que o juiz, percebido

como sujeito do processo, não participa como mero autômato, mas tem sua participação

vinculada às decisões proferidas durante o procedimento e no seu final, no exercício de sua

função jurisdicional. Dessa forma, segue o citado autor calcado nas lições de Aroldo Plínio

Gonçalves e de Fazzalari, o juiz participa do processo, mas não tem sua atuação confundida

com as partes, eis que não é contraditor, lhe competindo garantir a regularidade da produção

dos significantes probatórios e expedindo o provimento que levará em consideração os

argumentos construídos pelas partes durante o provimento.

Dessa forma, o juiz participa ativamente do processo, competindo-lhe buscar, em

conjunto com as partes, a construção da decisão que, como vimos, não é fruto de sua solitária

construção, mas produto do trabalho conjunto entre o julgador e as partes. Assim, o juiz no

paradigma do Estado Democrático de Direito deve buscar fixar os pontos controvertidos e

chamar as partes para que participem da produção da sentença, levando ao processo

argumentos racionais que integrarão a decisão.

O contraditório, nos termos construídos no primeiro capítulo, impõe ao juiz que

provoque o debate sobre todas as questões, mesmo aquelas que ele poderia, segundo a lei,

decidir de ofício, impedindo qualquer forma de decisão surpresa, o contraditório deve ser

desenvolvido durante todo o processo, tanto em relação às atividades das partes como do juiz.

(NUNES, 2009, p. 229-232) Dessa forma, o juiz tem papel de assegurar que as partes tenham

iguais oportunidades de discurso na construção do provimento, garantindo-lhes todos os

meios para que possam efetivamente construir o provimento jurisdicional.

134

Assim, toda decisão que não tenha sido precedida de argumentos racionais trazidos

pelas partes não pode ser considerada válida segundo o modelo constitucional de processo que

aqui adotamos como marco de uma estrutura processual democrática. Isso se aplica desde os

casos mais simples até os mais complexos, qualquer decisão deve ser precedida do debate,

competindo ao juiz assegurar e estimular o diálogo endoprocessual entre as partes.

A submissão de todos os aspectos potencialmente relevantes da decisão ao

contraditório demonstra que o poder do juiz no processo não é absoluto, o juiz é falível como

todos os demais sujeitos. Dessa forma, a decisão será mais adequada, e legítima, se todos os

envolvidos tiverem conhecimento de seus mais relevantes aspectos (NUNES, 2009, p. 231).

Assim sendo, deve o juiz expor claramente os pontos controvertidos no processo, delimitando

a matéria que devem as partes deverão trabalhar em seus arrazoados, orais ou escritos, para

construir a decisão.

O juiz do paradigma do Estado Democrático de Direito não é o juiz inerte do Estado

Liberal, bem como não é o justiceiro e interventor do Estado Social. O juiz democrático deve

estar aberto aos argumentos das partes, deixando a estas a construção do provimento. Deve

estar presente no palco processual, sem, contudo, ofuscar os demais atores do processo. O

processo democrático não comporta nem o protagonismo das partes (Liberalismo) e nem o

protagonismo judicial (Estado Social), o palco processual democrático é amplo o suficiente

para que partes e juiz possam atuar sem que um se sobreponha ao outro. Cada um em sua

função, e a tarefa primordial do juiz é de garantir que o espaço necessário para o diálogo seja

efetivamente obedecido.

Ao magistrado cumpre, na alta modernidade, o papel democrático de garantidor dos direitos fundamentais, não podendo ser omisso em relação à realidade social e devendo assumir sua função institucional decisória num sistema de regras e princípios, embasado no debate endoprocessual, e no espaço público processual, no qual todos os sujeitos processuais e seus argumentos são considerados e influenciam a formação dos provimentos. (NUNES, 2009, p. 256)

Assim sendo, deve o juiz, antes da instrução processual, delimitar os pontos que

devem ser objeto da prova, lembrando que todo ônus probatório da existência do crime (fato

típico, ilícito e culpável) deve ser atribuído à parte de acusação (Ministério Público ou

querelante), enquanto à defesa restará o papel de fazer a contra-prova. Fixando os pontos de

prova, o juiz esclarecerá os pontos que deverão ser objeto de prova pela acusação e também

aqueles que deverão ser combatidos pela defesa, implementando o diálogo racional e a

construção conjunta da decisão.

135

Ao final da instrução, deve o juiz possibilitar que as partes explicitem eventuais

diligências que entendam cabíveis (art. 402, CPP130), instigando, através da explicitação de

eventuais dúvidas, a participação das partes. O juiz deve participar do processo, mas sem

produzir provas de ofício. A decisão não pode ser fruto da surpresa, ela deve ser construída

passo a passo através de argumentos levados pelas partes, assim, o juiz pode, e, deve, expor

suas dúvidas, chamando as partes ao debate endoprocessual e democrático durante todo o

procedimento.

Mesmo as dúvidas que surjam após a instrução devem ser compartilhadas entre todos

os co-autores da decisão, que poderão argumentar e participar de sua solução. Assim, caso a

prova produzida em contraditório demonstre circunstância fática diversa daquela narrada na

acusação, o juiz deverá ouvir as partes sobre a aplicação da mutatio libelli (art. 384, CPP131),

sendo que o aditamento jamais poderá ser determinado pelo juiz, mas conclusão do próprio

órgão de acusação. Caso não haja aditamento, ou caso os argumentos levados pelas partes

demonstrem que os fatos provados são os narrados na denúncia e, portanto, não há o que se

falar em aditamento, deverá o juiz julgar o caso penal nos exatos limites dos argumentos

trazidos pelas partes. Caso haja o aditamento da acusação, deve-se oportunizar que a defesa se

manifeste em relação ao mesmo, podendo produzir novas provas, restabelecendo o

contraditório e o debate endoprocessual, ao qual estará o julgador vinculado.

Toda essa participação deve restar evidenciada na sentença, que, através da

fundamentação, deve analisar todos os argumentos e provas levados pelas partes,

evidenciando a efetiva participação delas na construção do provimento.

Nesse sentido, Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 133) afirma que na estrutura de

um processo penal em conformidade com o Estado Democrático de Direito a busca da

verdade é limitada pelas próprias limitações do Estado Democrático de Direito, tornando

impossível a obtenção da verdade material ou histórica. Assim, o processo reconstruirá uma

verdade formalizada, ou formal, também denominada de “verdade forense”.

130 Art. 402. Produzidas as provas, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e, a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos apurados na instrução. 131 Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em conseqüência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento quando feito oralmente. (...) §2.º Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.

136

Contudo, o Código de Processo Penal vigente mantém o juiz em posição de destaque

e soberania em relação às partes. Nesse sentido, prevê inúmeras medidas de ofício a serem

adotadas pelo juiz a seu arbítrio, como, v.g., remeter os autos do inquérito ao Procurador

Geral de Justiça por discordar do arquivamento requerido pelo Ministério Público (art. 28);

nomear curador ao ofendido menor ou incapaz (art. 33132); declarar extinta a punibilidade (art.

61133 e art. 497, IX134); decretar seqüestro de bens do acusado (art. 127135); determinar a

venda dos bens seqüestrados após o trânsito em julgado da decisão penal condenatória (art.

133136); proceder à verificação de falsidade de documento (art. 147137); instaurar incidente de

insanidade mental (art. 149138); produzir provas (art. 156; art. 168139); realizar o interrogatório

por videoconferência (art. 185, §2º140); proceder a novo interrogatório do acusado (art.

132 Art. 33. Se o ofendido for menor de 21 (vinte e um) e maior de 18 (dezoito) anos, ou mentalmente enfermo, ou retardado mental, e não tiver representante legal, ou colidirem os interesses deste com os daquele, o direito de queixa poderá ser exercido por curador especial, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o processo penal. 133 Art. 61. Em qualquer fase do processo, o juiz, se reconhecer extinta a punibilidade, deverá declará-lo de ofício. Parágrafo único. No caso de requerimento do Ministério Público, do querelante ou do réu, o juiz mandará autuá-lo em apartado, ouvirá a parte contrária e, se julgar conveniente, concederá o prazo de 5 (cinco) dias para a prova, proferido a decisão dentro de 5 (cinco) dias ou reservando-se para apreciar a matéria na sentença final. 134 Art. 497. São atribuições do juiz-presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: (...) IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público de defesa, ou a requerimento de qualquer destes, a argüição de extinção de punibilidade; 135 Art. 127. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial, poderá ordenar o seqüestro, em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa. 136 Art. 133. Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão público. Parágrafo único. Do dinheiro apurado, será recolhido ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa fé. 137 Art. 147. O juiz poderá, de ofício, proceder à verificação da falsidade. 138 Art. 149. Quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal. 139 Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor. 140 Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor constituído ou nomeado. §2.º Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso, por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades: I – prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento. II – viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância pessoal; III – impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou vítima, desde que ao seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código. IV – responder à gravíssima questão de ordem pública.

137

196141); determinar a produção antecipada da prova testemunhal (art. 225142); determinar a

realização de busca e apreensão (art. 242143); decretar e modificar medidas cautelares, dentre

as quais a prisão (art. 282, §§2º e 4º); decretar a prisão preventiva (art. 311); aplicar

provisoriamente a interdição de direitos (art. 373144); aplicar medida de segurança

provisoriamente (art. 378, I145); ordenar a realização de diligência que considere

imprescindível (art. 404146); alterar a lista de jurados (art. 426, §1º147); determinar diligências

destinadas a sanar nulidade ou suprir falta que prejudique (art. 497, XI148); determinar a

restauração de autos (art. 541, II149); determinar que seja aplicada medida de segurança por

fato não criminoso (art. 554150); interpor recursos de ofício (art. 574151); conceder ordem de

habeas corpus (art. 564, §2.º152); restringir a publicidade da audiência (art. 792153)

141 Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes. 142 Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento. 143 Art. 242. A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes. 144 Art. 373. A aplicação provisória de interdições de direitos poderá ser determinada pelo juiz, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente, do ofendido, ou de seu representante legal, ainda que este não se tenha constituído como assistente: (...) 145 Art. 378. A aplicação provisória de medida de segurança obedecerá ao disposto nos artigos anteriores, com as modificações seguintes: I – o juiz poderá aplicar, provisoriamente, a medida de segurança, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público; (...) 146 Art. 404. Ordenado diligência considerada imprescindível, de ofício ou à requerimento da parte, a audiência será concluída sem as alegações finais. 147 Art. 426. A lista geral dos jurados, com indicação das respectivas profissões, será publicada pela imprensa até o dia 10 de outubro de cada ano e divulgada em editais afixados à porta do Tribunal do Júri. §1º. A lista poderá ser alterada, de ofício ou mediante reclamação de qualquer do povo ao juiz-presidente até o dia 10 de novembro, data de sua publicação definitiva. 148 Art. 497. São atribuições do juiz-presidente: XI – determinar, de ofício ou à requerimento das partes ou de qualquer jurado, as diligencias destinadas a sanar nulidade ou suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade; 149 Art. 541. Os autos originais de processo penal extraviados ou destruídos, em primeira ou segunda instância, serão restaurados. § 1o Se existir e for exibida cópia autêntica ou certidão do processo, será uma ou outra considerada como original. § 2o Na falta de cópia autêntica ou certidão do processo, o juiz mandará, de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes, que: a) o escrivão certifique o estado do processo, segundo a sua lembrança, e reproduza o que houver a respeito em seus protocolos e registros; b) sejam requisitadas cópias do que constar a respeito no Instituto Médico-Legal, no Instituto de Identificação e Estatística ou em estabelecimentos congêneres, repartições públicas, penitenciárias ou cadeias; c) as partes sejam citadas pessoalmente, ou, se não forem encontradas, por edital, com o prazo de dez dias, para o processo de restauração dos autos. § 3o Proceder-se-á à restauração na primeira instância, ainda que os autos se tenham extraviado na segunda. 150 Art. 554. Após o prazo de defesa ou a realização dos exames e diligências ordenados pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes, será marcada audiência, em que, inquiridas as testemunhas e produzidas alegações orais pelo órgão do Ministério Público e pelo defensor, dentro de dez minutos para cada um, o juiz proferirá sentença.

138

Deve o juiz democrático assumir postura de garantidor dos direitos fundamentais,

assegurando que as partes participem efetivamente da construção do provimento. Jacinto

Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2009, p. 114) afirma que a cultura acusatória

impõe aos juízes a função de garante, lugar este que a Constituição lhes reservou, dessa

forma, devem os magistrados assegurar a ordem posta e os cidadãos individualmente. Além

disso, deve garantir que as partes tenham todos os meios necessários para exercer amplamente

o direito de defesa e de argumentação, garantido o debate endoprocessual e a participação

efetiva das partes na formação dos provimentos.

Como conclui Dierle José Coelho Nunes:

O juiz não pode mais constranger, subjugar e submeter as partes, advogados e órgãos de execução do Ministério Público no âmbito da discussão e do debate endoprocessual, com base em suas pré-compreensões, uma vez que não há submissão destes a sua figura. Ao magistrado cumpre, na alta modernidade, o papel democrático de garantidor dos direitos fundamentais, não podendo ser omisso em relação à realidade social e devendo assumir sua função institucional decisória num sistema de regras e princípios, embasado no debate endoprocessual, e no espaço público processual no qual todos os sujeitos processuais e seus argumentos são considerados e influenciam na formação dos provimentos. (NUNES, 2009, p. 256)

Importantíssima a lição de Aury Lopes Júnior (NUNES, 2010c, p. 70) que afirma

que a legitimidade democrática do juiz não deriva da vontade da maioria, mas do caráter

democrático da própria Constituição. Em complemento, afirma Amilton Bueno de Carvalho

(CARVALHO, 2011, p. 24), não basta que a unanimidade queira a prisão do acusado, a

função do juiz não é a de agradar a massa, mas de preservar as garantias do cidadão, custe o

Parágrafo único. Se o juiz não se julgar habilitado a proferir a decisão, designará, desde logo, outra audiência, que se realizará dentro de cinco dias, para publicar a sentença. 151 Art. 574. Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos, em que deverão ser interpostos, de ofício, pelo juiz: I - da sentença que conceder habeas corpus; II - da que absolver desde logo o réu com fundamento na existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, nos termos do art. 411. 152 Art. 654. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. (...) § 2o Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal. 153 Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. § 1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. § 2o As audiências, as sessões e os atos processuais, em caso de necessidade, poderão realizar-se na residência do juiz, ou em outra casa por ele especialmente designada.

139

que custar, seja quem for, seja lá qual for o crime de que é acusado. E segue Amilton Bueno

de Carvalho (CARVALHO, 2011, p. 45) afirmando que o juiz que se busca na democracia é

legitimado como garante dos direitos fundamentais, não possuindo legitimação prévia pela

simples aprovação em concurso público, mas devendo se legitimar a cada ato, em cada

decisão proferida. A atuação do juiz no processo não pode se pautar em realizar os anseios

sociais, ao contrário, deve o magistrado se postar de maneira imparcial e garantir o equilíbrio

do contraditório, assegurando a verdadeira democracia processual. (ROSA, 2006, p. 266)

Dessa forma, o fundamento de legitimidade da jurisdição e da independência da

função jurisdicional está no reconhecimento do juiz como garantidor dos direitos

fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição.

A função do juiz no processo penal é a de garantir a eficácia do sistema de direitos e

garantias fundamentais do acusado, não devendo julgar segundo a vontade da maioria e não

podendo ficar inerte a violações e ameaças de lesão aos direitos fundamentais (LOPES

JÚNIOR, 2010c, p. 71). Em complemento, Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 35) afirma que a

atividade decisionista do juiz, baseada em sua credibilidade social, mas inatingível pelas

partes, não é legítima, assim, não será legítima a decisão que condena o acusado porque a

maioria das pessoas assim deseja. E complementa o professor carioca que a legitimidade da

decisão dependeria da correspondência entre o que o juiz afirma e as provas lícitas produzidas

no processo.

Geraldo Prado (PRADO, 2006, p. 35) afirma ainda que a legitimidade da atividade

jurisdicional condiciona-se à utilização de técnicas que imunizem o decisionismo judicial e

não iludam quanto à conquista da verdade real. Isso, continua o autor, somente ocorrerá se

forem assegurados os direitos e garantias fundamentais, permitindo que a acusação e a defesa

demonstrem as teses esposadas e as provas, reduzindo-se o subjetivismo inerente à todo

julgamento. Vamos além do que afirmou Geraldo Prado, a legitimidade democrática da

decisão está na participação das partes em sua construção, desse modo, somente será legítima

a decisão construída pelas partes, não sendo obra exclusiva do julgador. O juiz não é o

principal construtor da sentença, esse papel deve ser destinado às partes, devendo o juiz

assegurar-lhes os direitos e garantias fundamentais para que possam atuar de forma efetiva e

eficaz na construção da decisão, ou, na síntese de Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR,

2010c, p. 76), “a legitimidade da decisão decorre da razão e não do poder”.

Porém, para que o juiz possa assumir a função de garantidor dos direitos

fundamentais, é imprescindível que lhe sejam asseguradas garantias mínimas para que possa

atuar de maneira imparcial e independentemente, isento de pressões externas de qualquer

140

natureza. Para tanto, a Constituição (art. 95154) prevê como garantias dos magistrados a

vitaliciedade (impossibilidade de ser afastado do cargo, salvo por sentença judicial transitada

em julgado), inamovibilidade (impossibilidade de ser removido de uma comarca para outra,

salvo relevante motivo de interesse público) e irredutibilidade de subsídios (impossibilidade

de ter os vencimentos reduzidos). Ainda com o escopo de um julgamento imparcial, prevê o

Código de Processo Penal as causas de impedimento (arts. 252155 e 253156) e de suspeição

(art. 254157), visando que afastar o julgador daqueles procedimentos que possa ter algum

interesse em seu resultado.

Alberto Binder (BINDER, 2006, p. 101) afirma que a legitimidade social do

julgamento penal está baseada essencialmente na imparcialidade do julgador. Um julgamento

sob suspeita de parcialidade perde sua legitimidade e inutiliza o trabalho do Estado para evitar

o uso da força arbitrária e a vingança do particular. A imparcialidade legitima a decisão e faz

com que a intervenção penal seja percebida pelos cidadãos como um ato de poder legítimo.

Ainda visando um julgamento imparcial, a Constituição prevê como garantia

fundamental o princípio do juízo natural158, art. 5º, XXXVII, pelo qual o juízo competente

para o julgamento deve estar previamente previsto antes do fato. Aury Lopes Júnior (LOPES

154 Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias: I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado; II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII; III – irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, §4º, 150, II, 153, III, e 153, §2º, I. 155 Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I – tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II – ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III – tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito sobre a questão; IV – ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito. 156 Art. 253. Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive. 157 Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I – se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II – se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III – se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo ou afim , até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV – se ele tiver aconselhado qualquer das partes; V – se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI – se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo. 158 É comum ver na doutrina a referência ao princípio do juízo natural como sendo o princípio do juiz natural, ainda que a Constituição vede o juízo de exceção. Trata-se de confusão comum entre a figura do juiz e o órgão jurisdicional. O juiz refere-se à pessoa que exerce a função jurisdicional, o juízo à própria função. Assim, entendemos que o correto é referirmos ao juízo natural (função) e não simplesmente ao juiz (pessoa).

141

JÚNIOR, 2010c, p. 68-69) aponta que se trata de verdadeira exclusividade do juiz instituído

por lei para o exercício da jurisdição, impossibilitando a criação de juízos de exceção e a

escolha ou criação de juízes ou de tribunais especialmente atribuídos (após o fato) para o

julgamento de determinado delito. Consoante ensina Rogério Lauria Tucci (TUCCI, 2004, p.

116), apenas a Constituição poderá retirar antecipadamente dos órgãos da justiça comum a

competência para julgamento de demandas penais.

Assim, a competência deverá ser constitucionalmente estabelecida e legalmente

distribuída antes do fato, não se admitindo a criação de órgãos de julgamento, após o fato a

ser submetido a julgamento, com o escopo exclusivo de julgá-lo. Segundo aponta Gilberto

Thums (THUMS, 2006, p. 126) a garantia do juízo natural possui três sentidos: a) necessidade

de um juiz preconstituído; b) inderrogabilidade e indisponibilidade da competência; c)

proibição de juízes extraordinários ou especiais. Por sua vez, Aury Lopes Júnior (LOPES

JÚNIOR, 2010c, p. 67-68) anota outros três sentidos da garantia do juízo natural: a)

exclusividade dos órgãos instituídos constitucionalmente para o exercício da jurisdição; b)

fixação do juízo competente antes do fato, não podendo haver julgamento senão por órgão

instituído após o fato; c) existência de uma ordem taxativa de competência entre os juízes pré-

constituídos, excluindo-se qualquer alternativa de discricionariedade de quem quer que seja.

O juízo natural, aponta Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (COUTINHO, 2001, p.

34), é expressão do princípio da isonomia, visando extinguir os privilégios das justiças

senhoriais e a criação de tribunais de exceção, ad hoc ou post factum.

É importante destacar também, ao se discorrer sobre o papel do juiz no processo

penal democrático, o principio da identidade física do juiz, segundo o qual o juiz que houver

tido contato com a prova produzida na instrução jurisdicional deverá proferir a sentença. No

ordenamento processual penal brasileiro o princípio da identidade física do juiz não foi

previsto no Código de Processo Penal de 1941, somente em 2008, pela Lei 11.719, de 20 de

junho de 2008, que alterou os procedimentos e inseriu a identidade física do juiz no §2º do art.

399159 do Código de Processo Penal, é que este princípio passou a ser adotado expressamente

no processo penal brasileiro. Contudo, verifica-se que o legislador deixou de disciplinar o

referido princípio, não prevendo situações possíveis de afastamento do magistrado, como

férias, doença, aposentadoria, morte, etc., o que obriga ao intérprete a buscar, em

159 Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. §2.º O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.

142

interpretação analógica (art. 3º do CPP160), a regulamentação dada pelo Código de Processo

Civil à matéria (art. 132 do CPC161). Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 126) afirma que a

adoção do princípio da identidade física do juiz representaria o reconhecimento de um

princípio inquisitório visto que o juiz poderia decidir por elementos que não constassem

objetivamente dos autos. Entendemos de maneira diversa, a adoção do princípio da identidade

física do juiz possibilita um contato direto das partes com o julgador, viabilizando maior

possibilidade de participação direta na construção do provimento e, conseqüentemente, de

influência na formação da decisão, elementos do processo acusatório e democrático.

Para finalizar a recolocação do juiz como garantidor de direitos fundamentais, deve-

se perceber que de nada adianta a independência do juiz ser garantida pela norma, se o

julgador continuar a ser dependente do tribunal. Novamente com Aury Lopes Júnior (LOPES

JÚNIOR, 2010c, p. 72), “de nada adianta independência se o juiz é totalmente dependente do

pai-tribunal, sendo incapaz de pensar ou ir além do que ele diz”.

Amilton Bueno de Carvalho (CARVALHO, S.D. p. 1) relaciona a conduta do juiz

com o tribunal e as relações familiares. Assim, aponta o desembargador gaúcho que temos o

juiz na fase infantil, que tem o “pai” tribunal como um ídolo e em nada o contraria, assim,

somente decide seguindo o “pai”. Há também o juiz adolescente, que tem no “pai” o inimigo

a ser batido, nada que o tribunal faz está correto e suas decisões pecam e possuem graves

defeitos, assim, o juiz deve contradizer o tribunal. Por fim, temos o juiz maduro, onde o

tribunal nada mais é que o próprio tribunal, com seus erros e acertos, assim o juiz segue o

“pai” naquilo que entende ser correto e o contraria naquilo que entende incorreto. Aury Lopes

Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 72) afirma que não adiantará nada a independência do juiz

se este continuar dependendo do “pai-tribunal”, incapaz de pensar ou ir além das posições

“paternas”.

O juiz deve atuar com independência, inclusive em relação ao tribunal, devendo ter

maturidade para discordar do tribunal naquilo que deve discordar e concordar quando for

necessário concordar. Vê-se juízes vinculados de tal forma ao Tribunal que lhes basta a

decisão ter sido proferida por este ou aquele tribunal para presumir-se sua correção. “Quando

uma decisão vale porque proferida por este ou aquele tribunal, e não porque é uma boa

160 Art. 3.º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como suplemento dos princípios gerais de direito. 161 Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.

143

decisão, passa-se a ser um mero repetidor acrítico e autofágico, impedindo qualquer espécie

de evolução.” (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 72).

Cada vez mais as decisões dos tribunais são utilizadas como argumento de

autoridade para justificar as decisões, afinal, mais fácil buscar nos repertórios de

jurisprudência disponíveis na internet que fundamentar a decisão com base em argumentos

racionais. E esse tipo de utilização vem sendo cada vez mais utilizado, chegando ao ápice de

ser constitucionalmente regulamentado pela edição de súmulas vinculantes, onde basta sua

edição para que todo o trabalho argumentativo fique resumido à aplicação de um enunciado

oriundo de um grupo cuja toga foi capaz de colocar-lhes como guardiões e intérpretes

legítimos de toda a Constituição.

Aury Lopes Júnior (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 74) aponta que o juiz deve ser

consciente de seu papel de garantidor. Porém, não deve assumir o discurso de limpeza social,

colocando-se no papel de defensor da lei e da ordem, guardião da segurança pública e da paz

social. Esse juiz representa um gravíssimo perigo ao processo penal democrático, pois

transforma o processo em uma encenação inútil, meramente simbólica, pois, antes mesmo da

denúncia ser oferecida, já definiu a hipótese acusatória como a verdadeira. Esse tipo de juiz,

cada vez mais comum nos dias atuais, faz com que a decisão deixe de ser construída pelas

partes, agindo de forma paranóica, de modo a colocar a hipótese acusatória sobre os fatos.

O juiz, consciente de seu mister, não se pode deixar despir de sua natureza humana pela toga. Precisa racionalizar, inclusive seus medos. Deve ter presente a função democrático-garantidora que se lhe atribui a Constituição (especialmente o processo penal), jamais assumindo o papel de justiceiro, de responsável pelo sistema imunológico da sociedade, com uma posição mais policialesca que a própria polícia; mais persecutória que o próprio acusador oficial. Tolerância, humanidade, humildade, são atributos que não podem ser despidos pela toga e tampouco asfixiados pelo poder. (LOPES JÚNIOR, 2010c, p. 79)

Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 197-198) aponta que o juiz deve construir a

verdade judicial partindo da prova produzida, contudo, deve a prova ser resultado da

valoração argumentativa das partes, eis que o processo passou a ser um palco de

argumentação e não de mera reconstrução de eventos pretéritos atrelados à uma suposta

descoberta da verdade.

Em síntese, o juiz deve compartilhar a decisão com as partes, constituindo o processo

no espaço público discursivo no qual as partes, através do debate endoprocessual, irão

argumentativamente participar da construção da sentença. Assim, o papel do juiz é o de

garantir que a participação ocorra em igualdade de condições e que as partes possam atuar de

144

forma efetiva na construção do provimento, garantindo-lhes a efetivação e implementação dos

direitos fundamentais. Deve o juiz expor suas dúvidas e instigar as partes ao debate,

possibilitando a construção da decisão como obra conjunta e não pelas mãos de um único ser

privilegiado.

Porém, para que o juiz seja efetivamente imparcial é imprescindível que haja uma

profunda mudança de postura das partes do processo, que, segundo Aury Lopes Júnior

(LOPES JÚNIOR, 2010b, p. 1) são apenas o acusador e o réu.

Por conseguinte, a definição de partes deve ser elaborada a partir do objeto do processo penal, visto como a pretensão acusatória. Assim, são partes aquele que formula e aquele contra quem se formula a a pretensão acusatória objeto do processo penal, segundo as formas previstas na norma processual penal e tendo como destinatário o órgão jurisdicional. (LOPES JÚNIOR, 2010b, p. 5)

O Ministério Público é uma criação artificial que surgiu para possibilitar a existência

do processo acusatório (AROCA, 1997, p. 50), tendo origens no século XVII na França.

Valendo ressaltar que não é sua presença que marcará a existência do sistema acusatório, mas

a separação, como vimos, das tarefas de acusar, defender e julgar (THUMS, 2006, p. 253),

surgindo como contraditor natural do imputado por imposição do sistema acusatório para

exercer a função de parte acusadora (LOPES JÚNIOR, 2004, p. 1). A necessidade de uma

parte acusadora para exercitar o dever de punir do Estado e, ao mesmo tempo, impedir a

atuação do juiz inquisidor fez com que fosse criada uma parte artificial, o Ministério Público.

Apesar de artificialmente criado, sua atuação o coloca como verdadeira parte no processo

penal, eis que tem direito de ação e atua de forma a construir o provimento final.

Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 62) aponta que o Ministério

Público seria um órgão imparcial, apontando que o órgão possui dupla função, ambas

solidariamente abarcadas como garantias individuais. A primeira função seria a de tutelar

direitos subjetivos gerais (ou coletivos e difusos) que decorreria do fato de se atribuir a

titularidade da ação a um órgão imparcial que dela não poderá dispor no interesse da

coletividade. Tal função teria como contrapartida o dever estatal da ação penal. Por outro

lado, a segunda função seria relacionada à reserva da exclusividade da valoração do fato

criminoso nas mãos exclusivas do Ministério Público, atendendo a uma espécie de garantia

fundamental que impediria a formulação de imputações penais fora dos critérios de

impessoalidade e de racionalidade, portanto, de modo a atuar em favor do acusado. E segue o

autor citado (OLIVEIRA, 2004, p. 76) afirmando que essa imparcialidade do órgão acusatório

não diminui a pureza do conceito de parte no plano processual, devendo o Ministério Público

145

atuar em igualdade de condições com o acusado e submetido aos rigores da legalidade

procedimental.

Pacelli sustenta que o Ministério Público somente poderia ser considerado parte no

sentido formal na medida em que ocupa a posição de autor da ação penal e sustenta o pedido

condenatório. A partir do oferecimento da denúncia o Ministério Público deixaria de ocupar a

posição de parcialidade, desvinculando-se da pretensão punitiva para submeter-se unicamente

ao Direito, podendo, inclusive produzir provas no interesse da defesa e, ao final pedir a

improcedência da acusação por ele formulada. (OLIVEIRA, 2004, p 101)

Discordamos do professor citado, eis que entendemos que o Ministério Público, no

processo penal acusatório, nada tem de imparcial. E não deve ter. Trata-se, como afirmamos,

de uma parte criada para possibilitar a existência do princípio acusatório, dividindo a atuação

no processo jurisdicional com a defesa e o acusado e possibilitando que o juiz figure com

imparcialidade na construção do provimento. E nem se diga que o Ministério Público valorar

exclusivamente o fato criminoso, ou pedir a absolvição do acusado, o tornaria imparcial. É

dever daquele que iniciará o procedimento preencher seus requisitos, dentre os quais o

interesse de agir. Assim, ao iniciar o procedimento, deve a parte verificar a existência de justa

causa (conjunto probatório mínimo suficiente para sustentar o procedimento penal), sob pena

de não possuir interesse processual na demanda, isso não faz do Ministério Público imparcial,

mas apenas que não utilize do processo como forma de estigmatizar o acusado ou que não

abuse do processo penal em hipóteses que não seja viável a acusação. Por outro lado o

simples fato de poder pedir a absolvição do acusado também não torna o Ministério Público

um órgão imparcial, afinal, o acusado também poderá confessar a prática do delito em busca

de uma pena mais branda e isso não tornará o acusado imparcial. Assim, é o Ministério

Público parte no processo penal. A vinculação do Ministério Público ao princípio da

legalidade também não o faz imparcial, eis que o princípio da legalidade, em matéria penal e

processual penal, deve permear a todos os sujeitos ao processo penal.

No processo penal democrático é imprescindível que existam partes bem definidas,

cada qual com seu papel. A existência de partes bem definidas permite que o juiz permaneça

em posição de imparcialidade, bem como possibilita que o processo seja efetivamente

desenvolvido em contraditório e que as partes possam desenvolver amplamente a

argumentação, participando efetivamente da construção do provimento segundo o modelo

constitucional de processo. Dessa forma, a parcialidade do Ministério Público é

imprescindível para a delimitação do processo penal democrático, segundo a forma acusatória

pretendida, ainda que implicitamente, pela Constituição da República.

146

Porém, afirmar que o Ministério Público é parte no processo penal não significa dizer

que ele deverá ser transformado em acusador sistemático que desconhece os direitos e

garantias que formam o processo penal democrático, mas que assuma os ônus de ser o titular

da ação penal, na forma preconizada pelo art. 129, I, da Constituição da República. O

Ministério Público somente deverá atuar quando houver justa causa para a propositura da ação

penal e não em toda e qualquer situação que lhe apareça. Não deve, portanto, propor

procedimentos criminais temerários, baseados em leis teratológicas ou inconstitucionais,

deve, o Ministério Público, assim como os demais sujeitos processuais, zelar pelo

cumprimento da Constituição e das leis. A obrigatoriedade da ação penal não se confunde

com a compulsoriedade de mover a ação penal diante da notitia criminis. As normas

constitucionais e as garantias fundamentais impedem que o processo penal seja convertido em

instrumento de submissão do indivíduo a um julgamento sem justa causa (THUMS, 2006, p.

254). Alexandre de Morais da Rosa (ROSA, 2006, p. 137) afirma que a acusação precisa ser

obrigatória para tutelar o princípio da igualdade de tratamento estatal, evitando ponderações

discriminatórias do Ministério Público.

Uma vez fixada a posição de parte do Ministério Público, cumpre-nos verificar as os

princípios institucionais do Ministério Público trazidos pela Constituição Brasileira.

Conforme dispõe o art. 127, §1º162 da Constituição da República, o Ministério Público possui

como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

Fernando da Costa Tourinho Filho (TOURINHO FILHO, 2010, p. 393) ensina que a “unidade

manifesta-se porque os órgãos do Ministério Público atuam como parte de um todo

indivisível, e não como órgãos isolados”; a unidade significa que dentro dos quadros do

respectivo Ministério Público163 cada um de seus membros podem ser substituídos uns pelos

outros (TOURINHO FILHO, 2010, p. 394); já a independência funcional significa que os

membros do Ministério Público não estão subordinados hierarquicamente no que tange à

função, podendo atuar de acordo com a própria consciência (TOURINHO FILHO, 2010, p.

395).

É imprescindível para a adoção de um sistema acusatório e de um modelo processual

democrático que seja abandonada a concepção de que o Ministério Público seria uma parte

162 Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. §1.º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. 163 A Constituição em seu art. 128 divide o Ministério Público em Ministério Público da União (composto pelo Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios) e pelos Ministérios Públicos dos Estados.

147

imparcial. Isso é impossível, além de contraditório. O processo democrático demanda a

adoção do processo acusatório que, por sua vez, demanda um processo de partes. E, para a

configuração de um processo de partes, é imprescindível a existência de duas partes, aquela

que acusa (Ministério Público ou querelante) e aquela que sofre a acusação.

Natalie Ribeiro Pletsch anota que a separação do juiz e da acusação faz com que se

garanta a imparcialidade do juiz diante das partes e de outro imputa à acusação e da prova das

alegações. “Define, pois, não só a função do julgador diante do Ministério Público e da

defesa como o desatrela do papel de acusar, fundamental quando se compreende o acusado

como sujeito de direito e não objeto processual.” (PLETSCH, 2007, p. 67)

O Ministério Público, anota Leonardo Augusto Marinho Marques, exerce a função

acusatória no processo penal de forma satisfatória, não precisando de ter sua atividade

suplementada pelo juiz. Assim, o julgador deve ser impedido de substituir o acusador em

razão do princípio da separação dos poderes e pelo principio acusatório. “Desrespeitando-se

as regras do jogo, o processo penal se desnatura e se transforma em uma guerra de todos

contra um.” (MARQUES, 2009, p. 150)

Também é necessário rever a posição do Ministério Público no processo penal. É

necessário que a concepção passiva do acusador, normalmente substituída pelo magistrado,

seja abandonada pelo bem da democracia. O Ministério Público deve, no Estado Democrático

de Direito, se assumir efetivamente como titular da ação penal e assumir a ação penal, tal qual

a Constituição lhe incumbiu, com todos os ônus que isso lhe trará, principalmente de atuar

ativamente na produção da prova da imputação e de utilizar de manifestações realmente

fundamentadas, expondo, em uma análise profunda e cuidadosa dos autos, suas razões e o

lastro probatório que a fundamentaram. Dessa maneira, o Ministério Público assumirá seu

papel de parte e contribuirá com a construção de um processo penal democrático e

comparticipativo, onde a construção do provimento é tarefa das partes (acusação e defesa) em

contraditório e colocará o juiz em sua posição democrática de garantidor dos direitos

fundamentais.

E mais, atribuir com exclusividade a função acusatória para o Ministério Público, incluindo a proposição de provas, em nada diminui a magnitude da Magistratura. Se a dimensão participativa entregue ao Parquet resgata a cidadania e afirma a democracia, a tutela dos direitos fundamentais entregue aos Juízes consolida o constitucionalismo. Nesse ambiente argumentativo de abrangente proteção dos direitos humanos, a Constituição delegou aos Juízes a mais nobre responsabilidade. Portanto, o processo penal pode se satisfazer perfeitamente com a verdade possível ou, mais precisamente, a verdade construída processualmente com a contribuição das partes. (MARQUES, 2009, p. 150)

148

Assim, se de um lado está o Ministério Público164, de outro estará aquele que sofrerá

a acusação, o acusado. O acusado, outrora, foi visto como mero objeto do processo. Contudo

não se pode conceber o acusado como mero objeto, o acusado é sujeito de direitos e deve ser

tratado como tal. O acusado, lembra Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 258) é um dos

sujeitos essenciais do processo penal, conseqüentemente, como sujeito do processo seu

depoimento somente poderá ser considerado como meio de defesa e jamais como meio de

prova.

Como afirmamos linhas acima, deve-se ter presente que o acusado não é culpado,

devendo ser presumida sua não culpabilidade até que sua culpa seja provada, e reconhecida

por sentença penal condenatória transitada em julgado. Disso decorre diretamente, como

vimos, o direito ao silêncio e a não auto-incriminação. Também decorre o direito à somente

produzir provas se desejar e somente ser condenado se forem produzidas provas suficientes

para tal, eis que todo ônus probatório recai sobre o Ministério Público.

Para tanto, a Constituição assegura às partes o contraditório e a ampla defesa (aqui

trabalhada como ampla argumentação), visando que possam participar da construção do

provimento jurisdicional penal. Para participar de forma que sua argumentação seja ampla, o

acusado realiza sua auto-defesa e possui ao seu lado profissional habilitado (advogado ou

defensor público) que realizará a defesa técnica.

Porém a atuação da defesa deve ser efetiva, ou seja, realizada através de

manifestações fundamentadas, participar de todos os atos ativamente, etc. Não se pode aceitar

a defesa meramente formal, que agrada aos julgadores inquisitórios e não serve à democracia.

Se a decisão deve ser construída de forma conjunta, é imprescindível que a defesa atue de

forma ativa, afinal, sem ela a decisão será fruto da construção de apenas uma das partes e do

julgador, ou o que é pior, apenas obra do julgador. A falta de defesa é causa de nulidade do

procedimento, porém, de forma inexplicável sua deficiência somente anularia o processo se

demonstrado prejuízo ao acusado, é o teor da súmula 523 do Supremo Tribunal Federal165,

como se a deficiência da defesa, no processo penal, não causasse sérios danos ao direito do

acusado à ampla defesa e ao contraditório, ou, como se existisse uma defesa menos ampla.

Lamentável a referida súmula, urgindo sua modificação vez que a defesa deficiente é causa de

vício insanável do procedimento.

164 Estamos trabalhando com o sistema processual brasileiro que estabelece a ação penal pública incondicionada como regra. 165 Súmula 523 STF – No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

149

Consoante ensina Amilton Bueno de Carvalho (CARVALHO, 2011, p. 73), a

garantia da ampla defesa exige que seja assegurada mais que a simples presença física do

defensor, é necessário que sua atuação seja atuante e diligente no exercício de seu mister. “Em

outras palavras, a ampla defesa não se compatibiliza com defesa meramente formal e

burocrática, mas sim substancial e efetiva”.

Alberto Binder (BINDER, 2003, p. 260) afirma que o processo somente poderá ser

considerado legítimo caso o acusado tenha tido reais e suficientes oportunidades de defesa.

Não pode o imputado, portanto, renunciar ao direito de defesa.

Para possibilitar a participação, a Constituição da República coloca os defensores e o

Ministério Público em posição de igualdade, estabelecendo, em seu art. 133166, que o

advogado é indispensável à administração da justiça, conforme estabelece o art. 6º, da Lei

8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil)167. Porém, para que tal igualdade

seja de fato implementada, é imprescindível que grande parte dos advogados mudem de

postura para adotar conduta efetivamente condizente com a igualdade constitucional e

infraconstitucionalmente asseguradas, passando de uma postura de inferioridade em relação

aos magistrados e aos membros do Ministério Público para se postarem em igualdade em

relação a eles.

Vale destacar a posição de Antônio Scarance Fernandes (FERNANDES, 2010, p.

240) que afirma que no processo penal acusatório a igualdade exigida entre as partes deve

primar pela igualdade de direitos e obrigações entre o Ministério Público e a defesa. Assim,

diante da isonomia exigida, deve a lei permitir a realização de uma investigação realizada pela

defesa. Contudo, o vigente Código de Processo Penal não prevê qualquer forma de

investigação a ser realizada pela defesa, limitando-se à possibilidade de que a defesa requeria

à Autoridade Policial a realização de diligências que, a seu juízo, poderão ser realizadas ou

não, nos termos do art. 14 do Código de Processo Penal168. Antônio Scarance Fernandes

(FERNANDES, 2010, p. 241) afirma que, apesar de inexistir autorização expressa no Código

de Processo Penal, a defesa poderia realizar atos de investigação, não havendo vedação legal

não estaria o defensor impedido de investigar. Conclui o autor que a maior participação da

166 Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. 167 Art. 6.º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos. Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho. 168 Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.

150

defesa evitaria que o avanço do Ministério Público em direção à investigação e à interferência

no Inquérito Policial represente em excessivo desequilíbrio de forças entre as partes do

processo penal.

O Projeto de Novo Código de Processo Penal, por sua vez, permitiu que a defesa

possa indicar fontes de provas e, até realize entrevistas, possibilitando, nos termos de seu art.

13169, a investigação pela defesa. Contudo, o referido dispositivo não previu a forma com que

as investigações realizadas pela defesa serão levadas aos autos da investigação estatal, bem

como manteve a lógica do dispositivo do atual art. 14, ao prever que o material produzido

pela defesa será juntado aos autos a critério da autoridade policial, melhor seria se a juntada

do material fosse realizada independentemente da boa vontade da autoridade, viabilizando a

participação efetiva da defesa inclusive na fase do inquérito policial.

Natalie Ribeiro Pletsch (PLETCH, 2007, p.93-94) afirma que o processo somente

será acusatório quando o acusado for respeitado como parte, sendo que sua participação é

concebida pelo próprio direito de se defender. Caso o acusado abdique do direito de defesa

estará aceitando um procedimento inquisitório, eis que nesse modelo a defesa é dispensável.

Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 103) afirma que enquanto a

defesa técnica seria obrigada a sempre atuar parcialmente no interesse do réu, o Ministério

Público não estaria vinculado ao juízo condenatório, sendo absolutamente imparcial em sua

atuação. Como vimos, podemos afirmar que o Ministério Público é tão parcial quanto a

defesa, ambos atuam de forma independente na construção do provimento. Afinal, tanto o

Ministério Público poderá requerer a absolvição do acusado como a defesa poderá pleitear a

aplicação de uma pena mais branda, isso não tornará nem um nem outro imparcial. O

Processo Penal Constitucional, no modelo do processo acusatório adotado pela Constituição

da República exige a atuação de partes bem delimitadas, de um lado uma parte acusa,

169 Art. 13. É facultado ao investigado, por meio de seu advogado, de defensor público ou de outros mandatários com poderes expressos, tomar a iniciativa de identificar fontes de prova em favor de sua defesa, podendo inclusive entrevistar pessoas. § 1º As entrevistas realizadas na forma do caput deste artigo deverão ser precedidas de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento formal das pessoas ouvidas. § 2º A vítima não poderá ser interpelada para os fins de investigação defensiva, salvo se houver autorização do juiz das garantias, sempre resguardado o seu consentimento. § 3º Na hipótese do § 2º deste artigo, o juiz das garantias poderá, se for o caso, fixar condições para a realização da entrevista. § 4º Os pedidos de entrevista deverão ser feitos com discrição e reserva necessárias, em dias úteis e com observância do horário comercial. § 5º O material produzido poderá ser juntado aos autos do inquérito, a critério da autoridade policial. § 6º As pessoas mencionadas no caput deste artigo responderão civil, criminal e disciplinarmente pelos excessos cometidos.

151

Ministério Público ou querelante, de outro a outra parte se defende, acusado, para que exista

um julgamento imparcial pelo juiz.

Por fim, devemos rever a participação da vítima no processo penal democrático. A

vítima, aponta Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2008, p. 177), de um ilícito penal é

definida pela análise da norma penal que prevê como ilícita determinada conduta,

condicionando a defesa do direito violado ao devido processo legal. A referida autora engloba

na concepção de vítima não apenas a concepção de vítima individual, mas também a vítima

nos direitos difusos e coletivos, que poderá ser representada por associações ou entidades

públicas com o objetivo de defesa de um direito coletivo ou difuso.

O Código de Processo Penal e boa parte da doutrina prefere excluir a vítima de

qualquer participação no processo penal à assistência, limitando sua intervenção à atuação

como parte civil na busca pela reparação dos danos. Ana Messuti (MESSUTI, 2003, p. 71)

afirma que a evolução do direito penal é marcada pelo desvio da atenção em relação à vítima

que passou a ser destinada ao autor do delito, tendo a vítima sido abandonada

progressivamente à medida em que o Estado foi assumindo a administração da justiça

criminal. O delinqüente foi sendo transformado no personagem principal do processo penal e

à vítima foi deixado o papel subalterno, até chegar a ser praticamente esquecida.

A vítima foi excluída do processo penal pela inquisição, que retirou dela a permissão

para impulsionar a ação penal pública, desconsiderando sua vontade de promover a

persecução penal (PLETSCH, 2007, p. 94). Até os dias atuais a vítima tem papel diminuto,

competindo ao Estado a promoção da persecução criminal. A participação da vítima, lembra

Natalie Ribeiro Pletsch (PLETCH, 2007, p. 95), resta reduzida ao oferecimento da queixa-

crime, ainda que subsidiária, quando atuaria como controladora da atuação do Ministério

Público, e à participação como informante durante a instrução penal e como assistente da

acusação.

Contudo, a reforma do processo penal, promovida pelas Leis 11.719/2008 e

11.689/2008, aumentou, ainda que de forma tímida, a participação da vítima no processo

penal obrigando a oitiva da vítima na instrução processual, tendo a primeira lei alterado o

procedimento ordinário para determinar que a vítima seja ouvida na instrução do

procedimento (art. 400170), e a segunda modificado a instrução preliminar nos procedimentos

170 Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

152

de competência do Tribunal do Júri (art. 411171) e a instrução em plenário de julgamento pelo

Tribunal do Júri (ar. 473172).

Porém, a reforma pouco evoluiu em relação à participação da vítima no processo

penal. No processo penal democrático, fundado na participação das partes na construção da

sentença, a vítima deve participar de forma mais efetiva. Flaviane de Magalhães Barros

(BARROS, 2008, p. 181) afirma que se deve questionar se a vítima é atingida em sua esfera

de direitos pelo provimento jurisdicional, sendo essa a questão primordial para definir sua

participação.

Assim, a participação da vítima no processo penal tem início em seu direito de

reparar o dano, tendo o sistema processual penal brasileiro adotado o sistema da

independência, garantindo a executividade da sentença penal condenatória e a imutabilidade

das questões decididas relativamente à materialidade, autoria e à legítima defesa (BARROS,

2008, p. 181). Assim, a vítima buscaria uma sentença penal condenatória para viabilizar a

reparação civil dos danos, valendo frisar que, após a reforma promovida pela Lei

11.719/2008, que alterou o art. 387, IV173, na sentença penal condenatória o juiz passou a ter

que fixar o valor mínimo para indenização. Assim, a vítima tem interesse em participar para

buscar a reparação dos danos, provocando o contraditório em relação à indenização,

demonstrando os prejuízos sofridos em razão do crime e buscando que a sentença fixe

devidamente a indenização. Entendemos que o juiz somente deverá fixar o valor mínimo da

reparação se houver pedido expresso nesse sentido, demonstrando quais foram os prejuízos

experimentados, e se o valor a ser arbitrado for fruto da construção participativa das partes,

com imprescindível participação da vítima, portanto.

Desta forma, ainda seguindo a posição adotada por Flaviane de Magalhães Barros

(BARROS, 2008, p. 190), a participação da vítima decorre de seu direito à reparação do dano,

direito este previsto como direito fundamental bem como em razão do fato de que o ofendido

é, juntamente com o acusado, personagem principal do evento criminoso. Assim, a decisão

que tenha por objeto essa reparação deve assegurar a participação, como contraditora

171 Art. 411. Na audiência de instrução e julgamento, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se ao debate. 172 Art. 473. Prestado compromisso pelos jurados, será iniciada a instrução plenária quando o juiz-presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação. 173 Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória: (...) IV – fixará o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

153

(portanto, em contraditório), em sua construção. Deve o processo penal, sempre que a vítima

manifestar expressamente seu interesse em resolver a questão da reparação do dano na esfera

criminal, aceitar a cumulação do pedido de reparação de danos, que deve ser feito pela vítima,

ao pedido condenatório formulado pelo Ministério Público na denúncia. A vítima que busca

na esfera criminal a reparação do dano ingressará no processo como parte, assumindo todos os

direitos, deveres e ônus decorrentes dessa posição, garantindo-se, desse modo, sua

participação em simétrica paridade da construção do provimento pelo qual será diretamente

afetada.

Deve-se deixar claro que para que a vítima possa ocupar seu lugar de contraditor e

participar efetivamente da construção do provimento jurisdicional, deve-se possibilitar à

mesma o direito à informação, de modo a informá-la, ainda na fase inicial das investigações,

de seu direito de participar da construção da decisão. Assim, deve-se informar à vítima sobre

o oferecimento da denúncia, seu recebimento e da decisão final (BARROS, 2008, p. 192).

Atualmente as comunicações ao ofendido restringem-se à prisão ou soltura do

acusado, à designação de audiências e à publicação da sentença ou de acórdãos, conforme

dispõe o art. 201, §2º174, do Código de Processo Penal. Verifica-se que o ofendido não é

esclarecido sobre seus direitos, muito menos comunicado do inicio da ação penal. A

permanecer dessa forma o ofendido continua com participação diminuta no processo penal,

quando, o processo penal constitucional exige que todos os afetados pelo provimento

participem de sua construção. Porém, o que dizer de um sistema que permite a condução

coercitiva do ofendido que deixar de comparecer, como autoriza o §1º do mesmo art. 201175?

O ofendido tem direito de participar da construção do processo, não obrigação.

Assim, deve ser comunicado dos principais atos do processo, podendo, caso assim prefira,

requerer não ser intimado. Conduzir o ofendido coercitivamente viola ao princípio da

dignidade da pessoa humana, vez que, após sofrer a violência de um crime, o ofendido passa a

sofrer a violência do Estado, que o obriga a estar diante de seu agressor, mesmo após ter

recusado a comparecer após ser pessoalmente intimado. O direito de participação não pode

ser confundido com obrigação e nem o ofendido com objeto de prova do processo penal.

174 Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações. (...) § 2.º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem. 175 § 1.º Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.

154

Sérgio Demoro Hamilton (HAMILTON, 2009, p. 49) chega a defender a

desnecessidade das partes de arrolar a vítima para prestar declarações, afirmando que seria

dever do juiz colher sua palavra. Tal posição viola os princípios do processo democrático,

primeiro porque a vítima tem direito de participar, não obrigação; segundo porque adéqua ao

juiz inquisidor e paranóico que ocupa posição ativa, afastando-se, portanto, do processo

acusatório. Veja-se bem, a vítima, para depor, deverá ser arrolada pelas partes, não tendo,

contudo, qualquer obrigação de depor.

A segunda face da participação da vítima no processo penal é a de agente controlador

da acusação, à medida que a Constituição da República lhe assegurou a possibilidade de

oferecer queixa subsidiária da ação penal pública, no caso de inércia do Ministério Público

(BARROS, 2008, p. 193). Após a conclusão do inquérito, ou diante das peças de informação

em autos diversos do Inquérito Policial, o Ministério Público formará a opinio delict tomando

uma das três opções que o Código de Processo Penal lhe apresenta: requisitar a realização de

diligências (art. 16 do CPP176); requerer o arquivamento (art. 28 do CPP); ou oferecer a

denúncia (art. 41 do CPP177), tendo o Ministério Público o prazo de cinco dias, caso o

indiciado estiver preso, ou dez dias, caso esteja solto, para oferecer a denúncia, conforme

dispõe o art. 46 do Código de Processo Penal178. Caso o Ministério Público não adote

quaisquer dessas providências no prazo, o ofendido poderá oferecer ação penal privada

subsidiária nos termos do art. 5º, LIX, da Constituição da República e art. 29179 do Código de

Processo Penal, decorrendo daí a obrigatoriedade da ação penal pública para a tutela dos

direitos fundamentais (OLIVEIRA, 2004, p. 52-53), competindo ao Ministério Público aditar

a queixa ou repudiá-la e oferecer denuncia substitutiva, podendo também continuar inerte,

prosseguindo a ação penal, devendo, em qualquer das hipóteses, intervir na ação penal.

176 Art. 16. O Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia. 177 Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas. 178 Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 (cinco) dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 (quinze) dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos. §1.º Quando o Ministério Público dispensar o inquérito policial, o prazo para o oferecimento da denúncia contar-se-á da data em que tiver recebido as peças de informações ou da representação. §2.º O prazo para o aditamento da queixa será de 3 (três) dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos, e, se este não se pronunciar dentro do tríduo, entender-se-á que não tem o que aditar, prosseguindo-se nos demais termos do processo. 179 Art. 29. Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

155

Flaviane de Magalhães Barros (BARROS, 2008, p. 194) lembra ainda que a vítima

deverá participar do processo penal não apenas em razão do direito fundamental à reparação

do dano, mas também porque foi um dos protagonistas do evento criminoso que o processo

buscará reconstruir.

Assim, o processo compreendido a partir do discurso de aplicação, no qual as partes afetadas pelo provimento atuarão em simétrica paridade na construção do provimento jurisdicional, deve garantir um discurso comunicativo entre aqueles que foram protagonistas da conduta ilícita; no caso específico do ilícito penal, agente e vítima. É por esta razão que a vítima deve participar do processo, não em razão de seus “interesses penais”, mas em virtude das garantias constitucionais do devido processo legal, que determinam a reconstrução do fato ilícito em todas as suas circunstâncias; portanto, por meio da autocompreensão tanto do autor do fato como da vítima. Assim, se o fato do qual ela é protagonista for reconstruído, será a vítima parte no processo, porque afetada por ele, na compreensão fazzalariana de parte, analisada logo no início do presente capítulo. (BARROS, 2008, p. 194-195)

A participação da vítima no processo penal supera os interesses meramente

patrimoniais, assim como supera também seus “interesses penais”, decorre diretamente das

garantias constitucionais de participação de quem será afetado pela reconstrução do fato

criminoso. A vítima, ao participar do processo será afetada pelo provimento não apenas no

que tange à reparação do dano, mas também em razão do devido processo legal, que

reconstruirá o fato, colocando a vítima como sujeito de direitos no processo. (BARROS,

2008, p. 195)

Dessa forma, deve ser revisto o papel do assistente no processo penal para ampliar a

participação da vítima e possibilitar sua efetiva participação na construção da sentença.

Impera também a revisão do papel da vítima no processo, abandonando-se a idéia de que seria

mero objeto processual podendo ser obrigada a realizar exame de corpo de delito, ser

conduzida coercitivamente para prestar depoimentos, etc., para perceber que a vítima é sujeito

de direitos e não objeto do processo penal. A vítima não é auxiliar do Ministério Público, mas

sujeito que participa do processo como parte, eis que participou de forma decisiva, como

protagonista, do fato criminoso, e, como tal terá todos os direitos da posição de parte que a

vítima deverá assumir no processo, podendo inclusive usar do direito ao silêncio e não ser

obrigada a prestar seu depoimento. A vítima possui direitos correlatos ao do acusado, visando

sua proteção contra a atuação estatal, seu depoimento se assemelha ao interrogatório do

acusado, devendo ser realizado com a participação, em contraditório, de todos os afetados

pelo provimento. Deve a vítima, ainda, ter assegurado seu direito à intimidade, impedindo a

realização de provas ilícitas obtidas sem o seu consentimento. Como participante do

contraditório, a vítima terá o direito de especificar provas, inclusive a prova testemunhal, que

156

visem a reconstruir o fato, participar dos debates e insurgir contra a decisão (BARROS, 2008,

p. 196-197).

Em síntese, as partes devem atuar de forma ativa no palco do processo penal

democrático, ocupado lugares bem definidos: o acusador (Ministério Público ou querelante)

acusa e a defesa defende das acusações. Enquanto o terceiro imparcial julga e garante que as

duas partes possam atuar efetivamente na construção do provimento. As partes devem atuar

argumentativamente, expondo, através de razões fundamentadas as teses defendidas e

contribuindo de forma eficaz na construção do provimento.

Nesse palco todos os atores são protagonistas, não há um monólogo de um sujeito

único, há um diálogo entre todos aqueles que estão no palco. O processo constitui o espaço

público apropriado para o discurso de todos aqueles que nele atuam, possibilitando que todos

participem da construção do provimento, cada um desempenhando seu papel

constitucionalmente delimitado.

Dessa forma, conclui-se que é necessário rever a posição de todos os sujeitos do

processo penal, devendo o juiz a árdua tarefa de julgar e garantir os direitos fundamentais,

principalmente o de participação em contraditório da construção do provimento; à acusação a

tarefa de acusar, recaindo sobre ela todo o ônus probatório; à defesa compete a tarefa de

defender o acusado de forma ativa e independente; e à vitima o papel de atuar, como parte

protagonista do fato criminoso visando mais que a mera reparação civil do dano, a

reconstrução dos fatos, passando de mero objeto do processo a sujeito de direitos.

A recolocação das partes em seus devidos e constitucionais lugares abre caminho

para construir um modelo de processo penal baseado na participação dos sujeitos na

construção da sentença, como sendo a única forma de adotarmos o modelo acusatório e

adequar o processo penal às exigências do Estado Democrático de Direito.

4.3 O processo penal comparticipativo como solução democrática para assegurar o modelo acusatório

No primeiro capítulo do presente estudo demonstramos que o Estado Democrático de

Direito se diferencia dos modelos anteriores por exigir a participação daqueles que serão

afetados pelo provimento na construção deste. Vimos também que esta participação somente

será efetiva e democrática através do processo em contraditório e assegurada a ampla

157

argumentação. Para tanto estudamos a evolução da teoria do processo e sua adequação

democrática.

No segundo capitulo vimos que o processo acusatório é o único dos modelos

processuais penais que se pode ser tido como um modelo processual, eis que é marcado pelo

contraditório entre as partes. Verificamos que o modelo inquisitório não pode ser sequer

denominado de processual por faltar-lhe o contraditório, elemento indispensável do processo.

Por fim, neste último capítulo buscamos unir os dois capítulos anteriores para

formatar o processo penal acusatório dentro do Estado Democrático de Direito, para tanto,

estudamos o princípio da não culpabilidade, a vedação de provas ilícitas, a razoável duração

do processo e recolocamos os sujeitos processuais penais em seus lugares segundo as

exigências de um processo constitucional e democrático. Agora, neste derradeiro subtítulo do

último capítulo do trabalho, cumpre-nos traçar o processo penal e a participação dos sujeitos

na construção do provimento.

Como vimos no primeiro capítulo as concepções decorrentes da teoria da relação

jurídica, dentre elas a instrumentalista, colocam o juiz no centro do processo, eis que para

seus defensores o processo seria mero instrumento da jurisdição. Decorrente disso, o juiz

buscaria a justiça a qualquer preço, podendo tomar as rédeas do processo que era mero meio

para sua atuação e para a realização de objetivos alheios ao próprio Direito. Por outro lado, o

procedimento inquisitório também coloca o juiz como centro do processo, possibilitando

todos os atos instrutórios, e confundindo sua função com a das partes, principalmente com a

tarefa da acusação.

A concentração de poderes nas mãos do juiz coloca a teoria da relação jurídica em

um modelo inquisitório e a afasta completamente do processo acusatório e também a afasta,

como vimos no primeiro capítulo, do processo democrático. Como vimos, o processo

acusatório é marcado pela participação das partes, conquista esta que somente foi viabilizada

pela revolução proporcionada pela teoria do processo como procedimento em contraditório,

desenvolvida por Fazzalari, que retirou das mãos do julgador a decisão para entregar sua

construção às partes. Essa evolução foi acompanhada pelas demais teorias que se seguiram,

que procuraram construir um processo de partes onde estas atuam e buscam construir

comparticipativamente o provimento.

Assim, após reposicionarmos os sujeitos do processo segundo as exigências

democráticas, resta, por fim, a tarefa de demonstrar como se dará a construção da sentença,

pelos sujeitos que (re)posicionamos nos parágrafos acima.

158

Em que pese haverem obras sustentando que o escopo do processo penal seria a

realização do bem comum e da pacificação social (TUCCI, 2004, p.34), temos que esta

afirmação, além de perigosa por ser um discurso fácil e aos olhos do leigo correta, é falsa.

Afinal, a busca da pacificação social pode levar à supressão de garantias e de direitos

fundamentais em nome do interesse social. Como vimos no capítulo inaugural o processo não

visa fomentar o bem comum ou a pacificação social. Gilberto Thums (THUMS, 2006, p. 143)

afirma que a quanto mais presente estiver a filosofia da defesa social, mais retardado e

violador das garantias individuais será o processo. O processo penal deve(ria) ter por objetivo

oportunizar o espaço público procedimentalizado para possibilitar a participação isonômica

das partes na construção do provimento.

Dierle José Coelho Nunes (NUNES, 2009, p. 203) afirma que a percepção

democrática do direito afasta qualquer possibilidade da existência de um sujeito solitário que

se julgue capaz de identificar o bem viver em sociedades complexas e plurais. Portanto, toda

decisão deverá resultar da construção plural através do fluxo discursivo balizado pelo

processo. Deve ser abandonada qualquer perspectiva subjetivista e de juízos de prelação dos

agentes políticos, apenas através de argumentos racionais construídos pelo debate e pela

ampla participação dos interessados podem ser aceitos pela comunidade jurídica (NUNES,

2009, p. 216).

A inexistência de um sujeito capaz de saber a melhor solução aplicável ao processo

faz com que aqueles que serão afetados pela decisão tenham que buscar esta solução em

conjunto. Dessa forma, em uma visão constitucional democrática não podem existir entre os

sujeitos processuais uma relação de submissão, mas de interdependência (NUNES, 2009, p.

204), fazendo com que cada um dos sujeitos processuais dependam uns dos outros em uma

relação simbiótica. Dessa forma, no processo penal, o Ministério Público não poderá realizar

a acusação sem a presença da defesa, que, por sua vez, não defenderá ninguém se não houver

acusação. Por sua vez, sem acusação e defesa efetivas também não poderá o julgador atuar.

Cada um dos sujeitos atua de forma conjunta, a decisão (provimento) é o resultado desse

trabalho em grupo onde um dependerá diretamente do trabalho do outro.

O juiz, afirma Alexandre de Morais da Rosa (ROSA, 2006, p. 364) não poderá

desconsiderar qualquer elemento validamente produzido na instrução processual, devendo,

fundamentadamente, acolher ou rejeitá-lo na decisão. Dessa forma, o juiz aproxima-se do

processo acusatório, inexistindo qualquer vinculação com a acusação, ao contrário, a decisão

é construída pelos elementos trazidos pelas partes.

159

De sorte que, no ato decisório, é o um-magistrado que(m) monta, a partir das pretensões de validade enunciadas pelas partes, o que se chama de ‘verdade processual’, lançando mão das provas, dos significantes, produzidos validamente, manejando a técnica de ‘bricolage-jurídica’, ou seja, construindo com o que tem à mão, sem o pretendido controle racional total. (ROSA, 2006, p. 365-366)

Em que pese o juiz construir a decisão como “bricolage-jurídica”, essa montagem do

quebra cabeça da decisão deve ser realizada com os elementos levados pelas partes, daí a

construção não ser realizada unicamente pelo juiz, mas por todos os sujeitos processuais. O

juiz monta, mas as peças do quebra-cabeça são levadas por cada uma das partes. Dessa forma,

os protagonistas do processo de bricolage jurídico “são as partes, que lançaram as pretensões

de validade no decorrer processual, bem como um-juiz que proferirá a decisão” (ROSA,

2006, p. 369).

A percepção de que nenhum dos sujeitos processuais atua de forma solitária faz com

que o princípio do contraditório, pelo qual todos os sujeitos vêm-se vinculados, obrigue que

seja implementado o diálogo entre os sujeitos processais, impedindo decisões surpresa pelo

juiz e a utilização impositiva de argumentos estratégicos por uma parte tecnicamente bem

assessorada, fazendo com que a decisão seja construída e formada apenas por argumentos

normativos e legítimos (NUNES, 2009, p. 241).

Essa concepção de que não há mais um único centro na estrutura processual leva-nos

a crer que todos os sujeitos do processo possuem igual importância e devem, portanto,

contracenar em conjunto para a construção do provimento, cada qual em seu papel, todos com

a mesma importância e dialogando entre si pelo contraditório. Não há, dessa forma, espaço

para um processo egocêntrico onde apenas um dos sujeitos ocupe posição de destaque. O

processo democrático é marcado pelo policentrismo, onde todos os sujeitos estão colocados

igualmente em posição central, cada qual desenvolvendo seu respectivo papel. O processo

democrático é por sua natureza um processo acusatório e marcado pela participação das partes

na construção do provimento.

A decisão é fruto da comparticipação, não da genialidade de um ser supremo. As

partes devem, portanto, assumir postura ativa no processo, chamando para si a incumbência

da construção do provimento. Os sujeitos devem perceber que a atividade processual é uma

atividade conjunta, não havendo adversários ou inimigos, mas companheiros que atuam, com

teses divergentes, da construção do provimento.

Como lembra Dierle José Coelho Nunes (NUNES, 2009, p. 211), nos regimes

democráticos o processo deve estruturar a forma e o conteúdo das decisões mediante o debate

160

endoprocessual, e, consequentemente, pelo processo devem ser implementados os direitos

fundamentais em perspectiva dinâmica.

Porém, para que a construção do provimento se dê de forma comparticipada, é

imprescindível ao processo acusatório que as partes ocupem estritamente seus respectivos

papeis. Como lembra Alexandre de Morais da Rosa (ROSA, 2006, p. 137), a separação do

juiz em relação às partes é exigência do próprio princípio da acusação, a confusão entre os

sujeitos processuais viola a garantia da igualdade entre as partes.

As garantias individuais processuais existem e são indispensáveis, ensina Eugênio

Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, 2004, p. 202) porque representam um meio de controle

público da construção da decisão judicial, exigindo que a decisão seja participada, permitindo

a contribuição, em igualdade, de todos os sujeitos do processo em sua construção.

Por tudo que já dissemos, destaque-se, o processo acusatório é o único modelo capaz

de possibilitar esse formato comparticipativo e democrático ao processo penal. Ao mesmo

tempo as clássicas, e bolorentas, teorias decorrentes da teoria da relação jurídica não são

capazes de proporcionar um processo acusatório, vez que este exige a igualdade entre seus

sujeitos enquanto aquelas teorias colocam o juiz no centro do processo, em clara posição de

superioridade em relação às partes processuais.

Dessa forma, somente aquelas teorias que partem da concepção de processo como

procedimento em contraditório é que são capazes de formarem uma base processual capaz de

adotar o sistema acusatório, possibilitando a construção conjunta do provimento e excluindo

de uma vez toda e qualquer atuação paranóica do juiz. Conseqüentemente, o processo

acusatório é o sistema adequado ao processo penal constitucional e democrático.

O processo acusatório coloca o juiz em posição de igualdade em relação às partes,

possibilitando a construção comparticipativa do provimento. Dessa forma, conclui-se que o

modelo acusatório é o modelo adequado ao processo penal democrático e em conformidade

constitucional.

Portanto, resta claro que a decisão penal é fruto da atuação conjunta, porém cada um

desenvolvendo seu respectivo papel, de todos os sujeitos processuais. Ao Ministério Público

cumpre a tarefa de acusar, ao réu e a seu defensor de defender, ao juiz de julgar e à vítima,

caso deseje ingressar no processo, o de participar visando uma decisão que lhe favoreça. Cada

um participa da construção da decisão buscando que o provimento lhe seja favorável, levando,

ao juiz, os argumentos que entendem aplicáveis e que devem ser analisados exaustivamente

na decisão, demonstrando que a parte participou efetivamente de sua construção.

161

Dessa forma o processo comparticipativo exige a participação dos sujeitos em sua

construção, porém, essa participação somente se dará se o processo penal assumir caráter

policentrico, com seus sujeitos ocupando o lugar que outrora fora ocupado exclusivamente

pelo julgador. O processo democrático exige que todos seus sujeitos tenham igual espaço, não

alijando nenhum deles da participação, ao contrário, deve fomentar a participação

democrática e a construção da sentença efetivamente por todos seus sujeitos.

162

5 CONCLUSÃO

O Estado Democrático de Direito é marcado pela participação dos afetados na

construção das decisões às quais serão submetidos. Pela participação busca-se limitar a

atividade do Estado e sua intervenção na sociedade, além de possibilitar a construção de

projetos individuais de vida. Porem, a participação, por si só, não seria suficiente, é

imprescindível que sejam utilizados meios para o controle da participação visando garantir

que esta se dê de maneira a assegurar que todos tenham iguais oportunidades e que a decisão

não seja fruto da vontade do mais forte sobre o mais fraco, ou do mais esperto sobre o mais

tolo. Dessa forma, o processo vem a atender à necessidade de participação isonômica dos

sujeitos na construção do provimento.

Somente com a percepção do processo como procedimento em contraditório é que as

partes foram inseridas em igualdade em relação ao juiz e o processo deixou de ser um

monologo do julgador para constituir uma construção conjunta de seus sujeitos.

A teoria do processo como procedimento em contraditório retirou a decisão do juiz

para entregá-la à construção das partes. Assim, retira-se o juiz do centro do palco processual

que passa a ser dividido entre ele e as partes, cada um com seu papel bem delimitado. O

processo deixa de ser um monólogo do julgador para adotar a forma de um diálogo entre as

partes e o juiz, a quem competirá assegurar a participação isonômica com igual possibilidade

de fala, não participando, contudo, do contraditório.

O modelo constitucional de processo, construído pela base principiológica formada

pelo contraditório, ampla argumentação, terceiro imparcial e fundamentação das decisões

assegura que as partes possam participar de forma efetiva na construção do provimento

jurisdicional. Assim, tal modelo é condizente com o paradigma do Estado Democrático de

Direito que exige a participação na construção das decisões estatais daqueles que a eles

estarão sujeitos.

A participação das partes na construção do provimento somente se dará com a

percepção de que a decisão não deve ser simplesmente motivada, deve-se obedecer ao que diz

o art. 93, IX, da Constituição da República através de decisões realmente fundamentadas.

Fundamentar a decisão significa analisar pormenorizada e detidamente a todas as teses

levadas pelas partes, possibilitando que se dê efetivamente a participação na construção do

provimento.

163

Para recolocar as partes em seus lugares e (re)estruturar o processo penal segundo os

parâmetros exigidos pelo processo democrático, foi necessário rever os sistemas processuais

penais, principalmente o sistema acusatório, que também é marcado pela descentralização dos

poderes do julgador e vem ao encontro do processo penal no Estado Democrático de Direito.

A Constituição da República separou as funções de acusar e de julgar atribuindo a

ação penal pública exclusivamente ao Ministério Público, estabelecendo o devido processo

legal, o contraditório e a ampla defesa, bem como o princípio da não culpabilidade. Assim,

pode-se dizer que o modelo que pretendeu, ainda que implicitamente, o constituinte de 1988

foi o modelo acusatório. Porém, como nenhum modelo foi adotado de forma expressa, tem-se

que o constituinte permitiu sua escolha pelo legislador infraconstitucional.

Por sua vez o Código de Processo Penal brasileiro, com sua nítida base autoritária,

também não firmou expressamente por nenhum dos sistemas. Porém, pela leitura de seus

dispositivos, verifica-se que o juiz detém a gestão probatória, além de ter poderes atribuídos

que lhe permitem tomar a frente da ação penal. Assim, o Código de Processo Penal brasileiro

é uma porta escancarada a permitir a entrada de juízes paranóicos e inquisidores de plantão.

Assim, o modelo adotado pelo vigente Código de Processo Penal foi o inquisitório, ainda que

tenhamos algumas pinceladas do modelo acusatório.

O processo penal somente poderá tomar faces democráticas se partirmos de um

horizonte, a presunção de que o acusado não é culpado. Afinal se presumirmos sua culpa o

processo torna-se sem sentido. A presunção de não culpabilidade deve ocupar o horizonte do

intérprete e do aplicador do processo penal.

Também é importante lembrar que a celeridade processual não pode ser buscada de

forma cega, como, infelizmente, vem ocorrendo em várias alterações legislativas. A

celeridade deve ser buscada em conformidade com as regras e princípios processuais trazidos

pela Constituição da República. Dessa forma, a razoável duração do processo deverá ser

percebida em conformidade com o binômio celeridade x direitos e garantias fundamentais. A

democracia exige que o processo tenha o prazo necessário para garantir que as partes

participem efetivamente da construção do provimento. Assim, entendemos que o processo

terá razoável duração caso não existam etapas mortas do procedimento e não pela diminuição

de prazos ou supressão de recursos e garantias.

Para a construção do processo democrático é imprescindível a adoção do processo

acusatório. Isso demandou que reposicionássemos os sujeitos processuais segundo o modelo

processual penal adotado. Assim sendo, a adoção do modelo acusatório demanda a completa

separação entre as tarefas de acusar, defender e julgar. Ao juiz compete a tarefa de julgar e

164

garantir os direitos fundamentais dos sujeitos processuais, principalmente o direito de

participação da construção do provimento jurisdicional. O Ministério Público, parte

artificialmente criada pela Constituição para possibilitar a adoção do processo acusatório,

compete exclusivamente a tarefa de acusar, que não pode ser substituída, suplementada ou

complementada pelo julgador. Já à defesa (exercida pelo próprio acusado e pelo defensor

técnico) deve competir a tarefa de atuar ativamente da construção do provimento, porém, sem

descuidar da presunção de não culpabilidade que favorece ao acusado.

O papel do juiz no paradigma democrático é o de garantir os direitos fundamentais,

principalmente o direito de participação da construção do provimento como obra coletiva que

é. Assim, o juiz deverá expor os pontos controvertidos, fixando o objeto de prova do processo

e determinando a matéria discutida. Deve também expor os pontos nebulosos para que as

partes possam, argumentativamente, construir o provimento jurisdicional.

Dessa forma, o processo, segundo o Estado Democrático de Direito, está a exigir

maior e mais eficaz participação das partes na construção dos provimentos. As partes devem

chamar para si a responsabilidade de construir a decisão, que passa a ser uma obra coletiva

construída em contraditório e ampla defesa, pelas partes e pelo terceiro imparcial, que, através

da fundamentação da decisão irá demonstrar a compreensão e análise dos argumentos levados

pelas partes.

Um sistema com as tarefas bem distribuídas entre as partes possibilitará a

participação destas na construção do provimento, que deixa de ser uma tarefa apenas do

julgador para passar a ser obra comparticipativa de todos seus sujeitos, garantindo sua

imparcialidade. Não há mais um sujeito supremo e soberano, superior em relação aos demais

e responsável pela criação da decisão enquanto os demais seriam meros auxiliares relegados

ao segundo plano. A decisão é obra coletiva, dividida entre todos os sujeitos processuais,

afinal a participação é que nota imprescindível da própria democracia.

Diante de tudo que trouxemos neste trabalho, a conclusão que devemos trazer ao

final é que o processo penal democrático demanda a participação policentrica e

comparticipativa do Ministério Público (ou querelante) e da defesa (técnica e autodefesa), que

devem participar em contraditório da construção do provimento. Somente dessa forma

estaremos diante do processo penal acusatório e teremos um processo legítimo a tutelar os

direitos fundamentais.

165

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ALVIM, José Eduardo Carreira. Teoria geral do processo. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. ANDOLINA, Italo. O papel do processo na atuação do ordenamento constitucional e transnacional. Revista de Processo. São Paulo, v. 87, p. 63-69. jul./set. 1997. ANDRADE, Mauro Fonseca. Sistemas processuais penais e seus princípios reitores. Curitiba: Juruá, 2008. ANDRADE, Mauro Fonseca. O sistema acusatório proposto no anteprojeto de novo codex penal adjetivo. Revista de informação legislativa. Brasília, v. 183, ano 46, p. 167-188, julho-setembro/2009. ARAÚJO, Marcelo Cunha de. O novo processo constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. AROCA, Juan Montero. Principios del proceso penal: una explicación basada en la razón. Valencia: Tirant lo Blanch, 1997. ASENJO, Enrique Jimenez. Derecho Procesal Penal. Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1949, vol. 1. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 10ª ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2009. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 337, p. 105-123, jan/mar. 1997. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral do processo constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 2, ns. 3 e 4, p. 89-154, 1º e 2º sem. 1999. BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional: aspectos contemporâneos. Belo Horizonte: Fórum, 2008. BARRA, Eladio Escusol. Manual de Derecho Procesal-Penal. Madri: Editorial Colex, 1993. BARROS, Flaviane de Magalhães. Os direitos das vítimas de crimes no Estado Democrático de Direito – uma análise do Projeto de Lei nº 269/2003 – Senado Federal. Virtuajus: Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas. Belo Horizonte, ano 2, n.º 2, dezembro de 2003. Disponível em

166

<http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/ano2_2/Os%20direitos%20das%20vitimas%20de%20crimes%20revisado.pdf>. Acesso em 15 de março de 2011. BARROS, Flaviane de Magalhães. O processo, a jurisdição e a ação sob a ótica de Elio Fazzalari. Virtuajus: Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas. Belo Horizonte, ano 2, n.º 1, agosto de 2003. Disponível em < http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/Ano2_08_2003_arquivos/Docente/O%20PROCESSO,%20A%20JURISDI%C7%C3O%20E%20A%20A%C7%C3O%20SOB%20A%20%D3TICA%20DE%20ELIO%20FAZZALARI.doc>. Acesso em 23 de março de 2011. BARROS, Flaviane de Magalhães. O paradigma do Estado Democrático de Direito e as teorias do processo. Virtuajus: Revista Eletrônica da Faculdade Mineira de Direito da PUC-Minas. Belo Horizonte, ano 3, n.º 1, julho de 2004. Disponível em < http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2004/O%20PARADIGMA%20DO%20ESTADO%20DEMOCRATICO%20DE%20DIREITO.pdf>. Acesso em 22 de março de 2011. BARROS, Flaviane de Magalhães; CARVALHO, Marius Fernando Cunha; GUIMARÃES, Natália Chernicharo. O princípio da ampla defesa – uma reconstrução a partir do paradigma do Estado Democrático de Direito. XV Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, Manaus, 15, 16, 17 e 18 de novembro de 2006. Anais. Manaus: COMPEDI, 2006, Disponível em <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/Anais/Flaviane%20Magalhaes_Marius%20Fernando%20e%20Natalia%20Chernicharo.PDF>. Acesso em 18 de março de 2011. BARROS, Flaviane de Magalhães. A participação da vítima no Processo Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. BARROS, Flaviane de Magalhães. (Re)forma do processo penal. 2ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. BARROS, Flaviane de Magalhães. O modelo constitucional de processo e o processo penal: a necessidade de uma interpretação das reformas do processo penal a partir da Constituição. In MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. (Coords.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 331-345. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. BINDER, Alberto M. Introdução ao Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2003. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

167

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1993a. BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta: temas políticos e constitucionais da atualidade. Belo Horizonte: Del Rey, 1993b. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Constituições Brasileiras: 1937. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. BRASIL. Constituições Brasileiras: 1946. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999. BRASIL. Constituições Brasileiras: 1967. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. BRASIL. Constituições Brasileiras: 1969. Brasília: Senado Federal e Ministério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 1999. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil – promulgada em 5 de Outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Código de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 74.073, rel. Min. Celso de Mello, j. 20/05/1997, DJ 27-06-1997 PP-30227, EMENT VOL-01875-03 PP-00597. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 24.268, rel. Min. Elen Gracie, relator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 05/02/2004, DJ 17-09-2004 PP-00053,EMENT VOL-02164-01 PP-00154, RDDP n. 23, 2005, p. 133-151, RTJ VOL-00191-03 PP-00922. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 11, DJe nº 157 de 22/8/2008, p. 1. DOU de 22/8/2008, p. 1. BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Agravo de Instrumento 690.504, Agravo Regimental, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 23.05.2008. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 251.445/GO, rel Min. Celso de Mello, DJ 03/08/2000 PP-00068. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 82.862/SP, rel. Min. Cezar Peluso, DJe-107 DIVULG 12-06-2008 PUBLIC 13-06-2008; EMENT VOL-02323-02 PP-00348; RTJ VOL-00205-03 PP-01201; REVJMG v. 59, n. 184, 2008, p. 378-380; LEXSTF v. 30, n. 355, 2008, p. 353-360.

168

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 136.659/SC, 5ª Turma, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03/05/2010. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 105956/SP, 5ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 07/02/2011. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento 279889/AL, Primeira Seção, rel. Ministro Peçanha Martins, j. 14/08/2002, DJ 07/04/2003. BRASIL. Pacto internacional sobre direitos civis e políticos – Decreto nº 592 - de 6 de julho de 1992. Disponível em <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_politicos.htm>, consulta realizada em 30 de julho de 2011. BRASIL. Convenção americana de direitos humanos (Pacto de São José da Costa Rica) – Decreto 678 – 06 de novembro de 1992.São Paulo: Saraiva, 2011. BRASIL. Mensagem nº 350, de 09 de junho de 2008 (Razões do veto ao §4º do art. 157 do Código de Processo Penal, redação da Lei 11.690 de 09 de junho de 2008). Disponível em <http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/2008/lei-11690-9-junho-2008-576211-veto-99463-pl.html>, consulta realizada em 04 de agosto de 2011. BÜLOW, Oskar Von. Teoria das exceções e dos pressupostos processuais. Campinas: LZN Editora, 2005. BURNS, Edward McNall; LERNER, Robert E.; MEANCHAM, Standish. História da civilização occidental – do homem das cavernas às naves espaciais. 30ª ed. São Paulo: Globo, 1993, vol. 2. CALAMANDREI, Piero. Instituciones de derecho procesal civil. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America – E.J.E.A, 1962, vol. 1. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. CAMPILONGO, Celso Fernandes. Direito e Democracia. São Paulo: Max Limonad, 1997. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2002. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CARNELUTTI, Francesco. Instituiciones del proceso civil. Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America – E.J.E.A, 1959, vol. 1. CARNELUTTI, Francesco. Misérias do Processo Penal. Campinas: Russel, 2007.

169

CARVALHO, Amilton Bueno de. Eles, os juízes criminais, vistos por nós, os juízes criminais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. CARVALHO, Amilton Bueno de. O juiz e a jurisprudência – um desabafo crítico. Disponível em: < http://www.amdjus.com.br/doutrina/administrativo/213.htm>. Acessado em 28 de agosto de 2011. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. CARVALHO NETO, Menelick. A hermenêutica constitucional sob o paradigma do Estado Democrático de Direito. OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de (Coord.). Jurisdição e hermenêutica constitucional. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 25-44. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1942, vol. 1. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999. CORDERO, Franco. Procedimiento penal. Santa Fé de Bogotá: Temis, 2000, tomo 1. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A lide e o conteúdo do processo penal. 3ª Tiragem. Curitiba: Juruá, 1998. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Introdução aos princípios gerais do direito processual penal brasileiro. Revista de Estudos Criminais. Porto Alegre, n. 1, p.26-51, 2001. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Efetividade do Processo Penal e golpe de cena: um problema às reformas processuais no Brasil. Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra, Vol. 78, p. 687-697, 2002. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Un poco de la ideologia de las reformas y de la crisis del derecho criminal en Brasil. Revista del Instituto Latinoamericano de las Naciones Unidas para la Prevención del Delito y el Tratamiento del Delincuente, San José, v. 11, n. 26, p.51-63, 2002. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Direito Penal e reforma processual. Revista Portuguesa de Ciência Criminal. Coimbra, Ano 16, nº 3, p. 385-391, Julho-Setembro/2006. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório: cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. Revista de informação legislativa. v. 183, ano 46, p. 103-115. Brasília: julho-setembro/2009. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Um devido processo legal (constitucional) é incompatível com o sistema do CPP, de todo inquisitorial. In: PRADO, Geraldo. e MALAN,

170

Diogo (Coord.). Processo Penal e democracia: Estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2009. p. 253-262. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A contribuição da Constituição democrática ao processo penal inquisitório brasileiro. MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. (Coord.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 221-231. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Anotações pontuais sobre a reforma global do CPP. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) . São Paulo, ano 18, edição especial do Projeto de Novo Código de Processo Penal, p. 16-17, agosto de 2010. COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Lei nº 12.403/2011: Mais uma tentativa de salvar o sistema inquisitório brasileiro. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) . São Paulo, ano 19, nº 223, p. 4, junho de 2011. CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Jurisdição constitucional democrática. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. DEL NEGRI, André. Controle de Constitucionalidade no Processo Legislativo: teoria da legitimidade democrática. 2ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008. DEZEM, Guilherme Madeira. Novo Código de Processo Penal: Aspectos referentes à teoria geral da prova. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) . São Paulo, ano 18, edição especial do Projeto de Novo Código de Processo Penal, p. 13-14, agosto de 2010. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fraude no processo civil. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Uma introdução ao estudo do direito político. Revista do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Belo Horizonte, v.8, p.107-122, 2002. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fundamentos do Estado Democrático de Direito. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 7, nº 13 e 14, p. 150-163, 1 e 2º sem/2004. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. A garantia da fundamentação das decisões jurisdicionais no Estado Democrático de Direito. Revista da Faculdade Mineira de Direito Belo Horizonte, v. 8, nº 16, p. 147-161, 2º sem/2005. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Direito à jurisdição eficiente e garantia da razoável duração do processo no Estado Democrático de Direito. In: GALUPPO, Marcelo Campos (Org.). O Brasil que queremos: reflexões sobre o Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Editora Puc/Minas, 2006, p. 653-663.

171

DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Exame técnico e sistemático do Código de Processo Civil reformado. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho; NEPOMUCENO, Luciana Diniz (Coord.). Processo civil reformado. Belo Horizonte: Del Rey, 2009a, p. 407-456. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. As reformas do Código de Processo Civil e o processo constitucional. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho; NEPOMUCENO, Luciana Diniz (Coord.). Processo civil reformado. Belo Horizonte: Del Rey, 2009b, p. 457-496. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Fundamentos constitucionais da jurisdição no Estado Democrático de Direito. GALUPPO, Marcelo Campos (Coord.). Constituição e democracia: fundamentos. Belo Horizonte: Fórum, 2009c, p. 227-309. DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho, Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito . Belo Horizonte: Del Rey, 2010. DINAMARCO, Cândido Rangel. Direito processual civil. São Paulo: Bushatsky, 1975. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros Editores: 2009. EYMERICH, Nicolau. Directorium Inquisitorum – Manual dos inquisidores. 2ª ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; Brasília: Fundação Universidade de Brasília, 1993. FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Campinas: Bookseller, 2006. FABRIZ, Daury Cesar. Constitucionalismo democrático, democracia e direitos fundamentais. In: OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; MACHADO, Felipe. (coord.), Constituição e processo: A resposta do constitucionalismo à banalização do terror, Belo Horizonte: Del Rey, 2009. FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal constitucional. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. FERNANDES, Bernardo Gonçalves; PEDRON, Flávio Quinaud. O Poder Judiciário e(m) crise. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. FRANÇA. Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 1789). São Paulo, s.d.. Disponível em <http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Documentos-anteriores-%C3%A0-cria%C3%A7%C3%A3o-da-Sociedade-das-Na%C3%A7%C3%B5es-at%C3%A9-1919/declaracao-de-direitos-do-homem-e-do-cidadao-1789.html>, consulta realizada em 20 de julho de 2011.

172

FRANÇA. Declaração Universal dos Direitos Humanos (Paris, 1948). Brasília, s.d.. Disponível em < http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>, consulta realizada em 20 de julho de 2011. GARAPON. Antonie. O juiz e a democracia: o guardião das promessas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2001. GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches (Coordenação). Legislação criminal especial. 2ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, Coleção Ciências Criminais – Vol. 6. GOMES, Luiz Flávio. Penas substitutivas no tráfico de drogas e o populismo midiático. Boletim do Instituto de Ciências Penais (ICP). Belo Horizonte, nº 105, setembro de 2010. GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica. 3ª ed, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, Coleção Ciências Criminais – Vol 4. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992. GONÇALVES, Aroldo Plínio. Nulidades no processo. Rio de Janeiro: Aide, 2000. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1997, Vol 2. HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. São Paulo: Edições Loyola, 1997. HAMILTON, Sérgio Demoro. A forma acusatória pura, uma conquista do anteprojeto. Revista de Direito Penal. Rio de Janeiro, ns. 13/14, p. 64-67, Janeiro-Junho/1974. HAMILTON, Sérgio Demoro. A figura processual do ofendido. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo, nº 27, p. 47-59, Dezembro/Janeiro/2009. HAMILTON, Sérgio Demoro. Uma releitura a respeito do ônus da prova no Processo Penal. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal. São Paulo, nº 39, p. 93-98, Dezembro/Janeiro/2011. ITÁLIA. Convenção para a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais (Roma, 1950). Belo Horizonte, s.d.. Disponível em <http://www.cedin.com.br/site/pdf/legislacao/pdf_tratados7/Conven%E7%E3o%20para%20a%20Prote%E7%E3o%20dos%20Direitos%20do%20Homem%20e%20das%20Liberdades%20Fundamentais.pdf>, consulta realizada em 21 de julho de 2011. ITÁLIA. Convenção para a proteção dos direitos do homem e das liberdades fundamentais (Roma, 1950). Coimbra, s.d.. Disponível em <

http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/pm/Tratados/conv_eur_dh.htm>, consulta realizada em 07 de agosto de 2011. KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

173

KUHN, Thomas S. A Estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2007. LARA, Leonardo Augusto Leão; CARVALHO, Newton Teixeira de; PENNA, Saulo Versiani. Processo, ação e jurisdição em Fazzalari. LEAL, Rosemiro Pereira. Estudos continuados de processo . São Paulo: IOB Thonsom, 2004, Vol 5. LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões jurisdicionais no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise. Mandamentos: Belo Horizonte, 2008. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria processual da decisão jurídica. São Paulo: Landy, 2002. LEAL, Rosemiro Pereira. Estudos Continuados de Processo. São Paulo: IOB Thonsom, 2004, Vol 5. LEAL, Rosemiro Pereira. Relativização inconstitucional da coisa julgada: Temática processual e reflexões jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. LEAL, Rosemiro Pereira. Modelos processuais e constituição democrática. MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. (Coords.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo – primeiros estudos. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. LOPES JÚNIOR, Aury. A instrumentalidade garantista do Processo Penal. Revista Ibero-americana de Ciências Penais. Porto Alegre, Ano 2, número 2, p. 11-33, janeiro/abril 2001. LOPES JÚNIOR, Aury. Juízes inquisidores? e paranóicos. Uma crítica a partir da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM, São Paulo, nº 127, junho/2003, disponível em <www.ibccrim.org.br>, consulta realizada em 09 de março de 2011. LOPES JÚNIOR, Aury. A opacidade da discussão em torno do promotor investigador (mudem os inquisidores, mas a fogueira continuará acessa). Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM. São Paulo, nº 142, setembro/2004, disponível em <www.ibccrim.org.br>, consulta realizada em 09 de março de 2011. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2010a, Vol 1. LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2010b, Vol 2. LOPES JÚNIOR, Aury. Introdução crítica ao Processo Penal (fundamentos da instrumentalidade constitucional). 5ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2010c.

174

LOPES JÚNIOR, Aury. Breves considerações sobre a polimorfologia do sistema cautelar no PLS 156/2009 (e mais algumas preocupações). Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) . São Paulo, ano 18, edição especial do Projeto de Novo Código de Processo Penal, p. 7-9, agosto de 2010d. LOPES JÚNIOR, Aury. A inserção do contraditório no regime jurídico das medidas cautelares pessoais. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) . São Paulo, ano 19, nº 223, p. 5-6, junho de 2011. LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2011. LOPES, Luciano Santos. Os elementos normativos do tipo penal e o princípio constitucional da legalidade. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2006. MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 3ª atualização. Campinas: Millennium, 2009, Vol 1. MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A exclusividade da função acusatória e a limitação da atividade do Juiz. Inteligência do princípio da separação de poderes e do princípio acusatório. Revista de Informação Legislativa, Brasília, nº 183, p. 141-153, julho/setembro 2009. MARQUES, Leonardo Augusto Marinho. A hiper-racionalidade inquisitória. BONATO, Gilson (Org.). Processo Penal, Constituição e crítica (Estudos em homenagem ao Prof. Dr. Jacinto Nelson de Miranda Coutinho. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2011, p. 475-485. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MESSUTI, Ana. O tempo como pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, Apelação Criminal nº 1.0024.08.074.418-8/001(1), rel. Desembargador Antônio Carlos Cruvinel, p. 30/07/2009. MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, Apelação Criminal nº 1.0555.08.008564-3/001(1), Sexta Câmara Criminal, rel. Desembargador Furtado de Mendonça, j. 22/02/2011, Publicada em 11/03/2011 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1991. MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Constituição e as provas ilicitamente obtidas. In: Revista Forense. Rio de Janeiro, Vol 337, p. 125-134, janeiro/março, 1997. MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 1997. NALINI, José Renato. O juiz e o acesso à justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

175

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá Editora, 2010. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Processo e hermenêutica na tutela penal dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2009. OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. O processo constitucional como instrumento da jurisdição constitucional. Revista da Faculdade Mineira de Direito Belo Horizonte, v. 3, ns. 5 e 6, p. 161-169, 1º e 2º sem/2000. OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. A legitimidade democrática da Constituição da República Federativa do Brasil: uma reflexão sobre o projeto constituinte do Estado Democrático de Direito no marco da teoria do discurso de Jüngen Habermas. GALUPPO, Marcelo Campos (Coord.). Constituição e democracia: fundamentos. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 235-262. OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de; QUINAUD PEDRON, Flávio Barbosa . O que é uma decisão judicial fundamentada? Reflexões para uma perspectiva democrática do exercício da jurisdição no contexto da reforma do processo civil. BARROS, Flaviane de Magalhães; BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. (Org.). Reforma do processo civil: perspectivas constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, v. 1, p. 119-149 PLETSCH, Natalie Ribeiro. Formação da prova no jogo processual penal: O atuar dos sujeitos e a construção da sentença. São Paulo: IBCCRIM, 2007. PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório: A conformidade constitucional das leis processuais penais. 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2006. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2006. RIO GRANDE DO SUL, Apelação-Crime nº 70008576449, 5ª Câmara Criminal, rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. 09/06/2004 RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, Habeas Corpus nº 70018920934, Quinta Câmara Criminal, rel. Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, j. 04/04/2007, Publicada em 29/05/2007. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, Apelação Criminal nº 70035235290, Quinta Câmara Criminal, rel. Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, j. 28/04/2010, Publicada em 07/06/2010. RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, Apelação Criminal nº 70030002109, Quinta Câmara Criminal, rel. Desembargador Amilton Bueno de Carvalho, j. 08/07/2009, Publicada em 31/08/2009.

176

RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça, Apelação Criminal nº 70028751154, Quinta Câmara Criminal, rel. Desembargador Luís Gonzaga da Silva Moura, j. 29/04/2009, Publicada em 10/06/2009. ROSA, Alexandre de Morais da. Decisão penal: a bricolage de significantes. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2006. ROSA, Alexandre de Morais da. Quando se fala de juiz no novo CPP de que juiz se fala? COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. O novo processo penal à luz da constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 125-129. SANTIAGO NETO, José de Assis. A Lei 11.900/2009 e as garantias constitucionais do acusado. Boletim do Instituto de Ciências Penais (ICP). Belo Horizonte, nº 97, agosto de 2009, p. 4-5. SANTIAGO NETO, José de Assis. A construção da decisão no Processo Penal Democrático. Revista Eletrônica do Curso de Direito – PUC Minas Serro, abr. 2011. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/DireitoSerro/article/view/2004/2175. Acesso em: 12 Abr. 2011. SANTOS, Andrés de La Oliva. MARYÍNEZ, Sara Aragoneses. SEGOVIA, Rafael Hinojosa. ESPARZA, Julio Muerza. GARCIA, José Antonio Tomé. Derecho Procesal Penal. 4ª ed. Madrid: Editorial Centro de Estudos Ramón Areces, S.A, 2000. SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1996, Vol 1. SARMENTO, Daniel. Os direitos fundamentais nos paradigmas liberal, social e pós-social (pós-modernidade constitucional?). SAMPAIO, José Adércio Leite (Coord.). Crise e desafios da Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, cap. 18, p. 375-414. SILVA FILHO, Alberico Alves da. Jurisdição constitucional e judicação na teoria do direito democrático. LEAL, Rosemiro Pereira. (Coord.). Estudos continuados de teoria do processo, Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 127-179, Vol 3. SOARES, Carlos Henrique. O advogado e o processo constitucional. Belo Horizonte: Decálogo, 2004. SOARES, Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. SOTELO, Ignacio. El Estado Social – Antecedentes, origen, desarrollo y declive. Madrid: Editorial Trota S.A – Fundación Alfonso Martín Escudero, 2010.

177

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica, Constituição e Processo, ou de “como discricionariedade não combina com democracia”; o contraponto da resposta correta. MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. (Coords.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 3-27. STRECK, Lênio Luiz. Novo Código de Processo Penal: O problema dos sincretismos de sistemas (inquisitorial e acusatório). Revista de informação legislativa. Brasília, v. 183, ano 46, p. 117-139, julho-setembro/2009. SUAREZ-BARCENA, Emilio de Llera. Derecho Procesal Penal (Manual para criminólogos y polícias). 2ª ed. Valencia: Tirant lo blanch, 1997. TEIXEIRA, Welington Luzia. O gargalo do Judiciário. Jornal Estado de Minas, p. 11, 29/12/2010. THEODORO JÚNIOR. Humberto. Curso de direito processual civil. 39ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, Vol 1. THUMS, Gilberto. Sistemas processuais penais: tempo – tecnologia – dromologia – garantismo. Rio de Janeiro: Lumnen Juris, 2006. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1994. 14ª tiragem, 2008. TORNAGHI, Hélio. Instituições de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1959, Vol 1. TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987, Vol 1. TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no Processo Penal brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. VARGAS, José Cirilo de. Processo penal e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.