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Estado de conservação de caprinos
naturalizados no Brasil
Maria Norma Ribeiro
Universidade Fderal Rural de Pernambuco - Departamento de Zootecnia
1. Caracterização dos Caprinos Naturalizados
Os caprinos naturalizados no Brasil são descendentes dos tipos trazidos pelos
colonizadores portugueses. Devido ao processo de seleção natural que sofreram ao longo de várias gerações, esses animais apresentam alta capacidade de
sobrevivência e alta prolificidade (SOUZA & PIMENTA FILHO, 1991). A maioria
(90%) deles encontra-se no Nordeste dada a sua capacidade de sobrevivência herdada das cabras selvagens (DEVENDRA & BURNS, 1983). Apresentam
características comuns como: pequeno porte, pêlo curto, orelhas eretas e baixa
produção de leite, diferenciando-se apenas pela cor da pelagem. São em sua maioria constituídos de animais SRD (Sem Padrão Racial Definido), oriundos de
cruzamentos entre os nativos e, de nativos com raças indianas e européias. Os de
padrão racial definido representam uma minoria, sendo os principais tipos o
Moxotó, Canindé, Repartida e Marota (MASON, 1980). Alguns autores reconhecem outros tipos de menor expressão que são: Gurguéia, Biritinga, Azul, Craúna, Nambi
e Orelha de Onça (BARROS, 1987).
Apesar de apresentarem baixa produtividade, os caprinos naturalizados apresentam
grande potencial produtivo a ser explorado. Na raça Canindé, por exemplo, SANTOS et al. (1983), estimaram produção média diária de leite de 0,760 kg e SOUZA et
al., (1985) estimaram produção de leite média diária de 0,800 kg na raça Moxotó.
Portanto, a idéia de que esses animais apresentam baixo potencial produtivo é
inconcebível. É notório que essa capacidade é inferior à das raças especializadas, mas se faz necessário questionar: até que ponto seria viável tentar obter índices
produtivos muito elevados em condições adversas, se muitas vezes o que os
animais consomem é insuficiente para mantê-los vivos? Nessas condições, deve-se explorar animais pouco exigentes, que tenham condições de utilizar os recursos já
disponíveis, visando a minimizar os custos de produção.
Além da sua importância como recurso biológico dotado de grande variabilidade
genética e do seu valor histórico, os caprinos naturalizados desempenham um papel importante para a região semi-árida do Nordeste do Brasil. Eles têm sido os
responsáveis pela fixação do homem ao campo, por serem uma fonte de proteína
animal de alto valor biológico disponível para as populações de baixa renda. No
entanto, a degradação do ambiente natural, notadamente a Caatinga, e a utilização desordenada em cruzamentos com raças exóticas têm levado os caprinos
naturalizados a um processo de degeneração. Diante dessa problemática, tem-se
tentado reunir esforços e adotar medidas de proteção, evitando que estes animais
sejam extintos.
1.1.Caprinos Moxotó
O nome da raça é originário do Vale do Moxotó, no estado de Pernambuco. Os animais apresentam uniformidade de cor, tamanho e tipo. A pelagem é baia ou
mais clara, com uma listra negra que se estende de bordo superior do pescoço à
base da cauda. Possuem uma auréola negra em torno dos olhos e duas listras
negras que descem até à ponta do focinho. Também são negras as orelhas, a face ventral do corpo e as extremidades dos membros, as mucosas, as unhas e o úbere.
Os pêlos são curtos, lisos, cerrados e brilhantes.
Os animais atingem 62 cm de altura. As fêmeas adultas pesam de 30 a 40 Kg. A
prolificidade é de 1,36 e a mortalidade de animais com menos de 1 ano alcança 15,9%. Esses caprinos são bastante rústicos, tendo como aptidão a produção de
carne e pele.
1.2. Caprinos Repartida
Os animais da raça Repartida apresentam pelagem prata na parte anterior do corpo
e baia na posterior, com delimitação irregular. A cabeça é escura com manchas
baias irregulares, pescoço preto com bordo inferior baio, orelhas manchadas com a parte interna preta. Os membros são baios com manchas pretas nas extremidades.
Apresentam pêlos pretos nos quartos posteriores, nas coxas e nas pernas. A cauda
é preta na parte dorsal e claro nos bordos. A prolificidade média é de 1,20 e a mortalidade para animais até um ano é de 32,9%. O peso médio de animais com
um ano de idade é de 15 Kg. A exemplo da raça Moxotó, a aptidão dos caprinos da
raça Repartida é para pele e carne.
1.3. Caprinos Canindé
Os caprinos da raça Canindé assemelham-se aos das raças Moxotó e Repartida em
tamanho, forma e função, embora seja a que tem maior aptidão leiteira das três. A pelagem é preta com o ventre e as pernas de tonalidades vermelho-amarelada a
branca. Os pêlos são curtos e brilhantes. Os animais são leves e de pequeno porte,
medindo cerca de 55 cm de altura e pesando 40 Kg. A prolificidade varia de 1,29 1,43 e a mortalidade situa-se de 15,0 a 18,6% para animais de até um ano de
idade. Para animais com essa idade o peso gira em torno de 15,7 Kg.
1.4. Caprinos Marota
Também denominada de Curaçá, a raça Marota tem como características principais
a pelagem branca uniforme, além de pele, mucosa e cascos claros. Alguns animais
possuem pêlos ásperos Angorá. Os animais são de pequeno porte e leves, com os adultos pesando cerca de 36 Kg. Os estudos em indivíduos da raça Marota indicam
variações de prolificidade de 1,30 a 1,53. Em animais inferiores a um ano de idade,
a mortalidade alcança a média de 28,7%. Ao completar o primeiro ano de vida os
animais atingem cerca de 16,8 Kg. A aptidão maior desses animais é para a
produção de pele e carne.
1.5. Caprinos Azul e Nambi
Além dos tipos descritos anteriormente, o Nordeste do Brasil possui um rebanho caprino que conta com numeroso contingente de animais com diferentes
caracterizações, comumente denominados SRD, além de outros tipos menos
comuns, como os tipos Azul e Nambi, encontrados em pequena quantidade na
região do Cariri Paraibano.
2. Conservação
Uma espécie está ameaçada de extinção se, mesmo que ocorra em uma área extensa, for escassa por toda a sua distribuição geográfica. E uma espécie é dita
rara se estiver densamente concentrada mas for limitada a algumas pequenas
populações, restritas a uma distribuição geográfica minúscula (WILSON, 1986, 1994). Nestes casos, faz-se necessário conservá-la. A conservação in situ seria a
forma mais adequada de salvar patrimônios genéticos de um completo
desaparecimento. Entretanto, esta medida nem sempre é possível de ser
implementada, principalmente, quando o número de animais de uma determinada raça ou espécie já encontra-se muito reduzido e nesses casos, tem-se recorrido aos
bancos de germoplasma in situ e/ou ex situ. A formação de bancos de
germoplasma para a conservação de recursos genéticos é uma medida viável para
promover o desenvolvimento sustentado da caprinocultura na região Nordeste.
A conservação in situ de populações de tamanho reduzido, leva inevitavelmente à
depressão endogâmica e à deriva genética, fatores que contribuem para a perda de
variabilidade. Segundo RALL & BALLOW (1986), para se reter de 80% a 90% da
variabilidade genética de populações a longo prazo, estas devem serem formadas de cem a trezentos indivíduos. Em qualquer circunstância, outro fator que deve ser
considerado é a relação entre tamanho da espécie e área disponível para a sua
criação.
A conservação em parques e reservas tem sido uma das formas de se proteger animais da extinção. No entanto, essas medidas só têm funcionado em países
desenvolvidos como EUA e países da Europa. Nos países em desenvolvimento,
como o Brasil, por exemplo, que apresentam alta densidade populacional, os povos são pobres e concentram-se nos depósitos mais ricos de diversidade biológica, essa
medida torna-se inviável, pois o homem utiliza esses recursos para a sua própria
sobrevivência. Nestes casos, deve-se buscar o desenvolvimento econômico
sustentável, fator que depende da conservação da biodiversidade. Esse é um ponto de entrave para os países pobres que detêm a maior diversidade do planeta, e nos
quais as ameaças à biodiversidade também são maiores.
3. Conservação no Brasil
Dada a sua importância, a conservação de animais naturalizados é uma
preocupação das instituições de pesquisa. A EMBRAPA, através do CENARGEN (Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia) em parceria
com diversas Universidades e Empresas Estaduais de Pesquisa vem desenvolvendo
projetos de caracterização e avaliação desses animais para conservação, dentre
eles caprinos das raças Canindé, Moxotó e Marota (MARIANTE, 1996).
Um exemplo pioneiro de conservação de caprinos naturalizados tem sido realizado pela Fazenda Carnaúba, no Município de Taperoá, na Paraíba. Ao longo de vários
anos, vem se desenvolvendo ali cruzamentos de animais da raça Gurguéia com a
Parda Alpina e da Craúna com a Murciana. Além de avaliar esses grupos quanto ao seu potencial produtivo, o criador tem tido o cuidado de conservar os rebanhos
naturalizados, protegendo-os da extinção. Isto serve como exemplo para criadores
que exploram os caprinos como se fossem um recurso inesgotável, não se
preocupando com o futuro dos mesmos.
Outro esforço nesse sentido está sendo desenvolvido na Paraíba através do Projeto de Gerenciamento da Caprinocultura daquele Estado, promovido pela UFPB
(Universidade Federal da Paraíba) com incentivos do Governo Estadual. A partir da
identificação dos tipos naturalizados e do número de animais existente em cada grupo, será possível delinear um programa de melhoramento paralelo a um
trabalho de conservação desses animais.
A organização de bancos de germoplasma é uma estratégia adequada e que deve
ser explorada nos seus vários aspectos, com envolvimento e participação dos
criadores e pesquisadores de forma integrada.
O avanço tecnológico tem permitido o desenvolvimento de técnicas avançadas de
conservação ex situ, através de processos criogênicos, transplantes embrionários,
inseminação artificial, dentre outros. Esses métodos são de extrema importância,
pois permitem salvar espécies que de outra forma não teriam chance de sobrevivência. Na caprinocultura, estas técnicas também podem ser úteis na
recuperação de raças que vêm desaparecendo lentamente devido a utilização em
cruzamentos desordenados. Além disso, é necessário investir na recuperação do ecossistema caatinga como um todo, e não em partes isoladas, pois a
sustentabilidade depende de uma abordagem sistêmica da situação.
4. Política de conservação para o Brasil: estratégias possíveis
4.1. Formação de bancos de germoplasma
Estaduais/Regionais
Nacional (in situ e ex situ)
Resgate da história
Estudo da erosão genética
5. Bancos de germoplasma
Os bancos de germoplasma podem ser:
a)Animais vivos
in situ
ex situ
b) Estoque de tecidos reprodutivos
c) Segmentos de DNA
d) Sêmen
e) Embriões congelados
6. Estratégias para a formação de bancos de germoplasma
Melhoria da infra-estrutura
Senso e caracterização das raças
Capacitação de pessoal
Padronização dos procedimentos
Envolvimento dos criadores
7. Limitações dos bancos de germoplasma in situ
Deriva genética
Tamanho das populações
Seleção natural atuando sem controle
8. Vantagens dos bancos mantidos in situ
Possibilita detectar e eliminar defeitos genéticos
Reconstituição de populações originais
Maior estabilidade e maior sobrevivência do mais apto
9. Considerações Finais
Esses esforços isolados são pouco suficientes para garantir a sobrevivência dos
caprinos naturalizados, necessitando portanto, de um envolvimento conjunto do
governo e da sociedade. A questão é um tanto complexa, pois envolve a
necessidade de investimentos altos e trabalhos de concientização, visando mudar a percepção do homem, sobre o real valor dos caprinos naturalizados para a região
Nordeste. Assim, deve-se reunir esforços e buscar formas equilibradas de
exploração do patrimônio genético desses animais, através de programas de melhoramento por cruzamento e seleção, associados a trabalhos de recuperação,
preservação e conservação das raças em seu estado de pureza. Os esforços valerão
a pena, uma vez que os recursos biológicos têm valor inestimável.
10. Literatura Consultada
BARROS, A. C. Caprinos Nativos: Privilégio do Nordeste. Aracaju, SUDAP, CODEA, 1987. 192 p.
ALDERSON, L., BODÓ, I. Genetic Conservation of Domestic Livestock. V. 2,
CAB International, 1992, 282p.
DEVENDRA, C. & BURNS, M. Goat production in the tropics. Commonwealth Agricultural Bureaux, UK. 2nd ed. 1983. 183 p.
DIEGUES, A. C. S. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo, HUCITEC,
1996. 169 p. MARIANTE, A. S. Conservação de Recursos Genéticos Animais no Brasil. In: 1º
SIMPÓSIO NACIONAL DE MELHORAMENTO ANIMAL. Ribeirão Preto, S.P., 1996,
Anais... p.82-6. MASON, I.L. Sheep and goat production in the drought polygon of Northeast Brazil.
Wourld Animal Review. v. 49, n. 34, p. 23-28, 1980.
RALL, L. & BALLOW, J.D. Genetic Management of captive populations. Zoo. Biol. v.
5, n. 2, p.84-238, 1986. SOUZA, W.H. & PIMENTA FILHO, E.C. Estratégia para o Melhoramento de Caprinos
no Brasil. In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE ZOOTECNIA,. J.P. 1991, Anais... p.103-
36. WILSON, E.O. Biodiversidade. Nova Fronteira, 1986. 656p.
WILSON, E.O. Diversidade da Vida. Companhia das Letras, 1994. 447p.