estado corporativo, luís aguiar-conraria

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  • 8/3/2019 Estado Corporativo, Lus Aguiar-Conraria

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    Estado CorporativoLus Aguiar-Conraria

    Outubro de 2006

    Sou licenciado em Economia. Tenho dois mestrados e um doutoramento em Economia. Souprofessor de Economia numa universidade pblica. Sou membro da Associao EconmicaEuropeia. Tenho artigos publicados em revistas cientficas internacionais de Economia. Comtodas estas qualificaes, o Estado portugus no me reconhece como economista.Porqu? Porque no estou inscrito na Ordem dos Economistas.

    Quais as consequncias de no estar inscrito na Ordem? De acordo com artigo 4 dos seusEstatutos, no posso fazer anlises, estudos, relatrios, pareceres, peritagens, auditorias,planos, previses, certificaes e outros actos, decisrios ou no, relativos a assuntosespecficos na rea da cincia econmica. Resta-me, sempre que quiser elaborar umdestes estudos, pedir a um meu aluno que assine por mim.

    A Ordem dos Economistas no um exemplo isolado. A pouco e pouco, Portugal tem-setornado num estado corporativo. Advogados, arquitectos, bilogos, enfermeiros e muitosoutros organizam-se em torno de corporaes profissionais. H ainda Pr-Ordens parapsiclogos e professores.

    Por que existem estas corporaes profissionais? Tipicamente, argumenta-se quedeterminadas actividades so muito exigentes e especializadas e que os prejuzos quemaus profissionais causariam sociedade seriam tremendos. De seguida, diz-se que osprofissionais no activo esto em melhores condies para definir os requisitos da suaprofisso.

    Esperar-se-ia que as Ordens Profissionais e outras corporaes dessem formaoadequada sobre o exerccio da profisso e que procedessem a um controlo de qualidade,punindo infraces a cdigos deontolgicos. isto que observamos? Claramente, no. H

    uns anos, por exemplo, no houve qualquer condenao aos mdicos que passaramcentenas de atestados a alunos de Guimares para faltarem aos exames. H uns dias, aInspeco-Geral de Sade concluiu que a um nmero alarmante de baixas mdicas nemsequer correspondia um nico registo clnico do doente. De ambas as vezes, a reaco daOrdem dos Mdicos foi dizer que os mdicos no so polcias. Se nem com estesescndalos mediticos as Ordens actuam, o que esperar no dia-a-dia? Na verdade, em vezde garantirem as melhores prticas, as Ordens protegem, de uma forma autista, os seusassociados.

    A nica aco visvel da Ordem dos Mdicos tem sido a de limitar o nmero de mdicos.

    Desde que existe, tem-se esforado por impedir a abertura de novos cursos de medicina e oaumento do nmero de vagas nos cursos j existentes. Quase sempre com sucesso. Os

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    farmacuticos tm conseguido impedir a abertura de novas farmcias. Mesmo a tnue emeritria liberalizao ensaiada pelo governo Scrates serve os interesses das farmciasinstaladas. A Ordem dos Notrios quer o monoplio da autenticao de documentos. AOrdem dos Arquitectos recusou-se a reconhecer o curso de Arquitectura da UniversidadeFernando Pessoa. A Ordem dos Revisores Oficiais de Contas exige uma licenciatura

    adequada e obriga os candidatos a sujeitarem-se a quatro exames escritos e um oral. Cadaexame custa 300 euros. Antes dos exames os candidatos so aconselhados a frequentarum curso de preparao com quatro mdulos, que decorre ao longo de um ano. O custo decada mdulo de 1650 euros. A pequena minoria que passa nos exames tem ainda de fazerum estgio de trs anos com remuneraes baixssimas.

    As estratgias variam, mas o objectivo o mesmo: criar barreiras hercleas que impeam oacesso profisso. este o papel das Ordens. Restringir a oferta e a concorrncia. Osefeitos de tamanhos obstculos so bvios. J em 1776, Adam Smith escrevia que osprivilgios exclusivos das corporaes, os estatutos de aprendizagem, e todas as leis que,em empregos determinados, restringem a concorrncia () tendem a sustentar salrios elucros a um nvel superior sua taxa natural. Tais sobrevalorizaes podem durar tantoquanto as regulamentaes que lhe deram origem.

    No vale a pena ter iluses. As Ordens, e outras corporaes profissionais, servem paragarantir remuneraes anormalmente elevadas aos seus associados, perpetuando os seusprivilgios, prejudicando e subjugando o interesse pblico a interesses privados.

    (Originalmente publicado no blogue A Destreza das Dvidas.)

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