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KAREN ROBERTA MORIGGI
ESSA TAL EDUCAO... INFANTIL: MEMRIAS DOCENTES.
MESTRADO EM EDUCAO
UNISAL Americana
2010
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KAREN ROBERTA MORIGGI
ESSA TAL EDUCAO... INFANTIL: MEMRIAS DOCENTES.
Dissertao apresentada ao Centro Universitrio Salesiano de So Paulo - UNISAL, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Educao, sob a Orientao do Prof. Dr. Lus Antonio Groppo.
UNISAL Americana
2010
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Moriggi, Karen Roberta
M849e Essa tal educao... infantil: memrias docentes / Karen Roberta Moriggi. - Americana: Centro Universitrio Salesiano de So Paulo, 2010.
145 f. Dissertao (Mestrado em Educao). UNISAL SP. Orientador: Prof. Dr. Lus Antonio Groppo. Inclui bibliografia. 1. Educao infantil. 2. Infncia. 3. Memrias.
4. Memoriais. 5. Educadoras. I. Ttulo.
CDD 372.21
Catalogao elaborada por Terezinha Aparecida Galassi Antonio
Bibliotecria do Centro UNISAL UE Americana CRB-8/2606
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BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________
Prof. Dr. Lus Antonio Groppo
UNISAL
_______________________________________________
Prof. Dr. Margareth Brandini Park
UNICAMP
________________________________________________
Prof. Dr. Severino Antnio Moreira Barbosa
UNISAL
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Dedico este trabalho
a todos que compartilham comigo
a alegria de viver.
ESPECIALMENTE:
Aos meus pais, Terezinha e Roberto,
exemplos de vida e sabedoria.
querida filha Rafaela,
motivao da minha existncia!
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AGRADECIMENTOS
Acima de tudo, a Deus:
Por estar sempre segurando a minha mo, dando-me foras para superar este e muitos outros desafios, colocando em meu caminho, nos momentos precisos, pessoas to especiais.
minha famlia:
Em especial minha filha, pela compreenso nos momentos de dedicao ao mestrado.
Aos meus pais Terezinha e Roberto, meus irmos Kelly e Jnior, corao, orao, brao direito e esquerdo em tantos momentos importantes.
Ao meu primo Reginaldo por estar presente no incio desta caminhada e tambm ao Jeferson pelo apoio, por ter sido companheiro, nesta reta final.
Obrigada por fazerem parte da minha vida, estarem comigo sempre, corresponderem ao meu amor.
De modo especial, ao meu orientador, Prof. Dr. Lus Antonio Groppo, pela dedicao nas orientaes e pelos inmeros momentos de compreenso.
Prof. Dr. Margareth Brandini Park e ao Prof. Dr. Severino Antnio Moreira Barbosa, pelo apoio, aceitao e contribuio nos momentos de participao da banca examinadora.
Aos queridos estagirios (alunos), professores e monitores, por suas valorosas contribuies pesquisa desta dissertao.
s minhas colegas de profisso, inmeras educadoras que me auxiliaram nessa trajetria de aluna-pesquisadora-educadora. Tambm aos amigos professores de Arte Educao Ivan e Lilian.
Aos meus amigos, que estiveram torcendo por mim, mesmo nos muitos momentos em que no pude estar to perto.
Carinhosamente Adriana, pelas transcries em lngua inglesa.
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[...] o lembrar no visa a descrio do passado,
como de fato foi,
mas a sua retomada salvadora na histria presente.
Um sujeito, podemos acrescentar,
que no fala de si para garantir
a permanncia da sua identidade,
mas que, ao contar sua histria,
se desfaz de representaes definitivas
e ousa afirmar-se na incerteza...
Jeanne Marie Gagnebin
(1999, p.90-91)
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Menino (1950) Desenho a guache/papel 20x 20 cm Coleo particular Rio de janeiro, RJ. (Portinari, 2001. pg. 34)
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RESUMO
Esta dissertao tem como tema a Educao Infantil e as Memrias
Docentes. Seu objetivo primordial , a partir da ressignificao das memrias
docentes, perceber o eco de tais lembranas na formao e prtica do sujeito
como educador. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que busca dar voz ao
educador, por meio da ressignificao de sua histria, delineando uma ligao
entre presente-passado-presente. Neste estudo, se faz uso de memoriais
realizados por educadores, divididos em quatro categorias: estudantes de
Pedagogia em processo de formao (no atuantes na prtica como docentes);
estudantes de Pedagogia que atuam como estagirios na Educao Infantil;
estudantes de Pedagogia e monitoras de creche; professoras de Educao
Infantil formadas em Pedagogia. Essa ligao da memria, entre presente e
passado, uma relao complexa, pois ao mesmo tempo em que a memria
latente, ela tem o potencial de interpretao de determinados fatos, quando
elucidados por objetos e desafios reais postos pelo presente. Nesta pesquisa,
percebemos que tanto momentos positivos, como os negativos vivenciados
pelos educadores desde sua infncia, no esto guardados no passado, mas
fazem parte do presente de forma ressignificada, e refletem em suas prticas,
hoje na posio de educadoras.
Palavras-Chave: Educao Infantil, infncia, olhar scio-comunitrio, memria, memoriais, educadoras, passado, presente.
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ABSTRACT
This paper deals with the Early Childhood Education and the Teaching
Memories. Its primary objective is to perceive the echo of such memories in
the formation and in the practice of the individual as educator, starting from the
resignifying of the teaching memories. This is a qualitative research which
seeks to give voice to the educators through the resignifying of their history,
delineating a connection among present-past-present. In this study, reports
made by educators are used and divided into four categories: students of
Education in formation process (not working as teachers in fact); students of
Education who work as interns in the Early Childhood Education; students of
Education and nursery teachers; teachers of Early Childhood Education
graduated from Education. This connection of the memory, between present
and past, is a complex relation because, at the same time that the memory is
latent, it has the potential of interpretation in certain facts when they are
elucidated by objects and real challenges from the present. In this research, we
perceive that both positive and negative moments lived by the educators since
their childhood are not locked in the past, but part of the present as
resignificance, and they are reflected in their practices, now in the position of
educators.
Key-Words: Early Childhood Education, childhood, socio-community sight, memory, reports, educators, past, present.
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SUMRIO
INTRODUO............................................................................................ 11 CAPTULO I O LUGAR DA EDUCAO INFANTIL... BUSCA DAS PARTICULARIDADES ..........................
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1.1. Esta tal Educao... Infantil................................................................... 19 1.2. Educao Informal................................................................................ 20 1.3. Educao Formal.................................................................................. 22 1.4. Educao No-formal........................................................................... 25 1.5. Educao Infantil ................................................................................. 29 1.6. Marcando Fronteiras............................................................................ 30 CAPTULO II A INFNCIA E A EDUCAO INFANTIL......................... 40 2.1. Breve Histrico da Infncia................................................................... 42 2.2. Breve Histrico da Educao Infantil.................................................... 50 2.3. A Educao Infantil Externa ao Mundo Secular: Idade Mdia............. 51 2.4. A Sociedade Industrial e a Expanso da Educao Infantil ................ 55 2.5. Cenrio Nacional em Transformao ........................................ 62 2.6. As Leis impulsionam as Mudanas Sociais ou as Mudanas Sociais impulsionam as nossas Leis.........................................................
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CAPTULO III METODOLOGIA DE APLICAO E ANLISE DE MEMORIAIS: AS LEMBRANAS QUE SE TRANSFORMAM EM HISTRIA ESCRITA..............
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3.1.Memria 78 3.2 Fundamentos Metodolgicos 81 3.3 Porque se escreve... Para qu... para quem se escreve... 86 3.4 Histria de Vida: escrever, ler, analisar um memorial 87
CAPTULO IV MEMORIAIS E OS ECOS RESSOADOS NA PRTICA DOCENTE....................................................................................................
89
4.1. Histria de Vida e Prticas Docente: Partes do mesmo mosaico-........ 91
4.2. Apresentao das Educadoras 94 4.3. Memrias da Infncia: Construo- ressignificao- reconstruo da prtica docente
98
4.3.1. Escolha pela Profisso: Quero ser Educadora... 98 4.3.2. Experincias significativas na trajetria escolar 106 4.3.3. Relatos reflexivos: Marcas do passado no presente 112 4.4. O Rio e sua Nascente: Educadora e trajetria Escolar 119
CONSIDERAES FINAIS........................................................................ 126 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS........................................................... 129 APENDICE .................................................................................................
Meu Memorial ........................................................................................... 137
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INTRODUO
Tudo no mundo comeou com um sim.
Uma molcula disse sim a outra e nasceu a vida.
Mas antes da pr-histria havia a pr-histria da pr-histria
e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve.
No sei o que, mas sei que o universo jamais comeou.
Que ningum se engane, s consigo a simplicidade atravs de muito trabalho.
Enquanto eu tiver perguntas e no houver resposta, continuarei a escrever [...]
No se trata apenas de narrativa, antes de tudo vida primria que respira,
respira [...]. O que escrevo mais que do que inveno,
minha obrigao contar sobre essa moa entre milhares delas.
E dever meu, nem que seja de pouca arte, o de revelar-lhe a vida.
Porque h o direito ao grito.
Ento eu grito.
Clarice Lispector
(2009, p. 11)
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Os campos se vestiram de arco-ris semears estrelas pelos caminhos sem fim. Os Beija flores te faro roda cantando: ciranda, cirandinha... Com Denise j podemos ir Lua... (Portinari 1979. pg. 85)
Denise em Rosa com cachorrinho 1960 Pintura a leo/ Madeira 36x 27,3 cm Coleo Particular. Belo Horizonte, MG (Portinari 2001. pg. 85)
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Em todos os nveis de ensino, as relaes culturais, sociais e familiares
esto presentes. Na Educao Infantil, essas relaes aparecem mais
evidentes, uma vez que h preocupao com algumas caues que fazem
parte dos direitos das crianas como as garantias sade, higiene, nutrio,
segurana, socializao e bem-estar, bem como expresso oral, musical,
corporal, ao movimento, s brincadeiras livres e dirigidas, alm dos conceitos
que envolvem as reas do conhecimento de matemtica, expresso escrita,
cincias, natureza e sociedade, filosofia, artes, dentre outras.
Por excelncia, a educao infantil merece maior ateno pelo fato da importncia que ela possui na construo da personalidade e da moral do indivduo e qui de uma sociedade. A educao infantil extremamente importante para o desenvolvimento integral do ser humano. (KHOURY, 2007, p. 11)
Assim, importante retratar toda a trajetria que contribuiu para a viso
de Educao Infantil e direitos que temos hoje, como cita Godoi (2004, p. 24):
[...] durante muito tempo a criana no foi reconhecida como sujeito de
direitos, porm, hoje existe um avano nessa direo. Houve uma conquista
muito grande em relao afirmao de seus direitos
Ento, nos questionamos:
Qual a concepo de educao que permeia e permeou a Educao
Infantil ao longo dos anos? Qual a significao do processo de Educao
Infantil vivenciado por educadores enquanto educandos? Sobretudo, qual sua
influncia na maneira de pensar, de agir em sua prtica profissional atual?
Em primeiro lugar, uma boa parte do que os professores sabem sobre o ensino, sobre os papis do professor e sobre como ensinar provm de sua prpria histria de vida e, sobretudo, de sua histria de vida escolar. (TARDIF, 2000, p.13).
Todo processo educativo vivenciado pela criana influenciar em sua
maneira de ser e pensar a educao quando adulto educador e, por essa
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razo, temos como relevante investigar essa memria da infncia de
educadores, a fim de verificar qual a influncia do processo educacional
vivenciado na sua infncia em sua prtica atual, ou seja, qual a memria
consciente dessa influncia.
A capacidade de uma pessoa para se relacionar depende das experincias que vive, e as instituies educacionais so um dos lugares preferenciais, nesta poca, para se estabelecer vnculos e relaes que condicionam e definem as prprias concepes pessoais sobre si mesmo e sobre os demais. (ZABALA, 2007, p. 28).
Pretendemos, assim, dar voz aos adultos educadores que, um dia,
quando crianas, participaram desse processo educacional como alunos, com
a inteno de proporcionar, por meio dos memoriais, o repensar, refletir e
reconstruir a sua trajetria acadmica, especialmente, na parte que concerne
Educao Infantil, por ser esta a primeira base educativa fora do mundo
secular. Nesse sentido, segundo Von Simson e Giglio (2001, p.159-160), [...]
utilizam-se do presente para reconstruir vivncias e experincias pretritas, o
que nos propicia pensar nossas futuras aes com bases muito mais slidas e
realistas.
Pensando que cada histria nica, e que a experienciao subjetiva,
buscamos perceber nessas singularidades e subjetividades a significao de
um processo educativo, na vida profissional do educador em atividade.
Para tanto, algumas etapas so delineadas com o objetivo de trabalhar
com os conceitos relacionados Educao, Infncia, Educao Infantil na
histria social, por meio da educao na infncia na histria pessoal de
educadores que atualmente trabalham na Educao Infantil.
A dissertao foi assim organizada:
O Captulo I enfoca a reconstruo dos conceitos relacionados
educao, reconhecendo que ela est alm dos limites formais e, ao longo dos
anos, condies histricas sociais determinaram o surgimento de outros
campos educacionais como, por exemplo, a Educao Infantil. Buscaremos
encontrar suas razes conceituais dentro do prprio conceito de educao,
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ampliando para alm das fronteiras nossa viso para esta problemtica
educacional especfica, por meio do olhar sociocomunitrio.
Sendo a Educao Infantil parte da etapa educacional que compe
nosso interesse, buscamos refletir sobre as caractersticas de tal educao e
as subdivises da educao conhecidas atualmente, com o pensamento
focado em saber qual o lugar da Educao Infantil; contudo, no com a
inteno de enquadr-la em um tipo especfico de educao, mas apenas de
buscar a compreenso da sua especificidade e levantar questes a esse
respeito.
O Captulo II enfoca um breve levantamento histrico sobre a infncia,
uma vez que nosso foco de ateno so as memrias de educadores em
relao a sua infncia. Nossa inteno compreend-la pela contraposio de
duas interpretaes sobre a histria social da criana: - a interpretao que
acredita que o sentimento da infncia teria surgido apenas na Modernidade
defendida por Philippe Aris (1981); - a interpretao que acredita que o
sentimento da infncia sempre existiu, de Moyss Kuhlmann Jr. (1998) e,
complementando essa interpretao, temos ainda Ricardo da Costa (2007), ao
afirmar que a Educao Infantil fora do mundo secular j existia desde a Idade
Mdia, portanto, j havia preocupao com a educao da criana naquela
poca.
Com o intuito de reconstruir caractersticas da Educao Infantil na
histria, bem como o contexto histrico e social em que ela ganhou espao,
permite-nos compreender e interpretar a significao da Educao Infantil,
reconhecendo traos de identidades histricas, presentes na histria recente
dessa etapa da educao. Alm de fazer o percurso histrico, social, poltico e
econmico que influenciou a educao, retratando as mudanas ocorridas na
legislao que diz respeito Infncia e Educao Infantil.
Almejamos, com isso, perceber as caractersticas que se alteraram com o
passar do tempo, vises de educao que foram construdas, paradigmas
quebrados, paradigmas reconstrudos.
O Captulo III tem seu foco na memria e na metodologia de aplicao e
anlise de memoriais.
A profisso docente traz em si sua trajetria enquanto educando, desde
sua infncia, que influencia em seu modo de pensar e agir sobre o mundo e,
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portanto, sobre sua prtica educativa. So esses traos que buscamos nos
memoriais.
O Captulo IV apresenta os memoriais aplicados a professores de
Educao Infantil, para dar vozes aos sujeitos, agentes histricos e
educadores. Procuramos, em suas memrias, vivncias, experincias
significativas relacionadas sua educao desde a infncia.
Por meio dessa reconstruo, visando dar um ressignificado sua
prtica como Educador Infantil.
Com essa construo da dissertao, queremos pensar a extenso da
histria acadmica do educador em sua atual prtica docente, tendo sua
histria de infncia como foco de nossa pesquisa.
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CAPTULO I - O LUGAR DA EDUCAO INFANTIL... BUSCA DAS PARTICULARIDADES
A aprendizagem no deve ser uma mera acumulao de conhecimentos,
uma interao verbal de saberes vividos, no s em
salas de aula, como numa comunidade. O modo de pensar deve
afetar o saber algo sobre algo (esquemas conceituais), como saber
o que fazer e como fazer com o que se sabe sobre algo (conhecimentos
sobre procedimentos) e saber quando faz-lo (conhecimento
sobre em que condies usar o que se sabe).
Joo Ribeiro Jnior. 2004
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Ronda Infantil- 19 (320 Pintura a leo/ tela 39 x 47 cm Coleo particular So Paulo, SP (Portinari 2001. pg. 8)
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Evidenciamos, neste captulo, a nossa inteno de no classificar a
Educao Infantil num conceito determinado, muito menos afirm-la como
oposta a determinados tipos de conceitos educacionais.
O que almejamos , diante da caracterizao dos diferentes conceitos a
respeito da educao, buscar a percepo dos pontos divergentes e das
caractersticas em comum com a Educao Infantil, a fim de compreender suas
particularidades.
1.1. Essa tal Educao... Infantil!
[...] A Educao uma inveno humana e, se em algum lugar foi feita
um dia de um modo, pode ser mais adiante refeita de outro, diferente, diverso e
at oposto. (BRANDO, 1987, p. 99)
A educao uma inveno humana e, alm disso, ela se deu de forma
distinta em determinadas sociedades e tempos histricos, bem como sofre e
sofrer transformaes no decorrer do tempo. Tem, como uma de suas tarefas,
em todas as pocas, segundo Caro e Lobo (2004), voltar-se ao carter social
do ser humano.
Uma das tarefas da educao, nas sociedades, tem sido a de mostrar que os interesses pessoais individuais s podem se realizar plenamente por meio dos interesses sociais, ou seja, a educao, ao socializar o indivduo, mostra que sozinho, o ser humano no sobrevive. (CARO; LOBO, 2004, p. 25)
Segundo Brando (1987), a educao no pode ser confundida com a
educao escolar, ela vai muito alm, est por toda a parte, muito mais
ampla do que os limites da formalidade.
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Procurei corrigir a viso estreita de que educao se confunde com a escolarizao, e se encontra s no que formal, oficial, programado, tcnico, tecnocrtico [...] a educao existe em toda parte, e faz parte dela existir entre opostos. (BRANDO, 1987, p. 100).
Outra questo, levantada por Caro e Lobo (2004), a da complexidade
em se subdividir a educao, devido diversidade e quantidade de agentes ou
instituies que se descrevem como educacionais. Porm, para as autoras,
apesar de a tentativa de classificao ser to complexa quanto as realidades
educativas, h a necessidade de se distingui-las:
[...] a educao uma realidade complexa, heterognea e verstil. A multiplicidade de processos, fenmenos, agentes ou instituies que se tem considerado como educativo apresenta tanta diversidade, que pouco se pode dizer da educao em geral. Quando se fala em educao, faz-se necessrio distinguir, estabelecer classes, diferenci-las, orden-las e at parcelar o seu universo. (CARO; LOBO, 2004, p. 21)
Assim, temos na educao as tentativas de subdivises e classificaes
que buscam abranger todas as modalidades educacionais existentes, tais
como: Educao Informal, Educao Formal, Educao No-formal e
Educao Social.
1.2. Educao Informal
Para definir Educao Informal, devemos pensar no homem primitivo,
uma vez que este, na busca pela sobrevivncia, modificava o ambiente com o
objetivo de superar desafios do momento e socializava as experincias por
meio da tradio. Dessa forma, a educao primitiva era essencialmente
informal. Com base nessa reflexo da poca primitiva, segue a definio de
Educao Informal:
A educao, portanto, era, sobretudo, a prtica do cotidiano. Nos seus primrdios, era livre enquanto no vinculada a um certo domnio espacial. Os indivduos buscavam transformar a natureza adversa em parceria para sua sobrevivncia, Assim, ela era parte do prprio trabalho de complementao da
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natureza, sem qualquer preocupao de categorizao dos educandos. Como no perodo antigo no havia espao especfico para aprender, a educao era acompanhada pela imitao e assim, hoje, essa educao informal ainda est presente nos contatos familiares e sociais, possibilitando, no decorrer dos anos, a transmisso cultural, de gerao a gerao. (CARNEIRO, 1988 apud CARO; LOBO, 2004, p.20).
Comenius (2002), em sua concepo, enfoca a escola materna como
aquela educao que ocorre no seio da famlia, ou seja, sob os cuidados dos
pais, por meio de processos de Educao Informal.
Essas so tarefas e metas da escola materna. No possvel explic-las de modo mais minucioso, como foi feito com os outros tipos de escola, por exemplo, com um esquema que indique o que deve ser desenvolvido em cada ano, ms e dia (como dever ser feito na escola verncula e na latina) por dois motivos. O primeiro que em casa no possvel aos pais seguir uma ordem to precisa como o da escola pblica, cuja nica tarefa educar os jovens. Em segundo lugar, por que o engenho e a ndole das crianas se desenvolvem de modo desigual, mais depressa numas, mais devagar noutras. Por exemplo, algumas crianas de dois anos sabem falar muito bem e fazem muitas coisas que outras fazem a duras penas aos cinco; por isso, a formao das crianas durante a primeira infncia depende inteiramente do discernimento dos pais. (COMENIUS, 2002, p.331) (grifo nosso).
A frase que grifamos destaca uma caracterstica levantada por
Comenius (2002), acerca da informalidade da educao no lar, mesmo
havendo intencionalidade.
A Educao Informal, para Gohn (1999), aquela que provm de
processos espontneos e/ou naturais e, mesmo que haja uma inteno e esta
acarrete valores (ex. educao familiar), ela no sistematicamente
organizada e planejada, pois seu carter permanente, ocorre durante toda a
vida, ou seja, sempre existir.
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1.3. Educao Formal
A Educao Formal a Educao Escolar.
A instituio escolar nem sempre existiu; uma construo histrico-
social, uma resposta diante das necessidades da poca e que, para atingir tais
necessidades, transformou-se ao longo do tempo. A escola no existiu sempre,
como tambm, a sua natureza e importncia variaram no tempo, dependendo
das necessidades socioeconmicas das sociedades onde esteve inserida.
(CARO; GUZZO, 2004, p.25).
Segundo Gohn (1999), Educao Formal educao planejada, mas
com pouca flexibilidade, contedo mnimo obrigatrio, espao determinado,
restando poucos espaos para discusses subjetivas.
Para Fermoso (1994), a expresso educao formal significa a ao educativa, que requer tempo e aprendizagem, regulada no sistema geral educativo pelas normas decorrentes da administrao competente, conduzida pela instituio social chamada escola, dirigida obteno de ttulos e concedida para conseguir objetivos e intencionalidades previamente fixados pela autoridade competente (CARO; LOBO, 2004. p. 24)
Tendo a Educao Formal carter mais burocrtico, de obrigatoriedade
e menos flexibilidade, Moll (2006) aponta para a necessidade de a escola
buscar espaos educativos no formais com seus alunos, para que estes se
desenvolvam, tanto nos aspectos acadmico-profissionais, como pessoal-
sociais. S assim h a possibilidade, segundo ele, de encontrarmos uma nova
maneira de relacionamento com os educandos e nos permitir superar tal
desafio.
Paulo Freire, ao apontar a necessidade de se olhar a instituio escolar
para alm de seus muros, levanta a importncia dos saberes no escolares:
uma pena que o carter socializante da escola, o que h de informal na experincia que se vive nela, de formao ou deformao, seja negligenciado. Fala-se quase exclusivamente do ensino dos contedos, ensino, lamentavelmente quase sempre entendido como transferncia
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do saber. Creio que uma das razes que explicam este caso em torno do que ocorre no espao-tempo da escola, que no seja a atividade ensinante, vem sendo uma compreenso estreita do que educao e do que aprender. No fundo, passa despercebido a ns que foi aprendendo socialmente que mulheres e homens, historicamente, descobriram que possvel ensinar. Se tivesse claro para ns que foi aprendendo que percebemos ser possvel ensinar, teramos entendido com facilidade a importncia das experincias informais nas ruas, nas praas, no trabalho, nas salas de aula das escolas nos ptios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significao. H uma natureza testemunhal nos espaos to lamentavelmente relegados das escolas. (Freire, 1996 p. 25)
Moll (2006) acredita que na escola as relaes de ensino-
aprendizagem devem caminhar com o objetivo de favorecer o processo de
desenvolvimento dos alunos, partindo do princpio de que todos os alunos tm
esse direito.
Somos alertados, ento, por Park & Fernandes (2005), sobre a ideologia
dominante, que cria um abismo antidemocrtico na sociedade, entre os
detentores do saber escolar, da verdade, e os sujeitos que no tm acesso a
estes.
Levantam a questo dos saberes sistematizados e no sistematizados,
e que a sociedade, em cada tempo histrico, legitima o discurso de que os
saberes escolares so crticos, racionais, cientficos, e os demais saberes so
de pouca importncia e menor reconhecimento.
o processo poltico de legitimao dos saberes, uma vez que os saberes no esto disponveis a todos. Como em um mercado existem aqueles que tm poder de compra para ter acesso e conhecer determinados saberes e que aqueles no o tm. Uma das estratgias utilizadas para que isso ocorra a afirmao de que necessrio um saber escolarizado para poder ser considerado um saber crtico, referenciado e aceito pela sociedade. Atravs desse discurso e dessa idia veiculados socialmente, h uma homogeneizao das crianas e dos adolescentes freqentadores da educao formal, integrando-os sociedade mais ampla, segundo os desejos dos grupos no poder. (Park & Fernades, 2005. p. 20)
H a necessidade de um cuidado com os discursos dominantes, que
acabam por conservar a ordem vigente de dominao e controle. A conscincia
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de sermos condicionados nos d a condio, segundo Freire, de
transformao.
[...] a rea escolar traz consigo a contradio entre transformao e reproduo. Nos processos educativos institucionalizados, possvel observar tanto atitudes e propostas de cunho transformador como aes no sentido de garantir a manuteno e reproduo do status quo, sendo ingnuo procurar por propostas que possam ser consideradas exclusivamente transformadoras ou somente reprodutoras. (Park & Fernandes, 2005. p. 23)
Portanto, dentro da instituio de Educao Formal, convivem aes de
carter transformador e reprodutor, no entanto, a caracterstica sistemtica e
pouco flexvel do currculo escolar faz essa instituio estar mais suscetvel ao
discurso dominante, o qual Paulo Freire levanta a necessidade de transpor.
O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me pe numa posio em face do mundo que no de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presena no mundo no a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. a posio de quem luta para no ser apenas objeto, mas sujeito tambm h histria. Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condies materiais, econmicas, sociais e polticas, culturais e ideolgicas em que nos achamos geram quase sempre barreias de difcil superao para o cumprimento de nossa tarefa histrica de mudar o mundo, sei tambm que os obstculos no se eternizam. (Freire 1996. p. 31)
No posso, por isso, cruzar os braos fatalistamente diante da misria, esvaziando, desta maneira, minha responsabilidade no discurso cnico e "morno", que fala da impossibilidade de mudar porque a realidade mesmo assim. O discurso da acomodao ou de sua defesa, o discurso da exaltao do silncio imposto de que resulta a imobilidade dos silenciados, o discurso do elogio da adaptao tomada como fado ou sina um discurso negador da humanizao de cuja responsabilidade no podemos nos eximir. (Freire, 1996. p. 45)
Caracterizamos, no tpico seguinte, a Educao No-formal.
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1.4. Educao No-formal
Seguiremos definindo Educao No-formal, que diferente da
Educao Informal e tambm diferente da Educao Formal, contudo, no
contrria a esta.
[...] embora obedea tambm a uma estrutura e a uma organizao (distintas, porm das escolas) e possa levar a uma certificao (mesmo que no seja esta sua finalidade) diverge ainda da educao formal, no que respeita a no fixao de tempos e locais e a flexibilidade na adaptao dos contedos de aprendizagem a cada grupo concreto. (Afonso. 1992: 86 e 87)
Todavia, Garcia (2005) coloca a necessidade de uma conceitualizao
prpria Educao No-formal, que no ocorra a partir da Educao Formal,
mas que busque suas particularidades.
Em um primeiro momento, devemos aqui ressaltar que a Educao No-
formal voltada para crianas de camadas pobres, segundo Park & Fernandes
(2005), passa por discursos que a consideram como atividades de pouca
importncia, sem considerar seu carter de construo do homem social.
[...] ainda concebido por diferentes setores, inclusive o educacional, como oferecedora de atividades para passar o tempo, brincar, ocupar a cabea com coisas mais interessantes do que aquelas que fazem parte do mundo da rua, alm de serem oferecidas com o intuito de tir-las das ruas. Essas propostas so vistas como de menor importncia, sem o compromisso de contribuir para a construo do homem social; considera-se que essa contribuio se d de maneira casual. (Park & Fernandes. 2005. p. 24)
Devemos ento quebrar este discurso simplista ao explicitar as
caractersticas e possibilidades de ao da Educao No-formal.
Trata-se de uma educao intencional, planejada de forma a possibilitar
a flexibilidade dos contedos. Local no qual o espao pode ser criado e
recriado, a fim de atingir os objetivos dos grupos e que pode ocorrer em
diversos lugares, como igrejas, entidades, reparties pblicas, associaes,
sindicatos, nas divulgaes cientficas, na mdia, nos museus, por meio da
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informtica, nas ONGs, dentre outros. Ela uma educao de carter coletivo,
voltada para o entendimento de fatos, fenmenos sociais cotidianos, aspectos
morais, assuntos de interesse do grupo, tendo como principal objetivo o
exerccio da cidadania. (Gohn ,1999)
H diferentes motivos que levam um sujeito a buscar esse segmento da
educao, de forma que no h um pblico especfico a ser atendido, mas,
sim, misto. Assim, a caracterstica de abertura ao novo, ao desconhecido e aos
imprevistos faze da Educao No-formal uma possibilidade educativa que
Fernades (2008) chama de integrada e integradora
O campo da Educao No-Formal e os educadores que desenvolvem as aes prticas so elementos potenciais para a criao, para o surgimento do novo, para as invenes, um espao de resistncia ao institudo, que pode problematizar e abrir novas perspectivas a esse cenrio que envolve as prticas educativas tanto dentro como fora da escola, na cidade, com a cidade e para a cidade, na perspectiva de uma educao integrada e integradora no quanto isso for possvel de acontecer .(Fernandes, 2008. p. 92)
A Educao No-formal se destaca, portanto, por seu aspecto flexvel
diante das diferentes realidades, contextos, sujeitos e finalidades.
[...] a flexibilidade uma das caractersticas da Educao No-Formal, portanto, ela pode e deve estar presente nos momentos de se pensarem os espaos e os tempos da educao, no currculo que se constri e que se abre para o novo, para o imprevisto, para o inesperado, nas metodologias que so construdas e desenvolvidas, na criatividade e no desafio de se lidar com o que se tem disponvel e com os interesses e necessidades de um pblico misto que busca esses espaos educativos como lugares de ampliao de repertrio, de preparao para a vida ou para a busca de trabalho, de complementaridade ou alternativa escola, ao sistema formal e que altamente vulnervel e susceptvel s vicissitudes sociais, culturais e econmicas da atualidade. (Fernandes 2008, p. 91) Grifo nosso.
Temos que salientar a coexistncia dos vrios tipos de educao aqui
mencionados nos mesmos espaos. Uma vez que os muros das casas,
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escolas ou instituies no so os delimitadores das educaes que ali
coexistem.
Como exemplo podemos citar a questo da intencionalidade da educao
existente em muitos momentos dentro do lar nas relaes familiares, outro
exemplo a no intencionalidade educacional existente em muitos momentos
de troca de experincias entre os alunos na educao escolar e entre os
participantes da educao no-formal. Alm da existncia da educao no-
formal dentro das instituies escolares, principalmente com o ensino integral.
Portanto a caracterizao dos diferentes tipos de educao mais a nvel
de conceituao, no e nem pretende ser um delimitador de espao de sua
ocorrncia.
Uma das possibilidades, que pode ser mais desenvolvida no futuro a
educao scio-comunitria, que busca olhar a educao para alm das
fronteiras espaciais e se atenta para a questo da relao entre educao ,
sociedade e comunidade.
Vemos a Educao Scio-comunitria a partir de um referencial
marxista, como uma maneira mais abrangente de olhar para as problemticas
educacionais, de forma que nos permite englobar a Educao Infantil.
Temos a definio de educao scio-comunitria como sendo formas de intervenes educacionais diferenciadas da educao formal. Para pens-las, fazemos uso principalmente dos conceitos de prxis comunitria e prxis social, capazes de fazer-nos compreender, conforme Groppo (2008, p. 113)as crescentes mas nem sempre novas formas de interveno educacional que se diferenciam (ou que procuram se diferenciar) da educao escolar formal: Educao No-Formal, Comunitria, cooperativa, social, via organizaes no-governamentais, projetos de responsabilidade social etc.
Groppo (2008) coloca que essas propostas educacionais tm como
princpio a soluo de desafios locais, portanto, intervenes educativas
restritas a determinadas comunidades, todavia consegue visualizar que estas
podero alcanar grandes estruturas.
Aqui, a prxis destas intervenes avaliada como sendo ainda de tipo comunitrio, portanto restrita a realidades e problemas
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locais, incapaz de transformaes estruturais mais amplas. Porm, acredita ser possvel a elevao destas intervenes a um nvel mais conseqente e, sobretudo, a articulao delas de modo orgnico, permitindo a sua evoluo para a prxis de tipo social (que capaz de alterar as estruturas sociais de modo relevante). (Groppo, 2008.p. 113)
Entretanto, para alm de qualquer fronteira, a Educao Scio-
comunitria vem nos proporcionar a possibilidade de um olhar socio--
comunitrio.
Num sentido mais amplo, o olhar scio-comunitrio sobre a educao promove o estudo dos impactos sociais da educao, a saber, tanto a influncia da educao (seja esta, escolar, social, comunitria, no-formal, informal etc.) sobre a sociedade, quanto influncia da sociedade (seja esta presente na forma de processos scio-histricos gerais, ou atravs da comunidade ou mesmo das famlias dos educandos) sobre a educao. (Groppo. 2008. p. 114)
A proposta de uma viso diferenciada para as questes dos reflexos da
educao na sociedade e da sociedade na educao, no especifica um tipo
de educao ou outro, mas nos proporciona um olhar para a educao como
um todo.
Buscando este olhar scio-comunitrio, iremos discorrer a seguir sobre a
histria da infncia e Educao Infantil, a fim de nos proporcionar maior clareza
na compreenso da dimenso mais ampla, histrico-social, das realidades
histricas individuais dos sujeitos pesquisados.
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1.5. Educao Infantil
A Educao Infantil, em sua especificidade, envolve o brincar livremente
e de forma dirigida, a socializao, a expresso corporal, oral e grfica, a
autonomia. Nos Referenciais Curriculares para a Educao Infantil (1998)
temos os seus eixos: Linguagem oral e escrita, Matemtica, Natureza e
sociedade, Movimento, Artes Visuais.
De um modo geral, podemos descrever algumas das atividades
desenvolvidas em cada eixo:
Em Linguagem oral e escrita explora a expresso oral, por meio de
msicas, histrias, roda da conversa, depoimentos, momentos que privilegia o
contar e ouvir histrias, atividades que permite explorar a linguagem escrita,
letras e a relao grafema fonema, perceber as letras por toda a parte e sua
funo social.
Em artes visuais explora a expresso de um modo amplo agua o gosto
pelo fazer artstico, desenvolve a criatividade por meio da produo, da
apreciao, da interao com o outro, e explorao das diferentes tcnicas e
materiais artsticos.
A Matemtica desenvolvida de forma contextualizada, ou seja,
relacionada ao cotidiano da criana. Permite observar, experienciar, manipular
materiais, conhecer os nmeros, realizar contagens, estabelecer a sequencia
numrica, comparar quantidades, observar e compreender a utilizao dos
nmeros no dia a dia, trabalhar espao e formas, permite o conhecer e explorar
as formas geomtricas alm de perceb-las em todas as coisas, vivenciar os
conceitos de grandezas e medidas, explorar situaes problemas, entre outras
coisas.
O outro eixo de trabalho Natureza e Sociedade, que envolve a higiene
cuidados com o corpo e com o meio onde vive com temas como:
alimentao, coleta seletiva de lixo, o desperdcio da gua, preservao do
meio ambiente, cuidado com os animais e flora, percepo do prprio
crescimento e do desenvolvimento. Os temas podem variar de acordo com as
necessidades de cada faixa etria e de cada grupo.
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Em movimento explora as habilidades de correr, subir, descer, pular,
agachar, levantar, desviar, brincadeiras populares, cantigas de roda, jogos com
regras, manipular diferentes objetos, brincadeiras livres, brincadeiras de faz de
conta. Trabalha a conscincia do corpo e suas possibilidades.
De acordo com a LDBn /96 na Seo II, Captulo II nos artigos 29, 30 e
31 o objetivo da educao infantil o desenvolvimento integral da criana,
necessariamente buscando uma parceria com a famlia e comunidade,
implicando na busca por uma educao voltada para o conhecimento do ser
humano, da natureza e relaes sociais, uma vez que dever complement-
las. A lei tambm delimita as idades e locais onde a educao infantil dever
acontecer, demarcando fronteiras, alm de deixar claro a necessidade de uma
avaliao, todavia sem a inteno de promoo para outro nvel. Vejamos suas
especificidades legais:
Art. 29 A educao infantil, primeira etapa da educao bsica, tem com finalidade o desenvolvimento integral da criana at os seis anos de idade, em seus aspectos fsico, psicolgico, intelectual e social, complementando a ao da famlia e da comunidade.
Art. 30 A educao infantil ser oferecida em: I creches ou entidades equivalentes, para crianas de at trs anos de idade; II pr escolas para crianas de quatro a seis anos de idade.
Art. 31 Na educao infantil a avaliao far se mediante acompanhamento e registro de seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoo, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.
Diante de suas particularidades e recentes mudanas legais, buscamos
identificar qual ser o lugar dessa Educao Infantil, dentre as diversas
definies de Educao.
1.6. Marcando Fronteiras
[...] a Educao Infantil se constitui numa rea nova de investigao, apesar de a preocupao com a pequena infncia no ser algo recente na histria. Alm disso, ela difere do Ensino Fundamental por no ser algo recente na histria. (GODOI, 2004. p. 17).
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Neste tpico final do captulo, promovemos uma recapitulao, no com
o objetivo de enquadr-la em uma nomenclatura especfica de tipo de
educao, uma vez que essas prprias esto hoje em discusso, mas, sim,
tentando levantar caractersticas divergentes e convergentes dentre as vrias
subdivises relacionadas educao.
Garcia e Garcia (2007) trazem uma importante reflexo sobre outras
reas educacionais que foram importantes para a formao da Educao No-
formal que temos hoje.
Dentre essas reas que foram base para construo da identidade da
Educao No-formal, Garcia (2007) aponta a educao de jovens e adultos
e a Educao Infantil. Sobre esta ltima, destacam que a creche foi uma
conquista dos movimentos feministas. Essas instituies, apesar de
filantrpicas, sempre foram educacionais, mas no eram legalizadas, nem
faziam parte das polticas pblicas como a Educao No - Formal.
possvel identificarmos algumas reas como base para o nascimento da Educao No-formal no Brasil; mais do que base, porque so prticas, concepes, que se entrelaam, misturam-se e em outros momentos se contradizem. So aes que vieram se consolidando na maneira de pensar, fazer e olhar para a educao no Brasil. Do entrelaamento dessas aes e de sua reflexo, perceptvel observar o nascimento do campo de Educao No-formal, que no isolado e no est s, no processo de construo de sua estrutura. (GARCIA; GARCIA, 2007, p. 32)
Apesar disso, Garcia e Garcia (2007) evidenciam que no tm a
inteno de classificar essas aes como Educao No-formal, mas tm o
objetivo de:
[...] apresentar algumas caractersticas que essas propostas tiveram e que hoje fazem parte do que vem sendo denominado Educao No-formal, buscando a pistas e passos da trajetria da Educao No-formal no Brasil e da constituio de seu campo conceitual. (GARCIA; GARCIA, 2007, p. 52)
E a Educao Infantil, onde estaria dentre essas subdivises?
Tendo-se que, na Educao No-formal, o seu limite legal e burocrtico
escasso (CARO; LOBO, 2004, p.34), a Educao Infantil no se encaixaria
nesse perfil da educao nos dias atuais, por apresentar limites legais,
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burocrticos, estruturados e horrios estabelecidos, mesmo no sendo de
carter de obrigatrio, de direito de toda a criana.
Guimares (2007) levanta questes relacionadas instituio de
Educao Infantil, principalmente aps a constituio de 1988 e a LDB de
1996, que caracterizaram a passagem da creche para a secretaria da
Educao.
Por um lado, na legislao, a creche integra o sistema educacional (que envolve tradicionalmente as instituies escolares). Por outro lado, a poltica educacional vigente define a creche como instituio educativa sem carter escolar, onde a complementariedade entre educar e cuidar caracteriza o atendimento. Ou seja, o modelo da creche demanda formas de relacionamento com as crianas e com as famlias que desafiam a tradio escolar que caracteriza o trabalho nas instncias educativas. (GUIMARES, 2007, p. 17)
Outro ponto relevante foi observar que ao descrever as caractersticas
da educao social, percebemos que todas elas so tambm caractersticas
importantes na Educao Infantil:
Conjunto de habilidades desenvolvidas pela aprendizagem graas eficincia e eficcia dos agentes socializadores; Convivncia com os demais. Prepara para formar parte de grupos primrios e secundrios, nos quais se socializa e coopera na consecuo dos objetivos comuns, e no respeito s pessoas e seus direitos;
Manuteno da identidade pessoal;
Otimizao da conduta social, porque esta aceitvel s se realmente se tem acertado responder s estimulaes exteriores e se tem modificado o comportamento. A educao social que no efeito deficiente e criticvel. (CARO, 2004, p. 50-51).
Ora, se a Educao Infantil no tem carter obrigatrio (assim como a
Educao No-formal), segundo Godoi (2004), esta no pode ser confundida
com a educao formal dada nas escolas de Ensino Fundamental. Na busca
de trabalhar a criana de forma global, valoriza a questo da cultura, tem como
principal objetivo a socializao, tem planejamento de acordo com as
necessidades das crianas, tem um contedo flexvel, trabalha com a questo
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da identidade, como a educao social. Percebemos que tem muitos pontos
em comum com a educao social.
Ento, se a Educao Infantil no faz parte da Educao Informal, uma
vez que tem intencionalidade, objetivos a serem desenvolvidos, planejada de
forma a permitir a flexibilidade dos contedos, se ela no igual, ou melhor,
no deve ser igual educao escolarizada (formal), por que no ser
caracterizada como Educao Social?
So aes relacionadas socializao que, por meio da aprendizagem,
geram o desenvolvimento.
Vejamos esta afirmao de Godoi (2004):
[...] presenciamos que, em relao s crianas de zero a trs anos de idade, desenvolve-se um trabalho mais parecido com os cuidados de casa e com as crianas de quatro a seis anos, um trabalho mais parecido com a escola regular. (GODOI, 2004. p. 31)
Tal afirmao descaracteriza a Educao Infantil de 0 a 3 anos, uma vez
que a compara aos cuidados de casa, ou seja, procedimentos informais (sem
planejamento, educao que acontece espontaneamente), esquecendo-se de
sua rotina e procedimentos prprios dessa etapa educacional. Todavia, a
discusso sobre as particularidades da Educao Infantil recente.
No Brasil, como em outros pases, a discusso do cuidado como uma dimenso imprescindvel do trabalho educativo com crianas pequenas surge relativamente h pouco tempo, no bojo das discusses sobre a prpria histria das especificidades e peculiaridades das diferentes modalidades de atendimento criana, a saber, as creches e pr-escolas. (CORRA, 2003. p. 18)
Dessa forma, a comparao um equvoco, uma vez que mesmo com
os bebs presenciamos todo um planejamento das professoras, projetos de
trabalho, com uma intencionalidade. Ex: trabalho com a socializao, o
desenvolvimento motor etc.
Os cuidados de higiene, o afeto, o bem-estar etc. fazem parte da
Educao Informal e so tambm parte da Educao Infantil, em especial na
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etapa em que as crianas no tm habilidades e autonomia para realizarem
sozinhas essas atividades, porm, sem eliminar a importncia do restante do
trabalho pedaggico voltado para essa faixa etria (com intencionalidade e
objetivos planejados). Assim, uma no pode e no deve eliminar a outra, uma
vez que:
Na tentativa de superar tal viso, insiste na importncia de uma idia de "cuidado" mais abrangente, que seja includa no conceito de "educar", ou seja, algo que compreenda "todas as atividades ligadas proteo e apoio necessrias ao cotidiano de qualquer criana: alimentar, lavar, trocar, curar, proteger, consolar, enfim, 'cuidar', todas fazendo parte integrante do que chamamos de 'educar'" (CAMPOS, 1994, p.35). Essa perspectiva, medida que se mostra mais abrangente e se refere a necessidades e direitos de toda e qualquer criana, pode auxiliar na superao da idia ainda vigente de que, para um segmento social e etrio caberia o "cuidado", entendido apenas como "assistencialismo" e, no outro extremo, para o outro segmento caberia um trabalho "pedaggico", este tambm entendido de forma limitada porque ignorando outras necessidades e direitos. (CORRA, 2003. p. 19).
Outra afirmao de Godoi (2004) a de que em sua pesquisanotou-se
que de 4 a 6 anos a educao est muito parecida com a educao escolar
formal. Contudo, devemos lembrar que essa afirmao foi feita em 2004, e
algumas regras legais se alteraram desde ento. Primeiramente, foi
estabelecido por lei, em 2006, que a classe de 6 anos deveria, gradativamente,
passar a fazer parte da primeira srie do Ensino Fundamental, mas h uma
discusso a respeito de se alfabetizar ou no na Educao Infantil, nas classes
de crianas com 6 anos de idade.
No incio de 2006, foi aprovada uma nova lei, que aumentou de 8 para 9 anos a durao do Ensino Fundamental, determinando seu incio aos 6 anos e no mais aos 7 anos. Os sistemas e as escolas esto tentando adaptar-se a essa diretriz. Essa mudana dever levar universalizao do atendimento na faixa dos 6 anos, porm apresentando o risco de antecipar a nociva experincia da repetncia para crianas menores de 7 anos, nas redes e escolas que ainda no adotaram o sistema de ciclos de aprendizagem. (MALTA, 2006, p. 3)
Tal problemtica nos coloca novamente em xeque:
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Qual o papel dos educadores na Educao Infantil? Qual a finalidade da
Educao Infantil?
suprir carncias? Preparar para o devir?
Pensar a criana no seu tempo presente, como um ser em
desenvolvimento e repleto de potencialidades?
Historicamente, temos essas trs vises sobre a finalidade da Educao
Infantil. Analisemos tal afirmativa:
A Froebel se deve o mais largo passo dado na histria da educao em favor do reconhecimento da educao pr-escolar como uma fase que deve merecer de pais e de educadores a mais cuidadosa ateno, pelos benefcios que podem gerar nas etapas posteriores de desenvolvimento do educando. (SOUZA, 1973, p. 4) (grifo nosso)
Observando o grifo, podemos notar que essa idia do preparar a criana
para o depois, ou seja, para o ensino posterior, est enraizada na histria da
Educao Infantil, desde o incio do sculo XIX, com os pensamentos de
Froebel.
Friedrich Froebel filsofo e educador alemo, foi o fundador do primeiro
jardim de infncia no pas e tambm o primeiro educador a enfatizar o
brinquedo e a atividade ldica como essenciais no desenvolvimento infantil e
da linguagem da criana pequena. Acreditava que a criana era como uma
semente que precisava ser cultivada para o porvir, para ele a educao deveria
estar relacionada a vida por meio do que chamou lei das conexes internas
(relao entre homem, natureza e Deus) e que ocorreria atravs da auto
atividade e liberdade. A preocupao maior da educao infantil para ele
deveria ser com as etapas posteriores de desenvolvimento da criana e no
com o desenvolvimento da criana no tempo presente. (OLIVEIRA-
FORMOSINHO et al., 2007)
John Dewey, filsofo e um dos maiores pedagogos americanos do final
do sculo XIX e incio do sculo XX, contribuiu intensamente para a divulgao
dos princpios do que se chamou de Escola Nova, foi quem iniciou uma nova
maneira de pensar a educao, valorizando a histria de vida e o tempo
presente, colocando que a educao no deve preparar para a vida, mas que a
educao a prpria vida. (OLIVEIRA-FORMOSINHO et al., 2007)
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A idia da Educao Infantil como carter assistencialista est presente
desde o incio da pr-escola, todavia, temos mais recente, nos anos 70, a viso
de Educao Infantil como compensatria, como forma de ajudar as crianas a
superar as carncias nutricionais, culturais e afetivas, preparando-as para o
ensino formal, o que diminuiria o fracasso escolar e o ndice de repetncias no
1 grau.
Ningum mais coloca em dvida o fato de que a pr-escola, se viesse a formular e executar programas de compensao das carncia culturais trazidas pelas crianas oriundas de meios sociais menos privilegiados, que se situam de preferncia na periferia urbana e nas zonas rurais, poderia oferecer uma eficaz teraputica para a debelao das mais gritantes deficincias de aprendizagem que esta populao apresenta, ao iniciar aos 7 anos de idade o seu processo formal de escolarizao. Suprindo o vazio cultural e a insuficincia nutricional com quem essa clientela chega a idade escolar, apresentando no raro, 4, 5 ou 6 anos de idade mental, para 7 ou 8 da cronolgica, os programas compensatrios de pr-escola poderiam minimizar a terrvel realidade das reprovaes em massa que, hoje, se verificam na passagem de 1 para a 2 srie do ensino de 1 grau. (Parecer n 1038, 77 apud SOUZA, 1973. p. 16)
Percebemos, ento, que a pr-escola era vista como importante remdio
para uma patologia social: a pobreza, e, por essa viso, resultava-se na
carncia infantil, considerada a principal culpada do fracasso escolar. As
respostas dadas por Souza (1973) so de causa, efeito e funcionalidade, como
pensamento funcionalista.
Notamos, ainda, o preconceito criana pobre, ou chamada de carente,
implcito em suas entrelinhas, uma vez que se v a criana pobre, a priori,
como o futuro fracasso no processo de escolarizao.
Nessa perspectiva, a importncia dada Educao Infantil estava em
seu papel compensatrio, no h ento uma identidade especfica desse nvel
de educao, sua existncia legitimada com a funo de compensar um
problema social.
O questionamento acrtico dessas teorias torna a escola fatalista,
conformada ou matriz do fracasso escolar. (NISKIER, 1997. p. 187)
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Portanto, essa viso funcionalista da Educao Infantil est presente em
sua histria recente, mas quem nos garante que ela ainda no continua
presente em nossos dias atuais?
H, inmeras vezes, crticas estendidas Educao Infantil quando esta
trabalha com contedos da educao formal, escolarizada, ou ainda, quando
esta prepara para o devir, ou seja, escolarizao
Pensar na Educao Infantil como mera etapa educacional preparatria
para o Ensino Fundamental, ou compensatria de carncias infantis
descaracteriz-la enquanto etapa importante da educao da criana pequena,
singular, que tem objetivos prprios e caractersticas especficas.
Todavia, temos que lembrar que recentemente o ltimo nvel da
Educao Infantil vem passando a ser parte do 1 ano do Ensino Fundamental,
portanto, parte legitimada da Educao Formal.
Segundo Godoi (2004), os outros nveis de ensino (Ensino Fundamental
e Mdio) foram reconhecidos e tornaram-se obrigatrios h bastante tempo,
sendo dever do Estado e da famlia garanti-los s crianas. A Educao
Infantil, diferentemente, desde seu surgimento, tinha objetivos educacionais,
porm respondendo a preocupaes da poca, e somente foi reconhecida
como direito a partir da Constituio Federal de 1998, e includa como parte da
educao bsica a partir da LDB 9394/1996, sendo que passou a fazer parte,
recentemente, do FUNDEB (Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da
Educao Bsica), antes chamado de FUNDEF (Fundo de Manuteno e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio).
Outro fator importante que, apesar de a Educao Infantil estar na
Constituio de 1988, ele no est estendido a todas as crianas, uma vez que
as vagas so limitadas, no abrangendo toda a populao infantil. [...] Ainda
quando consultamos o documento do MEC, Educao Infantil no Brasil
(1994), observamos que a Educao Infantil, na prtica, ainda no um direito
de todos, j que a oferta de vagas ainda baixa. (GODOI, 2004. p. 17).
Diante dessas caractersticas legais da Educao Infantil, vemos que
sua definio no pode se misturar definio do Ensino Fundamental,
portanto, da Educao Formal.
Observaremos a citao de Park (2005), para reflexo sobre qual a
definio para a Educao Formal:
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Embora h muito experincias de Educao No-formal pululem pelo pas e mesmo pelo globo terrestre, a nomenclatura referente s propostas identificadas com o chamado terceiro setor continua colada ao universo das prticas escolares. O grande referencial para as prticas de aprendizagem , sem sombra de dvida, aquele que constitui o universo do sistema educacional, obrigatrio e presente na vida de grande parte dos indivduos. (PARK, 2005, p. 61) (grifo nosso)
Em tal colocao, Park traz tona a problemtica vivida pela Educao
No-formal, por sua definio estar, na maioria das vezes, a partir da
Educao Formal.
Todavia, a reflexo que buscamos neste momento, de qual definio
parte-se para caracterizar a Educao Formal? Observando o grifo, nota-se
que as caractersticas mais marcantes da Educao Formal acontecem pela
sua obrigatoriedade, e por ser parte da vida de boa parcela de pessoas.
Assim, devemos lembrar que a Educao Infantil assume um carter
facultativo, sendo opcional famlia matricular a criana ou no. Portanto, no
obrigatria.
Dessa forma, se a Educao Infantil no , ou melhor, no deve ser
confundida com a Educao Formal escolarizada e tambm no uma
educao informal, nem considerada Educao No-formal, qual ser o seu
lugar?
Para complementar esta reflexo, voltamos criao dos Parques
Infantis, que tiveram um incio marcantemente no escolar:
Os parques infantis criados por Mrio de Andrade em 1935 podem ser considerados como a origem da rede de Educao Infantil paulistana (Faria 1995) a primeira experincia brasileira pblica municipal de educao (embora no-escolar) para crianas de famlias operrias que tiveram a oportunidade de brincar, de ser educadas e cuidadas, de conviver com a natureza, de movimentarem-se em grandes espaos [...] L produziam cultura e conviviam com a diversidade da cultura nacional, quando o cuidado e a educao no estavam antagonizados, e a educao, a assistncia e a cultura estavam macunaimicamente integradas, no trplice objetivo parqueano: educar, assistir e recrear. (FARIA, 1999, p. 60-61)
Outra questo relevante que vale a pena destacar :
Ser a Educao Infantil um conceito em si mesma?
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Segundo Faria (2007), devemos pensar em uma poltica plural para a
pequena infncia, que considere a educao infantil nos diferentes espaos
onde ela ocorre.
Ela cita alguns destes espaos, deixando claro que est alm de
instituies, por exemplo: no lar, no teatro, cinema, rua, praa, mdia, sade,
assistencia, cultura. A preocupao levantada est relacionada a necessidade
de uma poltica plural, que considere a educao infantil em creches como
setor educacional, todavia sem negar a esta o direito a assistncia.
Ento levanta uma questo to importante quanto a citada
anteriormente, que est relacionada ao barateamento da educao infantil.
Coloca um alerta a este respeito, dizendo que este olhar para a infncia nas
diferentes esferas onde ela educada, no lhe tira o direito a uma educao
formal, com a profissionalizao docente exigida na constituio de 1988 e
LDB de 1996 para a primeira etapa da educao bsica.
A tnue fronteira entre a educao na esfera privada da famlia e na esfera pblica, nos mais diversos espaos que tambm educam, no pode justificar qualquer barateamento do direito educao formal da primeira infncia, principalmente no que se refere necessidade da profissionalizao docente na primeira etapa da educao bsica exigida pela constituio e pela LDB. A proposta do primeiro mundo de que a educao infantil seja um frum da sociedade civil (DAHLBERG, MOSS e PENCE, 2003. apud FARIA, 2007. pg:231-232)
No queremos negar que a Educao Infantil tem algumas caractersticas em
comum com a Educao Formal, com a Educao No-formal, com a
Educao Informal, com a Educao Social, o que pretendemos reconhec-
las e ir alm, evidenciando as particularidades desse tipo de educao.
[...] todo conceito tem uma histria [...] num conceito, h no mais das vezes, pedaos ou componentes vindos de outros conceitos, que respondiam a outros problemas, supunham outros planos. No pode ser diferente, j que cada conceito opera um novo corte, assume novos contornos, deve ser reativado ou cortado (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 30 apud GARCIA; GARCIA, 2005, p.25)
Cabe buscar o que especfico da Educao Infantil e quais elementos
a definem e a diferenciam. Entramos nessa questo a fim de lanar uma
problemtica que precisa de muitos estudos e aprofundamento.
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CAPTULO II A INFNCIA E A EDUCAO INFANTIL
A questo de que todos os indivduos nascem bebs e
sero crianas at um determinado perodo,
independente da condio vivida, inegvel, entretanto,
tal premissa nem sempre foi percebida dessa maneira e
por diversos perodos se questionou qual era o tempo da
infncia e quem era a criana. (ROCHA, 2002, pg. 2)
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O que mais me impressionou nos quadros de Portinari foi que na poca dele as crianas brincavam noite... (menina de 7 anos professora, aps a palestra audiovisual do Projeto Portinari) ((Portinari 1979. pg. 93)
Crianas Brincando 1940 Pintura a leo/ Tela 80x 100 cm Coleo Particular. So Paulo - SP (Portinari 2001. pg. 93)
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Procuramos, neste captulo, focar um breve histrico sobre a Infncia e
a Educao Infantil, com o objetivo de situar o leitor para que este compreenda
como se deu esse processo no tempo. considerada, tambm, a Educao
Infantil na Idade Mdia, na Sociedade Industrial at chegar ao Cenrio
Nacional de Transformao.
2.1. Breve Histrico da Infncia
Procurarmos fazer uma breve reconstruo histria sobre o conceito de
infncia com base em duas perspectivas: a de Philippe Aris (1981), de que o
sentimento da infncia teria surgido apenas na Modernidade; e dos
apontamentos tericos de Moyss Kuhlmann Jr. (1998) e Ricardo Costa
(2007), que, diferentemente de Aris, acreditam que o sentimento da infncia
sempre existiu.
Costa (2007) menciona que a Educao Infantil fora do mundo secular
j existia desde a Idade Mdia, portanto, j havia preocupao com a
educao da criana.
Assim, fazemos uso, como bibliografia fundamental, dos seguintes
autores: Kuhlmann Jr. (1998), Aris (1981), Rocha (2002), Borba (2001) e
Costa (2007), salientando que no temos a pretenso de esgotar as
discusses a esse respeito, mas compreender, por meio dessa trajetria da
infncia na histria, o que ser criana hoje.
Em 1998, o Ministrio da Educao lanou um documento intitulado
Referencial Curricular Nacional para a Educao Infantil, tambm chamado
de RCN, composto de trs volumes:
1) Introduo
2) Formao Pessoal e Social
3) Conhecimento de Mundo
O objetivo do documento :
Servir como guia de reflexo de cunho educacional sobre objetivos, contedos e orientaes didticas para os
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profissionais que atuam com crianas de Zero a Seis anos, respeitando seus estilos pedaggicos e a diversidade cultural brasileira (RCN, 1998, V.1, p.2)
Neste referencial, h uma reflexo sobre a criana:
A concepo de criana uma noo historicamente construda e, conseqentemente, vem mudando ao longo dos tempos, no se apresentando de forma homognea nem mesmo no interior de uma mesma sociedade e poca. (RCN, 1998, V.1, p.21).
Segundo Rocha (2002), o historiador Philippe Aris (1981), por meio de
pesquisas realizadas utilizando diversos documentos como fonte historiogrfica
dirios de famlia, dossis familiares, cartas, registros de batismo e inscries
em tmulos, alm da iconografia religiosa e leiga foi o precursor dos
primeiros trabalhos na rea de histria da infncia. Seus estudos sempre
apontaram para a construo do um sentimento de infncia que temos hoje,
inexistente, segundo ele, na Idade Mdia: O sentimento de amor materno no
existia, segundo o autor, como uma referncia afetividade. A famlia era
social e no sentimental. (ROCHA 2002, p. 5).
Esta perspectiva de infncia ressalta que, na Idade Mdia, nas
iconografias religiosas, as crianas eram representadas como adultos em
miniatura vistas, portanto, iguais aos adultos. As vestimentas e atividades eram
comuns a todos, fosse no trabalho, nas festas ou nos jogos.
Os adultos se relacionavam com as crianas sem discriminaes, falavam vulgaridades, realizavam brincadeiras grosseiras, todos os tipos de assuntos eram discutidos na sua frente, inclusive a participao em jogos sexuais. Isto ocorria porque no acreditavam na possibilidade da existncia de uma inocncia pueril, ou na diferena de caractersticas entre adultos e crianas. (ROCHA, 2002, p. 5).
A criana era ignorada pela sociedade dos adultos, no havendo
nenhuma ateno, ou cuidados especficos, para com ela; nem a preocupao
da famlia em lhe transmitir valores e a mortalidade infantil era vista como
natural. (BORBA, 2001).
Rocha (2002) acrescenta:
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A criana seria vista como substituvel, como ser produtivo que tinha uma funo utilitria para a sociedade, pois a partir dos sete anos de idade era inserida na vida adulta e tornava-se til na economia familiar, realizando tarefas, imitando seus pais e suas mes, acompanhado-os em seus ofcios, cumprindo, assim, seu papel perante a coletividade. (ROCHA, 2002, p. 4)
Na histria da construo do sentimento de infncia, retratada por
Philippe Aris (1981), percebemos que a trajetria da criana marcada pela
discriminao, marginalizao e explorao.
[...] a primeira idade a infncia que planta os dentes, e essa idade comea quando nasce e dura at os sete anos, e nessa idade aquilo que nasce chamado de enfant (criana), que quer dizer no falante, pois nessa idade a pessoa no pode falar bem nem formar perfeitamente suas palavras [...] (ARIS, 1981, p. 36).
Segundo Aris (1981), com o tempo, surgiram tipos de iconografias que
representam sentimentos mais prximos da infncia moderna, em que so
retratados os anjos adolescentes e a primeira pintura da infncia com gestos
graciosos do Menino Jesus e Nossa Senhora Menina.
Surgiram, ainda, pinturas com alegorias de morte e da alma por volta do
sculo XVI. Essa representao da morte, na interpretao de Aris (1981),
corresponde importncia que comea a ser dada s crianas, mesmo antes
de terem sido alteradas s condies demogrficas.
O aparecimento do retrato da criana morta no sculo XVI marcou, portanto, um momento muito importante na histria dos sentimentos [...] embora as condies demogrficas no tenham mudado muito do sculo XIII ao XVII, embora a mortalidade infantil se tenha mantido num nvel muito elevado, uma nova sensibilidade atribuiu a esses seres frgeis e ameaados uma particularidade que antes ningum se importava em reconhecer: foi como se a conscincia comum s ento descobrisse que a alma da criana tambm era imortal. (ARIS, 1981, p. 58-61)
Surgiram ento os Putti, crianas imaginrias, marcadas pela ideia de
inocncia representada pela nudez e depois a inocncia infantil da criana real,
quando as duas ideias se juntaram.
As crianas reais passaram a ser retratadas na iconografia laica, embora
ainda estivessem misturadas aos adultos, contudo, segundo Aris (1981), j
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estavam com algumas particularidades. Esse foi um momento de transio
para a viso mais moderna de infncia.
A partir do sculo XVII, foram retratadas, com grande frequncia, as
crianas sozinhas, ou as famlias em torno da criana.
Aris (1981) afirma que o sentimento de indiferena ainda existe, mas
est somado paparicao (pensar a criana como um ser agradvel para
brincar), sentimento este que nasce no interior da famlia:
De agora em diante, porm, as pessoas no hesitariam mais em admitir o prazer provocado pelas maneiras das crianas pequenas, o prazer que sentiam em paparic-las. (ARIS, 1981, p. 158)
Aris tambm demonstra como, por parte dos educadores e moralistas,
surge o sentimento de exasperao diante dessa paparicao dada s
crianas. Estes acreditavam na necessidade de uma diferenciao entre
criana e adulto, e que era necessrio que a criana tivesse uma educao
fora da famlia.
No se considerava mais desejvel que as crianas se misturassem com os adultos, especialmente na mesa sem dvida porque essa mistura permitia que fossem mimadas e se tornassem mal educadas. (ARIS, 1981, p. 161)
Aos poucos, segundo tal perspectiva sobre a infncia, a famlia comea
a aceitar esta ideia e vai deixando de lado a paparicao, passando a
preocupar-se com a educao dos filhos, levando a preocupao com a moral
e com a imposio de regras e disciplina: a primeira aliana famlia-escola.
Segundo Aris (1981), a preocupao em entender o mundo infantil e
suas particularidades levou ao surgimento de pesquisas sobre a psicologia
infantil e a educao, procurando compreender melhor a mentalidade das
crianas, a fim de buscar mtodos de ensino.
Aris (1981) aponta que o conceito de infncia comeou a surgir, ento,
no final do sculo XVII, consolidando-se o sentimento de infncia no final do
sculo XVIII.
A descoberta da infncia comeou sem dvida no sculo XVIII, e sua evoluo pode ser acompanhada na histria da arte e na
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iconografia dos sculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do sculo XVI e durante o sculo XVII. (ARIS, 1981, p. 65)
Apresentaremos a seguir, posturas antagnicas s apresentadas por
Aris (1981).
Costa (2007), diferentemente de Aris, afirma que o sentimento de
infncia sempre existiu, porm o destino da criana, durante muito tempo, foi
definido pelos adultos, e as expectativas a respeito da infncia sofreram
transformaes histricas: [...] o papel da criana sempre foi definido pelas
expectativas dos adultos, e esse anseio mudou bastante ao longo da histria,
embora a famlia elementar e o amor tenham existido em todas as
pocas.(COSTA, 2007, p.2)
Costa (2007) buscou investigar pistas da existencia do sentimento
fraterno pela criana desde a Idade Mdia, e procurou concluir que esse afeto
sempre existiu. Levantou a questo sobre a dificuldade em se pesquisar e
identificar o amor nas relaes nessa poca, uma vez que:
O amor uma forma muito profunda e especial de afeto, difcil de ser descrito, difcil de ser registrado a no ser nas emoes daqueles que o compartilham. Por isso, a Histria registra sempre o que se veste, onde se vive, o que se come, mas dificilmente narra como se ama, especialmente a intensidade e a forma do amor. Os tipos de textos consultados pelos historiadores - as Crnicas, por exemplo - esto mais atentos aos acontecimentos importantes, aos personagens e poltica. (COSTA, 2007, p.1)
Costa (2007) faz uma reconstruo da histria da infncia e da
Educao Infantil desde a Idade Mdia. Primeiramente, ele busca retratar o
que a Antiguidade deixou Idade Mdia, sobre o tratamento para com a
infncia.
A primeira presena deixada pela Idade Mdia era voltada ao poder ao
paterno em decidir o fim dessa criana, se ela poderia ser criada na famlia ou
se a abandonariam prpria sorte. A maior parte dessas crianas morriam, por
isso chamaram de poca de maior infanticdio.
A primeira herana da Antigidade no nada boa: a vida da criana no mundo romano dependia totalmente do desejo do
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pai. O poder do pater familias era absoluto: um cidado no tinha um filho, o tomava. Caso recusasse a criana - e o fato era bastante comum - ela era enjeitada. Essa prtica era to recorrente que o direito romano se preocupou com o destino delas. E o que acontecia maioria dos enjeitados? A morte. (COSTA, 2007, p.2)
A Cultura Germnica deixa tambm Idade Mdia um legado mais
ameno, ou menos negativo. O que aconteceria a criana que acabara de
nascer ainda estava sob o julgo do adulto (paterno), mas de modo diferente do
apresentado anteriormente, uma vez que a criana abandonada pela famlia
paterna poderia ser criada pela famlia materna, caso essa assim quisesse.
Caso fosse essa a escolha, a me tinha o direito da amamentao, ou seja, a
criana tinha uma chance de no sere simplesmente abandonada.
Dessa forma, a Idade Mdia convivia com duas tradies histrico-
culturais: a primeira, com a prtica do infanticdio; a segunda, que no
abandonava a criana, porm seu destino permanecia sob o julgo patriarcal.
Praticamente, segundo Costa (2007), era quase nulo o valor positvo atribudo
infncia, pois, em ambas as tradies, a existncia da criana dependia do
poder do patriarcal.
[...] se fosse menina ou nascesse com algum problema fsico, poderia ser rejeitada. Seu destino, caso sobrevivesse, era abastecer os prostbulos de Roma e o sistema escravista. At o final da Antigidade as crianas pobres eram abandonadas ou vendidas; as ricas enjeitadas - por causa de disputas de herana - eram entregues prpria sorte. (COSTA, 2007, p. 3)
Todavia, a religio crist conseguiu alterar, mesmo que de forma lenta,
esse quadro, por conta de seu trabalho com passagens da Bblia, que
evidenciam a importncia da criana.
Kuhlmann Jr. (1998) tece crticas pesquisa de Aris. Ele se pauta em
trs aspectos.
- O primeiro est relacionado escolha de um tipo de fonte muito
limitada, pois Aris (1981) pesquisou por meio de iconografias publicadas nos
livros de artes e esse tipo de arte, na poca, estava apenas ao alcance da
aristocracia, portanto, se torna errnea a generalizao que ele faz, uma vez
que este no considera a infncia das classes populares.
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Por outro lado, possvel inferir a existncia da infncia pobre percebida nas crianas do povo, filhos de camponeses e arteses, vivendo em espaos compartilhados com todos, participando das conversas com os adultos, nas praas com seus folguedos infantis, nas reunies noturnas, sem modos e talvez vestidas como adultos. Esta caracterizao das crianas do povo como indivduos sem modos, livres, com comportamentos inadequados, deve-se ao fato de que o conceito de pudor e vergonha so valores que foram sendo construdos a partir das relaes das famlias abastadas, sendo uma relao que se constri verticalmente das classes altas para as baixas. Todavia, isso no quer dizer que o sentimento ou a educao, mesmo informal, das crianas pobres no existisse. (ROCHA, 2002, p. 9) Grifo nosso.
Aris (1981) fez uso apenas do setor da mentalidade, do imaginrio,
para sua pesquisa, segundo Kuhlmann Jr. (1998). Aris no poderia ter se
contentado em pesquisar a histria da infncia e da famlia, apenas por meio
das Iconografias publicadas nos livros de arte, sem levar em considerao o
contexto social.
- O segundo aspecto se relaciona ao sentimento de Infncia. Kuhlmann
Jr. (1998), ao contrrio de Aris (1981), acreditava que existia esse sentimento,
ao menos na Idade Mdia, mas aos moldes da poca. Pierre Rich e Daniele
Alexandre-Bidon citam que esses historiadores escreveram um livro que
mostra vrias provas da existncia de um sentimento da especificidade da
infncia.
Rocha (2002) destaca, com base em Jacques Glis (1991), que as
relaes familiares nessa poca eram de suma importncia, uma vez que um
aprendia com o outro, que a convivncia era maior e a presena da criana no
ambiente familiar era muito significativa.
As aprendizagens da infncia e da adolescncia deviam, pois, ao mesmo tempo fortalecer o corpo, aguar os sentidos, habilitar o indivduo a superar os revezes da sorte e, principalmente, a transmitir tambm a vida, a fim de assegurar a continuidade da famlia (GLIS, 1991, p. 315 apud ROCHA, 2002, p.9).
Diante disso, os pais seriam os primeiros responsveis pela educao e
cuidados com seus filhos, diferentemente do que colocara Aris (1988), sobre
a inexistncia de sentimento de afeto da me em relao ao seu filho pequeno.
Kuhlmann Jr. (1998) cita, tambm, Michel Rouche:
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Em captulo sobre o sculo V a IX, apresenta exemplos que provam o apego dos pais aos filhos numa situao em que os pequenos viviam em melhores condies que os rapazinhos e mocinhas, freqentemente tratados a bastonadas (ROUCHE, ANO, PGINA apud KUHLMANN JR., 1998, p. 23).
Do mesmo modo cita Rocha (2002):
Sendo a educao ou a institucionalizao da criana responsabilidade da famlia, percebe-se que os filhos so frutos da possibilidade da ascenso social. Pais enxergam atravs de seus filhos a possibilidade da administrao dos bens familiares e, conseqentemente, a ampliao dessa possesso. A educao seria, pois, o cerne desse processo de elevao. Observa-se que, mesmo que as crianas ricas tivessem alguns privilgios com relao sua educao, as crianas das classes populares possuram tambm proteo (ROCHA, 2002, p. 9)
- O terceiro aspecto est relacionado ao equvoco de acreditar que a
preocupao, o cuidado e o sentimento de infncia melhoraram no decorrer do
tempo (com base em um determinismo psicolgico evolucionista), culminando
por culpar o passado por todas as injustias, como se a histria fosse esttica
e linear; como se hoje no houvesse injustias e contradies, minimizando e
descontextualizando a histria da infncia.
Kuhlmann Jr. (1998) acredita que:
A realidade social e cultural da infncia resulta decididamente mais complexa: primeiramente articulada em classes, com presena de ao menos trs modelos de infncia convivendo ao mesmo tempo; de outro lado, um percurso que vai da codificao do cuidado mitificao da infncia. (KUHLMANN JR., 1998, p. 21)
Para o referido autor, a criana um sujeito histrico, mas que no
escreve sua prpria histria, ou seja, ele acredita que a histria da criana a
histria sobre a criana, ento, preciso: [...] conhecer a representao de
infncia e considerar as crianas, localiz-las nas relaes sociais etc. [...]
reconhec-las como produtoras da histria. (KUHLMANN JR., 1998, p. 31)
Corra cita Elosa A. C. Rocha que, igualmente, coloca a coexistncia
de diferentes maneiras de se conceber a infncia, ao afirmar que "uma mesma
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sociedade, em seu tempo, comportar a partir de sua constituio
socioeconmica e cultural, diferentes infncias" (ROCHA apud Corra, 2003,
p.5).
Reconhecemos a importncia das pesquisas de Aris (1981) acerca da
infncia, acreditamos que no podemos jogar fora sua relevncia em
compreender alguns aspectos sobre ela relacionados na Idade Mdia, contudo,
a segunda perspectiva avanou bastante nos conhecimentos histricos
relacionados infncia.
Temos conceitos fundamentais trazidos pela segunda perspectiva e que
do um norte ao nosso trabalho, tais como:
- Coexistncia de diversos tipos de infncia numa mesma poca.
- Que o sentimento de infncia sempre existiu, mas aos moldes de cada
tempo histrico social.
Alm desses, h outro aspecto importante, levantado por Costa (2007):
- Existncia da Educao Infantil institucionalizada nos mosteiros desde
a Idade Mdia, o que nos faz pensar na preocupao com a educao das
crianas.
A seguir, trataremos desse aspecto, buscando compreender a Educao
Infantil na Histria.
2.2. Histrico da Educao Infantil
No passado, bem como no presente, a Educao Infantil se manifesta
como um conjunto de processos diversos de prticas informais, no formais e
formais.
Muitas dessas prticas se desenvolvem nas famlias, no lazer, em
instituies religiosas, entre outras, uma vez que at os dias atuais a Educao
Infantil, apesar de ser um direito da criana, de carter facultativo, ou seja,
pode ser: - uma opo da famlia, relacionada ao nmero de vagas nas
instituies; - prioridade de vagas a crianas cujas mes trabalham.
Dessa forma, no pretendemos aqui historiar, de maneira detalhada, um
processo com prticas to plurais, pois corremos o risco do fracasso, uma vez
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que a Educao Infantil, em sua histria, compreendida nessa abordagem
ampla, estendeu-se e estende-se por vrios domnios da vida social.
Pretendemos, ento, abordar alguns dos processos sistemticos e
organizados de Educao Infantil na histria, conferindo especial ateno
educao fora do mundo secular. Isso significa que a anlise, portanto, no
abrange o vasto mbito das prticas educativas informais.
2.3. A Educao Infantil Externa ao Mundo Secular: Idade
Mdia
Alguns autores como Kuhlmann Jr. (1998) e Haddad (1993) trazem
contribuies de extrema importncia, relacionadas Educao Infantil
institucionalizada a partir do sculo XVIII. Todavia, pensando na histria da
infncia desde a idade Mdia, buscamos verificar a existncia da Educao
Infantil organizada desde essa poca.
Retratamos aqui um pouco do cenrio internacional, uma vez que o
Brasil estava passando por processo de descobrimento, invaso e
explorao. Mesmo a educao jesuta era voltada mais aos ndios
adolescentes, uma vez que o objetivo maior era mo de obra para explorao
local.
Sobre a Educao Infantil na Idade Mdia, temos importante
contribuio de Costa (2007), o qual menciona a existncia, desde a idade
Mdia, da Educao Infantil fora da famlia e que ocorria nos monacatos:
[...] fora do mundo secular, um espao social lentamente imps uma nova perspectiva Educao Infantil: o monacato. Os monges criaram verdadeiros jardins de infncia nos mosteiros, recebendo indistintamente todas as crianas entregues, vestindo-as, alimentando-as e educando-as, num sistema integral de formao educacional. (COSTA, 2007, p. 4)
Dessa forma, nas comunidade brbaras, a educao ocorria por prticas
de correes duras, diferentemente das comunidades monsticas onde, para
os quais, era defendida a educao pelo amor.
http://www.hottopos.com/videtur17/ricardo.htm#_ftn26#_ftn26
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Fora dos monacatos, a realidade social era extremamente cruel para as
crianas, pois estas conviviam com guerras, violncias, abusos e maus-tratos.
A educao com amor, que era vivnciada dentro dos monacatos,
representava uma viso revolucionria, e estava pautada em mensagens
bblicas: [...] ao invs de brutalizar o corao das crianas para a guerra e a
violncia, os monges o abriam para o amor e a serenidade (COSTA, 2007, p.
4).
Contudo, a educao medieval e monstica era rgida, com muitos
castigos: jejuns, varadas, pancadas, dentre outros.
A diferena estava na concepo de criana e educao, na qual a
sociedade pensava numa infncia com um status praticamente nulo, sendo
misturadas aos adultos e sobrevivendo entre sofridas e constantes violncias
em todos os aspctos, enquanto que nos monacatos a criana era concebida
segundo os dizeres bblicos, ou seja, como seres que mereciam o reino dos
cus, portanto divinos. Assim, a educao deveria ser rgida para manter essa
pureza, afastando a criana do mal.
[...] na Regra de So Bento h vrias passagens (punio com jejuns e varas, pancadas em crianas que no recitarem corretamente um salmo), e esse ponto foi muito destacado e criticado pela pedagogia moderna, que, no entanto, no levou em considerao as circunstncias histricas da poca . Por exemplo, Manacorda interpreta os castigos do perodo antigo e medieval como puro sadismo pedaggico, linha de interpretao que permaneceu ao lado da imagem do monge medieval como uma pessoa frustrada e desiludida amorosamente e que, por esse motivo, buscava a solido do mosteiro.Basta buscar os textos de poca que vemos a felicidade dos egressos dos mosteiros pelo fato de terem sido amparados, criados e educados (COSTA, 2007, p. 4)
Costa (2007) justifica os castigos, retratando um pouco da realidade da
poca e como era pensada a educao, pedindo para que faamos o exerccio
de comparar a vida nos mosteiros com a vida exterior a eles, ressaltando que
fora dos mosteiros a realidade era ainda mais difcil para a criana, muito mais
desumana.
[...] no perodo carolngio (sculos VIII a X), apesar do avano da implantao da famlia conjugal simples (modelo cristo)
http://www.hottopos.com/videtur17/ricardo.htm#_ftn37#_ftn37
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com uma mdia de 2 filhos por casal e um perodo de aleitamento de dois anos, a prtica do infanticdio continuava comum, a Idade Mdia dos casamentos era muito baixa (entre 14 e 15 anos de idade), a poligamia e a violncia sexual eram recorrentes, pelo menos na aristocracia e ainda havia a questo da escravido de crianas. Para completar o entendimento do sentido civilizacional dos mosteiros medievais, basta confrontarmos sua vida cotidiana - de educao e disciplina voltada para uma formao tica e moral das crianas - com o mundo exterior. (COSTA, 2007, p. 5)
Essa educao baseada na disciplina, na tica e na moral, nos
princpios bblicos sobre a importncia da criana, da mulher e da famlia, foi
decisiva para a mudana de concepo de infncia da poca, tornando, aos
poucos, a sociedade mais civilizada.
Por sua vez, os bispos carolngios do sculo IX tentaram regulamentar o casamento cristo, redigindo uma srie de tratados (espelhos). Neles, o casamento era valorizado, a mulher reconhecida como pessoa com pleno direito familiar e em p de igualdade com o marido e a violncia sexual denunciada como crime grave e do mbito da justia pblica.. Para o nosso tema, o que interessa que as crianas tambm foram objeto de reflexo nesses espelhos: a maternidade foi considerada um valor (charitas) e o casal tinha a obrigao de aceitar e reconhecer os filhos. (COSTA, 2007, p. 6)
Nesse sentido, a rele