essa tal da retomada (história do cinema baiano)

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  • 8/6/2019 Essa Tal Da Retomada (histria do cinema baiano)

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIAFACULDADE DE COMUNICAOCOMUNICAO JORNALSTICA COM122PROFESSOR: LEANDRO COLLING

    EQUIPE DE REPORTAGEM EM:

    Salvador2006

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    EX PED IEN TE:

    EQUIPE DE REPORTAGEM:

    Anderson Sotero Breno Fernandes Deijeane Nascimento Edinaldo Jnior Eric Carvalho Luana Muniz

    Luciana Rebouas Luigi Piccolo Matheus Feitosa Mayana Mignac Nina Neves Rafaela Chaves Rebeca Bastos Robson Carneiro Taciana Gacelin

    Vincius Carvalho

    EDIO:

    Breno Fernandes Edinaldo Jnior Rafaela Chaves

    COORDENAO:

    Leandro Colling

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    CRNICA DE UM DOIS DE JULHOLuigi Piccolo

    Dois de julho, um dia aps o vergonhoso jogo das quartas-de-final em que aFrana obrigou os brasileiros a despertarem do longo transe e discutirem algo mais

    produtivo do que o percentual de gordura no corpo do Ronaldo Fenmeno.Coincidentemente, dia tambm da Independncia da Bahia, quando os baianos, em1823, botaram para correr os portugueses e selaram a promessa do tal grito do Ipiranga.Um dia triste, daqueles que do vontade de se meter sob as cobertas e de l sair somentedaqui a quatro anos, quando a seleo faz o caminho inverso dos negros africanos, rumoa frica do Sul. Um dia simblico, em que uma mulher travestida deu um chute notraseiro do Manuel e o mandou montar sua padaria em outra freguesia.

    Que fazer ento? Ora pois, alugar um DVD e se empanturrar de chocolates, sobum delicioso e confortvel edredom. Obviamente com um filme baiano, para fazer jusao dia que perdeu um aeroporto, mas no as pginas da Histria do Brasil.

    EM BUSCA DO DEND COM PIMENTA Ao caminhar pela Graa, podemosencontrar, a sombra de um grande letreiro, a auto-intitulada maior locadora do centroda cidade, a Vdeo Hobby. Com centenas de fitas e dezenas de livros no se podeentender nunca o motivo de estranho casamento a vdeo locadora est localizada num

    bairro nobre, rebento de um centro histrico ainda fervilhante, com suas salas de arte,museus e turismo intenso. Pede-se um filme baiano e o jovem supervisor devolve a

    pergunta, Um filme baiano? Como assim um filme baiano?. O drama poderia ter sidomenor se o reprter inocentemente no tivesse resolvido perguntar, Voc no conhecenenhum cineasta baiano?

    O sistema das cinco videolocadoras Vdeo Hobby no unificado, deixando ocliente merc da boa vontade do catalogo. Quando falta um filme, ligamos para acentral para eles providenciarem, principalmente se h uma grande procura diz Renato

    Neres de Souza, 27 anos, supervisor da filial da Graa. Os filmes so indicados pelosclientes ou apresentados por alguma distribuidora. s vezes ns mesmos pesquisamosna internet em busca de novos ttulos.

    No emaranhado de filmes era difcil encontrar os ttulos baianos que o reprtertinha em mente, at que, finalmente, ele acha a sesso de filmes nacionais. Uma moaaproxima-se para ajud-lo e ele ento pergunta, tem filme baiano? Meio confusa ela

    pede para que ele seja mais especifico, convidando-o a juntar-se a ela numa pesquisapelo catalogo informatizado da locadora. Glauber Rocha? Sim, uma cpia deDeus e o Diabo na terra do sole duas cpias de Terra em Transe. Os dois nicos ttulosdisponveis do diretor, ambos em formato DVD, nenhum dos dois locados fazia mais detrs meses.

    O reprter corre para a sesso de documentrios e no acha absolutamente nadaque tenha sido produzido em sua cidade natal, alm de uma srie de workshopscapitaneada pelo mdium esprita Divaldo Franco e um vdeo a la Discovery Channelchamado Naufrgios na costa da Bahia. Havia sete ttulos diferentes sobre ocampeonato de basquetebol da NBA, nenhum ttulo sobre as rodas de capoeira no Porto

    da Barra. Encontrando outros representantes (menos baianos, verdade) do Cinema Novo, como o Pagador de Promessas, ou do cinema de referncia a Bahia, como o

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    sucessoDona-Flor e seus dois maridos, Tieta do Agreste e Canudos, o reprter resolvebombardear a moa com nomes estranhos como, Meteorango Kid, Superoutro e outrosrepresentantes do Cinema Marginal da dcada de 70 e 80, mas ela no se sentiuameaada, sempre respondendo um no seco. Ele tenta Trs Histrias da Bahia,

    juno de curtas que ganhou at um assento no Multiplex, e recebe uma outra negativa.

    Desesperado, achando que teria que assistir pela milsima vez a um filme de GlauberRocha, deixa escapar um tem Cinderela Baiana? A moa sorri e responde, S emVHS!

    EM BUSCA DO DEND COM PIMENTA 2, O RETORNO A hiptese de que ocinema baiano era uma espcie mais aliengena do que o cinema iraniano dentro dasvideolocadoras veio a se confirmar. A GPW, famosa na Pituba e em toda Salvador por

    possuir o maior acervo de ttulos impossveis de serem achados, igualava-se a VdeoHobby quando o assunto era cinema baiano. A sesso de Cinema Nacional contava comGlauber Rocha e os seus dois filmes encontrados na videolocadora da Graa. No mais,os mesmos filmes que fazem referncia a baianidade, a Jorge Amado e a AntnioConselheiro com a carismtica participao de Carmem Miranda, se pudermoschamar os balangands da pequena portuguesa de referncias a Bahia. Para JeffersonCardoso, 21, responsvel pela entrega a domicilio, os superoitistas, como ficaramconhecidos os diretores do Cinema Marginal, que usavam a bitola de 8mm (maisacessvel), eram muito mais uma espcie de equipe de super-heris do que sfregos eatuantes cineastas.

    O reprter ainda tomou flego para telefonar para a gigantesca multinacionalBlockbuster, uma espcie de McDonalds das videolocadoras. Localizada no bairro daBarra, no bomio e inquietante Jardim Brasil, a filial da norte-americana chega a contarcom duas dezenas de copias de um filme lanamento em suas prateleiras. a Meca doentretenimento, rpida e indolor, sem filas e esperas. Passou, pegou, devolveu, tudo emescala industrial. Convencido de que numa loja chamada Blockbuster s encontrariablockbusters (aqueles filmes explosivos com bilheterias estratosfricas), o reprterno se deixou intimidar, ligou e inquiriu a recepcionista. Glauber Rocha? No.Pagadorde Promessas, Dona-Flor, Canudos, Tieta, Trs Histrias da Bahia? Cinco vezes no.

    No tambm para os superoitistas. E um grande no para Carla Perez e o seu CinderelaBaiana. No se decepcionou, sabia o que iria encontrar ali, ou melhor, no encontrar. No entanto pensou que seria mais honesto colocar uma grande placa na porta

    afirmando, No temos filmes baianos, com referncias a Bahia, nem mesmoportuguesas vestidas de baiana com bananas na cabea. A Blockbuster s ganhava emuma coisa das outras duas concorrentes, possua mais copias de Cidade Baixa, dez,todas locadas. Vitria Esmagadora.

    ACEITANDO PO CACETINHO COM CAF E MANTEIGA Alugar um filmenas grandes videolocadoras de Salvador um luxo que no para todos, ao preo acrescido o livro que no queremos comprar, a pipoca de microondas que j temos nadespensa e outras convenincias que deixam os filmes de lado e os servios frente.Achar o filme que queremos uma tarefa de garimpagem; como achar o maior

    diamante do mundo, quando se trata do cinema baiano. O reprter, ento, tenta fugir dasgrandes e buscar nas pequenas e especializadas, um refgio. Ouviu falar na Casa de

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    Cinema, uma locadora de clssicos e filmes de arte, que obviamente trabalha comlanamentos, porque algum precisa pagar as contas de casa. Moreno, o simpticoatendente, responde com a boca cheia, Glauber Rocha, claro, quando o reprter

    pergunta se ele conhece algum cineasta baiano. Afirma que tambm tem em disponvelTerra em Transe e Deus e oDiabo na terra do sol, porm eles so filhos nicos. Apesar

    de contar com uma sala dividida por nomes de diretores, clssicos divididos por dcada,a Casa de Cinema no dispe de muitos filmes baianos excetuando o sempreonipresente Cidade Baixa, disponvel em todas as videolocadoras. Quanto aossuperoitistas, que tentaram preencher (com muito sarcasmo e ironia) o vcuo deixado

    pelo Cinema Novo, Moreno reconhece o nome de Pola Ribeiro, aquele que tafilmando o Jardim das Folhas Sagradas, n? E tambm reconhece o nome de Araripe,

    perguntando se ele tem algum longa-metragem. Mas confessa, levemente triste, que lo reprter no encontrar nem Meteorango Kid e nem Superoutro. Embora satisfeitacom o seu catalogo e contando com bons recursos humanos, a Casa de Cinema no aVdeo Hobby, a GPW ou a Blockbuster encontra-se em um shopping pequeno, notem o mesmo peso no mercado e no pode fazer milagre, mesmo tendo uma clientelaseleta e de nvel cultural elevado.

    Exaurido e duplamente derrotado pelos franceses e pela determinao de, nodia da independncia, somente assistir a um filme local o reprter desiste, se rende aVdeo Hobby Megastore da Pituba, compra uma barra de trinta por quinze centmetrosdo mais puro chocolate e aluga o documentrio Pel. Vai dormir assistindo ao futebolarte e sonhar com o dia em que, ao entrar numa videolocadora, possa correr direto asesso de Cinema Baiano.

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    QUE SE FAA A LUZ!Vincius Carvalho

    s nove horas de uma noite quente de outubro, no ano de 1904, dentro de um

    dos cmodos mal iluminados da ampla oficina de pianos situada Rua Carlos Gomes,Feliciano da Ressurreio Baptista, conhecido e honrado pela sociedade baiana peloexcelente desempenho e dedicao busca de inovaes artsticas, envolvia-se numaexperincia diferente, inusitada. De costas para o seu filho Jos e os amigos Antnio eJustiniano, que assistiam pequena distncia, Feliciano concentrava-se num esforocada vez maior para conseguir mais intensidade do foco luminoso da lmpada que,quela poca, chamava-se oxyethrica e seria usada para exibies da inveno maisfestejada do momento: o cinema.

    Trazido capital baiana sete anos antes, precisamente no dia quatro de dezembrode 1897, o cinema deixou maravilhada uma classe mdia soteropolitana carente de

    novidades tecnolgicas. Instalada provisoriamente no Theatro Pollytheama por um certoDionsio Costa, a mquina que projetava imagens em movimento passou a ser o novo

    passatempo burgus na provncia. Sem um local fixo para ser montado, o aparelho passeou por sobrados, teatros e antigos casares. Num deles, na Rua Carlos Gomes,Nicolas Parente, um emergente empresrio, tambm instalou um projetor depois de terouvido, um ano antes, notcias sobre o sucesso que o equipamento havia feito emexibies na famosa rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro.

    Pouco tempo foi necessrio para que houvesse lugares especficos para assesses cinematogrficas. Intelectuais pessimistas proclamavam o fim do teatro e da boadramaturgia. Nas telas, eram exibidos filmes de ttulos no mnimo interessantes. Dentreeles: Carnaval em Veneza, Briga de mulheres-sem-coragem, Uma reunio de amigos emdivertimento jogando uma partida de cartas, alm da conhecida produo dos irmosLumire que assustava platias inexperientes com a cena de trem em movimento.

    Ao longo de anos, os ricos espectadores, cada vez mais exigentes, queriamimagens mais ntidas e salas mais amplas e iluminadas. Na cidade, diferentes formas de

    projeo passaram a ser experimentadas. A luz oxyethrica parecia ser uma excelentealternativa, e nela Feliciano Baptista trabalhava na noite de 20 de outubro de 1904. Nosatisfeito com a qualidade da luz que conseguiu, pressionou ainda mais, calcando comas prprias mos o balo superior, feito de ferro, que funcionava como depsito deoxignio. Ao retirar as mos, deu-se uma exploso que clareou todo o aposento erompeu-lhe o ventre, deixando os intestinos derramados.

    Noticiado nos grandes jornais da cidade, o acidente no assustou por muitotempo o pblico vido por mais imagens e histrias na tela. Em 1909, j aconteciam as

    primeiras produes feitas na Bahia. Foi a Photographia Lindemann, estabelecida Praa 13 de Maio, a pioneira no estado no fabrico de filmes. Inaugurou suasexperincias gravando com xito Regatas na Bahia, primeira de algumas pelculas

    produzidas por um dos donos da companhia: Diomedes Gramacho.Usando material francs, Gramacho e o seu amigo Jos Dias da Costa levaram

    frente a empresa, cujo nome Lindemann era de um alemo que os ensinou a tcnicade fotografia e filmagem. Num laboratrio prprio, cumpriam todas as etapas darealizao flmica, e durante quatro anos o cinema ocupou destacado papel em suas

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    mltiplas atividades. Foram pioneiros em fazer pequenos cinejornais que eramapresentados em uma casa na Rua Chile e tinham durao mdia de meia hora. Osucesso da Photo Lindemann perdurou at meados de 1920, quando um incndiodestruiu o ateli que ficava na Praa da Piedade. Desesperado e falido, Diomedes jogouseus filmes ao mar. Aquele mesmo mar que havia sido o tema de suas primeiras

    gravaes. Octogenrio, um pouco surdo, Gramacho morreu muito tempo depois, semconseguir reerguer a Lindemann ou concluir outros filmes. Abriu a primeira lacuna na

    produo flmica do estado, que s voltou tona em fins da dcada de trinta, quandoentra em cena Alexandre Robatto, Filho.

    Cirurgio dentista, nascido em Alagoinhas, interior da Bahia, Alexandre Robattodemonstrou desde cedo grande interesse pelas imagens projetadas em movimento.Morando em Salvador, produziu uma srie de curtas que, embora provincianos,

    percorreram o pas e fizeram sucesso. Eram, em sua maioria, documentrios queabordavam temas diversos como a aplicao da vacina antituberculose, a zootcnica, a

    procisso dos navegantes, a visita de Getlio Vargas, dentre outros. Robatto fez com queo estado voltasse a ser o principal plo cinematogrfico do pas.

    Muitos dos filmes, porm, desapareceram ou foram perdidos pelo desgaste provocado pelo tempo. Os personagens aqui comentados hoje se escondem entre as pginas amareladas e gastas do j extinto Correio de Notcias, o mesmo que, um diadepois de publicar a triste morte de Feliciano Baptista, comemorava a chegada deGeorge Melis Bahia, o ilusionista inventor dos primeiros efeitos especiaiscinematogrficos. H, ainda, as primeiras observaes crticas sobre o assunto,organizadas por Slvio Boccanera em seu livro Os cinemas na Bahia: 1897 1918.Fontes de pesquisa que foram, ao seu tempo, fundamentais para a afirmao do que hojese chama cinema baiano. Um cinema de histrias mpares. De idas e vindas. Deretomadas, para os que assim preferem chamar.

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    ANOS DOURADOSBreno Fernandes

    27 de junho de 1950. Auditrio da Secretaria de Educao do Estado da Bahia.

    Uma grande platia assiste a Os Visitantes da Noite, do francs Marcel Carn. Lanadooriginalmente em 42, numa Frana ocupada pelos alemes, o filme uma parbolaexaltadora do amor e da liberdade: passa-se na Idade Mdia; um casal de menestrisenviados pelo Diabo chega a um castelo na noite de um casamento consumado to-somente por interesse. Em dada seqncia de uma dana, os gestos e sons vocrescentemente lenteando at a imagem congelar por completo. O pblico, pensando setratar de defeito do velho e no muito usado projetor, fica desencantado por verinterrompida a histria num momento to bonito. Surpreendentemente, som emovimento voltam. Percebendo que se tratava de um artifcio do diretor, todos riem desi mesmos.

    ***

    Na histria do cinema baiano, no houve dcada mais importante que a de 50.Mesmo levando-se em conta o fato de o primeiro longa-metragem ser de 59 e de osfilmes mais importantes para a cinematografia local datarem dos anos 60, sem a

    preparao que os anos 50 conferiram aos cinfilos, o que se seguiu no teria sidopossvel.

    Nesta poca, a vida cultural soteropolitana fervilhava a temperaturaelevadssima, repleta de novas propostas, movimentos, publicaes independentes. Foiquando comearam a despontar em meio juventude figuras como Glauber Rocha,Calazans Neto, Paulo Gil Soares, Joo Carlos Teixeira Gomes e muitos outros. Noxadrez cinematogrfico, entretanto, a pea fundamental do tabuleiro foi Walter daSilveira (leia mais em Walter da Silveira, o eterno efmero), poca j renomadocrtico.

    27 de junho de 1950 foi justamente quando nasceu o Clube de Cinema da Bahia,estrelando Os Visitantes da Noite como filme inaugural. Concebido por Walter daSilveira nos moldes dos cineclubes franceses, o Clube no apenas teve importnciafundamental na formao de cineastas e crticos baianos, mas tambm despertou ointeresse de figuras representativas da cultura baiana pelo cinema. As projeescineclubistas representaram verdadeiros cursos de formao de espectadores e decriadores, influindo decisivamente para o nascimento do que foi certo dia o cinema

    baiano, escreveu o crtico Andr Setaro, freqentador do cineclube ainda estudante doginsio.

    De forma alguma as reunies semanais do Clube, realizadas no Cine Glria(atual Tamoio, prximo Rua Chile), se resumiam s exibies. No. Antes, Walter daSilveira sempre brindava os presentes com uma palestra na qual abordava a esttica, aimportncia em termos de linguagem cinematogrfica e a relao do filme a ser exibidologo mais com seu pas de origem e trajeto pessoal do diretor. No muito diferente dehoje, at ento as produes hollywoodianas eram exclusivas em Salvador. O Clubeabriu as portas para o cinema de outros pases. Conta-se inclusive uma (muitas, na

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    verdade) curiosa histria a respeito de certas obras mudas provenientes da URSS:Walter, na poca filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), onde conseguira estesfilmes, mas as legendas eram em russo. Movendo mundos e fundos, descobriu uma filhade agricultores soviticos no interior do estado, em Catu, foi at l e a trouxe aSalvador, para, microfone em mos, traduzir ao pblico o que aparecia na tela.

    O cineclube firmou-se com tanta solidez que, em menos de um ano, em abril de51, pde realizar o I Festival Internacional de Filmes Curta-Metragem, com a

    participao de 12 pases nada to organizado se fizera no Brasil at ento. Houveconferncias, com convidados portentosos, entre os quais Alberto Cavalcanti, AlexViany e Vinicius de Moraes (para os que no sabem, este escrevia sobre cinema, tendoaprendido com ningum mais, ningum menos que Orson Welles!), e a platia sededicava a polmicas discusses sobre os merecedores da vitria.

    E neste ritmo seguiu o Clube, at 1967, quando terminou por presso dosmilitares, avessos a qualquer tipo de reunio com o mnimo de carter subversivo.

    Antes do Clube de Cinema da Bahia, os nicos filmes realizados no estado eram produes estrangeiras, comensais da paisagem pitoresca e do folclore da terra. J nofim dos anos 50, este panorama comea a mudar. Em 1957, Roberto Pires, OscarSantana e Braga Neto montaram a produtora Igl, com a misso de filmar um longa(Redeno). Em 1959, Glauber conseguiu exibir no cineclube seu primeiro curta, A

    Praa, j revelador de seu anseio por inovar, logo antes de Os Boas-Vidas, de Fellini.Logo a seguir, nasceria uma trilogia cuja temtica e esttica parecidas reuniram-se sob aalcunha de Escola Baiana de Cinema, movimento que tornaria a Bahia a meca docinema brasileiro.

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    WALTER DA SILVEIRA, O ETERNO EFMEROEric Carvalho

    As tropas alems invadiam a Blgica, para penetrar em solo francs. Era 1915,

    incio da Primeira Grande Guerra. Paralelo a isso, no outro lado do oceano, na capital da provncia baiana, nascia Walter Raulino da Silveira, homem que teria sua vidadiretamente ligada ao pas do General De Gaulle. Mas o elo que os aproximara eraanterior guerra. Surgira 20 anos antes do seu nascimento. Na mesma Frana, em Paris,os irmos Lumire apresentavam ao mundo o cinema. A stima arte seria a grande

    paixo de Walter da Silveira.Walter passou parte da infncia em Estncia, interior de Sergipe. L, desde os

    trs anos passou a freqentar salas de projeo. Pedia a suas irms que lessem osfolhetos dos filmes em voz alta para decor-los. E assim o jovem garoto se alfabetizou,lendo o mundo nas projees de filmes e nas imagens refletidas na tela.

    A paixo pelo cinema era tanta que, j com 12 anos, de volta a Salvador,escreveu o seu primeiro artigo, para o jornal Imparcial. Falava de Charles Chaplin, seugrande dolo, que teria papel fundamental nos captulos finais de sua vida.

    Quando ainda bastante novo, perdeu a me. Aos 15, foi convencido pelosprofessores a entrar precocemente na faculdade de Direito. Nesta poca, o dinheiro eraescasso. Usava roupas curtas. A desigualdade social foi um choque universitrio. Paraele, "na universidade as roupas marcavam a diferena". Tambm sem poder comprarlivros, freqentava bibliotecas. Nelas, viajava o mundo com Julio Verne e, como mesmodisse, se iniciou sexualmente nos romances de Alusio de Azevedo.

    Aps a formatura, Walter levou seu amor pelos filmes para o interior do estado,

    onde fora trabalhar como juiz de direito. O jovem crtico de cinema, autodidata, exibiaseus filmes em vrias salas (quando conseguia encontrar alguma em condies). Emuma delas, conheceu dona Ivani, e a amante dos filmes de caubi e das revistas decinema logo passou a ser a outra paixo de Walter. Dessa unio, desfeita apenas com amorte do baiano, gerou-se sete filhos.

    De volta a Salvador, passou a freqentar, no centro da cidade, o Bahia Bar, ondese encontrava com os amigos da Academia dos Rebeldes, grupo de artistas e intelectuaiscomunistas, entre eles Dias da Costa, Clvis Amorim, Jorge Amado e outros, que sereuniam para discutir poesia e poltica.

    No perodo da Segunda Guerra Mundial, Walter e Jorge se aproximaram dos judeus e combateram juntos o nazismo e a ditadura Vargas. Nesta poca, passou aescrever poemas e se auto-intitulou o "demissionrio da poesia".

    Walter passara a exibir filmes de todas as partes do mundo na capital baiana.Salvador, antes dominada pela indstria norte-americana, foi invadida por rolos defilmes dos quatro cantos do planeta. Os filmes chegavam diretamente das cinematecasdo Rio de janeiro e de So Paulo. O brao direito de Walter, Hamilton Costa, emapndice do ltimo livro do crtico, relata o processo sucintamente: O camarada tinhatodo um esquema, os filmes saiam no Rio e amos correndo pegar... Quando saa umlivro na Europa, os caras logo mandavam pra ele.

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    UM ROTEIRO ORIGINAL Walter j era uma unanimidade no cinema brasileiro,quando, em 1950, fundou o Clube de Cinema da Bahia, trazendo a Salvador clssicos dastima arte. E se por ventura os estudantes do Colgio Central, assaz freqentadores,insistissem em conversar durante as palestras ou exibies, Walter, temperamental comoera, logo as interrompia para expuls-los. O Clube contava com vrios cinfilos hojenotrios, dentre eles Sante Scaldaferi, Calazans Neto, Caryb, Caetano Veloso eGlauber Rocha uma das vtimas dos esporros de Walter.

    GURU DE UMA GERAO Em 1967, com a ditadura militar, o Clube foi fechado.Mas Walter no se curvou, e, um ano depois, criou o Curso Livre de Cinema,

    promovido pela Universidade Federal da Bahia.O doutor Walter era adepto da idia de que o esclarecimento a grande funo

    da crtica. De fato, tornou-se um grande nome do Pas. Com sua oratria simples e clara,educou toda uma gerao de estudiosos, produtores, cineastas e entusiastas. Walterescreveu trs livros: Fronteiras do Cinema,Imagem e Roteiro de Charles Chaplin e A

    Histria do Cinema vista da Provncia, mas morrera antes de completar este ltimo.

    O CARINHO DO DOLO Em 1970, o intrprete de filmes, como se auto-declarava, passou a sofrer os danos causados por um cncer e foi desfalecendo aos poucos, masmantendo sua firmeza. Foi nessa poca, prxima ao fim da vida, que Walter viveria umade suas maiores emoes.

    Pouco antes de morrer, recebeu uma carta de seu grande dolo, Charles Chaplin.O ingnuo Carlitos, eterno personagem de Chaplin, era vagabundo rejeitado pela

    sociedade das grandes mquinas, deixando, pelas engrenagens cinematogrficas, aternura presente em grandes homens.A carta foi a grande catarse do fim da vida de Walter, que contava, eufrico, a

    todos: Chaplin sabe quem eu sou. Na verdade, a carta partiu de um plano arquitetadopelo amigo Jorge Amado, que enviou a Chaplin o livro que Walter publicara sobre ele, pedindo-lhe que escrevesse para seu grande f antes deste morrer. Era um papeltimbrado com desejo de melhoras e agradecimentos, batidos maquina, abaixo aassinatura: Charles Spencer Chaplin.

    O mestre do cinema mudo, profundo conhecedor das delicadezas humanas, usarapalavras para dar a Walter sua ltima alegria. Uma semana aps seu enterro, Charles lhe

    escrevera outra mensagem, elogiando com entusiasmo o livro que finalmente pudera ler.Walter partiu em silncio, no dia cinco de novembro de 1970, dia dedicado culturanacional. Intelectual por excelncia, mas tambm um homem do povo, foi o grandecaleidoscpio do sculo XX, como definiu certa vez o ex-aluno e cineasta Z Umberto.Walter foi o nosso nico grande ensasta, disse Jorge Amado na despedida do amigo.

    Junto com Walter, morrera tambm uma era, um tempo de grandes pensadores,de um grande espao na imprensa dedicado cultura. Para a posteridade, deixou umadas maiores bibliotecas sobre cinema do Pas, doada por dona Ivani AssociaoBaiana de Imprensa (ABI).

    Alm dos seus trs livros, uma compilao de seus ensaios, O Eterno Efmero,

    est sendo organizada pela Fundao Pedro Calmon, sobre coordenadoria de ZUmberto.

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    A lembrana de um homem popular, sereno e apaixonado pelo que fazia permanece na mente de quem o conheceu. Na sua despedida, viu-se desde juristas eintelectuais a simples pessoas do povo. O ser sempre paradoxal, corajoso e determinado,mas que temia as trovoadas e a efemeridade, estava eternizado.

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    QUANDO O CINEMA DA BAHIA FEZ ESCOLALuana Muniz, com resenhas de Mayana Mignac

    O Cinema Novo o movimento cinematogrfico mais conhecido do Pas. Mas

    poucos sabem que, sem a Escola Baiana de Cinema, ele no existiria. Tendo comofuno apreender a realidade local, utilizando e apresentando a sua cultura, a Escolateve Rex Schindler, Roberto Pires e Glauber Rocha como pioneiros, traando umcaminho para se fazer um cinema caracterstico da nacionalidade, contemporneo.

    Em 1959, temosRedeno, uma produo de Roberto Pires, que, apesar da faltade equipamentos e de experincia anterior de seus realizadores, pode muito bem serconsiderado exemplo de uma obra que abriu as portas do cinema na Bahia. Suaconcluso provou que era possvel se fazer filmes nestas plagas.

    A partir da surgem mais trs, que podem ser considerados os mais importantesem toda a histria do cinema baiano.Barravento,A Grande Feira e Tocaia No Asfalto.

    Pouco se conserva, porm, da histria cinematogrfica baiana. Dos quatro filmescitados, s esto disponveis trs, em VHS, na Diretoria de Imagem e MultimeiosAudiovisuais da Bahia (Dimas), e as cpias no se encontram em boas condies. Aoque parece,Redeno ficar apenas na lembrana de seus contemporneos. Contudo, oque se pode perceber, em crticas como a de Andr Setaro, que seu valor maior tersido o primeiro. Redeno, todavia, no obstante a sua importncia histrica, se coloca margem da chamada Escola Baiana de Cinema, posto que apenas uma pelculaamadorstica sem maiores preocupaes seno a de contar uma histria policial.

    JA grande feira depender de uma boa manuteno no ocasional ou um vdeoque no a estrague. Enquanto isto, tudo que se pode afirmar que a crtica o v comoum filme no qual quase se equaciona o problema do complexo arte/poltica econmica/conquista do pblico. Foi o passo mais largo dado pelo nosso cinema em direo daresoluo dessa questo, sendo considerado um filme novo no cinema brasileiro, apesardos seus defeitos de estrutura e definies psicolgicas-sociais.

    PRINCESA ISABEL ILUSO Primeiro longa de Glauber Rocha, Barraventotem grande importncia na histria do cinema baiano por ter sido um dos pioneiros acaptar aspectos essenciais da nossa sociedade. O filme pode ser considerado quase umdocumentrio sobre a cultura popular da Bahia, pois durante os seus 82 minutos dedurao so mostradas diversas cenas de samba de roda, capoeira, puxadas de rede erituais religiosos. Apesar dos recursos ainda precrios da poca, a fotografia admirvele o diretor abusa de planos abertos para mostrar a grandiosidade e beleza da Praia deBuraquinho, a 10 km de Itapo. Barravento conta com leveza a histria de um grupo de pescadores pobres esofridos da Bahia. So negros que, apesar de passado quase um sculo desde a abolioda escravatura, ainda no conseguiram se livrar das suas amarras e continuamsubmissos, dominados pelo misticismo e pelo sistema, sem perspectiva de mudanas.Desta forma, o personagem principal Firmino (Antnio Pitanga), ex-morador da vila,

    pode ser considerado um revolucionrio, pois ele consciente da sua situao e, emmeio a tanta misria, consegue ir para a cidade e transformar sua vida mesmo

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    utilizando-se de meios duvidosos. Firmino depois, volta Buraquinho a fim de tentarlibertar tambm os seus companheiros desta alienao social e conformidade religiosa.

    No entanto ele ignorado pelos pescadores que s seguem os ideais do mestre e acabaatuando de m f, apropriando-se de prticas do candombl para conseguir o que deseja.

    Glauber se preocupava muito com questes relacionadas ao fanatismo mtico e a

    agitao poltica. Ele queria acabar com o exotismo da cultura negra to cantada pelosartistas baianos: Fiz um filme contra candombls, contra misticismos e, num plano demaior dimenso, contra a permanncia de mitos numa poca em que exige lucidez,conscincia, crtica, ao objetiva. O folclore e a beleza contagiante dos ritos negros soformas de alienao, disse Glauber em entrevista ao Dirio de Notcias em abril de1962, ano em que o filme foi lanado.

    E pensar que tudo podia ter sido diferente... A direo e o roteiro iniciais eram deLuiz Paulino, porm os produtores se mostraram descontentes como rumo romnticoque o enredo estava tomando. Decidiram, ento, nomear Glauber (que era produtorexecutivo) o novo diretor. Aps a concluso das filmagens em 1959, o longa ainda ficana gaveta por um ano, pois lembrava o neo-realismo italiano, oposto s idiascompactuadas pelo diretor. Deste modo, o filme s montado em 1961 por insistnciade Nelson Pereira dos Santos e lanado em maio de 62.

    CPI NO DE HOJE Com estrutura narrativa de um thriller, Tocaia no Asfalto foilanado em 1962, poca de plena efervescncia do Ciclo Baiano de Cinema (1959 1963). Este foi o terceiro longa-metragem de Roberto Pires, e veio para confirmar o seutalento para com a stima arte. Diretor e roteirista, Pires mostrou mais uma vez possuirum sentido intuitivo na construo de uma mise-en-scne. Segundo Setaro, Pires

    possui o que muitos no tm: o engenho e a arte de saber se articular por meio deelementos puramente cinematogrficos. Seus melhores filmes (A Grande Feira e Tocaia

    No Asfalto) mostram um realizador de plena conscincia de seu ofcio.O filme se passa basicamente em dois ambientes: o primeiro burgus, da casa de

    um poltico corrupto (Milton Gacho), e o segundo pobre, de um prostbulo no qual umpistoleiro (Agildo Ribeiro) vindo do interior est hospedado para matar o tal poltico. Asfilmagens foram feitas na Salvador dos anos 60 e, atravs delas, possvel conhecer

    pontos tursticos da cidade e costumes da poca. H tambm cenas memorveis noPelourinho, no Farol de Itapo e na antiga Linha de Trem. Uma das cenas mais

    festejadas, no entanto, se passa no interior da Igreja de So Francisco quando o pistoleiro persegue o poltico a fim de mat-lo, mas no consegue. Outra cenaimpactante e digna de destaque o tiroteio que acontece no cemitrio Campo Santo,quando enfim o atirador consegue cumprir o seu dever.

    Pires consegue transmitir uma emoo muito forte no modo de contar histrias.Em Tocaia, ele ainda sobressai ao tratar de um tema sempre atual: corrupo. O filmeaborda tambm a prepotncia das classes dominantes, o pistoleirismo e a luta de um

    jovem deputado (Geraldo DEl Rey) para instalar uma Comisso Parlamentar deInqurito (CPI) e desmascarar os demais polticos da regio. Faz jus s palavras deGlauber Rocha: Se j no houvesse Cinema Baiano, Roberto Pires o teria inventado.

    ***

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    AINDA H ESPERANA Foi encontrada uma cpia integral de Redeno emRecife. Petrus Pires, filho do diretor, trouxe essa cpia para a Dimas, em Salvador, a fimde restaur-lo.

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    A BAHIA E O CINEMA NOVO ALM DE GLAUBERMatheus Feitoza, com colaborao deAnderson Sotero

    Escrevi um artigo negando o cinema. No acredito no cinema, mas no posso

    viver sem o cinema. Acho que devemos fazer revoluo. Cuba um acontecimento queme levou s ruas, me deixou sem dormir. Precisamos fazer a nossa aqui. Cuba omximo (...). Esto fazendo um novo cinema (...), vrios filmes longos e curtos. Estouarticulando com eles um congresso latino-americano de cinema independente. Vamosagir em bloco, fazendo poltica. Agora, neste momento, no credito nada palavra arteneste pas subdesenvolvido. Precisamos quebrar tudo. Do contrrio eu me suicido.

    Esta passagem foi retirada de uma carta de Glauber Rocha para o cineasta PauloCsar Saraceni, e se encontra publicada no livro Por dentro do Cinema Novo: minhaviagem, do prprio Saraceni. Data do incio dos anos 60 e representa uma das primeirasarticulaes em busca da criao do maior movimento cinematogrfico do Brasil: oCinema Novo.

    bem verdade que, quando surge o Cinema Novo, a produo na Bahia seencontra estagnada. Depois de 1962, ela se limita a filmes bastante esparsos, nada quetenha uma projeo nacional e represente uma ascenso do cinema local. Este svoltaria tona com o boom super-oitista, que lhe deu novo flego. No entanto, o quetorna este movimento interessante, alm da grandiosidade, a presena do baiano deVitria da Conquista Glauber Rocha na sua articulao.

    O Cinema Novo buscava mostrar a realidade do Pas de uma forma diferente daat ento vista, a qual fosse capaz de obter diversas interpretaes, dependendo do graude conscincia crtica do pblico. Representava uma espcie de cinema com baixo custode produo e uma profundidade de abordagem temtica. Para Glauber, o movimentoera muito mais: em uma publicao de 1963, chamada Reviso Crtica do Cinema

    Brasileiro, com ento 24 anos, ele atribui ao ainda emergente Cinema Novo um espritode modernismo, com a ruptura estilstica e a busca de um cinema potico. Dizia:"Queremos fazer filmes de autor, quando o cineasta passa a ser comprometido com osgrandes problemas de seu tempo". No toa que uma das marcas mais fortes doCinema Novo a incomum quantidade de dilogos durante a projeo.

    Alm de Glauber, que tem como obra mais conhecida Deus e o Diabo na Terra

    do Sol, produo baiano-fluminense, o movimento contou com cineastas como NelsonPereira ( Rio 40 graus, Boca de Ouro e Vidas Secas), Anselmo Duarte (O pagador dePromessas), Paulo Csar Saraceni (Porto das Caixas), Cac Diegues (Ganga Zumba),Leon Hirszman ( A Falecida), Walter Lima (Menino de Engenho), Roberto Santos(Matraga). Todas estas so produes de carter nacional e que prezavam a valorizaode uma forma prpria de fazer cinema. uma reao Vera Cruz, at ento a maior

    produtora de cinema do Pas, cujos filmes eram de carter hollywoodiano.E se, mesmo com tudo que j foi dito, ainda se precisa entender qual foi a

    participao da Bahia e da verba estadual para o Cinema Novo, s se pode afirmar que,em uma noite solene, Walter da Silveira levou Glauber Rocha para fazer uma palestra

    sobre a situao do cinema brasileiro para seus alunos. Este aproveitou o seu discurso para dizer que, durante a administrao de Luis Viana Filho, no recebeu nenhum

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    auxlio do governo do Estado. Durante a gravao de O Drago da Maldade contra oSanto Guerreiro, filme premiado em Cannes, o Governo Estadual lhe negou at umakombi para terminar o seu projeto.

    Se, para o maior cineasta brasileiro, que surpreendeu o mundo, a Bahia no deunada alm do bero e da conscincia social, fica perceptvel porque o Cinema Novo no

    contou com produes genuinamente baianas. Porm, para algum como Glauber, ocinema era muito mais que simples captao de recursos e filmagens com finscomerciais. O cinema era uma paixo e uma batalha constante em busca do sonho.

    (...) estamos recriando nosso cinema e voc precisa voltar para ser soldado nestaluta. No quero que voc fique mais tempo na Itlia. (...) precisas FAZER FILMES aqui no

    Brasil dentro de nossa luta: joaquim [Pedro de Andrade], eu, [Luis] paulino [dos Santos],

    voc, miguel[Borges], marcos [Faria], leon [Hirszman] e outros novos que surgiro.

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    QUANDO A GENTE NO PODE MAIS, FAZ TUDO PARA PODER DE NOVOUma breve anlise sobre o cinema baiano nos anos 70 e 80.

    Breno Fernandes

    Artigo 5 A suspenso dos direitos polticos, com base neste Ato, importa,

    simultaneamente, em:

    I - cessao de privilgio de foro por prerrogativa de funo;II - suspenso do direito de votar e de ser votado nas eleies sindicais;III - proibio de atividades ou manifestao sobre assunto de natureza poltica;IV - aplicao, quando necessria, das seguintes medidas de segurana:a) liberdade vigiada;b) proibio de freqentar determinados lugares;

    c) domiclio determinado.

    Eis a um excerto do documento mais tenebroso e mais vergonhoso da histriado Brasil: o Ato Institucional N5. Decretado em 13 de dezembro de 1968 pelo

    presidente Artur da Costa e Silva, o AI-5 fechou o Congresso Nacional por quase umano e no s desrespeitou as liberdades individuais como intensificou as torturas eassassinatos dos inimigos (reais e imaginrios) dos militares, no poder desde o Golpe de64.

    Ironicamente, a dcada de 70 foi uma das mais produtivas para a cinematografiabaiana: foi quando nasceu e se consolidou a Jornada Internacional de Cinema da Bahia,

    o segundo mais antigo festival do Pas, importantssimo evento que motivou toda umagerao e que segue at os dias de hoje. E pensar que as Jornadas Baianas, comotambm so conhecidos estes encontros, so praticamente fruto de um estupro, sendo oAI-5 o vilo, e a vtima, o Grupo Experimental de Cinema (GEC)...

    CINEMA NA UNIVERSIDADE Um curso de cinema era um dos sonhos de Walterda Silveira. No incio de 1968 isto foi possvel, graas ajuda fundamental de GuidoArajo, poca recm-chegado da antiga Tchecoslovquia, onde passara mais de dezanos. Guido trabalhava na Coordenao de Extenso da Universidade Federal da Bahia,que aceitou patrocinar o projeto. O curso era livre e tinha durao de um ano, com cargahorria de quatro horas semanais. Walter ensinava Histria & Esttica do Cinema.Guido, Teoria e Prtica. "O curso foi um sucesso", relembra o crtico Andr Setaro emseu blogue. "Dele saram alguns dos principais realizadores e crticos futuros do cinema

    baiano: Andr Luiz Oliveira que realizou, ainda em 1969, Meteorango Kid, o heriintergaltico, clssico do chamado Cinema Marginal, entre outros filmes , JosUmberto que, alm de curtas, fez O Anjo Negro, longa-metragem, em 1972 , CarlosVasconcelos Domingues, Geraldo Machado, Jos Frazo, autor de um longa baianodesconhecido e perdido,Akpal, em 1971, entre muitos outros, inclusive este colunista".

    O GEC, alm disso, convenceu o reitor Roberto Santos a liberar sem nemconsultar o Conselho o Salo Nobre da reitoria para exibies sabatinas de filmes."Um feito e tanto", escreveu Setaro, "pois significou o reconhecimento pela

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    Universidade da natureza artstica do cinema, que, a partir de ento, se punha em p deigualdade, perante a academia, s demais artes". Todavia, o GEC no duraria muito. Guido, em entrevista publicada no primeironmero da revista digital O Olho da Histria, produto do Ncleo de Produo ePesquisas da relao Imagem-Histria da Ufba, relembra como era difcil continuar as

    atividades cine-clubistas: "Mesmo antes [do AI-5], numa das ltimas exibies querealizamos, j havamos tido problemas. Durante a exibio de Os Companheiros, coma reitoria superlotada, ocorreu uma manifestao l dentro. Tive que me esconder,

    porque disseram que a polcia estava minha procura. Como era final de ano, perodode frias, suspendemos as atividades. No ano seguinte, quando se preparava parareiniciar as atividades, Guido sentiu que havia uma grande resistncia. Realizou apenasduas ou trs sesses. Ento um dia, aproveitando-se de uma viagem do reitor aoexterior, os militares proibiram as exibies, com uma alegao meio cretina, segundoGuido; diziam que havia desaparecido um aparelho de telefone da portaria e quedeveria ter sido algum da sesso de cinema. Na verdade, a partir do AI-5, qualquerevento que concentrasse pessoas, sobretudo jovens e, particularmente, estudantes, eravisto como subversivo". O jeito, ento, era pensar em alternativas.

    CINEMA AQUI, CINEMA ACOL Ainda inseguro, Guido resolveu tentar algomais inofensivo uma retrospectiva dos dez anos de longa-metragens baianos, realizadano Cine Bahia. Obtendo resultado positivo nesta mostra tanto no que diz respeito ao

    pblico quanto censura , resolveu reaver as atividades cine-clubistas, extintas desde67, quando do fim do Clube de Cinema. As exibies comearam na Biblioteca Central,nos Barris, mas veio o perodo de chuvas e tudo ficou alagado. Migraram para o CineRio Vermelho. O ano 71 e, em viagem ao Rio de Janeiro, atravs do diretor dacinemateca do Museu de Arte Moderna (MAM), Cosme Alves Netto, Guido se encontracom Roland Schaffner, este ansioso para conhecer aquele. que Schaffner estava demudana para Salvador, para dirigir o Instituto Cultural Brasil Alemanha (Icba) e, almdo mais, queria levar a mostra de dez anos do Festival de Obenhausen para a Bahia.Selava-se uma parceria tripla essencial para as Jornadas Baianas.

    CINEMA (MAS NO S CINEMA) NO ICBA A primeira jornada foi em janeirode 72. Intitulada I Jornada Baiana de Curta-metragem, foi modesta, local, carecia derecursos, mas ainda assim importante, por apresentar ao pblico bons curtas, como Vo

    Noturno, de Jos Umberto (o primeiro filme "marginal" baiano), e abrir espao paradiscusso dos problemas do cinema, principalmente no Brasil. "Na noite deencerramento, o Schaffner me convidou para comemorar sua chegada Bahia. Ele e oCosme me disseram: olhe, se voc quiser continuar com a idia de fazer a Jornada no

    prximo ano, pode contar com o nosso apoio. O Schaffner ofereceu o espao, e oCosme auxiliou no sentido de conseguir filmes no Sul do pas", relembra Guido.

    O salto entre a primeira e a segunda edio foi enorme. "Partimos para umaJornada nordestina", conta Guido. "Ela teve uma importncia cinematogrfica e polticaextraordinria. Naquela poca, toda a atividade cinematogrfica do pas havia sidoesmagada, quer dizer, o movimento cine-clubista tinha sido totalmente aniquilado pela

    ditadura. No havia sequer um clube de cinema funcionando no pas. Existia de umdesejo de ir contra a situao poltica, mas, naquela poca, as coisas eram barra

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    pesada!" Neste aspecto, a parceria com o Icba, um espao quase consular, foi condiosine qua non. "A represso era violentssima dentro das universidades, dos colgios eera muito difcil se fazer alguma coisa. O Icba, como uma instituio alem, gozava decerta imunidade diplomtica. Isso nos permitiu a audcia de fazer coisas, lgico, graasao apoio do diretor e tambm da Alemanha, no perodo, ter um governo social-

    democrata mais liberal, que lhe dava respaldo".A jornada de 73 ocorreu em setembro e tambm ficou famosa com ostrip-tease

    de Edgard Navarro, numa acalorada discusso com Jos Carlos Avellar. Eu percebi queno ia ganhar a discusso, ento comecei a tirar a roupa, conta um maroto Edgard.

    DO SUPER-8 AO SUPEROUTRO No campo do cinema baiano, a dcada de 70 conhecida pelo boom superoitista. Super-8 uma das muitas bitolas (medida

    padronizada da largura de uma pelcula) existentes, conjunto no qual a 16mm e 35mmeram consideradas as verdadeiramente profissionais. Uma gerao inteira de cineastas

    baianos vm provar que se pode, sim, fazer cinema com Super-8. Dela fazem partefiguras tais quais Edgar Navarro, Pla Ribeiro, Fernando Blens, Jos Araripe Jr emuitos outros.

    Por um lado, o custo de se filmar em Super-8 permitia mais do que nuncaqueles jovens cinfilos terem uma cmera na mo para expor suas idias. Por outro, a

    periodicidade setembrina das jornadas era a garantia de que suas obras seriam vistas.Somando-se estes dois fatores, mos obra!

    A principal influncia dos nefitos de ento foi o Cinema Marginal (ou CinemaUnderground), nascido aps a bancarrota da Escola Baiana de Cinema, em 68, cujomote est em seu primeiro longa-metragem, O Bandido da Luz Vermelha, docatarinense-baiano Rogrio Sganzerla: "Quando a gente no pode nada, tem mais queesculhambar!" E se engana quem pensa que nesta corrente se encontrar anarquia pura egratuita. O Cinema Marginal troca a "esttica da fome" do Cinema-Novo por um Brasilcompletamente urbano, consumista e gerador de lixo industrial. Ainda do CinemaMarginal, temos clssicos como Meteorango Kid, o Heri Intergalctico; Caveira My

    Friend(de lvaro Guimares); Akpal e O Anjo Negro. Assim se passaram duas dcadas. O frisson, no entanto, diminuiu medida que oPas foi se abrindo politicamente. Paradoxal? De modo algum: a partir do momento emque se tem mais liberdade, comeam a ressurgir outros espaos e outros festivais curta-metragistas no resto do Brasil. As Jornadas Baianas, assim, perdem sua exclusividade.

    Em 89, o que parecia ser uma nova chama se revelou mais tarde somente umafasca. Trata-se do premiadssimo Superoutro, de Edgard Navarro, o ltimo e tempororebento do boom superoitista, segundo o prprio. "Pode-se dizer que nele eu retomei aesttica catica e desabusada da simptica bitola (alis, citada explicitamente no ttulo)

    para fazer, do ponto de vista formal, uma espcie de inventrio de uma poca fecunda ecriativa", comenta Navarro. O mdia-metragem que, inclusive, filmado em 16mm instaurou, pela primeira vez, a polmica de uma retomada.

    Contudo, os anos 90 chegaram, a Era Collor se instaurou e foi fechada aEmbrafilmes, importante produtora estatal existente desde 1969. O cinema nacional

    praticamente parou, segundo Roque Arajo, membro Diretoria de Artes Visuais e

    Multimeios da Fundao Cultural do Estado da Bahia (Dimas). No Rio e em SoPaulo, os caras comearam a fazer cinema ertico para sobreviver, porque era barato.

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    Pegavam uns quatro atores, botavam num apartamento e em quatro semanas o filmetava pronto. Foi a Dimas, inclusive, quem promoveu o edital que culminou com 3

    Histrias da Bahia em 2001 filme-durex, nas palavras de Andr Setaro, que fundiutrs curtas cujas temticas, mui tenuamente, giram em torno do carnaval. Ou seja: pormais de uma dcada, Superoutro ser a nica produo local a ter alguma repercusso.

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    O SUPERBACANA DO CINEMA BAIANORobson Carneiro

    Ele o superbacana do cinema baiano. Mas como nem mesmo os seres

    superiores conseguem driblar certas amarras sociais, o cineasta baiano Edgar Navarro,antes de vender a alma s grandes telas, formou-se em Engenharia Civil, negando porum instante toda sua genialidade cinematogrfica, numa atitude, segundo ele, mais por

    presses familiares do que por vontade prpria.Mas o cinema exigia espao, queria salv-lo da morte. Os super-heris

    inspiravam liberdade, um refgio de uma realidade chata e opressiva. As cmerasSuper-8 febre em meados dos anos 70 por serem acessveis e de fcil manuseio davam-lhe a real oportunidade de criar seus prprios mundos. Combinao perfeita,futuro previsvel! Da que, em seus filmes, assistimos a toda intensidade da vida de umcondenado, no na viso simplista de uma retrica do ltimo dia, mas com a liberdade e

    a legitimidade de ser o que ou do que se queria ser.Aos poucos, Edgar Navarro se transformou em um dos grandes nomes de nosso

    cinema. Falastro, ruidoso e teatral, parece tentar viver o que diz. Diz alto, quasediscursa. Respira cinema e transpira encenao, o tempo todo. Imita vozes, cita autores,dita as trilhas sonoras e as canta, bem ou mal. Cria um ambiente tipicamente navarriano,

    parece dirigir at mesmo um papo informal. Os desavisados se perdem, se deixam levar,mas para onde? Talvez, ao universo clich de todo mortal: ataques ao governo, asestruturas sociais, a famlia. Poderia ser o ator principal de qualquer um de seus filmes,se assim j no , ao menos simbolicamente.

    Anarquista e cido demais, na viso dos mais conservadores, homem frouxo e

    vulnervel para entre suas negas, mas sem dvida, um sopro de criatividade emtempos j no muito virtuosos. Entre suas obras, desfilam ttulos comoAlice no Pasdas Mil Novilhas, O Rei do Cagao e Superoutro o mais conhecido de todos.Atualmente, prepara o lanamento de Eu me Lembro, filme que narra, a partir daslembranas do prprio autor, a evoluo da capital baiana nos ltimos 50 anos.

    Gnio e louco, como ele prprio se considera, Navarro lamenta apenas no tersade mental suficiente para tocar projetos mais audaciosos. defensor do discursode um cinema baiano sempre muito rico e criativo, mas ainda pouco profissional. No

    por critrios tcnicos ou da ordem de recursos humanos, mas por falta de uma melhorestrutura, incentivos e planejamento tambm essenciais.

    Apesar de demonstrar ser um grande paranico, no aceita a idia detestemunhar os produtores de cinema na Bahia acomodados sob a alegao de viver umeterno boicote. Considera a falta de organizao como uma triste herana do processode colonizao, que, acontecendo de formas diferentes nas diversas regies do Pas, nosfaz melhor em muitas coisas e pior em vrias outras. Piores nessa histria pragmticaque o neoliberalismo e o sistema sempre exigem do cristo, por exemplo.

    Talvez, no futuro, as pessoas passem a classificar determinados filmes comodotados de um certo tom navarriano. Nada mais justo. Navarro autntico e sabedisso. Muito mais do que um super-oitista ou modista de poca, como muitos chegarama rotul-lo no princpio. Ou toda essa gente se engana ou ento finge que no v que elenasceu para ser o superbacana.

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    DESCONSTRUO DA NORMALIDADELuciana Rebouas

    O grito inicial a principal chamada do Superoutro: Acorda, humanidade!Superoutro, filme de Edgar Navarro, 1989, , antes de dedues bvias, um filme que

    pode levar o espectador a pensar. Para alguns, esta a histria de um morador de rua,louco, que faz nojeiras e palhaadas durante os rpidos 40 minutos do mdia-metragem;mas para outros este um filme que est muito alm da obviedade. Superoutro secompe nas entrelinhas e nos faz pensar que os loucos so aqueles que moram em um

    prdio de luxo e pagam para algum dormir na sua portaria durante a noite. Mais umapsicose da modernidade.

    O personagem principal, interpretado por Bertrand Duarte, o morador de ruaque quer acordar a humanidade e vai parar em um hospcio da cidade de Salvador.

    Quando devolvido rua, sua casa, comea a passear por pontos tursticos, perambular,observar e refletir sobre esta cidade e sobre a sociedade, mas suas idias esto muitoalm da especfica regio de Salvador. O Superoutro um personagem universal.

    Todavia, o filme, to bem construdo dentro da sua lgica da desconstruo, perde-se em algumas cenas escatolgicas que ora so gratuitas, como o close noprocesso de defecao do personagem, ora so engraadas e anrquicas, como quando oSuperoutro arremessa seu coc em um motorista parado no sinal. Possivelmente, estetenha sido mais um recurso de Navarro para acordar a humanidade, mas ele se perdeuem risos e constrangimentos.

    Navarro, diretor baiano, s veio a realizar seu primeiro longa-metragem, Eu Me

    Lembro, em 2005. O filme foi bastante premiado no Festival de Braslia 2005,recebendo sete candangos: melhor longa-metragem, melhor direo, melhor atriz (ArlyArnaud), melhor ator coadjuvante (Fernando Neves), melhor atriz coadjuvante(Valderez Freitas Teixeira), melhor roteiro e melhor prmio da crtica. TambmSuperoutro, em 1989, ganhou dois prmios: o Prmio Especial do Jri e o Prmio deMelhor Diretor, ambos no Festival de Gramado. O bom trabalho de Edgar Navarro

    parece evidente, talvez falte apenas mais oportunidade para a realizao de um cinemamais slido na Bahia.

    "Para qu que eu vou querer saber de tudo. O dia que eu souber de tudo, eu novou querer saber mais de nada", diz o Superoutro ao chupar suas tangerinas trocadas por

    uma nota de 500 cruzados. Esta apenas uma frase de um turbilho de idias que se pretendem rebeldes e questionadoras, mas, por vezes, deixa o espectador confuso,devido a tantas exigncias mentais proporcionadas por uma srie de reflexes, uma atrsda outra, em seqncias que se atropelam e querem atropelar quem assiste. precisoestar preparado, com a mente mais aberta para apreciar este mdia-metragem, quemsabe seguir a instruo de um dos espectadores que, revendo o filme, falou antes da suaexibio para a platia jovem: Preparem seus saquinhos de vmito.

    Infelizmente, foi em meio s inmeras dificuldades do cinema baiano queNavarro comps este anti-heri que invade as telas para tentar aproximar o pblico deuma realidade mais crua. Todavia, a dificuldade de distribuio e as poucas cpias

    disponveis para os espectadores mais jovens fazem esta histria perambular e, talvez,

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    afligir apenas uma gerao passada. H a promessa de sua reproduo em DVD, masest apenas mais uma expectativa deste sofrido cinema realizado na Bahia.

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    DIAGNSTICO DO CINEMA BAIANOPor Anderson Sotero e Taciana Gacelin

    O paciente, ao entrar no consultrio, foi logo se queixando ao doutor. Achavaque estava enfermo. O vigor que tivera em certa poca esmoreceu. No se sentia mais o

    mesmo. No conseguia compreender o que lhe sucedera. Estremecia s de pensar na possibilidade de cair no ostracismo. Erguia-se um pouco, mas o fulgor que tiveraoutrora no se repetia com a mesma intensidade. Definitivamente, adoecera.

    Nascido na Bahia somente por volta de 1911, com descendncia europia,recorda ter vivido momentos esplendorosos. Era exibido em salas exguas, que ficavamconstantemente lotadas, devido grande receptividade da capital baiana diante dafascinante novidade: a stima arte chegava finalmente para os baianos.

    Ganhou repercusso nacional e mundial com notveis obras que permitiram asua difuso e, por conseguinte, angariar admiradores. Glauber Rocha, um dos seus

    principais representantes com uma idia na cabea e uma cmera na mo ,produziu alguns dos filmes que o alavancaram e o fizeram de referncia para muitosoutros posteriores.

    Todavia, os dias de glria no foram uma constante em sua vida. Houve atquem o chamasse de cinema sazonal. Ento, considerando-se desconhecido,sobretudo para os prprios baianos, pediu insistentemente ao mdico que lhe receitassealgum medicamento eficaz, e no mais paliativos. O doutor, com uma feio hesitante,sabia que o pedido do seu paciente no seria uma tarefa fcil. A anlise de algunssintomas seria imprescindvel para que se pudesse elaborar um diagnstico atual desteconspcuo paciente, o cinema baiano. Ei-los:

    O jardim do vizinho sempre o mais bonito O que talvez pudssemos chamar decinema baiano no parece despertar tanto interesse quanto o que vem de fora. ParaConceio Miranda, responsvel pelo Projeto de Formao de Platia em Cinema, quevisa atrair alunos do ensino fundamental e mdio atravs de exibies gratuitas, hainda certo provincianismo por parte da populao, pois somente d valor ao jardimalheio, ao outro, ao estrangeiro.

    conhecido sim! Mas l fora! Roque Arajo, contemporneo de Glauber Rocha edono de um currculo de produes cinematogrficas invejvel (cerca de 180 filmes),

    argumenta que o cinema baiano no desconhecido. Ele impulsionou odesenvolvimento cultural brasileiro, sobretudo com as produes de Glauber Rocha. Ele conhecido mundialmente. O problema que os baianos esto acostumados com

    produes americanas e italianas.

    Salas de exibio Muitos cineastas reclamam da dificuldade que enfrentam para queseus filmes possam ser vistos nas grandes salas de exibio. Geralmente, passam emsalas de cinema de arte, salas alternativas, destinadas s pelculas que, via de regra, nose enquadram nos padres comerciais hollywoodianos. Desde 2004, todas as salasforam foradas licitamente (cotas de salas) a reservar 63 dias, no mnimo, para a

    exibio de produes nacionais. Roque Arajo salienta ainda que, mesmo com as

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    poucas salas existentes, algumas ainda so vendidas para instituies religiosas. Ele fazum apelo para que seja criada uma lei que proba este tipo de comercializao.

    H quem nunca tenha ido sequer ao cinema Ir ao cinema uma prtica comum,mas que permitida a somente uma parte seleta da sociedade. As salas de cinema se

    localizam no centro da cidade. Isto dificulta o acesso a elas, por boa parte das pessoasque moram nos bairros perifricos. Sem falar dos empecilhos financeiros.

    Gil Giardelli, colunista do portal UOL, salienta que, de acordo com uma recentepesquisa requisitada pelo governo, de cada dez jovens brasileiros, quatro nunca foramao cinema. Quando se trata do universo feminino, mais agravante: um tero (ou 1,9milhes) das brasileiras nunca foram ao cinema.

    Cinema de Arte Filmes que destoam do padro comercial, com narrativas nemsempre lineares, intelectualizados. Isto pode interferir na compreenso do pblico,

    pois se faz necessrio compartilhar de uma gama de conhecimento prvio, a que o filmepode fazer referncia. Tem-se o exemplo de Superoutro, dirigido por Edgard Navarro,no qual so feitas vrias aluses a Castro Alves, poesia gregoriana e Glauber Rocha.

    Incentivo governamental Em 7 de junho de 2006, foi apresentado em Braslia oProjeto de Lei que cria o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que dever funcionaratrelado ao Fundo Nacional de Cultura (FNC). Almeja-se investir em programas e

    projetos para estimular o desenvolvimento e a competitividade da indstria audiovisualbrasileira. No ano passado, o governo patrocinou cerca de 65% dos filmes nacionais emcartaz.

    Os sintomas parecem apontar para um quadro clnico complicado. O CinemaBaiano talvez necessite de acompanhamento mdico intenso. Oxal que no sejadependente do Sistema nico de Sade (SUS).

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    MONOPLIO DAS SALAS DE EXIBIO

    Luciana Rebouas com colaborao de Matheus Feitoza

    Situado na regio do Comrcio, em Salvador, em uma rua agitada, mas longe daluxosidade de outros centros empresariais da cidade, est localizado o escritrio damaior operadora de salas de exibio do estado: a Orient Filmes. No stimo andar,encontram-se amplas salas com paredes decoradas por cartazes de filmes recentes, queem breve estrearo, como Piratas do Caribe O ba da morte, ou que entraram emcartaz na mesma semana, comoPoseidon, um remake hollywoodiano.

    Em geral, a maioria dos espectadores faz uma grande confuso com as trsesferas bsicas do cinema: a produo, a distribuio e a exibio. A produo responsvel por fazer o filme, ela quem lida com atores, roteiristas e todos osfuncionrios envolvidos com a realizao. J a distribuidora tem o papel de fazer a

    publicidade do filme, repassar as cpias e negociar com as salas de projeo. E, no finaldo percurso, se tem as salas de exibio. Estas so administradas por uma determinadaempresa, que cuida do funcionamento em geral, da programao e da venda deingressos. neste papel que se encontra atualmente a Orient Filmes, na coordenaototal de 26 salas de cinema em Salvador e em Feira de Santana: Shopping Barra (2),Center Lapa (2), Multiplex Iguatemi (12), Cine Ponto Alto (2), Orientplace Itaigara (1),Iguatemi de Feira (4), Cine Tupy (1) e o Vilas Boullevard (2). Na contramo da regra,esto as salas da UCI, no complexo de cinemas do Aeroclube, e as Salas de Arte, sendo,atualmente, quatro em funcionamento (Rio Vermelho, Vitria, Contorno e Pelourinho).

    O presidente desta mega estrutura Aquiles Dante Costa Mnaco, baiano, que

    comea no ramo cinematogrfico muito cedo, sendo at mesmo necessria suaemancipao para fundar a Orient. A empresa foi fundada em julho de 1979, e passouseus cinco primeiros anos como distribuidora de pelculas 16 e 35 mm, j sendo lder nadistribuio da bitola de 16 mm. A sorte parecia estar ao lado de Aquiles e, de 1984 a1990, foram abertas cerca de 50 salas de cinema, em quinze cidades da Bahia, o que foimais um fator para a empresa dominar completamente o mercado cinematogrfico. Acompra do Cine Jandaia, na Baixa do Sapateiro, em 1984, marca o incio da histria daempresa como operadora de cinemas. deste modo que se inicia todo o monoplio quea Orient possui at os dias atuais.

    Hoje, seu maior motivo de orgulho o Multiplex Iguatemi, que alcanou a

    quarta colocao em nmero de espectadores no rankingnacional neste ltimo ano. Em2002, recebeu 2.800.000 espectadores, e em 2003 bateu mais um recorde, com3.200.000 freqentadores. Este sistema de cinemas teve incio em Bruxelas, nos anos90, e prima pela concentrao de entretenimento em um nico local. Geralmente, soshopping centers, com grandes praas de alimentao, que atraem muitas pessoasdiariamente e tm como estratgia principal oferecer muitas opes de filmes para osconsumidores. Alguma semelhana com o Shopping Iguatemi, que possui um fluxo de120.000 pessoas por dia? Pois bem, parece que o Multiplex realmente um excelentenegcio.

    Mas o negcio que parece ter apenas pontos positivos tem tambm os seus

    problemas. Dentre os 27 anos de atuao da Orient, Iracema Volta, a gerente demarketing, ressalta uma crise pela qual o cinema vem passando, proporcionada pela

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    qualidade dos novos aparelhos de DVD; pela pirataria, principal ponto que estafastando o pblico das salas; e pela rapidez da chegada dos filmes nas locadoras. Emcontraposio, ela observa a expanso da quantidade de pessoas que vo ao cinema,atingindo maiores camadas da populao, ou seja, uma massificao do ir ao cinema,

    por mais que no se faa deste programa um hbito constante.

    A questo que se coloca, porm, a seguinte: o que os baianos esto assistindonestes cinemas? Seus prprios filmes? Definitivamente, no. A Orient, segundoIracema, tem o maior interesse em incentivar o cinema baiano, mas esbarra emdificuldades que antecedem a boa vontade da corporao. Na verdade, o problema com distribuio mesmo. Tem muitos filmes baianos que no conseguem distribuidoras

    para represent-los e ficam como produes independentes, que vo muitas vezes parauma sala de arte. A gente exibe filmes de arte no Multiplex. s vezes, fica uma semanas, porque precisa de pblico para sustentar, diz Iracema, j deixando claro um motivosecundrio para as poucas exibies das produes do estado nas salas. No nenhumanovidade que os filmes precisam se sustentar, e os filmes baianos, ao que parece, no sesustentam, pois no tm pblico, como possui um longa norte-americano. Iracemacorrobora a preocupao da Orient com o cinema baiano relatando os cuidados quetiveram com o filme Cidade Baixa, de Srgio Machado. A gente aposta, tanto que oCidade Baixa entrou com uma semana de antecedncia aqui em Salvador. Antes de oBrasil inteiro ver, Salvador j estava exibindo. A gente apostou, apoiou o Cidade Baixa,fez cabine de imprensa. Ns ajudamos a distribuidora a fazer a publicidade dele aqui emSalvador, afirma Iracema. Deste modo, sem perceber, ela retoma ao velhoquestionamento sobre um filme ser produzido no Rio de Janeiro, como o caso deCidade Baixa, e ser considerado baiano por ter sido rodado na Bahia e contar comatores e diretor baianos (mas que aualmente moram no Rio de Janeiro).

    PONTO ALTO Infelizmente, no so s estes problemas de exibio que o cinemabaiano enfrenta. H interferncias negativas relacionadas a questes mais gerais. Nosdias de hoje, se observa tambm o constante fechamento de salas menores, quecostumam levar uma camada mais pobre ao cinema. Apesar desta anlise ser menosespecfica em relao a filmes propriamente baianos, esta realidade insustentvel, poisest minando a possibilidade dos soteropolitanos de irem a um cinema mais acessvel.

    No princpio de junho, os Art I e Art III, da agora extinta operadora de salas Art Filmes,fecharam as portas depois de 30 anos de funcionamento no Shopping Iguatemi. Na

    contramo desta perspectiva, encontra-se um outro cinema, distante do centro, masainda aberto: Cine Ponto Alto, tambm comandado pela Orient Filmes.O Cine Ponto Alto est situado na avenida So Rafael, no Pau da Lima. Longe

    do centro e das modernas salas de exibio (com sons digitalizados, super ar-condicionados e da badalao teen), estas duas pequenas salas, com 112 lugares cadauma, formam um tpico cinema de bairro. Normalmente, ele recebe um pblico variado,mas tem como seus maiores freqentadores as crianas, os estudantes e os moradoresdas imediaes.

    Independente da idade, ou do dia da semana, o preo do ingresso est fixado emquatro reais, com direito a um saquinho de pipoca. Fator importante na escolha, o valor

    do Ponto Alto um atrativo para as famlias que avaliam as outras opes como muitocaras. Segundo Denise Santos, moradora do bairro de Itinga, s quem gosta muito de

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    cinema poderia levar seus filhos para estas salas to despendiosas. Por indicao de umcolega de trabalho, foi conhecer o Ponto Alto e gostou da falta de filas e da localizaodo Cine, bem perto de sua casa. A maioria dos outros shoppings muito cheio. Paravoc conseguir entrar no cinema, tem que pegar uma fila imensa, alm de pagar caro,diz Denise.

    Apesar de pagar mais barato, pessoas como Denise, ao irem ao Ponto Alto,acabam assistindo a filmes que j estrearam nas grandes salas h duas ou mais semanas.

    No entanto, este no um motivo to forte para fazer com que o pblico abandone oCine. Segundo Cleusa Oliveira, gerente do Ponto Alto, no h reclamaes e as pessoascostumam esperar at que uma cpia seja disponibilizada pela Orient Filmes. Onmero de cpias limitado, a eles do preferncia a colocar no Multiplex, Barra,Center Lapa, para, por ltimo, chegar aqui. Eles sabem que o pblico daqui um

    pblico que espera, justifica Cleusa. Na tentativa de trazer pessoas para as sesses do meio da semana, que

    costumam ser vazias, o Ponto Alto iniciou um projeto que visa aproximar o cinema dasescolas. Distribuindo cortesias aos professores, o Cine constri uma ponte entre ascrianas e o Ponto Alto, que quase sempre possui em uma das salas um filme infantil.Ainda segundo Cleusa, estes colgios particulares costumam procur-los, pois, nos seriainvivel levar, aos outros cinemas, um nmero to grande de crianas. Recentemente, navspera do Dia das Mes, o Centro Educacional Mundo Infantil promoveu um encontrofestivo no Ponto Alto, no qual mes e filhos participaram de uma proposta mais cultural.

    Em contraposio aos filmes infantis, os chamados filmes de arte, que algumaspoucas vezes chegam no Ponto Alto, no atraem praticamente ningum. No passam deuma semana em cartaz e trazem em mdia 150 pessoas durante toda a sua estadia nasala. Exemplos recentes foram os longasHotel Ruanda e Capote. Na via inversa, estoblockbusters como A Era do Gelo e Madagascar. Estes filmes j tinham todas as suassesses lotadas s trs da tarde de domingo, e ainda tinham pessoas que pegavamcadeiras extras, ultrapassando a lotao do cinema. Em mdia, so 850 espectadores nofinal de semana e de 150 a 200 por dia de segunda a sexta.

    Infelizmente, estes cinemas de bairro esto perdendo espao com a expanso doformato multiplex. Estas salas modernas investem em extremo conforto, em umcardpio variado de longas e em muita pipoca. So sinnimos de divertimento, mas nose preocupam em acolher todo o pblico, sendo naturalmente excludentes. O preoelevado no possibilita a Denise sair de Itinga para ir ao Iguatemi. Ela conta,

    preocupada, que teme a provvel extino destas pequenas salas. Para mim tanto fazcinema pequeno ou grande. Agora, se botar um Multiplex, vai botar um preo igual aosoutros. E a j vai ficar difcil!, diz.

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    QUARTO BAIANO - CINEMA BAIANO NAS TELAS

    Deijeane Nascimento

    Abrem-se as portas da Sala Walter da Silveira. Apagam-se as luzes e, como todaquarta-feira da semana, apresentada ao pblico uma produo cinematogrfica baiana.

    As Quartas Baianas, projeto organizado pela Dimas, junto Associao Baianade Cinema e Vdeo (ABCV), surgiu em 2004. O evento nada menos que uma mostrade filmes que, ao contrrio das salas convencionais e comercias, valoriza e exibe,exclusivamente, filmes baianos.

    A produo de filmes na Bahia no vasta por diversos motivos. Os principaisso: falta de incentivo cultural, recursos financeiros e, dentre estes, pode-se citar adesvalorizao do cinema local pelos espectadores, que ocupam intensamente as salas

    de circuito comercial, dando bilheteria, assim, s grandes produes hollywoodianas. nesse contexto turbulento que so produzidos grandes filmes de razes baianas. Estesno conseguem espao, porm, para serem exibidos nas salas comerciais, certamente

    por no darem, em sua maioria, o retorno financeiro que elas esperam.Justamente por tal motivo, surgiram as Quartas Baianas. Segundo seu

    organizador, Lcio Mendes, o objetivo principal do projeto dar visibilidade sprodues da casa, j que quem produz quer exibir.

    Para o cineasta Roque Arajo, esse um problema nacional, j que as salas deexibio do circuito comercial pertencem a grupos multinacionais que detm omonoplio e decidem o que ou quem ir apresentar suas produes.

    A partir desse projeto, a produo de cinema baiano ganhou um espao fixo parase tornar visvel. Para Roque, o projeto interessante, porm, ainda pouco: Para tiraros filmes que temos da prateleira, seria necessria a criao de salas de exibionacionais e em locais que possuam infra-estrutura. Estacionamento, por exemplo, um

    problema para a Walter. No h local para estacionar aqui.O pblico do evento variado, mas reduzido. A sala onde acontece o evento

    possui 200 poltronas, porm, durante as exibies, so ocupadas pouco mais de 30lugares. Lcio afirma que, apesar de pequena, essa freqncia constante. Socineastas, cinfilos, estudantes e curiosos da stima arte, que variam de acordo com orealizador do filme que est sendo exibido. Caso esse seja um grande mobilizador, o

    evento pode contar com um pblico maior.O projeto acontece h pouco mais de dois anos e exibiu mostras diversas, nas

    quais foram abordados todos os momentos do cinema baiano, com filmes de GlauberRocha, Roberto Pires, Jos Umberto, Joel Almeida, Jos Araripe Jr, Pla Ribeiro, RoqueArajo e outros.

    As sesses so todas as quarta-feira, s 20h, na Walter da Silveira, localizada noCentro da Cidade, no bairro dos Barris.

    ***Neste ms de Julho, j est agendado para o dia 05/07 a seguinte programao:

    Viva o dois de Julho, de Tuna Espinheira

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    O Corneteiro Lopes, de Lzaros Faria

    Para quem quer ver cinema baiano no pode deixar de acompanhar esse evento.

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    UM FESTIVAL PARA O BAIANO SE VERRebeca Bastos

    Para quem est habituado a ler revistas, assistir tev, ir ao cinema e costuma

    prestar ateno em anncios publicitrios, no difcil perceber a baixarepresentatividade da populao negra nos veculos de comunicao brasileiros. Estedficit histrico que tambm ocorre no cinema vem sendo discutido desde 1999 peloFestival de Cinema Pan-Africano, que j se prepara, em 2006, para sua sexta edio emdiversos espaos de Salvador. Em uma terra que muito consome, mas pouco conhece doseu prprio cinema, um festival como o Pan Africano vem para mostrar o que a Bahia, oBrasil e a frica so capazes de fazer no cinema.

    O festival de cinema fruto de uma conversa entre Ftima Fres, produtoracultural e diretora do festival, e Pla Ribeiro, cineasta baiano, sobre a falta dedivulgao e exibio do cinema com temtica africana em Salvador. Numa cidade de

    grande maioria negra, no poderia ser mais pertinente. Decididos a transformar o projeto em realidade, Ftima e Pla conseguem encaixar o festival dentro daProgramao do Mercado Cultural, organizado pela Casa Via Magia.

    O festival conta com duas mostras, sendo uma delas competitiva. Os filmesselecionados disputam o Prmio Milton Santos, no valor de dois mil reais (a primeiravez que o evento ofereceu premiao em dinheiro foi na V edio). Segundo osorganizadores, a frica desconhecidssima e, atravs dos filmes, percorre-se ahistria daquele continente. Os filmes so produzidos por realizadores que se prestamao esforo de evidenciar o que a diretora do festival chama de "cinema negro

    brasileiro". A produo africana conta com cineastas como o senegals Boubacar Boris

    Diop, que fala sobre os talibs, as crianas de rua africanas, e tambm conta comfilmes, do j conhecido francs Jean Rouche.

    O festival prestigia a produo local, que se faz presente tanto na mostracompetitiva, quanto na no-competitiva. Os filmes, em sua maioria, giram em torno datemtica negra, mas a mostra aberta para outros temas e produes do Pas. Pelofestival, j passaram filmes de veteranos do cinema baiano como Pla Ribeiro (A Lendado Pai Incio), Jos Araripe (Mr. Abrakadabra e Rdio Gog), Fernando Blens (Anis e

    Pixaim) e Geraldo Sarno (Ia). Tambm no faltam novos realizadores, como LazroFarias (A Cidade das Mulheres), Sofia Federico (Caadores de Sacis) e Edyala Yglesias(No Corao de Shirley).

    Para Sofia Federico, atual diretora da Associao Baiana de Cinema e Vdeo(ABCV), o festival importante porque traz tona questes como a dispora africana ea situao do negro na sociedade brasileira. Alm disso, o evento leva cinema para reasditas marginais da cidade e provoca, mais ainda, no pblico o sentimento de incluso.Seu filme foi sucesso de pblico na V edio do festival e ficou com o segundo lugar damostra competitiva, atrs apenas deNarciso Rap, do paulista Jeferson De.

    Dos filmes selecionados para a mostra competitiva, apenas um levar o prmio.O vencedor escolhido atravs de jri popular formado pelo pblico em geral e porestudantes de escolas pblicas, com idade a partir dos 12 anos, alm de universitrios.Dessa forma, o festival pretende formar platia e estimular seu potencial crtico.

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    Para a prxima edio do festival, que deve ocorrer de 16 a 22 de novembro,Ftima j planeja oficina de atores e iluminao para a pele negra. Deve haver tambm

    performances de VJs e de grupos de hip-hop do cenrio local. Uma das grandes atraesdo prximo festival pode ser o relanamento de Samba Riacho, documentrio

    premiadssimo de Jorge Alfredo e que ainda foi pouco visto na Bahia.

    O esforo do evento serve para divulgar o cinema da dispora africana entre ascomunidades suburbanas, estimular a formao de platia e realizadores negros, alm deexpor uma imagem diferente dos afrodescendentes da que costuma aparecer na mdia.Alm das mostras cinematogrficas, o festival tambm oferece oficinas de formao nasreas de fotografia bsica, grafite e formatao de projetos audiovisuais, que compemo projeto Escola Popular de Imagem. A iniciativa das oficinas visa dar acesso linguagem audiovisual e estimular a cidadania participativa entre os jovens integrantes.

    Inserido no contexto de uma cidade com as caractersticas de Salvador, o evento uma fonte de inspirao para as necessrias mudanas de todo sistema audiovisual eum blsamo para alma de sua populao que est acostumada a se ver apenas nas pioressituaes.

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    CANNES AQUI, CANNES NO AQUINina Neves

    O cinema baiano est de volta a Cannes foi a frase estampada em grandesletras amarelo-vivo por toda Salvador em 2005. Os outdoors que se encarregaram deespalhar curiosidade e, quem sabe, esperana de algo novo na cinematografia local,explicaram tambm que se tratava da propaganda do filme recm-produzido Cidade

    Baixa. Roteirizado e dirigido pelo baiano Srgio Machado, o filme teve cenrio e atorestambm baianos, mas o financiamento foi do Governo Federal.

    Ao se passear pelas ruas da cidade baixa, de carona na grua de filmagem, apublicidade que um tantinho exagerada e escandalosa, alis, como toda publicidade at que ganha sentido e convence. Muitos espectadores pensam com alvio, naintimidade da sala escura, , o cinema baiano voltou..., e terminam de assistir aofilme satisfeitos e orgulhosos da terrinha. Mas nas colunas e sites especializados emcinema, os crditos sobem, a luz acesa e a concluso no a mesma.

    Muitos crticos levantam a discusso de Cidade Baixa ser ou no cinema baiano.Segundo alguns, o que caracteriza genuinamente o cinema de um lugar ele contar cominvestimento local e ser produzido, do comeo ao fim, no estado, alm de a fonte deinspirao temtica ser tambm regional. Cidade Baixa tem quase todos os requisitos,mas a produtora carioca, e o recurso nacional, conseguido atravs do Concurso deApoio Produo, Finalizao e Desenvolvimento de Filmes de Longa Metragem

    promovido pela Agncia Nacional de Cinema (Ancine). Seguindo esta linha depensamento, ento, o filme em questo no faria parte do repertrio baiano. Mas no radical desbaianizar uma produo cinematogrfica que possui tanta gente da casa?Se o acaraj, o vatap, o caruru e a pimenta foram feitos aqui e depois pagos e montadosem um perfeito banquete de comida baiana no Rio de Janeiro, ele deixa de ser baiano?

    verdade que os dois atores principais e o diretor no vivem mais aqui, mas osfilhos prdigos voltaram casa e possibilitaram que se fizesse algo sobre a cidade natal.O correto seria esperar que algum realizador baiano, que tivesse um projeto baiano,conseguisse um dinheiro baiano para ento a Bahia voltar s telonas? Algo em que

    pensar, caro leitor.Para o videoasta Daniel Lisboa, essa discusso quanto nomeao estatal de um

    filme grande besteira e perda de tempo. Ele acha que todos enfrentam as mesmas

    dificuldades durante o processo de desenvolvimento de uma produo e que deveriamser classificados apenas como cinema brasileiro. O gasto de flego e energia pensanteseria melhor empregado na busca de uma soluo para a dificuldade de se conseguirapoios financeiros para a produo cinematogrfica. Cinematogrfica e/ou videogrfica.Este detalhe de denominao, que no to pequeno assim, , inclusive, outra questolevantada por crticos, realizadores e espectadores de cinema e, do que se chama, deaudiovisual.

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    PELCULA VS. IMAGEM DIGITAL Produto audiovisual, experinciavideogrfica, ensaio de imagem e som so alguns dos nomes que se d ao que no chamado de cinema. Em tese, a diferena principalmente o uso de fitas digitais eanalgicas no lugar de pelcula, mas para o crtico Andr Setaro, ela se estende a umaquesto da cultura atual. Segundo ele, as idias tm sido lanadas em vdeo sem

    lapidao. A nsia expressiva tanta que o realizador no tem pacincia para aelaborao de um roteiro, e quer logo a praxis, desejando imediatamente pegar nacmera e sair filmando, o que ocasiona, muitas vezes, certos vexames expressivos,resultando na emergncia de vdeos que estariam melhor colocados numa lixeiravirtual, costuma dizer. Mas, como depois da enxurrada vem a terra frtil, ele reconhecetambm que esta uma oportunidade para que boas idias surjam, como aconteceu como vencedor do ltimo Festival Imagem em 5 Minutos, promovido pela Dimas, O Fim do

    Homem Cordial, de Daniel Lisboa. A polmica do vdeo, que j foi tantas e tantas vezesdiscutida, sai agora do seu contedo anti-carlista para entrar na discusso do ser cinemaou no, o que vem sido feito pelos irmos Daniel e Diego Lisboa, Kau Rocha, CarlosPronzato, entre outros.

    Para uma gerao de crticos que sempre foi apaixonada pela aura especial que paira (pairava?) em torno do cinema, mesmo difcil compreender que no h tantadiferena assim em relao a produo videogrfica. Alm da distino de suportefsico, certo que o vdeo no tem uma tradio linear ainda como a do cinema, mas osdois se igualam em termos de funo para o realizador e para o espectador: so recursosaudiovisuais de comunicao. E assim, como grande parte do cinema atual, os vdeosdependem de Editais para sobreviver, o que foi duramente criticado por Daniel Lisboa(ler mais na entrevista com o videoasta).

    Kau Rocha, diretor do vdeo Choque, declarou que o audiovisual genericamenteinclui tudo, desde fotografias seqenciadas, filmes, vdeos, videoclipes videoarte.Acho que a perspectiva de quem produz imagem hoje no se fechar, mas se abrir e serhbrido, no ter medo de experimentar. Depois da obra feita, os intelectuais que demnomes, categorias. O mesmo desprendimento constatado por Lisboa. Para ele, ovdeo d uma grande liberdade de experimentao; h espao suficiente para que se

    possa escapar da esttica hollywoodiana, do roteiro linear, da montagem usual. atribudo ao termo cinema uma grande carga de valor cultural. Talvez o medo

    de perd-la faz com que se conserve tal denominao. Por outro lado, ela gastalevianamente em tantas produes que no merecem levar o nome. Pode-se, ento,

    considerar um erro no definir as produes audiovisuais como cinema apenas para noexalt-las demais.Kau Rocha argumenta sobre no ser fundamental a denominao, mas sim a

    realidade criativa do momento. Se eu fizer um transfere colocarChoque em pelcula,a partir da ele cinema. E o fato de Choque j ter sido visto por milhares de pessoasno faz dele um fato social muito mais importante do que se ele fosse pelcula e tivessedentro da gaveta mofando, afirma.

    O que se h de entender que, independentemente do suporte material oudenominao, esses vdeos so uma realidade e comeam a fazer histria. Os j citadosO Fim do Homem Cordiale Choque formam um tringulo eqiltero comA Revolta do

    Buz em termos de impacto social. De pea em pea, a retomada do cinema baiano se

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    revela um grande mosaico em construo, do qual as partes mais coloridas se formamdo novo.

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    A ALTERNATIVA O CINEMA DE MUTIRO, O CINEMA DE ATITUDERafaela Chaves com colaborao deEdinaldo Jnior

    Uma cmera digital na mo e uma boa idia na cabea. Assim seria a famosa

    frase de Glauber se falasse do atual panorama baiano. tambm essa a perspectiva atualpara os jovens realizadores baianos, enuviados por idias e sedentos por recursos queno existem. Daniel Lisboa um deles e, hoje, o de maior destaque no cenrio regionale brasileiro. Aps despontar no Festival de 5 minutos gerando polmica sob as vistas dequem provoca com seu O Fim do Homem Cordial, e ganhar alguns festivais deimportncia nacional, ele se v envolto a projetos que no pode concretizar. Mas searriscando, colocando a cara pra bater e criando polmica que Lisboa segue fazendoescola e retomando, ou mesmo iniciando uma nova verso do audiovisual baiano.

    Atual e atuante, criativo e inquieto. Produzindo o que chama cinema de terceiromundo, terrorismo audiovisual ou produo underground, ele movimenta um estado

    rico em idias, mas que as vende para que possam virar obras. Refm de editais pblicos de patrocnio e remuneraes em festivais nacionais, esse o quadro docinema baiano, que se refugia na resistncia de pequenas produtoras e vdeos de baixocusto.

    RAFAELA CHAVES H uma discusso sobre uma possvel retomada do cinemabaiano. Algumas pessoas defendem que isso aconteceu no fim dos anos 90 com oTrs Histrias da Bahia, outras somente com o recente Cidade Baixa, quando issoveio tona. Voc acha que est acontecendo mesmo essa retomada?DANIEL LISBOA O que existe de fato que os realizadores baianos, principalmente

    os da gerao do superoito, Edgar Navarro, [Jos] Araripe, Fernando Blens, PlaRibeiro, conseguiram, atravs de editais, realizar seus projetos antigos de longa-metragem. Ento, realmente, esse momento agora aqui na Bahia d essa impresso deque est existindo uma retomada, mas, na verdade, o que est existindo so bonsresultados. O que existe hoje para se realizar filmes de oramento, filmes que voc

    precise de umagrana para viabiliz-los, um sistema de editais. Se voc no se der bem nesse sistema de editais, quase um vestibular, voc no vai fazer seus filmes,porque fazer filme caro. Para mim, muito mais que uma retomada, de um movimentoem que pessoas dizem no, vamos voltar a fazer cinema, muito mais um lance deresultados que foram obtidos.

    EDINALDO JNIOR Ento seria uma espcie de boom?DL , um boom de resultados. Pla [Ribeiro] ganhou edital de baixo oramento doBNDES, Edgar Navarro, Tuna Espinheira e Fernando Blens ganharam edital doGoverno do Estado. Estas pessoas que esto fazendo cinema agora so impulsionadas

    por conquistas dos editais. O edital da Bahia, por exemplo, esse ano no teve. A vocfica assim: bom, se no teve esse ano, ser que vai ter algum filme para rodar ano quevm?. Na verdade, o que eu acho importante ser dito a compreenso desse sistema deeditais que existe. Hoje em dia, ser cineasta voc saber fazer projeto. Se voc faz um

    bom projeto, voc tem uma chance imensa de ganhar um edital. Ento, a coisa comea ase inverter. Para ns, que estamos comeando, s vezes d desnimo mesmo...

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    RC Mas no algo parecido com a questo dos festivais patrocinados?DL Exatamente. A, surge a questo dos festivais. uma outra peneira que seu filmetem que passar. Aqui em Salvador tem dois festivais: o Festival de 5 Minutos, doDIMAS, e a Jornada de Cinema da Bahia, que tanto para longa quanto para curtas.

    Mas a verdade essa, voc s faz seu filme, se voc ganhar um edital. E eu no sei atque ponto eles so legtimos, porque existe a questo da influncia, do lobby. muitoobscura essa questo dos editais para quem est de fora. Por exemplo, o do Governo doEstado geralmente tem dois representantes do governo como jurados e um ou outro daclasse do Audiovisual. Eles colocam de uma forma que d para barrar de certa forma. estranho voc depender de outras pessoas, que vo lhe dar a possibilidade de realizarsuas obras, diferente da msica que voc ali, escreveu sua msica, depois t tocando.Voc concretizar uma obra de oramento, aqui no Brasil, complicado. Ou voc vai poressa via do edital, que uma loteria, ou ento vai para a via do underground, doalternativo, dos filmes que do para fazer em casa e que voc consegue bons resultadoscom esses filmes...

    EJ E hoje em dia at mais fcil faz-los...DL Os meus mesmo nunca receberam um edital. Nunca recebi dinheiro para fazermeus trabalhos. Eu mesmo os fao e depois luto para conseguir exibir, conseguircolocar em festival e, s vezes, rola um resultado legal. Eu t meio em crise com essacoisa do filme s valer a pena se obter bons resultados em festivais. Eu t em processode crise com o sistema audiovisual, com essa coisa de fazer o filme se ganhar edital oudeterminados festivais.

    RC Mas voc ganhou notoriedade a partir do Festival de 5 Minutos..DL Mas assim, voc s ganha notoriedade com festival. Primeiro que o filme temque pelo menos entrar nos festivais, porque, se no, ele no vai ser nem visto. A ficaessa coisa louca dos realizadores atrs dos festivais. O que acaba acontecendo que orealizador acaba tendo que pagar para seus filmes serem exibidos. Voc tem que pagar oSedex, a mdia, material de divulgao. Voc acaba tendo um gasto grande comfestivais, e no final de tudo, voc fez seu filme ou atravs dos editais, ou atravs dosseus esforos pessoais. Os festivais tm uma poltica que agora eu t colocando muitoem questo que de no remunerar o realizador. Tem festivais que tem bilheteria, e esse

    dinheiro no vem para o re