esquinas - nº 50 fim do mundo

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REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA FACULDADE CÁSPER LÍBERO #50 – 2º SEMESTRE DE 2011 DO MUNDO FIM

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A Revista Esquinas é um órgão laboratorial do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. A revista é semestral, e a cada edição as matérias giram em torno de um tema específico. Na edição 50 nosso tema foi Fim do Mundo. Boa Leitura!

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REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA FACULDADE CÁSPER LÍBERO#50 – 2º SEMESTRE DE 2011

DO MUNDOFIM

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Revista-laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero

Fundação Cásper LíberoPresidente Paulo CamardaSuperintendente Geral Sérgio Felipe dos Santos

Faculdade Cásper LíberoDiretora Tereza Cristina VitaliVice-DiretorWelington AndradeCoordenador de Jornalismo Igor Fuser

Professor responsávelHeitor Ferraz Mello

MonitoriaEditora Fernanda PatrocinioAssistente editorial Tiago Mota

Editor de Arte e Fotografia Petrus LeeDiagramaçãoMariana Alves, Petrus Lee e Renan Goulart

RevisãoGabriela Sá Pessoa, Ítalo Fassin, Gustavo Nárlir, Mariana Marinho, Nathália Henrique, Paulo Pacheco, Renata Barranco e Tiago Mota

Participaram desta edição Aline Rocha, Alyne Fajardo, Amanda Martins, Amanda Massuela, Amanda Viana, Ana Beatriz Gebara, Ana Carolina Neira, Ana Luísa Vieira, Ananda Cseiman , André Oliveira, André Silva, Anna Mascarenhas, Avana Salles , Bárbara Nór, Bárbara Vanderlei, Beatriz de Fátima Martins, Beatriz Dias, Beatriz Paiva, Bianca Castanho, Camila Baos, Carina Morpurgo, Carla Casarin, Caroline Borges, Caroline Rezende Mendes, Caroline Zilberman, Danillo Soares de Oliveira, Danylo Martins, Deborah Rezaghi, Eduardo Gonçalves, Fabricio Bernardes, Fernando Gonzalez, Fernando Zorzetto, Francini Vergari, Gabriela Godoy Martins Corrêa , Gabrielle Winandy, Giovanna Ferraz Borges, Giulia Afiune, Guilherme Aleixo, Guilhermo Burgos, Gustavo Henrique, Helder Ferreira, Helena Lorga, Jaqueline Gutierres, Jéssica Cruz, Julia Bezerra, Laura Stoppa, Leonardo Avila, Lídia Rogatto, Lidia Zuin, Luana Martins, Lucas Paulino, Luciana Gonçalves, Luiz Guilherme Gomes da Silva, Marcella Lourenzetto, Marcella Paula, Mariana Marinho, Marina Junqueira, Marina Pellorca, Mario Sant, Melina Sternberg, Nilo Vieira, Paola Perroti, Patrícia Homsi, Patricia Rodrigues Alves, Rafaela Carrilho, Raquel Bertani, Renata Barranco, Roberto Fideli, Sttela Vasco, Suellen Fontoura, Tábita Faber, Talita Franzão, Talles Braga, Tatiane Rosset, Thais Campoy, Thaís Ferreira, Thiago Navarro, Tomás Fernandes, Victoria Freitas Tackahaschi, Vítor Dalseno, Vitor Valencio, Vivian Garcia e Yolanda Moretto.

Imagem de capa: Alan Porto Vieira

AgradecimentosJosé Augusto Dias Jr., José Eugenio Menezes, Igor Fuser, Maria Inês Nassif, Maximiliano Bosch e Welington Andrade

Núcleo de RedaçãoAvenida Paulista, 900 — 5º andar01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874E-mail: [email protected]

HEITOR FERRAZ MELLO

EDITORIAL

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ESQUINAS - 2º SEMESTRE 2011 3

Este é um número especial do Esquinas. A revista chega a sua 50a edição e com um tema bastante quente: o fim do mundo. Como vem acontecendo desde que comecei a orientar os trabalhos dos alunos que fazem a revista, o assunto principal nasceu do próprio desejo dos estudantes. A partir da ideia fomos elabo-rando, em conjunto, todas as pautas, sempre ampliando o leque de possibilidades, evitando que o tema se tornasse uma camisa-de-força.

A revista tem procurado se manter atual, rente aos acontecimentos que nos cercam no nosso cotidiano. Isso não quer dizer que o mundo esteja para acabar, mas o assunto vem sempre à baila quando o tempo vira, quando cai uma chuva desco-munal, ou quando o calor se torna insupor-tável, ou ainda quando recebemos a notícia de um terremoto ou tsunami. “É o aqueci-mento global”, alguém comenta. “É o buraco na camada de ozônio”, outro completa. “É a sanha do homem por mais e mais dinheiro, vai destruindo tudo que encontra pela fren-te”, manifesta-se outra pessoa.

E foi a partir destes comentários que pen-samos e fizemos as matérias que se seguem nesta revista, procurando abranger o assunto por vários ângulos – desde a catástrofe natu-ral, passando pelos horrores da guerra, pelos movimentos que apelam por um “basta” ao crescimento desordenado do mundo, pelas crises econômicas, pelo mundo que começa e acaba numa pedra de crack, na Cracolândia, em São Paulo, até pelo campo da imaginação,

antes que o mundo acabe

com filmes, jogos e canções. Além do tratamento cuidadoso dos tex-

tos das reportagens, também houve uma preocupação maior na parte gráfica: os alu-nos tiveram uma liberdade maior para criar as páginas de acordo com o assunto de cada reportagem, mantendo-se, claro, dentro do projeto estabelecido da revista. Ficou um número bonito, no qual ilustrações e fotos não apenas decoram as páginas, mas tecem toda uma rede de sentidos, como deve ser esta relação entre texto e imagem.

Também chega ao fim a participação da ativa aluna Fernanda de Araújo Patrocínio, que esteve à frente do Esquinas, como mo-nitora, nos dois últimos anos, aprendendo a editar uma revista – e principalmente a lidar, com diplomacia, com uma equipe de jovens repórteres, muitos recém-entrados na Faculdade Cásper Líbero, animados para fazer suas primeiras matérias.

A partir de 2012, a revista terá outro mo-nitor, substituindo a Fernanda: o aluno Tiago Mota, do terceiro ano de Jornalismo. Desde que entrou para o Núcleo Editorial de Revis-tas, Tiago, ou Motinha, como seus amigos o chamam, tem se mostrado um repórter sério e competente, sempre pronto para cumprir as pautas que lhe passam. É dele o perfil do filósofo Vladimir Safatle, deste número.

É um novo mundo que começa: para Fer-nanda, que vai levar para as redações a experi-ência adquirida na Faculdade, e para Motinha, que entra para a escola do Esquinas.

Na edição #50, a

Revista Esquinas tentou

explorar as polêmicas e

o imaginário provocados

pelo fim do mundo.

Catástrofes naturais,

armas nucleares,

invasão de zumbis,

decrescimento e

movimentos sociais são

alguns dos assuntos que

podem ser conferidos

neste número

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33

SUMÁRIO

06 ...3 ...2 ...1 BOOM!Os estragos provocados pelas catástrofes naturais e pelos ataques com armas nucleares. Conheça algumas possíveis situações que podem levar o homem ao seu fim

21 PERIGO INVISÍVELDe tempos em tempos surge um novo vírus, que espalha terror e coloca o mundo em alerta. Saiba mais sobre as epidemias

24 A NOVA ERAAnualmente, bilhões de dólares são investidos em armamentos. E o Brasil também tem sua tradição na indústria de defesa

30 REBELDES COM CAUSAPrimavera Árabe, #ForaTeixeira, Xingu, Hora do Planeta e Ocupa Sampa: alguns movimentos questionam poderes e sistemas vigentes

42 CAMINHOS DE PEDRACracolândia: a dinâmica de uma região alterada pelo crack

50 ESPETÁCULO DA DESTRUIÇÃOSempre presente no imaginário, o fim dos tempos também é tema no cinema

04 ESQUINAS - 2º SEMESTRE 2011

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40 IMPUNIDADE OU MORTEDo Carandiru ao Realengo, os maiores massacres ocorridos no Brasil nos últimos 20 anos

33 SOCIEDADE PÓS-SUSHIVladimir Safatle, filósofo e professor, compara o engajamento da sua geração com a da atual, e reflete sobre uma nova Política

52 FOME APÓS A MORTEA série de televisão The Walking Dead, entre outras referências na cultura pop, tem transformado zumbis em protagonistas dos nossos tempos

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27 MAIS OU MENOS?Se continuar produzindo e crescendo, à medida que o capitalismo dita, será que o sistema sucumbirá? Sobre esta e outras questões, a Teoria do Decrescimento propõe um novo mundo

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66 VÁ DE BIKEConheça a Bicicletada, inciativa apoiada pela jornalista Renata Falzoni, que ajuda a promover a vida sobre duas rodas na capital paulista

ESQUINAS - 2º SEMESTRE 2011 05

52 6660

58 SALVE-SE QUEM PUDER!Católicos, protestantes, judeus, espíritas, muçulmanos e adeptos do Santo Daime. Como cada crença descreve o Juízo Final

62 MODE ONVocê conseguiria viver fora da internet?

70 PONTO DE VISTA

SEÇÕES

36 ENSAIO

64 CHARGE

48 LITERATURA

55 DO PÓ AO PÓPaulo Nogueira, teólogo e estudioso sobre o apocalipse, fala sobre a relação da Bíblia com o fim do mundo

47 CONTO

16 CATÁSTROFES

18 PROJETO NASA

60 MUNDO EM CAOSGames simulam como seria o fim do mundo – usando um joystick

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ChApéU

Na maNhã do dia 6 de agosto de 1945, o Enola Gay, um avião bombardeiro adaptado, decolou da base aérea norte-americana loca-lizada na ilha Tiniam, no Pacífico. Dentro do avião, a maior arma que a humanidade já criou, que por ironia leva um nome singelo: Little Boy (Menininho, em inglês), a bomba de urânio de 12 quilotoneladas (o equiva-lente a 12 mil toneladas de explosivos do tipo trinitrotolueno, ou TNT). Às 8h15, hora local, a cidade de Hiroshima, no Japão, foi atingida. O artefato explodiu a cerca de 600 metros de altitude. O impacto da explosão foi tão intenso que tirou o avião da rota. A emissão de luz foi tanta que ofuscou os tripulantes do Enola Gay, mesmo usando óculos escuros. Um deles, impressionado, indagou: “Meu Deus, o que nós fizemos?”. “Uma explosão nuclear não é brincadeira”, expressa Emico Okuno, membro de Comis-são de Pesquisa do Departamento de Física Nuclear da Universidade de São Paulo (USP).

Com o desenvolvimento atual da tecno-logia bélica, existem no mundo armas nu-cleares com mil vezes mais capacidade de destruição que aquela de Hiroshima. Mesmo assim, os efeitos no Japão não foram peque-nos. Dados oficiais das primeiras semanas após o ataque apontam pelo menos 78 mil mortos na cidade. O número, no entanto, é impreciso – pessoas mais próximas do nú-cleo da explosão simplesmente desapare-ceram devido ao calor e acabaram não en-trando na contagem. Conforme explicação de Okuno, o núcleo chega temperaturas de 4 mil a 5 mil graus Kelvin (entre 3727 e 4727

graus Celsius). Para comparar, a temperatu-ra no Sol fica em torno de 6000 graus Kelvin, ou 5727 °C. Além disso, calcula-se que, cinco anos depois, o número de vítimas chegou a 200 mil pessoas, contando com as mortes por radiação. “Se as pessoas não morressem evaporadas, ou por queimaduras, ou porque um prédio caiu em cima delas, provavelmen-te morreriam por conta dos níveis de radia-ção”, ilustrou a pesquisadora.

NOVA ERA DO GELOOs efeitos tanto imediatos quanto em longo prazo de uma explosão nuclear impressio-nam e causam medo. Afinal, o homem teria criado a arma para sua própria destruição? Esta pergunta foi onipresente durante os anos de Guerra Fria, no pós-guerra a partir de 1945 até a queda da União Soviética, em 1991. O medo de uma guerra nuclear entre as duas grandes potências, Estados Unidos e União Soviética, incentivou uma pesquisa científica na década de 1980 que constatou quais seriam os efeitos deste conflito para a vida na Terra. Se os dois países usassem as 10 mil bombas nucleares que cada um pos-suía, o planeta entraria no chamado “Inver-no Nuclear”. “Uma guerra destas lançaria tal quantidade de poeira e fumaça na atmosfera que impediria os raios solares de atingir a superfície do planeta e, portanto, a agricul-tura entraria em colapso. Os cientistas, na época, fizeram cálculos sobre isto. Não era um filme ou só uma ideia”, detalha José Gol-demberg, livre-docente em Ciências Físicas pela Universidade de São Paulo e autor do

livro O Inverno Nuclear (Brasiliense, 1985).Os líderes deste estudo sobre o Inverno

Nuclear foram os cientistas Paulo J. Crutzen e John Birks, holandês e americano respecti-vamente. A pesquisa comparou os efeitos da explosão de uma bomba nuclear com grandes erupções vulcânicas. A mais famosa foi a do vulcão Cracatoa, na Indonésia, que lançou quantidade suficiente de cinzas na atmosfe-ra capaz de baixar as temperaturas por toda Europa, em 1883 – também conhecido como o “ano sem verão”. “O Inverno Nuclear é si-milar ao processo que extinguiu os dinos-sauros. Porém, não tem mais se usado este termo. É meio obsoleto”, conta Okuno.

As pesquisas da década de 1980 apontam que uma explosão nuclear de 20 megatons (ou 20 milhões de toneladas de TNT) lança na atmosfera 1 km³ de poeira. Apenas 20 explo-sões recorrentes poderiam lançar quantidade de partículas equivalente ao que foi lançado pelo vulcão em Cracatoa, que reduziu a tempe-ratura da Europa em 0,6°C. “A noção é de que em uma guerra nuclear não se explodiria só uma bomba, mas cem ou duzentas. Seria algo milhares de vezes maior do que vimos em Hiroshima. Nestes termos, o inverno nuclear seria possível”, comenta José Goldemberg.

Estados Unidos e Rússia, os dois maio-res detentores de armas nucleares, assi-naram em 2010 o Pacto Nuclear. O acordo prevê que ambas as potências diminuam seu arsenal atômico em 30%. No mesmo ano, os EUA assumiram oficialmente pos-suir mais de 5 mil bombas nucleares. Além destes dois países, Inglaterra, França, Isra-

BOOM!REPORTAGEM TIAGO MOTA (2o ano de Jornalismo)ARTE E INFOGRAFIA PETRUS LEE (2o ano de Jornalismo)

...1...2

...3

6 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

FIM DO MUNDO

Page 7: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

BOOM!el, Coréia do Norte, China, Paquistão e Índia possuem armas deste tipo.

Em 2006, pesquisadores americanos da universidade de Rutgers refizeram os cálculos e publicaram seus resultados em Nuclear Win-ter Revisited With a Modern Climate Model and Current Nuclear Arsenals: Still Catastrophic Consequences (Journal of Geophysical Resear-ch, vol. 112). A pesquisa comprovou que, em caso de uma guerra nuclear naquele ano, as temperaturas do planeta cairiam entre sete e oito graus Celsius. Na América do Norte, Euro-pa e Ásia, a queda seria de entre 20°C e 30°C. Haveria também uma redução de aproxima-damente 45% do índice de chuvas no mundo. Este efeito duraria por mais de uma década, impossibilitando a produção de alimentos e causando mortes por fome pelo globo.

Amauri Pereira de Oliveira, PhD em meteorologia pela Universidade Estadual de Nova York, explica que este fenômeno é possível: “Uma guerra nuclear de grandes proporções pode lançar grande quantidade de partículas na atmosfera e refletir a ra-diação solar. Aumentar esta reflexão leva a uma diminuição muito grande de tempera-tura, fazendo com que apareça gelo e neve onde originalmente não havia”. Segundo Oliveira, o processo levaria o planeta a uma glaciação generalizada, tal qual ocorreu a

cerca de 18 mil anos atrás. No entanto, para Oliveira, a previsão

desta catástrofe é imprecisa. “É possível investigar o que pode acontecer se uma condição atual da atmosfera sofrer uma alteração, como, por exemplo, dobrar a concentração de dióxido de carbono (CO

2).

Mas isto não quer dizer que, se isto ocor-rer de fato, irá acontecer o que foi previsto. O nosso conhecimento da atmosfera e do clima da Terra ainda é muito limitado para fazermos isso com a precisão necessária”. A pesquisa de 2006, por exemplo, não leva em consideração a possível dissipação do material radioativo na atmosfera. “Muitos poluentes, também os que emitem radia-ção, sofrem processos de mudança de fase, se diluem em gotículas, se depositam na superfície e etc.”, explica Oliveira.

Mesmo com estas previsões catastrófi-cas, os cientistas José Goldemberg e Emico Okuno não se apavoram com a possibilida-de do evento. “O ser humano, apesar de ter esta arma, não é bobo. É uma bomba contra a própria humanidade, na verdade. É possível querer fazer mal ao outro, mas não querer o mal a si próprio”, opina Okuno. “Não me pre-ocupo com o Inverno Nuclear, mas mais com um acidente nuclear, como em Fukushima”, conta Goldemberg.

O impacto da explosão [da bomba] foi tão

intenso que tirou o avião da rota. A emissão de luz foi

tanta que ofuscou os tripulantes do Enola Gay, mesmo usando

óculos escuros. Um deles, impressionado,

indagou: “Meu Deus, o que nós fizemos?”

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 7

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pERIGO: RADIAÇÃO! No dia 11 de março de 2011 o mundo pre-senciou um dos maiores desastres nucleares da história. Um terremoto de magnitude de 8,9 na Escala Richter gerou um tsunami que atingiu a costa japonesa, mais precisamente a cidade de Fukushima. O impacto danificou o sistema de resfriamento dos reatores das usinas nucleares do local. Sem este sistema, níveis altos de radiação foram espalhados por toda a região. Em alguns lugares, che-gou a se verificar um nível de radiação de 500 milisieverts – o nível de segurança é de 20 milisieverts. “A região se torna inabitável como aconteceu em Chernobyl, uma cidade totalmente abandonada. É preciso esperar muitos e muitos anos para ver como fica. Os rios, as águas do oceano e o solo estão com-pletamente contaminados”, descreve Okuno. Em pronunciamento oficial em agosto deste ano, o governo japonês declarou que as áreas da região poderão manter-se inabitáveis por mais de 20 anos. Em torno da usina, uma área de raio de 20 quilômetros foi desabitada, dei-xando mais 84 mil pessoas desabrigadas.

Por mais assustador que pareça, o pro-cesso que leva a um desastre como o de Fukushima é simples. “O processo funcio-na como uma panela de pressão. A panela explode se a válvula não está adequada. O que acontece com a usina nuclear é que o material, o combustível nuclear, gera muito calor. Este calor deve ser resfriado para não passar de um determinado valor. Quando ocorre um problema de resfriamento, aquilo vai aquecendo muito e a pressão aumenta. Se há alguma forma de escape, até que vai indo. Quando não, explode”, explica Okuno.

No caso específico de Fukushima, não houve explosões nucleares, tal qual uma bomba atômica. “Lá ocorreram explosões de hidrogênio, o que é normal. Mas elas contri-buíram para espalhar a radioatividade”, co-menta José Goldemberg. Quando assim, in-felizmente não há muito que se possa fazer além de evacuar a área. “Foi um processo desesperador. Se não conseguir esfriar, a pressão continua aumentando e continua vazando material pelo local que já rompeu. O problema é que todo o sistema de resfria-mento foi prejudicado”, lamenta Okuno.

Segundo reportagem da Agência France-Presse, foram detectados níveis alterados de radiação proveniente de Fukushima nos Es-tados Unidos poucas semanas depois do aci-dente, mas não em quantidades alarmantes. Embora difícil de prever, Amauri Pereira de Oliveira afirma ser possível que a radiação se transporte pelo planeta. “Qualquer material lançado na atmosfera tem chance de se espa-lhar por todo o planeta. Existe o caso dos expe-rimentos nucleares americanos da década de 1950, que eram realizados na estratosfera de forma secreta e acabaram sendo descobertos. Isto porque existe transporte da estratosfera para a troposfera, onde estamos, e várias esta-ções de superfície passaram a detectar picos de radioatividade”, explica o especialista.

Acidentes como este geraram protestos em Tóquio contra o uso de energia nucle-ar. As principais ruas da cidade foram to-madas por 60 mil manifestantes no dia 19 de setembro contra as usinas. Para Okuno, este tipo de produção de energia é, de fato, perigosa. “Os reatores para fins de produ-ção de energia elétrica são cheios de ris-

cos. Por meio da fissão ocorre a liberação de núcleos radioativos, radiação gama e nêutrons que contaminam tudo que está por aí. São bombas atômicas controladas.” O processo de fissão nuclear consiste na quebra de núcleos de átomos. Tal quebra libera energia, que é captada por meio dos geradores. Existem ao redor do mundo pes-quisas que buscam desenvolver processos de fusão nuclear. Em vez de quebrá-los, a fusão une núcleos, o que os transforma em geradores de energia – tal qual a geração de energia no Sol – e não somente liberadores. “Na fusão, ao contrario da fissão, não há o problema de rejeitos. Logo, os reatores alcançam tempo de vida mais alto, por não estarem contaminados. No entanto, vai de-morar algo em torno de 40 ou 50 anos para chegarmos à fusão”, explica Okuno.

BRASIL RADIOATIVO “Eu sou contra geração de energia elétrica por meio de usinas nucleares. Deve-se in-vestir muito em pesquisa para obtenção de energia de outras formas. No Brasil, podemos obter energia solar, eólica, biomassa, queima de cana e hidrelétrica. É um país privilegia-do”, opina Okuno. De fato, as consequências em Fukushima acenderam a luz amarela em muitos países que possuem reatores nu-cleares, entre eles o Brasil. O país já possui em Angra Dos Reis, Rio de Janeiro, as usi-nas Angra I e Angra II, planejando construir Angra III em cerca de cinco anos. No entan-to, especialistas não vêem necessidade para este empreendimento. “Dentro de um reator há mais radioatividade que em explosões de bomba. Aqui no Brasil não há necessidade de desenvolver energia nuclear. Alguns países não têm opção. Na França, por exemplo, algo em torno de 70% da energia é gerada por usi-nas nucleares”, comenta Goldemberg.

Além disso, há fortes críticas sobre os locais onde estas usinas foram construídas. Okuno concorda com as críticas e considera que as usinas pelo planeta são pouco pla-nejadas. “O que vários pesquisadores pelo mundo dizem é que não são contra a energia, mas contra onde os reatores foram construí-dos. Os de Angra, por exemplo, estão em um lugar totalmente errado. Estão na rota de avi-ões entre São Paulo e Rio de Janeiro. Não têm rota de fuga em caso de acidentes. A preocu-pação grande é que não foram consideradas uma série de questões e não previram uma diversidade de situações.”

Está em processo de construção tam-bém um reator multipropósito, o RMB, na cidade de Iperó, interior de São Paulo. Este tipo de reator gera material radioativo para o uso na medicina, em exames de raio-X, por exemplo. O Brasil costumava importar este material, principalmente do Canadá, mas problemas em reatores interromperam as transações. Este é um exemplo de de-senvolvimento em pesquisa nu-clear benéfico. “Hoje, na medi-cina, esta pesquisa salva vidas”, co-menta Okuno.

8 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

REPRODUÇÃO: SURVIVORS AFTER THE ATOMIC BOMBING OF NAGASAkI, JAPAN” - YOUSUkE YAMAHATA

Japoneses sobreviventes do

ataque à Nagasaki, não tinham opção

senão fugir da área afetada pela bomba

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Page 10: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

ChApéU

REPORTAGEM AMANDA MARTINS, BEATRIZ DIAS, GABRIELLE WINANDY (1o ano de Jornalismo) e MELINA STERNBERG (2o ano de Jornalismo)COLABORAÇÃO MARCELLA PAULA (1º ano de Jornalismo)IMAGEM ALAN PORTO VIEIRA (3o ano de Jornalismo)

ROTA DE COLISÃODiante da frequência de catástrofes naturais estamos caminhando para um impacto. Mas quando isso acontecerá?

FIM DO MUNDO

10 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

Page 11: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

ChApéU

ROTA DE COLISÃO

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 11

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TERREMOTOS, TSUNAMIS, FURACõES, ame-aças nucleares. Cada vez mais estes fenôme-nos estão estampados nos noticiários. Não se sabe se a frequência destes aumentou ou se a velocidade da mídia se abrangeu de forma nos conectar a todos os cantos do mundo.

Fato é que a força humana tem se mos-trado impotente diante da Natureza e das armas nucleares e biológicas. E perguntas não param de surgir acerca do aquecimento global, das mudanças climáticas e da pre-ocupação que se estende sobre o desenvol-vimento de programas nucleares em países como Irã e Coréia do Norte.

EM EBULIÇÃOO aquecimento global é discutido desde 1972, quando houve a Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente Humano em Estocol-mo, promovido pela Organização das Na-ções Unidas (ONU). No entanto, ainda hoje há controvérsias quanto à existência do fe-nômeno. “Existem correntes de pesquisado-res renomados e influentes que acreditam no aquecimento global. No entanto, há tam-bém quem diga que não, que isso não exis-te, que não está acontecendo nada”, explica Eder Molina, do Departamento de Geofísica do Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

Desde o início da industrialização, no século XVIII, começava o aumento brusco e descontrolado da emissão de gases poluen-tes provenientes da queima de combustíveis fósseis, como gasolina e álcool. Juntamente com as queimadas, a liberação exagerada desses gases desencadearia distúrbios e de-sequilíbrios na atmosfera, impossibilitando um progresso sustentável.

O acúmulo de gases na atmosfera come-çou então a formar uma espécie de cobertor, sobre o qual o calor emitido pelo Sol não mais se dissipa. De forma mais natural, uma parte dos raios solares, ao bater na super-fície terrestre, deveria ser refletida. Porém, com o acúmulo de gases poluentes impedin-do a saída desses raios, o planeta passa a se transformar em uma grande estufa, que se aquece progressivamente.

As conseqüências deste acelerado pro-cesso de aquecimento já são perceptíveis. Por exemplo, calotas polares derretem, au-mentando o nível do mar – estimativas apon-tam que em 40 anos, aproximadamente, as calotas já estarão completamente derretidas.

ChOCALhOTerremotos são causados por erupções vulcânicas, falhas geológicas ou, mais fre-quentemente, choque de placas tectônicas. Os tremores sísmicos de maior intensidade ocorrem com mais frequência em uma re-gião do mundo conhecida como Círculo de Fogo (ou Anel de Fogo), onde se encontram os limites das principais placas tectônicas – dentre os vários países situados nessa área, estão Japão, Estados Unidos, Haiti e Chile. No entanto, terremotos de menores propor-ções e, portanto, imperceptíveis ocorrem no mundo todo, a todo momento.

A impressão geral é de que os terremotos vêm aumentando em frequência, junto com o aquecimento global – embora um fenôme-no não se relacione em nada com outro. No entanto, “pesquisadores têm feito uma aná-lise estatística recentemente, e acham que o número de terremotos, na verdade, está diminuindo, não aumentando”, afirma o ge-ofísico Eder Molina.

A suposição de que os abalos sísmicos vêm aumentando em quantidade deriva do fato de que, com a comunicação imediata de todas as pessoas com o mundo, se reporta muito mais terremotos que antigamente. Não apenas isso, como também hoje há tec-nologia para detectar os menores abalos. Antes da década de 1960, só se era possível detectar os terremotos de nível 5 na escala Richter para cima.

Tremores de nível 2, os menores na es-cala, até hoje são dificilmente identificados. Os mais intensos terremotos registrados até hoje não chegam a 10 graus na escala, o nível mais extremo possível de intensidade. O maior tremor registrado na história ocor-reu no Chile, em 1960. Sua magnitude foi de 9.5, causando a morte de, aproximadamente, 5.700 pessoas e deixando mais de dois mi-lhões de pessoas feridas. Quando o terre-moto tem como ponto central (epicentro) no fundo do mar, os abalos provocam ondas de grande intensidade, denominadas pela pala-vra japonesa tsunami (tsu: porto; nami: onda)

ou, como conhecido no Brasil, maremoto.Mas são esses fenômenos naturais que

mantêm o planeta vivo, opina Molina. “É essa manifestação que acaba fazendo com que os continentes cheguem num certo lugar. Na verdade, tem gente que acredita que foram estas atividades as responsáveis pelo surgi-mento da vida. Se não houvesse manifesta-ção, com vulcanismo e separação de placas, não haveria condições para ter vida na Terra”.

ATé O úLTIMOCausados ou não pelo homem, as consequ-ências de desequilíbrios ambientais também preocupam. Por exemplo, coelhos originários da Espanha e Ilhas do Mediterrâneo Ociden-tal foram levados pelo homem para a Austrá-lia ainda no século XIX. Mesmo em pequena quantidade, eles logo se alastraram pelo am-biente e a introdução da espécie estranha no ecossistema gerou o desequilíbrio local. Es-pécies naturais do país, como os marsupiais, que se alimentam de plantas, sofreram uma queda em sua população em função da con-corrência gerada pelos novos habitantes.

Quando uma espécie é extinta, o proble-ma do ponto de vista ambiental também é preocupante. “Toda espécie que desaparece na natureza causa uma interferência direta na cadeia alimentar”, diz o ambientalista Dener Giovanini, coordenador geral da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (RENCTAS).

12 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

REPRODUÇÃO/CREATIVE COMMONS

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De acordo com Giovanini, espécies que se alimentavam daquela que desapareceu vão ficar sem alimento, levando a novas extinções. “Já aquelas que serviam de ali-mento para a que foi extinta se multiplicam de maneira descontrolada, pela ausência de predadores naturais. Isto afeta o equilíbrio de tudo que existe na natureza”.

No caso dos terremotos, tsunamis e ou-tras catástrofes naturais, não são só os seres humanos os afetados. “Os animais sofrem tanto quanto os humanos”, diz Dener Gio-vanini. “Não só os silvestres, que vivem na natureza, mas também os domésticos, que são as maiores vítimas de tragédias como essa”. O ambientalista também citou tragé-dias que nem sempre são naturais, como os incêndios, muito comuns nas épocas de tempo seco, afetando diretamente os habi-tats naturais das espécies.

Valdecy Martins, presidente do Institu-to Brasileiro de Ecologia e Meio Ambiente (IBEMA), explica que as catástrofes naturais causam, além de perdas materiais para o ser humano, prejuízos na cadeia alimentar em longo prazo. Ele, no entanto, pondera: “Na verdade, os habitats apenas mudam. Todos os seres vivos têm capacidade de se adaptar a um novo habitat, o que ocorre são apenas perdas”.

Para Celso Dal Ré Carneiro, geólogo da Universidade Estadual de Campinas (Uni-camp), grandes catástrofes naturais sempre estiveram associadas a graves impactos na

biodiversidade. Por exemplo, uma das extin-ções em massa mais severas já ocorridas na história do planeta foi a do Triássico-Jurássi-co, há cerca de 200 milhões de anos, em que mais de 90% das espécies existentes desapa-receram. Uma grande cratera com a idade da extinção, descoberta na Antártica, em 2006, foi associada ao acontecimento. “Estamos tra-tando, porém, de uma dimensão planetária, ou seja, de eventos de grande magnitude”, diz Carneiro. “São eventos isolados ou associa-dos entre si que alteraram drasticamente as condições de vida de populações inteiras de seres vivos”. Tais eventos concorreram para que espécies fossem extintas, enquanto ou-tras tiveram tempo suficiente para se adaptar às novas condições.

“Acontecimentos como esse acontece-riam uma vez a cada 100 milhões de anos”, informa o geólogo. Há ainda muita polêmi-ca sobre as causas de cada um dos eventos de extinção em massa. “A humanidade não viveu o suficiente para fazer a mínima ideia do que seja isso”, afirma ele. “Nem mesmo o desaparecimento dos dinossauros tem sido atribuído a uma única causa”, acrescenta.

é NOSSA CULpA?Para o ambientalista Dener Giovanini, esta-mos vivenciando hoje uma série de reações da natureza com relação à atuação do homem no planeta. “Se nós não conseguirmos entender esses sinais que a natureza está nos dando,

vamos continuar numa rota de colisão com a própria existência da humanidade”, diz Gio-vanini. “O ser humano não vai conseguir aca-bar com a natureza, pois ela vai reagir antes e irá nos extinguir”, afirma o ambientalista. “Isso pode acontecer de diversas maneiras: uma delas, que está se tornando cada vez mais forte nos últimos anos, é o surgimento de novas doenças”.

Valdecy Martins acredita que o principal dos fatores que desequilibram o meio am-biente são os desmatamentos. Como resulta-do, o presidente do IBEMA cita o acúmulo de gases poluentes, erosões nos solos de vários estados do país, assoreamento de rios e ca-tástrofes como os desabamentos na região serrana do estado do Rio de Janeiro, em 2011.

Mas ainda existe polêmica quando o tema é aquecimento global. O físico Ednil-son Oliveira, por exemplo, acredita que “não é provado que o aquecimento seja direta-mente causado pela ação humana, ou um ciclo natural da própria Terra.” Segundo o geólogo Celso Dal Ré Carneiro, mesmo que seja comprovado que os gases de efeito es-tufa emitidos realmente tenham influência direta no aumento de temperatura média na Terra, “ainda é preciso levar em consi-deração fatores astronômicos, tectônicos e atmosféricos, que também determinam mu-danças no clima global”.

No entanto, quando o assunto são ca-tástrofes naturais cujas origens se dão no

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 13

REPRODUÇÃO/WIkICOMMONS

À esquerda: destruição em

favela do Haiti, após terremoto

ocorrido em 12 de janeiro de 2010. À

direita: o estrago provocado pelo

furacão Katrina, no Missisipi (Estados Unidos), em 29 de

agosto de 2005. Na página seguinte,

Museu Mangattan, em Ishinomaki, no Japão, após

terremoto ocorrido em março de 2011.

Page 14: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

interior da Terra, o homem pode ficar livre da culpa. “Há um mercado consumidor de notícias catastróficas e setores de mídia que acabaram se especializando em propagar que as coisas podem ir de mal a pior”, diz Celso Dal Ré Carneiro. Para ele, isso não quer dizer que a Terra esteja se tornando mais “violenta”. “O que tem sido mais fre-qüente é o noticiário”, aponta.

A magnitude de eventos de dinâmica in-terna é realmente grande, algo sobre o qual o homem não tem o menor poder de influên-cia. “A Terra é inquieta e está em permanente evolução”, explica Carneiro. O geofísico Eder C. Molina diz que “a movimentação de pla-cas tectônicas, responsável pelos terremo-tos, é um processo muito energético, algo completamente fora do alcance de qualquer coisa que o homem possa fazer”.

Para se ter uma ideia da energia envol-vida, Molina explica que um terremoto que mede 5,0 na escala Richter, cujo tremor é considerado relativamente leve, libera uma quantidade de energia equivalente a dez anos de funcionamento em plena potência da Usina Hidrelétrica de Itaipu. O grau 6,0 na escala Richter representa cerca de 30 vezes esse valor, que é multiplicado por 30 a cada grau que aumenta na escala. “É uma quanti-dade de energia absurda”, diz o geofísico. “A gente nunca vai chegar nem perto”.

Para Molina, “as forças envolvidas na Terra são muito maiores que a nossa capaci-dade”, afirma. O geofísico acrescenta que a

natureza acaba se regenerando com o passar do tempo, tendendo ao equilíbrio. “A gente não tem tanto poder quanto acha que tem”, expõe. “Não somos capazes de destruir o planeta ou construir um outro”.

O FIM qUE NÃO pODEMOS MUDARA probabilidade de um meteoro se chocar com a Terra, embora amplamente retrata-da nos cinemas, é inviável, garante o físico Ednilson Oliveira. “Teria que ser um corpo quase do tamanho da própria Terra”, ponde-ra. “Quanto à morte por causas naturais, o planeta Terra ainda tem muito tempo de vida. Por mais que o ser humano se ache no poder de diminuir esse tempo, a vida do planeta em si não está ameaçada.” O Sol, no entanto, se-gundo estudos geológicos e geofísicos, está quase na metade de sua vida. Segundo dados do Centro de Divulgação da Astronomia da Universidade de São Paulo (USP), a idade do astro é de cerca de 4,5 bilhões de anos.

O Sol é quente porque dois átomos de hi-drogênio se fundem em seu interior com uma força brutal, gerando um átomo de hélio. O que sobra é energia, que ele libera em forma de calor. Esse processo é o que mantém a es-trela viva. O cálculo de seu tempo se baseia na massa que ele tem atualmente, na que se calcula que ele já queimou e na que ainda vai queimar. “Hoje ele [o Sol] está na metade do hidrogênio que ele tem. Quando ele queimar tudo, daqui há uns quatro e meio bilhões de anos, vai tender a se expandir e se tornar

uma gigante vermelha – quando a estrela se expande ao máximo”, conta Eder Molina. Vai crescer tanto que englobará a Terra e Marte, até que se romperá e sobrará apenas uma anã branca – um tipo de “caroço” pequeno e pouco luminoso que sobra depois que acaba o combustível nuclear da estrela –, ou possi-velmente marrom – considerada uma “estrela fracassada”, por não ter a estrutura necessá-ria para ser considera uma.

Já o planeta Terra passa por um proces-so diferente do Sol. Embora tenha começado como um planeta quente, o espaço é frio e a Terra tende a perder calor para ele. É isso que mantém o planeta vivo. Enquanto ele perder energia, estará solidificando o núcleo de ferro e níquel. “Esse processo consome mais ou menos 25 metros cúbicos por segundo de material, algo como 25 caixas d’água de ferro”, explica Molina. Mas ainda não é hora de entrar em pânico: “Se você pegar o raio da camada e calcular quanto ainda tem para solidificar, conclui-se que há muito tempo ainda. Eu diria uns três e meio bilhões de anos, se eu for generoso”.

O FIM qUE pODEMOS MUDARO ambientalista Dener Giovanini diz que a humanidade poderia encontrar um ponto de equilíbrio entre a existência e a manu-tenção dos recursos naturais do planeta, caso ocorresse a conscientização. “Enquan-to isso não acontecer, o risco de eliminação da vida humana no planeta vai continuar existindo”, afirma.

A consciência ambiental vem aumentan-do, mas, para Giovanini, está muito longe do que seria necessário para reverter qualquer situação. “Hoje a discussão ambiental ainda está muito restrita a ambientalistas, pesqui-sadores, acadêmicos”, diz ele. “A população de um modo geral, apesar de ter simpatia pela causa ambiental, ainda não tem cons-ciência de fato do que representa os riscos ambientais para a nossa existência”.

Mas o esforço não depende apenas dos cidadãos comuns. Giovanini afirma que é preciso que haja um esforço real e significa-tivo por parte dos governos. “Não adianta a sociedade mudar se o governo não alterar a forma como enxerga a natureza e os recur-sos naturais”, diz o ambientalista. “É neces-sário que haja, realmente, uma conscienti-zação global”. Para ele, a responsabilidade de combater os problemas enfrentados pelo planeta é de todos os setores que compõem a sociedade. “O que acontece muito hoje em dia é que se tenta jogar para o cidadão a res-ponsabilidade de problemas que não são só dele. São do governo, das empresas, etc.”.

Segundo dados da ONU, até 2100, tería-mos de ter dois planetas Terra para atender o consumo que temos hoje. “É uma situação realmente muito crítica”, diz Giovanini. “A primeira coisa que a gente precisa fazer é re-pensar o nosso modelo de desenvolvimento, repensar o consumo que temos hoje”. Ednil-son Oliveira, físico, também tem esperanças: “Se a gente frear o consumo e viver do básico, a gente preserva o planeta”.

14 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

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16 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

cashCATÁSTROFES

Desastres naturais recentes têm causados prejuízos milionários. Conheça aqui alguns casos em que as calamidades varreram cifras e vidas

PeNsar em Perdas financeiras após uma tragédia ambiental pode parecer calculista demais para alguns. Porém, qual é a res-ponsabilidade da economia em reerguer o local atingido por uma tragédia? Prestar a assistência necessária à população num mo-mento de calamidade e reestruturar toda uma região afetada por tal desastre é um processo dispendioso. No Japão, o prejuízo econômico causado por desastres naturais pode chegar a US$152 bilhões nos próximos cinco anos, segundo especialistas. No Brasil, as tragédias ocorridas em Santa Catarina em 2008, tiveram um custo de R$800 milhões.

De acordo com Felipe Garcia, doutoran-do em Economia pela Fundação Getúlio Var-gas e professor assistente da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), “há evidências de que os prejuízos causados por estas catástrofes vão muito além da destruição visível”. As conclusões relacionadas a este tópico foram feitas por estudiosos de uma nova linha de pesquisa, denominada eco-nomia dos desastres naturais.

“O impacto de um desastre na economia se propaga por três canais de transmissão: nas contas públicas do Governo, nas decisões futuras de investimento do setor empresarial e na queda da produtividade atual e futura da força de trabalho”, afirma Garcia. Estudos e pesquisas sobre as economias atingidas por

catástrofes naturais são recentes.Porém, o professor explica que os es-

tragos causados pela imprevisibilidade da natureza são monitorados há mais tempo: “Na Universidade Católica de Louvain (UCL) da Bélgica, o Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED) – Cen-tro para a Pesquisa em Epidemologia de Desastres – monitora os estragos causados por desastres naturais ao redor do mundo desde a década de 1970. Atualmente, eles possuem o maior banco de dados do mundo com informações sobre número de mortos, pessoas afetadas e gastos de políticas pós-desastres dos países.” diz Garcia.

pREJUÍZOS Segundo as pesquisas do CRED a destruição causada pelos maremotos é a mais prejudicial aos países atingidos, seguida por terremotos e furacões. Para Felipe Garcia, o prejuízo eco-nômico do terremoto no Haiti, que ocorreu em 2010, será superior ao do Japão, que ocorreu em 2011 e está estimado em US$334 bilhões. “Pois, apesar de a catástrofe no Haiti ter um valor monetário modesto, quando comparado aos outros desastres, teve o maior prejuízo econômico da última década.” O PIB do Haiti é de US$11,18 bilhões e o prejuízo com o terre-moto foi calculado em US$7,7 bilhões.

Além disso, o Japão é um país mais de-

senvolvido e estruturalmente preparado para enfrentar os desastres naturais com menores danos, enquanto o Haiti vive uma situação de pobreza extrema. Exemplo con-creto disto é que, depois dos acontecimen-tos, a apuração final do número de mortos no Haiti foi de mais de 200 mil, enquanto no Japão, o número foi 20 vezes menor.

Já os gastos que dos dois países terão para se reerguer é similar, ambos passam a casa de US$200 bilhões cada. No entanto, o Haiti, por ser um país mais pobre, demorará muito mais tempo do que o Japão para se recompor financeiramente. Enquanto o PIB do Japão é de US$5 trilhões de dólares, o do Haiti é mais de 700 vezes menor. Assim, fica simples enxergar quem terá dinheiro para investir em reformas e quem ainda passará um bom tempo sofrendo as consequências pesadas de um desastre natural.

“O prejuízo não está apenas ligado à intensidade do desastre, mas também à ca-pacidade do país em suavizar os danos e retomar o seu crescimento”, esclarece Feli-pe Garcia. “Neste ponto, as instituições de direito e o nível de educação da população são cruciais”. Por isso, ao calcular os pre-juízos reais e absolutos de uma catástrofe ambiental, vários fatores – que podem ser muito relativos de país para país - devem ser levados em consideração.

REpORTAGEM RAQUEL BERTANI (1º ano de Jornalismo) e THAIS CAMPOy (3º ano de Jornalismo)

IMAGEM NATSUKO KADOyAMA (REPRODUÇÃO)

desastresin

Page 17: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2011 17

cashO Japão teve prejuízo estimado em US$152 bilhões no último tsunami e luta para se recuperar em meio à crise econômica

Page 18: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

18 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

Depois da ida do homem à Lua, a nova corrida espacial tem Marte como linha de chegada. Embora tentador, o Planeta Vermelho traz limitações aos terráqueos

REPORTAGEM BEATRIZ PAIVA, CARINA MORPURGO, DEBORAH REZAGHI, LAURA STOPPA, LUCIANA GONÇALVES (1o ano de Jornalismo), ANANDA CSEIMAN e PATRICIA RODRIGUES ALVES (2º ano de Jornalismo)ILUSTRAÇÃO BEATRIZ PAIVA (1o ano de Jornalismo)FOTOGRAFIA CARINA MORPURGO (1o ano de Jornalismo)INFOGRAFIA RENAN GOULART (3o ano de Jornalismo)

MARTEVERDADE OU FICÇÃO?

MARTE ESTEvE SEMPRE no imaginário popular, em filmes, músicas ou profecias. No novo milênio, com desastres naturais mais frequentes, ame-aças de catástrofes nucleares e a crescente preocupação com o nosso pla-neta, o destino mais certo parece ser mesmo o famoso Planeta Vermelho. Mas será que essa ideia pode virar realidade?

Com recentes descobertas sobre a presença de depressões no solo marciano que indicam a existência de gelo e água, pesquisadores investem cada vez mais em robôs e experimentos. A NASA, agência norte-americana de Administração Nacional do Espaço e da Aeronáutica, investe de 100 milhões a 1 bilhão de dólares em sondas e estudos para um dia viabilizar a ida de tripulações a Marte.

O astrobiólogo Douglas Galante, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências da Universidade de São Paulo (USP), explica que diversas missões de exploração estão sendo desenvolvidas pela organização norte-ameri-cana, inclusive sondas em órbita e rovers – jipes controlados à distância. “A sonda mais atual chama-se Curiosity, e deve ser lançada ainda este ano. Essas sondas carregam vários instrumentos científicos para estudar a geo-logia, a hidrologia, a atmosfera e também procurar possíveis sinais de vida”, diz Galante. Estes equipamentos são os responsáveis pelas descobertas de gelo abaixo da superfície dos polos, por exemplo. “No futuro, devemos ser capazes de enviar uma sonda que irá trazer de volta amostras frescas de Marte, e talvez, enviar humanos para estudar a superfície do planeta”.

hUMANOS EM MARTE O solo vermelho não é muito recomendável para os humanos. “Já houve em Marte condições ambientais amenas, água no estado líquido, e talvez uma biosfera. Hoje, trata-se de um planeta árido, com reservatório de água congelada no subsolo. As temperaturas são baixas, variam entre -140º C e 27º C. Sua atmosfera é rarefeita e tóxica, e a pressão é 90 vezes menor que a terrestre”, explica Enos Picazzio, professor do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo (USP).

Para os entusiastas, um alerta: imaginar prédios e casas de concreto em solo vermelho não é a melhor opção, por enquanto. De acordo com Galante, a sobrevivência só seria possível com estrutura adequada. “Os astronautas terão que usar roupas de proteção, como se estivessem no espaço”, completa.

pROJETO NASA

BRASIL NA NASAMarcos Pontes, o primeiro astronauta brasileiro, destaca que das pesquisas saem descobertas úteis para nossa vida. “Durante todo o desenvolvimen-to das atividades espaciais, sempre tivemos inúmeros spinoffs, resultados e produtos indiretos dessa pesquisa, além dos resultados diretos que são usados no-dia-a-dia sem percebermos. Podemos esperar produtos revolu-cionários das pesquisas sobre Marte”, diz ele, por intermédio da assessoria. Pontes ainda garante que “só assistimos à televisão via satélite por resultados descobertos em pesquisas espaciais. Além disso, também foi possível desen-volver travesseiros de espuma viscoelástica que desamassam, medicamen-tos, câmeras digitais, velcro, painéis solares e técnicas para o avanço agrícola”.

O astronauta acredita que é possível levar uma expedição humana a Marte, mas teme que as primeiras tenham baixa probabilidade de retorno com vida. “Na NASA, há o programa Constelação, que inclui viagens tripula-das a Marte a partir de 2035. Para mim, é o próximo grande passo da huma-nidade em direção ao seu destino no Universo.”

Apesar de o engenheiro aeronáutico admitir que gostaria de ir ao Pla-neta Vermelho, ele diz que antes de pensarmos em morar lá, temos que pri-meiro pensar na Terra. “É mais viável ensinarmos as novas gerações a cuidar deste lindo planeta azul, que é o nosso único lar no Universo”, considera.

FON

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Terra X Marte

Período de rotação (dia)Período de revolução (ano)Temperatura médiaPressão atmosféricaDistância média do solInclinação do eixoGravidade

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24,6 horas686,9 dias

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229 milhões de km25°

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Page 19: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

1 LANÇAMENTO EDESACOpLAMENTO

Fonte/Imagens: NASA

2 ENTRADA NAATMOSFERA

Como a atmosfera marciana é rarefeita, paraquedas não são suficientes para um pouso seguro. Nos segundos finais, o Curiosity se desacoplará de um guindaste, que o levará suavemente ao chão por meio de propulsores e cabos de aço.3 pARAqUEDAS

4 pOUSO

Para o lançamento, será usado o Atlas V541, um foguete que oferecerá a velocidade necessária para o Curiosity escapar da gravidade da Terra e seguir seu curso até Marte, onde chegará 9 meses depois. Nesse estágio inicial, pesa 3400 kg.

A 20.880 km/h, a cápsula, desacoplada do foguete, rompe a atmosfera marciana. Em 3 minutos, o robô estará no solo.

A 1.692 km/h e 10 km de altitude, o paraquedas é aberto.

Finalmente, o robô toca o solo da Cratera Gale. As pesquisas começarão 5 dias depois, após testes de funcionamento serem feitos. Os controladores da missão deverão se certificar de que o terreno do local não oferece riscos ao Curiosity, capaz de vencer obstáculos de 75 centímetros de altura e de avançar 90 metros por hora.

5 CURIOSITy

Conheça o Curiosity, robô que chegará em Marte em agosto de 2012 para investigar os mistérios do Planeta Vermelho e determinar sua habitabilidade.

Para cumprir os objetivos, ele levará os mais avançados instrumentos científicos, nunca antes utilizados nesse tipo de missão, e percorrerá uma área

maior do que qualquer outro robô já enviado percorreu.

6 rodasmotorizadas

Detector de radiação

Braço robótico

Gerador de energia nuclear

Lançamento: Entre 25 de novembro e 18 de dezembrode 2011, no Cabo Canaveral (EUA).

Chegada:Agosto de 2012

Objetivos:Determinar se já houve vida em Marte, caracterizar o clima e a geologia do planeta e se preparar para a exploração humana.

Duração:23 meses

Custo:US$ 2,5 bilhões

Analisador geológico

Sensor decondiçõesclimáticas

Câmera microscópica

Analisador de gases e compostos orgânicos

Guindaste

Cabos de aço

Antena de alto ganho

Propulsores

A MISSÃO

Câmera de raio-x

Cratera Gale

Local do pouso

Dimensões

3 m900 kg

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2,74 m

154 km

24,9 km

Câmarasinternas

de análises

Câmeras coloridas

de altadefinição

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20 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

ROBERTO DIAS DA COSTA

E como seria a adaptação da vida terráquea em Marte? Roberto Dias da Costa, astrofísico e professor do Departamento de Astronomia da Universidade de São Paulo (USP), esclarece algumas dúvidas:

ESqUINAS Encontrar água em Marte prova que pode haver vida fora da Terra?ROBERTO Os especialistas nunca chegaram a um consenso sobre o caso, mas talvez tenha existido vida até mesmo nas quatro grandes luas de Júpiter: Íon, Europa, Gânimedes e Calixto. Europa é o mais interessante, pois seu oceano tem uma casca de gelo esférica com aproximadamente 10 km de espessura e quilô-metros de água líquida. Pode haver vida lá.

ESqUINAS Seria possível praticar agricul-tura em Marte?ROBERTO O solo de Marte possui muito óxido de ferro, por isso é avermelhado. Fala-se em uma eventual extração das substâncias do solo marciano que possibilitem o plantio. Sabemos que na Lua há gelo, ou seja, daria para pegar

água de lá. Um limitador para a realização de um projeto desses é o custo, em torno de um trilhão de dólares.*

ESqUINAS Que modificações o corpo sofreria se vivêssemos lá?ROBERTO Devido à falta de gravidade, o cálcio nos ossos diminuiria e sofreríamos de osteoporose. O sistema circulatório também ficaria comprometido. A dúvida é: como seria a adaptação para quem ficar mais de um ano no espaço? Ainda há muitas incertezas.

ESqUINAS Qual a estimativa de tempo de uma viagem daqui até Marte?ROBERTO É preciso analisar a órbita de Marte para calcular o tempo. A viagem dura meses, mas Terra e Marte chegam a uma distância mínima uma vez a cada dois anos, aproxima-damente. Logo, seria preciso esperar outra oportunidade para o retorno.

MARCIANOS qUE INVADIRAM A MÍDIA

CARINA M

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MúSICAElis Regina - Alô, alô, marcianoCapital Inicial - Marte em CapricórnioGustav Holst - Mars, the Bringer of WarDavid Bowie - Life on Mars?

RÁDIOOrson Welles interpreta Guerra dos Mundos na rádio CBS em 1938. A obra fala sobre uma invasão de marcianos.

TVDesenho animado:Marvin, o marciano é um malvado personagem de Looney Tunes.

Série:No oitavo episódio da segunda temporada, “The Lizard-Spock Expansion”, de Big Bang Theory, o personagem Howard Wollowitz acidentalmente descobre água em Marte.

CINEMAMarte Ataca!de Tim Burton,106 min, 1996.

O Planeta Vermelhode Anthony Hoffman,110 min, 2000.

Missão: Martede Brian de Palma,120 min, 2000.

BEAT

RIZ

PAIV

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AÇÃO

*O equivalente à compra de 40 milhões de Volkswagen Gols, modelo 2012, segundo a tabela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas).

Page 21: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

perigo

REPORTAGEM CAROLINE BORGES, JULIA BEZERRA (1o ano de Curso), ANA BEATRIZ GEBARA, BÁRBARA NÓR e CARLA CASARIN (3o ano de Jornalismo)ARTE PETRUS LEE (2o ano de Jornalismo)

Antes e depois da Gripe Suína: as epidemias que assustaram o mundo

Observe o quadro acima: destruição, um cachorro comendo restos de um cadáver, uma pilha de mortos, pessoas ao fundo sendo castigadas por esqueletos armados, e, ao centro, um exército de caveiras vitorioso. Pintada no século XVI por Pieter Bruegel, um artista da região dos Países Baixos, a obra O Triunfo da Morte reflete o medo e a sensação de impotência das pessoas frente às epidemias que assolaram a Europa na época.

Ainda hoje, mesmo com os enormes avanços da Medicina, dos hábitos de higiene e das políticas públicas de vacinação, o temor de uma epidemia mundial é presente. “Na época da gripe suína, por exemplo, eu trabalhava em um laboratório que fabricava remédios e a tensão era crescente. Começou uma corrida entre os funcionários para conseguir a sua cota de remédios, realmente achavam que a Gripe Suína iria contaminar todo mundo”, comenta o médico Moacyr Godoy. Nesse caso, o susto pode até ter passado, mas as epidemias sempre fizeram – e ainda fazem – parte da nossa história.

invisível

EpIDEMIAS

Page 22: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

A MAIS TERRÍVEL pESTE A Peste Bubônica, apelidada de Peste Negra, foi a primeira das grandes epidemias que assustaram o mundo na Baixa Idade Média. A bactéria Yersinia pestis, transmitida aos humanos por meio de pulgas de ratos-pretos e de outros roedores, assolou a população da época. Os animais chegavam à Europa aos montes em porões de navios vindos do Oriente e encontravam um ambiente propí-cio: esgoto a céu aberto e montanhas de lixo ocupavam as ruas das cidades europeias. Em pouco tempo, a doença dizimou cerca de 75 milhões de pessoas, um terço da po-pulação do continente daquela época.

A próxima grande epidemia seria a Gripe Espanhola, que, em 1918, alcançou proporções mundiais em pouco tempo. O Influenza agiu, como todos os vírus, de ma-neira sistemática. Na época, o epidemiolo-gista Claude Hannoun, do Instituto Pasteur, concluiu que, provavelmente, a doença sur-giu na China, sofreu mutação nos EUA, pro-pagou-se na França, e assim por diante. Na-quele momento, a Primeira Guerra Mundial foi um facilitador para sua disseminação, pela proximidade dos campos de batalhas, além do frágil sistema imunológico dos sol-dados. No entanto, o conflito não é apon-tado como causa da epidemia. A população mundial, na época, era de aproximadamen-te dois bilhões de habitantes. Estima-se que um bilhão de pessoas foram atingidas pela doença e que, dessas, 50 milhões morreram.

O passado das epidemias como a Peste Negra e a Gripe Espanhola definitivamente

deixou sua marca – prova disso é o pânico generalizado que surge quando uma nova doença contagiosa é descoberta.

AIDSA Aids, ou Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, foi observada pela primeira vez em junho de 1981, nos Estados Unidos. A mais antiga identificação do vírus vem da República Democrática do Congo, em 1969, razão pela qual se acredita que o vírus tenha vindo da África. Por ter sido reconhe-cida inicialmente em cinco homens homos-sexuais, foi cunhado na imprensa o termo “GRID”, gay related immune deficiency, ou, em tradução livre, imunodeficiência relacio-nada aos gays.

Em 1982, o nome Aids surgia, mas o pre-conceito associado aos gays ainda persiste. Na época, no entanto, a doença era ainda des-conhecida e seus efeitos devastadores sobre os infectados causaram um grande impacto na população e na imprensa. Hoje há mais conhecimento sobre o vírus e existem trata-mentos que retardam seus efeitos e o óbito, embora não tenha sido desenvolvida a cura.

Em 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que existissem no mundo 33,4 milhões de pessoas infectadas. A cada ano, 2,7 milhões de novos indivíduos eram infectados, e mais dois milhões mor-riam por conta da doença. Além disso, meta-de da população infectada é de mulheres, nú-mero que contraria a suposição de que a Aids afeta majoritariamente homens homossexu-ais. “O perigo desse tipo de mito, que só vai

pegar Aids quem for gay, ou que é doença que só existe ainda na África, ajuda esse número alto de infecções. Por causa do preconceito, muita gente que tem Aids não comenta com ninguém, a doença fica escondida”, comenta o infectologista Moacyr Godoy.

Outro agravante, lembra Godoy, é que o uso compartilhado de agulhas, alicates e qualquer outro objeto que possa entrar em contato com o sangue também é uma fonte de transmissão da doença, e nem sempre lembrada pelas pessoas. “Embora tenha causado muito pânico no passado, hoje em dia pode até ser que [a Aids] seja subestima-da demais pela população”, completa defen-dendo que a doença se tornou um problema invisível para a população, por não tomar as devidas precauções para evitar o contágio.

GRIpE AVIÁRIAEm novembro de 2003, foi comprovado

o primeiro caso humano de infecção pela variante H5N1 do vírus Influenza A, até então só encontrada em aves. Por ter sido isolado pela primeira vez em gansos de uma criação na província chinesa de Guangdong, em 1996, a doença foi apelidada como gripe aviária – nome pelo qual é conhecida até hoje. A epidemia se espalhou rapidamente por regiões do Leste Europeu, Ásia, Áfri-ca e Oceania, gerando graves consequên-cias econômicas aos países exportadores de aves. Foi contabilizado um prejuízo de cerca de 20 bilhões de dólares ao setor, em razão dos mais de 400 milhões de animais mortos ou abatidos em razão da infecção. Segundo Paulo Maiorka, professor da Facul-dade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), especialis-ta em patologia animal, a doença não pode ser considerada controlada, já que há focos deflagrados recentemente. “Entretanto, os avanços em monitoramento e estatística podem classificar a gripe aviária como a primeira grande epidemia supervisionada da história”, conclui Maiorka.

No dia 29 de agosto de 2011, foi anunciada pela Organização das Nações Unidas (ONU) a possível disseminação de uma variante mu-tante da cepa H5N1 em aves de criação no

22 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

“Por causa do preconceito, muita gente que tem Aids não comenta ninguém, a doença fica escondida”

Moacyr Godoy, infectologista

Page 23: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

continente asiático. Os riscos de contamina-ção humana são, por enquanto, considerados imprevisíveis, e a recomendação é que os ór-gãos oficiais de vigilância sanitária perma-neçam alertas em relação a indícios de ma-nifestações da doença. “O grande medo é que o vírus sofra algum processo adaptativo à espécie humana, como um ganho de função que permita que ele penetre mais facilmente nas células, podendo trazer consequências drásticas emergenciais”, diz Paulo Maiorka. “A vantagem é que estamos em tempos avan-çados e globalizados, em que a identificação dos vírus é rápida e a informação se propaga em alta velocidade”.

GRIpE SUÍNA (h1N1)Junto à gripe aviária, ganharia atenção ainda a Gripe Suína, Gripe A, Influenza A ou H1N1. Descoberta em um porco na déca-da de 1930, ela foi novamente detectada em 2009, na Cidade do México. O vírus se espa-lhou para várias partes do mundo, como Es-tados Unidos, Canadá, América Latina, Ásia, Europa e Austrália.

Em 2009, a Organização Mundial de Saúde registrou mais de 220 mil casos e, pelo menos, 11.516 mortes em todo o pla-neta, chegando a mais de 19 mil vítimas em 2010. O medo era tal que o órgão chegou a estimar que a doença pudesse atingir dois bilhões de pessoas. Até setembro do ano passado, o Brasil contabilizou 46.773 casos e cerca de 2.150 óbitos devido à Influenza A.

Com o desenvolvimento de uma vacina e a posterior imunização coletiva no Brasil e no mundo, o número de mortes e casos graves da Gripe A começou a cair. Segundo Caio Rosenthal, infectologista do Hospital Emílio Ribas e filiado à Sociedade Brasileira de Infectologia, a vacinação trouxe resulta-dos bastante positivos e significativos para o combate à doença no Brasil. “Nosso país conseguiu trazer a melhor vacina, contendo três vírus que seriam os mais frequentes em 2010 e, assim, conseguiu abortar um surto que poderia ser extremamente prejudicial”, diz. Em agosto de 2010, a OMS declarou o fim da pandemia, 14 meses após ter revela-do o nível máximo de alerta pela manifes-tação do vírus.

Rosenthal revela que, a qualquer mo-mento, há o risco de explodir uma grande epidemia de uma nova gripe, devido à ca-racterística mutante do vírus. “Os vírus da gripe têm alta capacidade de modificar-se e, cada vez que isso acontece, toda a população volta a ficar vulnerável. É como se as pesso-as nunca tivessem contato com este vírus agora mutante, que passa a não ser mais re-conhecido pelo nosso sistema imunológico”, explica o especialista.

Diante disso, surgiram inúmeras espe-culações relacionadas às vacinas. Mensa-gens anônimas que circulam até hoje na in-ternet declaram que a vacina contra a H1N1 carrega substâncias que podem causar cân-ceres, autismo, paralisia de estruturas no organismo, além do falso diagnóstico po-sitivo de HIV. O conteúdo divulgado geral-

mente traz argumentos religiosos baseados no catolicismo e, principalmente, no protes-tantismo, afirmando que o reaparecimento da doença e a vacinação em massa seria uma tentativa de autoridades globais de re-duzir extremamente a população mundial.

E.coliEm menor proporção do que a Gripe Suína, porém não menos assustadora, o mundo conheceu neste ano a Escheria coli, bactéria conhecida como E.coli. Segundo relatório do Instituto Robert Koch – centro de saúde ale-mão que atende o Ministério da Saúde do país –, ao todo, na Alemanha, foram regis-trados 4.321 casos da doença. Destes, 50 pa-cientes faleceram. A epidemia manifestou-se como um surto de diarreia hemorrágica pela Europa. Porém, segundo o instituto, não foi reportado nenhum novo contágio desde 26 de julho deste ano.

Como a transmissão da E.coli acontece por via oral, por meio da ingestão de alimen-tos contaminados ou contato próximo com infectados, o contágio é bem menor do que doenças transmitidas pelo ar. Entretanto, ao ingerir um alimento contaminado, a entrada da bactéria é pelo intestino, onde nutrientes

são absorvidos, não dando ao corpo tempo de ativar o sistema imunológico. Assim, a infecção torna-se mortal.

Pablo Barbosa, engenheiro brasileiro de 26 anos, mudou-se para a Alemanha no iní-cio deste ano, e conta como ficou sabendo do surto que estava acontecendo. “A prin-cípio eu soube pela internet. Depois de um tempo, conversei com outros brasileiros que vivem aqui. Se não fosse a rede seria muito difícil ter acesso a informações, já que não entendo quase nada de alemão”. Pablo co-menta ainda sobre a discreta reação dos alemães frente ao problema que estavam enfrentando. “Sempre que tocávamos no assunto com algum deles, comentavam que a situação estava controlada e que não che-garia aqui onde eu moro, no sul do país”, diz o engenheiro.

Após muitas pesquisas, Reinhard Bur-ger, chefe do Instituto Robert Koch, declarou em coletiva de imprensa que os causadores do surto foram brotos de feijão plantados na região sul de Hamburgo. Na metade de junho, o número de mortes chegou a 40, mas, a partir daí, a quantidade de conta-minados começou a diminuir e a situação voltou a se normalizar.

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 23

2007Em fevereiro, o Ministério da Saúde relatou um total de 48 casos de febre

amarela incluindo13 mortes. O primeiro caso foi confirmado em dezembro de 2007. Vinte e uma das pessoas infectadas nunca tinham

sido vacinadas e outras duas tinham sido vacinadas há mais de vinte anos.

2008De março a abril de 2008, a autoridade de saúde brasileira relatou um

total de 120.570 casos de dengue, sendo 647 destes casos de dengue hemorrágica com 48 mortes. O estado do Rio de Janeiro

houve 57.010 casos de dengue, incluindo 67 mortes confirmadas e58 em processo de investigação.

2003O Ministério da Saúde confirmou 24 casos e

5 mortes por febre amarela em Minas Gerais.

2002De janeiro a abril, as autoridades de saúde brasileira relataram 317.787

casos de dengue, incluindo 57 mortes.Até abril, 95.463 casos, sendo 571 de dengue hemorrágica

e 31 mortes, foram relatados no Rio de Janeiro.

Fonte: Organização Mundial de Saúde -- OMS

Casos reCenTes no BrasIL

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ECONOMIA

24 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

“ImagINe um ceNárIo daqui a 30 anos: água, comida e petróleo serão bens ainda mais escassos. E o Brasil, um país enorme – e hoje muito atraente devido ao pré-sal – pos-sui todos esses recursos. Chegará um mo-mento em que armamentos de defesa serão necessários para proteger o território de in-vasores.” A frase de Roberto Godoy, repórter especial de Economia do jornal O Estado de S. Paulo, nos ajuda a refletir sobre a atual estratégia de defesa brasileira.

A encomenda de 50 helicópteros france-ses EC-725 Sugar Cougar, a produção de qua-tro submarinos convencionais e um nuclear em Itaguaí, no Rio de Janeiro, e a compra de 12 helicópteros russos de ataque e transpor-te de tropas são apenas algumas das recen-tes aquisições do país. Por isso, o mercado de defesa é um setor que vem crescendo e assumindo novas formas nesta década.

A indústria de defesa é popularmente chamada de indústria bélica. Porém, Godoy explica que o uso do termo é incorreto. “Não existe indústria bélica, pois remete à guer-ra. Dizer isso seria como afirmar que existe uma indústria da guerra, que esta é um negó-cio. O que há é uma indústria de defesa ou de equipamentos militares”, corrige. “A termi-nologia foi muito usada durante a ditadura, mas hoje está ultrapassada.”

Para Celso Grisi, economista e professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), são variados os focos de produ-ção de armamentos bélicos. Para ele, uma das melhores defesas aéreas e submarinas pode ser encontrada na França, que também possui armas de qualidade. “Estados Unidos e Rússia, além de países da Europa, como In-

glaterra, também se destacam neste setor”. Segundo dados do Stockholm Internacional Peace Research Institute (SIPRI) — Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocol-mo — os Estados Unidos, no topo do ranking dos dez países que mais gastaram com equipamentos militares, investiram US$698 bilhões em 2010. O Reino Unido investiu US$59,6 bilhões; e a Rússia, US$58,7 bilhões.

Outros números confirmam a indicação. Entre os cinco países que mais transferiram equipamentos militares para o exterior de 1992 a 2009, estão Estados Unidos (US$276,1

bilhões), Rússia (US$129,2 bilhões) e Ale-manha (US$52,1 bilhões), além de França (US$48,9 bilhões) e Reino Unido (US$37 bi-lhões). Segundo dados publicados em estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os EUA ocupam a primeira posição, com 41% desse mercado exportador de material militar.

INVESTIMENTOS BRASILEIROSMesmo com a importância a longo prazo da defesa de um país, há uma série de ques-tionamentos sobre a fatia de investimentos

O ressurgimento da indústria de defesa brasileira reacende o debate sobre estratégia e planejamento militar - além de expor os investimentos na área

REPORTAGEM ANNA PAULA MASCARENHAS, VICTORIA FREITAS TACkAHASCHI (1º ano de Jornalismo), CAMILA BAOS, DANYLO MARTINS,SUELLEN FONTOURA (2º ano de Jornalismo) e VITOR VALENCIO (3º ano de Jornalismo).FOTOGRAFIA ANNA MASCARENHAS e VICTORIA FREITAS TACkAHASCHI (1º ano de Jornalismo)INFOGRAFIA RENAN GOULART (3º ano de Jornalismo)

O MERCADO DA GUERRA

$673,1 bi

EuA$276,1

RúSSIA$129,2

ALEmANhA$52,1

FRANçA$48,9

outRoS$111,6

REINouNIDo$37

ChINA$18,2

EXPORTAÇÃO

$52,5ChINA íNDIA

$42,7tuRquIA$35,2

outRoSPAíSES$392,2

ARábIASAuDItA$27,5

CoRéIADo SuL$34,5

tAIwAN$31,6

GRéCIA$31,5

JAPão$25,4

$673,1 biIMPORTAÇÃO

Quem mais exportou e importou equipamentos militares no período 1992-2009, em bilhões de dólares:

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1 2 3 4 5 6 7 8

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 25

para este tipo de indústria. Só no ano pas-sado, o orçamento destinado ao Ministério da Defesa brasileiro alcançou R$60 bilhões, 148% acima do registrado no início da déca-da. Em termos comparativos, o valor ainda é bem distante do um trilhão de reais aprova-do pela Câmara dos Representantes dos Es-tados Unidos para investimentos em 2010.

Os números podem parecer exagerados, mas Godoy esclarece que os armamentos pesados são custosos e muitas vezes preci-sam ser importados. “As pessoas acreditam que produzir um avião ou tanque é a mesma coisa que comprar um carro. Não é. Os ar-mamentos pesados são caríssimos e difíceis de serem comprados.” O assunto, polêmico, divide opiniões. Segundo o SIPRI, em 2009 o Brasil investiu 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB) com armamentos de defesa, o que equi-vale a R$51.382 milhões. Os Estados Unidos, os maiores investidores em armamentos, gastaram em torno de 4,8% de seu PIB em 2010. “Há muitas críticas aos gastos com a defesa, mas, da mesma forma que só exis-te polícia porque existem ladrões, a defesa existe porque há agressores em potencial”, alega o jornalista.

Os recentes investimentos não refletem a verdadeira preocupação brasileira em rela-ção ao setor. Para Grisi, a pouca importância ainda dada pelo Brasil é um erro. “A indús-tria de defesa tem a competência de absorver tecnologias e incentivar o desenvolvimento”, explica. “São tecnologias chamadas horizon-tais, porque depois elas podem perpassar o conjunto dos setores industriais brasileiros. Não é algo que você desenvolve e fica restrito verticalmente somente para o setor. Encontra aplicações em todas as outras indústrias”.

A participação brasileira no setor de indústria de defesa somente ganha força quando falamos da Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), fabricante de aviões para diversos fins, de comerciais a militares. O conglomerado é influente em vários paí-ses para onde exporta sua produção. “A Em-braer importa fortemente, monta e exporta, ganhando maior espaço no mundo em avia-ção regional, agora com ênfase em defesa. Ela tem mostrado também que é capaz de montar fábricas em Portugal, na China, na França”, detalha o economista Celso Grisi.

Privatizada em 1994, a empresa brasi-leira tem suas ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) e na Bolsa de Valores de Nova York. Seu cres-cimento é justificado no último relatório anual divulgado para a prestação de contas com investidores, que indica a entrega de 246 jatos, totalizando lucro de US$5,35 bi-lhões, em 2010, e com previsão de aumento para o final de 2011. Além disso, a orga-nização divulgou a criação de uma nova unidade empresarial, a Embraer Defesa e Segurança, responsável desde a concentra-ção e produção de aeronaves militares, bem como seus sistemas de patrulha e vigilân-cia, até áreas de comunicação, computação, controle e inteligência militares e civis.

pASSADO GLORIOSOEmbora seja um assunto pouco discutido atualmente, o Brasil já foi um grande player no mercado dos armamentos de defesa. Seu momento mais expressivo no setor de de-fesa no país foi durante a década de 1980, quando a produção desses armamentos estava no auge. “Após a ditadura militar, o

RANkING Os 11 países que mais gastaram com equipamentos militares em 2010, em bilhões de dólaresFO

NTE: SIPRI (Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolm

o, em inglês)

EUA$698

BRASIL$33,5

CHINA$119

JAPÃO$54,5

RúSSIA$58,7

ÍNDIA$41,3

ARÁBIASAUDITA$45,2

R. UNIDO$59,6

FRANÇA$59,3

ALEMANHA$45,2

ITÁLIA$37

1 23

4

5

67

810

11

9

US$ 400 bi

300

200

100

0

2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

As vendas dos cem maiores fabricantes de armas do mundo crescem ano a ano:

FONTE: SIPRI (Instituto Internacional de Estudos da Paz de Estocolmo, em inglês)

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Brasil abandonou um pouco a preocupação bélica”, conta Grisi. “Temos problemas em nossas fronteiras despoliciadas, que só agora passaram a ser abordados. Há a invasão de nosso território por colombianos pelas For-ças Revolucionárias Colombianas (Farc). Com essa preocupação, o tema indústria de defesa começou a ser retomado agora”, explica.

De acordo com Felipe Donoso, represen-tante da Cruz Vermelha Internacional na América Latina, a preocupação em relação ao Brasil não se constitui sobre a produção ou posse de armas pesadas ou de destruição em massa, mas sim com a disseminação de armas de baixo calibre ou consideradas pes-soais. “Imagino que o problema ligado mais à América Latina seja com as armas ligeiras. Aqui, não estão traficando ogivas nucleares nem tanques, por exemplo. Mas tudo o que entra da Bolívia para o Paraguai e depois vem para cá, acaba na favela”, argumenta.

Comparada com a produção de potências da década de 1980, como Estados Unidos e União Soviética, a quantidade brasileira era pequena. Segundo dados do SIPRI, na década de 1980 (auge da nossa indústria de defesa), o Brasil era responsável por cerca de 1% da produção mundial de armamentos. Em 1984, o país obteve seu recorde de vendas, com 269 milhões de dólares, tornando-se o 11° maior exportador de armas. Porém, no mesmo período, a URSS vendeu em torno de US$ 14 bilhões, e os EUA, US$ 11 bilhões. “Mas, setorialmente, como na produção de tanques EE-9 Cascavel, da Engesa, o Brasil se destacava em todo o mundo”, relembra Godoy. Nos anos 1990, o fim da Guerra Fria e da Guerra do Golfo, a má administração das empresas e calotes internacionais levaram à estagnação do mercado de defesa nacional.

A situação só começou a mudar a partir da Estratégia Nacional de Defesa, definida em 2008. O documento estabelece as dire-

ANNA PAULA MASCARENHAS

trizes de expansão do setor, priorizando companhias nacionais e estabelecendo que compras de outros países só sejam aceitas caso haja transferência de tecnologia. Se-gundo dados do SIPRI, a América do Sul como um todo está investindo e moderni-zando seu setor de defesa – e cada país tem um motivo principal para isso. No caso do Brasil, a geopolítica é o fio condutor desse investimento considerável: do aumento de US$ 3 bilhões de investimentos no setor de defesa na América do Sul na última década, o Brasil é responsável por US$ 2,4 bilhões. O país busca mais relevância no cenário inter-nacional, principalmente no Mercosul.

Segundo o Centro de Comunicação So-cial do Exército Brasileiro, essa transferên-cia de tecnologia é avaliada pelo Departa-mento de Ciência e Tecnologia (DCT) e tem a função de manter as Forças Armadas Brasi-leiras atualizadas nos campos da tecnologia, ciência e inovação. Desta forma, eles promo-vem projetos de caráter dual que garantem a segurança e o desenvolvimento econômico do país. Além disso, favorecem também o desenvolvimento da Base Industrial de De-fesa, que é o conjunto das empresas estatais e privadas, bem como organizações civis e militares, que participam de uma ou mais das etapas de pesquisa, desenvolvimento, produção, distribuição e manutenção de produtos estratégicos de defesa (bens e ser-viços). Como o “Projeto Carbono”, que desen-volve tecnologia de produção de materiais de carbono e materiais correlatos (como piches de petróleo) a partir de resíduos fornecidos pela Petrobras, com objetivo de viabilizar a produção nacional de fibra de carbono.

Ainda que a associação dessa indústria com a guerra seja comum, seu objetivo é o oposto. Num país que não participa de gran-des conflitos armados desde a II Guerra Mun-dial, a necessidade de armamentos pesados é questionável. Mas, o repórter do Estadão, Roberto Godoy, explica que o objetivo é jus-tamente oposto. “A estratégia militar do Bra-sil nunca foi de ataque, mas, sim, preventiva. Ou seja, se algum país cogitar um ataque, deve pensar bem, pois também possuímos armas de defesa.” Segundo ele, o armamen-to pesado, como os caças e tanques, são mais utilizados na vigilância de fronteiras. Mesmo que atualmente não existam amea-ças explícitas ao território brasileiro, uma estratégia de defesa deve ser bem planejada.

Ainda que sob a baixa perspectiva de um envolvimento brasileiro em conflitos armados, o comitê da Cruz Vermelha Inter-nacional revela certa preocupação a respei-to da manutenção de armas. Felipe Donoso cita o exemplo dos clusters, basicamente ex-plosivos de fragmentação, que, quando acio-nados, disseminam grande quantidade de projéteis menores com o intuito de aumen-tar os danos e principalmente o número de vítimas. “Seria necessário entender qual a razão de o Brasil querer conservar este tipo de armamento, que faz tanto estrago. Se por razões táticas, estratégicas ou econômicas”, comenta Donoso.

Para o economista Celso GrisI a França detém as melhores defesas aérea e submarina

R$ 60 bilhõesORÇAMENTO (2011):

A MAIS QUE EM 2000

BRASIL

FON

TE: M

inist

ério

da

Def

esa

R$ 15 biirão sobrar para investimentos e custeio

destinadosa gastoscom pessoal

75% 350 milpessoas compõem a folha de pagamento das Forças Armadas

148%

5,8%Para 2012, haverá um

aumento de

no orçamento em comparação a este ano

2,6% é a média mundial

1,39% do PIB nacional

R$ 1 trilhãofoi orçamento da Defesa americana em 2010

Comparando,

26 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

Page 27: Esquinas - nº 50 Fim do Mundo

?REPORTAGEM ANDRÉ OLIVEIRA (2o de Jornalismo)COLABORAÇÃO ALYNE FAJARDO, BIANCA CASTANHO, TÁBITA FABER, THAÍS FERREIRA e VÍTOR DALSENO (1o ano de Jornalismo)IMAGEM VENUSPROJECT.COM (REPRODUÇÃO)

Caso o sistema capitalista quebre, as propostas da Teoria do Decrescimento e da Economia Baseada em Recursos podem amenizar a situação

Portilho, o coordenador da regional de São Paulo do Movimento Zeitgeist – organiza-ção mundial que visa conscientizar acerca da necessidade de uma transição para uma economia que seja baseada no gerenciamen-to otimizado dos recursos naturais.

Portilho explica que o capitalismo apre-senta falhas “por se tratar de um sistema que demanda crescimento infinito, mas que depende de recursos naturais finitos”. O movimento conta com mais de 500 mil membros registrados em seu site [http://movimentozeitgeist.com.br/].

UM pASSO pARA TRÁSO termo “decrescimento” surgiu na França, em 1971, contido em um dos trabalhos do eco-nomista romeno Nicholas Georgescu-Roegen, autor de A Lei da Entropia e o Processo Econô-mico (Entropy Law and the Economic Process, Iuniverse, 1999). O termo veio da Física e ex-plica a irreversibilidade das transformações dos materiais como “um caminho sem volta”.

Um exemplo é a eletricidade movendo a máquina: nem toda energia empregada no processo poderá ser aproveitada. Uma parte se perderá, pois se transforma em ou-

Meno$Mai$ou

“o caPItalIsmo está em crise e o des-fecho desta está em aberto.” É o que aponta Valter Pomar, historiador e membro da dire-ção nacional do Partido dos Trabalhadores (PT). A situação atual e futura do capitalis-mo impulsiona a formulação de teorias e propostas que tentam reverter este quadro. Entre elas, encontra-se a Teoria do Decresci-mento, que tem como máxima a frase “um planeta com recursos finitos não pode sus-tentar um crescimento econômico infinito”.

Hoje, o que norteia a sociedade em geral é o crescimento sem limites da economia. Para André Calixtre, economista e assessor técnico da presidência do Instituto de Pes-quisa Econômica Aplicada (Ipea), o padrão “é determinado pelas sociedades que se orga-nizam em função da acumulação de capital”.

Para os adeptos da Teoria do Decresci-mento e os defensores da Economia Baseada em Recursos, a insustentabilidade do capita-lismo representa risco para a humanidade. “Uma breve análise de índices de bem-estar social, igualdade, acesso aos recursos neces-sários à vida humana, ou mesmo felicida-de, comprovará que o capitalismo está que-brado, desde o seu início”, aponta Anderson

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 27

DECRESCIMENTO

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tros tipos de energia (calor, som e luz). No contexto da economia, o conceito significa que o sistema produtivo transforma recur-sos naturais em rejeitos que não podem ser reutilizados. O autor criticou a crença dis-seminada de que o funcionamento do siste-ma seria circular, fechado e sem perdas. O romeno concluiu que a lógica do capitalis-mo era linear e aberta, pelo fato de extrair recursos e produzir lixo.

A Teoria do Decrescimento ganhou mais reconhecimento com o Clube de Roma. Em abril de 1968, o industrial italiano Al-berto Peccei e o cientista escocês Alexander King reuniram um grupo para discutir as consequências do crescimento econômico mundial ininterrupto e a limitação dos re-cursos naturais da Terra. Eles promoveram um debate, na cidade de Roma, com diplo-matas, industriais, acadêmicos e membros da sociedade civil em geral.

A partir desta reunião, surgiu o Clube de Roma, grupo que existe até hoje e tem o Decrescimento como principal referência teórica. A organização conta com cerca de 1.500 membros, espalhados em 30 países. Entre eles, figuras públicas, como o ex-pre-sidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-líder da União Soviética Mikhail Gorbachev e o rei Juan Carlos I da Espanha.

No início da década de 1970, em parceria com o Massachusetts Institute of Technolo-gy (MIT), o grupo elaborou um estudo com o propósito de alertar a humanidade sobre a possibilidade de o planeta entrar em colap-so. Foram abordados temas como o aumen-to exponencial da população e do capital, o crescimento da poluição e a diminuição dos recursos não-renováveis. Essa pesquisa esta-va incluída no livro Os Limites do Crescimento (Editora Perspectiva, 1972). Além desses as-suntos, a obra traz projeções sobre futuras reações econômicas e naturais, prevendo a paralisação dos crescimentos populacional e industrial até o ano de 2100. Heitor Souza, representante do Clube de Roma no Brasil, trata com cuidado a questão das previsões. “O livro não fixou metas. Na verdade, o es-tudo emitiu alertas globais, indicando ‘ce-nários futuros possíveis’ em função das po-líticas adotadas por nossos países e nossas sociedades”, esclareceu Souza.

No entanto, o historiador Valter Pomar salienta o caráter inflexível da teoria. “O problema é o mesmo da teoria malthusiana: achar que há limites absolutos e fixos para

o crescimento. Na verdade, os limites para o crescimento são flexíveis, por razões natu-rais, sociais e tecnológicas”, explica.

Um dos principais integrantes do movi-mento pelo decrescimento nos dias de hoje é Serge Latouche, economista francês. Ele explica que decrescimento é algo que visa acabar com o discurso do produtivismo. Sua principal meta é o incentivo ao abandono do crescimento ilimitado. “Em um futuro breve, veremos uma inversão nas curvas deste crescimento e, se tudo der certo, vere-mos um decrescimento, tendo em vista al-cançar um desenvolvimento mais sustentá-vel para nosso país e para todo o mundo”, esclarece Heitor Souza.

Na visão do economista André Calix-tre, o capitalismo em seus moldes atuais e a sustentabilidade dificilmente poderão coexistir. “Ou muda o sistema com base na acumulação de mais valor, ou a ideia de sus-tentabilidade no capitalismo será sempre ameaçada”, aponta.

A tendência do crescimento contínuo e sua valorização pelos atuais critérios de desenvolvimento trazem consequências em longo prazo, como as apontadas no es-tudo feito pelo Clube de Roma e pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachussets). Entre elas, estão o uso excessivo das terras, que provocaria a erosão, seguida da queda da produção de alimentos; os recursos na-turais cada vez mais desgastados por uma crescente população mundial; e o aumento da taxa de mortalidade devido aos altos ín-dices de poluição. No entanto, impactos ime-diatos podem ser igualmente verificados nas cidades, como a diminuição de áreas verdes, o aumento da poluição e das ilhas de calor e a especulação imobiliária.

NOVO MUNDOO Projeto Vênus foi desenvolvido por Jacque Fresco, engenheiro social e designer industrial, e é um modelo aplicado da Econo-mia Baseada em Recursos. Porém, não signi-fica que seja o único. “O projeto é apenas uma referência, um protótipo do que pode ser feito hoje em termos estruturais, para reorganiza-ção racional de cidades”, explica Portilho.

O sistema concebe uma sociedade intei-ramente nova e mundial, baseada em valo-res de cooperação mútua. Para atingir este patamar, o plano é um “redesenho cultural”, uma troca de valores considerados antigos e ultrapassados. Entre eles, está a substitui-

ção da política e economia monetária por ciência e tecnologia, aplicadas em um com-plexo sistema cibernético que regularia as necessidades da vida humana.

Na visão de Roxanne Meadows, sócia do projeto, a política não é eficiente na resolução dos problemas sociais e ambientais. “Mesmo com a eleição de caráter impecável no gover-no, sem recursos disponíveis e tecnologia avançada, guerra, pobreza e corrupção vão continuar. Não importa quantas novas leis são criadas ou quantos tratados são assina-dos. Não é a democracia que elevou nosso padrão de vida, são nossos recursos, água, terra arável e nova tecnologia”, defende.

A crítica ao sistema monetário é implacá-vel nas propostas do Projeto Vênus. Meadows aponta que “o sistema baseado em dinheiro foi desenhado há centenas de anos e era ra-zoavelmente apropriado para seu tempo. De acordo com ela ainda utilizamos esse mesmo sistema ultrapassado, que é o responsável pela maioria dos problemas hoje. “Não há dúvidas de que mesmo a pessoa mais rica estaria melhor na sociedade que o Projeto

“Ou muda o sistema com base na acumulação de mais valor, ou a ideia de sustentabilidade no capitalismo será sempre ameaçada”André Calixto, economista

28 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

O Projeto vênus foi criado por Jacque Fresco e é um protótipo do que pode ser feito em termos estruturais para reorganização racional de cidades

REPR

OD

ÃO

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Vênus propõe”, argumenta. Para os desen-volvedores deste sistema, grande parte da tecnologia necessária para o funcionamento de uma sociedade deste nível já existe. Eles dizem que o que falta é apenas a vontade e o incentivo de aplicar a ciência nesta direção.

“Infelizmente, pode ser necessário um colapso econômico, que as pessoas fiquem desiludidas com seus líderes antes que elas procurem uma direção social alternativa. A mudança social sempre foi trazida pela crise na economia, corrupção no governo e abuso da população”, frisa Meadows. A proposta para atingir este objetivo de sociedade, segundo o Projeto Vênus, é de que a humanidade realize uma transição pacífica para este novo modelo socioeconômico por meio da conscientização. Contudo, ele não deixa de servir como opção no caso de uma hecatombe capitalista.

AqUI DO LADO“É o fim do mundo! Onde já se viu vender uma praça?”, declara Ermínia Teixeira, de 68 anos, ao saber que a Praça das Flores Alfre-do Di Cunto, no bairro da Mooca, zona Leste,

deixaria de existir. Ela nasceu e foi criada no lugar e nas últimas décadas observou mu-danças na paisagem da região.

Há 50 anos, o bairro estava congelado no tempo, ainda era o cenário do início do século XX e da Revolução Industrial. Muitos dos moradores, inclusive Ermínia Teixeira, são filhos ou netos de italianos que chega-ram ao país para trabalhar nas fábricas que ocupavam a região. A Mooca era formada basicamente por essas construções e por vilas operárias. Por causa dessa ocupação territorial, o excesso de poluição e a falta de áreas verdes eram um problema.

Hoje, mesmo com a desativação das fá-bricas, os problemas ambientais continuam a se acentuar por causa da especulação imo-biliária. Segundo o relatório da Lopes Inteli-gência de Mercado, a região vem crescendo em ritmo acelerado: em 2010 foram coloca-dos à venda mais de 1.600 novos imóveis.

De olho nessa valorização, a prefeitura de São Paulo sancionou o projeto que permi-te a venda de dois terrenos da Mooca, sendo um deles o da Praça das Flores Alfredo Di

Cunto, um terreno de 6,6 mil m². Os terre-nos serão leiloados para a iniciativa privada que em troca irá construir creches na cida-de. Para Pedro Felice Perduca, da associação AMO A MOOCA, esse é um dos “poucos pon-tos verdes da região que abriga uma escola estufa e um viveiro de árvores e, portanto, deveria ser preservado”.

A situação se repete na zona Oeste, no Itaim Bibi, região em que a prefeitura pre-tende vender uma área de 10 mil m² que abriga escolas, creche, unidade básica de saúde, teatro e biblioteca, além de uma área verde. No local, o projeto prevê a construção de quatro prédios de alto padrão.

No relatório da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, as regiões Leste e Oeste da cidade são as que possuem o menor número de cobertura vegetal. O estudo apon-ta que a Mooca possui 2,27m² de área verde por habitante enquanto o Itaim Bibi tem 3,86 m². Tais números estão longe dos padrões estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que define como ideal 12 m² de cobertura verde por pessoa.

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 29

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MANIFESTAÇÕES

30 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

Tunísia, Egito, Chile e até o Xingu. Manifestações reivindicam diferentes causas sociais pelo mundo. Afinal, quais são as motivações de cada uma delas?

REPORTAGEM THIAGO NAVARRO, PAOLA PERROTI, TALLES BRAGA (1º ano de Jornalismo), CAROLINE REZENDE MENDES (2º ano de Jornalismo) e JÉSSICA CRUZ (3º ano de Jornalismo)ARTE RENAN GOULART (3o ano de Jornalismo)

No fINal de 2010, teve início um levante popular na Tunísia, país muçulmano localizado no norte da África, contra o governo do general Zine El Abidine Ben Ali. O ditador esteve no comando do Estado desde 1987, quando tomou o poder por meio de um golpe. As manifestações culminaram na renúncia do líder no dia 14 de janeiro de 2011.

A onda gerada pela Tunísia foi seguida pelo Egito e se estendeu pelo Oriente Médio. Iêmen, Síria e Líbia são exemplos de países

que vivem sob ditaduras há décadas e so-frem com a instabilidade econômica, o de-semprego e a falta de liberdades políticas e individuais. Em todos estes houve levantes. “A saída do ditador Muammar Kadhafi da Líbia dará um grande fôlego para os movi-mentos populares nos países árabes”, afir-ma Arlene Clemesha, professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP). A entrevista foi realizada quando Kadhafi ainda estava desaparecido.

No Chile, mais de 50% dos estudantes do ensino básico conseguem entrar na facul-dade. Mesmo assim, manifestantes saíram às ruas para pedir melhorias no sistema educacional. Por lá, mostra-se ao mundo que quanto mais há informação, mais é preciso exigir do governo.

Já no Brasil, observa-se manifestações contra a homofobia, a favor da descriminali-zação da maconha, e, inclusive, pelo direito de se manifestar livremente.

ONDE? pAÍSES ÁRABESqUANDO? DESDE O FIM DE 2010

O levante popular em países como Líbia, Egito, Tunísia, Iêmen e Síria foi causado principalmente por três fatores, segundo Arlene Clemesha, professora de História Árabe da Universidade de São Paulo. “A revolta foi primeiro contra a pobreza e pela luta por salários mais justos e uma melhor perspectiva de vida. Além disso, a população tinha desejo pela liberdade de expressão”, explica.

A união dessas nações já resultou na queda de três ditadores: Ben Ali, da Tunísia, e Hosni Mubarak e Muammar kadhafi, do Egito. Desde então, as mudanças políticas não foram tão expressivas, mas, para a professora, o mais

importante é a demonstração do desejo de mudança desses países. “A organização de um novo modelo político pode levar anos para se concretizar, será um processo dinâmico, com muitas idas e vindas”, analisa.

Quanto à posição do Brasil nesse contexto internacional, Clemesha acredita que o intervencionismo não é a melhor forma de agir. Porém, também é preciso se posicionar contra a guerra civil instalada nesses países – estima-se que mais de 20 mil pessoas morreram durante esses quase dez meses. Seguindo nessa direção, o Brasil bloqueou parcialmente os negócios com a Líbia, mas ainda de forma tímida. “O Brasil está agindo de forma equivocada, se ele condena é preciso dizer”, explicou.

Em 20 de outubro, após a queda de Sirte, kadhafi foi capturado e morto. Após tanta repressão no país, a conquista dos rebeldes dará fôlego para os demais países que ainda lutam.

de manifestantes foram contabilizados na capital Saana, no Iêmen, em abril de 2011

1 milhão

liberdade árabe

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ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 31

No dia 13 de agosto, cerca de 500 pessoas, segundo a Polícia Militar de São Paulo, reuniram-se em um protesto contra a permanência de Ricardo Teixeira na presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). O atual presidente ocupa o cargo desde janeiro de 1989 e pretende se candidatar à presidência da FIFA – pretensão também contrária à vontade dos manifestantes.

A concentração aconteceu no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP). O principal motivo da manifestação é a corrupção instalada no futebol e a elitização da Copa do Mundo

ONDE? SÃO pAULOqUANDO? 13 DE AGOSTO DE 2011

500manifestantes, segundo a Polícia Militar

de 2014. Também foram agregadas questões como as condições dos estádios, os horários de jogos e o “complô” de mídias tradicionais a favor de Ricardo Teixeira.

O evento nasceu nas redes sociais, principalmente Twitter e Facebook, com a confluência de diversos movimentos diferentes dentro do cenário futebolístico de São Paulo, como os Torcedores Paulistas e a Frente Nacional dos Torcedores (FNT).

Palavras como “cartola” e “ditador” eram proc-lamadas em uníssono e foram amplificadas com a chegada de um carro de som que acompanhou a passeata. Para Tomas Tassinari, estudante do 3º ano de História da Universidade de São Paulo (USP) e integrante dos Torcedores Paulistas, Ricar-do Teixeira é um “empecilho no desenvolvimento de um futebol profissional e democrático”.

Hora doplaneta

A Hora do Planeta é considerado o maior movimento voluntário em prol do meio ambiente. Ao todo, são 135 países participantes – apenas em 2011, cerca de 1,8 bilhão de pessoas se envolveram no movimento, segundo o WWF (abreviação de World Wide Fund for Nature - Fundo Mundial para a Natureza). Para participar, basta desligar todas as luzes de sua casa – ou de onde quer que esteja – durante uma hora, pré-determinada, do período noturno.

ONDE? 135 pAÍSESqUANDO? MARÇO DE 2011

1,8 bilhãode pessoas, segundo o WWF Criada na Austrália pela WWF em 2007,

a campanha é vista como uma forma de economizar energia e despertar a atenção das pessoas às causas do aquecimento global. Outros, porém, enxergam-na apenas como um ato de protesto simbólico. Inúmeros são os monumentos icônicos que aderem ao movimento e apagam sua iluminação noturna. Entre eles estão a Ponte de Sydney (Austrália), a Torre Eiffel (França), a roda gigante London Eye e o Big Ben (Inglaterra), a Acrópole de Atenas (Grécia), o Empire State Building (Estados Unidos) e o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Em 2012, o evento acontecerá no dia 31 de março às 20h30.

ONDE? SEDE DO IBAMA, EM SÃO pAULOqUANDO? 20 DE AGOSTO DE 2011

1 milpessoas, segundo a Polícia Militar

A bacia do Rio Xingu atinge quase dois quilômetros de extensão, nascendo no Mato Grosso e desaguando próxima ao Rio Amazonas. Desde 1975 são realizados estudos para aproveitamento hidrelétrico da bacia. Em 2010, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) concedeu licença prévia para a construção da usina. Além disso, o consórcio Norte Energia venceu leilão realizado pelo instituto, tornando-se responsável pela construção. Em 2011, tiveram início as obras da usina hidrelétrica Belo Monte, no Pará, mediante uma licença de instalação concedida em junho pelo Governo Federal.

Desde o processo de sondagem da capaci-dade energética do rio, questiona-se a viabilida-

de de Belo Monte. Os prejuízos que sofreriam os indígenas ribeirinhos do Xingu e o ecossistema da região são argumentos contra a construção. No dia 20 de agosto, o movimento Xingu: Vivo para Sempre fez uma manifestação na Aveni-da Paulista, em São Paulo. “A usina é um proje-to sem pé nem cabeça. Não beneficiaria o país nem do ponto de vista energético, nem ambien-tal, nem social, nem econômico”, afirma Verena Glass, jornalista e assessora de comunicação do movimento organizado por um coletivo de movimentos sociais e ambientalistas das áreas de influência do projeto da hidrelétrica.

Guayra, 19 anos, índio da tribo Wassu-Cocal, compareceu à Avenida Paulista para defender os índios da região do Rio Xingu. “Nós somos um povo só, um sangue só. Os juruás ( homem bran-co) não podem tirar o comer e o beber do meu povo”, defende. Além de Guayra, outros índios es-tavam presentes na manifestação. O movimento programou protestos em outras capitais brasilei-ras, como Brasília, Rio de Janeiro e Fortaleza.

CAROLINE REZENDE

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32 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

O Viaduto do Chá se tornou o endereço de cer-ca de 150 pessoas. Diariamente, elas dormem, cozinham e refletem sobre a possível falência da política e economia contemporâneas no local. Essa é a rotina do Ocupa Sampa, movi-mento cujas principais bandeiras são a demo-cracia direta e apartidária, além da busca por um sistema alternativo ao capitalismo. A inten-ção é representar os “99% da população mun-dial”, desfavorecido pelo “1%” dos que detêm o poder político e econômico. Esta é a ideia escrita nos cartazes também do Occupy Wall Street, protesto em Nova York que serviu como estopim para as demais manifestações sobre o assunto neste último bimestre.

Na mesma linha das acampadas que, em 2011, tomaram as principais cidades de alguns países, a manifestação paulistana nasceu de um chamado mundial feito pelos espanhóis. A pro-posta convocava protestos, que aconteceriam em escala global no dia 15 de outubro, e foi arti-culada por associações autônomas pela internet e em assembleias no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (MASP).

“Somos uma manifestação livre, pacífica, que-rendo demonstrar para a sociedade que a popu-lação tem poder”, explica João Bagdadi. Ele está acampado no Viaduto do Chá desde o primeiro dia da ocupação. “Desde julho me programei para estar aqui, acampando com o pessoal”, conta.

Muitos dos manifestantes conciliam as ativi-dades profissionais com a participação no Ocu-pa Sampa. É o caso de Cadu, que, por motivos pessoais, preferiu não se identificar. “Trabalho das 8h às 17h30 e venho direto para cá, desde o dia 15 de outubro”, conta. Ele esclarece como as necessidades cotidianas são resolvidas no acampamento: “Para tomar banho, vou e volto para casa. Mas há também locais indicados pe-los moradores de rua, como um serviço de assis-tência social. Fica aqui perto do acampamento e lá podemos tomar banho e usar o banheiro”.

pERFILDesde os primeiros dias, a acampada paulistana recebeu o apoio da população de rua – a qual inclusive passou a integrar o Ocupa Sampa, re-cebendo tarefas e tendo suas demandas debati-das nas assembleias.

São Paulo Ocupada!REPORTAGEM GABRIELA SÁ PESSOA (2º ano de Jornalismo)IMAGEM TIAGO MOTA (2o ano de Jornalismo)

Os manifestantes também contam com a ajuda dos comerciantes e da comunidade da região, que os permite usar o banheiro. No que diz respeito às necessidades materiais, a maior parte da estrutura e do que é consumido vem de doações. Tendo em vista que o movimento não aceita dinheiro, constantemente é atualiza-da uma lista de necessidades que eles disponi-bilizam na internet.

Dentre os itens mais necessários, são recor-rentes internet 3G, pão e água mineral. A alimen-tação na acampada é vegana, isto é, sem produtos de origem animal. “Isso acontece porque muitos manifestantes já são veganos e, principalmente, porque não temos geladeira para armazenar os alimentos”, conta Ana, uma das responsáveis pela cozinha, que não quis se identificar, no dia em que a reportagem visitou a ocupação, o cardápio do jantar era arroz e feijão, acompanhados de um refogado de cebola, batata e tomate.

“As práticas partidárias não cabem aqui”, de-fende João. “Não há liderança, tudo é decidido em assembleias consensuais, todos têm liberda-de de expressão”. O próprio movimento se clas-sifica como uma autogestão: não há hierarquia e as funções são divididas de acordo com as ha-

bilidades e necessidades do coletivo. Na prática, os acampados se organizam em comissões – ali-mentação, segurança, comunicação, programa-ção, “boas vindas” e arte e cultura, por exemplo, que se responsabilizam por funções específicas.

Diferentemente dos últimos protestos ocor-ridos em São Paulo, o Ocupa Sampa não esco-lheu a Avenida Paulista como palco. “Viemos para o Anhangabaú por causa da visibilidade e também devido aos conflitos que têm aconteci-do na região, como as agressões a moradores de rua”, explica João.

De fato, a visibilidade é um ponto a favor do Viaduto do Chá: estendida sobre a construção, uma faixa escrita Ocupa Sampa pode ser lida da Avenida 23 de Maio e das janelas dos prédios da Prefeitura e do Tribunal Regional Eleitoral.

A programação da ocupação é variada, in-cluindo ações diretas – como o protesto contra a matéria publicada pela revista Veja na frente da Editora Abril, em 28 outubro -, palestras com movimentos sociais, exibições de filmes e aulas abertas. Até o fechamento desta matéria, já ha-viam passado pelo Anhangabaú cinco professo-res universitários, como Paulo Arantes (USP), Rita Alves (PUC-SP) e Vladimir Safatle (USP).

ONDE? VIADUTO DO ChÁ, SÃO pAULOqUANDO? DESDE 15 DE OUTUBRO

pessoas, em média, participem diariamente da ocupação

300Estima-se que

Até o final da apuração, 190 barracas estavam montadas no vale do Anhangabaú

TIAG

O M

OTA

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REPORTAGEM GABRIELA SÁ PESSOA e TIAGO MOTA (2º ano de Jornalismo) IMAGENS TIAGO MOTA (2º ano de Jornalismo)

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 33

pERFIL

O filósofo Vladimir Safatle conta sobre sua trajetória, e classifica sua geração como “uma catástrofe”

sociedadesushipós-

“o fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros, me põe numa posição em face do mundo que não é a de quem tem nada a ver com ele”. A citação é de Paulo Frei-re, em Pedagogia da Autonomia (Paz e Terra, 2008). Com inquietação similar, no dia 26 de outubro de 2011, Vladimir Pinheiro Safatle, de 38 anos, leciona para os jovens do movi-mento Ocupa Sampa, acampados no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, desde o dia 15 do mesmo mês. “O pensamento quando usa sua força crítica, questiona os problemas, os pressupostos, as respostas”, discursou.

Em 2002, Safatle, concluiu seu doutorado em Filosofia na Université de Paris VIII, na França. Anos depois, em 2009, se tornaria livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP) – instituição na qual leciona desde 2003. Além disso, o filósofo é colunista fixo do jornal Folha de S.Paulo, onde escreve às terças-feiras, e da revista Cult.

No Anhangabaú, falando a centenas de manifestantes, o professor soa eloquente. Se-gurando o microfone com a mão esquerda, ele inclina-se ligeiramente para frente, en-quanto, empolgado, gesticula com a direita. No entanto, em sua sala no departamento de Filosofia da USP, revela-se um sujeito reserva-do. Enquanto conversa, em tom de voz baixo, senta na cadeira, com o tronco inclinado para trás e os olhos direcionados ao chão.

Logo no começo da conversa, ele avisa: “Tenho pouco tempo, pois preciso terminar de escrever minha aula de hoje à noite”. Ele conta que não há uma aula que ministre sem tê-la escrito antes. O intuito é formar um ar-quivo, “um grande rascunho”, para depois reler e aprofundar os temas. A única exceção foi a aula dada ao Ocupa Sampa. “Mas isto é muito raro”, ressalta.

DE PINOCHET A GEISELVladimir Safatle nasceu no Chile, em 1973. Com poucos meses de vida, ele e a família se mudaram para o Brasil, em virtude da ditadu-ra militar de Augusto Pinochet, que se insta-lou no país naquele ano. “Minha família esta-va lá para ajudar na construção do socialismo chileno”, lembra o filósofo. “Então, quando houve o golpe, todos foram perseguidos”.

Naquela época, a família tinha duas op-ções: ou “pulava o muro de alguma embai-

xada” e se refugiava em outro país, ou volta-va para o Brasil. “Meu pai não quis ter vida de exilado, então ele voltou e se instalou em Brasília. Minha mãe e meu avô são de lá”, ex-plica. A mudança da ditadura chilena para a brasileira, para o casal Safatle, representou uma “eterna sensação de isolamento. Meus pais são ex-guerrilheiros, participaram da luta armada pela ALN [Aliança Libertadora Nacional]”.

O filósofo conta que não “sabia muito” sobre a ditadura, porque a família evitava falar sobre o assunto. “Nossa casa vivia cheia de pessoas que tinham sido perseguidos po-líticos, gente que tinha circulado e voltou”, revela. “Então, sabíamos que não fazíamos parte da normalidade do país, as opiniões não podiam ser faladas em voz alta – ainda mais morando em Brasília”. Safatle conta que só foi conhecer, de fato, os detalhes do cotidiano de sua família naquele período quando “passou dos 20 anos”.

Fernando Safatle, pai de Vladimir, foi engajado, um radical de esquerda. A mãe, Ilneide Tavares Pinheiro, era de religião protestante – “duas pessoas praticamente antagônicas”. Em 1987, Fernando assumiu um cargo de secretário do planejamento no governo de Goiás, em virtude do processo de abertura política durante o governo Geisel.

O novo emprego fez com que a família se mudasse para Goiânia. Porém, o então ado-lescente Vladimir Safatle ficou por lá somente até os seus 16 anos: “Foi um período complica-do, para todo adolescente é meio confuso”, re-corda. “Ainda mais porque meus pais tinham acabado de se separar, então achei que era um bom momento para ir embora de casa”. Ele voltou para Brasília, onde morou com al-guns amigos até 1991, quando foi a São Paulo começar os estudos universitários.

MUITO PRAzER, HEGELSafatle cursou duas graduações ao mesmo tempo. De manhã, assistia às aulas de Fi-losofia na USP e, à tarde, de publicidade na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Fiz Comunicação para encobrir o fato de eu fazer Filosofia”, revela. “Não con-tei para ninguém da minha família, eles só foram saber quando eu tinha me formado”.

Os pais do filósofo – e comunicador –

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34 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

“entraram em pânico” quando ele disse pretender prestar vestibular para Filosofia. “É uma família de imigrantes, com toda essa paranoia de eu ser sustentado o resto da vida”, justifica Vladimir.

Ele conta que o pai só foi descobrir mesmo que o filho havia se formado em Fi-losofia quando o curso acabou. “Minha mãe descobriu antes. Ela sempre teve menos ilusões sobre os filhos”, lembra o filósofo. “Quando ela viu meu nome na lista dos apro-vados, eu recebi como prêmio um tapa”.

Mesmo iniciando o curso de maneira conflituosa com os pais, a Filosofia aju-dou Safatle a refletir sobre suas questões familiares. Para ele, o curso sobre Hegel, ministrado pelo professor Paulo Arantes na metade da graduação, “foi uma verdadeira descoberta. Aquilo me mostrou que eu real-mente gostava de Filosofia e que eu queria continuar, ter uma carreira”.

Um dos motivos para isso ter acontecido é porque “Hegel resolveu dois problemas” do filósofo. O fato de o pai ser comunista e a mãe protestante foi uma “cisão muito forte” na família Safatle. “Hegel era protestante e, ao mesmo tempo, era a base do marxismo. Então resolvia dois problemas”, conta.

ENTRE CONCEITOS E TONSVladimir considera a relação entre teorias e vida particular fundamental à construção do conhecimento. “Você só consegue traba-lhar as questões que é capaz de sentir de verdade”, acredita. Assim, os temas a que se dedica, como “a articulação entre psi-cologia, psicanálise, filosofia e filosofia da música”, dizem muito sobre o gosto pessoal e a trajetória do filósofo.

“A Filosofia é muito parecida com a com-

posição. Pelo menos na minha cabeça sempre foi”, conta Vladimir, que toca piano desde os seis anos. “Fiz trilhas sonoras para algumas peças durante um tempo e cheguei a fazer re-citais na Fundação Nacional de Artes (Funar-te) e no Museu Brasileiro da Escultura (Mube). O último concerto que dei foi em 2008, eu acho, no Centro Cultural Maria Antônia”.

Na adolescência, quando ainda morava em Goiânia, ele teve uma banda de rock, da qual era tecladista. O conjunto não era poli-ticamente engajado, mas, ainda assim, “re-solveu os problemas” de Vladimir. “É uma coisa que recomendo, que todo adolescente precisa fazer. Você teatraliza um pouco sua vida em um momento complicado – rico e turbulento como toda fase de transição”, diz.

NOvA FASEO próprio Vladimir diz não ter sido politica-mente engajado na juventude. Por dois mo-tivos: “primeiro, porque meu pai era demais. Eu ficava muito mais ajudando ele a fazer campanhas do que qualquer outra coisa”, explica. “Segundo, porque eu sempre tive problemas com organizações. Nunca conse-gui me adaptar bem a situações onde se deve submeter um tipo de pensamento crítico a um pensamento estratégico. Do tipo: ‘bem, estamos aqui em um partido. Estes são os nossos objetivos, então feche os olhos para certas coisas em prol do nosso programa’”.

Hoje, o filósofo avalia que esse posicio-namento foi positivo para que ele desenvol-vesse opiniões e comportamentos equilibra-dos. Ele diz não ter “contas a acertar com alguma besteira” que fez na juventude, ao contrário de algumas pessoas de sua gera-ção. “O que aconteceu com muita gente que teve uma militância forte na juventude é

que, quando chegaram aos 40, depois de se envolverem tanto, penderam para o outro lado. Tornaram-se radicais de direita”.

No entanto, o fato de Vladimir adotar uma terceira via ideológica não significa que ele ignore as questões políticas atuais. Pelo con-trário: o filósofo defende uma situação “mais flexível”, de construção permanente da demo-cracia. Para ele, é possível “criar estruturas de conjuntos de grupos transpartidários, que se reúnem em defesa ou contra uma causa. Acre-dito numa democracia mais direta”.

Foi isso que ele defendeu no Ocupa Sampa, movimento cujos participantes, “jo-vens de vinte e poucos anos”, ele admira. “Quando vejo esta geração, percebo que são muito mais conscientes. Eles não têm medo de expor seu descontentamento”.

Quanto à própria geração, o filósofo é ca-tegórico: “Foi uma catástrofe”. Ele conta que, quando tinha 18 anos (no início dos anos 1990, pós-queda do muro de Berlim), acre-ditava-se que o mundo não tinha fronteiras, “como se todos pudessem se juntar em uma grande rave. A juventude daquela época tinha que ser criativa, trabalhar com publicidade e admirar estrategistas do marketing. Steve Jobs era seu grande líder revolucionário”.

Ele acredita que a juventude de sua época, impressionada com a globalização, “se deleitava em comer sushi” e, hoje, aos 40 anos, “investe na Bolívia sem ao menos saber onde está o país no globo”. “E o que a gente colocou na balança? Nada! Foi a gera-ção que quebrou o mundo”, reflete.

Se o Safatle gosta de sushi? Mais ou menos. “Até que gosto. É interessante como esses pequenos símbolos dizem muito sobre o que é uma época”, diz. “Eu gosto de churrasco, eu sou um homem do povo”.

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vladimir Safatle acredita na criação

de estruturas de grupos

transpartidários, que se reúnem em

defesa ou contra uma causa

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36 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

ENSAIO

Fim?

Petrus Lee usou uma Canon 50D - f/3.7 - 28mm - ISO 100 - 1/500s com luz natural - Casas na beira do córrego da favela Peri Alto, na zona norte de São Paulo

O folclore acerca do fim do mundo é rico. Nossos fotógrafos foram às ruas em busca de possíveis interpretações imagéticas para o tema. Nas próximas páginas você vai conferir o resultado baseado no real e no imaginário extravasado encontrados nas ruas.

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ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 37

Petrus Lee usou uma Canon 50D - f/5.6 - 28mm - ISO 1600 - 1/800s com luz natural - Zombie Walk, invasão dos mortos-vivos em SP, no dia 02 de novembro de 2011

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38 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/2.8 - 55mm - ISO 320 - 1/320s com luz natural - Usuários e a boca na Cracolândia, no centro paulistano

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ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 39

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1

MASSACRES

40 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

Impunidade ou morteDo Carandiru ao Realengo, conheça os maiores massacres ocorridos no Brasil nos últimos anos e que fim levaram os responsáveis pelos episódios

CandeláriaONDE Igreja da Candelária (Centro do Rio de Janeiro).qUANDO 23 de julho de 1993.O qUE Cerca de 50 crianças dormiam em frente à Igreja da Candelária quando quatro carros pararam e começaram a atirar. Oito crianças morreram, todas com tiro na cabeça. A chacina teve como responsáveis Marcos Vinícius Borges Emmanuel, Nélson Oliveira dos Santos e Marcos Aurélio Dias Alcântara. Emmanuel, um ex-policial militar, foi condenado a 300 anos de reclusão. Santos, por sua vez, foi julgado criminoso pela morte das crianças e também por tentativa de assassinato de um dos sobreviventes – ato que resultou em a 45 anos de reclusão. Já Alcântara, que além de matar estuprou um dos adolescentes, recebeu pena de 204 anos de prisão. Arlindo Lisboa Afonso Júnior, que portava uma das armas usada no crime, foi condenado a 2 anos de prisão. Carlos Jorge Liaffa foi reconhecido por um sobrevivente e a perícia comprovou que uma das balas tinha sido da arma de seu padrasto. No entanto, Liaffa não foi condenado.

CarandiruONDE Casa de Detenção de São Paulo (Carandiru), em São Paulo.qUANDO 2 de outubro de 1992.O qUE Para reprimir uma rebelião no presídio, a Polícia Militar de São Paulo realizou operação que causou a morte de 111 detentos. O massacre teve cerca de 120 policiais envolvidos, que foram acusados de homicídio, tentativa de homicídio e/ou lesão corporal. O coronel Ubiratan Guimarães, responsável pela operação, foi indiciado por 102 das 111 mortes, sendo condenado a 632 anos de prisão. Em 1994, dois anos após a chacina, Guimarães foi eleito deputado estadual por São Paulo e jamais foi preso pelo episódio no Carandiru. Enquanto o coronel cumpria a pena em liberdade, o caso foi revisto por 25 desembargadores e o acusado foi absolvido. Em 2006, o coronel Ubiratan Guimarães foi assassinado.

REPORTAGEM TALITA FRANZÃO (1o ano de Jornalismo)COLABORAÇÃO GIOVANNA FERRAZ BORGES, GUSTAVO HENRIQUE, MARINA JUNQUEIRA (1o ano de Jornalismo) e ANA LUÍSA VIEIRA (2o ano de Jornalismo)ARTE RENAN GOULART (3o ano de Jornalismo)IMAGENS REPRODUÇÃO/CREATIVE COMMONS

8 mortos, com idades entre 11 e 19 anos

Vigário GeralONDE Favela de Vigário Geral, no Rio de Janeiro.qUANDO 29 de agosto de 1993.O qUE Moradores da Favela de Vigário Geral foram assassinados por cerca de 50 homens encapuzados. Os criminosos saíram atirando a esmo, aparentemente sem motivo, sendo 29 deles policiais militares. Ao todo, o Ministério Público do Rio de Janeiro denunciou 33 pessoas, mas apenas sete foram condenadas. Dois deles, Paulo Roberto Alvarenga e José Fernandes Neto, recorreram e receberam uma pena de 30 anos de prisão cada. Ao final do processo, 19 foram absolvidos e dois morreram antes de serem julgados.

21 moradores da favela mortos

111 mortos

Eldoradodos CarajásONDE Munícipio de Eldorado dos Carajás, no Pará.qUANDO 17 de abril de 1996. O qUE Cerca de 1500 sem-terra que estavam alojados pelo ter-ritório protestaram contra a de-mora da desapropriação de ter-ras fechando a rodovia BR-155. A ação policial foi autorizada por Paulo Sette Câmara, secretário de segurança do Pará. Como resposta à permanência dos sem-terra, mesmo após o uso de gás lacrimogênio, a polícia abriu fogo ,matando 19 pessoas e deixando 67 feridos. Os 154 policiais envolvi-dos permanecem soltos. Entre 144 incriminados, apenas dois foram condenados. Mário Pantoja e o major José Maria Pereira de Olivei-ra. Ambos aguardam em liberdade o fim do processo.

19 sem-terra mortos

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Impunidade ou morte

presídioUrso BrancoONDE Presídio Urso Branco, Porto Velho, Rondônia.qUANDO Janeiro de 2002.O qUE 27 reclusos foram assassi-nados por outros detentos durante uma invasão da Polícia Militar para terminar com uma rebelião. De-capitações, enforcamentos e cho-ques elétricos foram algumas das formas de execução. Michel Alves das Chagas e Anselmo Garcia de Almeida foram condenados pelas mortes a, respectivamente, 486 e 445 anos de prisão. Ambos cum-priam pena no Urso Branco. Re-centemente, a polícia recapturou os detentos Aldair José de Souza e José Raimundo Tavares, que estive-ram foragidos da Justiça por mais de um ano. Tavares foi condenado a mais de 400 anos de reclusão por ser um dos principais líderes da chacina no presídio. Já Aldair José de Souza responderá em liberdade.

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27 presos mortos

Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro. 31 de março de 2005. Em diferentes pontos de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense, cerca de 15 homens, a maioria policiais militares, saíram atirando a esmo em direção a moradores que andavam pela rua ou estavam nos bares da região. Por suspeita de envolvimento na chacina, 11 policiais militares foram acusados. Os ex-PMs Júlio César do Amaral de Paula e Marcos Siqueira Costa foram condenados a 480 e 543 anos de prisão, respectivamente, acusados de homicídio qualificado e formação de quadrilha. O cabo da Polícia Militar José Augusto Moreira Felipe foi condenado a 542 anos. Já o soldado Fabiano Gonçalves Lopes pegou sete anos de prisão. Ivonei de Souza, acusado de formação de quadrilha, foi absolvido.

ONDE qUANDOO qUE

Baixada Fluminense

29 mortos

ONDE Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.qUANDO 27 de junho de 2007.O qUE O massacre ocorreu durante uma operação que reuniu 1350 agentes, entre civis, militares e soldados da Força Nacional, no bairro do Complexo do Alemão. A execução de dois PMs na Vila Cruzeiro, comunidade que também faz parte do Alemão, foi o motivo para o ato de violência. O Governo Federal concluiu que houve execuções na operação e a ONU (Organização das Nações Unidas) afirmou num relatório do Conselho de Direitos Humanos que não houve nenhum argumento plausível da Polícia Militar para a realização da operação, ninguém foi legalmente punido.

Complexo do Alemão

19 mortos

ONDE Favela do Barbante, no Rio de Janeiro.qUANDO 22 de agosto de 2008.O qUE Cerca de 20 milicianos, todos com o rosto coberto, invadiram a Favela do Barbante, executando os moradores de maneira aleatória. Crime que, segundo Marcus Neves, titular da 35ª Distrito Policial, tinha como objetivo beneficiar a candidatura à Câmara Municipal de Carminha Jerominho, filha do vereador Jerominho Guimarães (PMDB). Os responsáveis eram membros da milícia Liga da Justiça, formada por policiais militares que tinham representação na Câmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Favela do Barbante

7 mortos

Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro de Realengo, no Rio de Janeiro. 7 de abril de 2011. Massacre aparentemente motivado por uma vingança a um suposto bullying sofrido nos tem-pos escolares. Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, em quem especialistas apontam traços psi-cóticos, entrou portando dois re-vólveres e munição na escola onde cursara até a 8ª série (atual 9º ano) e atirou indiscriminadamente. Após Wellington atingir 34 pessoas, a Polícia Militar invadiu o prédio e en-trou em confronto com o assassino. Depois de ser atingido, o jovem co-meteu suicídio. A existência de uma carta de despedida, publicada em uma rede social evidencia que o ato foi minuciosamente planejado.

ONDE

qUANDOO qUE

Realengo

12 mortos

22 feridos

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CRACOLÂNDIA

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ChApéU

caminhos de

peDraA situação da Cracolândia contada por ex-usuários de crack, moradores da região e organizações envolvidas na sua revitalização

REPORTAGEM ANA CAROLINA NEIRA, DANILLO OLIVEIRA e HELDER FERREIRA (2o ano de Jornalismo)COLABORAÇÃO GABRIELA CORRÊA, LUIZ GUILHERME SILVA, NILO VIEIRA, MARCELLA LOURENZETTO (1º ano de Jornalismo) e GIULIA AFIUNE (2º ano de Jornalismo)IMAGENS GUILHERME BURGOS (3o ano de Jornalismo)

a regIão da Luz, no Centro de São Paulo, costuma ser lembrada pelo consumo e venda de drogas. Estima-se que atualmente 2.000 usuários frequentam o local. Conhecida como Cracolândia, a região também abriga pontos turísticos, como a Pinacoteca do Es-tado, o Museu da Língua Portuguesa e a Sala São Paulo. Adentrar neste mundo é arriscado, como estar em território livre e sem lei, onde até mesmo as autoridades encontram dificul-dades para trabalhar. Alguns vivem por ali, outros chegam apenas para comprar, fumar e sair. “O que tem aí fora é um mundo que vocês não imaginam, é um submundo”, afir-ma Luiz Gomes, pastor da ONG IBS Reviver.

UMA NOITE NA CRACOLÂNDIALargo Coração de Jesus, bairro de Campos Elíseos. Sexta-feira, 20h. A Alameda Dino Bueno e suas ruas adjacentes estão repletas de pessoas que se aglomeram nas esquinas, calçadas e até mesmo no meio da via. A pé ou de carro, é complicado transitar.

O público é composto, em sua maioria, por moradores de rua. Grande parte deles vive ali mesmo, dentro de dormitórios im-provisados que vão de um prédio invadido, conhecido como “O Buraco”, a colchonetes e pedaços de papelão espalhados pelo chão.

Há confusões, pequenos atritos e até mesmo uma mulher ferida, com a testa san-grando. As vendas acontecem aos olhos de todos, com preços que vão de R$2,00 a R$10,00, em média, dependendo da quantidade.

Na mesma rua, quinze pessoas se reú-nem num pequeno apartamento de dois an-dares. São missionários da Igreja Apostólica Batista Philadélfia Portas Abertas, que por meio da ONG IBS Reviver fazem um muti-rão de evangelização semanal no lugar. Em círculo, fazem uma oração, vestem seus co-

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pOR qUE A CRACOLÂNDIA ATRAI USUÁRIOS TÃO DIVERSOS E pROVENIENTES DE TANTOS LUGARES?O tipo de consumo que se tem na Cracolândia – de juntar dezenas e até centenas de pessoas fumando compulsivamente crack no espaço público, aos olhos de toda a sociedade – dificilmente ocorre na periferia. Até porque os moradores, os comerciantes locais, as igrejas e o próprio dono da “biqueira” não iriam permitir um consumo deste tipo ali, na “quebrada”. Grande parte dos usuários acaba vindo da periferia, de outras cidades ou mesmo de outros estados, para o Centro de São Paulo para conseguir ter uma relação mais livre com a pedra.A Cracolândia, apesar de tudo, é um lugar de acolhida. Uma acolhida anônima, que garante mais liberdade ao usuário, aparentemente.

A CRACOLÂNDIA é INTERESSANTE pARA A SOCIEDADE COMO UM TIpO DE CONFINAMENTO DOS USUÁRIOS DE DROGA?Acho que contenção é a melhor palavra para definir isto, até porque, já a ouvi a expressão sendo utilizada por policiais. Trata-se, então, de uma contenção em meio aberto.De fato, para alguns, talvez seja melhor manter os usuários lá do que espalhá-los. Só que, quem pensa assim, se esquece que o crack e seus agentes – sejam consumidores, vendedores ou “perseguidores” – circulam muito mais do que só naquele território.A Cracolândia virou sinônimo de uso de crack e isso é errado. Falar nela implica em considerar um problema público e urbano, ela é o modo pelo qual o crack adquiriu visibilidade e territorialidade, mas não é a mesma coisa que a própria droga. Com isso quero dizer que o crack pode ser agenciado por inúmeros outros tipos de relações que não necessariamente vão adquirir a forma tal como vemos da Cracolândia.

qUAL é SUA OpINIÃO SOBRE OS pROGRAMAS DE ASSISTêNCIA DA pREFEITURA FOCADOS NOS DEpENDENTES qUÍMICOS? ELES SÃO EFETIVOS? Acho que esses programas são efetivos na medida em que funcionam, quando fazem alguma coisa. Tenho amigos que trabalham lá e não podemos desconsiderá-los porque eles estão na ponta da lança do conflito. São mulheres que estão lidando com pessoas em situações muito complicadas de dependência e compulsão, traficantes e policias, sem ter treinamento e apoio adequado para trabalhar em territórios como aquele.Eles tentam encaminhar os usuários para algum lugar: mas para onde? No Centro de Assistência e Promoção Social(CAPS), por exemplo, eles vão passar por uma consulta com um psicólogo, e depois? Voltar para a rua? Praticamente, não existem lugares adequados para acolher ou tratá-los.

A INTERNAÇÃO COMpULSóRIA SERIA UMA BOA SOLUÇÃO pARA O pROBLEMA?Eu, particularmente, sou contra a internação compulsória ou, no caso, a internação coletiva e coercitiva que tem estado em pauta. Acho que o grande problema é: a quem serviria tal internação? Onde essas pessoas seriam internadas? Como isso seria feito? Sabemos que não existe corpo técnico e nem locais adequados para atender toda aquela população.Pelo que os profissionais falam, o mais importante para o sucesso  do tratamento de desintoxicação é a demanda espontânea. Isto é, quando o próprio usuário pede ajuda. O processo já é difícil quando o paciente está disposto a se desintoxicar. Quando ele não está, então, pode-se dizer que é quase impossível. Acredito que a prática de internação coletiva é praticamente inviável enquanto objetivo terapêutico do usuário, mas nada garante que esta seja uma boa solução para aqueles apenas preocupados com a limpeza das ruas.

Daniel de Lucca é antropólogo e geógrafo, especialista em população de rua do Centro paulistano. Ele desenvolve pesquisas acerca de situações de urgência, práticas de saúde e consumo de drogas em São Paulo. Em entrevista, De Lucca fala sobre o modo como o governo paulistano encara a Cracolândia e os usuários desta região.

letes que os identificam perante os usuários de droga e a polícia e partem, com violão e Bíblia nas mãos. “Hoje vamos orar, ajudar esses irmãos”, é o que diz um dos rapazes presentes na entrada do apartamento.

A IBS Reviver existe há cinco anos e surgiu dentro da Igreja Batista. “No começo eram apenas três pessoas andando pelas ruas. Achavam que éramos loucos por ficar ali na chuva, tocando violão, orando e aju-dando”, diz Luiz Gomes, o Luizão, um dos líderes do grupo. Para aqueles que aceitam socorro, a ONG disponibiliza tratamen-to em um sítio localizado em Caucaia do Alto, interior de São Paulo. Quem vai para lá passa nove meses no processo de desin-toxicação e adaptação a uma nova rotina. Após esse tempo, a pessoa fica na república mantida pela ONG, dentro da própria sede localizada no Centro de São Paulo, em plena Cracolândia. Nesse tempo há todo o apoio: tratamento médico, ajuda para procurar um novo emprego, providência de novos documentos, cursos profissionalizantes e oficinas artesanais, além do contato com

os familiares, na medida do possível. Tudo gratuito e fonte de doações. Os profissio-nais que dão assistência também traba-lham de maneira voluntária.

“A família costuma desconfiar, mesmo quando a pessoa já está recuperada. É difí-cil conquistar a confiança deles outra vez. Às vezes é rápido, às vezes não. A família também precisa de apoio”, afirma Luiz. Con-cluídas estas etapas, após garantias de sua capacidade de viver por conta própria e se sustentar, os pacientes são liberados do tra-tamento. A ONG, no entanto, continua acom-panhando de perto a vida do ex-dependente, tendo em vista a alta possibilidade de retorno às drogas. Contudo, ele tem o direito de inter-romper o tratamento quando quiser.

Usuário de crack durante 20 anos, Lui-zão foi resgatado da Cracolândia há 14. Hoje é um dos protagonistas da causa da IBS. Sua história se aproxima do passado de muitos usuários. Abandonando a esposa e uma filha de apenas três anos na época, deixou-se levar pelo vício. “Do baile veio o cigarro, depois a bebida e, então, as dro-

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POR HELDER FERREIRA (2o ano de Jornalismo)

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E A pOLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS. COMO ELA DEVERIA FUNCIONAR NESSE CASO?  O ideal seria um espaço onde o cara pudesse consumir a droga com acompanhamento de profissionais da saúde. Onde também, se ele quisesse pedir ajuda, poderia ser encaminhado para um tratamento e, se for de sua vontade, uma internação.

gas. Fui da maconha ao crack. Um mal puxa outro mal, vira uma bola de neve”, opina.

Sair dessa também não é fácil. “Eu tive que ficar doente, ver amigos morrendo, a saúde piorando. Eu tive cirrose hepática, leu-cemia. Quando cheguei ao hospital disseram que eu estava morto. Só então eu fui resgata-do, quando um pessoal cristão me deixou na porta de uma igreja de madrugada e me dis-seram: ‘fique aí, porque aí é o seu lugar’. De lá pra cá, me ajudaram e eu me curei. É por isso que eu me esforço para ajudar esse pessoal. Eu acredito”. Os nove meses de tratamento de desintoxicação se transformaram em seis anos. Um caso raro, ele sequer teve recaídas, apenas crises de abstinência. De volta ao lar, hoje ainda está casado com a mesma mulher que abandonou no passado e com orgulho da filha já crescida. “Por causa do crack, eu não pude ver minha filha crescer”, diz.

Na mesma rua também há um cortiço. Janaína da Conceição, 27 anos, é morado-ra do lugar e estava com as duas filhas na calçada esperando o marido, que retornava do trabalho. “Eu moro aqui há uns 2 anos

e sempre foi assim, essa gente toda se dro-gando, dia e noite. Mas eles respeitam, não mexem com a gente. Quando as crianças passam na rua, eles até avisam uns aos ou-tros que tem criança no lugar. Mas mesmo assim, não tenho como deixá-las livres por aqui, tem que estar sempre de olho”. Quan-do questionada sobre as dificuldades de morar no local, ela se limita a responder: “não tem outro jeito, né?”.

Enquanto isso, um grupo de policiais fazia uma busca dentro de um antiquário daquela rua, após receberem um chamado de denún-cia. O policial militar Camilo, à porta do local, afirma que: “de qualquer maneira, não adian-ta prender o traficante se nada além disso é feito na região. É preciso muito mais para melhorar isso aqui”. Há oito anos trabalhan-do na Cracolândia, ele afirma que a vigilância efetiva é feita pela Guarda Civil Metropolitana, sendo que a Polícia Militar só atua quando re-cebe algum chamado. “A gente precisa cobrir todas as áreas e ocorrências, aquilo que a Pre-feitura considera como prioridade. Não tem como ficar aqui toda noite”.

pROJETO NOVA LUZÉ justamente essa realidade que o projeto Nova Luz, criado pela prefeitura de São Paulo, propõe transformar dentro dos próximos 15 anos. Concebido em 2009, suas atividades foram iniciadas somente em junho de 2010 e tem como objetivos promover a revitaliza-ção de seus prédios históricos e todo o espaço público, melhorar a infraestrutura e impul-sionar o comércio – em especial, de produtos tecnológicos – presente na região. A iniciativa também compreende a instalação de escolas, creches, parques e unidades de moradia po-pular. “A ideia é que a Nova Luz torne-se um espaço que seja ocupado e aproveitado 24 horas por dia, 7 dias por semana”, declara Érica Munhoz, assessora da Coordenadoria Geral de Imprensa da Prefeitura.

A questão, no entanto, é um pouco mais complexa quando analisada da maneira prá-tica: segundo a consultora de imóveis Wanda de Britto, da imobiliária Souza & Reis, “o metro quadrado de um imóvel na região central, como República e Santa Ifigênia, custa em média R$ 4 mil. Enquanto em Moema, na zona sul, o custo

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gira em torno de R$ 5 mil. Logo, fica difícil não desvalorizar o centro da cidade, visto a quanti-dade de problemas lá existentes”.

Para o antropólogo Daniel De Lucca, as motivações do projeto Nova Luz vão além das melhorias estéticas: elas também são econômicas e políticas. “A presença dos usu-ários de droga desvaloriza bastante a região. Por mais que um deles dificilmente vá ferir ou matar alguém, a existência deles é vista como uma ameaça à nossa vida. Portanto, seguindo esta lógica, manter-los longe é manter-nos seguros”, afirma ele, que acredi-ta que a iniciativa é uma medida de expulsão dos dependentes químicos e que, provavel-mente, não será bem sucedida.

Lucas, gerente da loja de calçados Clóvis, afirma que “por causa desses projetos da Prefeitura, acabou aumentando o número de usuários aqui. Eles migraram da região da rua dos Gusmões e vieram para a Luz. O pessoal que consome drogas só foi de um lugar para o outro”.

Paula Ribas mora há 37 anos na Santa Ifi-gênia e é presidente da AMOALUZ (Associa-ção de Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e Luz). Segundo ela, as negociações com a Pre-feitura estão em um momento crucial, já que as audiências públicas aconteceram nos dias 28, 29 e 30 de setembro, em São Paulo. “O que nós queremos é incluir demandas sociais no projeto. Tem que haver planos para a saúde pública, mais escolas com atividades para esse povo, se preocupar com as pessoas”.

O foco da associação são os moradores e comerciantes da região: “Não somos contra esses projetos, muito pelo contrário. Mas que-remos a garantia de que quem está aqui não vai precisar sair, de que não vai ter desapro-priação. Até agora o projeto é um trator que passa por cima dos mais fracos e se não for-mos fortes e resistentes, ficamos para trás. É absurdo ter que ouvir que só começaremos a ter melhorias dentro de 15 anos!”, indigna-se.

é DE LEIA ONG É de Lei existe desde 2001 e surgiu da união entre professores da Pontifícia Uni-versidade Católica (PUC-SP) e do núcleo de estudos da Universidade de São Paulo (USP), há 12 anos. Desde 2002 eles realizam traba-lhos com usuários de crack. Uma das ações mais polêmicas e que chamou a atenção foi a distribuição, sob comando de um projeto piloto do Ministério da Saúde, de cachimbos de madeira àqueles que utilizam a droga. “Na redução de danos a gente tem que ouvir o usuário, entender o que ele quer, chamar ele pra junto”, afirma Thiago Calil, o Thika, psicólogo e um dos líderes do centro de con-vivência da ONG. No entanto, os cachimbos não foram bem recebidos, já que inviabili-za a raspagem da borra (resina), que é uma parte mais forte do crack que fica acumu-lada no fundo. “A raspagem é uma cultura de uso, assim como o compartilhamento do cachimbo”, diz Thiago.

O cachimbo usado normalmente é feito de antena de carro, um redutor eletrônico

com um plástico em volta. O material supe-raquece, provocando fissuras e feridas na boca, que viram porta de entrada para uma série de doenças. A ideia do novo projeto era de minimizar esses danos, método já utili-zado na França há alguns anos. “Embora não tenha dado certo, foi interessante porque abriu uma porta pra gente, eles entenderam melhor a proposta da redução de danos. Ti-vemos a ideia de criar uma piteira de sili-cone e fomos incentivando cada um usar a sua”, lembra Thiago. Além disso, também são distribuídas embalagens com manteiga de cacau, para tratar os ferimentos bucais. Nem todos utilizam os novos métodos, mas o psicólogo confirma que tais medidas já surtem algum efeito.

A polêmica ficou por conta de declara-ções de Andrea Matarazzo, então secretário das Subprefeituras de São Paulo e um dos idealizadores do projeto de reurbanização do centro da cidade. Ele afirmou que a políti-ca de redução de danos é um dos caminhos, mas não como vem sendo feito pela É de Lei, algo que ele classifica como “absurdo”.

“A galera entende que a gente tá incen-tivando o consumo, fazendo apologia. Mas, na verdade, o que temos é uma construção junto com o ministério e com os usuários. Tudo o que a gente faz é ligado à Secretaria

da Saúde. A redução de danos não é contra nada, apenas contra a internação compulsó-ria. Nós somos apenas mais uma estratégia de atenção com o usuário. As questões so-ciais que envolvem o uso trazem muito mais danos do que o uso em si.”

Desde 2008 a Prefeitura vem desenvol-vendo um programa voltado exclusivamen-te ao tratamento dos dependentes, com a ajuda de agentes de saúde. Desde então, foram inseridas na região 27 Equipes Espe-ciais de Saúde da Família, que se dedicam apenas ao atendimento de moradores de rua, com o objetivo maior de convencê-los a aderir ao tratamento da dependência. Esses profissionais atuam nas ruas da região cen-tral, todos os dias, incluindo feriados e fi-nais de semana, das 10h às 22h.

“Nos últimos dois anos, mais de 4 mil pessoas saíram das ruas e foram encami-nhadas para tratamento médico. Nesse tempo também foi inaugurado o Serviço de Atenção Integral ao Dependente, que tem capacidade para atender 500 pessoas por ano”, afirma Michele Scarasati, assessora de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde. Além disso, os dependentes quí-micos também contam com 237 leitos con-tratados pela Prefeitura em comunidades terapêuticas privadas.

GUILHERME BURGOS

Portas de antigas construções na Cracolândia carregam pichações contra o uso do crack

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CONTOTEXTO HELENA LORGA (3º ano de Rádio e TV)

IMAGEM PETRUS LEE (2º ano de Jornalismo)

COMO O MUNDO é estranho e contraditório. Outro dia estava Clarice dentro de um ônibus, quando ouviu duas mulheres conversando preocupadas sobre o fim do mundo que, segundo elas, ocorreria em 2012. Clarice achou muito engraçada toda essa apreensão. Primeiramente, ela tinha dezessete anos, era negra e morava numa favela de São Paulo, sendo que teve de abandonar a escola para poder ajudar a sustentar a família. Todos os trabalhos que conseguia eram bem simples, ganhava pouco e ainda sofria um grande preconceito. Ou seja, para ela, o mundo já havia acabado há muito tempo, sendo que a sua única felicidade era saber ler e escrever, pois acreditava que isso, um dia, poderia fazer uma grande diferença em sua vida.

Assim, a garota resolveu dar-se um tempo para pensar nessa situação, imaginando como poderia ser o fim do mundo para a humanidade. Contudo, a menina já não tinha tanto temor quanto o resto das pessoas, pois, para ela, o fim do planeta já estava ocorrendo há um bom período. Bastava ser realista e ver tudo o que o homem já havia causado a Terra. Ela via essa situação observando a própria vida naquele momento, e via que tudo ao seu redor já estava destruído e acabado, desde o lugar aonde mora, até a vida das pessoas com quem convivia. Desse modo, ela se perguntava: O que ainda há de bom nas pessoas? O que ainda há de bom no mundo? Eram tantos os problemas e hostilidades que vinham na sua cabeça que era irônico se preocupar com o “Fim do Mundo”.

Clarice, porém, começou a ser um pouco mais otimista e a se perguntar como se podiam mudar as coisas, pois há o ditado que diz que “para tudo se dá um jeito”. Aliás, se o homem é, em grande parte, culpado de toda essa situação, então ele também tinha capacidade de revertê-la. Mas como? E o seu futuro, será que também tinha jeito? Quem sabe se com todas essas respostas o mundo o mundo pudesse realmente melhorar e a ideia de fim de mundo deixasse de existir.

Pois é, mas esse otimismo acabou quando Clarice chegou em casa. Com a chuva forte, o seu barraco de madeira havia desabado e toda a sua família estava na rua, sem lugar para passar a noite e sem ter o que comer. A menina chorou muito, juntamente com os seus pais e irmãos, porém já não havia o que fazer nesse caso. Assim, eles foram passar a noite debaixo de um viaduto e, no dia seguinte, tentaram reconstruir as suas vidas a partir do zero, pois, infelizmente, o mundo ainda não havia acabado.

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Ícone do teatro do absurdo, Samuel Beckett constrói

sua obra literária sobre a ruína humana e as

impossibilidades da palavrarisono fim, o

LITERATURATEXTO AMANDA MASSUELA, MARIANA MARINHO (1o ano de Jornalismo), GABRIELA

SÁ PESSOA, PATRÍCIA HOMSI (2o ano de Jornalismo) e JAQUELINE GUTIERRES (3o ano de

Jornalismo)

IMAGEM JEAN CHARLES MANDOU (REPRODUÇÃO)

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o último, pois Godot nunca chega: o estado de espera se repetirá incansavelmente.

Além da impressão de continuidade, as repetições levam à composição de uma espécie de partitura musical. Certa unidade é concebida por meio da construção de refrãos que beiram a musicalidade “Em Esperando Godot há um refrão no diálogo recorrente entre os dois protagonistas, Didi e Gogô: “Vamos embora”. “Não podemos” .“Por quê?”. “Estamos esperando Godot”. Quer dizer, é um refrão, uma ideia, que se repete muitas vezes ao longo da peça”, exemplifica Rusche.

Nos palcos, as peças de Beckett são caracterizadas pela escassez de objetos e recursos. A personagem beckettiana é um ser arquetípico e atemporal, cuja fragilidade é revelada em um palco vazio de acessórios. “Ela tem a coragem de se revelar como um ser delicado que “não sabe”. Um dos pontos de partida de Beckett é o não-saber e a aceitação disso, sem deixar que te imobilize. As personagens nunca param, apesar de tudo, sempre vão em frente”, esclarece Rusche.

Esse movimento contínuo de espera é possibilitado pelo uso que Beckett faz do humor. “Não há como seguir em frente se não houver comicidade. Ela é o que muda tudo na obra do escritor, transformando as personagens. É a capacidade de rir da própria ridicularidade”, analisa o diretor.

Para Andrade, o caráter tragicômico da obra do escritor irlandês é um dos motivos de sua genialidade. “[É genial], pois há uma capacidade de rir de si mesmo, do riso puro, que se mescla com a sensação de tragédia uma dose de humor”, explica.

LINGUAGEMO fracasso e o humor estão presentes no uso das palavras. “Beckett busca mostrar que o esforço heróico de domínio da linguagem de intervenção, que cria o sentido do mundo, pode ser patético e está fadado à falha”, diz Andrade. Sua forma é mais experimental, o que implica na destruição do enredo e do desenvolvimento de personagem. A aposta na simetria e nos diálogos não avançam, desconstruindo tempo e espaço.         “Há migrações de voz, o que causa confusão entre os níveis de enunciação”, ressalta Andrade. Para ele, essa crise proposital é o que torna a obra tão interessante. “Os personagens são narradores, o mundo é mal percebido e, quando ele é traduzido em linguagem, é mal escrito”. Apesar de aparentemente falho, o papel das palavras em Beckett é mostrar a impossibilidade em traduzir fielmente a realidade. “Toda linguagem é uma produção imperfeita e insuficiente do mundo, assim como a reconstrução da experiência”, conta Fábio de Souza Andrade.

A palavra, assim como toda a obra do dramaturgo, tem o poder de tocar no íntimo do ser. A experiência audiovisual beckettiana consegue espremer do simples uma tocante densidade. Beckett assemelha sua obra às experiências intensas que só podem ser vividas e não descritas. Ao falar do que restou do ser humano em um mundo que já chegou a uma espécie de fim, Samuel Beckett eterniza a capacidade do homem continuar além da exaustão: de conseguir encontrar, no fim, o riso.

O ator Nivaldo Todaro, na peça Fim

de Jogo (1997)

O QUE RESTARIA do ser humano após o fim do mundo? Para o dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989), um dos nomes centrais na literatura do século XX, sobraria apenas a capacidade de continuar raciocinando diante da tragédia.

O mundo, segundo Beckett, já chegou ao fim. Mas, vale especificar os termos mundo e fim. Ambos dizem respeito ao colapso do projeto iluminista, cujo principal catalisador

foram as duas Grandes Guerras. “Beckett vem no fim de um ciclo de história européia e ocidental. Do ponto de vista artístico, num momento de esgotamento dos sonhos e do otimismo burguês”, explica Fábio de Souza Andrade, professor de Teoria Literária da Universidade de São Paulo, autor do livro Samuel Beckett: o silêncio possível (Editora Ateliê, 2001) e principal especialista brasileiro na obra do escritor.

Ele conta que essa sensação de derrota da civilização “é trabalhada a partir das ruínas produzidas na intimidade do sujeito: é ele quem está em ruínas”. Para tanto, continua o professor, Beckett “não precisa falar das guerras diretamente, ainda que haja alusões aqui e ali”.

hOMEMA esta ruína Beckett dedica seus escritos, levando-os à exaustão. É a partir dela que se observa a circularidade presente na obra do escritor. “O fim está ligado ao recomeço. É uma literatura de impasse, de caminhos que se fecham, mas em que há algum progresso”, aponta Andrade. “O fim está no começo e, no entanto, sempre continuamos. Esta ideia forma uma espécie de círculo: fim e início são a mesma coisa”, afirma Rubens Rusche, diretor teatral.

Rusche foi premiado por sua adaptação de Fim de Jogo, de 1996, recebendo o prêmio Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA). Para o diretor, Beckett é “o maior dramaturgo do século XX” e explica que a partir dele “há o nascimento de uma nova escrita cênica, na qual forma e conteúdo estão indissoluvelmente vinculados”.

Assim, para Rusche, o teatro beckettiano nunca é sobre alguma coisa, mas, sim, a própria coisa. Em Esperando Godot, por exemplo, o que se vê não é uma encenação sobre a espera, mas a espera em si. “As pessoas ficam pensando “se eu descobrir quem é Godot, vou descobrir a chave desta peça”, ou “Godot é uma brincadeira com a palavra Deus” [God, em inglês]. Mas a experiência é outra: ela acaba com as suas expectativas. Quando você está dentro daquela peça, você é que está esperando que algo aconteça”, diz o diretor.

O teatro de Beckett pode ser considerado inovador, à medida que rompe com estruturas básicas da dramaturgia tradicional. Beckett elimina do palco qualquer tipo de representação capaz de iludir o espectador, na tentativa de torná-lo consciente de que o teatro não deve ser uma imitação da realidade. Nas palavras de Rusche: “Ele limpa o palco dessas falsidades de representação e mimese. Aqui é o palco, esse cara é um ator e você está num teatro. Eu não estou aqui para te alienar de si mesmo, aqui é a hora da verdade”.

NÃO-SABERNesse exercício de metalinguagem, Beckett muda o foco para o teatro em si, mergulhando o público em um universo no qual a repetição está sempre presente: “Quando a peça termina tudo indica que ela não acabou, ou seja, que aquilo vai prosseguir infinitamente”, destaca Rusche. Em Esperando Godot, por exemplo, o primeiro ato não é de fato o primeiro. Didi e Gogô, os personagens principais, já estavam imersos na espera. Assim, o segundo ato não é

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CINEMA

espetáculo da

“cINema-verdade? PrefIro o cinema-mentira. A mentira é sempre mais interessan-te do que a verdade”. Se a previsão do dire-tor italiano Federico Fellini estivesse errada, então, os aplaudidos filmes-catástrofe que vemos atualmente não teriam se consolidado com tanta força e sucesso de público. Foi na década de 1930 que os primeiros ensaios apo-calípticos tomaram forma, e, posteriormente, isso se refletiria em 1950 com a chegada de seres extraterrestres – passando pelas heca-tombes nucleares em meados dos anos 1970 –, até chegar aos desastres naturais e à crescente preocupação em torno do meio ambiente nas últimas décadas.

Um dos primeiros e mais frequentes epi-sódios históricos representados nas telas de cinema foi o imperialismo europeu do século XIX. A Guerra dos Mundos, filme de 1953 diri-gido por Byron Haskin e baseado no livro ho-mônimo de H. G. Wells, coloca a Inglaterra na eminência de sua destruição ao ser invadida por alienígenas assassinos. “O filme mostra a Inglaterra sofrendo com a invasão de outros países imperialistas, assim como ela havia feito com as nações africanas e asiáticas”, diz Marco Vale, diretor de cinema e professor de Rádio e TV da Faculdade Cásper Líbero. Na versão de 2005, no entanto, Steven Spielberg resgatou o caráter político da obra, mas o con-texto passou a ser o da Guerra do Iraque. Para Christian Petermann, crítico de cinema e co-lunista do programa Todo Seu, da TV Gazeta, “o roteiro do filme soube se preparar para o telespectador que o estaria vendo hoje”.

Mais emblemáticos do que nunca, filmes que abordam o fim dos tempos são verdadeiras jogadas de mestre nas bilheterias mundiais

REPORTAGEM ALINE ROCHA, AMANDA VIANA (1º ano de Jornalismo), ÍTALO FASSIN, RAFAELA CARRILHO e RE-NATA BARRANCO (2º ano de Jornalismo) IMAGENS: 2012 (REPRODUÇÃO/SONY PICTURES)

Em Vampiros de Almas (1956), do diretor Don Siegel, um médico de uma pequena ci-dade percebe que a comunidade está sendo substituída por clones alienígenas sem emo-ções ou sentimentos. A leitura mais conhecida do filme é a de que a ausência de alma nas pessoas seria um retrato fiel da sociedade co-munista, trazendo, assim, a apologia política do medo americano em relação ao avanço so-viético. Porém, para Marco Vale, há um caráter ambíguo na trama que mescla terror e ficção científica. “Existem defensores que falam que esse filme trata do macarthismo. Nesse caso, os clones sem almas representam a socieda-de americana, em que todos são iguais e nin-guém pode ser diferente”.

Ao mesmo tempo em que as invasões alienígenas retratavam a resignação ao so-cialismo da Guerra Fria, a corrida armamen-tista, refletiu o medo materializado na forma da bomba nuclear. Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick, é um dos exemplos que vai se estender durante o período da guerra ideo-lógica até o fim da década de 1980. É a partir dos anos 1990, contudo, que começaríamos a vislumbrar a batalha por sobrevivência da humanidade contra as forças da natureza; já que, com o fim da guerra nuclear e da ameaça de bomba atômica, os americanos partiram em busca de um novo inimigo para alimentar seus roteiros. Surgem, nesse momento, filmes como Independence Day (1996), Armageddon (1998) e Impacto Profundo (1998). Para Peter-mann, a criação desse novo gênero cinema-tográfico mostra que “a indústria comercial

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precisa sempre de um novo monstro, de uma nova doença, de um novo tabu”.

Com a virada do milênio, uma nova onda de filmes apocalípticos começou a invadir as telonas, e a tendência recorrente desse tema fez emergir filmes que focavam na falência do planeta Terra. Para o jornalista e professor Sérgio Rizzo, “há uma combinação de elemen-tos ambientais pseudocientíficos e o temor an-cestral em relação ao fim dos tempos”. Desse modo, espectadores dos quatro cantos do planeta foram embalados pelos intermináveis efeitos especiais de filmes como O Dia Depois de Amanhã (2004), Eu Sou a Lenda (2007), O Dia em que a Terra Parou (2008) e 2012 (2009). Nes-tes casos, assistimos a uma espetacularização da sociedade mundial, onde a fragilidade hu-mana, frente ao perigo praticamente irrever-sível, aguça os sentidos do público-alvo. “O cinema retrata o seu momento e a sua época, porém, os sofisticados avanços tecnológicos e os efeitos mirabolantes proporcionaram uma verdadeira mudança de rumo na indústria ci-nematográfica”, esclarece Dora Mourão, pro-fessora do Departamento de Cinema e Rádio e TV da Universidade de São Paulo.

Todavia, os filmes atuais não se restrin-gem ao apocalipse natural quando querem retratar o fim dos tempos. A Árvore da Vida (2011), de Terence Malick, é um claro exemplo dessa constatação. O longa trata da relação tempestuosa entre pai e filho, comparando o conflito com imagens que se estendem desde o Big Bang até a extinção do mundo. Segundo Rizzo, “A Árvore se integra harmoniosamente

à obra de Terence Malick, formado em Filoso-fia e questionador dos conflitos existenciais. Mesmo depois do fim do universo, ainda res-tará a eternidade”. Vemos, também, obras que estarrecem multidões e que, de alguma forma, transformam gerações de cinéfilos. É nesse lugar, que se encontra Melancolia (2011), do po-lêmico diretor dinamarquês Lars von Trier. A obra traça um paralelo entre a convivência de duas irmãs e a possível colisão de um planeta (que dá nome ao filme) com a Terra. Na trama, passado e futuro permanecem entrelaçados e dão vazão às inquietudes do diretor e da socie-dade; não restando, dessa maneira, um rastro sequer de esperança.

Após a enxurrada de filmes fantasiosos que estão entre os mais vistos no mundo, o impacto que um derradeiro fim teria na vida real repercute de forma totalmente contrária no cinema. Nas telonas, o fim do mundo não apavora, mas chama a atenção; não desconcentra, ele envolve cada pessoa de maneira distinta; não encerra todas as coisas, ele implora por mais. Para Marco Vale, “o cinema explora uma experiência catártica de medos que nos perseguem, que é inerente à nossa própria constituição evo-lutiva”. Próximos ou não de uma bomba nu-clear, de um bando de extraterrestres ou de um meteoro a caminho da Terra, uma coisa não podemos questionar: esses filmes nos transportam para universos nunca antes vi-venciados, mas com a sensação de assistir a um espetáculo de destruição em uma pol-trona confortável e plenamente segura.

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2012, filme da Sony Pictures lançado nos cinemas em

2009, retrata o fim do mundo por desastres naturais

“A indústria comercial precisa sempre de um novo monstro, de uma nova doença, de um novo tabu”

Christian Peterman, crítico de cinema

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ChApéU

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Dos quadrinhos à TV, os zumbis contaminam o imaginário do público. O sucesso da série The Walking Dead mostra quanto o tema está em alta

No caso de uma iNcursão a áreas coNtamiNadas ou de uma fuga, sempre viaje em grupos. o compaNheirismo dará forças para coNtiNuar.

FIQUE ALERTAé esseNcial prestar ateNção aos iNdícios à sua volta que mostrarão se os zumbis estão próximos ou Não. em qualquer caso, teNha uma rota de fuga plaNejada.

NÃO ANDE SOZINHO

REPORTAGEM STELLA VASCO, VIVAN GARCIA (1º ano de Jornalismo) BÁRBARA VANDERLEI, FERNANDO ZORZETTO, GUILHERME ALEIXO e TATIANE ROSSET (2o ano de Jornalismo)ILUSTRAÇÃO ALAN PORTO VIEIRA (3o ano de Jornalismo)

TELEVISÃO

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À PrImeIra vIsta eles podem parecer pessoas normais. Mas a maneira arrastada de andar, o sangue e ferimentos espalhados pelo corpo evidenciam que além da seme-lhança física, os zumbis não têm mais nada de humano. Pelo contrário, eles se movem com o único – e medonho – objetivo de se alimentar da nossa carne. E cuidado, apenas uma mordida e você se tornará um deles. Mas de onde surgiram os mortos vivos?

Grande é o esforço, tanto do cinema como da TV, de livros e quadrinhos, de en-tender como ocorre essa contaminação – e como sair dela vivo. “Zumbis são, desde os grandes filmes de George Romero e além, uma forma de se analisar e criticar a so-ciedade”, conta Leonardo Vicente Di Sessa, cinéfilo e colunista do site HQ Maniacs(www.hqmaniacs.uol.com.br). “O terror se torna pano de fundo para uma crítica dis-farçada que calha perfeitamente com o mo-mento mundial atual: crises econômicas, terrorismo, corrupção e o povo se revoltan-do – às vezes armado – em diversos países. O medo do que o próprio ser humano é capaz é o verdadeiro terror na maioria destas obras”.

O INÍCIOOs zumbis apareceram pela primeira vez em

filmes de terror dos anos 1930 e 1940, como White Zombie (United Artists, 1932). No lon-ga um jovem casal vai ao Haiti, onde planeja realizar o matrimônio na casa de um amigo. Porém, o anfitrião nutre uma paixão secreta pela noiva e contrata um feitiçeiro – interpre-tado por Bela Lugosi, eternizado no papel de Drácula – para ajudá-lo a conquistá-la. Assim, uma magia vodu é lançada sobre a moça, que morre e, quando volta à vida, se entrega ao amor do amigo.

Naquela época, o conceito de zumbi era diferente do que temos agora. A transforma-ção acontecia quando alguém, geralmente co-nhecedor de vodu ou magia negra, conseguia dominar sua vítima. A pessoa em questão morria e ressuscitava como escrava de quem havia lançado o feitiço. Portanto, onde havia um zumbi, havia também quem o controlas-se, e era o mestre quem devia ser temido. Esta crença não existe somente no imaginário da sétima arte. Na Angola, durante a guerra civil, crianças e velhos eram acusados de usar feiti-çaria vodu sob a pena de morte. Logo, menos bocas para alimentar durante o conflito.

Porém, grandes mudanças vieram em 1962, com o filme A noite dos mortos vivos (produzido por The Walter Reade Organiza-tion), de George A. Romero. A história con-

ta como sete pessoas, presas em uma casa rural, tentam sobreviver à primeira noite de ataques dos mortos vivos. Foi nesse longa que se formou a concepção do “zumbi mo-derno”: mortos que voltam a vida, trazendo de volta consigo apenas a fome por humanos.

CONTÁGIOAgora a única dúvida que resta é saber como o contágio começou. Várias foram as explicações, indo de vírus mortal até rea-ção nuclear, que chegaram ao mesmo resul-tado: zumbis. “Com os quadrinhos dos Os Mortos Vivos (The Walking Dead), de Robert Kirkman, o sucesso voltou, mas o HQ não é o grande responsável. No prefácio de Os Mortos Vivos, o autor diz que o quadrinho não é sobre zumbis: “Sobre a convivência humana quando você perde coisas básicas da sociedade, como por exemplo, televisão, água quente e cama. Então, a história tem esse foco da convivência humana”, explica Rodrigo do Santos, atendente da loja de qua-drinhos COMIX.

Rodrigo também observa que os zum-bis dos quadrinhos e das séries são abso-lutamente diferentes. “Os dos quadrinhos são mais tranquilos. Para ser pego por um zumbi na HQ, o personagem tem de ser mui-

ESPERE A POEIRA BAIXARduas coisas são o caos e a violêNcia. permaNeça protegido oNde estiver, faça barreiras e barricadas Nas portas e jaNelas, e aguarde até as coisas se acalmarem. você Não quer ser pego No meio da coNfusão causada pelos saques, histeria em massa e ataques de cadáveres ambulaNtes.

ARME-SEé importaNte arraNjar algum tipo de arma para lidar com as criaturas, seja um pé de cabra, uma espiNgarda ou uma peixeira.

NA VIAGEMmaNteNha-se descaNsado, hidratado e alimeNtado. viaje rápida e sileNcio-sameNte. este é o seu maior truNfo. se tudo correr bem, você deverá sobreviver e eNcoNtrar um local seguro ou um grupo de regate.

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to idiota. Já na TV, não. Eles têm um pouco mais de inteligência”, comenta.

DISSEMINAÇÕESA partir desses conceitos foram desenvolvi-das as mais variadas histórias. Um exemplo é Resident Evil. Tudo começou com um jogo de vídeo game, lançado pela Capcom para PlayStation, em 1996. O enredo conta a his-tória de como um grupo da unidade tática S.T.A.R.S descobre sobre os experimento da Umbrella Corporation com o T-virus, que faz os mortos retornarem à vida. A série rendeu mais de dez jogos, para diferentes platafor-mas, quatro filmes (todos pela Screen Gems), sete livros (da editora Pocket Books) e, em 2011, chegou ao Brasil uma história em qua-drinhos pela editora Wildstorm. Atualmen-te, são as HQs e a TV os maiores propaga-dores da contaminação zumbi, destruindo a humanidade a cada novo produto lançado.

THE WAlKiNG DEADUm dos maiores ataques retratados nos qua-drinhos foi a série The Walking Dead, ou Os Mortos Vivos, na versão em português lan-çada pela editora HQ Maniacs. As revistas começaram a ser publicadas em 2003, uma edição por mês. A HQ fez tanto sucesso que, em 2010, ganhou o prêmio Eisner, conside-rado o Oscar das graphic novels. A histó-ria se passa em um mundo devastado pelo apocalipse zumbi. O personagem central é Rick Grimes, um policial de Kentucky que

estava em coma durante os ataques e que, ao acordar, encontra mais mortos-vivos do que humanos. Grimes resolve ir em busca de sua esposa e filho, estando convicto de que eles estão bem em meio aquele caos, e no caminho encontra os mais diferentes tipos de sobreviventes, cada um com sua técnica pra se manter vivo.

O impacto dos quadrinhos foi tão gran-de que uma série de TV de mesmo nome foi produzida pelo canal americano AMC (Ame-rican Movie Classics), e no Brasil passa no canal pago FOX. The Walking Dead estreou na televisão em 2010, com seis episódios na primeira temporada. O sucesso foi imediato, garantindo uma segunda temporada com 13 episódios, que começaram a ser lançados em outubro deste ano.

Mas zumbis não aparecem na TV somente para comer carne humana e infectar vítimas. True Blood, uma das séries de maior suces-so do canal americano HBO, chegou ao final de sua quarta temporada, na qual os mortos vivos representaram um importante papel. O conceito que achamos aqui é semelhante aos filmes dos anos 1930 e 1940. Na série, os vam-piros, já mortos, começam a ser controlados por um grupo de bruxos que fazem com que os “filhos da noite” cumpram suas vontades. O programa, que conta ainda com lobisomens, fadas, e outras criaturas sobrenaturais, volta a ser exibido em junho de 2012.

Mas o êxito de Kirkman como roteirista de quadrinhos não parou com The Walking

Dead. Em parceria com a Marvel, ele lançou a série Marvel Zombies no final de 2005. Na história, alguns dos maiores heróis da edito-ra acabam sendo contaminados por um vírus zumbi e, em vez de proteger a humanidade, eles começam a comê-la. Cabe aos bons moci-nhos que não foram contaminados lutar con-tra seus antigos amigos, e salvar o que restou do mundo. Os quadrinhos receberam cinco continuações e várias edições especiais. Sendo que em março de 2011 foi lançada a Marvel Zombies Supreme, de Frank Marraffi-no (da minissérie Haunted Tank). Marvel Zom-bies Supreme tem base semelhante à original, mostrando o que acontece quando você mis-tura zumbis e os super-heróis do “Esquadrão Supremo”, grupo de heróis da Marvel seme-lhantes à Liga da Justiça, da DC Comics.

E SE ACONTECER?Você pode não acreditar nos mortos-vivos, mas o Governo dos Estados Unidos acredita. Em março deste ano o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) norte-america-no lançou um guia e um kit de sobrevivência em caso de invasão zumbi. Posteriormente o órgão afirmou que o manual não passava de uma brincadeira. Porém, já estamos às por-tas de 2012, e para aqueles que acreditam no fim do mundo, o alerta do CDC é válido: “Você pode rir agora, mas, quando aconte-cer, você ficará feliz de ter lido isso. Talvez você aprenda uma coisa ou duas sobre como se preparar para uma emergência real”.

E se São paulo fosse invadida por zumbis? IMAGENS PETRUS LEE

Zombie Walk, realizada no dia 2 de novembro de 2011

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O apocalipse bíblico revela aspectos da mentalidade humana. Para o teólogo Paulo Nogueira, o tema “contém ideias que se refletem no nosso mundo”

REPORTAGEM MARIO SANT, YOLANDA MORETTO (2o ano de Jornalismo) e NATHÁLIA HENRIQUE (3o ano de Jornalismo)IMAGEM MARIO SANT (2o ano de Jornalismo)

do PÓao PÓ

“e eIs um cavalo amarelo; e o que estava montado sobre ele tinha por nome Morte, e seguia-o o inferno, e foi-lhe dado poder sobre as quatro partes da terra, para matar à espa-da, à fome, e com a morte natural, e por meio das feras da terra.” Este trecho foi retirado do livro Apocalipse de João presente no Novo Tes-tamento da Bíblia Sagrada. O cenário descrito pelo profeta João pode ilustrar o que vêm às mente do senso comum quando a palavra apo-calipse está em jogo.

Por intermédio de acontecimentos trá-gicos de ordem ecológica, bélica ou social, o apocalipse é comumente associado a ima-gens de catástrofe, destruição, horror e caos.

Denominada apocalíptica, esse tipo de men-talidade deu origem, inclusive, a filmes como O Dia Depois de Amanhã (20th Century Fox, 2004), Guerra dos Mundos (Paramount Pictu-res, 2005) e 2012 (Columbia Pictures, 2009). No entanto, os apocalipses não se referem somente ao fim do mundo e às catástrofes que o antecedem, mas também a uma nova compreensão do divino e da espiritualida-de – além de um novo entendimento sobre mentalidades e a literatura.

Para esclarecer sobre o tema, Paulo No-gueira, doutor em Teologia pela Universida-de de Heidelberg, escreveu o livro O que é apocalipse (Brasiliense, 2008). Paraense de

Londrina, Nogueira nasceu em 1963 e, aos 15 anos, migrou para São Paulo com a famí-lia. Ele também já morou no exterior, como na Alemanha, onde fez o doutorado. Aos 17 anos, começou a estudar teologia em um se-minário presbiteriano.

Hoje, além de lecionar Ciências da Re-ligião na Universidade Metodista de São Paulo, o estudioso é pesquisador sobre apo-calíptica e a relação desta com o imaginário humano. Ele participa da revista eletrônica Oracula (www.oracula.com.br), que articula outros especialistas em literatura bíblica. Em entrevista, ele esclarece alguns misté-rios que cercam os textos apocalípticos.

ENTREVISTA

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Apocalíptica é um tipo de mentalidade. É possível falarmos de uma mentalidade apo-calíptica no cinema contemporâneo, como os filmes de catástrofes, de que o mundo será destruído por marcianos, tsunamis ou bombas atômicas. Já apocalipses se referem a um tipo de literatura e esse nome é totalmente arti-ficial. Os apocalipses não se autointitula-vam assim. Atribui-se por convenção que esse tipo de profecia, de revelação plena do cosmo, do mundo divino e da temporalida-de, é literatura apocalíptica. As profecias desse grupo são próprias do judaísmo he-lenístico, que data dos séculos III e II a.C. até os séculos II e III d.C. O apocalipse de João é relativamente tardio, do final do século I d.C.. Porém, seu apoca-lipse se tornou o mais famoso de todos. Pri-meiro porque ele é o favorito dos cristãos. Além do que o próprio cristianismo passou a ser a religião dos europeus e de toda cultu-ra ocidental. Também existe um lado literá-rio, estético e até artístico do apocalipse de João que o torna mais famoso que os outros.

O que são os textos apocalípticos?

por que devemos continuar lendo os textos apocalípticos?

Em que período essas revelações começaram a acontecer?

São textos de revelação do mundo antigo e do mundo medieval que manifestam, apon-tam ou apresentam dois aspectos. Um deles é o mundo celestial e o mundo divino, onde está a origem do poder. Outro é o futuro, o que irá acontecer, as pragas, as catástro-fes, o juízo final e a restauração do mundo.

Estudar o apocalipse é compreender a mentalidade das pessoas e entender que essa literatura é algo a mais. Ela também pertence ao mundo antigo e ao mundo medieval e tem certa densidade literária e narrativa que só pode ser compreendi-da quando estudada em uma perspectiva mais distanciada. É um tema importan-te para entendermos a sociedade judaica e depois o cristianismo na Antiguida-de e no medievo, mas contém ideias que se refletem no nosso mundo também.

Atribui-se a origem dos textos apocalípticos a uma crise da profecia clássica e da profecia que era voltada para Israel e para Judá, que é a profecia do Antigo Testamento.O primeiro profeta a fazer essas especulações de forma a começar a quebrar o estilo poético da profecia israelita é Ezequiel (séculos V e IV a.C.). É ele quem lança os temas do mundo divino que está cheio de tronos, de poderes, de seres divinos e que depois será explorado de forma mais complexa no livro de Daniel e nos apocalipses de Enoque (século III a.C.), que renovam a perspectiva profética. A partir daí, a profecia não se preocupa mais exclu-sivamente com o destino de Israel, mas sim com o destino cósmico e com a história como um todo e não com a história próxima.

O que são apocalipses, apocalíptica e apocalipse de João? Como podemos separar?

A beleza das imagens, da estrutura literária e a força narrativa do apocalipse de João são muito importantes – a tal ponto que ele pas-sou depois a ser representado pelas artes na estrutura das igrejas ou até mesmo na lite-ratura em obras como A Divina Comédia, de Dante Alighieri.

João leu os profetas bíblicos Ezequiel e Enoque para, em cima de suas revelações, trazer algo novo ou somente reforçou os apocalipses anteriores?

As duas grandes fontes de inspiração para João são Daniel e Ezequiel. Mas não pode-mos falar em leitura no sentido moderno porque as pessoas não possuíam pergami-nhos (eram caros, de circulação restrita a círculos religiosos). Então, temos aí um uso que provém, provavelmente, da oralidade. Tanto que João faz poucas citações propria-mente ditas. O que ele faz são adaptações. É como se ele respirasse a linguagem dos pro-fetas. A semântica e a sintaxe dele provêm dessa literatura profética e apocalíptica.

por que os profetas, com exceção de João, não utilizavam seu verdadeiro nome?

Ninguém sabe exatamente porque, mas exis-tem hipóteses. Quem escrevia um apocalip-se no judaico antigo podia não ter a mesma urgência da chegada do final dos tempos, a mesma consciência do final dos tempos que João. Então, eles se permitiam essa fantasia de não utilizar o nome verdadeiro.Provavelmente, os viajantes celestiais não queriam revelar suas identidades. Depois, como é que volta para o mundo dos huma-nos? E como enfrentar as forças demoníacas? O quê pode ser feito? João, por algum, motivo dispensou essa proteção.João em nenhum momento diz que é apóstolo. Mas a igreja antiga e o senso comum atribuem ao apóstolo João os escritos do Evangelho e do apocalipse. É um erro razoável porque as pes-soas entendem que pra escrever um apocalip-se não podia ser um João qualquer, precisava ser um apóstolo. No Novo Testamento, nós só

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“Apocalíptica é um tipo de mentalidade.

É possível falarmos de uma mentalidade

apocalíptica no cinema contemporâneo,

como os filmes de catástrofes, de que o

mundo será destruído por marcianos,

tsunamis ou bombas atômicas.”

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Quando lemos o apocalipse, último livro da Bíblia cristã, pensamos sempre assim: “puxa, então vai chegar o fim e o fim é a Nova Jerusalém”. Mas a Nova Jerusalém é uma armadilha, porque é uma releitura do Gênesis. As imagens paradisíacas do apo-calipse são: novos céus, nova terra, uma nova cidade e paraíso (há um jardim em frente a Nova Jerusalém onde fica a Árvore da Vida). Você volta para o Gênesis. E, quan-do você volta, tudo pode ficar feliz como era no Gênesis ou tudo pode começar de novo. O apocalipse como releitura do Gêne-sis é uma ressignificação dessa Jerusalém que se desprega da Jerusalém concreta. É a cidade templo. Não haverá mais templo porque Deus habitará no meio deles, ou seja, a própria cidade será um templo.

De onde vinha a credibilidade para as pessoas acreditarem que era um profeta mesmo não utilizando o nome verdadeiro?

O carisma. No mundo religioso, se alguém tem carisma e diz “o senhor me revelou algo”, isso tem um papel de autoridade. João conta que viajou aos céus. Há credibilidade pelo fato de ele narrar em primeira pessoa, mas também pelo fato de que essas visões vêm do mundo celestial. É um universo no qual Deus se revela para as pessoas.

hoje alguns acreditam que o mundo está acabando por conta do descuido com a natureza. Isso é uma coisa que perdura por todas as gerações?

Os apocalipses respondem a todo o mo-mento que vai piorar. É um labirinto de elementos que se repetem, mas que se re-petem aguçando a crise. Eles abriram mão da sabedoria cotidiana. Do tipo “ah, a gente vive numa situação de muita opressão eco-nômica e política, mas a gente toma nossa cervejinha e encontra com os amigos nos finais de semana”. O apocalíptico diz: “não pode ser assim!”.

A crença de que vai melhorar, essa esperança, em algum momento na sociedade é tirada ou já faz parte do sistema?

qual a importância de Jerusalém e da Nova Jerusalém?

Pode ser que as pessoas não queiram ser apocalípticas o tempo inteiro. E chega um momento em que não se consegue mais es-perar este fim. Sempre há uma hora em que a pessoa dá um basta. Quando isto acon-tece, o indivíduo passa a ver alguns pro-gressos na sociedade. Essa é uma possibi-lidade. Mas tem outra que também chama a atenção que a própria crença apocalíptica é cíclica e que as negações da salvação, a ruptura não acontecendo frustram e só re-alimentam o motor da coisa. É a dinâmica dualista que só se alimenta com fracassos. Outra possibilidade é a de virar um leitor estético do apocalipse. O apocalipse é exa-gerado, mas as visões de felicidade dele, novos céus, nova terra, Nova Jerusalém, são muito bonitas.

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 57

temos dois autores de fato, o resto é autoria fingida. Os evangelhos todos são de autorias atribuídas posteriormente.

Para Paulo Nogueira, há um momento em que o individuo dá um basta e passa a ver progressos na sociedade

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58 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 201158 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

Toda religião possui sua concepção sobre o que seria o fim do mundo. Conheça aqui algumas delas

Catolicismo

TEXTO BEATRIZ DE FÁTIMA MARTINS, EDUARDO GONÇALVES (1º ano de Jornalismo), LUCAS PAULINO e MARINA PELLORCA (2º ano de Jornalismo)ILUSTRAÇÕES EDUARDO GONÇALVES (1º ano de Jornalismo) e MARINA PELLORCA (2o ano de Jornalismo) PINTURAS HIERONYMUS BOSCHARTE RENAN GOULART (3º ano de Jornalismo)

Bíblia para os cristãos, a Torá para os judeus, o Corão para os muçulmanos e um chá que proporciona visões apocalípticas para os fiéis do Santo Daime. São diferentes as particularidades, as tradições e os

fundamentos de cada religião. Da mesma forma, cada crença tem uma previsão diferente para o que seria o fim dos tempos.

Direto de Israel, os descendentes hebraicos esperam pelo

Messias, e com ele virá a esperada era de paz. Enquanto isso, Cristo já chegou para as igrejas católicas e protestantes – agora só resta aguardar para que ele retorne. Para o Islã, o fim não será nada sutil – afinal, a crença é de que o mundo se achatará e será coberto por batalhas. Se cenários de caos assustam, há alternativa: os adeptos do Daime estão sempre em um processo de purificação, sem aparente necessidade de uma hecatombe.

SALvE-SEQUEM PUDER!

O espiritismo tem como princípio básico a imortalidade do ser, sendo a reencarnação um dos conceitos mais conhecidos. Assim, o fim do mundo propriamente dito não existe. Quem segue a religião acredita numa grande transformação da Terra, que deixaria de ser um planeta de expiação para se tornar um planeta de regeneração rumo à condição de “planeta de felicidade”. “Não serão apenas os cataclismas físicos que sacudirão a Terra, mas também os de natureza moral, social e humana que assinalarão os dias tormentosos que já se vivem”, explica André Luís Nascimento Pereira, palestrante e professor do Centro Espírita Maria e José. “A transformação será coletiva e individual, os lares sofrerão as dores morais das perdas materiais e afetivas.” Ou seja, o fim do mundo se aproxima, porém este se refere ao fim das iniquidades e das tragédias. O que vem por aí é um mundo melhor, onde somente pessoas de bem estarão presentes. E mesmo que a morte nos atinja, não há o que temer: “é apenas uma mudança de dimensão nesta mesma Terra”, ressalta André.

A Igreja Católica Apostólica Romana possui mais de um bilhão de fiéis espalhados por todo o planeta. Sua doutrina atual faz crer que o mundo não durará para sempre, mas não estabelece um momento certo para o apocalipse. “Já existiram diversas crenças dentro da Igreja, mas atualmente somos serenos quanto a isso. Cremos no fim do mundo anunciado por Cristo, mas não levantamos questões sobre isso e nem imaginamos datas e locais”, explica Antonio Aparecido Pereira, vigário episcopal da Pastoral da Comunicação da Arquidiocese de São Paulo. Para ele, o fim do mundo não deve ser uma preocupação cristã. “Devemos levar nossas vidas normalmente. Na virada do milênio surgiram estes mesmos boatos, responsáveis apenas por espalhar pânico e desespero”. Para o padre Norberto Tortorelo Bonfim, da Arquidiocese de Campinas, o apocalipse não seria uma destruição total. “Há uma promessa do Pai de que ele nunca eliminaria o mundo. Entretanto, nós homens temos uma passagem: não viveremos aqui para sempre e por isso dizemos que já estamos na última hora”. Tortorelo interpreta que “a era final do mundo já chegou para nós que aqui estamos e devemos agir com os princípios corretos para sermos merecedores do novo mundo”.

Espiritismo

RELIGIÃO

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O fim dos tempos para os judeus pode ser encarado de diversas formas e as interpretações são, por vezes, contraditórias. O Talmude, registro que alicerça leis e rituais judaicos, determina uma duração de seis mil anos para o mundo. Calculando pelo calendário hebraico, o dia final chegaria ao ano de 2239. No entanto, para muitos esta contagem é simbólica. “O fim do mundo ocorrerá, mas não adianta ficarmos esperando”, conta o rabino Shmuel Besser.O judaísmo não pensa em um fim catastrófico para a humanidade. Grandes transformações trariam harmonia e universalizariam a crença em um único Deus. “O que esperamos ver não é o fim do mundo propriamente dito, mas sim uma nova fase de bondade na Terra com a chegada do Messias”, explica o rabino Dov Comeroi, da Beit Chabad Central, associação israelita beneficente.Crenças hebraicas também dão conta de que, neste novo tempo de harmonia, os judeus exilados se reuniriam em Israel, que derrotaria todos os seus inimigos. É esperado um milênio marcado pela paz e pelo verdadeiro encontro com Deus.

Judaísmo

Para a comunidade evangélica, a teoria do final dos tempos fundamenta-se principalmente no livro bíblico conhecido como Apocalipse, escrito pelo discípulo João enquanto estava exilado na Ilha de Patmos, na Grécia.A obra divide o fim do mundo em três partes: arrebatamento, tribulação e grande final. “Primeiramente, a Igreja será levada aos céus e os mortos ressuscitarão dos seus túmulos. Em seguida, o reinado do Anticristo dominará o mundo durante mil anos. O grande final se estabelecerá com o regresso de Cristo à Terra e sua vitória diante das forças malignas do demônio”, explica Stepan Pilavjian, pastor da Igreja Filadélfia. O final traria, então, a eternidade para todas as criaturas: umas no inferno, outras no paraíso.

Protestantismo

“De acordo com o Alcorão Sagrado, chegará o dia em que uma grande batalha nos atingirá e até os mortos irão se levantar para guerrear. Nesse dia, as montanhas se nivelarão e a Terra ficará completamente achatada. Será um verdadeiro Deus nos acuda.” Assim é descrito o final do mundo pela muçulmana convertida Edivalda Xavier Lucena, que trabalha na Mesquita do Brás, em São Paulo. Nascida católica, tornou-se evangélica e, por fim, converteu-se ao islamismo. Convicta de sua religião, veste-se de acordo com a cultura islâmica e acredita, principalmente, na tolerância entre todas as religiões. Os muçulmanos aguardam a chegada do seu último profeta, que os salvará da grande batalha dos últimos tempos contra o povo considerado infieldiante de Alá (Deus, na língua árabe). O nome desse profeta, por mais espantoso que seja, é Jesus. Não há uma data específica para o fim do mundo, porém os sinais dos tempos revelam que ele está próximo. “Os descendentes do profeta relataram 1500 anos atrás que chegaria uma época, quando estivéssemos próximos do final, em que um homem falaria com seu irmão, do outro lado do mundo, se vendo e se falando”, relata Lucena. Extremistas acreditam que a internet seria um dos sinais do fim. “Estamos muito próximos. Nossos rios estão poluídos, nossos mares viraram depósitos de lixo, há tantas catástrofes climáticas. O que mais poderá acontecer?”, completa.

Islamismo

Surgida por volta de 1930, a religião do Santo Daime foi fundada pelo maranhense Raimundo Irineu Serra. Caracterizada principalmente pelo uso da bebida psicoativa Daime, antigamente chamada pelo nome de Ayahuasca, seus conceitos beiram o sincretismo, reunindo elementos do cristianismo popular e crenças de origens amazônicas. A religião baseia suas crenças nos hinos que seriam recebidos por alguns dos líderes sob o efeito da bebida psicoativa. Em meio a esses cantos, podem ser encontrados elementos ligados a uma ideia quase apocalíptica, mas principalmente relacionada ao futuro do grupo e do indivíduo religioso em si. O conjunto no qual é possível achar tais referências é denominado “Nova Jerusalém”. Os adeptos estão inseridos em um contexto de mudança com a dispersão dos fiéis para uma nova terra, simbolizando o abandono da cidade de Rio Branco, no Acre, ou seja, da matéria. A caminho do interior da Amazônia, estão buscando, portanto, uma vivência mais pura. O então chamado “momento do apuro” relacionava essa saída com a sobrevivência dos que seriam mais puros de alma. Segundo Sandra Lucia Goulart, estudiosa da religião do Daime e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para os fiéis era “algo próximo de um momento de limpeza, depuração, ligado a interpretações relacionadas ao apocalipse, que, inclusive, implica em um renascimento”.

Santo Daime

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MASSACRES

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VIDEOGAMES

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Games, como Fallout e Deus Ex: Human Revolution, oferecem aos jogadores diferentes experiências de fim do mundo, seja antes ou depois

LANçADA EM 2000 pela Maxis, a franquia The Sims é conhecida pela capacidade de si-mular situações cotidianas - principalmen-te o comportamento humano. O criador da série, Will Wright, até costuma dizer que as pessoas, depois de jogarem os Sims, “mudam sua percepção do mundo ao redor, além de verem sua cidade, casa ou família de uma maneira diferente”. Porém, tais jogos se limi-tam ao microuniverso das relações sociais.

Desde o início, na década de 1970, quan-do criaram o considerado primeiro game da história, Tennis for Two, os jogos seguem a condição de emular uma partida de tênis. Com o tempo, as plataformas e a jogabili-dade se desenvolveram, criando novos for-matos como o First Person Shooter (atirador em primeira pessoa ou FPS) e o RPG (Role Playing Game ou jogo de interpretação de papéis).

Dessa forma, não seria difícil experi-mentar o gostinho do fim do mundo em um game. Seja quando a Terra é destruída por um desastre atômico, como em Fallout (Black Isle Studios, 1997) ou pela própria condição humana, em Deus Ex: Human Revolution (Eidos Montreal, 2011). “Estes dois jogos mostram uma visão catastrófica do futuro, mas cada um à sua maneira. Todos tratam do medo da tecnologia sair do nosso con-

REPORTAGEM ROBERTO FIDELI (2º ano de Jornalismo), FERNANDO GONzALEz, LEONARDO AVILA e LIDIA zUIN (4º ano de Jornalismo)ARTE RENAN GOULART (3º ano de Jornalismo) | IMAGENS DIVULGAÇÃO

trole”, explica Thais Weiller, game designer na Loopix, empresa de desenvolvimento de plataformas de entretenimento, promoção e comunicação online.

Para Luis Tocchio, mais conhecido na in-ternet como Kao “Cyber” Tokio, falar do fim do mundo é “uma maneira de apresentar nossa pequenez e finitude, mostrar que não somos nada a não ser um grão de areia no universo”.

Além dos dois jogos citados anteriormen-te, Kao menciona Doom (id Software, 2003) e Resident Evil (Capcom, 1996), que são mais alternativas apocalípticas nos games. “Eles propõem nossa luta contra os demônios, como no caso de Doom, e criaturas bizarras pseudo-zumbis, em Resident Evil. Por exem-plo, à medida que a Resident Evil avança, temos a sensação de que a Corporação Um-brella, empresa responsável pela criação do ‘vírus zumbi’, perdeu completamente o con-trole sobre o projeto”, comenta.

FAllouT Em Fallout (Black Isle Studios, 1997), o mun-do se encontra devastado por uma guerra nuclear travada entre os Estados Unidos e a China, no final dos anos 1950. “O jogo tem uma das abordagens mais interessan-tes e inteligentes sobre o fim do mundo. Podemos entender Fallout como um RPG

Para jogarFaLLoUT: NEW VEgaSPC / PS3 / X360

Produtora: Obsidian EntertainmentDistribuidora:Bethesda SoftworksAno: 2011

dEUS Ex: hUmaN rEVoLUTioNPC / PS3 / X360

Produtora: Eidos Interactive Distribuidora:Square EnixAno: 2011

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pós-apocalíptico, isto é, você encarna um personagem numa realidade após o fim do mundo”, explica o designer Horácio Corral.

Refugiado em um dos diversos bunkers subterrâneos (vaults), nos quais a humani-dade se abriga após a catástrofe, o jogador deve definir os atributos de sua personali-dade e tomar decisões que influenciarão a maneira como lida com as situações que en-contrará ao longo da história. Depois disso, é hora de sair do ninho, explorar as ruínas da sociedade e cumprir diversas missões que correm paralelamente à trama principal.

Apesar de ter sido criado pela equipe Black Isle Studios, no fim dos anos 1990, Fallout ganhou vida nova quando chegou aos consoles Playstation 3 e Xbox 360, em 2008. “O Fallout 3 teve a sorte de ser publicado por uma empresa famosa por produzir gráficos de altíssima qualidade, a Bethesda, e ter sido transformado em um FPS. Isso, somado ao fato de sair para os consoles de última gera-ção, fez com que ele se tornasse conhecido e desejado pelos gamers brasileiros, interessa-dos ou não em RPGs”, afirma Corral.

A atmosfera devastadora já começa a ser criada na sequência de abertura do jogo, que parte da imagem da válvula de

um rádio antigo e, ao som de I Don’t Want To Set The World On Fire, do quarteto vocal The Ink Spots, a câmera retrocede revelando um cenário apocalíptico composto por pré-dios em ruínas. Tudo temperado com obje-tos pessoais deixados para trás ao longo da guerra, como ursinhos de pelúcia e garrafas térmicas. Trata-se da chamada estética do retrofuturismo, que combina cores, formas e imagens utilizadas na década de 1960 com ideias e conceitos tecnológicos, como rifles de plasma e computadores de pulso.

DEUS EX: hUMAN REVOLUTION Iniciada em 2000 pela Eidos Interactive, a série de RPGs Deus Ex ensinou aos jogadores como videogames poderiam sair dos velhos rótulos de “jogo de tiro” e “jogo de fase”, com-binando a liberdade de decisões dos RPGs e a ação típica dos games de tiro, geralmente mais lineares e truculentos. “Podemos ob-servar uma influência muito forte de William Gibson, na criação do universo, com umas pinceladas de Isaac Asimov e Philip K. Dick”, comenta Thais Weller. O enredo, no entanto, não aborda exatamente o fim do mundo, mas como, em claras palavras, a humanidade po-deria chegar à beira do colapso. E o mais ma-

doom 3PC / XBOX

Produtora: id SoftwareDistribuidora:Activision BlizzardAno: 2004

rESidENTEViL 5PC / PS3 / X360

Produtora:CapcomDistribuidora:CapcomAno: 2009

Cena de Fallout 3, o fim em gráficos de

altíssima qualidade

cabro: pelas melhores das intenções. Lançado em agosto desse ano, para PC,

XBOX 360 e Playstation 3, Deus Ex: Human Evolution segue o ponto de vista de Adam Jensen, um segurança que, depois de um acidente, é forçado a adotar próteses biome-cânicas de última linha e defender os inte-resses de uma companhia cujas pesquisas prometem levar o campo da medicina e o ser humano a novos patamares.

A história do jogo se passa anos antes do Deus Ex original, num momento em que a humanidade está apenas engatinhando no campo da manipulação genética, tema central do primeiro game. Isso, contudo, não impe-diu o avanço do transumanismo, conceito no qual o homem pode se aprimorar física e psicologicamente incorporando aparatos (me-cânicos ou não) em seu próprio organismo.

Mas as coisas não vão muito bem em 2027. O transhumanismo, sustentado pelos gordos cheques das megacorporações, não é a maravilha que parece e há uma razão para impedir seu progresso, a qual vai além do tabu sobre seres humanos serem uma cria-ção divina. Ou seja, não são só os aleijados e enfermos que se beneficiam da tecnologia, mas as indústrias bélicas também estão ex-perimentando próteses em seus laboratórios. No entanto, nem soldados ou civis estão li-vres de doenças relacionadas à rejeição orgâ-nica das peças, por isso acabam muitas vezes irremediavelmente viciados em drogas capa-zes de amenizar o processo.

Nesse sentido, o próprio Adam Jensen é o principal símbolo do fim do mundo. Armado com a última linha em implantes biônicos, o protagonista tem à disposição uma série de habilidades que podem ser ativadas ou me-lhoradas ao longo do game. Desde levantar objetos pesados ou amenizar quedas, o per-sonagem é ainda capaz de utilizar um siste-ma de feromônios que pode levar uma pessoa a concordar com o mais absurdo dos desejos.

Jonathan Jacques-Belletête, diretor de arte do jogo, disse que a mensagem do origi-nal foi mantida na nova edição, “só que tudo piorado”. Ele explica que isso faz parte da estética cyberpunk: “O resultado caótico das escolhas, do individualismo, mostra uma es-pécie de democracia às avessas”. Sua men-sagem final é que extrapolar a capacidade humana e anular suas deficiências naturais pode pôr a perder os instintos básicos que fazem possível criar uma sociedade funcio-nal. O que vai ser do medo, se for possível anular a morte? Do amor, quando for pos-sível dá-lo um basta? Da compaixão, sem as conseqüências? A resposta, segundo o jogo, é nada mais que o próprio fim do mundo.

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OFFLINE

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Cada vez mais as pessoas realizam tarefas cotidianas pela internet, passam grande parte do dia conectados às redes sociais em qualquer lugar que estiverem. Seria o fim do mundo offline?

REpORTAGEM TOMÁS FERNANDES (1o ano de Jornalismo) e FRANCINI VERGARI (2º ano de Jornalismo)

IMAGEM AVATAR (REPRODUÇÃO, FOX FILMES)

vida

em agosto de 2011, cerca de 77,8 milhões de pessoas estavam conectadas durante 69 horas e um minuto. Estes dados foram forne-cidos pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pú-blica e Estatística (Ibope) sobre os usuários e o tempo de permanência na internet. Nesse mesmo mês, entre os dias 17 e 19, acontecia, em São Paulo, o maior evento de cultura de internet do país: o youPIX Festival. Os três dias do evento levaram quase 75 mil pessoas ao Porão das Artes do Parque do Ibirapuera, para participarem de workshops, palestras e debates ligados à internet.

Era um espaço fora da rede para discutir o mundo online. Esse “viver on e offline” é o que se denomina cibridismo, ou seja, o híbrido entre a realidade na web e fora dela. O youPIX é um exemplo disto: as pessoas presentes es-tavam totalmente conectadas por seus tablets, celulares e laptops. Quem não estava lá podia acompanhar tudo por meio de sites com co-bertura ao vivo ou pelo Twitter.

Bia Granja, curadora do evento, defende que “a internet é um repositório infinito de tudo o que existe no mundo e está 24 horas por dia e sete dias da semana à disposição das pessoas. Entretenimento, informação, conhe-cimento, sociabilidade, consumo. Ou seja, a internet tem tudo e é tão interessante quanto a curiosidade da pessoa permite”.

Estar na internet hoje em dia “não é algo controlável, pois ela engloba a maior parte das pessoas, mesmo aquelas que não têm uma conexão, provavelmente terão seu nome presente em algum banco de dados”, articula Caio Túlio Costa, jornalista e con-sultor de novas mídias.

CyBERpUNk “Pouca vida e alta tecnologia” – essa é a defini-ção mais comum sobre cyberpunk, uma ex-pressão artística na qual as linhas divisórias entre a realidade física e virtual parecem cada vez menos claras. Diversos filmes, músicas e

livros foram feitos nos últimos anos dentro do estilo, a maior parte com o pessimismo típico da ficção apocalíptica. Além do cyberpunk, a estética de um fim do mundo além da internet se mostra cada vez mais presente.

O filme que provavelmente vem à cabeça de qualquer pessoa ao ouvir sobre um pro-cesso de cibridismo é Matrix (Warner Bros., 1999), de Andy e Larry Wachowsky. Porém, outro exemplo é O Passageiro do Futuro (New Line Cinema, 1992), de Brett Leonard e Gim-mel Everret. Trata-se da história de um homem que participa de uma experiência em que sua inteligência é aumentada com o do uso de drogas e da realidade virtual. No desfecho, a personagem principal acredita que o último estágio da evolução humana é se transformar em pura energia, resolvendo, assim, tornar-se parte da própria web.

fora da

REDE?

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O filme Avatar (20th Century Fox, 2009), de James Cameron, trata da experiência de transcender o corpo e a própria existência física para tomar outra forma. Esses filmes têm em comum um mundo onde o distan-ciamento entre homem e máquina são quase inexistentes, porém com um ar negativo em todos os casos.

Sobre o assunto, há A Arte do Cibridismo (2009), pesquisa feita pelo jornalista Thiago Carrapatoso para a Fundação Nacional de Artes, que expõe e avalia a arte feita den-tro do contexto de uma vida “cíbrida”. “Não é mais uma escolha estar online como era no passado, hoje é uma necessidade que se impõe a todos”, descreve Carrapatoso. Para ele esse cibridismo é uma tendência natural que deve atingir a todos. “O mundo online é feito no offline, portanto não haveria o

fim da vivência real, mas o fim da distinção entre as duas realidades.”

Rafael Sbarai, jornalista, pesquisador de mídia e editor do site de Veja (Editora Abril), conta que mesmo trabalhando com mídia on-line, ao sair da redação se desliga totalmen-te. Aí estaria a razão de, em sua opinião, não haver a possibilidade do fim do mundo off-line. “Estaremos mais conectados por mais tempo, mas teremos a possibilidade de nos desconectar. Vai depender do consentimento de cada usuário de internet”, pondera Sbarai.

“Profissionalmente, acho mais difícil. Ninguém trabalha sem email, certo?”, indaga Bia Granja, apontando a visão do lado profis-sional. “Mas, do lado pessoal, acho possível e necessário ficar offline de vez em quando – ou sempre, se essa for sua opção”, conclui.

É verdade que alguns costumes que

antes precisavam ser realizados pessoal-mente já podem ser feitos pela internet, como compras, pagamentos de contas e até cursos. Mas isso não quer dizer que as pes-soas tenham deixado de lado o antigo jeito presencial de fazer as coisas, como ir a uma loja escolher e provar roupas antes de com-prar. Elas adaptaram à sua vida essas fer-ramentas que tanto ajudam e economizam tempo (e dinheiro, muitas vezes).

“A vida online é um complemento para a possibilidade de facilitar a sua vida offli-ne. Ela pode substituir algumas operações, não a vida”, enfatiza Caio Túlio Costa. “Nós estamos em um processo grande de trans-formação e esse processo é contínuo e irre-versível, acho que isso faz parte, a tecnolo-gia já faz parte da nossa vida e não há como frear sua capacidade de reinventar”.

O filme Avatar, de James Cameron:

experiência de transceder o corpo

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 63

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w

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ChARGEPOR ANDRÉ SILVA (2o ano de Jornalismo)

- Ah... Anos dourAdos! E quE diA dE sol!

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w

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 65

- sim, JAcquEs, mAs quAl dElEs?

O fim é silenciOsO e inescapável

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ALI NA ESqUINA

66 ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011

váDEBIKE

REPORTAGEM CAROLINE ZILBERMAN, FABRICIO BERNARDES e LUANA MARTINS (2o ano de Jornalismo)IMAGENS GUILHERME BURGOS (3o ano de Jornalismo)

A Bicicletada é uma iniciativa que ajuda a dar voz àqueles que lutam pelo espaço da bicicleta nos centros urbanos. Conheça também relatos da cicloativista Renata Falzoni e sua relação com a causa sobre duas rodas

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BIKESãO PAULO, 26 de agosto de 2011, 18h. Po-deria ser um fim de tarde comum, de uma sexta-feira qualquer. Para alguém dentro de um carro, no pico de um engarrafamen-to tipicamente paulistano, é bem provável que sim. Mas aqueles que não trocam sua bicicleta por motor algum sabiam que não era apenas um dia comum. E como vem se repetindo desde 2002, a última sexta-feira do mês é dia de reunir os amantes da bike na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, no local que hoje leva o nome oficial de Praça do Ciclista. Ou seja, era dia de Bicicletada.

As pessoas vão chegando aos poucos. Na concentração da praça, encontra-se de tudo: tipos de bicicleta, de pessoas e de histórias. No entanto, o objetivo é o mesmo para todos: pedalar nas principais avenidas de São Paulo, estratégia utilizada por cente-nas de ciclistas para reivindicar seu espaço. Sob duas rodas, procuram mostrar aos mo-toristas que a bicicleta também faz parte da mobilidade urbana e deve ser respeitada. “É um lugar bom para fazer amigos e conta-tos. Podemos conversar, brincar na rua e até mesmo sair para algum outro lugar depois. Realmente, é um ambiente bem família”, conta Felipe Centrone, de 21 anos.

pRIMEIRAS pEDALADAS O nome Praça do Ciclista também foi uma conquista dos integrantes da Bicicletada. O batismo popular foi feito em fevereiro de 2006, pelo grupo que participou daquela edição. A partir daí, veio a vontade de ofi-cializar o nome na Prefeitura. Os participan-tes organizaram um abaixo-assinado, cole-tando mais de cinco mil assinaturas. Em 17 de outubro de 2007, então, o nome da praça foi oficializado por meio da Lei Municipal 14.530. A placa com o novo nome foi afixada dois anos depois da oficialização, em 15 de setembro de 2009.

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Na Bicicletada vale todo tipo de

manifestações em prol das duas rodas

O conceito de Critical Mass é chave para entender como funciona a Bicicletada. A Massa Crítica, em português, foi criada no início dos anos 1990, por um grupo da cida-de de São Francisco, nos Estados Unidos. Na época, pessoas envolvidas com a iniciativa passaram a observar o modo como o chinês atravessa a rua para definir o conceito de Massa Crítica. A fim de atravessar a rua, os chineses aglomeram-se até que a multidão seja capaz de parar o trânsito, não impor-tando se o sinal está verde ou vermelho. E é exatamente esse mecanismo de invasão organizada que chamou a atenção dos cria-dores da Critical Mass.

Conforme conta Renata Falzoni, cicloa-tivista e apresentadora do canal pago ESPN, o Brasil também teve sua participação na criação da Massa Crítica, movimento que está presente em diversas partes do mundo. “Algo curioso é a origem do Critical Mass in-ternacional”, introduz Renata.

Tudo começou em 1989, quando Falzoni fundou o Night Biker’s Club do Brasil, grupo que organiza passeios noturnos de bicicleta. Amante da bike desde os cinco anos, ela per-cebeu que pedalar durante a noite poderia ser mais vantajoso e prazeroso, pois o nú-mero de veículos é cerca de 60% menor - e o nível de poluição também é mais baixo. Em 1990, Falzoni começou a colocar o grupo na mídia. E, em 1992, surgiu no Rio de Janeiro o Tuesday Night Bikers, um passeio de bicicleta entre o Leblon e o Museu de Arte Moderna, no Parque do Flamengo, no Rio de Janeiro.

Nessa versão carioca, cerca de 8 mil ci-clistas saíam às ruas, interrompendo o trân-sito da orla nas noites de terça-feira. “Era uma

caos, uma coisa completamente anárquica”, descreve Renata. Nessa época, a TV Globo tinha uma sucursal em Miami e passou a veicular a invasão organizada de bicicletas nas ruas do Rio de Janeiro, chamando a aten-ção de um certo grupo de São Francisco, na Califórnia. “Definiram o Critical Mass, então, vendo o que acontecia no Rio de Janeiro e na China. Há uma pitada brasileira e paulis-tana nessa história e eu tenho um pouco a ver, já que fundei os Night Bikers aqui em São Paulo”, orgulha-se a cicloativista.

CICLOATIVISTA A história de Renata Falzoni com a bicicleta é antiga e anterior ao que está acontecendo hoje, no mundo e no Brasil. Formada em Ar-quitetura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1977, começou a utilizar a bike como meio de transporte por volta dos 18 anos. Um pouco mais tarde, largaria o carro de vez. “As pessoas que pedalam co-meçam a enxergar e questionar o mundo de outra forma. Criam uma consciência ambiental maior e passam a prestar mais atenção em questões como o custo de loco-moção, energia e espaço.”

Logo, em 1996, Falzoni candidatou-se a vereadora pela cidade de São Paulo em prol de políticas públicas relacionadas à mobili-dade urbana, mas não foi eleita. No entanto, sua luta pelo reconhecimento da bicicleta continuou. Em 1998, em nome da campanha “Bicicleta Brasil, Pedalar é um Direito”, per-correu 1.800 quilômetros acompanhada de sua bike, durante dezessete dias, saindo de Paraty em direção a Brasília. A ação se deu como uma reivindicação imediata da execu-

ção do novo Código de Trânsito Brasileiro, que pela primeira vez reconhecia a bicicleta como meio de transporte. Antes da renova-ção do Código, a única placa referente à bici-cleta era a de proibição. “Se você reparar nos cadernos das autoescolas, verá que a quinta placa é ‘Proibido Bicicleta’ e que uma das úl-timas placas é ‘Permitido Bicicleta’. Por quê? Porque foi inserida apenas no Código Brasi-leiro novo”, lembra Falzoni.

MARChA LENTA Em 2002, Renata não participou da organi-zação da Bicicletada, desiludida e “absoluta-mente de saco cheio” da lentidão e falta de ação política. “Até hoje, tenho restrições em relação ao que está acontecendo e procuro não ficar muito perto dos cicloativistas mais jovens para não desanimá-los. Muitos vão desistir, em função da sacanagem que é a política pública brasileira, que não nos leva a sério.” Isso não a impediu de participar do movimento de outra forma. Com uma câme-ra de vídeo, registrou momentos importan-tes do evento e produziu videorreportagens para o seu programa na ESPN, Aventuras com Renata Falzoni.

A pioneira na luta pela bicicleta no Brasil não perde as esperanças, mas acredita que não estará viva para ver as mudanças pelas quais tanto batalhou. “Não há absolutamente nada nem ninguém neste país que tenha como prioridade a mudança no foco da mobilidade urbana”, enfatiza Renata Falzoni. “Não temos a sustentabilidade na pauta. É claro que não podemos achar que nada vai dar certo, mas é preciso ser consciente de que estamos num país extremamente atrasado nesse quesito”.

GUILHERME BURGOS

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Ciclistas se preparam

para mais uma

Bicicletada

ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2011 69

BIChARADA Cada mês, a Bicicletada tem um tema diferente. Em agosto, foi a vez da Bicicletada dos Bichos, em referência ao “mês do cachorro louco”. “Vale levar cartazes, trazer animais, ir fanta-siado, protestar, berrar, fazer apitaço e falar no megafone”, dizia o site oficial (www.bicicleta-da.org). E os participantes obedeceram. Desde aqueles que se maquiaram e foram fantasiados até mesmo quem levou o cachorro na cestinha. Como faz o jornalista Fernando Passarela, de 46 anos, que leva a cadela Princesa em todas as edições das quais participa.

Já João Paulo Amaral, de 24 anos, con-tribuiu erguendo uma bandeira chamativa. No centro, o símbolo hippie de “paz e amor” acolhendo a bicicleta e o carro em seu inte-rior. “Fizemos a bandeira na época do atro-pelamento da Massa Crítica de Porto Alegre, como uma manifestação e um pedido de paz no trânsito. O que simboliza essa bandeira é, basicamente, o compartilhamento. Pode ter ciclovia na cidade inteira, se não tiver-mos noção de compartilhar o trânsito de uma maneira mais harmônica, não chega-remos a lugar nenhum”, explica.

O movimento nunca teve um líder. “Tor-na-se líder aquele que convida outras pes-soas para participar. Ou seja, todo mundo pode ser um”, conta Cibele Tommasini, que participava do evento pela primeira vez. Não existe, também, um percurso pré-definido. Quem está na frente vai guiando os demais, puxando a massa para onde achar melhor.

O tempo era frio, aproximadamente 18oC, e chuvoso, mas isso não pareceu aba-lar o ânimo dos participantes. A saída é sempre marcada para às 21h30, e lá pelas 21 horas já ficava difícil caminhar pela praça, tamanha a aglomeração. Segundo o vetera-no William da Silva, de 31 anos, havia apro-ximadamente trezentas pessoas no local.

Mas nem sempre foi assim. Quando co-meçou, em 2002, a Bicicletada era organiza-da por um pequeno grupo da Universidade de São Paulo (USP) e juntava pouquíssimas pessoas na Avenida Paulista. Em 2004, houve uma pausa e, após retomada em 2006, nunca mais parou.

Até que o dia 22 de setembro de 2007, o Dia Mundial sem Carro, mudou a história do movimento. Naquele ano, a repercussão da Bicicletada na mídia foi grande e a ação ficou famosa. Quem gostava de bicicleta e desejava lutar pelo seu espaço no trânsito, mas não sabia como, viu naquele grupo de no máximo quarenta pessoas, um modelo a seguir. Não deu outra: ao todo, 800 pessoas compareceram naquele dia.

“Foi incrível, não sabíamos o que fazer e como organizar. Estávamos completamente perdidos e bobos. Então, todo mundo se-guiu na Paulista, fizemos a volta até o final da avenida, voltamos e nos reunimos aqui na praça. Mas a gente achava que seriam no máximo 150 pessoas, e vieram 800. Dali pra frente, nunca veio menos de duzentas pes-soas. Cem pessoas foi sempre o mínimo que eu passei a ver depois”, conta William, que participa do evento desde a sua criação.

GUILHERME BURGOS

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TEXTO LÍDIA ROGATTO (4º ano de Jornalismo)

O movimento de globalização, feito qualquer outro momento da História, cria ao mesmo tempo em que destrói. Frente à sempre latente concepção de fim de mundo, talvez a nossa época viva, no entanto, algo ainda mais complexo: a contínua justaposição, e não exclusão, de universos que compõem e decompõem o curso do tempo.

A promessa de um efeito terminal da Terra, senil como os babilônios, tem no perecimento do espaço e do corpo seu alicerce fúnebre. O fenômeno do declínio, a ideia de que em determinado amanhã tudo cessará, está calcada na interrupção de um futuro devido a alguma catástrofe – natural ou não. Entretanto, mais do que projeções exterminadoras (produzidas hoje pelo mercado da science fiction e da cultura pop), pensar o fim do mundo significa profetizar, no presente, e com os ombros arcados sob o peso da tradição.

Tal como a poesia que se apóia no apocalipse a fim de originar, a relação do homem com o pretérito é um exercício calcado no tripé geração, regeneração e degeneração. Pois por mais radical que pretenda ser, é sempre do ontem que o presente imediato se lhe define negligente ou partidário. E assim, da escolha entre os tons de caos ou ordem no que concerne ao ser-estar no mundo, fundamentam-se as questões práticas e abstratas da humanidade.

A escatologia, isto é, a teoria sobre o fim do mundo, pode então ser compreendida como uma utopia que arrisca resolver com o nada tudo aquilo que não é mais conciliável com a milenar noção de vida. Mas o faz, ironicamente, em uma correspondência que jamais foi tão ativa com o exterior e a sociedade. A assolação de referências terrenas, tanto para o que a prevê quanto para o que nela crê, é “apenas” o resultado imediato de um processo cuja maquinação oferece, não raro, mais brilho: o campo das (re)interpretações de experiências no solo do “impossivelmente real” e das coadunações de realidades integradas no todo que se chama Terra.

Como já alertou Laurent Dubreuil, “muitos mundos se pretendem o mundo”. É por isso que as doutrinas de demolição, por mais que se pretendam unívocas e sincronicamente devastadoras, raramente dão conta de extrapolar o grupo do qual se originam – a tribo, a nação, a etnia, a comunidade, o país. A multiplicidade histórica impede a tradução de uma identidade na destruição.

O relativismo pergunta: seriam a cultura da linguagem e a ciência da comunicação justificativas plausíveis para a falta, em nome do pluralismo, de um consenso apocalíptico? Seja qual for a resposta, parece que o fim do mundo real, tal qual o fim do mundo na arte, jamais poderá sê-lo, de fato e completamente, por estar erigido no maior limite da capacidade humana – a língua. Esta, afinal, é o caso e o fato: o mundo. E onde não há este, como elucida Wittgenstein, há apenas silêncio.

escatologia:herança no presente

pONTO DE VISTA

70 ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2011

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“O homemestá fartode mudar a Terra

É tempode que a Terramude o homem”