desmistificar o erro · ao fim de 5 minutos se o indivíduo não for desfibrilhado a probabilidade...

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004 3 J. Germano de Sousa N E D I T O R I A L Desmistificar o erro os tempos da mediatização, a expressão erro médico vulgarizou-se e são muitos os que hoje usam e abusam da sua utilização. A maioria das vezes sem sentido nem razão. É tam- bém muito frequente confundir-se erro médico legítimo com negli- gência. Erros e abusos com repercussões negativas na imagem dos médicos portugueses. A verdade é que o erro legítimo existe. Existe no exercício da medicina como no de qualquer outra profissão. A diferença é que para outros profissionais - muitas vezes exercem sua actividade em circunstâncias bem menos difíceis - parece haver uma estranha com- placência. O conjunto de trabalhos publicados sobre o erro médico, merece reflexão e ajuda a enquadrar e a desmistificar o tema. ecentemente um Hospital SA pretendeu alterar as regras de acessibilidade e equidade dos serviços de urgência, preten- dendo fazer depender a celeridade do atendimento do facto do doente ser ou não titular de determinados seguros de saúde e que, caso o não fosse, seria relegado para mais tarde o seu atendi- mento, tendo os referidos beneficiários dos seguros de saúde prio- ridade neste. Em suma passaria a haver doentes de primeira e doen- tes de segunda. De imediato foi esse hospital avisado que a Ordem dos Médicos não admitiria qualquer discriminação entre doentes a não aquelas que decorressem da gravidade dos casos em apreço. Espero que nunca mais seja necessário voltar a este assunto. segurança dos medicamentos é um bem essencial para a po- pulação de qualquer país. Portugal não é excepção. Por isso há entidades que têm a obrigação de vigiar e garantir a quali- dade desses bens. Mas a questão do medicamento não se esgota no controlo de qualidade. Acima de tudo o medicamento tem que ser prescrito por alguém a quem a sociedade cometeu a obrigação de se preparar convenientemente para esse facto. Isto é, o Médico. Assim, a Ordem dos Médicos não pactuará com qualquer acção que, sem o consentimento do médico, conduza a qualquer alteração da prescrição. Seja essa alteração resultante de qualquer texto legal, ou seja resultante de eventual prevaricação praticada por quem tem obrigação de vigiar e garantir a qualidade dos medicamentos mas que não pode nem deve pretender substituir-se ao médico. A R

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004 3

J. Germano de Sousa

N

E D I T O R I A L

Desmistificar o erro

os tempos da mediatização, a expressão erro médicovulgarizou-se e são muitos os que hoje usam e abusam da suautilização. A maioria das vezes sem sentido nem razão. É tam-

bém muito frequente confundir-se erro médico legítimo com negli-gência. Erros e abusos com repercussões negativas na imagem dosmédicos portugueses.A verdade é que o erro legítimo existe. Existe no exercício damedicina como no de qualquer outra profissão. A diferença é quepara outros profissionais - muitas vezes exercem sua actividade emcircunstâncias bem menos difíceis - parece haver uma estranha com-placência.O conjunto de trabalhos publicados sobre o erro médico, merecereflexão e ajuda a enquadrar e a desmistificar o tema.

ecentemente um Hospital SA pretendeu alterar as regras deacessibilidade e equidade dos serviços de urgência, preten-dendo fazer depender a celeridade do atendimento do facto

do doente ser ou não titular de determinados seguros de saúde eque, caso o não fosse, seria relegado para mais tarde o seu atendi-mento, tendo os referidos beneficiários dos seguros de saúde prio-ridade neste. Em suma passaria a haver doentes de primeira e doen-tes de segunda. De imediato foi esse hospital avisado que a Ordemdos Médicos não admitiria qualquer discriminação entre doentes anão aquelas que decorressem da gravidade dos casos em apreço.Espero que nunca mais seja necessário voltar a este assunto.

segurança dos medicamentos é um bem essencial para a po-pulação de qualquer país. Portugal não é excepção. Por issohá entidades que têm a obrigação de vigiar e garantir a quali-

dade desses bens. Mas a questão do medicamento não se esgota nocontrolo de qualidade. Acima de tudo o medicamento tem que serprescrito por alguém a quem a sociedade cometeu a obrigação dese preparar convenientemente para esse facto. Isto é, o Médico.Assim, a Ordem dos Médicos não pactuará com qualquer acção que,sem o consentimento do médico, conduza a qualquer alteração daprescrição. Seja essa alteração resultante de qualquer texto legal,ou seja resultante de eventual prevaricação praticada por quemtem obrigação de vigiar e garantir a qualidade dos medicamentosmas que não pode nem deve pretender substituir-se ao médico.

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Ficha Técnica

Ano 20 - N.º 42 - Janeiro 2004

PROPRIEDADE:

Centro Editor Livreiro da Ordemdos Médicos, Sociedade Unipessoal, Lda.

SEDE: Av. Almirante Gago Coutinho, 1511749-084 Lisboa

Redacção, Produção e Serviços dePublicidade:

Av. Almirante Reis, 242 - 2.º Esq.º1000-057 LISBOATel. 218 437 750Fax. 218 437 751

Director:J. Germano de Sousa

Directores-Adjuntos:Miguel Leão

António Reis MarquesPedro Nunes

Redactores Principais:Miguel Guimarães,

Rui Nogueira, J. Gil de Morais

Directora Executiva: Paula Fortunato

Dep. Editorial:Paula Fortunato

Miguel Reis

Dep. Comercial:Helena Pereira

Dep. Financeiro:Maria João Pacheco

Dep. Gráfico:CELOM

Capa de: Carlos Rodrigues

Impressão: SOGAPAL, Sociedade Gráfica da Paiã, SAAv.ª dos Cavaleiros 35-35A – Carnaxide

Inscrição no ICS: 108374Depósito Legal: 7421/85Preço Avulso: 1,6 EurosPeriodicidade: Mensal

Tiragem: 32.000 exemplares(11 números anuais)

Ficha TécnicaS U M Á R I O

Ordem dosMédicos

REV

ISTA

3 EDITEDITEDITEDITEDITORIALORIALORIALORIALORIAL

6 INFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃOINFORMAÇÃO

18 ACTUACTUACTUACTUACTUALIDALIDALIDALIDALIDADEADEADEADEADE

I Congresso Nacionalsobre Erro Médicoe NegligênciaUma organização conjunta daOrdem dos Médicos e da Or-dem dos Advogados, estecongresso reuniu profissio-nais das duas Ordens numdebate onde se falou sobre acomplexidade da prática clí-nica, da relação jurídica mé-dico-doente, da responsabili-dade disciplinar, civil e penaldos médicos, etc..

26 Conversas com peritosda Relação médico--doenteReportagem sobre a confe-rência do filósofo MichelRenaud sobre a «pertinênciada bioética numa era derelativismo axiológico», rea-lizada no âmbito do Ciclo deConversas de Bioética, umaorganização da Associação deEstudantes e do Departa-mento de Deontologia, Bioé-tica e Direito Médico da Fa-culdade de Ciências Médicasde Lisboa.

32 Tratamentos discrimina-tórios e desigualdadesnum Estado de Direito (?)Após reunião no dia 27 deJaneiro de 2004, o FórumMédico realizou uma confe-rência de imprensa na sededa Ordem dos Médicos, ondefoi lido o comunicado que orase publica.

34 DISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINADISCIPLINA

Apresentação de três casosdisciplinares ilustrativos deerro, negligência e inevita-bilidade.

46 ÉTICAÉTICAÉTICAÉTICAÉTICA

Erro Médico Evitável

48 OPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃOOPINIÃO

Cuidados paliativos: vidae qualidade, por IsabelGalriça Neto

50 O rescaldo de um con-gresso sobre educaçãoem cirurgia, por ManuelCardoso de Oliveira

52 NONONONONOTÍCIASTÍCIASTÍCIASTÍCIASTÍCIAS

53 CONSULCONSULCONSULCONSULCONSULTTTTTORIA FISCALORIA FISCALORIA FISCALORIA FISCALORIA FISCAL

54 CULCULCULCULCULTURATURATURATURATURA

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6 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004

I N F O R M A Ç Ã O

A Ordem dos Médicos vai, após umprocesso administrativo moroso, emi-tir as novas Cédulas Profissionais. Es-tava previsto tê-lo feito na sequênciaimediata do “censo”, o que não foi pos-sível em virtude de ter havido Cole-gas que ainda não responderam aomesmo, o que impossibilitou a conclu-são célere de todo este processo admi-nistrativo. Entre os que responderamao censo, em muitos casos faltam fo-

t o g r a f i a sactualizadas e al-gumas assinatu-ras clínicas.Para que a emis-são das novas cé-dulas seja exequí-vel, e possam, as-sim, os Colegaster um docu-mento de identi-ficação enquantomédicos, docu-mento esse que

pretendemos que seja imprescindível ànossa identificação enquanto profissio-nais, deverão os Colegas preencher eassinar o impresso distribuído para esseefeito, pela Secção Regional respectiva,e colar no impresso uma fotografia ac-tualizada, elementos que servirão paraa emissão da nova Cédula Profissional.

Pedimos a colaboração de todos osColegas no sentido de tornar este pro-cesso de emissão das novas Cédulas Pro-fissionais, que com certeza concordarãoser, além de necessário, profícuo, o maiságil possível, remetendo para isso os re-feridos impressos nos envelopes distri-buídos para esse efeito.

Novas CédulasProfissionais

O Conselho Nacional Executivo de25.11.2003, deliberou mandatar oselementos da actual Comissão deAvaliação para Admissão por Con-senso na Competência em Emer-gência Médica, para elaboração dedocumento normativo que regu-lamentará a prática da desfibrilha-ção automática externa por nãomédicos. Na proposta aprovadapelo CNE pode ler-se:O desenvolvimento do conhecimentomédico na área da Medicina de Emer-gência, no que concerne à prática daRessuscitação Cardio-pulmonar (RCP),aconselha que deva ser utilizada a desfi-brilhação precoce nas situações de pa-ragem cardio-respiratória (PCR) comritmos desfibrilháveis. A importânciadesta atitude que permite salvar vidasestá consignada no conceito de Cadeiade Sobrevivência. No âmbito da RCP,sabe-se que fora do hospital a maiorparte das situações de PCR acontecempor fibrilhação ventricular (FV) e estasó pode ser tratada com desfibrilhaçãoeléctrica. Em Portugal a desfibrilhaçãoé entendida como um acto médico ecomo tal só pode ser realizada por mé-dicos. Isto dificulta a acessibilidade, nãopermitindo que, em tempo útil, um ci-dadão que sofra paragem cardíaca porFV possa ser rapidamente desfibrilhado.Em muitos países a prática de desfibri-lhação por não médicos está implemen-tada, com a possibilidade da sua utiliza-ção quer por cidadãos treinados e en-quadrados em projecto colectivo devi-damente monitorizado e auditado (porexemplo nos locais de trabalho), querpor técnicos de emergência, tripulan-tes de ambulância, bombeiros, polícias,etc.; ou seja por quem testemunha e/ou socorre em primeiro lugar. Nestescasos recorre-se à utilização de desfi-brilhadores automáticos externos(DAE). Sabe-se também que a possibi-lidade de sobrevivência em situações dePCR por FV diminui 7 a 10% por cadaminuto que passa o que quer dizer que

Desfibrilhação automáticaexterna por não médicos

ao fim de 5 minutos se o indivíduo nãofor desfibrilhado a probabilidade de so-breviver é de cerca de 50% e ao fim de10 minutos a mortalidade pode ser de100%. Por isso a importância da desfi-brilhação efectuada precocemente e emtempo considerado útil. Na maior par-te das vezes não é possível e exequível,por mais rápido que seja o tempo deresposta, ter um médico e um des-fibrilhador junto a um cidadão em PCRpor FV em tempo considerado vital, da-das as dificuldades conhecidas. Desde2000 que a OM tem vindo a ser solici-tada por entidades como o ConselhoPortuguês de Ressuscitação e a Socie-dade Portuguesa de Cardiologia paratomar posição sobre a utilização deDAE por não médicos. A utilização dedesfibrilhação automática externa pornão médicos, em Portugal, fora de umcontexto organizativo estruturado esem controlo médico pode vir a seruma realidade com os riscos e prejuí-zos inerentes a práticas menos qualifi-cadas, por pessoas sem formação ou,porventura, deficiente formação. Porisso, e de acordo com o «estado daarte» nesta matéria, propõe-se que sen-do a prática da desfibrilhação em Por-tugal um acto médico, no caso da desfi-brilhação automática externa possa serdelegada a sua utilização em não médi-cos desde que:• enquadrada em organização que nor-malmente responda a situações de emer-gência (Bombeiros, INEM, Polícia) e ondeexista um médico responsável com re-conhecida experiência nesta área;• a necessária formação seja supervisio-nada por médicos;• só sejam utilizados DAE quando a des-fibrilhação seja efectuada por não médi-cos;• existam registos de todas as utiliza-ções dos DAE e que estes possuam cara-cterísticas que permitam ulterior análi-se desses registos;• que haja permanente controlo de qua-lidade do que se faz.

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8 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004

Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos

I N F O R M A Ç Ã O

A sessão solene em que os Colegas re-cém chegados à profissão, pertencentesà Secção Regional do Sul (SRS) da Or-dem dos Médicos (OM), reafirmaram oJuramento de Hipócrates teve lugar nodia 16 de Janeiro. Presentes estiveramGermano de Sousa, Presidente da Or-dem dos Médicos (OM), Jacinto Simões,Presidente da Mesa da Assembleia Regi-onal da SRS da OM, Pedro Nunes, Presi-dente do Conselho Regional do Sul(CRS) da OM, José Luís Gomes e

“É uma honra para esNos dias 16 e 28 de Janeirorealizaram-se,respectivamente,o Juramento de Hipócratese a Recepção aos NovosColegas da Secção Regionaldo Sul da Ordem dosMédicos. Duas cerimóniasque marcam a entradaoficial dos jovensmédicos na profissãoe na Ordem dos Médicos.

Ordem dos Médicos teve que intervir,para resolver «o problema de cinco co-legas nossos e vossos que foram impe-didos por um director de hospital – in-felizmente médico – de iniciarem o seuinternato com toda a tranquilidade queé de esperar. (...) Considero que quan-do se trata de questões de prepotênciaser médico é uma agravante». O Presi-dente do Conselho Regional do Sul daOM terminou a sua intervenção deixan-do ainda o apelo de que estes médicosrecém chegados à profissão façam vivero Juramento de Hipócrates na sua ver-dadeira acepção: «Quando hoje aqui le-rem este juramento, (...) jurem para den-tro de vós que aceitam ser parte de umacadeia infindável de gente que será dife-rente, que aceitam que os valores da so-ciedade em que vivem se subordinamaos valores de uma universalidade queé transportada neste papel, ao longo deséculos». Os mais de duzentos novosmédicos presentes no auditório princi-pal da Fundação Calouste Gulbenkianreceberam ainda as palavras de incenti-vo de Germano de Sousa: «Ireis perten-cer a um grupo que desde sempre sededicou a cuidar dos outros e isso bastapara sentirmonos realizados e honra-dos». Durante esta cerimónia actuou aTuna da Faculdade de Medicina de Lis-boa.Como «complemento» desta cerimónia,a SRS organizou, à semelhança dos anosanteriores, a recepção aos novos colegas,no dia 28 de Janeiro, um evento onde sepretende transmitir aos jovens médicosa noção de que a Ordem dos Médicos é

Hernani Pinharanda, vicepresidentes doCRS da OM, Isabel Caixeiro, SecretáriaAdjunta do CRS da OM, José Esteves,Vogal do CRS da OM, João Paulo Almeidae Sousa, VicePresidente do Conselho Re-gional do Centro da OM, entre muitosoutros ilustres convidados, nomeada-mente alguns colegas das secçõesdistritais, como sejam Machado Luciano,Presidente da Mesa de AssembleiaDistrital e Fonseca Ferreira, Presidentedo Conselho Distrital, ambos do Distri-to Médico de Setúbal. Foram dirigidaspalavras de incentivo e de boas vindasaos novos Colegas, tendo sido tambémreferido por Pedro Nunes que o cami-nho a percorrer não é isento de dificul-dades, especialmente tendo em contaque vivemos num mundo orientado pe-los valores materiais, mas que o retor-no pessoal inerente ao exercício da me-dicina é, em termos éticos, compensador:«Há algo de comum a todos nós: estesentido de dedicação a um conjunto devalores que estão consignados num có-digo que vão ter a oportunidade de ler(...), a que chamamos ética médica». Naspalavras que dirigiu aos jovens colegas,Pedro Nunes falou do «enorme prazerque foi sempre admitir novos médicos,sentir que iríamos ser continuados – os

mesmos espíritos,nos mesmos de-feitos, nas mes-mas qualidades,com a mesmavontade de fazercoisas bem fei-tas». Num discur-so emocionado,em que PedroNunes não pôdedeixar de referira situação queopôs alguns médi-cos internos aodirector do inter-nato do HospitalCurry Cabral, ex-plicando que a

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004 9

I N F O R M A Ç Ã O

também, e desde já, a sua casa. Uma casapronta a apoiá-los e a ajudá-los mas que,para isso, necessita do seu envolvimento.Nesta cerimónia de recepção estiverampresentes Hernani Pinharanda, em repre-sentação de Pedro Nunes, que não pôdeestar presente em virtude de compro-missos profissionais inadiáveis, Isabel Cai-xeiro e Francisco Madail Rosa (Vogal doCRS da OM).«Boa noite colegas. É uma honra paraesta casa receber-vos. Todos os anostemos o prazer de fazer esta reuniãoque representa a vossa entrada oficialnesta casa, que é tão nossa como vos-sa», foi com estas palavras que HernaniPinharanda iniciou o seu discurso deboas vindas, no qual explicou que o ob-jectivo desta recepção é permitir aosnovos Colegas ambientarem-se e per-ceberem a orgânica da Ordem dos Mé-dicos. Hernani Pinharanda terminou asua intervenção desejando as melhoresfelicidades pessoais e profissionais aosColegas, alertando-os que «nem tudosão rosas» mas que com empenho «cer-tamente vão ser dos melhores entrenós», passando em seguida a palavra aIsabel Caixeiro.Referindo o prazer e satisfação que sen-te ao ver entrar os novos Colegas, Isa-bel Caixeiro apontou a importância cres-cente dos médicos terem a consciênciade quem são, onde é que se posicioname de saberem o que podem esperar ouexigir enquanto profissionais. «Esperoque esta apresentação vos ajude de al-guma maneira a ter esse conhecimen-to». Uma apresentação que começoupor uma análise relativamente ao núme-

ro de médicos existentes, sua distribui-ção por faixas etárias, por sexo e porespecialidades, e que serviu de mote paraIsabel Caixeiro referir um dos proble-mas que os serviços de saúde poderãoter que enfrentar em breve: a falta derecursos humanos na área médica. «Agrande percentagem de médicos situa--se na faixa etária entre os 46 e os 50anos. E são eles que sustentam o Servi-ço Nacional de Saúde. E quando for aaltura da reforma destes médicos?»Porque e importante conhecer o pas-sado para olhar para o futuro, a Secre-tária Adjunta do CRS referiu um poucoda história da Ordem dos Médicos, pas-sando depois a uma análise das atribui-ções da OM (a nível disciplinar, de re-gisto, etc.). Sem querer pormenorizar,Isabel Caixeiro não quis deixar de refe-rir as finalidades essenciais da Ordem:«defender a ética, a deontologia, a qua-lificação profissional dos médicos e tam-bém defender os direitos dos doentes.E esta é uma área importante porque,por vezes, a Ordem é encarada comouma organização corporativa que de-fende apenas os direitos e os interes-ses dos médicos e isso não é verdade. AOrdem dos Médicos está sempre inte-ressada na defesa dos direitos dos do-entes e na saúde da população em ge-ral». Explicando aos novos colegas a es-trutura da Ordem dos Médicos e comoa mesma é composta por órgãosdeliberativos, executivos, consultivos,fiscalizadores e disciplinares, foi feita umaespecial referência aos colégios da es-pecialidade e à sua estrutura, bem comoao Conselho Nacional do Médico In-terno, por dizer directamente respeitoaos recém licenciados em medicina. Fo-ram ainda explicados os quatro cam-pos de actuação mais frequente da Or-dem: o campo político, ético, do exercí-cio técnico e o disciplinar.Isabel Caixeiro tentou transmitir aospresentes nesta recepção que a Ordemprecisa da sua participação para quepossa ter uma actuação importante e

ta casa receber-vos”

que seja reconhecida. Após alertar parao programa de formação proporciona-do pela SRS da OM, Isabel Caixeiro con-cluiu a sua intervenção explicando aosnovos Colegas quais as organizações mé-dicas internacionais onde Portugal estárepresentado, qual a sua estrutura e for-ma de actuação e a importância que anossa presença tem para conhecer a re-alidade dos outros países e para atravésdesse conhecimento sabermos exacta-mente onde é que nos posicionamos.Das organizações referidas, a que des-pertou maior interesse dos jovens mé-dicos foi a PWG, o grupo permanentede trabalho dos jovens médicos, por ra-zões óbvias, tendo as suas dúvidas sidoprontamente esclarecidas.Neste encontro foi entregue aos no-vos Colegas uma resenha de legisla-ção médica, em suporte electrónico,que inclui, nomeadamente, o Estatutoda Ordem dos Médicos, o EstatutoDisciplinar, o Código Deontológico, alegislação em vigor relativa aos inter-natos e alguns pareceres. Este CD foielaborado pelo Departamento Jurídi-co da Secção Regional do Sul.

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10 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Centro da Ordem dos Médicos

Presentes estiveram também Castroe Sousa, Presidente do Conselho Ci-entífico da Faculdade de Medicina erepresentante do Reitor da Universi-dade de Coimbra, Meliço Silvestre,Presidente da Comissão da Luta Con-tra a SIDA, Fernando Andrade, Presi-dente da ARS do Centro, Nuno Freitas,representante do Presidente da Câ-mara de Coimbra, Palmira Pedro, re-presentante do Governador Civil deCoimbra, Miguel Leão, Presidente doConselho Regional do Norte, José LuísGomes, representante do ConselhoRegional do Sul, Nascimento Costa,Presidente do Conselho de Adminis-tração dos Hospitais Universitários deCoimbra e, como convidados, JoãoVasco Ribeiro, em representação daFundação Bissaya Barreto, AntónioVeiga e Moura, Presidente do Conse-lho de Administração do Centro Hos-pitalar de Coimbra, José Morgado, Pre-

«É na defesa do doenteque o médico se realiza»A sessão solene em que os jovens licenciados em medicinada Secção Regional do Centro fizeram o Juramento deHipócrates teve lugar no dia 24 de Janeiro e foi presidida porGermano de Sousa, Bastonário da Ordem dos Médicos. Umacerimónia marcada pelas preocupações que atravessama actualidade médica em Portugal mas também pelaemoção e orgulho inerentes à recepção dos novos Colegas.

sidente do Conselho de Administra-ção do Hospital Sobral Cid, e JoãoPimentel Lavrador, em representaçãodo Bispo de Coimbra.Reis Marques, Presidente do Conse-lho Regional do Centro da Ordem dosMédicos, deu as boas vindas aos jo-

vens licenciados, mas não sem osalertar para as batalhas que terão queenfrentar ao longo do seu percursoprofissional, em defesa dos doentes edos valores humanistas e dos princípi-os éticos inseparáveis do exercício damedicina. Referindo-se ao Juramentode Hipócrates como um acto com umaforte vertente social, «com o sublinhardos valores humanistas» e que «é aafirmação do homem na sua plenitu-de, a defesa do primado do ser socialem detrimento da cultura individua-lista, o sublinhar de uma postura soli-dária em contraponto ao personalismoegoísta», Reis Marques dilucidou que,neste mundo dominado pelas regras

do mercantilismo, «é de assinalar queos profissionais da medicina afirmemuma dimensão fundamentalmente éti-ca». Referindo as dificuldades do Ser-viço Nacional de Saúde e a necessida-de de modernização do mesmo, ReisMarques não quis deixar de assinalaras suas virtudes referindo que o S.N.S.tem «atributos como um maior con-trolo democrático e o não ser pro-motor de lucros monetários» e que,apesar de reconhecer o papel impor-tante da iniciativa privada, não se podeprivilegiá-la «à custa do S.N.S.». O Pre-sidente do Conselho Regional do Cen-tro da O.M. terminou a sua interven-ção deixando alguns conselhos aosnovos Colegas: «Os vossos grandesaliados têm de ser a competência, adisponibilidade, a humanidade, a rela-ção com os vossos doentes. São estesos vectores fundamentais do vossosucesso e neles têm de fundamentar aautêntica provedoria do doente, emque cada um de vós deve transformaro exercício profissional. É na defesa dodoente, como dizem os princípioshipocráticos, que o médico se realiza.(...) Não esperem honrarias ou gran-des proventos. Se têm a ideia que seenriquece a fazer medicina, desiludam--se. Se pensaram alguma vez que comomédicos eram as pessoas mais impor-tantes nos hospitais e centros de saú-de, estavam enganados. Mas prometouma certeza: vão exercer a profissãomais bonita do mundo».

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12 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004

Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

I N F O R M A Ç Ã O

Conferência deImprensa do CRNda Ordem dos Médicos1 - Publicou o Jornal Expresso, no pas-sado dia 20 de Dezembro, a seguintetranscrição de declarações do Presi-dente do Conselho de Administraçãodo Grupo Hospitalar do Alto Minho, apropósito da criação dentro de umaárea específica daquele hospital comcondições especiais, para atender do-entes que não pertencem ao ServiçoNacional de Saúde: «temos que criaras condições para que o segurado sejaatendido mais rapidamente e não sejamisturado com os doentes do SNS,porque isso pode criar transtorno edefraudar as expectativas das segura-doras» e «Os doentes do SNS repre-sentam 90% da actividade. O objecti-vo é reduzir o peso do SNS, aumen-tando o peso dos outros. E isso podefazer-se conseguindo acordos comseguradoras, como fonte alternativa definanciamento».2 - Constata o CRN a transparência,que fala por si, daquele delegado doMinistro da Saúde: a vocação dos Hos-pitais SA não é tratar doentes, mas simarranjar dinheiro. Neste caso à custados que têm dinheiro e à custa dosque não têm.3 - Considera o CRN que a aplicaçãodas medidas anunciadas pelo Presiden-te do CA do Hospital de Santa Luziaprefigura violação objectiva de dispo-sições constitucionais e legais tendoem conta que o Centro Hospitalar doAlto Minho S.A, no qual se inclui oHospital de Santa Luzia de Viana doCastelo, está integrado no ServiçoNacional de Saúde (nº 2 do artigo 2ºdo Decreto-Lei nº 295/2002 de 11 deSetembro).4 - Na verdade, são violadas:• a alínea a) do nº 3 do Artigo 64º daConstituição da Republica: «Para as-segurar o direito à protecção da saú-

Discriminação de doentes no de, incumbe prioritariamente ao Esta-do: garantir o acesso de todos os ci-dadãos, independentemente da suacondição económica, aos cuidados damedicina preventiva, curativa e de re-abilitação»• o nº 6 da Base XII da Lei de Bases daSaúde (Decreto-Lei nº 48/90 de 24 deAgosto): «O controlo de qualidade detoda a prestação de cuidados de saú-de está sujeito ao mesmo nível de exi-gência».• a alínea d) da Base XXIV da Lei deBases da Saúde (Decreto-Lei nº 48/90de 24 de Agosto): «O Serviço Nacio-nal de Saúde caracteriza-se por garan-tir a equidade no acesso dos utentes,com o objectivo de atenuar os efeitosdas desigualdades económicas geográ-ficas, e quaisquer outras no acesso aoscuidados»• o espírito e a letra do Decreto-Lei309/2003, de 10 de Dezembro, quecriou a Entidade Reguladora da Saúde(ERS), designadamente:- a alínea a) do nº 1 do artigo 25º: «Sãoobjectivos da actividade reguladora daERS, em geral: Assegurar o direito deacesso universal e igual a todas as pes-soas ao serviço público de saúde»- a alínea d) do nº2 do artigo 25º: «Pre-venir e punir práticas de rejeiçãodiscriminatória ou infundada de paci-entes nos estabelecimentos e serviçosdo Serviço Nacional de Saúde».5 - Neste contexto, deliberou o CRNoficiar o Senhor Ministro da Saúde nosentido deste accionar a intervençãoda ERS que ele próprio criou para queesta previna e puna as práticas de re-jeição discriminatória atrás anunciadas.O Conselho Regional do Norte suge-re ainda ao Senhor Ministro da Saúdeque contrate, de novo, o Prof. DoutorVital Moreira, com vista à elaboraçãode um parecer jurídico sobre estasdeclarações do Presidente do Conse-lho de Administração do Centro Hos-pitalar do Alto Minho, tendo em contao apreço que Prof. Doutor Vital

Moreira nutre pela ERS e que tem vin-do publicamente a explicitar.6 - O CRN deliberou ainda solicitarao Senhor Provedor de Justiça as ini-ciativas que tiver por bem produzirsobre esta matéria e informa que estacomunicação foi enviada previamenteà Presidência da República, a título in-formativo, tendo em conta as preocu-pações publicamente expressas peloSenhor Presidente da Republica rela-tivamente aos novos modelos de ges-tão hospitalar e que justificaram a pro-mulgação do diploma relativo à ERS.7 - O CRN informa ainda que convo-cou, para prestar esclarecimentos so-bre esta matéria, o Director Clínicodo Centro Hospitalar do Alto Minho.As conclusões obtidas naquela reuniãoserão oportunamente tornadas públi-cas.

Ofício dirigido ao DirectorClínico do GrupoHospitalar do Alto Minho

Ex.mo SenhorDirector Clínico do Grupo Hospita-lar do Alto MinhoTendo em conta o disposto no nú-mero 4 da Base XXXII da Lei 48/90de 24 de Agosto, nas alíneas b) e f)do artigo 13º e nas alíneas e) e n)do artigo 44º do Estatuto da Or-dem dos Médicos, na alínea d) doartigo 4º do Regime Jurídico daGestão Hospitalar publicado pelaLei 27/2002 de 8 de Novembro eno nº 2 do Artigo 123 do CódigoDeontológico dos Médicos, deter-mina o Conselho Regional do Nor-te a comparência de Vossa Ex.ª parauma reunião com o Conselho Regi-onal do Norte da Ordem dos Mé-dicos, a ter lugar na Sede da SecçãoRegional do Norte da Ordem dosMédicos, à Rua Delfim Maia, 405, noPorto, no próximo dia 5 de Janeiropelas 22horas.

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004 13

I N F O R M A Ç Ã O

Com os melhores cumprimentosO Presidente do Conselho Regional(Dr. Miguel Leão)

Ofício dirigido ao SenhorMinistro da Saúde

Senhor Ministro da SaúdeExcelênciaApreciadas as declarações do Presi-dente do Conselho de Administraçãodo Grupo Hospitalar do Alto Minho,ao Jornal Expresso, de 20 de Dezem-bro, («temos que criar as condiçõespara que o segurado seja atendido maisrapidamente e não seja misturado comos doentes do SNS, porque isso podecriar transtorno e defraudar as expec-tativas das seguradoras» e «Os doen-tes do SNS representam 90% da acti-vidade. O objectivo é reduzir o pesodo SNS, aumentando o peso dos ou-tros. E isso pode fazer-se conseguin-do acordos com seguradoras, comofonte alternativa de financiamento»)vem o Conselho Regional do Norteda Ordem dos Médicos requerer aVossa Ex.ª que accione a intervençãoda Entidade Reguladora da Saúde, comvista ao cumprimento da alínea a) donº1 e da alínea d) do nº 2 do artigo25º do Decreto-Lei 309/2003, de 10de Dezembro.Com os melhores cumprimentosO Presidente do Conselho Regional (Dr. Miguel Leão)

Ofício dirigido ao SenhorProvedor de Justiça

Ex.mo SenhorProvedor de JustiçaCom vista à superior intervenção deVossa Ex.ª, vem o Conselho Regionaldo Norte da Ordem dos Médicos le-var ao seu conhecimento as declara-ções do Presidente do Conselho deAdministração do Grupo Hospitalardo Alto Minha, reproduzidas no Jornal

Expresso, do dia 20 de Dezembro eque a seguir se transcrevem: (...)Tendo em conta que o Centro Hos-pitalar do Alto Minho S.A, no qual seinclui o Hospital de Santa Luzia deViana do Castelo, está integrado noServiço Nacional de Saúde (nº 2 doartigo 2º do Decreto-Lei nº 295/2002de 11 de Setembro), a aplicação dasmedidas anunciadas pelo Presidentedo CA do Hospital de Santa Luziaprefigura violação objectiva de dispo-sições constitucionais e legais,designadamente as seguintes:- a alínea a) do nº 3 do Artigo 64º daConstituição da Republica: «Para as-segurar o direito à protecção da saú-de, incumbe prioritariamente ao Es-tado: garantir o acesso de todos oscidadãos, independentemente da suacondição económica, aos cuidados damedicina preventiva, curativa e de re-abilitação»- o nº 6 da Base XII da Lei de Basesda Saúde (Decreto-Lei nº 48/90 de24 de Agosto): «O controlo de quali-dade de toda a prestação de cuida-dos de saúde está sujeito ao mesmonível de exigência».- a alínea d) da Base XXIV da Lei deBases da Saúde (Decreto-Lei nº 48/90 de 24 de Agosto): «O Serviço Na-cional de Saúde caracteriza-se por ga-rantir a equidade no acesso dosutentes, com o objectivo de atenuaros efeitos das desigualdades econó-micas geográficas, e quaisquer outrasno acesso aos cuidados»- o espírito e a letra do Decreto-Lei309/2003, de 10 de Dezembro, quecriou a Entidade Reguladora da Saú-de (ERS), designadamente:- a alínea a) do nº 1 do artigo 25º:«São objectivos da actividade regula-dora da ERS, em geral: Assegurar odireito de acesso universal e igual atodas as pessoas ao serviço públicode saúde»- a alínea d) do nº2 do artigo 25º:«Prevenir e punir práticas de rejei-

ção discriminatória ou infundada depacientes nos estabelecimentos e ser-viços do Serviço Nacional de Saúde».O Conselho Regional do Norte agra-dece antecipadamente a intervençãoque Vossa Ex.ª tiver por adequada eapresenta-lhe os nossos melhorescumprimentos.O Presidente do Conselho Regional (Dr. Miguel Leão)

Ofício dirigidoa Sua Excelência o SenhorPresidente da República

Ex.mo SenhorChefe da Casa Civil de Sua Excelênciao Senhor Presidente da RepúblicaTendo em consideração as preocupa-ções legítima e reiteradamente ex-pressas por Sua Excelência o SenhorPresidente da República relativamen-te aos novos modelos de gestão hos-pitalar (nas quais o Conselho Regio-nal do Norte da Ordem dos Médicosse revê) e que motivaram a promul-gação da legislação referente à Enti-dade Reguladora da Saúde, tomo aliberdade de, previamente à respecti-va divulgação pública, levar ao conhe-cimento de Sua Excelência o SenhorPresidente da República, através dosbons ofícios de Vossa Ex.ª, o texto daConferência de Imprensa relativo àdiscriminação de doentes no Hospi-tal de Viana do Castelo que a seguirse transcreve:(texto reproduzido acima com a epí-grafe «Conferência de Imprensa doCRN da Ordem dos Médicos»)Rogo-lhe que transmita a Sua Exce-lência o Senhor Presidente da Repú-blica os nossos mais respeitosos cum-primentos e os votos de um feliz anode 2004, os quais são extensivos a Vos-sa Ex.ª.O Presidente do Conselho Regionaldo Norte(Dr. Miguel Leão)

Hospital de Viana do Castelo

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14 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

Serviço de Urgência daespecialidade deGinecologia/Obstetrícia

Ex.mo (a) Colega:Tendo chegado ao conhecimentodo Conselho Regional do Norte vá-rios documentos e informações cir-cunstanciadas relativamente ao fun-cionamento da urgência da especi-alidade de Ginecologia/Obstetríciado Centro Hospitalar Póvoa de Var-zim/Vila do Conde vem este Con-selho lembrar a Vossa Ex.ª:1 - O CRN reafirma os princípiosenunciados na carta oportunamen-te dirigida ao Ex.mo(a) Colega eque a seguir se transcreve: (cartapublicada na página 15 da ediçãode Dezembro, sob a epígrafe «Rup-tura da assistência hospitalar a grá-vidas».2 - Tornando aqueles princípiosmais claros importa destacar queum médico que actue reiterada-

mente à revelia das regras da boaprática (definidas pela Ordem dosMédicos) está a assumir, directa epessoalmente, a responsabilidadepelas consequências dos actos quepratica. Exemplificando com umcaso prático, um médico que acei-te praticar actos próprios da es-pecialidade de Ginecologia/Obste-trícia à revelia das normas aprova-das (e que constam da carta acimaidentificada) deve ficar ciente quenão poderá contar com o apoio daOrdem dos Médicos em situaçõesde litígio médico-legal resultantesda sua prática. Deve ficar ainda ab-solutamente ciente que a Ordemdos Médicos será forçada, ainda quea contra gosto, a reconhecer juntodas instâncias judiciais a má práti-ca desses médicos e a suscitar, evi-dentemente, as acções disciplinaresadequadas à punição de actos queviolem o estado da arte.3 - Acresce ainda que, se, por hi-pótese, se vier a comprovar que

Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde

Esclarecimento enviadoaos médicos relativamenteàs suas implicaçõesdeontológicas, disciplinarese penais

Assunto: Consultas médicas por viatelefónica

Ex. mo (a) Colega:O Conselho Regional do Norte daOrdem dos Médicos tem vindo a re-ceber informações díspares, mais oumenos fundamentadas, da existênciade actividades promocionais, mais oumenos organizadas, de várias entida-des, com vista ao aliciamento de mé-

os casos de não cumprimento dasregras de boa prática obedecem aum padrão específico de compor-tamento (como seja o de parturi-entes sistemática e previamenteobservadas em ambulatório seremsistematicamente referenciadas,por e/ou para um determinadomédico, para o serviço de urgên-cia do hospital onde este exercefunções), estarão criadas as con-dições para que se especule sobrea dignidade do comportamentodos médicos envolvidos. Compre-enderá o Ex.mo (a) Colega que es-tas situações (ainda que hipotéti-cas) podem criar especulaçõesmediáticas ou até motivar, funda-damente, a intervenção disciplinarda Inspecção-geral dos Serviços deSaúde e/ou da Ordem dos Médi-cos.Com os melhores cumprimentosO Presidente do Conselho Regio-nal(Dr. Miguel Leão)

dicos para a realização de consultaspor via telefónica. Aquelas actividadespromocionais poderão estar a serfundamentadas em alguns protocolos(de duvidosa legal idade) e aangariação de médicos para tais prá-ticas pode revestir-se quer da ofertade créditos em dinheiro através dechamadas de valor acrescentado, queratravés de créditos em chamadas te-lefónicas, quer ainda através da ofer-ta de telemóveis mediante a celebra-ção de contratos de permanênciapara a sua utilização.Sem prejuízo das conclusões que vie-rem a constar dos pareceres já soli-citados à Procuradoria Geral da Re-pública e à Direcção Geral das Con-tribuições e Impostos, o CRN da Or-

dem dos Médicos leva ao seu conhe-cimento que:1 - O Conselho Nacional Executivoaprovou, em 13 de Março de 2001,uma deliberação referente a «Acon-selhamento Telefónico» cujo aspectoessencial se transcreve: «Assim, umaopinião expressa pelo telefone a pro-pósito de uma descrição de sintomasfeita pelo próprio doente ou porquem o representa, sem prévia ob-servação do doente, não correspondea um acto médico e como tal nãoenvolve responsabilidade civil ou cri-minal do médico».2 - No mesmo sentido, deliberou oConselho Nacional Executivo da Or-dem dos Médico, em 30 de Setembrode 2003, atendendo a um parecer do

Realização de consultas médicas por via telefónica

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16 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004

Ofício dirigido aoPresidente do ConselhoNacional Executivo daOrdem dos Médicos

Ex.mo SenhorPresidente do Conselho NacionalExecutivo da Ordem dos MédicosDecorreu no Porto, no passado dia20 de Dezembro, uma reunião pro-movida pela Comissão Regional Con-sultiva de Ensino e Educação Médicada SRN da OM a pedido do Conse-lho Regional, com vista a analisar acriação de novas Escolas Médicas.Nessa reunião estiveram representa-das a Escola de Ciências da Saúde daUniversidade do Minho (através doProf. Doutor Pinto Machado), a Fa-culdade de Medicina do Porto (atra-vés da Prof. Doutora Isabel Ramos) eo Instituto de Ciências BiomédicasAbel Salazar (através da Prof. Douto-ra Corália Vicente). Participou ainda,como Chefe do Grupo de Missãopara a Saúde, o Prof. Doutor AlbertoAmaral, bem como a totalidade dosmembros da Comissão Regional Con-sultiva de Ensino e Educação Médica,os Professores Doutores AntónioSousa Pereira (Coordenador),Alberto Barros e Francisco Cruz.O consenso de todas estas personali-dades justifica a posição do ConselhoRegional, a qual passo a transmitir:1 - A abertura de novas escolas mé-dicas não resolve por si uma hipoté-tica falta de médicos ou a sua distri-buição assimétrica (por especialida-des ou por regiões) bem como defi-ciências de organização do sistema desaúde.2 - Os ratios internacionais apontampara a existência de uma escola mé-dica por cada dois milhões de habi-

Conselho Nacional de Ética eDeontologia Médicas que: «o acon-selhamento médico por chamadas te-lefónicas não pode ser consideradoum acto médico e, portanto, não ésusceptível de qualquer tipo de co-brança».3 - Por outro lado, estabelece o nú-mero artigo 9º do Decreto-Lei 100/94, de 19 de Abril, com a redacçãointroduzida pelo Decreto-Lei 48/99,de 16 de Fevereiro, que «é proibido,ao titular da autorização no merca-do, bem como à empresa responsá-vel pela promoção do medicamento,dar ou prometer, directa ou indirec-tamente, a pessoas habilitadas a pres-crever ou a dispensar medicamentos,prémios, ofertas, benefíciospecuniários ou em espécie, exceptoquando se trate de objectos relacio-nados com a prática da medicina ouda farmácia e de valor intrínseco in-significante», bem como que: «é proi-bido às pessoas habilitadas a prescre-ver e a dispensar medicamentos pe-dir ou aceitar, directa ou indirecta-mente, prémios, ofertas, benefíciospecuniários ou em espécie, por partedo titular da autorização no merca-do e da empresa responsável pelapromoção do medicamento, ainda queos mesmos sejam recebidos no es-trangeiro ou ao abrigo de legislaçãoestrangeira».4 - Acresce ainda que, nos termos doProtocolo celebrado entre a Ordemdos Médicos e a APIFARMA (Associ-ação Portuguesa da Indústria Farma-cêutica), publicado na Revista da Or-dem dos Médicos de 22 de Julho de2002, que se entende por valor in-trínseco insignificante, o valor de 35Euros.5 - Neste contexto, e à luz da con-junção dos princípios deontológicose legais atrás enunciados, alertam-seos médicos para as consequências dis-ciplinares e penais que a violação da-queles princípios poderá acarretaraos infractores.Com os melhores cumprimentosO Presidente do Conselho Regional(Dr. Miguel Leão)Porto, 5 de Janeiro de 2004

tantes (aliás já ultrapassado em Por-tugal) e admissões de um aluno por10000 habitantes e por ano (númerotambém ultrapassado em Portugal).3 - A criação de novas escolas médi-cas (públicas ou privadas) deve obe-decer a rigorosos critérios de quali-dade, a serem avaliados por comis-sões internacionais de peritos inde-pendentes, a exemplo do que acon-tece com as escolas já existentes.4 - O processo de acreditação das no-vas escolas deve ser conhecimento daOrdem dos Médicos que deve poder,à luz do seu Estatuto, restringir, totalou parcialmente, o âmbito da activida-de profissional dos médicos licencia-dos por escolas médicas que não cum-pram requisitos considerados funda-mentais pela Ordem dos Médicos.5 - A Ordem dos Médicos tem a obri-gação social de defender a qualifica-ção e a excelência dos profissionaisque nela estejam inscritos e de criar edivulgar mecanismos de selecção, peloque deve considerar a possibilidade deinstituir mecanismos de aferição daqualidade dos licenciados que nela sepretendam inscrever, a exemplo do quejá acontece com outras Ordens, comoas Ordens dos Advogados, dos Arqui-tectos e dos Engenheiros.Assim, e para discussão formal desteassunto, propõe o Conselho Regio-nal do Norte que o Conselho Nacio-nal Executivo da Ordem dos Médi-cos solicite a comparência, para a suareunião de Fevereiro, do Chefe doGrupo de Missão para a Saúde (Prof.Doutor Alberto Amaral) e do Presi-dente da Sociedade Portuguesa deEducação Médica (Prof. DoutorMartins e Silva).Com os melhores cumprimentosO Presidente do Conselho Regional(Dr. Miguel Leão)

Criação de novasfaculdades de medicina

I N F O R M A Ç Ã OConselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

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18 Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004

A C T U A L I D A D E

A primeira intervenção ficou a cargode Germano de Sousa, bastonário daOrdem dos Médicos (OM) que refe-riu que um dos objectivos que origi-nou a ideia de organizar este congres-so foi «servir ainda melhor a socieda-de portuguesa». Referindo que o «an-coradouro moral da profissão passoua ser vigiado e que, gradualmente, osmédicos passaram a ser responsabili-zados», o bastonário referiu a impor-tância de, em questões tão complexase, por vezes, tão difíceis de compre-ender como estas, «os profissionais decomunicação ouvirem e compreende-rem bem os médicos para transmiti-rem correctamente a informação». Re-cusando as acusações de corporativis-mo, Germano de Sousa explicitou que«o que interessa acima de tudo aosmédicos é a opinião de quem confiaem nós, dos doentes. Queremos serjustos e não pretendemos protegerninguém. Os Conselhos Regionais deDisciplina e o Conselho Nacional deDisciplina exercem as suas funçõescom total isenção. A ideia de protec-

I Congresso Nacional sobre O I CongressoNacional sobre ErroMédico, Negligênciae RespectivasResponsabilidades,organizado pelaOrdem dos Médicose pela Ordem dosAdvogados, juntou naUniversidade Católica,nos dias 12e 13 de Dezembro,profissionais das duasOrdens num debateque todos os presentesconsideraram profícuoe que deixou emaberto a necessidadede realizar outrosencontros sobre este tema.

ção interpares desapareceu há muitotempo e é assim que deve ser. Provadisso é que tem havido um aumentodas participações contra médicos, pre-cisamente porque se verifica um me-recido relançar da confiança no desem-penho da OM. Este congresso e maisuma prova de que somos actuantes eque queremos ser justos e os meusvotos são de que possamos em breveassistir ao II Congresso Nacional So-bre o Erro Médico, Negligência e Res-pectivas Responsabilidades».Pela Ordem dos Advogados (OA) aapresentação do congresso foi efec-tuada por António Osório de Castro,antigo bastonário da OA que explicoua utilidade de um encontro como este:«como distinguir o erro da negligên-cia e quais os riscos e as incertezasaceitáveis, são apenas algumas dasquestões em que poderá ser útil parao médico conhecer o ponto de vistalegal. Advogados e magistrados, por seulado, têm também que saber lidar comestas questões de responsabilidademédica. Profissionais de ambas as Or-

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dens, associações de doentes, etc., to-dos têm uma palavra útil a dizer quan-to às questões que serão tratadas du-rante este congresso. Só me resta se-cundar os votos do Senhor Bastonárioda OM de que se realize o II Con-gresso».

Complexidade da práticaclínica: incerteza e risco

António Vaz Carneiro, director doCentro de Estudos de Medicina Base-ada na Evidência da Faculdade de Me-dicina de Lisboa, definiu a sua apre-sentação como «uma tentativa de sen-sibilizar as pessoas para a complexi-dade da actividade que nós, médicos,exercemos». Se, como foi referido, há80 anos atrás a prática médica era re-lativamente clara, «com o desenvolvi-mento exponencial da medicina, tudose tornou mais difícil: as modalidadesterapêuticas e os testes de diagnósti-co tornaram-se mais complexos, a prá-tica clínica alterou-se e surgiram no-vos conceitos. Os médicos têm queter em conta diversos factores: um mé-dico adopta uma decisão clínica influ-enciado por três universos que irãocontribuir para que o resultado sejamelhor ou pior: relação com os doen-tes, universo da evolução cientifica euniverso dos constrangimentos (comopor exemplo custos, financiamento, le-gislação, políticas em vigor, etc.)». Ana-lisando as formas de lidar com o risco,António Vaz Carneiro referiu a medi-ção do risco, a gestão do risco e a co-municação do risco ao doente. A pro-pósito desta última forma de lidar como risco, explicitou que não é fácil paraos doentes apreenderem o que se lhestenta explicar: «a percepção do riscopor parte do médico é diferente, a in-formação fornecida é muito desiguale a percepção do risco por parte dosdoentes é muito variável. Como é que

eu explico ao meu doente um riscode 1/10000 se a apreensão destes da-dos numéricos é tão difícil?».Relativamente à incerteza, como par-te da complexidade da prática clínica,foi referida como elemento prepon-derante dessa complexidade a incer-teza na definição da doença, «pois umagrande parte da prática clínica baseia--se em doentes que não têm doençasgraves com sintomas bem definidos»,a par das doenças assintomáticas, daexistência de sintomas não explicadosmedicamente, etc. Quando se junta aestas situações específicas, uma tecno-logia médica muito avançada («quenem sempre facilita a vida dos médi-cos»), uma certa dose de subjectivida-de na interpretação de exames auxili-ares («cada médico pode ter uma aná-lise diferente dos sinais e da avaliaçãodos sintomas») e a incerteza na selec-ção terapêutica («para cada doençaexistem inúmeras potenciais alterna-

tivas terapêuticas, medicamentosas etécnicas»), não podemos negar que aincerteza é intrínseca à prática clínica.Mas a que é que se deve a incertezana avaliação dos resultados? AntónioVaz Carneiro referiu como causas des-sa incerteza inerente a variação indi-vidual da resposta, a eventual raridaderelativa da doença, os resultados vari-áveis de cada técnico específico, a in-suficiência de estudos («não há tem-po necessário de follow-up, os estudoscustam muito dinheiro e devem durarentre 5 e 10 anos») e a dificuldade deanálise dos subgrupos. Explicando quea competência clínica não é facilmen-te avaliável, «pois é complexa e nãopode ser reduzida a meia dúzia de cli-chés, é arriscada e incerta», esteinterveniente concluiu referindo que,apesar da redução da incerteza nuncaser suficiente, naturalmente que «omédico tenta sempre reduzir o acasonas suas acções».

Erro Médico e Negligência

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João Vaz Rodrigues, advogado, referiuna sua intervenção algumas situaçõesque podem gerar responsabilização domédico e os deveres que estão subja-centes à relação jurídica médico--doente. Citando exemplos práticos defácil apreensão, começou por definiro dever de informação e as suas impli-cações e mencionou a obrigatoriedadede explicar ao doente quais as suasopções terapêuticas, e de aceitar quea última palavra é sempre do paciente:«a relação que se estabelece entre omédico e o paciente é tendencialmentevertical pois o médico insere palavrasque o doente não percebe porque nãotem conhecimentos suficientes. Omédico dá menos informação porqueacha que não precisa de dar mais. Masesta relação tem que ser, hoje em dia,horizontal, em virtude de um conjun-to de direitos que estão legalmentegarantidos». Para João Vaz Rodrigueso dever mais importante de um médi-co é o de informar: o doente tem odireito a ser esclarecido «e ao médicoo que se impõe é que informe comsuficiência e simplicidade». Segundo ex-plicou, os padrões de informação domédico têm que ser avaliados de for-ma casuística. «Não estamos a falar dopadrão médico, nem do padrão dodoente médio. Tem que ser o padrãodo doente concreto». Como deveresdo doente foram citados o dever deinformar, de colaborar e de seguir a

terapêutica prescrita.Referindo-se ao consentimento expres-so, por oposição a consentimento táci-to ou presumido («o médico tem odever de presumir que o doente querser tratado e melhorar»), o palestranteexplicou que o mesmo pode ser oral(testemunhado e/ou confirmado) oudocumentado. Sendo esta última a for-ma de consentimento que naturalmenteprefere, este advogado dilucidou queum consentimento escrito, de preferên-cia pelo doente, «é o melhor porquefaz reflectir». Após referir que a faltaou deficiência da informação fornecidapelo médico inquina o consentimentodo doente, numa alusão evidente à ne-cessidade de obter um consentimentoesclarecido, João Vaz Rodrigues concluiureferindo exemplos de casos tipificadosde consentimento escrito obrigatório(diagnóstico pré-natal, cessação volun-tária da gravidez, esterilização, trans-plantes, etc.).

Conceito clínico de erromédico

Com uma alusão à certificação e àrecertificação como «sistemas queabsorvem o erro», João Lobo Antunesdeu início à sua intervenção sobre oconceito clínico de erro médico. Seantigamente a medicina era «simples,ineficaz e razoavelmente inócua», nosnossos dias é «complexa, eficaz e po-tencialmente perigosa»; Neste contex-to surge a destrinça entre erro activoe erro latente: o primeiro ocorre aonível do operador, da linha da frente, eo efeito adverso é imediato (por ex.cortar uma artéria), o segundo nãodepende do controlo directo do ope-rador (por exemplo: instalação incor-recta, manutenção inadequada, gestãoerrada, organização com estrutura de-ficiente, etc.).As razões relativas à dificuldade emlidar com o erro são, para este ora-dor, essencialmente de índole cultural:«o objectivo é a prática sem erro; con-sideramos o erro como uma falha decarácter. Os médicos não discutem osseus erros o que tem um impacto pro-fissional e pessoal negativo».

Ao nível do diagnóstico, podemos dis-tinguir o erro sem culpa («caso de umadoença silenciosa ou nova, da falta decooperação do doente, etc.»), o errodo sistema («falha técnica, como porexemplo a falta de equipamento, falhaorganizacional, como é o caso da su-pervisão ineficaz, etc.») e o erro cog-nitivo («ignorância, não obtenção dedados, etc.»). Quanto ao tratamento,João Lobo Antunes classifica os errosda seguinte forma:• erro na realização de operação ouprocedimento diagnóstico;• erro na administração de tratamen-to;• atraso evitável no tratamento;• tratamento inapropriado.«Os erros são inevitáveis mas são tra-táveis e, para isso, tem que se abordara questão sem preconceitos», afirmaJoão Lobo Antunes, antes de acrescen-tar: «devia haver uma declaração obri-gatória e publicitação dos erros paraque os mesmos não voltassem a acon-tecer». Na prevenção do erro referecomo importante a melhoria de ques-tões como o horário de trabalho, adefinição e atribuição de responsabili-dades, a discriminação de tarefas e ostress, acrescentando que é necessá-rio melhorar o acesso à informação«e desconfiar da memória», recorren-do a protocolos e modelos informáti-cos de decisão. Para o controlo de ris-co cita a necessidade de o revelar, pre-venir, absorver, institucionalizar a se-gurança e a recertificação. Referindo--se à abordagem filosófica do erro,concluiu: «o conhecimento avança pelacorrecção de doutrinas erradas. So-mos todos falíveis. Para evitar o erroé preciso reconhecer essa falibilidade.Devemos contudo ser tolerantes poisos erros escondem-se, por vezes, nasteorias mais consagradas. Em ciênciaesconder os erros é um pecado mor-tal. A solução é procurar os erros einvestigá-los com uma atitude críticaracional.» Já na fase de debate, ao falar--se do exemplo da prática clínica nosEstados Unidos, João Lobo Antunesdefiniu-a como opressiva, por causa doexcesso de litigância (dando comoexemplo o facto de na Flórida não exis-

Relação jurídicamédico-doente

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004 21

tirem especialistas em obstetrícia porcausa desse factor) e foi também re-ferido o perigo de incorrermos numa«medicina receosa», isto é, aquela emque o médico não faz a intervençãoporque é muito arriscada, o queconsubstancia um dos perigos da ex-cessiva legalização do sistema.

Erro médico, negligênciae efeito adverso inesperado

Três realidades muito distintas, erromédico, negligência e efeito adversoinesperado, foram destrinçadas numdebate moderado por Maria do CéuMachado e que contou com a partici-pação de Pedro Ponce, pela Ordemdos Médicos, e de João Vaz Rodrigues,pela Ordem dos Advogados. PedroPonce iniciou a sua intervenção for-necendo alguns exemplos estatísticosde como o erro médico é frequente erelevante, referindo que «o erro mé-dico é mais importante e mais frequen-te do que a negligência». Segundo uminquérito nacional dirigido ao públicoe aos médicos pela Harvard School ofPublic Health que foi citado, o erromédico tem como causas a falta deenfermeiros, excesso de trabalho efadiga e a influência exercida pelas se-guradoras sobre as decisões tomadas.Desse mesmo inquérito extrai-se ainformação de que para os médicos acomunicação do erro deve ser confi-dencial, enquanto que para o públicoessa comunicação devia ser amplamen-te divulgada. Dos dados deste estudoanglo-saxónico retira-se que as cau-sas de erro mais apontadas são a igno-rância, a confiança excessiva na me-mória, equipas sem elementos sufici-entes, excesso de horas de trabalho efalta de supervisão, entre outras. So-bre os sistemas de relatório obrigató-rio dos erros, Pedro Ponce referiuconsiderar que os mesmos são inefi-cazes pois originam a tentativa deocultação em virtude da exposição pú-blica negativa e do receio da litigância.Considerando que o cumprimento ri-goroso da legis artis implicaria que osmédicos entrassem em greve de zelo,Pedro Ponce concluiu afirmando que

não existe uma maneira segura e semerros de se exercer a medicina, nãose podendo criar a falsa expectativade que se conseguirá eliminar com-pletamente os erros. «A medicina de-fensiva é cara, perigosa e má para odoente e para o médico. Para introdu-zir medidas de redução de erro, é ne-cessário introduzir custos crescentesno sistema: estaremos todos dispos-tos a pagar por isso?».Do ponto de vista humano é, de factoimpossível uma eliminação completados erros, tal como explicou muitobem João Vaz Rodrigues, na sua inter-venção: «Onde é que está esse homemque não se esquece de nada, que nun-ca se atrasa, que não tem dúvidas, lap-sos, hiatos, que nunca se engana? Essehomem não existe!». Não concordan-do que se «defenda» que a práticamédica nem sempre cumpre a legisartis, «pois isso implicaria responsabi-lidade civil e/ou criminal e originariamais processos jurídicos», este inter-locutor explicou que ao médico o quese exige é uma obrigação de meios enão de resultados: «o médico deveempregar toda a sua diligência para queo paciente recupere as suas condiçõesfísico-psíquicas prévias ou, pelo menos,para aliviar os seus padecimentos. Paraque a intervenção médica não integreum crime de ofensas à integridade fí-sica, terá que visar um intuito tera-pêutico e respeitar a leges artis – con-forme artigo 150.º do Código Penal».E quando a finalidade não é terapêuti-ca, como no caso da cirurgia estética?«Com ou sem intuito terapêutico, aintervenção tem sempre que ser pre-cedida de consentimento esclarecido»,sendo que no caso das intervençõessem fins terapêuticos a regra é a obri-gação de resultado (e não de meios).Em seguida, este advogado explicouque há erro médico que não coincidecom negligência, «resulta da avaliação,da qualificação, da determinação, e daintervenção do agente médico querespeita os meios disponíveis e as op-ções possíveis, ditadas pelos recursosexistentes e pelos conhecimentosatingidos pela ciência médica», e erromédico que coincide com a negligên-

cia, «a negligência resulta do desres-peito pelos deveres de cuidado e dediligência de que se é capaz e a quese está obrigado em cada actuação».Quanto ao leque de alternativas viá-veis, esse pertence, naturalmente, «aoforo exclusivo da independência e daautonomia técnico-científica do mé-dico» (desde que se obtenha sempreo consentimento necessário). Masnem todos os erros médicos assu-mem relevância para o Direito: o quetem relevância jurídica é, mais do queo erro, a causa do erro. «os erros queinteressam ao Direito são os que de-correm do desprezo pela leges artis,pela vida, pela autodeterminação, pelaliberdade, pela dignidade, pela integri-dade físico-psíquica, etc.». Durante odebate que se seguiu às duas inter-venções supracitadas, Maria do CéuMachado referiu que o interesse dosmédicos são os doentes e os seus di-reitos, direitos esses que consideraque são muitas vezes postos em cau-sa pela actuação de alguns jornalistas,«a má notícia é sempre notícia».Referindo-se ao ponto de vista dosdoentes e dos seus familiares, a mo-deradora dilucidou que «a morte dei-xou de ser uma coisa natural. O do-ente estava óptimo, isto é, vivo, e agoraestá morto». A dificuldade de lidarcom esta visão dos factos foi refor-çada por Pedro Ponce: «para os do-entes, as estatísticas não querem di-zer nada: se lhes acontece um efeitoadverso a percentagem de ocorrên-cia é, para eles, de 100%, se não acon-tece, é de 0%».

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Responsabilidadedos médicos

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Moderado por António Osório de Cas-tro, o debate sobre responsabilidadedisciplinar teve como intervenientes,Pedro Nunes, em representação daOrdem dos Médicos, e Paulo Sancho,em representação da Ordem dos Ad-vogados. Referindo que os médicos es-tão sujeitos a vários níveis de respon-sabilidade, Pedro Nunes realçou a res-ponsabilidade ética como «a responsa-bilidade que mais deve sensibilizar osmédicos, que corresponde à responsa-bilidade perante eles próprios e peranteos seus pares». Num contexto em quea definição de ética oscila entre doispólos, conceito de agir como é correc-to e o conceito de agir em consonân-cia com determinados valores, este ora-dor referiu a satisfação pessoal que seobtém ao agir de acordo com valores:«a procura de valores é estruturante egratificante». Nessa demanda é neces-sário reflectir sobre os conceitos éti-cos que a própria evolução bio--tecnológica tem posto em causa e pro-curar uma identidade para o conjuntode valores que dela resulte, uma identi-dade nem sempre fácil de atingir, dadosos circunstancialismos sociais, históri-cos e até geográficos com que se de-para. Ao contrário da moral, onde en-contramos subjacente um conceitosocial, na ética os valores são assumi-dos «sem ser por obrigação social, semque nada seja imposto pela sociedade»,

através da escolha livre dos sujeitos. «Areflexão ética nasce das dúvidas e dasincertezas, mas tem que ser pragmáti-ca, tem que entrar no dia-a-dia do mé-dico.» Através da explicitação de algunsdos princípios da bioética efectuada porPedro Nunes, podemos facilmente con-cluir que são esses valores que estão,de alguma forma, transpostos quer paraa lei penal e civil, quer para o códigodeontológico:• «O princípio da beneficência prende--se com a obrigatoriedade do profissi-onal de saúde promover sempre o bemdo doente e nele se fundamenta a re-gra da confidencialidade»;• «O princípio da maleficência implicanão infligir qualquer mal, o que incluiuma ponderação de necessidade, istoé, ponderar o benefício perante o malque se provoca»;• «O princípio da justiça correspondeao tratamento de todos os doentes deigual modo»;• «O princípio do respeito pela auto-nomia afirma a capacidade que a pes-soa tem de se autodeterminar e impõea regra da veracidade como condiçãomínima».Desde a Grécia antiga que a concep-ção de medicina está intimamente liga-da à moral e à ética, o que naturalmen-te se justifica pelo facto do ser huma-no doente atingir nesse estado o máxi-mo da sua fragilidade. Esta debilidademomentânea da pessoa doente faz comque facilmente seja ludibriada por indi-víduos sem preparação. Um problemaque se agrava quando não há regulaçãodo acto médico, conforme explicouPedro Nunes.Paulo Sancho, advogado e consultor ju-rídico da Ordem dos Médicos, desde1985, falou durante a sua intervençãoespecificamente sobre o erro médico/negligência e respectivas responsabili-dades disciplinares.Na sua exposição começou por refe-rir os deveres gerais do clínico na ver-tente estritamente deontológica e naperspectiva do médico enquanto fun-cionário público ou trabalhador porconta de outrem.Quanto à primeira, focou basicamenteos deveres de independência, de quali-

dade no exercício do acto médico, derespeito por qualificações e competên-cias, de esclarecimento e consentimen-to no tratamento.Na abordagem aos deveres do médicoenquanto funcionário, agente administra-tivo ou trabalhador por conta de ou-trem, ressaltou o dever de zelo, comoaquele que sustenta a maioria dos casosde responsabilização por “negligênciamédica”. Dever de zelo esse que definiucomo a obrigação do funcionário exer-cer as suas atribuições com eficiência ecorrecção procurando, para tanto,instruir-se no conhecimento das normaslegais regulamentares do serviço e dasinstruções dos seus superiores hierár-quicos e aperfeiçoar a sua preparaçãotécnica e métodos de trabalho.O consultor jurídico da Ordem assina-lou também ser normal a responsabili-zação simultânea do médico perante aOrdem e uma das outras jurisdiçõesdisciplinares, designadamente junto daInspecção Geral da Saúde.Paulo Sancho elencou, de seguida, assanções disciplinares próprias de cadauma das jurisdições explicando, combase na natureza teleológica das nor-mas, a razão das suas diferenças.Com intuito de dar a conhecer quer amédicos, quer a advogados a formacomo se tratam as questões disciplina-res no âmbito da Ordem, foi, então, fei-ta uma breve resenha da tramitaçãoprática do processo.Foram explicadas a utilidade e funçõesdas instâncias informais de controlo,designadamente o Gabinete do Doen-te, como um meio de dirimir conflitos,por via arbitral, em questões sem rele-vância deontológica ou disciplinar, poismuitas vezes o que acontece é apenasfalta de comunicação entre o médico eo doente. Estas instâncias têm, assim, ointuito de aproximar o doente do mé-dico, por via da Ordem.A par do Gabinete do Doente, o Pre-sidente da OM, os Conselhos Regio-nais e os Conselhos Distritais são tam-bém instâncias informais de controloque têm vindo gradual e sistematica-mente a desenvolver um relevantepapel na concertação informal de “con-flitos” entre pacientes e médicos.

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Não obstante e quando não se conse-gue uma solução consensual, quer porvontade das partes, quer pela gravida-de e consequências da situação não res-tará senão recorrer às instâncias for-mais de controlo previstas no EstatutoDisciplinar dos Médicos, ou seja, aosConselhos Disciplinares Regionais e, emsede de recurso, ao Conselho Nacio-nal de Disciplina.Paulo Sancho passou então a referir atramitação processual, desde do mo-mento da participação à decisão disci-plinar do Conselho Disciplinar Regio-nal, referindo as hipóteses de recursopara Conselho Nacional de Disciplinae para os tribunais administrativos. Fez,também, uma breve alusão aos trêsprocessos especiais existentes (inqué-rito, revisão e reabilitação). No que serefere às penas aplicadas no âmbito doprocesso disciplinar da Ordem, a saber,a advertência, a censura, a suspensãoaté cinco anos e a expulsão, o referidoconsultor jurídico explicou que a gra-duação das mesmas é efectuada «emfunção da culpa, tendo em conta as cir-cunstâncias do caso, os antecedentesprofissionais e disciplinares e as conse-quências da infracção».Não obstante, assinalou a tipologia daspenas explicando fundamentalmenteque a suspensão só é aplicável quandohouver violação de quaisquer deveresconsagrados em lei ou no CódigoDeontológico e que visem a protecçãoda vida, da saúde, do bem estar ou dadignidade das pessoas. Uma violação

deontológica só será susceptível deenquadramento para aplicação de umapena de expulsão quando tenha sidocometida infracção que constitua cri-me punível com pena de prisão supe-rior a 3 anos, quando se verifique in-competência profissional notória, comperigo para a saúde dos pacientes ouda comunidade ou quando ocorra en-cobrimento ou participação na viola-ção de direitos da personalidade dosdoentes.Como informação prática importantePaulo Sancho chamou a atenção para apossibilidade de, quer o médico, quer odoente (ou seus familiares) terem avirtualidade de requererem todos osmeios de prova em direito admissíveise designadamente um meio especial-mente diferenciado e relevante sob oponto de vista técnico – o parecer doColégio da (s) especialidade (s) envol-vido (s) na questão concreta.Estes pareceres consubstanciam umamais valia significativa para a aprecia-ção da conduta do médico por repre-sentarem uma opinião técnica reforça-damente sustentada, em virtude de se-rem o resultado de um debate e deum consenso entre os cinco ou dezmédicos especialistas que compõem adirecção de um colégio.Para terminar a sua intervenção, PauloSancho apresentou algumas estatísticasdo Conselho Disciplinar Regional do Sul,relativas a participações disciplinares poreventual má prática médica ou compor-tamento incorrecto do médico.

Aproveitou, neste particular, para agra-decer a imprescindível colaboração deFrancisco Freire de Andrade, Presiden-te do aludido Conselho Disciplinar, semo qual não teria sido possível ter a per-cepção desta realidade.Os dados diziam respeito aos processosentrados entre 1 de Janeiro e 1 de Ou-tubro de 2003 e não pressupunham qual-quer juízo de valor já que haviam sidoclassificados exclusivamente com base naalegação do próprio participante.Na caracterização por participante sur-gem em primeiro lugar o doente oufamiliar do mesmo e em segundo lugar,contrariando a ideia que algumas pes-soas ainda têm da protecção interpares,as participações efectuadas por órgãosda Ordem dos Médicos.Dos elementos fornecidos pelo CDRdo Sul constata-se um crescimentoexponencial das queixas por erro e ne-gligência e que o maior número de par-ticipações recebidas na OM estão rela-cionadas com actos praticados nas ur-gências dos hospitais públicos e nas con-sultas dos Centros de Saúde.Em termos de especialidades, a Medi-cina Geral e Familiar é a que mais ve-zes é alvo de participações.Na fase de debate, em que algunsinterlocutores fizeram alusão à neces-sidade de formação contínua dos mé-dicos, Pedro Nunes não quis deixar dereferir que, apesar de ser muito im-portante melhorar sempre as percen-tagens de possíveis erros, em Portugalpratica-se boa medicina, «a Organiza-ção Mundial de Saúde colocou-nos em12º lugar enquanto que a Inglaterra,que e o modelo que nós seguimos, fi-cou em 18º. Em termos globais temosuma boa assistência».

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ResponsabilidadeCivil e Penal

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Álvaro Dias e Germano Marques da Silvaforam os dois advogados que disserta-ram sobre a responsabilidade civil e pe-nal, respectivamente. O primeiro inter-locutor foi Álvaro Dias que explicitouque a particularidade da responsabilida-

de civil e ser sub-rogável, «pois pode-mos nos fazer substituir por outrém nanossa responsabilidade; o profissionalmédico pode endossar à entidade segu-radora a responsabilidade em que pos-sa vir a incorrer». No seu entender, estaque é a grande vantagem da responsa-bilidade civil, «não tem sido aproveitadapelos médicos pois não fazem o seuseguro de responsabilidade civil». De-fensor da institucionalização de centrosde arbitragem para a resolução de ca-sos de responsabilidade civil dos médi-cos, eventualmente fiscalizados pela OM,pelo Ministério da Saúde, e outras enti-dades, Álvaro Dias classificaria essa evo-lução como mais um passo numa «cida-dania consciente». Acusando amassificação de «quebrar a sacralidadeda relação médico-doente», este advo-gado considera que é nessa realidadeque reside o fundamento principal dasacções de responsabilidade civil, numasociedade que considera de «grandeconflitualidade». «Exige-se dos médicos,tal como de todos os outros profissio-nais liberais, uma especial preparação,têm que começar todos os dias a pro-fissão do zero, isto é, sempre com omesmo grau de profissionalismo, empe-nho, prudência, vigilância crítica, etc.».Germano Marques da Silva trouxe ao

debate as questões da responsabilidadepenal, nomeadamente aquelas que emtermos jurídicos não estão ‘bem resol-vidas’: a responsabilidade pela divisão dotrabalho em equipa e a responsabilida-de das instituições - «cada vez é menosrelevante o problema da responsabili-dade individual. Na avaliação da culpa doprofissional deve aferir-se as condiçõese circunstâncias concretas em que omesmo pode exercer a sua actividade».A este propósito Germano de Sousa,bastonário da OM, referiu que os médi-cos devem denunciar as situações emque não tenham condições para exer-cer a sua profissão.A culpa funcional ou estrutural da orga-nização começa a ser uma realidadeincontornável.João Correia, da Ordem dos Advoga-dos, após referir que «por regra,encontram-se profissionais diligentes,criteriosos e capazes de suprir as defici-ências dos serviços» e que, por vezes,«os órgãos de comunicação social fa-zem uma abordagem grosseira das ques-tões, pois nem sempre há negligência, enão chamam à responsabilidade as insti-tuições», convidou a assistência aacompanhá-lo através da descrição dedois casos concretos e a fazer uma aná-lise dos mesmos. Perante os dados doscasos concretos, em que num ocircunstancialismo externo era adversopois dizia respeito a uma intervençãocirúrgica realizada por dois internos, sema presença do chefe de equipa e semenfermeiro instrumentista, e outroreconduzia-se a uma situação de respon-

sabilidade colectiva da equipa com errode diagnóstico, conclui-se que o aforismopopular «cada cabeça sua sentença» éaqui aplicável: as situações eram, natu-ralmente, de fronteira e se para algunsdos presentes no congresso estes casosse reconduziam a má prática médica, paraoutros a solução não seria assim tão sim-ples. Nesta fase foi debatido o confron-to entre os princípios bioéticos de au-tonomia do doente, maleficência e be-neficência, no contexto do privilégiomédico ou terapêutico, um privilégio quepermite intervenções de urgência inde-pendentemente de informação ou con-sentimento. A propósito dos constran-gimentos e dos circunstancialismos ad-versos, António Vaz Carneiro afirmou:«a medicina é uma profissão arriscada eeu, como médico, aceito esse risco e con-sidero que todos devemos ter essa cons-ciência. Actuo com diligência mas se, pos-teriormente, tiver que responder civil-mente aceito esse facto. Não tencionomudar de profissão. Uma das nossasangústias em medicina é precisamenteo facto de sabermos casos de pessoasque são tratadas de uma forma menosboa e que obtém resultados excelentes,enquanto que outros doentes tratadosde forma exemplar têm resultados pés-simos». Reconhecendo que os tribunaisnão estão preparados para resolver es-tes casos e que a leges artis não se podedefinir sem ter em conta o tempo, olugar e o modo que a determinam, osconferencistas presentes concordaramque o recurso a tribunais arbitrais, rigo-rosos e isentos, seria uma boa solução.

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«No entanto, aquilo que é verdadeira-mente inquietante não é o facto de omundo se tornar cada vez mais técni-co. Muito mais inquietante é o factode o homem não estar preparado paraesta transformação do mundo, é o fac-to de nós ainda não conseguirmos,através do pensamento que medita, li-dar adequadamente com aquilo que,nesta era está realmente a emergir.» -é com este pensamento de Heideggerque é apresentado o Ciclo de Con-versas de Bioética que vai decorrer atéao final do ano na Faculdade de Ciên-cias Médicas. A introdução da primei-ra conversa, intitulada «Pertinência daBioética numa era de relativismoaxiológico», que teve lugar no dia 7 deJaneiro, ficou a cargo de Esperança Pina,director do Departamento deDeontologia, Bioética e Direito Médi-

Conversas com peritos da relaçãomédico-doente

co que, após cumprimentar e agrade-cer o apoio do reitor da Universida-de Nova, Leopoldo Guimarães, e dodirector da Faculdade de CiênciasMédicas, António Rendas, dirigiu algu-mas palavras aos membros da Associ-ação de Estudantes mais directamen-te envolvidos na organização deste ci-clo, Nuno Ferreira e Alexandre San-tos, elogiando o desenvolvimento desteprojecto que «junta num ciclo de con-versas os grandes peritos da relaçãomédico-doente». Michel Renaud foiapresentado por Esperança Pina comoum «grande filósofo contemporâneo»explicitando que, apesar do tema deprelecção ser muito complexo, a cla-reza de discurso deste interlocutorpermitiria uma fácil compreensão dassuas ideias. Ainda antes do início daconferência, o representante da asso-ciação de estudantes não quis deixarde referir os apoios essenciais para queeste Ciclo de Conversas fosse possí-vel: «não queríamos deixar de agrade-cer ao Senhor Reitor, ao Senhor Di-rector, ao Professor Esperança Pina etambém ao Professor Luís Archer, queforam pessoas que nos deram todo oseu apoio desde o início deste projec-to, sem os quais não teria sido possí-vel realizar este evento. Recebemosoutro tipo de apoios, nomeadamenteda Ordem dos Médicos, na pessoa do

Dr. Pedro Nunes, e da Fundação Ca-louste Gulbenkian, também apoios fun-damentais para que pudéssemos es-tar hoje aqui».Michel Renaud, que ao longo dos anostem dado conferências, emitido pare-ceres e elaborado projectos de lei quereceberam de Esperança Pina o epítetode «brilhantíssimos», iniciou a sua in-tervenção explicando que a razão pelaqual a ética está, neste momento, nalinha da frente dos debates, prende-secom os problemas que surgem à me-dida que a ciência e a tecnologia avan-çam. Numa área onde o debate maisprofundo é relativamente recente (atéporque os próprios Conselhos Naci-onais de Ética são realidades com pou-cas décadas de existência e «o pró-prio termo bioética data só de 1970»),e onde os valores éticos levam, porvezes um século até se implementarem,mas onde, em contraponto, a evolu-ção científica, aliada às novas tecnolo-gias, tem sido rápida e prolífica, é ine-vitável o surgimento de conflitos éti-cos que requerem reflexão, facto quese consubstancia na actualidade destatemática.Sobre as questões específicas da bio-ética, e mais precisamente da parte daética médica, o orador explicou que,dada a sua especificidade, os filósofosnão conseguem responder sozinhos a

O filósofo belga Michel Renaud foi o primeiro interlocutor do Ciclo de Conversasde Bioética organizado pela Associação de Estudantes e pelo Departamento de Deontologia,Bioética e Direito Médico ambos da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa. Numaconversa em que a assistência, na sua maioria composta por professores e estudantesde medicina, participou activamente, Michel Renaud dissertou sobre a actualidade da ética,a relatividade dos valores e sobre questões específicas da bioética.

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todos os problemas que se colocam.A bioética em sentido lato engloba,além da ética medica, outras realida-des como a ética ambiental e dademografia, por exemplo. Neste sen-tido, a bioética centra-se em todos osproblemas que surgem na vida huma-na. Por vezes há alguma dificuldade emdefinir os parâmetros exactos paracompreender a bioética, tendo MichelRenauld relatado, a título de exemplodessa dificuldade, a perplexidade dorepresentante do Conselho Nacionalde Ética francês ao saber que estavama ser discutidas no nosso ConselhoNacional de Ética para as Ciências daVida e da Saúde as questões relacio-nadas com a interrupção voluntária dagravidez, pois, como referiu o repre-sentante do conselho de ética fran-cês, «mas esse não é um problemacientifico».

Ética vivencial, sociologiaética e ética teórica

Conforme explicou Michel Renauldexistem três níveis de ética: o maisbásico, que se refere à ética vivencial,ou a chamada vivência ética, e quecorresponde ao comportamento éti-co e às avaliações que cada um faz doscomportamentos dos outros, mesmosem estudar a ética; a um outro nível,a sociologia ética, que consiste emdescrever o comportamento ético deuma determinada comunidade - «deque é exemplo, o livro do Instituto deCiências Sociais de Lisboa, datado de1997, que é uma descrição sociológi-ca, intitulado ‘Comportamentos e Va-lores dos Jovens Portugueses’, onde seanalisa os comportamentos, não paradizer se são bons ou maus, apenas paradizer como é que se comportam es-ses jovens»; e um terceiro nível quecorresponde à ética teórica ou filosó-fica «que é o que se tenta fazer noConselho Nacional de Ética e que é onível onde nos devemos debruçar so-bre a análise qualitativa dos compor-tamentos». Uma distinção nem sem-pre muito fácil de apreender e quegera, por vezes, confusão entre os vá-rios níveis de ética.

Valores éticos: relativos ouabsolutos?

Sobre a relatividade ou não dos valo-res éticos, o filósofo belga esclareceuque considera que são ao mesmo tem-po relativos e absolutos, «não na mes-ma perspectiva, pois isso seria umacontradição intrínseca». Se, por umlado, todos os valores éticos são rela-tivos, porque o nosso contexto cultu-ral assenta sobre comportamentosrelativos, baseados em valores transi-tórios. «todos os grandes valores éti-cos são datados: os direitos do Ho-mem, enquanto valores éticos, porexemplo, datam da Revolução France-sa e da declaração do dia 10 de De-zembro de 1948. Podemos sempre si-tuar as datas em que surgiram novosvalores». Neste sentido todos os va-lores são datados e são relativos aocontexto cultural que os fez surgir.«Mas se analisarmos os grandes valo-res éticos, não do ponto de vista his-tórico, mas do ponto de vista do seuconteúdo, podemos dizer que são de-finitivos, absolutos, que valem por sipróprios, independentemente do con-texto cultural em que emergiram. Adignidade do ser humano, por exem-plo, é hoje em dia um valor definitivoe absoluto que já não precisa de qual-quer referência ao contexto culturalem que surgiu.» Como explicitouMichel Renauld, estamos aqui na pre-sença de um valor que tem uma exis-tência própria, independentemente dodireito legislado. Mas ser um valor ab-soluto não significa ser aceite por to-das as culturas, pois nem todas evolu-em em termos éticos à mesma veloci-dade, «o valor pode não ser aceite defacto. Muitas pessoas não aceitam os

valores que nós consideramos abso-lutos». O que torna estes valores ab-solutos e definitivos é que «se recuás-semos em relação a eles, e isso é sem-pre possível, significaria uma perdamuito grave, um recuo em humanida-de». Ser definitivo não significa, por-tanto, que ser um valor definitivamen-te aceite, mas antes ter «uma riquezadefinitivamente ligada à nossa compre-ensão de humanidade do ser huma-no».Ao falar da tolerância enquanto umdos valores absolutos recentes, o filó-sofo alertou para a necessidade de nãoconsiderar que ser absoluto é não terlimites para a aplicação do referidovalor: «em relação à tolerância o limi-te é o intolerável! O intolerável é oanti-valor absoluto. A escravatura éintolerável». Isto é, o valor é absolutono sentido de que está desligado doseu contexto de emergência culturale não por não ter limites.A questão da dignidade humana e datolerância são de fundamental relevân-cia para a bioética: «Em primeiro lu-gar a dignidade do ser humano, embioética, traduz-se pela recusa deinstrumentalização do ser humano. Ainstrumentalização do ser humano éo grande princípio negativo que temosque evitar: por exemplo, hoje em dia,quando o Reino Unido aceita, do pon-to de vista legal, que se fabriquemembriões humanos para investigaçãocientifica, então será que os laborató-rios que o fazem respeitam a humani-dade do ser humano no princípio dasua vida, ou será que instrumentalizama vida humana em benefício da ciên-cia? Claro que há benefícios para a ci-ência: a investigação sobre o embrião

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pode fazer progredir mais rapidamentea medicina. Será que o custo disso étambém uma certa instrumentalizaçãoda vida humana, o que se opõe à digni-dade do ser humano? Essa é a ques-tão actualmente em debate. Temos aquium campo enorme de análise éticasobre a investigação e a medicina ac-tuais.» E qual é o campo de aplicaçãobioético da tolerância? «É o campo dadiscussão plural. O que caracteriza aética no nível teórico é um facto rela-tivamente novo: as decisões são toma-das em equipa e não individualmente.Os vários membros da equipa pode-rão não estar todos de acordo. Entãocomo vamos gerir os conflitos no seiodas equipas que têm que tomar umadecisão única quando se trata, porexemplo, de reanimar um paciente? Háum novo modo de encarar a tolerân-cia de forma a chegar a um consenso,mas tolerância que não significa acei-tação de tudo».

A fragilidade da ética

Michel Renauld concluiu a sua inter-venção analisando a questão da fragili-dade da ética, fragilidade essa que ofilósofo caracteriza pela ausência depunição para a respectiva infracção. Afalta de aplicação de castigos podecorresponder, como explicou, a umaaparente fragilidade. «A fragilidade éti-ca faz ao mesmo tempo a sua riquezae a sua pobreza, a sua beleza e a sualimitação.» A violação dos valores éti-cos acarreta algo muito pior para oindivíduo do que um mero castigo: aauto-degradação é o elevado preço apagar pelos comportamentos não éti-

cos. «Um ser pouco ético vive a suahumanidade de um modo degradadoe a degradação é o pior dos castigos.»Tendo em conta que a ética é algo quenão se pode impor a ninguém, a nãoser a nós próprios («não posso obri-gar ninguém a ser ético, isso dependeda liberdade de cada um»), a falta éti-ca faz com que estejamos, acima detudo, em falta connosco e não com osoutros, e a isso corresponde a auto--degradação. «É por isso que o com-bate dos valores é tão difícil: os valo-res a que chamei definitivos são, porprincípio, vividos por minorias. As eli-tes éticas são sempre minoritárias, massão elas que fazem progredir a ética.»Mas quando Michel Renauld utiliza otermo elite não se refere a uma elitede privilegiados pois, como explicoujá na fase de debate, «estas elites têmque aceitar o peso de serem minori-tárias e têm que ter consciência quevão continuar a sê-lo durante muitotempo. É preciso resistir à tentação de‘baixar os braços’. Esta postura exigeuma espécie de fé ética nos novos va-lores, pois eles acabarão por triunfar.Mas será sempre através de um pro-cesso muito lento... Temos que aceitarperder a nível ético, enquanto mino-ria, para favorecer a humanidade.»

Pensamentos soltosDa fase final, em que decorreu odebate com a assistência, escolhe-mos excertos de algumas respos-tas do filósofo Michel Renauld quenos pareceram de grande relevân-cia e que passamos a transcrever:

«Os referendos não fazem a ética, osreferendos fazem política, ajudam a

encontrar as soluções possíveis.»

«A ética não se faz a partir de umacontagem de votos. Isso seriaconfundir ética com política.»

«O Governo, a Ordem dos Médicos e osmédicos têm que reflectir: quando me

recuso a fazer uma interrupçãovoluntária da gravidez, que apoio vou

dar a essa pessoa?»

«A relação entre um médico e umdoente não é uma relação de procurae oferta. Há pedidos aos quais não se

pode dar uma resposta positiva.»

«A pior coisa que pode acontecer éum médico relacionar-se com um

doente na base da oferta e daprocura.»

«Um pedido de eutanásia é, muitasvezes, um pedido de assistência e

quando há esta intersubjectividade amaior parte dos pedidos desapare-

cem.»

«É preciso dar motivos às pessoaspara quererem viver.»

«Não tratar não é praticar eutanásia,é deixar a vida seguir o seu curso.Ninguém é eticamente obrigado a

recorrer a todos os tratamentospossíveis.»

«É preciso ter uma forte convicçãopara aceitar o risco do diálogo. Não

aceitar o diálogo é sinónimo defraqueza e de intolerância.»

«O único meio de acabar com asintransigências num diálogo é ouvir o

outro e estar disposto a aprenderalgo sobre nós através da mediação

do outro.»

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A C T U A L I D A D E

A conferência de imprensa realizadano dia 27 de Janeiro contou com apresença de Germano de Sousa, Pre-sidente da Ordem dos Médicos, Má-rio Jorge, Presidente da AssociaçãoNacional dos Médicos de Saúde Públi-ca, Armando Gonçalves, Presidente daAssociação Portuguesa dos Médicos daCarreira Hospitalar, Luís Pisco, Presi-dente da Associação Portuguesa dosMédicos de Clínica Geral (APMCG),Merlinde Madureira, Presidente daFederação Nacional dos Médicos,António Alvim, da Associação dos Mé-dicos de Família Independentes eCarlos Arroz do Sindicato Independen-te dos Médicos.Colocada a questão sobre as dispari-dades de tratamento entre o pagamen-to das dividas aos médicos e a outroscredores, foi explicitado por Germanode Sousa que «as dívidas de todos osoperadores são pagas sem qualquerremuneração, com excepção da ANF».Luís Pisco esclareceu o ponto do co-municado referente à «degradação doscentros de saúde», afirmando a suasatisfação pelo reconhecimento, aindaque tardio, pelo Ministro da Saúde, LuísFilipe Pereira, da notória falta de mé-dicos de família, o que faz perigar aeficiência dos cuidados primários: «oMinistro da Saúde já reconheceu queum milhão de portugueses não temmédico de família». Este representan-te da APMCG acrescentou que para adesorganização dos centros de saúdeestá também a contribuir uma certainstabilidade, resultante da falta denomeação dos directores dessas uni-dades e do «desconhecimento das in-tenções do Senhor Ministro, em rela-ção a essa questão». Uma situação quelhe parece mais grave, num ano em queo Governo estabeleceu que seria «oano dos resultados ao nível dos cuida-dos primários». Carlos Arroz, em res-posta à interpelação dos jornalistassobre a gestão dos centros de saúde,referiu a sua perplexidade perante ofacto do Ministro da Saúde nunca pre-

Tratamentos discriminatórios e desigualdades num EsApós reunião no dia 27

de Janeiro de 2004,

o Fórum Médico realizou

uma conferência

de imprensa na biblioteca

da sede da Ordem dos

Médicos (OM) onde foi

lido o comunicado que

ora se publica.

Após a leitura do

mesmo, a Ordem,

associações e sindicatos

representados no Fórum

Médico responderam

às questões colocadas

pelos muitos jornalistas

presentes.

ver que essa gestão possa ser efectu-ada pelos próprios médicos, «apesardessa situação estar prevista na lei debases», uma solução de gestão quepara este interlocutor seria necessa-riamente mais produtiva. Ainda sobreestas questões, António Alvim alertouque «não bastam declarações de in-tenção, é preciso efectivamente fazer

algo de concreto. Têm sido de factoapresentadas propostas de grupos demédicos em relação à gestão mas osprocessos não avançam». ArmandoGonçalves falou sobre os perigos quecorre o exercício da medicina comqualidade, em virtude da ausência delegislação sobre o ensino pós-gradua-do («algo fundamental para que a efi-ciência dos médicos continue a ser boacomo sempre foi»), e não quis deixarde realçar «a situação inadmissível deexistirem doentes de primeira e desegunda, lesando-se inclusivamente di-reitos sociais constitucionalmente ga-rantidos. A Ordem, as Associações eos Sindicatos não estão contra as mu-danças desde que as mesmas sejampara melhorar e agilizar os serviçosde saúde. Estamos todos pela defesados cidadãos». Germano de Sousa re-feriu como «inaceitável» a violação doprincípio da justiça distributiva, clara-mente presente nas discriminaçõespreconizadas pelos Hospitais SA,acrescentando que «a Ordem dos Mé-dicos não pode aceitar que haja dife-renças de tratamento dos doentes ba-

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004 33

A C T U A L I D A D E

seadas em questões económicas».Germano de Sousa mostrou-se confi-ante em relação à atitude dos médi-cos concluindo: «tenho a certeza quenenhum médico actuará dessa manei-ra». Nesta fase da conferência, os re-presentantes do Fórum Médico fize-ram um apelo aos médicos no sentidode defenderem a Constituição da Re-pública Portuguesa e de denunciaremtodas as situações de discriminação deque tenham conhecimento. EnquantoMário Jorge salientava a «terrível des-responsabilização do Estado, que fogeà sua obrigação de zelar pela saúdedos portugueses», Merlinde Madureirareferiu as preocupações destas orga-nizações representativas dos médicosem relação ao futuro «quer dos pro-fissionais, quer da saúde das popula-ções», acrescentando que a criação dos

Hospitais S.A. poderá ter sido umaforma de «abrir a porta à privatizaçãodos mesmos».Nesta conferência foi ainda expres-sada uma forte preocupação em re-lação ao perigo emergente para oexercício da profissão de forma in-dependente que é um resultado pro-vável destas medidas governamentais,tendo os intervenientes concorda-do que «em colaboração com os re-presentantes dos médicos, Associa-ções, Sindicatos e Ordem, é possívelencontrar soluções e melhorar o sis-tema de saúde».

Comunicado Fórum MédicoAs Organizações Médicas abaixo designadas, reunidas em 27 de Janeiro de 2004 emFórum Médico para avaliação da actual situação da Saúde em Portugal, consideram:• Importante reafirmar a unidade e consenso na defesa das Carreiras Médicas, nasua imprescindibilidade na diferenciação técnica como mecanismo da garantia daqualidade dos cuidados médicos prestados aos cidadãos, bem como na sua imple-mentação transversal independentemente do prestador de Cuidados de Saúde e dasrelações jurídicas de emprego;• Manifestar a sua clara oposição à discriminação no atendimento dos doentes nosHospitais, S.A. em função da capacidade económica de cada cidadão, violandodireitos constitucionais de Saúde dos Portugueses;• A sua incredibilidade com a destruição de um Serviço Nacional de Saúde,internacionalmente aceite como eficaz, efectivo e produtivo, sem comparação comqualquer outro serviço público, e com a sua futura privatização;• Serem intransigentes na defesa do Acto Médico, em que se enquadra a ReceitaMédica, não permitindo a arbitrária substituição pelos farmacêuticos das prescriçõesmédicas;• Ser seu direito exigir igual tratamento das dividas aos médicos, ao concedido aoutros credores do Ministério da Saúde, nomeadamente a Associação Nacional deFarmácias;• Manifestar a sua preocupação com a desorganização dos Centros de Saúde e aperda da sua identidade orgânica e autonomia funcional;• Estar preocupadas com a degradação dos Centros de saúde e dos Cuidados deSaúde Primários, nomeadamente com a progressiva degradação dos recursos huma-nos médicos, e que o DL 60/2003 não acautela nem resolve;• Indispensável respeitar o direito à negociação da Contratação Colectiva queenquadre e legitime legalmente os Contratos Individuais de Trabalho;• Fundamental a negociação efectiva de Regime de Incentivos nas Unidades deSaúde do Sistema Nacional de Saúde, com salvaguarda dos graus das Carreiras e daliberdade de exercício profissional;• Estar disponíveis para a gestão de Unidades de Saúde, mediante Contratos--Programa, e pelo direitos de opção de gestão em face da sua eventual entrega aoutras entidades;• Ser intransigentes na defesa da independência técnica e cientifica do Exercício daMedicina;

Ordem dos MédicosFederação Nacional de Médicos

Associação Portuguesa dos Médicos da Carreira HospitalarAssociação Nacional dos Médicos de Saúde Pública

Sindicato Independente dos MédicosAssociação dos Médicos de Família IndependentesAssociação Portuguesa de Médicos de Clínica Geral

tado de Direito (?)

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Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos

D I S C I P L I N A

Maria José CardosoPresidente do Conselho Disciplinar SRN

RELATÓRIO FINAL1. O presente processo disciplinar foiinstaurado ao Ex.mo. Senhor Dr. ..., jádevidamente identificado nos autos, nasequência de participação do Ex.mo.Senhor Director Geral da Saúde, da-tada de ....2. A participação anexava uma exposi-ção dirigida à Senhora Ministra da Saú-de, datada de ..., subscrita pelo Ex.mo.Senhor ....., na qual eram alegados osseguintes factos:2.1. No dia..., por volta das 16:00 ho-ras, o Senhor ... dirigiu-se ao Centrode Saúde de ..., uma vez que estava asentir dores nas costas e bastante fal-ta de ar.2.2. Foi atendido imediatamente peloSenhor Dr. ... que, sem o auscultar, semlhe medir a tensão arterial nem a fe-bre, lhe receitou Primperan compri-midos, Muscopas e Zithromax.2.3. Regressou à sua habitação, tomoua medicação receitada e, por volta das15:00 horas do dia seguinte, teve queregressar à Urgência do Centro deSaúde de ..., uma vez que a sua vidacorria perigo.2.4. Foi atendido pelo Senhor Dr. ...,que o auscultou e, verificando que oseu estado de saúde carecia de cuida-dos especiais, chamou imediatamenteuma ambulância, que o transportou atéao Hospital de ...

Negligência, Erroou Inevitabilidade ?Ao aceder, como solicitado, a apresentar processos disciplinares que ilustrassema dificuldade de, em casos limite, classificar os procedimentos médicos comonegligência ou erro, impor-se-iam algumas considerações prévias, das quais nosabstemos dado o escrito, neste número, em vários artigos.Não podemos, no entanto, deixar de dizer: negligência, erro ou inevitabilidade?

2.5. Aí foi-lhe diagnosticada uma pneu-monia bilateral quando o seu proble-ma era um Enfarte Antero-Septal. Lu-tou contra a morte e hoje, se está vivo,agradece aos bons profissionais quefelizmente ainda os há.2.6. Pretende alertar para os mausserviços que presta no Centro de Saú-de de ... o Senhor Dr. ... Além de serum mau profissional, demonstra pou-ca serenidade e pouca simpatia.3. A exposição do Senhor ... anexavauma Nota de Alta, datada de ..., doServiço de Cardiologia do Hospitalde..., na qual, de relevante, na históriaclínica, há a referir que, no dia..., ini-ciou subitamente um quadro dedispneia, tosse e dor epigrástica, ten-do recorrido ao Serviço de Urgência,onde ficou internado com diagnósticode pneumonia bilateral; foi, entretan-to, diagnosticado um quadro de enfarteAntero - septal.4. Recebida a participação, foi dadoinício a instrução do processo, noâmbito da qual foram realizadas asseguintes diligências:4.1. Foi solicitado ao arguido que sepronunciasse sobre o teor da partici-pação;4.2. Foi solicitado ao Ex.mo. SenhorDirector Clínico do Hospital de ... oenvio de cópia do processo clínicoreferente ao doente Senhor ...;

4.3. Foi solicitado ao Ex.mo. SenhorDirector do Centro de Saúde de ... oenvio de cópia do processo clínicoreferente ao mesmo doente.5. O arguido pronunciou-se sobre oteor da participação através de cartadatada ..., da qual há que destacar oseguinte:5.1. Estranha que a queixa apenas te-nha acontecido dois meses após osfactos.5.2. Estranha que lhe tenha sido sone-gado o relatório do Hospital de....5.3. O doente em questão apresenta-va tosse e expectoração, afrontamentoe náuseas, estas últimas muito frequen-tes na região, no período pós-prandial,dados os exageros alimentares típicosda zona.5.4. E falso que o doente referissedores nas costas e dispneia, pois casocontrário tê-lo-ia mencionado na fi-cha, como é aliás seu hábito – “factoque o Director do C. S. ... , Sr. Dr. ..., bemconhece e elogia”.5.5. Diagnosticou pneumopatia e, porisso, medicou com antibiótico, mucolí-tico e anti-emético.5.6. Apresenta justificações, alegada-mente técnicas, para justificar o dia-gnóstico.5.7 Diagnosticou a pneumonia e me-dicou-a acertadamente “sem necessida-de de auscultação e radiografias”.

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Revista ORDEM DOS MÉDICOS . Janeiro 2004 35

D I S C I P L I N A

5.8. Não tem culpa de o doente, alémda pneumonia, ter tido também umenfarte.6. A cópia do processo clínico do Cen-tro de Saúde de ... foi recebida em ..., aqual revela o seguinte:6.1. No dia ... consta um registo efec-tuado pelo arguido, do qual consta:tosse com expectoração + afronta-mento(?) e terapêutica com Mucospas,Zithromax e Primperan.6.2. Do registo de ... (“dia seguinte”),consta: dores abdominais desde há doisdias. Tosse e dispneia quando tosse.Doente diabético. Temp. Axilar de 37,8.À auscultação, crepitações nos doiscampos pulmonares, generalizadas.Diagnóstico de saída, Pneumonia (?).7. Por sua vez, a cópia do processoclínico do Hospital de ..., recebida nodia ..., evidencia o seguinte:7.1. O doente tem internamento noHospital de ... com diagnóstico depneumonia bilateral, no dia ...(“dia dasegunda observação”). Da descrição clí-nica à entrada consta tosse produtiva,toracalgias, discreta cianose, diabetesmedicada com insulina, crepitações bi-laterais à auscultação e tensões arte-riais de 125/100.7.2. Na folha de notas clínicas do mes-mo Hospital está registado, no dia...(“passados três dias”), que o doentesofreu um episódio súbito de dispneiaforte no dia... (“dia da admissão”) ànoite, sem dor torácica, tendo desde,então queixas de dispneia, tosse etoracalgia que se intensifica com a tos-se. Ontem à tarde (“passados doisdias”) teve episódio intenso de dispneiacom epigastralgia. Nessa altura fezECG. Apresentava sudorese profusasem hipertermia.7.3. Do processo clínico consta tam-bém todo o estudo e tratamento pos-terior ao diagnóstico do enfarte, até àalta clínica, bem como anteriores da-dos de internamento, que não se ana-lisam por se reportarem há dez anosatrás e, por isso, não estarem relacio-nados com a questão em causa nospresentes autos.7.4. Consta ainda do processo clínicocarta referência do segundo colega queobservou o doente no Centro de Saú-

de, descrevendo a história do doente,a observação que efectuou e solicitan-do colaboração diagnóstica e terapêu-tica, colocando a hipótese de pneumo-nia.8. As diligências instrutórias efectuadaspermitiram apurar os seguintes factos:8.1. No dia ... (“dia da primeira observa-ção”), no Centro de Saúde de ..., o ar-guido, Exmo. Senhor Dr. ..., atendeu emconsulta o utente Senhor ..., que sequeixava de tosse, afrontamento, náu-seas, dores nas costas e falta de ar.8.2. O arguido, sem ter auscultado oSenhor ..., sem lhe medir a tensão ar-terial e a febre e sem ter providencia-do a realização de qualquer examecomplementar de diagnóstico, medi-cou-o com Mucospas, Zithromax ePrimperan.8.3. No dia seguinte, dia ..., o doente,sentindo-se pior, dirigiu-se ao Serviçode Urgência do mesmo Centro deSaúde, onde foi atendido por outromédico, Senhor Dr. ..., que registou naficha clínica: “Dores abdominais desdehá 2 dias. Tosse e dispneia quando tos-se. Doente diabético, Temperatura axi-lar de 37.8º C. A.P. - crepitações nosdois campos pulmonares, generaliza-das. Diagnóstico de saída, Pneumo-nia(?)”.8.4. O doente foi imediatamente en-caminhado para o Hospital ..., em ...,onde foi internado com o diagnósticode pneumonia bilateral. Da descriçãoclínica à entrada, consta tosse produ-tiva, toracalgias, discreta cianose, dia-betes medicada com insulina, crepita-ções bilaterais à auscultação e tensõesarteriais de 125/100.8.5. O doente foi deficientemente ob-servado pelo arguido no dia ... (“dia daprimeira observação”) e, caso o doentenão tivesse recorrido novamente aoServiço de Urgência no dia seguinte,as consequências para a sua saúde te-riam sido necessariamente graves, poisa medicação instituída pelo arguido eraem absoluto insuficiente para o trata-mento de uma pneumonia bilateral. Aauscultação do doente teria permiti-do, senão diagnosticar uma pneumo-nia bilateral, pelo menos suspeitar detal situação, o que teria levado a um

estudo com meios complementares dediagnóstico, o doente alertado e acon-selhado um follow-up da situação.9. Destes factos foi o arguido acusadono Despacho de Acusação que, em ...,lhe foi enviado através de carta regis-tada com aviso de recepção.10. Dentro do prazo que lhe foi fixa-do, apresentou o arguido a sua defesaescrita, na qual alegou o seguinte:10.1. No dia ... (“dia da primeira obser-vação”), o utente em causa foi por siatendido, queixando-se apenas de tos-se com expectoração e náuseas, nãosendo verdade que se queixasse dedores nas costas e falta de ar.10.2. Sendo verdade não o ter auscul-tado nem medido a tensão arterialnem a febre, ou porque irrelevantes –caso da TA – ou por frequentementeenganadores no diagnóstico, por po-derem ser absolutamente normais,estando o utente realmente doente oupor induzirem outros – falsos – dia-gnósticos.10.3. O mesmo se passa com o ExameComplementar de Diagnóstico Radi-ografia do Tórax. Não é só ele que oafirma, mas é a opinião de dois Pro-fessores Catedráticos de Pneumologiado H. S. João, um em artigo escrito hácerca de um ano e tal, e outro, o Sr.Prof. Agostinho Marques, em conferên-cia, já este ano, no Casino da Póvoa deVarzim, sobre pneumonia; à qual assis-tiu e com quem dialogou e questio-nou sobre o assunto.10.4. No entanto, o que é certo é quepela (boa) anamnese e com o apoioda Medicina Baseada na Evidência, fezo diagnóstico correcto de pneumoniae, em conformidade, correctamenteprescreveu um macrólido, que é umtratamento de primeira linha no tra-tamento de Pneumonia Adquirida naComunidade, sendo indiferente se éou não bilateral (Prof. Agostinho Mar-ques, “Tratamento das Infecções Res-piratórias”, Post Graduate Medicine,Vol. 15, n.º 1/Janeiro 2001, pág. 89 —Macrólido como droga de escolha notratamento de pneumonias adquiridasna comunidade —pág. 90 — “Os do-entes com mais de 5 anos que nãoprecisam de internamento podem sem

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tratados empiricamente com um ma-c r ó l i d o ” ) .10.5. Sobre o que se passou no diaseguinte, já não pode responder. Se écerto que diagnosticou e prescreveucorrectamente, também é certo queem Medicina as situações evoluem e24 horas podem alterar o quadro, fa-zer subir a temperatura, surgirem cre-pitações bilaterais onde não existissem,etc.10.6. Pensa que o seu comportamen-to não viola nenhum dever deontoló-gico, pois o seu dever é ouvir o doen-te, ajuizar do diagnóstico e tratá-lo cor-rectamente, o que pensa ter deixadoprovado.10.7. Entende que tratou adequada-mente o doente, pelo que não mere-ce a pena de censura, já que as conse-quências, se as houve, não lhe podemser imputadas pois ocorreram depoise não directamente relacionadas coma doença por que foi consultado.10.8. Uma Pneumonia Adquirida naComunidade, e que adequadamentetratou com Zithromax, um óptimo ma-crólido de última geração, merecedortambém do apoio do Sr. Prof. Agosti-nho Marques, que consigo concordou,quando lhe pôs esta questão, que, des-de que suspeitasse de P.A.C., tratavaempiricamente com azitromicina, mes-mo antes de poder receber a radio-grafia e, claro, desde que o estado dodoente não inspirasse outros receios– o que, no dia em que foi por si con-sultado, era o caso.11. O arguido não arrolou testemu-nhas nem juntou quaisquer outros ele-mentos de prova.12. Em face da defesa apresentada peloarguido, foi solicitada a emissão depareceres técnicos aos Colégios dasEspecialidades de Medicina Interna,Pneumologia e Doenças Infecciosas,quanto a:12.1. Apreciação técnica de todas asafirmações proferidas no ponto 2 dadefesa do arguido (supra, n.os 10.2.,10.3. e 10.4.).12.2. Apreciação da medicação efectu-ada, nomeadamente quanto à duraçãoda mesma.12.3. O diagnóstico foi correctamen-

te efectuado ou, pelo contrário, hou-ve negligência do arguido?12.4. Apreciação da atitude adoptadapelo arguido quando, suspeitando deuma pneumonia, medicou o doentecom Zithromax (uma embalagem) enão cuidou de assegurar o follow-upda situação.13. O parecer do Colégio da Especia-lidade de Doenças Infecciosas, recebi-do em, ... é do seguinte teor:«a) Relativamente ao ponto 2 das ale-gações, a anamnese e o exame físicosão cruciais no diagnóstico e na ori-entação do tratamento, o que não foicumprido pelo colega em questão;b) Relativamente ao ponto 5, não épossível avaliar a validade da medica-ção, sem que existam dados que per-mitam validar o diagnóstico;c) Relativamente ao ponto 6, remete--se para a alínea a), relativamente àanamnese e ao exame físico conside-rados mandatários;d) Perante a suspeita de pneumoniadeve ficar agendada uma consulta paraposterior avaliação».14. O parecer do Colégio da Especia-lidade de Medicina Interna, recebidoem ..., é do seguinte teor:«Não foi possível deixar de lamentarcom a mais profunda consternação aqualidade técnica de toda a argumen-tação produzida pelo Dr. ... e, mesmo,a falta de cuidado na apresentação li-terária do seu escrito. No que ao pon-to 2 diz respeito, o acusado justificoua omissão de manobras semiológicasaceites pela comunidade médica des-de há séculos com espantoso argu-mento de serem indutoras de erro.Desconhecendo os conceitos de sen-sibilidade e de especificidade de técni-cas e testes, invocou os princípios dacorrente conhecida por EvídenceBased Medicine, cujos fundamentos,criticados por muitos, repousam naescrupulosa interpretação e valoraçãoestatística dos instrumentos clínico--laboratoriais. Só por caridade os mé-dicos que compõem este ConselhoDirectivo entenderam não qualificar aatitude técnica adoptada pelo Dr. ...como de lamentável e perigosamenteheterodoxa. A pneumonia adquirida na

comunidade é uma condição muitograve cuja mortalidade oscila entre os5% e os 50% ou mais, quando é defini-da como grave. O doente apresentavaum factor de risco para maior proba-bilidade de evolução desfavorável oude morte: o facto de ser diabético. Esem um exame físico que contemplas-se a inspecção geral do doente, o seupadrão e frequência respiratórias, afrequência e características do pulsoarterial, a medição da pressão arterial(que, espantosamente, considerouirrelevante), a verificação da tempera-tura corporal, a apreciação do estadode consciência ou de algum possívelgrau de confusão mental, a pesquisade possíveis focos infecciosos extra--pulmonares e, obrigatoriamente, oexame do aparelho respiratório, nãoé possível emitir um diagnóstico pro-visório de pneumonia e, muito menos,ajuizar sobre a sua gravidade, Osdocumentos-guia mais modernos nãoesqueceram os princípios e práticasclínicas mais tradicionais mantendo oinquérito anamnéstico e o exame ob-jectivo na vanguarda da abordagem dadoença independentemente da suanatureza e extensão. Salientem-se, en-tre muitos outros, as Guidelines forthe Management of Adults withCommunity-acquired Pneumonia(Official Statement of the AmericanThoracic Society) publicados no Am JRespir Crit Care Med (vol. 163. pp1730-54, 2001) as Guidelines daCanadian infectious Diseases Societyand Canadian Thoracic Society e as daBritish Thoracic Society. Em trabalhopublicado no conceituado N Eng J Med(1997 Jan 23; 336(4):243-50) M J Finee colaboradores, definiram as variáveisclínicas indiciadoras de baixo risco napneumonia adquirida na comunidade.Regressando ao Caso do Sr ...., e nãoconsiderando estranho ou invulgar oerro de diagnóstico então efectuado,mas sim as circunstâncias que o rode-aram, entendeu-se que a admissão depneumonia naquele contexto deveriater sido seguido da solicitação de umateleradiografia do tórax e, aceitando--se o risco elevado, de uma propostade internamento hospitalar.

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O emprego de azitromicina em mo-noterapia (ponto 5) só será admissívelem doentes de ambulatório sem fac-tores de risco ou doença cardiovas-cular e este cenário não era aplicávelao doente. A azitromicina, um macró-lido de semi-vidas plasmática e teciduallongas, poderia ter sido uma escolhase adicionado a um beta-lactâmico(cefalosporina de 2.ª ou 3.ª geração),e se com ele prescrito para 7 ou 10dias. Em monoterapia os únicos fár-macos aceites como eficazes são asfluoroquinolonas anti-pneumocócitas.Ao que consta em vários pontos dapeça, o diagnóstico emitido, e referin-do de novo a admissibilidade de errosde apreciação tão comuns na práticamédica, não o foi com base em proce-dimentos correctos e completos decolheita de história e análise semioló-gica pelo que a atitude do ... caberá,no mínimo, no âmbito do espectro danegligência.Finalmente, e no que diz respeito aoevoluir da situação (ponto 7), umadoença aguda tão grave, que o médicoacusado definiu como “pneumonia ad-quirida na comunidade” seria mere-cedora, a não se verificar internamentohospitalar, de um seguimento quotidi-ano durante o curso terapêutico ou,pelo menos, até á remissão dos sinto-mas mais preocupantes, como adispneia”.15. O parecer do Colégio da Especia-lidade de Pneumologia, recebido em ...é do seguinte teor:«1-Relativamente ao ponto 2 das ale-gações apresentadas pelo Dr. ... “tam-bém estranho é o facto de me ter sidosempre sonegado o relatório do Hos-pital ..., pois a ARS teve igual procedi-mento” este Colégio entende não sermatéria da sua competência técnica.Em complemento faz notar que nãoexiste no processo enviado qualquerdocumento sobre as alegadas circuns-tâncias.2 - Relativamente à medicação efectu-ada:a) A utilização do antibiótico Azitro-micina (ZITHROMAX) numa pneumo-nia adquirida na comunidade é umaopção terapêutica correcta Regra ge-

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ral 3 dias de tratamento é suficientepara assegurar a cura.Nos registos clínicos enviados nãoexiste referência à dose diária deZITHROMAX utilizada nem ao núme-ro de embalagens receitadas pelo Dr....b) A utilização dum mucolítico comobroncodilatador numa pneumonia éuma medicação acessória, opcional ede eficácia relativa que depende dascaracterísticas clínicas de cada caso.c) a uti l ização de Metoclopamida(PRIMPERAM) parece-nos circunstancial

e dirigida a melhorar os sintomas —afrontamento e náuseas.d) Admitindo que foi efectuado o dia-gnóstico de pneumonia adquirida nacomunidade (o que não está regista-do na ficha clínica, mas é alegado peloDr. ... e mais tarde confirmado noHospital ...) e tendo em conta essefacto: a prescrição do antibióticoZITHROMAX é correcta.3- O diagnóstico de Pneumonia alegadopelo Dr. ... e posteriormente confirmadono SU do Hospital ... (independentemen-te de não ter realizado exame físico aodoente (foi correctamente formulado.

No aspecto do diagnóstico não pare-ce ter havido negligência do Dr.....4- A medicação antibiótica efectuada —ZITHROMAX — ao suspeitar de pneu-monia é uma atitude terapêutica correc-ta e adequada.A prescrição de 1 (uma) embalagem(3 comprimidos) de Zithromax pare-ce-nos suficiente para o tratamentoda pneumonia adquirida na comunida-de não complicada.No entanto o número de embalagensprescritas não vem referido nas alega-ções do Dr.... , ou do queixoso, nemno boletim clínico do doente.Relativamente a assegurar o seguimen-to da situação clínica do doente, nãoexiste qualquer registo, nem alegaçõesque possam garantir que tal foi efec-tuado.Parece-nos que recomendações sobreevolução possível do caso teriam per-feito cabimento e seria uma atitudede bom senso clínico».16. Entendemos que nem a defesa doarguido nem o conteúdo dos trans-critospareceres são susceptíveis de afastara prova dos factos indicados no Des-pacho de Acusação.17. Pelo contrário, a prova dos factosimputados ao arguido no Despacho deAcusação sai reforçada dos resultadosdas diligências efectuadas, sobretudodo conteúdo do parecer do Colégioda Especialidade de Medicina Interna,do qual entendemos dever realçar aexaustão da análise efectuada e o ri-gor cientifico demonstrado.18. Em face do exposto, proponho queo Ex.mo. Senhor Dr. ... seja punido coma pena disciplinar de censura, nos ter-mos das disposições conjugadas dosartºs 12.º , al. b), 14.º e 16.º do Estatu-to Disciplinar dos Médicos.19. Não podemos deixar de referirque apenas a circunstância de a actua-ção do arguido não ter tido gravesconsequências para o doente — o quese deve exclusivamente ao facto deeste ter recorrido de novo ao Serviçode Urgência do Centro de Saúde nodia seguinte ao que foi observado peloarguido – nos levou a não propor penasuperior.

Só por caridade os

médicos que

compõem este

Conselho Directivo

entenderam não

qualificar a atitude

técnica adoptada pelo

Dr. ... como de

lamentável e

perigosamente

heterodoxa

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1. O presente processo foi instaurado na sequência de parti-cipação subscrita pelo Ex.mo. Senhor... , entrada na Ordemdos Médicos em....2. O participante, que refere intervir também em nome deseus irmãos, pede a intervenção do Senhor Presidente da Or-dem dos Médicos para o que considera ser um tratamentodesumano por parte dos médicos do serviço de Urologia doHospital de ..., que assistiram a sua Mãe, nos últimos momen-tos de vida desta.3. A participação anexava processo de averiguações, incluindoas respectivas conclusões, que correu termos no referidoHospital.4. A queixa que deu origem àquele processo, subscrita poruma irmã do participante, refere, em resumo, o seguinte:4.1. Pelas 04:00 horas do dia... , a Mãe dos participantes deuentrada no Serviço de Urgência do Hospital com abdominal-gias, tendo sido assistida pelos médicos de serviço.4.2. Teve alta pelas 14:00 horas, medicada com Ben-u-ron, coma indicação de voltar se apresentasse novamente dores, sen-tisse falta de ar ou qualquer outro sintoma. Os participantesreclamam por a alta ter sido dada sem a realização de qual-quer exame que permitisse identificar a origem da dor, nemsequer uma simples ecografia.4.3. Regressou a casa e ficou muito cansada por subir ao Vandar, onde morava. Adormeceu um pouco e acordou commuitas dores, cerca de 39.5 de febre e vontade de vomitar.Estes factos fizeram com que os filhos a levassem novamenteao Serviço de Urgência, onde foi observada por outra equipa,que decidiu interná-la em observação.4.4. Ficou toda a noite em observação e, no dia seguinte, quandoforam visitá-la, foi-lhes dito que o seu estado era originado poruma paralisação dos rins, que lhe provocara uma septicemia.4.5. Esperaram até ao dia seguinte para obterem mais infor-mações e souberam que a Mãe tinha sido transferida para aUCI.Polivalente, onde fizeram todos os esforços para a salvare a cujos profissionais são tecidos os maiores elogios. Ao fimde sensivelmente 22 dias foi possível controlar a septicemia.4.6. Controlada a septicemia e feito o desmame do ventiladorfoi transferida para Urologia, onde, segundo a Directorada UCI, iriam fazer-lhe uma ecografia renal de controlo e paradecidirem se procederiam á extracção do rim que provocaratudo ou se fariam litroticia, Esta era também a opinião deoutros médicos, não identificados.4.7. Foi efectivamente transferida para o Serviço de Urologia,onde o Senhor Dr. ... os pôs ao corrente do estado da Mãe eos informou que os passos seguintes consistiriam em efectuaruma TAC para depois decidirem se iriam ou não fazer litroticia.4.8. Os dias foram passando e a Mãe fez uma alergia, que,segundo os médicos teria sido provocada por um medica-mento, e a TAC, que tinha sido pedida, continuava sem vir.4.9. Foi transferida para Medicina, continuando a ser seguidapor um médico por urologia e ainda por medicina e dermato-logia. Numa das suas visitas, o Senhor Dr. ... informou que iriapedir nova TAC com carácter de urgência, porque a anterior

não tinha sido efectuada.4.10. Os dias continuavam a passar, até que, numa visita efectu-ada á Mãe, foram informados de que ela iria ter alta, apenasfaltando a autorização de Dermatologia. Perante este facto, fo-ram imediatamente falar com o médico de Medicina, inquirindocomo era possível a doente ter alta com a pedra no rim, semefectuar a TAC e sem o problema resolvido. O médico concor-dou e informou que, dado a alta não estar consolidada e só nasegunda-feira seguinte o médico urologista estaria novamenteao serviço, a Mãe não iria certamente sair nesse dia.4.11. De seguida, é relatado um episódio que dizem ter ocor-rido com a sua Mãe e uma enfermeira e que originou queaquela nunca mais fosse a mesma, ficando muito deprimida eafectada psicologicamente.4.12. Posteriormente á conversa que tiveram com o médicode Medicina, contactaram com várias pessoas amigas e soube-ram, por funcionários, que as requisições da TAC que os mé-dicos tinham efectuado não haviam chegado á secção respec-tiva e, ainda no mesmo dia, foi feita nova requisição por ummédico tendo o exame sido agendado para o dia... No dia... , adoente foi de novo transferida para Urologia.4.13. Depois do TAC feito, aguardaram o resultado do mesmoe a decisão do que iria ser feito posteriormente, o que, comojá lhes tinha sido transmitido seria a extracção do rim ou alitrotícia. Era-lhes dito que estavam à espera do médico, queentretanto fora de férias. A Mãe, embora muito debilitada, es-tava quase como antes de estar no Hospital.4.14. Repentinamente, de 9 para 10 de ... a doente começa adecair, encontrando-se, á hora do almoço do dia 10 de... muitodeprimida, queixando-se de mau estar geral, com vómitos eduas descargas intestinais. Durante a tarde não se seguravaem pé e tinha forte diarreia e vómitos.4.15. No dia 11 de ... piorou, começando a sentir muitas dores,continuando a vomitar e a ter diarreia. A doente não comia enão tinha qualquer assistência médica. Aliás, nem um soro ti-nha, o qual apenas lhe foi ministrado duas horas antes de morrer,no dia 15 de.... Todo o quadro era semelhante ao da entradano Hospital.4.16. No dia 13 de... , ao visitar a Mãe á hora do almoço, foiinformada da alta da doente. Interpelada a enfermeira que trans-mitira a notícia, esta respondeu ser verdade que nos últimosdias a Mãe não estava muito bem, mas os médicos é que sabiam.4.17. Desesperada, encontrou no corredor o Dr...., que pen-sava ser o médico assistente da Mãe, o qual lhe transmitiuque o rim da doente estava bem, que a TAC tinha mostradouma pedra encostada e dali dificilmente sairia, que precisavade beber muita água e controlar a urina (no Hospital hámuito que não o fazia). Perguntou ao médico se tinha conhe-cimento que a Mãe apresentava vómitos, muitas dores, diarreia,encontrando-se muito debilitada, pelo que só entendia quefosse para casa para morrer, ao que aquele respondeu quenem pensar em tal, que a doente precisava de muito acom-panhamento, por se encontrar muito dependente. Ao pedir--lhe para ir observar a Mãe, o Dr. ... informou-a que a doen-te já não estava numa cama sua. Foi também informada de

PROPOSTA DE ARQUIVAMENTO

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que a decisão da alta fora tomada por consenso.4.18. Sentindo-se impotente para resolver a situação, pediram– ela e os irmãos – ajuda a um médico amigo, que conhecia oDirector do Hospital. Estando amigo junto deles, chegou oDirector do Serviço de Urologia, Dr... que cumprimentou oamigo e lhe perguntou se precisava de alguma coisa. Informa-do do problema, o Dr. ... de imediato o identificou e informouque a doente tinha um rim a funcionar perfeitamente bem,que era uma doente que precisava de muitos cuidados, peloque sugeria o internamento num Lar. Como outro irmão, queaté então se mantivera calado, tivesse respondido que a Mãenecessitava era de cuidados médicos e hospitalares, o Direc-tor respondeu: “ou fala mais baixo ou a sua Mãe vai e já”.4.19. Depois de tudo mais calmo, os dois médicos – o Direc-tor do Serviço e o amigo – foram á enfermaria e, quandovoltavam o primeiro dizia ao segundo: como vê, não é verdadeo que os seus amigos dizem”, ao que um dos filhos da doenteretorquiu que perguntasse aos enfermeiros de serviço nostrês dias anteriores e visse o registo de enfermagem porque,se nada lá estivesse referido, era muito grave, O diálogo termi-nou, dizendo o referido Director que, se o quisessem, suspen-deria a alta até ao dia seguinte de manhã, para a doente servista por um médico de outra especialidade. Aceitaram e, jácom a carta de alta e uma receita na mão, foram ao Centro deSaúde falar com o médico da Mãe, para tentarem interná-lanuma clínica privada, se ela acabasse mesmo por ter alta.4.20. No dia 14 de ... apresentaram-se no Hospital, comodeterminado pelo Director de Urologia, e este, de um modolacónico e envergonhado, disse-lhes que a Mãe iria ficar inter-nada mais uns dias para efectuar uns estudos. Verificaram quea doente estava algaliada e que no saco colector, apesar decolocado há várias horas, quase não havia urina.4.21. No dia 15 de ... , aquando da visita, não encontraram aMãe e foram informados que estava a fazer uns exames. Quan-do esta chegou, verificaram que estava muito mal, tendo assimcontinuado toda a tarde. Duas horas antes de morrer, umenfermeiro colocou-lhe um soro. Entretanto, a Mãe continuoua piorar até que apresentou falta de ar. Chamaram uma enfer-meira, que lhe colocou oxigénio e chamou o médico, tendovindo três e acabando por ficar apenas uma médica que, ape-sar de tudo, não conseguiu evitar que a Mãe falecesse.4.22. Termina com diversas interrogações.4.23. Anexa receitas dos medicamentos, uma informação clíni-ca de retorno, datada de 13 de Julho de ... em que, a par demuitas outras coisas ilegíveis, está referido “litíase renal es-querda”, a medicação prescrita, o aconselhamento da vigilân-cia da estabilidade da urina e a conclusão de “melhorada”.5. As conclusões do mencionado processo de averiguaçõesreferem, em resumo, o seguinte:5.1. Pela análise do processo clínico é possível concluir que nãohouve nenhum “erro” (expressão utilizada pelos participantes),sem ter que ouvir os médicos intervenientes, na medida emque os registos clínicos são inequívocos no sentido de teremsido adoptadas as práticas médicas normais e adequadas.5.2. Foi transmitido à doente que, caso não se sentisse melhor

ou ocorressem determinados sintomas, voltasse ao Hospital,o que é corroborado pelo próprio participante.5.3. Quanto à demora na realização de uma TAC renal pedidapor urologia em 31 de Maio de ... e que, após novos pedidos,acabou por realizar-se em 30 de Junho seguinte, ocorreu efec-tivamente um atraso, por motivos alheios aos médicos partici-pados, sendo certo que, de tal atraso, não ocorreu qualquerprejuízo para a doente, pois tratava-se apenas de um examede controlo.5.4. Quanto à alegada alta por urologia num momento em quea situação não estava completamente esclarecida, existe umafalta de esclarecimento cabal à família.5.5. Na verdade, o Senhor Dr. ... não havia participado na deci-são da alta para o dia 13 de Julho de..., uma vez que ainda seencontrava de férias.5.6. A alta, assumida pelo Director do Serviço no dia 8 de Julhode ..., foi por ele anulada quando o Senhor Dr. ... chegou deférias. Aliás, é nesse fim de semana que se dá o agravamentodo estado de saúde da doente.5.7. Quanto ao desconhecimento do verdadeiro estado desaúde da doente por parte deste médico assistente, o mesmoé natural porque regressara de férias e porque lhe tinhamsido superiormente atribuídas outras tarefas.5.8. E também natural que o Senhor Dr.... , pese embora aincompreensão de quem vê de fora, não estivesse a par dosúltimos acontecimentos. E como a decisão estava tomada, pordever ético e deontológico não teria que comentar as atitudeslegitimamente tomadas pelos seus colegas na sua ausência, coma mais valia de ter sido uma decisão do Serviço, por consenso,numa reunião liderada pelo Director do Serviço.5.9. No concernente ao alegado défice de assistência médica,incluindo a não efectivação de litrotícia, o mesmo é, em abso-luto, negado e justificado pelos médicos envolvidos e baseadono cálculo risco/beneficio para aquela doente concreta.

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5.10. Quanto à questão do relacionamento com a enfermeira... , trata-se de matéria alheia a este Conselho Disciplinar.6. Recebida e analisada a participação e a documentação ane-xa à mesma, foram solicitados, em... , os seguintes elementos:6.1. Ao Senhor Directo Clinico do Hospital de... , o envio decópia do processo clínico referente á Ex.ma. Senhora D. ...6.2. Aos Senhores Drs ... e... , que se pronunciassem sobre oteor da participação.7. Na sua resposta, recebida... , o Senhor Dr. ... remeteu para asdeclarações que prestou no âmbito do processo de averigua-ções hospitalar. Nessas declarações, cuja cópia envia, refere oseguinte:7.1. Lembra-se do caso pois, num dia em que estava de serviçode urgência a substituir um colega, foi abordado pelos familiaresda doente e por um seu amigo, que oquestionaram sobre o estado da doente,que era doente do Dr.... , na altura emférias.7.2. Não tem conhecimento da alta de21 de ..., mas conhecia a Senhora pelosacontecimentos dos últimos tempos etambém, desde o inicio, na UCIP, tendoassistido ocasionalmente em OBS, quan-do a doente fez paragens cardíacas, nomomento da sua reanimação, por lá seencontrar a fim de observar uma doen-te.7.3. Não teve conhecimento objectivo,deste caso em especifico, quanto áefectivação de TAC com esta doente.7.4. Não tinha conhecimento deste caso,em particular, a partir de 11 de Julhode... , mas teve-o a partir do dia 13, quan-do a família lhe pediu para rever a alta.Em face deste pedido foi rever a doen-te, falou com o pessoal de enfermagem,pediu análises e decidiu manter a doen-te internada, com o que a família con-cordou.7.5. Em relação à situação clínica da do-ente, a mesma tinha sido objecto deconversação na reunião do Serviço de 8de Julho, como acontece todas asquintas-feiras e, provavelmente, dado oestado mais estabilizado da doente, foiconsiderada a hipótese de alta de Urologia, no sentido de umamais completa estabilização da situação clínica, de modo a per-mitir encarar com segurança o problema da litíase.7.6. Confirma no essencial a conversa havida com o amigo dosfamiliares da doente, tendo procurado esclarecer-se dos vómi-tos e diarreia junto do enfermeiro-chefe do Serviço, que apósconsulta das notas de enfermagem do processo clínico, não asconfirmou. No entanto, após observação da doente, decidiu pediranálises e mantê-la internada, combinando com os familiaresque viessem no dia seguinte para com ele conversarem.

7.7. Não confirma nem desmente a decisão de alta para o dia13 de Julho, embora admita que ela possa ter derivado de umaprevisão efectuada na reunião do Serviço do dia 8, altura emque a doente estaria mais estabilizada, alta esta que foi objectode suspensão por sua decisão.7.8. Concorda que a algaliação tenha sido feita aquando dorecrudescimento da doença, para que fosse possível medir adiurese. Considera que a algaliação neste tipo de doente deveser feita em condições extremas, pelo perigo de infecção, quenestes doentes é muito grave.7.9. Quanto á acusação de não terem sido prescritos soros ádoente a partir de 11 de Julho, diz que nada levava a fazê-lo,dado que não havia conhecimento dos vómitos e da diarreia eque a doente se hidratava oralmente.

7.10. A solução da litiase não eraprioritária, dado o resultado da TAC,sendo perigosíssima se fosse efectuadanuma fase precoce do reequilibro dadoente.7.11. À pergunta se considerava ter ha-vido alguma falha no tratamento destadoente, considera que não houve, no-meadamente no Serviço de Urologia.Considera não estar provado que a cau-sa da infecção e as suas posteriores con-sequências fosse a litíase, dados os re-sultados dos exames efectuados, nome-adamente a TAC e a ecografia do dia 15de Julho.8. Na sua resposta, recebida em,... , oSenhor Dr. ... refere o seguinte:8.1. A doente ..., de 77 anos de idade,recorreu ao Serviço de Urgência doHospital de ... no dia ..., tendo ficado in-ternada em OBS ao cuidado de Medici-na Interna, que solicitou opinião da Ci-rurgia e esta a de Urologia.8.2. Porque nesse dia estava de serviçona Urgência, foi chamado a observar adoente, o que ocorreu no final dessedia.8.3. Constatou que a mesma já recorre-ra anteriormente ao Serviço de Urgên-cia pelas mesmas queixas, que eram dedor abdominal e dispneia, com a suspei-

ta de diagnóstico de “isquemia do mesentério”, conforme cons-ta do pedido de TAC de....8.4. No relatório da TAC já pedida constava “litíase renal àesquerda com cálculo no bacinete/porção inicial do ureter ediscretas caliectasias” e existia ainda uma pelicula de Rx ondese visualizava uma imagem radio-opaca, compatível com cálcu-lo coraliforme.8.5. Pediu estudo bioquímico e bacteriológico cujos resulta-dos revelaram a presença de leucócitos e eritrócitos. A doen-te já se encontrava medicada com antibióticos e soros, ade-

Pela análise doprocesso clínico é

possível concluir quenão houve nenhum“erro” (expressão

utilizada pelosparticipantes), sem terque ouvir os médicos

intervenientes, namedida em que os

registos clínicos sãoinequívocos no sentido

de terem sidoadoptadas as práticas

médicas normais eadequadas.

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quados a situação, tendo apenas adicionado analgésico.8.6. Face à diurese, no dia seguinte tentou a passagem de umcateter ureteral, que só foi possível a direita. Não reobservoua doente nesse dia, por sair do serviço de urgência.8.7. No dia 4 de Maio de ... a doente foi transferida para aUnidade de Cuidados Intensivos, onde permaneceu até ao dia25 de Maio, data em que foi transferida para o Serviço deUrologia. Quer a 28 de Maio, quer a 1 de Junho, os estudosanalíticos revelavam melhoria franca. Em 4 de Junho foi reali-zada uma ecografia de controlo, que não revelou qualquerdilatação calicial.8.8. Em 9 de Junho, com a situação urológica perfeitamenteestabilizada, foi transferida para o Serviço de Medicina Interna,onde se manteve até ao dia 25 de Junho, data em que foitransferida para o Serviço de Urologia para tratamento dalitíase. Realizou uma TAC com contraste de cujo relatórioconsta: “volumoso cálculo coraliforme no bacinete esquerdo,contudo verifica-se captação e eliminação do produto de con-traste dentro dos tempos habituais, não havendo ectasias dosistema excretor, nomeadamente á esquerda”8.9. Dados os resultados analíticos, foi instituída terapêuticaantibiótica e fluidoterapia e solicitada observação por Medici-na Interna8.10. Observou a doente pela última vez em 1 de Julho, dataem que entrou de férias.9. Após o recebimento de cópia do processo clínico do Hos-pital de ...., foi solicitada a emissão de parecer ao Colégio daEspecialidade de Urologia, nomeadamente quanto ao facto deter existido negligência ou má prática clínica no tratamento dadoente em causa.10. O parecer em causa, recebido em 6 de Novembro de ...édo seguinte teor: “Da leitura e análise realizada ao extenso processo, permitimo--nos concluir:A doente ..., de 77 anos de idade, foi internada em 2 de Maiode..., no Serviço de Urgência por uma situação clínica grave,compatível com Sepsis de provável ponto de partida urológico.Trata-se efectivamente de um quadro grave cuja mortalidadenos melhores centros é superior a 50%.Como não foi efectuada autópsia o diagnóstico definitivo dacausa de morte é impossível de efectuar. Não nos parece cor-recta a indicação de Litótricia extra corporal por ondas dechoque neste caso específico, dado o componente infecciososubjacente. A cirurgia teria sido a manobra terapêutica passí-vel de resolver o problema, contudo o risco anestésico e ci-rúrgico eram muito importantes. Da leitura do processo fica--nos a sensação que esta eventualidade foi considerada, poishá uma observação do colega anestesista em que são referidosriscos anestesico-cirúrgicos elevados. Resumindo, não dispomos dedados para apurar a existência de negligência”.11. Tendo em conta o conteúdo deste parecer e o mais que seencontra processualizado, considero não resultar provada aprática de qualquer ilícito disciplinar, nomeadamente negligên-cia ou má prática médicas.Em face do exposto, proponho o arquivamento do processo.

1. O presente processo foi instaurado na sequência de par-ticipação subscrita pelo Ex.mo. Senhor..., datada de ....2. O teor da participação é o seguinte:«Venho por este meio solicitar a V. Ex se digne abrir umprocesso de inquérito sobre alegada negligência médica, porparte da médica “...”, com a Cédula Profissional nº ... e aindasob a Administração e a Direcção do Serviço de Materni-dade do Hospital de ...em face do que a seguir passo adescrever.... e esposa,...”esta grávida”, decidiram que a gravidez destaseria vigiada por especialista particular. Após várias ecografiassempre com resultados óptimos, com excepção da realiza-da em ..., na qual vinha mencionado quantidade de liquidoamniótico reduzido, razão pela qual após consulta no espe-cialista em que vinha a ser acompanhada, foi-nos aconse-lhado dirigirmo-nos de imediato ao hospital da área (...),visto ser neste hospital que iria ser feito o parto.E nessa altura que as coisas se complicam, uma vez que a dataprovável para o pato apontava para o dia 02/10/1997, pelosciclos menstruais a data seria a 15/10/1997 e pela ecografiarealizada em 26/10/1997 a idade gestacional era de 12 (doze)semanas e 6 (seis) dias.No mesmo dia em fomos aconselhados a ir ao hospital,assim o fizemos e após a minha mulher ter sido observadafoi-nos dito por um médico que não era motivo de alarmee que voltasse ao hospital na semana seguinte e assim su-cessivamente. No entanto, alguns dos médicos que a obser-varam (20/10-1997) lhe prescreveram «1 (um) Mucosolvane 2 (duas embalagens de Clavamox 500Mg”, visto a minhamulher estar com gripe, no entanto não registaram os da-dos clínicos nem a terapêutica prescrita. Este mesmo médi-co lhe marca o dia 22/10/1997 para realizar o parto. Nessedia (22/10/1997) é internada pela Dra. ... que lhe induz otrabalho de parto sem observar a dificuldade respiratóriaque grávida apresentava na altura. Por volta das 18.00 hvou aos serviços de maternidade e após algum tempo deespera dirige-se a mim a Dr.a ... dizendo-me que por com-plicação tinha solicitado o bloco operatório para a realiza-ção de uma cesariana, a qual acabava de dispensar uma veznão ser mais necessário e dirigiu-se para a sala de partos.Passadas algumas horas foi-me dito por urna enfermeiraque o parto tinha corrido bem e que o bebé iria aos servi-ços de Neonatologia para ir as luzes. E nada mais me foidito.Com autorização da Sra. Enfermeira, entrei para junto daminha mulher que já se encontrava na enfermaria e foi estaque me contou o sucedido.Enquanto lhe era induzido o parto o registo cardíaco do fetodeixou de assinalar e a máquina deu o alarme, nessa altura aminha mulher foi preparada para a cesariana (foi colocadaalgalia) e começa então a azafama nos serviços e ministram-lhe uma injecção no soro e enquanto a médica foi veio falarcomigo dizendo que já não era necessário fazer a cesariana, aminha mulher é levada para a sala de partos e então é feito o

PROPOSTA DE ARQUIVAMENTO

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parto com ventosas que não funcionaram ou devido aos nervosda médica que não as soube aplicar e nega que tenham sidoutilizados os Forcepes, no entanto foram vistos pela minhamulher no carrinho após serem utilizados, uma vez que houvea necessidade de fazer uma sutura bastante grande e demora-da. No dia seguinte foi-me comunicado que o bebé iria sertransferido para o Hospital de ... no Porto Dirigi-me então amédica perguntando porque não tinha ela efectuado a cesari-ana, uma vez que havia uma grande dificuldade de respiraçãopor parte da minha mulher e já ter decorrido tanto tempoapós suficiente aquando do internamento. Então recebi comoresposta que a médica ali era ela e que não fazia cesariana apedido dos pais e ainda que, ontem não fez a cesariana porqueo bloco estava ocupado.É prática corrente no Hospital de .. , osmédicos estarem de serviço e ausentarem-se, deixando o contacto para as eventuali-dades. Foi precisamente isso que aconte-ceu, a médica em questão “ ” para nãodenunciar a ausência do anestesista, op-tou por dizer que o dispensou por não sernecessário, no entanto, no dia seguinte aoparto disse que nesse momento o blocoestava ocupado. E falso porque em decla-rações o anestesista alegou que estava nobloco, o preparou e manteve a pedido daDr.a ….Em consequência da demora no parto,o nosso filho asfixiou, provocando-lhelesões cerebrais irreversíveis.No entanto conheci pessoalmente vári-os casais em que parto tinha sido reali-zado pela Dra .... e a sua equipe, nunscasos com lesões graves para os bebése noutros para as mães.Agradeço a v/ atenção ficando a aguar-dar inclusive resposta do Colégio daEspecialidade de Ginecologia e obstetrícia sobre o acto dacesariana».3. A participação vinha acompanhada dos documentos cons-tantes de fls. 6 a 9 dos autos, aqui dados como integralmen-te reproduzidos para todos os efeitos legais.4. Notificada para se pronunciar sobre o teor da participa-ção, a Ex.ma. Senhora Dra. ... alegou o seguinte:«A queixa tem tanto de injusta, como de injustificada. As-sim, também o entendeu o Ministério Público, que mandouarquivar o processo crime desencadeado, consoante cópiaque envio.Os factos:1.º - No dia 22.10.97, foi-me presente no Serviço de Ur-gência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de ... a D. ...de 27 anos de idade, para indução de trabalho de parto.2.º - Tratava-se de uma primigesta com gravidez de 41 se-manas, por ecografia precoce, sem queixas de qualquer foro.3.º - À observação, o exame objectivo materno, assim como

a avaliação fetal, incluindo cardiotocografia e avaliação dovolume de líquido amniótico por ecografia, eram normais.4.º - De acordo com o protocolo do Serviço, igual noutroshospitais como o Hospital Geral de Santo António, em quetrabalhei anteriormente e a cujo quadro ora pertenço, ha-veria que induzir o trabalho de parto, pelo que a interneino meu Serviço.5.º - As 11h30, iniciei a indução do trabalho de parto comadministração de uma dose de prostaglandinas E2 em Gel,dose única, endocervical (0.5 mg), tendo entrado em traba-lho de parto, que decorreu com monitorização fetal.6.º - Às 19 h tinha 9cm de dilatação e, rapidamente, entrouem período expulsivo, pelo que passou da sala de expectantespara a sala de período expulsivo.

7.º - Foi solicitada à mãe a realizaçãode esforços expulsivos, mas, perantea inadequação desses esforços, deci-di a extracção fetal instrumental como objectivo de encurtamento do pe-ríodo expulsivo.8.º - Tentei a aplicação de ventosaobstétrica que garrou sucessivamen-te.9.º - O parto ocorreu às 19h25.10.º - Imediatamente após o parto, orecém-nascido foi entregue aos cui-dados das colegas de pediatria pre-sentes na sala.11.º - Em resposta aos comentáriossobre o uso de forceps e sobre obloco operatório, cumpre-me escla-recer.’a) O forceps não chegou a ser utili-zado;b) Quanto ao bloco operatório: Emdeterminado momento da fase acti-va do trabalho de parto, tive suspei-

tas de estado fetal não tranquilizador, pelo que pedi blocooperatório com carácter urgente. Foi-me disponibilizadoimediatamente. Constatei, de pronto, reversão da situaçãoclínica, com o estado fetal a revelar-se tranquilizador. E re-comendando a disponibilidade contínua do bloco, veio logoa parturiente a entrar em período expulsivo, a ser transferidapara a respectiva sala e a realizar-se o parto nos termosacima descritos.12.º - A comprovar que foi notada a minha dedicação e zelo,pelas 8 horas da manhã do dia seguinte, fui surpreendidacom um lindo ramo de flores oferecido pelo pai (autor daqueixa)!Solicito que se recolha o registo clínico completo da partu-riente. E que se oiçam, para completa averiguação, porqueassistiram aos factos:- A Sra D. ... chefe de serviço do Serviço de Pediatria doHospital de ...- A Sra Dra., chefe de serviço do Serviço de Anestesia do Hospi-

Os actos médicos,embora

intencionalmentedestinados a minorar

o sofrimento e apreservar a vida,

encerram um risco,por vezes imprevisível,outras vezes calculado.Tal é aplicável de umaforma muito especial

à Obstetrícia.

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tal de ...».5. A resposta da Ex.ma. Senhora Dra. ... vinha acompanhadade cópia do despacho da Procuradoria da República de ...,que determinou o arquivamento do processo que, com basenos mesmos factos, ali correu termos contra aquela médi-ca, na sequência de participação do Ex.mo. Senhor....6. Mediante ofícios datados de..., foi solicitado ao Ex.mo.Senhor Director Clínico do Hospital de ... o envio de cópiado processo clínico referente à Ex.ma. Senhora D..., e aoEx.mo. Senhor Director Clínico do Hospital de S. João oenvio de cópia do processo clínico referente ao filho da-quela Senhora.7. Em ... , foi recebida a cópia do processo clínico do Hospi-tal de..., constante dos autos e aqui dado como integral-mente reproduzido para todos os efeitos legais.8. Em ... , foi recebida a cópia do processo clínico do Hospi-tal de S. João, constante dos autos e aqui dado como inte-gralmente reproduzido para todos os efeitos legais.9. Em ... foi recebido o parecer que havia sido solicitado aoColégio da Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia. O con-teúdo deste parecer é o seguinte:«Face aos dados constantes no processo submetido a aprecia-ção pela Direcção do Colégio de Ginecologia / Obstetrícia con-clui-se que:1. Os factos dizem respeito a um parto induzido em gesta-ção de 41 semanas com rotura prematura de membranas(idade gestacional determinada com base em informaçãoecográfica).2. O curso da gestação foi aparentemente normal, no quediz respeito à mãe e ao feto. De acordo com os elementosdisponíveis, não se encontra qualquer incorrecção no acom-panhamento médico da gravidez, nem na decisão de induziro parto.3. O trabalho de parto decorreu sem incidentes relevantesaté cerca das 18 horas de....4. Verifica-se, então, a instalação de um padrão cardiotoco-gráficopatológico, com bradicardia fetal. Esta situação poderá atri-buir-se a um excesso de actividade contráctíl uterina, que omesmo registo cardiotocográfico revela.5. Nesse momento, o período de dilatação encontrava-seem plena fase activa (6 cm). A estimulação ocitócica foisuspensa e terão sido tomadas medidas no sentido de rea-lizar parto por cesariana:esta orientação clínica aceita-se como adequada às circuns-tâncias.6. Antes que a parturiente fosse transferida para o blocooperatório (cerca de 15 a 20 minutos depois), a frequênciacardíaca fetal retomou um ritmo de base e variabilidadedentro de valores normais, exibindo, no entanto, uma insta-bilidade do traçado que não era tranquilizadora; a dilataçãoregistada às 18 horas e 30 minutos é de 8 cm, demonstran-do uma evolução rápida do trabalho de parto. A especialis-ta responsável optou, nessa altura, por retomar a intençãode um parto por via vaginal: esta decisão clínica, naquele

momento e perante aqueles factos concretos, pode consi-derar-se aceitável atendendo à perspectiva de um nasci-mento fácil e a curto prazo;7. O período expulsivo, de duração normal (cerca de 25 a30 minutos, segundo a informação disponível), foi compli-cado por dificuldades técnicas relacionadas com a aplicaçãode ventosa obstétrica, para as quais terão contribuído defi-ciências do material utilizado.8. Não se encontram motivos para supor que a utilizaçãoda ventosa fosse desadequada ou deficiente. Sublinha-se,por outro lado, a necessidade de um rigoroso controlo daqualidade e estado de conservação de todos os instrumen-tos de intervenção obstétrica no bloco de partos, tantomais que a sua utilização no período expulsivo frequente-mente corresponde a situações que exigem eficácia e rapi-dez de actuação.9. Em face do exposto nos pontos anteriores, conclui-sepela não existência de motivos objectivos para considerartecnicamente negligentes ou incorrectas as orientações obs-tétricas assumidas pela médica especialista em causa du-rante o trabalho de parto a que se refere o presente pro-cesso».10. No processo, já mencionado, que correu termos naProcuradoria da República de ...., foram tomadas declara-ções à Ex.ma. Senhora Dra. D. ..., testemunha presencialdos factos. O teor dessas declarações é o seguinte:«Estava de serviço no Hospital de ... , no dia ... na Zona dobloco operatório, quando a Dra. ... se deslocou pedindoque se disponibilizasse a Sala de operações para realizaçãode uma cesariana emergente.De imediato tudo foi preparado, no entanto não foram parasala nem a Dra. ... nem a doente.Por achar estranho dirigiu-se ao serviço de obstetrícia en-contrando a Dra. ... na sala de partos com a parturiente ao

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Conselho Disciplinar Regional do Norte da Ordem dos Médicos

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que pensa já a realizar trabalho de parto. Recorda-se que oparto foi segundo os seus conhecimentos um parto nor-mal, com boa colaboração da parturiente.Esclarece que desconhece se o esforço da parturiente es-tava ou não a resultar.Foi usada ventosa mais que uma vez, mas desconhece seera a mesma ou ventosas diferentes.Durante o parto a Dra ... manteve-se sempre calma.Desconhece se a criança nasceu com auxílio da ventosa ounão. Ficou na sala de partos até a criança nascer e depoissaiu logo.Não se apercebeu que tivesse corrido mal alguma coisa nasala de partos, tendo ficado surpreendida com a notícia deque a criança tinha uma deformação.Perguntada se chegou a esclarecer junto da Dra. ... o por-quê da alteração de planos relativa-mente à cesariana, a depoente afirmouque não. Aliás, por vezes isso acontecequando o bebé fica numa posição talque não é possível ou aconselhável arealização de parto através dessa in-tervenção.11. No âmbito do mesmo processo,foi ouvida a Ex.ma. Senhora Dra. D. ...que declarou:«Que no dia ... estava de serviço nas Urgências de pediatriado Hospital de ..., tendo sido chamada à sala de partos, viatelefone e desconhecendo por quem, mas pensa que poruma funcionária dos serviços de obstetrícia.Dirigiu-se de imediato a tais serviços, onde estava a decor-rer um parto já em período expulsívo, parto esse a serrealizado pela Dra.....Por ter verificado que o parto era intervencionado e quehavia dificuldades na extracção do bebé resolveu chamarde imediato a colega que estava de serviço na urgência depediatria, Dra..... Refere que a presença de mais de queuma médica na sala de partos não é rara e que ocorresempre que há possibilidade de vir a ser necessária umareanimação.Refere não ter sido informada por ninguém, antes do par-to, sobre uma eventual variação rítmica do feto.Após o nascimento, porém, a Dra. ... referiu-lhe não terhavido sinais de sofrimento fetal.Durante o parto foi aplicada a ventosa várias vezes, no en-tanto, desconhece se o bebé, saiu pela ventosa ou se saiupor expulsão espontânea.Após o parto assistiu a criança juntamente com a Dra....,reanimando, entubando-o e depois dirigiu-se à urgência depediatria para onde foi chamada».12. Cumpre ainda chamar a atenção para o relatório, cons-tante dos autos, datado de ..., assinado pelo Ex.mo. SenhorProf. Doutor. J. Pinto da Costa, do Instituto de MedicinaLegal do Porto, no qual pode ler-se:«1. Os traçados do ecocardiotocogramas enviados não evi-denciam alterações significativas nomeadamente de altera-

ções do ritmo cardíaco do feto valorizáveis do ponto devista clínico.2. Na hipótese de tais traçados corresponderem aos ver-dadeiros, uma vez que apenas foram presentes aos peritosfotocópias dos mesmos com a identificação da parturientemanuscrita sobre os mesmos, não era de admitir a situaçãode bradicardia.3. Pelas considerações indicadas, o perito não tem elemen-tos que permitam afirmar que a actuação médica não te-nha sido adequada às circunstâncias».13. Finalmente, nas conclusões do inquérito da Procurado-ria da Republica de ... pode ler-se:“segundo o relatório pericial elaborado no IML, não se podedeterminar se o estado neurológico do feto antes do partoseria o de um feto normal ou se, ao contrario, já existiam

problemas impossíveis de detectaratravés dos exames normalmente re-alizados.Assim, não se pode dizer que os acon-tecimentos que rodearam e caracte-rizaram o parto (escolha da data, op-ção pelo parto por via baixa, utiliza-ção de instrumentos que se revelaramavariados, com posterior utilização demanobra obstétrica, etc...) são causa

da paralisia cerebral do ... ».14. Os elementos constantes dos autos são suficientes paraa tomada de uma decisão. Com efeito, tais elementos per-mitem concluir o seguinte:14.1. Os actos médicos, embora intencionalmente destina-dos a minorar o sofrimento e a preservar a vida, encerramum risco, por vezes imprevisível, outras vezes calculado. Talé aplicável de uma forma muito especial à Obstetrícia.14.2. Embora compreendamos a angústia dos pais com umacriança com paralisia cerebral, não temos a certeza que oproblema se pudesse resolver com uma cesariana, pois, daanálise dos elementos dos autos, resulta que o feto podialevar mais tempo a ser extraído por cesariana.14.3. A actuação da arguida revela a preocupação de agir deforma a conseguir realizar o parto da forma mais rápidapossível, assim minorando o sofrimento fetal.14.4. Um resfriado vulgar não contra indica um parto porvia baixa, pois a dificuldade respiratória referida na queixaadvém de congestão nasal, não havendo referências no pro-cesso de que a parturiente sofresse ou tivesse sofrido dedoença cardio-respiratória.14.5. A generalizada falta de colaboração das parturientesdurante o trabalho de parto tem profundas raízes cultu-rais, sendo a preparação para o parto inexistente15. Em face do exposto e do que mais se encontraprocessualizado, considero não resultar provada a práticade qualquer ilícito disciplinar, nomeadamente negligência ouma prática médicas.

Em face do exposto, proponho o arquivamento do processo.

Considero nãoresultar provada a

prática de qualquerilícito disciplinar.

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De três modos pode ser afectado o tra-balho médico, como qualquer outro tra-balho: por erro, por negligência ou poracidente.Com simplicidade e sem precisão jurí-dica direi que, em relação a uma inter-venção médica sobre uma pessoa doen-te, há erro sempre que o médico deci-de, mas não tem os conhecimentos ne-cessários para decidir bem; há negligên-cia quando o médico sabe como deveser feita a intervenção de diagnósticoou tratamento, mas faz mal; e fala-se deacidente se o prejuízo sofrido pelo do-ente resultar de circunstânciasimprevisíveis e às quais o médico é alheio.O erro e a negligência são evitáveis; oacidente, pela sua natureza aleatória, éinevitável, mas é preciso que não se con-siderem como acidentes falhas técnicasdos equipamentos que uma vigilância cui-dadosa pode prevenir eficazmente. Ocaso das mortes dos dialisados renais deÉvora é um «case study» que, agora que játransitou em julgado, deveria ser analisa-do pelos especialistas médicos os quais,fora do contexto mediático, social e jurí-dico, poderiam destrinçar se houve erro,negligência ou acidente. Este e outroscasos de condenação de médicos nãodevem ser deixados cair no esquecimen-to porque todos encerram importanteslições para se fazer, junto dos médicos, aprofilaxia das situações de erro e de ne-gligência e para se tentar evitar o aciden-te. Neste artigo irei desenvolver, essenci-almente, a questão do erro médico e dasformas de o combater.

Erro Médico EvitávelDaniel Serrão

Presidente do Conselho Nacional de ÉticaProfessor Catedrático Jubilado. Docente no

Mestrado de Bioética e Ética Médica daFaculdade de Medicina do Porto

A questão do erro médico veio à baila, recentemente, numalouvável iniciativa conjunta das Ordens dos Médicos e dosAdvogados. Com o maior respeito pelos intervenientes, todosde grande qualidade, penso que foi feito um bom diagnósticomas não se focou, suficientemente, a prevenção e otratamento. E, depois, o rigor da linguagem jurídica nãoagrada, em geral, aos médicos e afasta-os do debate. Nesteartigo irei desenvolver, essencialmente, a questão do erromédico e das formas de o combater.

Em nota recente que li na imprensa mé-dica, Brian Schilling, porta-voz do Natio-nal Committee for Quality Assurance,informava que «a prestação de cuida-dos inadequados» – forma diplomáticae discreta de se referir a erros médicos– «em cinco situações prevalentes, ouseja, asma, depressão, diabetes, doençascardíacas e hipertensão, provocou, nosEstados Unidos da América, 57.000mortes evitáveis e 41 milhões de diasde doença desnecessários». Em 2002,segundo a mesma nota, apenas cerca demetade (58%) dos doentes atendidospelas HMO, organizações de manuten-ção de saúde que funcionam como se-guradoras, receberam o cuidado tera-pêutico adequado para a hipertensão deque sofriam, sendo que a população co-berta por estas HMO atinge 71 milhõesde indivíduos.Podemos afirmar que o erro é, no fun-do, uma falta de qualidade. Da qualidadeexigível aos profissionais, às instituiçõese aos responsáveis pela organização dasestruturas prestadoras de cuidados desaúde.Em primeiro lugar os profissionais, osmédicos.Actualmente, o cidadão doente outorgaao médico um estatuto de competênciamáxima e entrega-lhe o seu corpo e asua certeza de ser curado. Outrora,esperava-se que o médico acertasse.Hoje exige-lhe que tenha sucesso, por-que se não o tem é considerado incom-petente e é rejeitado. Esta expectativadas pessoas individuais e da opinião pú-

blica, cria uma enorme responsabilidadeao médico: não pode errar, não poderefugiar-se na noção de que a práticamédica não é exactamente uma ciênciade rigor, ou que a reacção das pessoasconcretas a um medicamento ou a umaintervenção cirúrgica é, em parte, impre-visível ou que, o contrato tácito que as-sume com os doentes que atende, obri-ga à disponibilização dos meios, mas nãoà obtenção de resultados.Mas o que é obrigação de meios no aten-dimento clínico?É estar de posse dos melhores conheci-mentos científicos e técnicos para inter-pretar bem os sintomas dos doentes,fazer um diagnóstico correcto e aplicaro tratamento médico ou cirúrgico ade-quado. Na linguagem jurídica é actuarsecundum leges artis, segundo as leis daarte médica.O desconhecimento, num caso concre-to, das leis da arte médica aplicáveis, abreo caminho para o erro médico que,como já afirmei, a opinião pública actual,mais evoluída, considera inaceitável epunível.A via mais segura para evitar o erromédico na prática clínica é aplicar sem-pre e de forma sistemática o métodoclínico: ouvir, observar, interpretar, tra-tar, seguir e encerrar.Como patologista e como perito em ca-sos médico-legais e em processos daInspecção-Geral de Saúde relacionadoscom situações de erro médico, encon-trei casos em que o médico não ouviu(ou não leu, o que vem dar no mesmo, é

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desatenção a uma informação que lhe étransmitida no quadro da elaboração dahistoria clínica) e, portanto, não tomouconhecimento de uma informação impor-tante – sou alérgica à penicilina – que teriaevitado a morte da doente; casos em queo médico não observou completamente(não viu o melanoma na planta do pé,não fez um Raio X pulmonar e operouum carcinoma da tiróide com metastiza-ção miliar de ambos os pulmões, não usoua imagiologia adequada e internou comopsicótica uma doente com meningiomaetc.…); casos em que interpretou erra-damente os dados semióticos, usando ar-gumentos insustentáveis como: eu achoque… ou eu penso que…, passando logopara o diagnóstico sem a confirmação quese impõe, já que a decisão diagnóstica temde ser apoiada em dados objectivos e nãono “olho clínico” e que, sem estes dadosobjectivos, não há diagnóstico mas, ape-nas, uma probabilidade que deve ser re-gistada como tal; casos em que a um dia-gnóstico certo correspondeu um trata-mento não adequado; casos em que odoente diagnosticado e tratado correc-tamente não foi seguido e veio a morrerde complicações não observadas por fal-ta de seguimento; por fim, casos de en-cerramento precoce, particularmente emoncologia, onde a regra é que nenhumcaso fica encerrado, nenhum doente on-cológico tem alta.Para que esta via da correcta aplicaçãodo método clínico dê os resultados de-sejados na redução drástica do erromédico é necessário que seja aplicadapor médicos competentes no plano ci-entífico e técnico.Não basta o que se aprendeu na facul-dade, no internato geral, no internatoda especialidade e, na prática hospitalar,junto aos médicos mais experientes doserviço. É necessária uma formação pes-soal permanente que não se conseguecom a frequência sazonal de reuniõesque as sociedades científicas vão orga-nizando com o apoio da indústria far-macêutica.Para esta formação contínua, diria diá-ria, o computador pessoal é absoluta-mente indispensável. Ele permite a leitu-ra, a qualquer hora, de uma ou mais re-vistas de referência para a especialidade

de cada um, on line, com o registo empapel apenas do que é relevante e ne-cessário para fins práticos. Permite, ain-da, o acesso a programas de educaçãocontínua – que, por exemplo, no Cana-dá, são criados e actualizados pelos co-légios das especialidades e propõemguidelines (propostas de actuação) ge-rais para situações tipificadas que o mé-dico saberá adaptar às suas necessida-des concretas. E torna possível a obten-ção de uma segunda opinião, em temporeal, enviando a um colega, no país ouno estrangeiro, todo o caso clínico e todaa iconografia imagiológica.

Para o clínico geral/médico de família jáexistem em muitos países muitas possi-bilidades de formação contínua e deapoio ao diagnóstico, beneficiando daspossibilidades das tecnologias de infor-mação mais modernas. Na Finlândia, porexemplo, está disponível, em suporteelectrónico, toda a informação necessá-ria para o diagnóstico e tratamento dassituações que o clínico geral atende; estainformação é actualizada de 6 em 6meses e foi elaborada por um grupo demédicos de reconhecida qualidade. Esteinstrumento facilita a vida profissionaldos clínicos gerais, mantendo-osactualizados e defende-os de erros deobservação, de diagnóstico e de trata-mento.Já em 2000, E.A. Ashley escrevia no Jor-nal Medical Education (2000; 34: 455. 45a) que a melhor forma de aprender

medicina é integrar a informação na prá-tica profissional – Tell me and I will forget,show me and I may not remember, involveme and I will understand. O uso da infor-mação por via informática para resolverum caso que o médico tem à sua frenteé uma forma de aprendizagem autênti-ca e segura e protegerá o médico doerro.O progresso científico na área da medi-cina é vertiginoso e ninguém tem hojecapacidade mental para memorizar eusar, na sua actividade profissional con-creta, todas as informações que a inves-tigação médica constantemente produz.Dizia-se, há poucos anos, que os conhe-cimentos dos médicos estavam desactua-lizados ao fim de cinco anos. Mas hoje émelhor falar de cinco meses e, dentrode pouco tempo, falarmos de cinco dias.A pessoa doente espera, do médico, omelhor e não apenas o mediano ou osuficiente. Se não o encontra em Portu-gal e se tem capacidade financeira vai aLondres ou à Clínica Mayo nos EstadosUnidos. O desejo de cura não tem limi-tes e exige do médico a competênciamáxima.A “evidence-based medicine”, práticamédica baseada em informações con-firmadas por complexas meta-análisesde milhares de trabalhos de investiga-ção, publicados sobre cada problemaclínico, é um recurso que pode evitaro erro ou pelo menos o erro por des-conhecimento da melhor decisão a to-mar num caso concreto; mas não é umrecurso facilmente disponível para aactividade profissional diária, sendo de-sejável, contudo, que as faculdades demedicina e os colégios das especiali-dades, juntem esforços para que estainformação privilegiada possa estar aodispor dos nossos médicos, em espe-cial dos clínicos gerais.Estas duas vias – rigor na aplicação dométodo clínico, informação correcta,actualizada e facilmente disponível porvia informática – são as vias reais paraevitar o erro médico e assim reforçar aconfiança dos cidadãos na qualidade dosmédicos portugueses.E reduzir o número das queixas à Or-dem e dos processos de responsabilida-de civil apresentados nos Tribunais.

A via mais segura para

evitar o erro médico

na prática clínica é

aplicar sempre e de

forma sistemática o

método clínico: ouvir,

observar, interpretar,

tratar, seguir e

encerrar.

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O P I N I Ã O

Na segunda metade do século XX, o progresso tecnológicocrescente e a diferenciação das especialidades médicas de-terminavam cada vez mais que os cuidados de saúde pres-tados aos doentes crónicos se centrassem no «ataque àdoença» e na busca da cura, esquecendo as necessidadesdo paciente e ainda mais as da sua família.A não-cura era (e frequentemente ainda continua a ser )encarada por muitos profissionais como uma derrota, umafrustração, uma área de não--investimento e, como tal, os doentesincuráveis eram maioritariamente vo-tados a um abandono encapotado. Adoença terminal e a morte foram«hospitalizadas» e a sociedade em ge-ral aumentou a distância face aos pro-blemas do final de vida.O movimento moderno dos cuidadospaliativos, iniciado em Inglaterra na dé-cada de 60, e que posteriormente sefoi alargando ao Canadá, Estados Uni-dos e mais recentemente (no últimoquarteirão do século XX) à restanteEuropa, teve o mérito de chamar aatenção para o sofrimento dos doen-tes incuráveis, para a falta de respos-tas por parte dos serviços de saúde epara a especificidade dos cuidados queteriam que ser dispensados a esta po-pulação. Tratava-se de um grupo nu-meroso de doentes e com enormetendência a aumentar, dado o envelhecimento demográficoe o aumento das doenças crónicas não transmissíveis.Os cuidados paliativos definem-se como uma resposta ac-tiva aos problemas decorrentes da doença prolongada, in-curável e progressiva, na tentativa de prevenir o sofrimen-to que ela gera e de proporcionar a máxima qualidade devida possível a estes doentes e suas famílias. Este movimen-to da Medicina do pós guerra, correspondeu de certa for-ma a um movimento marginal que pretendia contrariar acrescente desumanização dos cuidados prestados aos do-entes terminais nos grandes hospitais de agudos.Apesar da pertinência da resposta advogada pelos cuida-dos paliativos para as questões em torno da humanização

Cuidadospaliativos:vida e qualidade

dos cuidados de saúde e do seu inequívoco interesse públi-co, o certo é que hoje, no início do século XXI, este tipo decuidados não está ainda suficientemente divulgado e aces-sível àqueles que deles carecem.No nosso país, mais concretamente, podemos dizer que osserviços qualificados e devidamente organizados são escas-sos e insuficientes para as necessidades detectadas – bastalembrar que o cancro é a segunda causa de morte em Por-

tugal, com uma clara tendência a au-mentar. Para além disso, importa re-forçar que os cuidados paliativos sãoprestados com base nas necessidadesdos doentes e famílias e não com baseno seu diagnóstico. Como tal, não sãoapenas os doentes de cancro avança-do que carecem destes cuidados: osdoentes de SIDA em estadio avança-do, os doentes com as chamadas insu-ficiências de órgão avançadas (cardía-ca, respiratória, hepática, respiratória,renal), os doentes com doenças neu-rológicas degenerativas e graves, os do-entes com demências em estadio mui-to avançado. Estamos , por isso, a falarde um grupo vastíssimo de pessoas,de um problema que atinge pratica-mente todas as famílias portuguesas.A questão da doença avançada, termi-nal e da morte é um problema univer-sal, tão universal como os cuidados

pré-natais e na infância. Se hoje se investe claramente nasúltimas áreas, o mesmo não podemos dizer da primeira.Que pretendemos oferecer aos doentes na fase avançada eterminal das suas vidas, sobretudo quando temos presente que90% das mortes ocorrem após doença crónica e avançada? Sendoconsensual que os princípios e as práticas advogadas pelo movi-mento dos cuidados paliativos constituem uma resposta clara,estruturada e fundamentada, para necessidades e problemasbem identificados na população doente e em fim de vida, e dadaa escassez das respostas no terreno e o enorme sofrimento dedoentes e famílias pouco apoiadas nessa fase crucial das suasvidas, impõe-se uma intervenção planeada que permita inflectiro quadro actual, de modo a implementar este «novo» conceito.

Isabel Galriça NetoMédica de Cuidados Paliativos da Equipa de

Cuidados Continuados do C. S. OdivelasFac. Medicina de Lisboa - Membro da ANCP

Os cuidados paliativoscentram-se naimportância da

dignidade da pessoaainda que doente,

vulnerável e limitada,aceitando a mortecomo uma etapa

natural da vida que,até por isso, deve servivida intensamente

até ao fim.

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Os cuidados paliativos não são cuidados menores no siste-ma de saúde, não se resumem a uma intervenção caritativabem intencionada, não se destinam a um grupo reduzidode situações, não restringem a sua aplicação aos moribun-dos nos últimos dias de vida e, pela especificidade dos cui-dados, diferenciam-se dos cuidados continuados (cuidadosaos doentes com perda de funcionalidade ou dependen-tes). Os cuidados paliativos não são dispendiosos, não en-carecem os gastos dos sistemas de saúde, e tendem mes-mo a reduzi-los pela melhor racionalização dos meios.Só poderemos combater estas concepções incorrectas es-clarecendo alguns conceitos:• Os cuidados paliativos deverão ser parte integrante dosistema de saúde, promovendo uma intervenção técnica querequer formação e treino específico obrigatórios por par-te dos profissionais que os prestam, tal como a obstetrícia,a dermatologia, a cirurgia ou outra área específica no âm-bito dos cuidados de saúde.• Os cuidados paliativos são cuidados preventivos: previ-

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ProgramaComunicação Social: Presente e FuturoA Saúde e os MediaA Saúde como Especialidade na ImprensaGeneralistaComunicação de Crise. O Papel dasAgências de Comunicação e das AssessoriasOs Médicos e o JornalismoMedicina e Jornalismo: Éticas CruzadasMedia Training Imprensa / Media TrainingAudiovisuaisOs Médicos e a Obrigação de ComunicarO CURSO DESTINA-SE aos médicos em ge-ral, particularmente aos que, pelas suas funçõesclínicas, científicas ou administrativas, contactamfrequentemente com os media. O CURSO Écertificado pela Ordem dos Médicos e resultade um acordo de parceria com o Observató-rio da Imprensa e a Merck Sharp & Dohme. Onúmero de formandos é limitado. A confirma-ção da inscrição será feita pela ordem de en-trada dos pedidos no Departamento de For-mação da Ordem dos Médicos. A inscrição obri-ga ao pagamento de um valor de 200 euros.Contactos: Departamento de Formação da Or-dem dos Médicos: Av. Almirante Gago Coutinho,151, 1749–084 LisboaTelef.: 21 842 71 00 – Fax.: 21 842 71 01Como apoio:

nem um grande sofrimento motivado por sintomas (dor,fadiga, dispneia), pelas múltiplas perdas (físicas e psicológi-cas) associadas à doença crónica e terminal, e reduzem orisco de lutos patológicos. Devem assentar numa interven-ção interdisciplinar em que pessoa doente e família são ocentro gerador das decisões de uma equipa que idealmenteintegra médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes soci-ais e outros profissionais.• Os cuidados paliativos pretendem ajudar os doentes ter-minais a viver tão activamente quanto possível até à suamorte (e este período pode ser de semanas, meses ou al-gumas vezes anos), sendo profundamente rigorosos, cientí-ficos e ao mesmo tempo criativos nas suas intervenções.• Os cuidados paliativos centram-se na importância da dig-nidade da pessoa ainda que doente, vulnerável e limitada,aceitando a morte como uma etapa natural da vida que,até por isso, deve ser vivida intensamente até ao fim.É por tudo isto que estes cuidados são sinónimo de vida equalidade.

OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA

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O rescaldo de um congresso sobre s portugueses têm a auto--estima em níveis assustadora-mente baixos. Tão mau como

isso, ou talvez pior, os seus índices edu-cacionais deixam muito a desejar. Qual-quer pessoa ou instituição responsá-vel, nessas circunstâncias, devia elegercomo uma prioridade inverter esteestado de coisas. Quer dizer, apostarna educação.A medicina e a cirurgia não se exclu-em dessas necessidades, como é ób-vio. Por isso deixa-nos uma profundapreocupação (desilusão só tem quemalimenta ilusões) aquilo a que consi-deramos escassa adesão a uma recen-te iniciativa do Serviço que dirijo. Nãocomento a espantosa ocorrência si-multânea de 3 reuniões na mesma ci-dade sobre matérias que interessam acirurgia. Afinal tudo se insere na linhadas limitações já referidas. Porém valea pena parar para reflectir.Algumas das figuras mundiais que nosvisitaram consideraram o programa docongresso excepcional e alguns afirma-ram mesmo não conhecerem experi-ências sobreponíveis no mundo. Osdistintos colegas portugueses que nosajudaram foram também muito gene-rosos nas apreciações que fizeram,sentindo a organização a sinceridadedas suas palavras. Acresce que foramconvidados sem encargos numerososestudantes e algum pessoal de enfer-magem e médico numa demonstraçãode apreço pelas potencialidadesformativas do evento. Os principaisintervenientes não faltaram, o tempode um modo geral foi respeitado e osperíodos de discussão foram suficien-temente alargados de modo a que emambiente descontraído pudéssemostrocar pontos de vista. Não houve pro-grama social, é certo, mas isso tam-bém não era o que mais importava.Como se sabe a cirurgia nestes últi-

mos anos evoluiu muito mais do queao longo de muitos séculos. Como épossível mantermo-nos fiéis a méto-dos educacionais e de treino em ci-rurgia que estão evidentemente ob-soletos? Como é possível desprezar-mos muitas das novas ferramentas deensino com o pretexto de que nãopodemos querer tudo e afinal nãoestamos mal de todo demonstrandoassim uma falta de ambição cuja influ-ência perniciosa não devemos ignorar?Se o país tem demonstrado propósi-tos de ter níveis de vida de altostandard mesmo trabalhando poucoe não possuindo uma mão de obraqualificada, nem riquezas naturais, bomseria que os orientasse na direcção dosobjectivos educacionais, que deveriasatisfazer em período de tempo razo-ável, assim encurtando distâncias rela-tivamente a outros mais esclarecidos.E não será inquietante que coisas tãoimportantes para o nosso presente euma correcta programação do futuromereçam tão pouca atenção de tan-tos responsáveis? Não é hoje possívelensinar alunos de medicina sem se dis-por de um acesso fácil a um centro detreinos e a um equipamento informá-tico de qualidade aceitável. O ensinoclínico nas faculdades de medicina ne-cessita, em qualquer circunstância oucenário, de se apoiar em material clí-nico de qualidade e de se estender paraa área dos cuidados primários, do am-bulatório e para hospitais devidamen-te afiliados. Estes temas, bem como aorganização dos clerkships e a avalia-ção dos alunos, dos docentes, dos pla-nos de estudo e dos sistemas de ensi-no foram passados em revista por al-gumas das maiores autoridadeseuropeias e norte-americanas do sec-tor da educação em cirurgia. As suaspalestras, bem como todas as suas res-tantes intervenções, pontificaram pela

clareza e rigor, constituindo váriosmomentos de verdadeiro prazer eenriquecimento de todos os que a elaspuderem assistir. Outros dos convida-dos tiveram intervenções no mesmosentido de boa qualidade. Discutiu-setambém o ensino das especialidadescirúrgicos e a sua relação com a cirur-gia geral, bem como a importância dacirurgia baseada na evidência, da inves-tigação, e da medicina molecular noséculo XXI.A formação dos cirurgiões ocupouuma grande parte do programa e in-cluiu temas de enorme actualidade eimportância: auditorias em cirurgia,conferências de mortalidade emorbilidade, horas de trabalho, orga-nização curricular, a estrutura da ci-rurgia na União Europeia de MédicosEspecialistas, volume e experiência ci-rúrgicos, controlo da qualidade, ascompetências em cirurgia e seus mé-todos de avaliação, a acreditação, acertificação e a recertificação.No último dia do congresso abordá-mos temas da maior importância, asaber: a comunicação no bloco opera-tório: fisiopatologia do comportamen-to interprofissional, a educação doscirurgiões na cirurgia geriátrica e ain-da os cuidados paliativos em cirurgia.As preocupações da organização fo-ram muito no sentido do «como fa-zer» e menos no das especulaçõesteóricas, tantas vezes desinseridas darealidade e das necessidades em cau-sa. E agora?A organização de congressos no paísnecessita de ser claramente discipli-nada e devidamente controlada. A in-formação científica e as novidadestecnológicas chegam-nos com crescen-te facilidade e detalhe. Por isso, legiti-mamente só deveriam organizar con-gressos (e mesmo assim com periodi-cidade adequada) aqueles que tenham

O

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O P I N I Ã O

já dado garantias de contributos mui-to válidos e originais na área dos as-suntos a abordar. No fundo trata-sede uma questão de credibilidade. Re-almente só faz sentido que num paíscarenciado como o nosso todas as ini-ciativas de Educação Médica Contínuatenham de atingir mínimos de quali-dade que as justifiquem. O esbanja-mento de recursos e as tentativas paraocultar insuficiências várias através demeros expedientes organizacionaisestão, esperamos, condenados ao fra-casso. Nós não podemos educar osoutros se nós próprios não formoseducados. Como será possível admitirque alguém se apresente publicamen-te assumindo pretensões educativas seno seu reduto pratica uma política que,mais do que modernizar as instituições,pelo contrário, espatifa patrimóniosculturais sacrificadamente e estoica-mente construídos ao longo de váriasgerações. Perante este descalabro hápessoas que vivem um inferno de de-sesperos contidos e que só reprovamtais práticas, essencialmente, pelo si-lêncio. Utilizaram a paciência duranteo tempo que puderam e só a sacrifi-caram por uma questão de honra. Po-rém, ainda que se não ignore que cer-tas desorientações das consciênciassão sempre fatais aos costumes, exac-tamente por isso não se pode pactuarcom velhacarias e o amor à intriga.Muitas vezes aqueles que exibem umclaro pendor para se preocuparemcom ninharias fazem-no, apenas, e tãosó, para evitar um doloroso confron-to com as suas limitações. Estes des-créditos necessitam pois de ser urgen-temente combatidos, sem lugar paraódios insignificantes e pequenos. Ha-verá que esclarecer que nas nossasinstituições algumas aproximaçõespoderão ser de encorajar, mas quepara que sejam possíveis e honrosas

não pode existir radical incompatibili-dade de procedimentos ou profundaantinomia de princípios. Porque a exis-tência destas aconselha vivamente aque por profilaxia se evitem concen-trações excessivas para impossibilitarprejuízos ainda maiores do que os exis-tentes. A comunidade cirúrgica inter-nacional tem estado atenta a estas di-ficuldades e recomenda vivamente aexistência de unidades assistenciais dedimensão adequada a uma gestão efi-ciente; é oportuno acentuar que estasexigências se tornam ainda mais evi-dentes em Hospitais com ensino dadaa natureza mais complexa e susceptí-vel das múltiplas funções que lhes es-tão cometidas.Ficou demonstrado no Congresso emapreciação que a arrogância e a inca-pacidade de liderança são fardos pe-sados para as instituições em que semanifestam. Os referidos hospitaisapenas poderão exercer efectivamen-te as suas múltiplas e muito nobresmissões se deixarmos de assobiar parao ar como nada estivesse a acontecer.Só assim seremos dignos de homenscom passado (alguns felizmente aindana plenitude da sua prestação huma-na) que nos obrigam a ter memória erespeito por valores que tantos delescultivaram. A manutenção e/ ou a cri-ação de condições para fixar e atrairjovens talentos com provas já dadas éuma prioridade absoluta que tem deser rigorosamente respeitada. Quemse excluir desta trajectória deveria emcoerência concluir o que parece ób-vio. E aqui se insere uma vez mais aEducação. Por isso fica em agenda (paraque conste) um outro congresso so-bre o mesmo assunto, e depois demuitas implicações destes conceitos narotina do serviço que dirigimos.Por último, refira-se que os Hospi-tais com ensino não são criados por

diplomas legais com compromissos aosabor dos vários grupos de pressão.Eles têm de estar na cabeça e no co-ração daqueles que neles trabalhame isso é uma tarefa que demora anos.Nesses hospitais a preparação peda-gógica dos docentes tem de ser acau-telada e não fazer-se com métodosartesanais. Também a investigação clí-nica não deve ser um mero processode intenções, tantas vezes não con-cretizadas. Espantosamente a afiliaçãode unidades de saúde para o ensinoque já dispõe de um importante tra-balho coordenado pela reitoria daUniversidade do Porto em estrita ar-ticulação com técnicos do ImperialCollege não parece mobilizar aten-ções que as suas potencialidades bemjustificariam É pois com justificada eprofunda preocupação que encara-mos um projecto de diploma que vaicirculando, pretensamente, sobreHospitais Universitários. O País pre-cisa de médicos, mas também precisaque a sua formação se faça adequa-damente. E para isso o ensino do cha-mado ciclo clínico é absolutamentefundamental e o mais susceptível. Oproblema é que , como sal ientaAntónio Barreto, para falar alto im-porta ter que dizer.

Dezembro de 2003

Manuel Cardoso de OliveiraDirector de Serviço do Serviço de Cirurgia B

do Hospital de São João. Professor Catedrático

Educação em Cirurgia

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N O T Í C I A S

dos Hospitais, com o projecto Mú-sica no Hospital. O projecto CasaBetânea foi criado há nove anos poruma professora e uma médica comnecessidade de encontrar respos-tas para familiares com deficiênciamental. Criaram uma casa em queos doentes vivem de modo inde-pendente e estão integrados na so-ciedade, deslocando-se diariamen-te para os seus empregos. O pro-jecto Teach, iniciativa de pais de cri-anças autistas, conseguiu promovero ensino especial e a integração des-tas nas aulas normais, facilitando, asocialização com as outras criançase o seu desenvolvimento. Música noHospital, é uma iniciativa da Liga dosAmigos dos Hospitais, que preten-de alegrar o dia-a-dia de crianças edoentes hospitalizados.

Portugal investigaabordagem terapêuticacontra o vírus da sidaA APECS – Associação Portuguesapara o Estudo Clínico da SIDA atri-buiu a 2ª Bolsa Bristol-Myers Squibbde Investigação em Infecção por Vírusda Imunodeficiência Humana. Esta bol-sa vai permitir verificar o papel das te-rapêuticas anti-retrovirais na alteraçãodos níveis de lípidos (lipodistrofia) nosdoentes infectados pelo VIH, e medi-das para a redução do risco de aci-dentes cardiovasculares e cerebrovas-culares. Na cerimónia de atribuição daBolsa de Investigação esteve Meliço-Silvestre, Presidente da Comissão Na-cional de Luta Contra a Sida, em repre-sentação do Ministro da Saúde Luís Fi-lipe Pereira, Lino Rosado Presidenteda APECS - Associação Portuguesapara o Estudo Clínico da SIDA e Tere-sa Carqueja Directora Médica daBristol-Myers Squibb. Este estudo vaiser realizado por uma equipa consti-tuída por quatro médicos investigado-res portugueses - Paula Freitas, DavideCarvalho, António Mota Miranda e JoséLuís Medina - apoiados por 22 cola-boradores. Na investigação designada“Estudo da Síndrome da Lipodistrofiae das Repercussões Endócrino-meta-

bólicas e Cardiovasculares na Infecçãopor Vírus da Imunodeficiência Huma-na”, os especialistas vão estimar a fre-quência e identificar os determinantesda ocorrência e da gravidade dasíndrome de lipodistrofia em doentesinfectados pelo VIH. A investigação queestes especialistas vão levar a cabo vaipermitir esclarecer se a síndrome delipodistrofia pode ser ou não um efei-to secundário da terapêutica anti-retrovírica.

Terapêutica combinadaeficaz em doentes comHepatite CDados de um estudo divulgado re-centemente na 54.ª reunião da As-sociação Americana para o Estudodas Doenças do Fígado em Bostoncontrariam as indicações dasguidelines americanas e europeias, deacordo com as quais os doentes comHepatite C e níveis de ALT persis-tentemente “normais” não tinhamindicação para tratamento. Este es-tudo da Roche, primeira companhiaa iniciar estudos em diferentes tiposde doentes, foi desenhado com o ob-jectivo de avaliar as respostas dosdoentes com Hepatite C crónica eníveis de alanino- aminotransferase(ALT) persistentemente normais auma terapêutica com interferãopeguilado alfa 2a em combinaçãocom ribavirina e se isso resultarianum benefício para este subgrupo.A questão a que o estudo preten-deu responder seria a potencial in-dicação deste grupo alvo para trata-mento. “Sim” foi a inequívoca res-posta à questão levantada pelo es-tudo. “Os resultados do ensaio sãomuito interessantes pois questionamverdades antigas e demonstram queo facto de os níveis de ALT serem“normais” não reflecte a condição(grau de lesão) em que se encontrao fígado do doente”, afirma StefanZeuzem, Director do Departamen-to de Medicina Interna do HospitalUniversitário de Hamburgo, Alema-nha, e investigador principal do es-tudo agora apresentado.

230 mil euros paraa investigação médicae científicaA Fundação Bial abriu no dia 1 de Ja-neiro as candidaturas para a edição de2004 do PRÉMIO BIAL, evento bienalque agora assinala o vigésimo aniver-sário. Considerado um dos galardõesde maior relevância na área da saúdeem toda a Europa, o PRÉMIO BIAL,desde sempre comprometido com ainvestigação médica e científica, distin-guiu já mais de 60 obras de caráctermédico. Para a 11ª edição as obras can-didatas de investigadores de qualquernacionalidade deverão ser enviadas, até31 de Outubro de 2004, para a Fun-dação Bial. À semelhança das ediçõesanteriores, serão premiadas duas mo-dalidades: o Grande Prémio Bial de Me-dicina (150 mil euros), destinado agalardoar obras intelectuais escritas, deíndole médica, que representem umainvestigação de grande repercussão ouque se distingam pela sua qualidade erelevância científica, e o Prémio Bialde Medicina Clínica (50 mil euros), quevisa especificamente distinguir umtema livre de elevada qualidade inte-lectual dirigido à prática da clínica ge-ral.

Saúde nacomunidadeNo dia 20 de Janeiro a Bristol--Myers Squibb, atribuiu o Prémio«BRISTOL-MYERS SQUIBB - Saú-de na Comunidade», um prémio quepretende contribuir para o desen-volvimento e bem estar da comu-nidade, reconhecendo publicamen-te o trabalho, na área da saúde, deorganizações e instituições que re-alizam actividades muitas vezes emcondições difíceis. O Júri constituí-do por jornalistas e um elementoda Bristol-Myers Squibb, atribuiu o1.º Prémio, no valor de cinco mileuros, à Casa Betânea e distinguiucom Menções Honrosas, no valorde mil e quinhentos euros cada, aEscola Básica n.º1 de Algés, com oProjecto Teach, e a Liga dos Amigos

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CONSULTORIA FISCAL

IMPOSTO MUNICIPAL S/ IMÓVEIS- Foi aprovado o novo modelo 1 e ane-xos respeitante à inscrição de prédiosurbanos na matriz, incluindo terrenos paraconstrução.Estes documentos devem ser entregues,em DUPLICADO, no Serviço de Finançasda área da situação dos imóveis no prazode 60 DIAS contados a partir da respectivaocorrência (v.g. ocupação, conclusão dasobras, início da construção, no caso dedireito de superfície, etc).A obrigatoriedade da entrega da nova de-claração e anexos, inicia-se a partir de 13de Novembro de 2003.Esta declaração substitui o anterior 129do Código da Cont. Predial.- O novo código do Imposto Municipal s/Imóveis entrou em vigor no dia 1 de De-zembro de 2003, sendo revogados os Có-digos da contribuição Autárquica e daContribuição Predial e do Imposto s/ In-dústria Agrícola.- Mantêm-se os benefícios fiscais concedi-dos pelo Código da Contribuição Autár-quica.- Os prédios urbanos NÃO ARRENDA-DOS são actualizados com base em coefi-cientes de desvalorização da moeda, atéque se proceda a uma avaliação geral detodos os imóveis.Os coeficientes são estabelecidos entreum máximo de 44,21 e um mínimo de 1,constantes de Portaria do Ministro dasFinanças.Os valores patrimoniais resultantes dascorrecções efectuadas entram em vigorem 31 de Dezembro de 2003.- Os sujeitos passivos do Imposto muni-cipal s/ imóveis (IMI) devem no prazo de6 (seis) meses, proceder à identificaçãodos prédios com o respectivo número fis-cal de contribuinte, se ainda não o fize-ram, incluindo heranças indivisas.- Este imposto é devido pelo proprietá-rio do imóvel em 31 de Dezembro do anoem causa.- As taxas deste imposto são as seguin-tes:• Prédios rústicos – 0,8 %• Prédios urbanos – 0,4 % a 0,8 %• Prédios urbanos avaliados nos termosdeste novo Código – 0,2% a 0,5%

CÓDIGO DO IMPOSTO DO SELO- Este Código incidirá sobre as aquisições,a título gratuito, de imóveis, móveis sujei-tos a registo, participações sociais e valo-res mobiliários, estabelecimentos comer-ciais, industriais ou agrícolas, direitos decrédito de sócios, etc.

- As Transmissões a título gratuito estãosujeitas à taxa de 10 % (Taxa única).- Os PPR/E’s, Poupança-Habitação, pen-sões e subsídios, donativos integrados naLei do Mecenato, donativos de uso socialaté 500 euros, estão isentos deste impos-to.- O direito à liquidação caduca no prazode 8 anos a contar da data da transmis-são dos bens.- As doações e os falecimentos devem serparticipados no Serviço de Finanças Com-petente (área de residência do autor daherança do doador), até ao final do 3.ºmês seguinte do nascimento da obriga-ção tributária, incluindo a respectiva rela-ção de bens, certidão de testamento, quan-do houver, certidão de escritura de doa-ção ou de partilha, etc.- As transmissões gratuitas a favor de her-deiros legitimários passam a ser tributa-das em imposto do selo deixando de sertributados os bens pessoais ou domésti-cos nem a presunção da sua existência.- O valor tributável dos veículos automó-veis, aeronaves de turismo e barcos derecreio, nas transmissões gratuitas, é ovalor de mercado calculado nos termosprevistos no Código do IRS.- A base tributável nas transmissões pormorte deixa de ser a quota hereditária decada herdeiro passando a massa hereditá-ria global na pessoa do cabeça-do-casal ea liquidação do imposto não exige parti-lha prévia.- É eliminado o imposto s/ sucessões edoações por avença (taxa de 5%) queincidia sobre os dividendos e os juros deobrigações.- Os títulos de acções e de obrigaçõesserão apenas tributados quando houver

transmissão gratuita desses títulos.- Passam a ser tributados em imposto doselo à taxa de 5% os trespasses de esta-belecimentos comerciais, industriais ouagrícolas.

IRS• As declarações de rendimentos modelo3 de IRS respeitantes ao ano de 2003,devem ser apresentadas nos Serviços deFinanças, nos prazos seguintes:1. Rendimentos exclusivamente de traba-lho dependente e/ou pensões, de 1 de Fe-vereiro a 15 de Março de 2004.2. Rendimentos de outras categorias, in-cluindo trabalho dependente e/ou pensões,de 16 de Março a 30 de Abril de 2004.• Em princípio, tal como nos anos anteri-ores, as aludidas declarações poderão serentregues nesta Ordem, nos seguintesprazos:- Rendimentos exclusivamente de traba-lho dependente e/ou pensõesDe 16 a 27 de Fevereiro e de 1 a 15 deMarço – das 10 às 13 horas (3as e 5as fei-ras)De 8 a 15 de Março – das 18.30 às 20.30horas (todos os dias úteis)- Restantes casosDe 16 de Março a 30 de Abril - das 10 às13 horasDe 19 a 30 de Abril, inclusive - das 18.30às 20.30 horas (todos os dias úteis)

Quaisquer dúvidas ou esclarecimen-tos sobre matéria fiscal poderão serprestados na Consultoria Fiscal, to-das as 3.as e 5.as feiras, das 10 às 13horas, na Avenida Almirante GagoCoutinho, 151, Lisboa.

CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPALDE TRANSMISSÕES ONEROSAS DE IMÓVEIS (CIMTI)

- Este código revoga o Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto s/ Suces-sões e Doações- As taxas aplicáveis são as seguintes:• Aquisição de imóveis exclusivamente para HABITAÇÃO:

Valor s/ incide o IMT Taxas percentuaiseuros Marginais Média

Até 80000 0 0>80000 a 110000 2 0,5455>110000 a 150000 5 1,7333>150000 a 250000 7 3,8400>250000 a 500000 8 ->500000 TAXA ÚNICA 6• Aquisição de prédios rústicos – 5%• Aquisição de prédios urbanos e outros (direito superfície, terrenos paraconstrução) – 6,5%

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Fernando ChioteSoltam-se as amarrasPrefácio

VáriosOlhares CruzadosFund. Calouste Gulbenkian

Maria Lucília Mercês de MelloSintoniasMinervaCoimbra

J. T. S. Soares-CostaTeresa J. J. B. Soares-CostaCardiopatia IsquémicaPermanyer Portugal

C U L T U R A

Estreada em 1961, A Grande Impreca-ção Diante das Muralhas da Cidade deTankred Dorst, merece atenção degrandes encenadores e é representadaem quase todo o mundo. A Portugalchega trazida por Mário Barradas quea encena para OS BONECREIROS que aestreiam no Instituto Alemão de Lis-boa a 3 de Janeiro de 1974 com Fer-nanda Alves, Mário Jacques, José Go-mes e Vicente Galfo no elenco. Consti-tuiu este espectáculo um enorme su-cesso no efervescente clima vivido nopaís nos meses que antecederam o 25de Abril. Para os espectadores dessa al-tura, convencidos da chegada dos tem-pos de mudança, a Imprecação na vozde Fernanda Alves soou como a trom-beta que havia de derrubar a muralhado fascismo em Portugal. Volvidos 30anos a peça estará novamente em cenaem Portugal, numa encenação de JoséPeixoto, que conta com a interpreta-

P i n t u r a

Um corpo espelho da almaVai estar patente até ao dia 29 de Fevereiro,na galeria da Secção Regional do Sul da Or-dem dos Médicos, a exposição Body Dream,uma exposição individual de pintura do artistaDDACO (David Esaguy D’Almeida Coimbra).Nascido em 1945, cedo desenvolveu uma pro-cura intelectual e interesse pela arte. O traba-lho tem como tema básico o erotismo: o pin-tor apresenta, numa unidade temática homo-génea, a mulher como prazer supremo. O cor-po feminino, endeusado como a origem da vida,é o da mulher real e não a representação dedeusas mitológicas, de odaliscas orientais oude banhistas turcas. Celebração da vida e doprazer, o nu é natural e não idealizado, um cor-po espelho da alma num espírito aberto.

T e a t r o

A Grande Imprecação Diantedas Muralhas da Cidade

ção de Elsa Valentim, Jorge Silva, MárioJacques, José Peixoto e Rui Rebelo. Oespectáculo será apresentado na salaRecreios da Amadora de 4 a 21 deMarço, no Teatro Municipal de Almadade 1 a 11 de Abril, e em Lisboa em datae local a designar. Para mais informa-ções contactar: Associação Cultural –Teatro dos Aloés - Tel: 91 664 82 04 -21. 814 08 25