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1 Esporte, lazer e morte: política, corpo e risco nas práticas de aventura 1 Marília Martins Bandeira (Unicamp, São Paulo) 2 Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado que objetiva etnografar um conflito político. Entidades do turismo e do esporte disputam no Brasil o direito de elaborar uma política nacional para a regulamentação das práticas, ditas, de aventura. Por meio de análise documental e etnografia digital encontrei que o corpo, eclipsado nas noções de risco e perigo, é preocupação e objeto de projetos de lei, normas e debates, em audiências públicas e na mídia especializada, que tem como tema a proteção da pessoa nestas práticas, no sentido da evitação da morte e da perda da integridade física. Sua disseminação recente demandou do Estado pensar sua responsabilidade pelos corpos dos adeptos e a possibilidade da morte. Ora ele é, via corpo de bombeiros, incumbido dos eventuais resgates (seja de corpos vivos à deriva ou de corpos mortos para registro e ritual de sepultamento), ora outros mecanismos são pensados para não sobrecarregá-lo com tal atribuição, diante do crescimento do setor. Mesmo concebidas como práticas de liberdade por seus entusiastas, devido à repercussão de acidentes fatais no processo de popularização da aventura no país como modalidade de esporte e turismo, e enquanto serviço, dispositivos de controle sobre as pessoas que se arriscam são criados. Palavras-chave: risco, corpo, política. Introdução Em pesquisa anterior, de mestrado (Bandeira 2012), foi identificado o apelo contemporâneo dos lazeres de risco e um conflito entre organizações esportivas e de turismo pelo direito à regulamentação deste campo no Brasil. Nas últimas décadas embates simbólicos e técnicos se acirraram e culminaram com a criação de instituições como, em 2004, a Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA) em parceria com o Ministério do Turismo e, em 2006, a Comissão de Esportes de Aventura (CEA), do Ministério do Esporte. Investigar a atuação destas duas instituições e seus embates tornou-se o objetivo da pesquisa de doutorado subsequente, da qual este texto é parte. Diante da constatação, nas primeiras incursões em Brasília, de que a CEA havia parado de atuar desde 2007, de que a ABETA tinha seu presidente residindo em Brotas (SP), sede em Belo Horizonte (BH) e a maior parte de suas ações e materiais disponibilizados em website oficial e de que os desdobramentos da disputa se materializaram em audiências públicas, projetos de lei e emendas que tramitaram na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados, cuja 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, em Natal/RN. 2 Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

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Esporte, lazer e morte: política, corpo e risco nas práticas de aventura1

Marília Martins Bandeira (Unicamp, São Paulo)2

Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado que objetiva etnografar um conflito político. Entidades do turismo e do esporte disputam no Brasil o direito de elaborar uma política nacional para a regulamentação das práticas, ditas, de aventura. Por meio de análise documental e etnografia digital encontrei que o corpo, eclipsado nas noções de risco e perigo, é preocupação e objeto de projetos de lei, normas e debates, em audiências públicas e na mídia especializada, que tem como tema a proteção da pessoa nestas práticas, no sentido da evitação da morte e da perda da integridade física. Sua disseminação recente demandou do Estado pensar sua responsabilidade pelos corpos dos adeptos e a possibilidade da morte. Ora ele é, via corpo de bombeiros, incumbido dos eventuais resgates (seja de corpos vivos à deriva ou de corpos mortos para registro e ritual de sepultamento), ora outros mecanismos são pensados para não sobrecarregá-lo com tal atribuição, diante do crescimento do setor. Mesmo concebidas como práticas de liberdade por seus entusiastas, devido à repercussão de acidentes fatais no processo de popularização da aventura no país como modalidade de esporte e turismo, e enquanto serviço, dispositivos de controle sobre as pessoas que se arriscam são criados. Palavras-chave: risco, corpo, política. Introdução

Em pesquisa anterior, de mestrado (Bandeira 2012), foi identificado o apelo

contemporâneo dos lazeres de risco e um conflito entre organizações esportivas e de

turismo pelo direito à regulamentação deste campo no Brasil. Nas últimas décadas

embates simbólicos e técnicos se acirraram e culminaram com a criação de

instituições como, em 2004, a Associação Brasileira de Ecoturismo e Turismo

de Aventura (ABETA) em parceria com o Ministério do Turismo e, em 2006, a

Comissão de Esportes de Aventura (CEA), do Ministério do Esporte.

Investigar a atuação destas duas instituições e seus embates tornou-se o

objetivo da pesquisa de doutorado subsequente, da qual este texto é parte.

Diante da constatação, nas primeiras incursões em Brasília, de que a CEA havia

parado de atuar desde 2007, de que a ABETA tinha seu presidente residindo em

Brotas (SP), sede em Belo Horizonte (BH) e a maior parte de suas ações e

materiais disponibilizados em website oficial e de que os desdobramentos da

disputa se materializaram em audiências públicas, projetos de lei e emendas que

tramitaram na Comissão de Turismo e Desporto da Câmara dos Deputados, cuja

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, em Natal/RN. 2 Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.

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documentação também está disponível em formato digital de acesso irrestrito, e

foram abundantemente comentados em mídia especializada, que é

predominantemente online, tal como portais e blogs; optei pela analise

documental e etnografia virtual como estratégias metodológicas.

Desde o campo virtual

Emblemática publicação, intitulada “Esportes de Aventura Contra o Ministério

do Turismo”, em 18 de Maio de 2005, para o site especializado 360 graus, nos dá as

primeiras pistas sobre o campo da aventura no Brasil:

O Ministério do Turismo está patrocinando um processo de certificação no turismo de aventura, que além de ser incoerente, viola a autonomia das entidades nacionais de administração dos esportes de aventura. Incoerente por que imaginar que empresas, longe do universo dos clubes de prática e do meio esportivo de aventura, poderão atestar se um esportista está apto para conduzir terceiros, utilizando técnicas e equipamentos destes esportes, é desconhecer a realidade. Somente técnicos do governo, dentro de seus gabinetes e distantes da realidade do meio esportivo de aventura, poderiam imaginar que, por exemplo, seria possível certificar se um pará-quedista está apto para realizar um salto duplo longe dos clubes de pará-quedismo e da Confederação Brasileira de Pará-quedismo. O mesmo diga-se em relação ao Parapente e a ABP, Montanhismo e a CBME e assim por diante, esporte por esporte de aventura. Ao invés do Ministério do Turismo procurar se aliar às entidades nacionais de administração dos esportes de aventura e aparelhá-las para fazerem aquilo que pela lógica e pela legislação esportiva pertencem a esferas das suas atribuições, optou por criar um sistema de administração paralelo que viola sua autonomia administrativa. Autonomia esta que foi elevada a categoria de direito constitucionalmente protegido através dos dispositivos do artigo 217 da nossa Lei Maior, que foram disciplinado (sic) pela Lei 9615/98. [...] Recentemente a Associação Brasileira de Parapente, a Confederação Brasileira de Pará-quedismo e a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada se uniram e protocolaram junto ao Presidente da Comissão de Turismo e Esporte da Câmara dos Deputados, Deputado Antonio Cambraia, um pedido de sustação do ato normativo do Ministério do Turismo que o autorizou a entrar na esfera de atribuição das entidades nacionais de administração dos esportes de aventura. Com isso pretende-se que o Ministério do Turismo passe a respeitar a legislação esportiva e o bom senso e se relacione apenas com as entidades nacionais dos esportes de aventura em relação ao componente esportivo do turismo de aventura. Outras questões também foram levantadas no documento, assim como a falta de ética pela utilização de premissas falsas por parte de assessores do Ministério do Turismo e a substituição das entidades de administração dos esportes de aventura por um grupo de empresários que foi criado por iniciativa do próprio Ministério do Turismo. O atual processo de certificação no turismo de aventura não será aceito pelas principais entidades esportivas do setor [...]

O grupo de empresários mencionado trata-se da Associação Brasileira de

Ecoturismo e Turismo de Aventura (ABETA). Segundo seu website, uma iniciativa de

empresários, que se iniciou com uma lista de discussão na internet em 2003, com o

intuito de organizar conteúdos técnicos e elaborar normas de segurança e manuais de

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prática. Para isso, a ABETA procurou integrar o Conselho Nacional de Turismo e

coordenar o Grupo de Trabalho específico do Instituto Nacional de Metrologia,

Qualidade e Tecnologia (INMETRO), estabelecendo uma parceria inédita com o

Ministério do Turismo, o Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro de Turismo

(Embratur), Instituto de Hospitalidade, a Associação Brasileira de Normas Técnicas

(ABNT) e o Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).

A ABETA, afirma ter como objetivo representar, qualificar e promover seus

associados e tornar estas empresas mais competitivas e referências mundiais na

qualidade da prestação de serviços. Uma das consequências é a consolidação do

mercado da vida ao ar livre no Brasil e a disseminação da oferta mais segura das

atividades de aventura. Em parceria com o Mtur elaborou o Programa Aventura Segura,

campanha nacional pelo consumo consciente do turismo de aventura, via elaboração e

divulgação em revistas e eventos de turismo de informativos para o grande público e,

para os profissionais, o desenvolvimento de normas ABNT e a certificação das

empresas que comercializam estas atividades segundo a adoção das mesmas. Entretanto,

a necessidade de sua existência e a adequação de sua atuação não é consenso, mesmo no

interior do segmento turístico.

Além da atuação da ABETA, a materia citada reflete a comoção dos agentes do

campo frente à apresentação de dois projetos de lei, ora PL, no ano de 2005. O PL

5609/05 apresentado pelo Deputado Capitão Wayne (PSB-GO), em 06 de Julho de

2005, dispõe sobre a regulamentação para prática de esportes de aventura ou radicais e

dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta: Art. 1º. As entidades promotoras de eventos de esportes de aventura ou radicais, são obrigadas: I - a possuir registro comercial, em conformidade com as normas específicas, nos Estados, Distrito Federal e Municípios da Federação; II - a registrar, nos órgãos competentes, o responsável técnico pelos equipamentos a serem utilizados para prática desportiva; III - a contratar seguro de vida e de acidentes em favor dos atletas, compreendendo indenizações por invalidez ou morte, em valor compatível com o risco assumido, prevendo, inclusive, cobertura de despesas médicas e hospitalares decorrentes de eventuais acidentes ocorridos; IV - colher assinatura dos atletas em termo de responsabilidade, onde deverão constar as características das provas a que serão submetidos e seus riscos intrínsecos; V- a dispor, no local da prática desportiva, de material e pessoal comprovadamente capacitado para atendimento pré-hospitalar de natureza emergencial; VI - a obter autorização, do órgão público pertinente, para utilização de locais públicos ou privados para prática desportiva, inclusive se responsabilizando por danos ao patrimonio; VII - a proibir a prática desportiva por menores de idade, salvo com autorização escrita dos pais ou responsáveis legais; Art. 2º Os Corpos de Bombeiros Militares serão os

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agentes fiscalizadores, cabendo aos Estados, e ao Distrito Federal, fixarem normas complementares para execução de suas atribuições; Art. 3° A concessão para funcionamento das atividades desportivas serão anuais, devendo o órgão fiscalizador criar mecanismos para autenticação de material vistoriado, bem como aferição de capacidade técnica dos instrutores; Art 4° Fica vedada a prática desportiva em locais que tragam risco a terceiros, ainda que em área particular, cabendo ao poder público o levantamento quanto ao risco; Art 5º A inobservância do disposto no Art 1º, por parte da entidade promotora, importará aos responsáveis a incidência nas penas ao crime cominado na medida da sua culpabilidade; Art. 6º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. JUSTIFICATIVA: O esporte de aventura, ou de natureza radical, tem tomado grandes proporções no país, motivado, em especial, pela interação do mesmo com as belezas naturais aqui ofertadas. Concomitantemente ao avanço, vêm ocorrendo os acidentes, e é com o sentido de proteger as pessoas que apresentamos a presente propositura. É mister citar que o projeto é embasado nos princípios de formulação de políticas públicas definidos claramente pela ciência política contemporânea, como produção mediante captação de motivações. Também se faz objetivo no projeto a inserção de responsabilidades mínimas, bem como atribuir competência a órgãos governamentais para o cunho preventivo e até repressivo se necessário, dada a inexistência de legislação que regulamente o setor.

Note-se que a informação acerca do risco, a disposição de socorro imediato e

mitigação de suas consequencias (via seguro) é argumento central da justificativa desta

proposta de proteção das pessoas contra os acidentes. Entretanto, os termos esportes

radicais e de aventura são usados quase como sinônimos. Este é um dos motivos que

levaram ao veto do projeto assim como justifica o relator, o deputado José Otávio

Germano, além de:

[…] esse tipo de normatização quer nos parecer uma interferência indevida do Poder Público nas relações que se estabelecem entre pessoas: o que oferece a prestação de uma atividade esportiva, que nada tem a ver com a prestação de um serviço público, e aquele que pretende usufruir dessa prestação. Não cabe ao Estado interferir nessas relações. Se alguém se permite a correr determinados riscos inerentes a uma atividade a que voluntariamente se submete, que o faça livremente, no uso da liberdade que lhe é constitucionalmente assegurada. E mais, diante de um Poder Público que já não consegue atender, razoavelmente, a outras imposições mais graves e típicamente públicas, não se justifica sobrecarregá-lo ainda mais com responsabilidades outras e menores no campo regulatório e fiscalizatório. Não bastasse, se implementadas as idéias trazidas pela proposição, inevitavelmente haverá um aumento do custo da prática dos chamados “esportes de aventura ou radicais”, em particular quando se tratar da contratação de seguro de vida e de acidentes, que deverá alcançar cifras astronômicas diante dos riscos maiores que essa atividade representa. Além disso, retomamos a idéia de que o Estado deve ficar fora de determinadas relações entre pessoas de direito privado, deixando-as livres; no caso, agora, para contratar ou não seguro de vida e de acidentes. Em função do exposto, votamos pela rejeição do Projeto de Lei nº 5.609, de 2005, acompanhado das respectivas emendas.

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Este ponto de vista da liberdade do cidadão não dever ser cerceada pelo Estado e

do estatuto privado do risco deliberadamente assumido é partilhada por alguns agentes

do campo tais como André Ilha - montanhista experiente, coordenador do Grupo de

Ação Ecológica (GAE) e ex-presidente do Instituto Estadual de Florestas do Rio de

Janeiro. Neste ínterim, incomodado com algumas leis que tramitavam em níveis locais,

em matéria intitulada “Leis de mais, aventura de menos”, de 04 de Março de 2007, para

o Carta Maior, e no dia seguinte, publicada no Webventure, traz um ponto de vista

importante à centralidade do risco como característica destas práticas. Ele ilustra

exemplarmente as divergências deste campo de disputa ao não aceitar o risco como

elemento definidor de sua prática:

A ser observado estritamente o texto de lei recentemente aprovada em Minas Gerais, por exemplo, quem for jogar uma pelada no Parque das Mangabeiras estará sujeito à aprovação prévia do Corpo de Bombeiros e de um "órgão competente", a assinar um termo de responsabilidade e, ainda, deverá estar acompanhado de "monitores habilitados", uma vez que, de acordo com este diploma legal, esportes de aventura são todas as "modalidades esportivas de recreação que ofereçam riscos controlados à integridade física de seus praticantes e exijam o uso de técnicas e equipamentos especiais", definição que se aplica perfeitamente ao futebol (muito mais pessoas se lesionam jogando bola do que escalando montanhas, e bola e chuteiras nada mais são do que equipamentos especiais para este esporte). Pela versão original de projeto que tramita na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, seria exigido dos escaladores o uso de luvas, algo como obrigar mergulhadores a usar pés-de-pato de chumbo... Por fim, mesmo no tocante à prática comercial, alguns destes atos trazem embutidas uma burocratização excessiva e a ostensiva cartorialização da atividade. O exemplo mais desanimador nesse sentido nos foi dado pela Lei 2353/06 da cidade de Niterói, que determina que só se usem equipamentos certificados por entidade ligada à Empresa de Lazer e Turismo do Município e que só possam atuar no ramo profissionais oriundos de cursos previamente aprovados por ela, além de estabelecer uma inacreditável reserva de mercado para "profissionais já em atividade no Município"! Alguém ganhará com isso, mas este alguém não será, decerto, os esportes de aventura e nem mesmo o turismo de aventura, pois o programa do curso estipulado para os seus "profissionais" está muito aquém do currículo exigido há décadas pelos clubes amadores para os seus próprios guias. É natural que atividades novas gerem novas demandas e desafios para o legislador, e os dispositivos acima elencados devem ser entendidos como os inevitáveis tropeços iniciais em uma longa caminhada que apenas se inicia e que deveria estar voltada apenas para as práticas comerciais. Pois, no tocante à prática amadora, fazemos nossas as sensatas palavras do deputado Otávio Germano, relator do Projeto de Lei Federal nº 5609/05, no voto que levou ao seu arquivamento definitivo.

Duas premissas do trabalho de Douglas e Wildavisky (1982) parecem estar em

acordo com o argumento daqueles que defendem o “direito ao risco” e a não

caracterização das práticas de aventura como atividades exclusivamente “arriscadas”: 1)

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“Because no one knows it all, there can be no guarantee that the very dangers people

seek to avoid are those that actually will harm them most” (p. 3); e 2) “Since there is no

single correct conception of risk, there is no way to get everyone else accept it” (p. 4).

Entretanto, apesar de alguns adeptos considerarem suas atividades de aventura

mais seguras que outras mais corriqueiras, no mesmo ano do PL vetado, entra em

tramitação o PLS 403/05, proposto pelo Senador Efraim Morais, em 06 de Dezembro de

2005, com intuito muito semelhante. Segundo matéria posterior, da própria agência do

senado, acidentes fatais amplamente divulgados pela mídia estimularam o parlamentar a

tal proposição, especialmente um de rapel e outro de bungee jump, que fora filmado

pelo pai da vítima e circulou na internet. Apoiado pelo Senador Romeu Tuma, que

afirmava que a regulação traria tranquilidade às famílias que tivessem filhos

interessados em tais atividades, o PLS 403/05 era originalmente lido assim:

Art. 1° Esta Lei estabelece normas para a prática de esportes radicais ou de aventura no País. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, classificam-se como esportes radicais ou de aventura as atividades esportivas de caráter recreativo, oferecidas comercialmente, com riscos avaliados, controlados e assumidos. Art. 2° A prestação de serviços consistentes na prática de esportes radicais fica condicionada à comprovação, nos competentes órgãos ou entidades do Poder Público, de qualificação específica de instrutores e profissionais responsáveis pela preparação de locais e operação de equipamentos. § 1° A qualificação de instrutores e demais profissionais será comprovada por meio de certificação obtida em curso aprovado pelos competentes órgãos do Poder Público. § 2º A certificação de que trata o § 1º fica sujeita a renovação periódica. Art. 3° Para acesso aos insumos e equipamentos utilizados na prática de esportes radicais, fica instituído o Certificado de Comprador, emitido pelo Poder Público em favor de profissional autônomo ou entidade habilitada a prover a oferta de esportes radicais ou de aventura. § 1° Os estabelecimentos responsáveis pela comercialização de equipamentos para a prática de esportes radicais e de insumos utilizados na montagem desses equipamentos ficam obrigados a exigir do adquirente, quando for o caso, a apresentação do competente Certificado de Comprador. § 2° Para efeito do parágrafo anterior, a comercialização consiste na venda, locação, permuta e revenda, realizadas por pessoas jurídicas ou físicas. § 3° A inobservância do disposto no § 1º deste artigo sujeita o infrator, ou responsável legal, quando for o caso, a multa e pena de detenção de seis meses a dois anos.

Note a presença de riscos já positivados pela ação humana: avaliados,

controlados e assumidos. Entretanto, diante da novidade do tema e da pressão das

entidades esportivas, uma audiência pública com o intuito de instruir os votos sobre o

PLS foi convocada. Em 04 de Junho de 2008, no site alta montanha, Cláudio Bernardo

publica a matéria “Projeto Sem Noção: Especialistas defendem mais debate sobre

projeto de lei”:

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A discussão sobre o projeto de lei do Senado que estabelece regras para a prática de esportes radicais ou de aventura deve ser ampliada para que pontos da proposta sejam mais bem esclarecidos. Essa foi a manifestação de especialistas em esportes radicais que participaram, nesta quarta-feira (4), de um debate sobre a matéria na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE). O relator, senador Raimundo Colombo (DEM-SC), prometeu promover novas discussões, mas afirmou que os esportes radicais e de aventura necessitam ser regulamentados. [...] presidente da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada (CBME), Silvério José Nery Filho, disse que os equipamentos usados no país para a prática de esportes radicais ou de aventura são de boa qualidade e estão de acordo com os padrões da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Ele informou que, de acordo com estatísticas, dentro do setor de montanhismo e escalada, em cada seis anos é registrada apenas uma fatalidade. Já o presidente da Confederação Brasileira de Pára-Quedismo (CBPQ), Jorge Derviche Filho, informou que o esporte já possui regulamentação, enquanto Flávio Padaratz - o Teco - bicampeão mundial de surfe, advertiu que o projeto, como está elaborado, poderia gerar "conseqüências drásticas" para o esporte. Ele observou que o surfe é considerado também um esporte livre, que se confunde com um lazer. No Brasil, conforme informou, há cerca de 3,5 milhões de praticantes dessa modalidade, sendo muito difícil, conforme reconheceu, o credenciamento de instrutores para ministrar aulas de surfe, conforme determina o projeto. O representante do Ministério do Turismo Diogo Demarco reconheceu que o setor deve ser normatizado, desde que em comum acordo com federações, associações e entidades ligadas aos esportes radicais e de aventura.

Novamente, a argumentação dos adeptos relaciona suas práticas ao caráter de

práticas livres. Seria uma contradição, então, pretender regulamentar práticas de

liberdade? Matéria da revista EF, do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF),

em 2005, ilustra exemplarmente dois pontos de vista de agentes sociais envolvidos na

luta pela aventura.

O aparecimento e o crescimento das práticas esportivas de lazer sério e de competição com aventura e risco, junto à natureza, ampliam a tensão entre esporte espetáculo, realizado em ambientes cristalizados, e as práticas outdoor, bem como entre ambiente e desenvolvimento, fazendo surgir na relação ecologia/esporte/turismo uma demanda de diferentes grupos sociais: dos praticantes, de políticos, de movimentos preservacionistas, de empresários, organizadores de passeios/excursões de aventura, de Profissionais de Educação Física e outros. Neste contexto, o interesse do Ministério do Turismo no desenvolvimento das vertentes comerciais dos chamados esportes de aventura seria muito bem recebido, caso houvesse o entendimento de que a atividade turística deve, para sua própria longevidade e para a segurança da sociedade, estar atrelada à orientação de profissionais qualificados e habilitados para a realização das atividades esportivas que constituem seu objeto. A Revista E.F. apresenta diversos posicionamentos a respeito da matéria e abre espaço para a categoria discutir e se posicionar a respeito. Entre no portal CONFEF (www.confef.org.br) e deixe a sua opinião. Na nossa próxima edição apresentaremos o posicionamento do CONFEF, que espelhará o da própria categoria, e apresentaremos o panorama atual das atividades em questão.

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Entrevistado na matéria é Cláudio Consolo, presidente da Associação Brasileira

de Parapente, advogado especialista em direito esportivo, agente central neste campo de

disputa pela regulação das práticas de aventura no Brasil e autor do primeiro excerto

apresentado neste texto.

Infelizmente o esporte no Brasil é sempre o último da fila, quando se trata de políticas públicas. Não é por menos que distorções e mais distorções são encontradas em todos os seus segmentos. Assim, antes de tratar do problema específico do segmento esportivo de aventura, tenho que falar sobre o total abandono a que estão sujeitos os esportes não-olímpicos no Brasil, por falta de mecanismos legais que os viabilizem. Os esportes não-olímpicos respondem por quase 70% da atividade esportiva praticada no país e todos sabem da dificuldade em administrá-los e a fragilidade das suas instituições. Quantas e quantas federações, clubes de prática e entidades nacionais de administração deste enorme segmento esportivo dependem exclusivamente da dedicação de apaixonados, que na maioria das vezes acabam por colocar os seus familiares para trabalhar e dinheiro do próprio bolso para manter vivas suas instituições esportivas! Os esportes de aventura estão inseridos nos não-olímpicos e administrá-los nestas condições é um fardo bem mais pesado do que os outros, por causa das suas especialidades e do fator de risco que é inerente ao segmento [...] o Ministério do Turismo patrocinou a criação de uma associação que reúne os donos das agências de turismo que oferecem atividades recreativas em esportes de aventura [...] que mantém um comitê dentro da ABNT, produzindo Normas Técnicas para o turismo. Vale explicar que [...] normas no âmbito da ABNT são obrigatórias em nosso país, porque, pelo artigo 39, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, se houver Norma Técnica produzida pela ABNT, esta é obrigatória, sendo proibido colocar no mercado de consumo produtos ou serviços que não a respeitem [...] A inserção de elementos estranhos na administração dos esportes de aventura é um erro crasso, que terá conseqüências desastrosas, além de ser manifestamente ilegal. É preciso que o esporte brasileiro se una contra este tipo de situação [...] Sabemos também que o Ministério do Turismo está aplicando R$ 2,3 milhões no turismo de aventura. Se os esportes de aventura desencadeiam uma atividade econômica, as entidades esportivas de aventura é que deveriam estar sendo alvo das políticas públicas para o segmento. Elas é que deveriam estar sendo aparelhadas para que pudessem realizar suas funções legais e não a criação de um sistema administrativo paralelo.

Note-se nos grifos a centralidade do risco como preocupação e/ou justificativa

daqueles que reivindicam o direito de elaborar as normas para as práticas das quais trata

este estudo. A outra entrevistada da mesma matéria, entretanto, apresenta um

contraponto ao excerto anterior. Vera Lucia Costa, autora da primeira tese de doutorado

sobre uma modalidade de aventura no país (o montanhismo), um ano mais tarde,

representante do CONFEF junto à Comissão de Esporte de Aventura do Ministério do

Esporte (CEAV), não vê disputa com o turismo:

O Ministério do Turismo está promovendo uma certificação do Turismo de Aventura no Brasil [...] buscando qualidade na oferta dessas atividades e esbarrou com a área afim - o esporte de aventura. Mas é importante frisar que o fez com legitimidade e transparência junto ao Ministério do Esporte e aos

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pequenos empresários que atuavam nessa área. Como os atores que transitam no esporte de aventura formaram-se na prática da atividade, a experiência é que lhes confere credibilidade. O fato é que não temos órgãos reguladores esportivos no Brasil para tal setor. Apenas algumas confederações esportivas o fazem [...] Nas demais, que se vinculam a esportes terrestres, instala-se o caos, ficando todos os usuários sujeitos às más condições de atendimento e a predações à vida e ao meio ambiente. Trata-se de um território vazio, onde quem se instalar primeiro leva a melhor e, por tradição e competência, será reconhecido pelos pares e pelos consumidores [...] Nossa área, a Educação Física, no entanto, não dimensionou o crescimento do esporte de aventura e de risco calculado no Brasil e no mundo. Priorizou a atividade física urbana e em estabelecimentos, como academias, escolas e outros. Não vejo disputa com o turismo. Nosso condutor esportivo, em sua maioria, não se profissionalizou ainda. O praticante não é, muitas vezes, profissional de Educação Física, mas profissional ou universitário de geologia, biologia, engenharia e de outras áreas, ou não tem formação acadêmica alguma, praticando a atividade como lazer, acompanhando outros que têm interesses comuns aos seus. Sua atividade é lúdica, no sentido estético, exploradora de outros territórios. Com a pressão por segurança e qualidade da certificação do turismo, os condutores da área esportiva também precisarão se reordenar. A técnica da condução na área (trekking, escalada, canoagem, rafting, arvorismo, cavalgada, e outros) é esportiva. É responsabilidade do Estado oferecer aos cidadãos condições para a execução de uma atividade segura e de qualidade em parques públicos. Esses condutores se auto-formam ou recebem um curso de mínima duração de algumas confederações esportivas ou de associações internacionais certificadoras. Ou seja, não temos formação oficial a oferecer para essa especificidade. Pensar que o curso de graduação em Educação Física é suficiente é ingenuidade. Pensar que se dará pelas vias acadêmicas comuns tradicionais de especialização e pós-graduação é afastar-se da realidade e da cultura juvenil que promove as ações nesses esportes. Para controle dos riscos a que a atividade é submetida, faz-se necessário ter pessoal qualificado para conduzir as atividades, reunir informações sobre o tema (dados de pesquisa), certificar os equipamentos e as condições de resgates em casos de acidentes e estabelecer uma política de esportes de aventura e risco calculado. A grande vantagem da iniciativa da certificação do turismo de aventura foi trazer à tona a necessidade da especificação das competências de atuação do condutor esportivo de aventura e, à luz, a necessidade de se debater, publicamente, o tipo de formação adequada e necessária para esse condutor e apressar-lhe a condição de profissionalizar-se [...] Não pode sair das cabeças acadêmicas de poucas pessoas, precisa vir da cultura desses atores [...] Sou capaz de visualizar que conhecimento ele precisa, mas não sei como o Sistema CONFEF/ CREFs irá tratá-lo. Nas condições atuais curso de graduação em Educação Física, acho improvável resolver o impasse. Só vai criar mais conflitos e a impossibilidade de fiscalização [...] Tudo será a posteriori. Se houver acidente ou queixa, vai lá, multa, descredencia, mas e daí? O estrago já foi feito, alguém já pode ter sido lesado. Acredito que teremos que tratar o tema com a complexidade que o acompanha, debater amplamente e decidir uma formação talvez até compartilhada.

Este trecho nos proporciona perceber que a questão do risco se relaciona com o

direito de exploração comercial das práticas e consequentemente com a questão da

formação e atuação profissional. Não apenas a segurança é a preocupação, mas quem

tem o direito de definir o que é ou não seguro e de conduzir os interessados na prática.

Além disso, a entrevistada responsabiliza o Estado por oferecer condições seguras de

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prática aos seus cidadãos diferentemente do veto do PL 5690/05. Ao final da matéria

anteriormente analisada, o CONFEF promete a publicação de um posicionamento

institucional para o próximo número da revista EF. O que acontece em Março de 2006,

no seu número 19:

É fato conhecido que o esporte, de maneira geral, oferece riscos e benefícios. Não é sempre, e nem em todas as condições, benéfico e saudável. Portanto, as premissas relativas à preocupação de cunho direcional e à vinculação com a saúde e integridade do cidadão requerem regulação e controle. O esporte é um fenômeno sócio-econômico relevante. O Atlas do Esporte no Brasil comprova o impacto do esporte na prevenção de doenças; na promoção da saúde; na educação/formação; no desenvolvimento social; a economia; na geração de empregos; no turismo; na segurança. Evidentemente, o esporte radical, o esporte na natureza e/ou o esporte de aventura faz, devido à própria arquitetura que possui, com que gravitem em seu entorno outras fontes de renda, tais como a necessidade de hospedagens, de alimentação (restaurantes e bares), de transporte, de trilhas, de materiais e utensílios para sua prática, que não estão diretamente vinculados ao esporte, mas que necessitam de regulamentação, visando que se estabeleça minimamente a qualidade dos serviços e a segurança dos praticantes. Assim, há que se identificar que o esporte de aventura tem seu viés vinculado tanto ao Esporte propriamente dito como ao Turismo, em termos de atividade agregada. Defendemos que a parte de ensino das atividades físicas, orientação e dinamização das mesmas deva ser realizada obrigatoriamente por profissional qualificado em curso de ensino superior e habilitado pelo Sistema CONFEF/CREFs. E que as normas de competição e/ou eventos sejam estabelecidas pelas respectivas Confederações, Federações e/ou Associações específicas de cada modalidade. Dessa forma, somos partidários da sinergia entre a formação, a habilitação e as entidades nacionais e regionais de administração das respectivas modalidades de esporte de aventura. Cabe ressaltar que as normas de segurança, tanto do esporte em si como do material e equipamento utilizado na sua prática, deva ser da competência das entidades representantes das respectivas manifestações do esporte de aventura. Quanto às normas relativas à preservação da natureza, das hospedagens, dos estabelecimentos de alimentação, do licenciamento para esses funcionamentos, da segurança dos turistas e de outros aspectos inerentes não à prática em si, mas ao seu contexto, entendemos caber ao Ministério do Turismo. Daí nosso entendimento de que deva haver sintonia entre os órgãos públicos para o benefício da sociedade. Queremos acreditar que a criação da Comissão Especial de Esporte de Aventura, no âmbito do Ministério do Esporte, cuja composição segue adiante, deva efetuar a discussão e reflexão sobre todos os aspectos inerentes ao desenvolvimento desses esportes que a cada dia ganham adeptos e novos horizontes, além do surgimento de novas modalidades.

Note-se neste posicionamento do CONFEF a divisão do que seria turístico e do

que seria esportivo na realidade das práticas de aventura. Entretanto, esta não é a

concepção dos empreendedores do turismo no segmento. Para eles, o turismo de

aventura é um turismo de ação, no qual os turistas não ficam passivos a receber

informações ou contemplar as paisagens, mas sim ativos na fruição das mesmas,

enquanto percorrem o local a ser visitado, utilizando-se de alguma técnica específica

que é minimamente orquestrada pelo profissional de turismo de aventura. Turismo de

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aventura é concebido pelos agentes do turismo como um passeio que exige um tipo de

guia que tenha disposição atlética, mas que não irá iniciar seus clientes na prática

esportiva, irá apenas conduzi-lo em uma atividade pontual. Daí, o termo condutor de

turismo de aventura ter sido cunhado (Bandeira, 2012).

No intuito de confrontar opiniões sobre o tema, a referida matéria da revista EF

procurou o Instituto de Hospitalidade, que afirmou seguir tendências internacionais, em

que o desenvolvimento de normas técnicas tem sido utilizado como ferramenta de

organização e desenvolvimento do setor de turismo. Teria também como objetivos

identificar os aspectos críticos da operação segura do turismo de aventura para prevenir

acidentes e tornar o Brasil um dos seus principais destinos internacionais.

Como contraponto, a revista procurou também o Secretário Nacional de Esporte

de Alto Rendimento André Arantes que informou que foi realizada uma discussão sobre

as ações que o segmento esportivo entende como necessárias para este setor, na

Adventure Sports Fair, evento anual que acontece em São Paulo (SP) desde 1998.

Segundo ele, foram convidadas todas as entidades que envolvem a prática de esportes

de aventura, radicais e esportes ligados à natureza. Assim como divulga a matéria:

Como resultado deste encontro, representantes de todas as entidades assinaram um documento intitulado Esporte de Aventura Carta de São Paulo. Os Ministérios do Esporte, Turismo e Meio Ambiente, a Organização Nacional das Entidades Desportivas (ONED) o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), a Associação de Gestores Municipais de Esporte e Lazer (ASMEL), onze entidades nacionais de administração de esportes e duas consultoras com notório conhecimento no assunto compareceram à reunião. A (sic) Carta, enviada ao Ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, aponta a necessidade da criação, no âmbito do Conselho Nacional do Esporte (CNE), de uma Comissão de Esporte de Aventura, com o objetivo de discutir e propor ações que possibilitem a conceituação, normatização e elaboração de propostas de legislação que estimulem a organização e o desenvolvimento do esporte de aventura no País. Esta proposta já foi submetida e aprovada pelo CNE, em sua última reunião, que ocorreu no dia 11 de novembro de 2005. Assim sendo, em breve o Ministro já estará convocando os participantes do segmento para as primeiras discussões.

Como relata o excerto acima, encaminhada em 25 de agosto de 2005, a proposta

de criação de uma comissão especial para a conceituação, organização e

desenvolvimento dos esportes de aventura no país, ao CNE fora aceita e assim

publicado no Diário Oficial da União de 09 de dezembro de 2005:

Art. 1° Instituir a Comissão de Esporte de Aventura, com a finalidade de: I - definir ações que permitam conceituar esportes de aventura, esportes ligados à natureza e esportes radicais; II - propor ações para tornar possível a

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elaboração de regras que regerão a prática dos esportes de aventura, esportes radicais e esportes ligados à natureza, incluindo-se também ações de promoção do turismo de aventura e da convivência harmônica com o meio ambiente, respeitadas as garantias constitucionais; III - estabelecer contato com o setor esportivo, nas esferas pública e privada, tendo por objetivo desenvolver regras que se apliquem à prática das modalidades de esporte de aventura, esportes radicais e esportes ligados à natureza; IV - fazer observar, na elaboração das regras da prática dos esportes de aventura, radicais e ligados à natureza, os acordos internacionais de que o Brasil seja signatário, referentes a esporte, turismo e meio ambiente; e V - propor programa de implantação das regras elaboradas [...]

Duas moções de apoio às modalidades de risco foram aprovadas no documento

final da, II Conferência Nacional do Esporte, em Maio de 2006 (p.37). Ao ampliar sua

rede de apoio nesta ocasião, os defensores da regulamentação das práticas de aventura

enquanto esportes conseguiram que a CEAV fosse tornada permanente e assim

instituída pela Resolução nº 15, de 19 de setembro de 2006. Única ação da CEAV, é

recomendado no dia 09 de abril de 2007, na resolução de número 18, no Diário Oficial:

Art. 1º Que se identifique no País como: I - Esporte de aventura: O conjunto de práticas esportivas formais e não formais, vivenciadas em interação com a natureza, a partir de sensações e de emoções, sob condições de incerteza em relação ao meio e de risco calculado. Realizadas em ambientes naturais (ar, água, neve, gelo e terra), como exploração das possibilidades da condição humana, em resposta aos desafios desses ambientes, quer seja em manifestações educacionais, de lazer e de rendimento, sob controle das condições de uso dos equipamentos, da formação de recursos humanos e comprometidas com a sustentabilidade sócio-ambiental. II - Esporte radical: O conjunto de práticas esportivas formais e não formais, vivenciadas a partir de sensações e de emoções, sob condições de risco calculado. Realizadas em manobras arrojadas e controladas, como superação de habilidades de desafio extremo. Desenvolvidas em ambientes controlados, podendo ser artificiais, quer seja em manifestações educacionais, de lazer e de rendimento, sob controle das condições de uso dos equipamentos, da formação de recursos humanos e comprometidas com a sustentabilidade sócioambiental.

Note o leitor a centralidade das noções de incerteza, risco também nas definições

oficiais, acrescidas das ideias de emoção e cálculo conferindo positividade a elas,

embora risco não seja conceituado. Esta elaboração mereceu comentários elogiosos em

“O direito ao risco”, artigo completo disponibilizado em 07 de Janeiro de 2014, no site

O Eco, publicado anteriormente em O Globo, por André Ilha, que acrescenta elementos

a esta análise:

A incompreensão das motivações que levam muitas pessoas a querer praticar esportes que, objetivamente, possam lhes causar privações sérias como fome, sede, calor ou frio extremos, danos físicos importantes e mesmo a morte, intriga e horroriza muitas outras. Adjetivos como “malucos”, “suicidas”, “masoquistas” e “desequilibrados” são suportados pelos praticantes de esportes de aventura com um misto de tolerância e orgulho. Tolerância porque entendem que seus críticos estão tão distanciados de sua verdadeira

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natureza ancestral que simplesmente não conseguem conceber uma vida diferente daquela encapsulada pelas comodidades e benesses que o progresso tecnológico proporcionou à nossa espécie. E orgulho por terem conseguido, em maior ou menor escala, resgatar valores e potencialidades interiores para testá-los em atividades que, mesmo estilizadas e “inúteis” sob a perspectiva do cidadão ordinário, lhes proporcionam um imenso prazer e realização interiores, difíceis mesmo de entender por quem pretende que a acumulação de bens, serviços e facilidades é o objetivo último a que todos deveriam almejar. Até aí, nada de mais. Apenas uma divergência de opiniões. O problema ocorre quando pessoas passam a querer restringir, de diversas formas, a prática dos esportes de aventura sob a alegação de que são “perigosos” (o que, de fato, são) e que, por isso, não deveriam ser praticados, e lançam mão de toda uma gama de artifícios jurídicos e sociais para restringi-los ou bani-los, ainda que às vezes de forma indireta ou disfarçada. Elas pretendem, inutilmente, salvar as pessoas delas próprias. O mais comum destes artifícios é a proposição de normas jurídicas absurdas, pretendendo que atividades que, como vimos, contemplam necessidades interiores profundas de aventura e liberdade de seus praticantes, pudessem ser engessadas na camisa de força de detalhadas normas escritas, muitas vezes sem pé nem cabeça, de fiscalização inexequível e que, se aprovadas, equivaleriam ao banimento da atividade que pretendem regular. Tais projetos, na maioria voltados para a prestação comercial destes esportes – e, portanto, mais relacionados ao turismo de aventura do que propriamente aos esportes de aventura – acabam, por redação deficiente, respingando de forma desastrosa sobre os praticantes amadores, que se veriam impossibilitados de atender a tantas exigências inúteis, empurrando-os para fora da atividade ou, mais provavelmente, para a clandestinidade, uma vez que não existem condições para a fiscalização do que se propôs.

Segundo Rocha (2008) reclamando uma diferenciação entre risco e perigo

alguns autores formulam uma distinção na qual risco se relaciona diretamente com os

danos resultantes de decisão e ação próprias do ator e perigo aquilo que pode provocar

danos de modo independente ao controle do ator. Contudo, neste campo, exceto

algumas elaborações acadêmicas, assim como demonstra o último excerto, os termos

parecem ser usados como sinônimos.

Mas, apesar da criação da CEAV e enquanto a ABETA adequava a redação de

suas ações e materiais ao substituir o termo esporte de aventura por turismo de aventura,

o PLS 403/05 foi aprovado pelo senado passando a tramitar na Câmara dos Deputados

sob a nova numeração PL 7288 em 2010.

Sobre este documento é importante notar que sua definição de esportes radicais

e de aventura é identica àquela de turismo de aventura, divulgada pela EMBRATUR. E

sua redação parece favorecer a atuação de uma entidade como a ABETA. Por isso, as

mesmas entidades esportivas que se opuseram à ABETA procuraram criar uma

campanha na internet em nome da adição de emendas que tranformassem esse PL em

aceitável em seus termos.

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Também noticiada por outros sites do segmento, em seu blog, no post “Esporte

de Aventura audiência na Câmara dos Deputados”, de 18 de Julho de 2010, Cláudio

Consolo trata de sua participação na elaboração da segunda lei anteriormente

mencionada.

No dia 30 de junho, foi realizada audiência pública, na “Comissão de Turismo e Desporto” da “Câmara dos Deputados” para tratar de diversas questões ligadas aos esportes de aventura. A audiência foi presidida pelo Deputado Walter Feldman e foi convocada, a meu pedido, pelo Deputado Silvio Torres. Estiveram presentes os Presidentes da Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, da Confederação Brasileira de Orientação, do Conselho Federal de Educação Física e entidades ligadas ao turismo. Eu representei a Associação Brasileira de Parapente – ABP , entidade que fundei e presidi até o ano passado. Mais uma vez defendi o óbvio no que diz respeito à formação, técnicas e equipamentos destinados à comercialização das atividades esportivas de aventura: que elas são esportivas. É sabido que certas burocracias estatais criam a sua própria realidade e a vivenciam sem grande preocupação se elas guardam ou não correspondência com a realidade. Infelizmente, os esportes de aventura vem sendo alvo deste tipo de “coisa“, a partir da “política” deste “governo”, que sistematicamente o vem descaracterizando como mera atividade turística. Turismo é atividade econômica e não fisica. Atividades esportivas de aventura, comercializadas ou não, são atividades esportivas [...] Toda vez que escuto a retórica do Mtur sobre o assunto eu fico pensando se foram os turismólogos quem inventaram os equipamentos para saltos duplos em parapente e paraquedas? Certamente, deve ser na faculdade de turismo que se aprende a fazer saltos duplos com estes equipamentos, além de todas as técnicas inerentes às modalidades esportivas de aventura. Imaginar um parapentista, paraquedista, montanhista, etc… sendo avaliados em suas aptdões (sic) esportivas, por empresas ligadas ao Sistema da ABNT, sem qualquer subordinação ao histórico esportivo das respectivas entidades de administração esportivas é viver uma fantasia estatal [...] Não importa o quanto quem esteja participando de uma atividade esportiva de aventura, guiada por um esportista, não seja praticante daquele esporte. O esportista, a técnica e os equipamentos sempre serão esportivos. [...] E pelo que pareceu na audiência, têm Deputado sendo enganado!

Através de abaixo assinado, amplamente divulgado pelos portais especializados

ele consegue a proposição de três emendas que adequariam o PL às elaborações da

CEAV e demandas das entidades esportivas que o apoiavam. Entretanto, apesar dos

esforços de Cláudio Consolo, depois de as entidades de canionismo e canoagem

afirmarem na audiência pública da câmara seu apoio à ABETA e que foram consultadas

no processo de elaboração das normas ABNT para suas modalidades, no dia 6 de agosto

de 2013, o deputado André Figueiredo (PDT-CE) emitiu parecer em favor da rejeição

das três emendas, e também do PL 7288. Sua justificativa é apresentada a seguir:

Este projeto tem por objetivo regulamentar a prática de esportes radicais e de aventura. A matéria é relevante haja vista a segurança se constituir em um dos princípios basilares do direito individual ao desporto, conforme definido

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no art. 3º da Lei nº 9.615, de 1998, que dispõe sobre as normas gerais de desporto no País. Cabe considerar, que, sem dúvida, é direito de todo praticante de esporte a sua integridade física, mental ou sensorial nas atividades esportivas, sejam elas quais forem. Assim, qualquer ato que coloque isto em risco na prática de esporte de aventura é ilegal, sujeito às sanções civis, consumeristas e criminais conforme as leis vigentes no país. É posto também que, com o advento da Lei Geral de Turismo, é irrefutável a edificação de que as atividades turísticas estão inseridas como prestação de serviço. Consequentemente, as diretrizes estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor, juntamente com a legislação penal vigente, já impõem a responsabilidade necessária e suficiente aos empreendedores de turismo de aventura, cabendo cautela na inovação legislativa neste âmbito. Além disso, o teor do PL nº 7.288, de 2010, incluídas as emendas nºs 01 e 02, enfrenta óbice incontornável, na medida em que afronta a autonomia das entidades desportivas quanto à sua organização e funcionamento. Apesar de muitos desportistas profissionais, e suas respectivas federações, terem condições de qualificar as prestadoras de turismo de aventura, tanto na prática quanto no que se refere às normas de segurança de sua modalidade, não há como obrigá-los, já que isto está assegurado no art. 217 da Constituição Federal e no art. 16 da Lei nº 9.615, de 1998. Apesar do interesse de determinadas entidades do esporte de aventura, temos em nosso ordenamento jurídico que a lei não deve lhes impor competências, pois não são órgãos estatais, mas entes privados organizados sob o princípio da autonomia de vontade. Se essas entidades desejam participar do processo de formação dos profissionais que exploram o turismo de aventura, devem fazê-lo por meio de parcerias, aprovadas em seus estatutos, ou seja, por meio do exercício da sua autonomia, sem a coerção do Estado. Quanto à emenda nº 3, ela não resolve a inconstitucionalidade e impropriedade do desrespeito ao princípio da autonomia das entidades desportivas. Diante do exposto, voto pela rejeição do Projeto de Lei n.º 7.288, de 2010, do Senado Federal, e das emendas apresentadas.

A regulamentação para controle do risco nas atividades de aventura é um dilema.

Por um lado, a constituição incumbe o Estado de assegurar a integridade física dos

praticantes de atividades esportivas. Por outro, aqueles adeptos das modalidades de

aventura reivindicam o direito ao risco ao ressaltarem que autonomia e liberdade

também têm garantias constitucionais.

A complexidade da questão se intensifica quando trata de praticantes

inexperientes ou iniciantes e da possibilidade de serem ludibriados na iniciação

esportiva ou condução turística por profissionais desqualificados. Além disso, uma

maior dificuldade se dá na definição do que seria um direito pessoal ao risco e o direito

de colocar em risco terceiros, e aqueles que, eventualmente, precisarão resgatar os

primeiros. A matéria “Limitações ao direito de se arriscar” de Sergio Netto, membro-

fundador do Grupo de Resgate em Montanha de Joinville/SC, para o Webventure, em1

de Janeiro de 2014:

Vem crescendo, dentre os praticantes de esportes de aventura, o inconformismo com tentativas de se criarem leis, regulamentando ou

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limitando a liberdade da prática destas atividades, em razão dos riscos que acarretam. Esta é uma discussão difícil e bastante ampla. Os denominados esportes de aventura (assim como o turismo de aventura) envolvem, inevitavelmente, a possibilidade de ocorrência de acidentes. É praticamente impossível eliminar estes riscos. O que se pode fazer é tentar isolar (ou controlar) estes riscos, de maneira a que estas atividades sejam realizadas em situações minimamente controladas. Neste sentido é a Resolução n° 18, de 09/04/2007, do Ministério do Esporte (DOU Seção 1, 11/12/2007, p. 107). Na qual se recomenda que seja usado o seguinte conceito de ESPORTE DE AVENTURA: [...] A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), por meio da Norma Técnica 15331:2005, traz definições específicas sobre o “risco”, ao tratar do Sistema de Gestão de Segurança (SGS), para o Turismo de Aventura: 2.5 risco: Combinação da probabilidade da ocorrência de determinado evento e da(s) sua(s) conseqüência(s)... 2.6 avaliação de riscos: Processo global de análise de riscos e de comparação dos riscos estimados em relação a um critério pré estabelecido para determinar a sua aceitação. 2.7 análise de riscos: Uso sistemático de informação para identificar as fontes e estimar os riscos... 2.10 atividades de turismo de aventura: Atividades oferecidas comercialmente... que... envolvam riscos avaliados, controlados e assumidos... Apesar de não existir, no Brasil, lei que considere ilegal se colocar em situação de perigo pessoal durante a prática de atividades esportivas, algumas considerações precisam ser feitas. Isto porque, sob a ótica do praticante de esporte ou turismo de aventura, certamente seria inaceitável que fossem estipuladas barreiras legais à estas práticas. Afinal, a vida é dele, e ele teria o direito de fazer com ela o que bem entendesse, desde que não causasse prejuízo a outros. Todavia, o exame da questão apenas sob este enfoque personalíssimo não parece ser o mais correto. Pois outros fatores também devem ser considerados. Cito três destes fatores: a) riscos para os membros das equipes de busca e salvamento: mesmo sendo capacitados para estas missões, existem sempre sérios riscos envolvidos na operação. Apesar das equipes de resgate existirem para isto mesmo (realizar resgates), não se deve aumentar, desnecessariamente, os riscos a que seus membros são submetidos, para socorrer pessoas que, por vezes, superestimam suas habilidades, e se envolvem em acidentes em áreas remotas. b) custos para o Sistema Único de Saúde (SUS), para o atendimento daqueles que se acidentarem, e que não tenham um plano de saúde particular. c) custos para o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), para o pagamento de benefícios previdenciários para os que tiverem que ficar afastado do trabalho, em razão das sequelas deixadas pelo acidente. Alguma forma de regulamentação, portanto, parece bem vinda no campo dos ESPORTES DE AVENTURA. Semelhantemente com o que já acontece com o TURISMO DE AVENTURA. Em relação ao qual existem várias regras de atuação (exemplos: normas da ABNT e Código de Defesa do Consumidor).

Para Douglas e Wildavisky (1982), há no senso comum uma elaboração sobre os

riscos voluntários e involuntários. Ou seja, riscos que conhecemos, mas escolhemos

correr ao optar por esportes, comida ou bebida perigosos, são aceitáveis. Rocha (2008)

utiliza a expressão risco privado como parte de um contexto moderno da relação indivíduo-

cultura. Para ela porém, nesta relação, os comportamentos de risco, embora caracterizados

como sendo de escolha pessoal, estão sujeitos à crítica do todo cultural.

Riscos que são impostos ou desconhecidos são inaceitáveis. O remédio, segundo

os autores, é informação. As pessoas poderão se recusar a correr um risco conhecido ou

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procurar compensações por assumi-lo, sem sentirem-se ultrajadas. No entanto, quanto

mais sentirem-se privadas do controle de suas próprias vidas, mais o senso de

insatisfação a respeito dos riscos corridos crescerá. Douglas e Wildavisky (1982),

utilizam a escalada como exemplo em sua explanação:

What makes tem understandably angry is damage that they feel they should have been warned against, that they might have avoided had they know, damage caused by other people, particularly people profiting from their innocence […] The force of the distinction for public policy is that the rights of free individuals are not to be restricted but neither is their environment to be laden with risks unbeknown to them […] If you and I want to go rock climbing, thus voluntarily exposing ourselves to risks, presumably that is our own business and that would be all right. But if the air contains coal dust or food contain carcinogens, that would be all wrong because de risk is involuntary ( p.17).

Nota-se maior detalhamento da iniciativa da ABETA na conceituação do que

vem a ser risco, que parece contemplar o autor da matéria, além, para além do que

expõe o excerto, da adoção do seguro obrigatório e assinatura do termo de

consentimento e responsabilidade pelas agências certificadas. Entretanto, a posição do

comentário acima apresentado é contestado pelo comentário de Emiliano Segatto, em 2

de Abril de 2014, na definição da própria aventura e sua vinculação institucional:

A matéria mescla o "esporte de aventura" com o "turismo de aventura". Este é um erro que não se pode cometer. Esporte de aventura é praticado pelo esportista e não envolve o turismo. O turismo de aventura utiliza atividades que sim, por envolverem atividade econômica, são regulamentadas e devem ser tratadas de maneira a reduzir o risco para que este se mantenha controlado. Não se (sic) deve haver barreiras para o esporte de aventura a considerar que o esportista assume seus riscos e isso cabe a cada um. Quanto ao custo do SUS, este já é bem pago por tributos ao Estado, e bem pago. O INSS existe com o objetivo acima também. Quanto aos grupos de resgate é sim um assunto a discutir e envolver o Estado na resolução.

Diante do não consenso, algum controle sobre os corpos que se arriscam tem

acontecido ainda de maneiras diferentes em diferentes contextos: a assinatura de termo

de responsabilidade e consentimento, o registro da saída a campo em uma organização

de pares que se organize em grupos voluntários de busca e salvamento, a autorização da

administração de parques, ou a implantação de sistemas de gestão de segurança (SGS).

Nesta complexificação crescente do debate, as iniciativas conjuntas das

entidades esportivas parecem silenciadas pela rejeição das emendas e projetos de lei em

trâmite e continuidade do programa da ABETA.

Discussão

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Douglas e Wildavisky (1982) alertam que em uma teoria cultural da percepção

de risco a política não pode ser evitada. A contribuição das relações de poder nos

padrões de risco define quem determina o que é ou não arriscado, quem pode ou não ser

culpado ou protegido por/em situações de risco, como também, quem tem o direito de

se arriscar.

No século XVIII, ao ser integrado nos registros da língua inglesa, o termo sugere o entendimento de risco como sendo uma hipótese de acontecimento. Esse sentido utilizado fundamentalmente para descrever o perigo de ir contra rochas submersas que danificavam os navios e causavam acidentes marítimos, parece ter influenciado o seu uso moderno com a conotação de possibilidade. [...] Com o passar dos tempos mais três noções foram se associando firmemente à idéia de risco: “fortuna”, “sorte” e “chance” [...] Na segunda metade do século XX, esse conceito passa também a integrar o repertório do vocabulário médico e firma-se como uma das mais eficientes estratégias de governo à distância. Concomitantemente risco tornou-se conceito central na política [...] em campanhas sobre comportamento de risco (Rocha, 2008, p. 9)

Segundo Douglas e Wildavsky (1982) os riscos são um construto coletivo e um

diálogo político. Para os autores, ninguém pode calcular precisamente os riscos totais

com os quais se depara em vida. Ninguém consegue tomar conhecimento de todos os

riscos tecnológicos e ambientais que corremos, por isso, de acordo com Douglas e

Wildavsky (1982) o que acontece é uma decisão cultural ou uma seleção em favor do

enfrentamento de alguns e ocultação de outros. Riscos aceitáveis são assim avaliados

conforme crenças, valores e julgamentos morais. Entre os outros tipos de perigos

enunciados pelos autores, o objeto desta pesquisa nos dá pensar a realidade da

preocupação com os riscos da profundidade, da altura e velocidade, ao corpo humano.

The current consideration of risk has three peculiarities. The first is that disagreement about the problem is deep and widespread in the western world. The second is that different people worry about different risks – war, pollution, employment, inflation. The third is that knowledge and action are out of sync: whatever programs are enacted to reduce risks, they conspicuously fail to follow the principle of doing the most to prevent the worst damage. In, sum, substantial disagreement remains over what is risky, how risky it is, and what to do about it (p.1).

A percepção de risco para os autores é um processo social. O medo do risco,

associado à confiança de enfrentá-lo, tem algo a ver com o conhecimento e o tipo de

pessoas que nós somos (p.2). Sobre aqueles riscos endereçados pelas políticas públicas

Douglas e Wildavsky (1982) afirmam:

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At the level of public policy the main dangers can be grouped into four kinds: 1. Foreign affairs: the risk of foreign attack or encroachment; war; loss of influence, prestige and power; 2. Crime: internal collapse; failure of law and order; violence versus white collar crime; 3. Pollution: abuse of technology; fears for the environment; and 4. Economic failure: loss of prosperity (p.2).

Além destes, eu incluiria nesta lista também o medo dos fenômenos banais, nos

quais mutilações e fatalidades acontecem sem motivo aparente, inesperadamente: os

acidentes. Mas esta lista produzida pelos autores e complementada na última sentença,

apresenta riscos que têm relação com a atuação de humanos sobre o mundo e contra si

mesmos. Entretanto, meu campo de pesquisa traz à tona a questão do risco que é

percebido como aquilo que não é humano, não é produzido pelos humanos, ainda não

pode ser dominado ou completamente evitado pelos humanos.

Portanto, antes de tudo e talvez de maneira complementar ao risco da poluição,

eu acrescentaria o medo do (e não só pelo) ambiente. Ou seja, aquele relacionado aos

incontroláveis fenômenos e catástrofes naturais, sejam eles as doenças, as características

inóspitas de certos ambientes (como os ataques de animais selvagens, a dificuldade de

orientação, alimentação ou hidratação em mata fechada, montanha ou deserto) e as

intempéries dos elementos naturais e mudanças climáticas (tais como maremotos,

tufões, trombas d’água, tornados, avalanches, terremotos, tsunamis, etc). Em alguma

medida, convencionou-se no ocidente que o corpo é objeto da governamentalidade e

precisa ser protegido, inclusive da natureza. Entretanto, simultaneamente, apesar da

percepção destes dois últimos tipos riscos, a aproximação ou interação com fenômenos

e ambientes naturais perigosos em atividades arriscadas parece ser desejada e ter

importância ritual entre nós.

Le Breton (2009) interpreta esta possibilidade na chave da criação de

significados para a vida. Sem negar esta possibilidade, meus dados me levam a pensar

que a prática de aventura, entretanto, tem menos a ver com outras, chamadas pelo autor,

“condutas de risco”, tais como: o racha, os jogos de apneia, a automutilação ou o uso de

drogas; e mais a ver com a manifestação da oposição ocidental natureza/sociedade, que

de alguma forma atualiza o mito romântico da natureza intocada e a importância de

nossa herança rousseauniana, com o diagnóstico de Beck (2010 [1986]) sobre a

contemporaneidade: vivemos uma sociedade de risco.

[...] destaca-se o peculiar amálgama de natureza e sociedade por meio do qual o perigo passa por cima de tudo o que lhe poderia opor resistência. De saída, o híbrido da “nuvem atômica” – essa força da civilização invertida e

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convertida em força da natureza, na qual história e fenômeno atmosférico entram numa comunhão tão paradoxal quanto avassaladora. Todo o mundo conectado eletronicamente acompanha estarrecido seu curso [...] a inteira medida do desamparo de um mundo altamente civilizado, que havia erguido muros e arame farpado, mobilizado exército e policia, tudo para proteger suas fronteiras. Uma virada “desfavorável” do vento, e ainda por cima chuva [ácida] – que azar! -, e já se revela a futilidade de tentar proteger a sociedade da natureza contaminada [...] A oposição entre natureza e sociedade é uma construção do século XIX, que serve ao duplo propósito de controlar e ignorar a natureza. A natureza foi subjugada e explorada no final do século XX e, assim, transformada de fenômeno externo em interno, de fenômeno predeterminado em fabricado. Ao longo de sua transformação tecnológico-industrial e de sua comercialização global, a natureza foi absorvida pelo sistema industrial [...] Contra as ameaças da natureza externa, aprendemos a construir cabanas e a acumular conhecimentos. Diante das ameaças da segunda natureza, absorvida pelo sistema industrial vemo-nos praticamente indefesos (p.9).

Para Beck (2010), a modernidade e, especialmente, a energia nuclear, ou seja, a

forma de viver que nós, ocidentais, desenvolvemos inaugurou riscos de dimensão nunca

antes prevista, a planetária. Este estado de emergência da nossa época também pode ser

uma via de valoração do ambiente natural ainda não modificado pelo homem, e por

consequência de criação ou popularização não só de outros meios de subsistir, como

também de atividades de lazer realizadas no seu seio, vistas como libertadoras porque

propícias a uma nova e necessária relação com a natureza. É bastante lógico que sendo

parte de uma civilização que ameaça a si mesma, prefira-se os perigos da natureza ao

invés daqueles da poluição e violência das cidades, por exemplo.

É certo que os riscos não são uma invenção moderna. Quem – como Colombo – saiu em busca de novas terras e continentes por descobrir assumiu riscos. Estes eram, porém, riscos pessoais, e não situações de ameaça global, como as que surge para toda a humanidade com a fissão nuclear ou com o acúmulo de lixo nuclear. A palavra “risco” tinha, no contexto daquela época, um tom de ousadia e aventura, e não o da possível autodestruição da vida na Terra (Beck, 2010, p. 25).

O enfrentamento dos perigos da natureza pode ser lido nesta chave também

como resquício da ideia colonizadora e dominadora de desbravamento. Mas certamente,

recebe contornos atuais e carrega múltiplas possibilidades de significação, entre as quais

ritos de consagração heroica (Le Breton, 2001), atividades antitédio em sociedades cada

vez mais seguras e controladoras (Rocha, 2003), mas antes e também, ritos de purificação.

No sentido de Douglas (1991), pode-se dizer que, para os adeptos das

modalidades de aventura, o perigo que a natureza proporciona é purificador da poluição

urbana. A sociedade é a fonte da impureza e o que está fora dela possibilidade de

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higienização. Ou seja, além dos perigos da impureza, estas pessoas operam o perigo que

promove pureza. E, além disso:

O perigo que se corre ultrapassando limites é também uma fonte de poder. Estas margens vulneráveis e estas forças agressivas que ameaçam de destruição a ordem das coisas, representam os poderes inerentes ao cosmos. Um ritual capaz de colocá-las a serviço do homem, para fins benéficos (Douglas, 1991, p. 187).

Como demonstra a explicação evolutiva para o apelo da aventura, escrita por

André Ilha para O Globo, em 26 de Dezembro de 2013:

O caminho evolutivo seguido por nossos ancestrais lhes proporcionou uma série de qualidades físicas e mentais que permitiu multiplicar de forma assombrosa o resultado do seu trabalho, e criar ecossistemas artificiais confortáveis e seguros para si e sua prole, eliminando os perigos e as incertezas próprios do mundo primitivo. Salvo por desigualdades sociais, abrigo, alimento, vestuário, saúde e segurança estão de certa forma garantidos, permitindo o relaxamento daquelas qualidades inatas originais que nos levaram a conquistar o mundo. Relaxar, no entanto, não significa eliminar, e para muitos um chamado selvagem, como aquele do livro imortal de Jack London, convida a fazer uso de tais qualidades, ou de parte delas, não mais em busca de alimento ou abrigo ou enfrentando tigres-de-dentes-de-sabre, mas de forma estilizada, em atividades esportivas ao ar livre genericamente denominadas esportes de aventura. Surfe, escalada em rocha, mergulho, voo livre e outras mais são atividades que colocam seus praticantes em contato direto com a natureza em seu estado mais indomado. E, além de gerarem um prazer arrebatador, contribuem para que seus adeptos cultivem outras qualidades relevantes como autocontrole, solidariedade, trabalho em equipe, amor à natureza e tantas outras.

O que vai de encontro à observação de Douglas e Wildavsky (1982): a) há

pessoas que são menos tementes à morte do que são tementes a uma morte sem honra e

b) as pessoas selecionam sua consciência de certos perigos em conformidade com um

modo de vida específico.

A relação direta com o ambiente ou os fenômenos naturais é honrada por ao

menos dois motivos. O primeiro é que a morte advinda da tentativa de estender os

limites humanos é conteúdo conhecido na tradição heroica ocidental, que Le Breton

(2002) chama de ritos ordálicos ou construção social da sorte. O segundo, tem relação

com a época em que vivemos, na qual se teme a catástrofe ecológica. Embora o objetivo

das práticas de aventura não seja o acidente, menos ainda a morte, ele é aceito, em

alguma medida, como melhor do que uma vida monótona, medíocre e desconectada dos

conteúdos “verdes”.

Em uma tradição na qual a eutanásia é proibida e se jura salvar vidas a qualquer

custo, mesmo contra a vontade do vivente, parece estranho que alguns optem por

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atividades que possam levar à morte de maneira acidental não inconsequente, ou seja,

aquela não relacionada à doença, nem à subversão das drogas, por exemplo. Mas,

interpretar os aventureiros extremos à luz dos mestres da lança Dinka, assim como

exposto por Douglas (1991), nos permite perceber que a significação da morte é no

senso comum negativa e ainda é de estranhar aqueles que assumem uma significação

positiva para ela.

A morte é mais doce, se assim se pode dizer, por ser bem acolhida [...] Os viajantes estrangeiros que assistiram a esta morte ritual pensaram que se tratava apenas de asfixiar um velho indefeso. Mas, examinando melhor as doutrinas religiosas dos Dinka, apercebemo-nos de que, no eixo deste ritual, está um velho que escolhe deliberadamente o momento, a maneira e o lugar da sua morte. [...] Ritualmente enquadrada pela sepultura, a sua morte voluntária constitui, para todo o povo, uma vitória da comunidade (Lienhardt). Enfrentando a morte e acolheando-a com firmeza, ensina ao seu povo alguma coisa sobre a vida (p.204).

Mas, se por um lado, segundo Rocha (2008), a emoção está em experimentar

corporalmente o medo, por outro, incidentes banais, acidentes causados por erros

humanos/técnicos e defeitos no equipamento não são desejáveis no contexto aqui

estudado. Portanto, o objetivo da aventura não é morrer.

Segundo Rocha (2008) a proximidade da morte transforma suas vidas

qualitativamente, vencer a morte é a exaltação da vida. Não se pode afirmar que seus

praticantes sejam suicidas potenciais, segundo eles mesmos, se o fossem, saltariam sem

o paraquedas. Apenas, pode-se dizer que não é a evitação da exposição aos ambientes

naturais, mas a excelência técnica, a qualidade tecnológica e atenção protocolar que

garantem a segurança na aventura.

Neste sentido, segundo Rocha (2008), com o marketing esportivo e a expansão

do ecoturismo e do turismo de aventura cada vez mais pessoas buscam novas formas de

lazer “arriscado”. Para a autora, este tipo de risco passa a integrar o consumo de massa. E,

adiciono aqui que, quando tal conjunto de práticas passa a ser apelativo na

contemporaneidade, porque coloca em circulação valores em voga, e o estado brasileiro

incentiva leigos a aderirem à aventura terceirizada, porque é identificada como nicho de

mercado lucrativo, seu formato turístico é privilegiado.

Apesar do turista não ser apenas um espectador - no turismo de aventura “ele

participa, se comunica pessoalmente e se insere fisicamente de modo a dizer “eu fiz”, “eu

estive lá”” (Rocha, 2008) – é o guia/condutor que viabiliza tecnicamente a visita ou

passeio. E não há o mesmo incentivo político-financeiro para a formação do aventureiro

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autônomo, no formato de iniciação esportiva excursionista. Ou seja, incentiva a

formação não de corpos aventureiros, mas de corpos dependentes dos aventureiros

autônomos que continuarão no estatuto de exceção, enquanto não enxergados pelo

Ministério do Esporte ou por um sistema nacional de lazer.

Considerações Finais

A questão em pauta no campo desta pesquisa é se é mais desejável que os

protocolos técnicos de segurança continuem sendo desenvolvidos de maneira

espontânea na experimentação livre e trocas entre praticantes aleatórios ou organizados

em associações ou clubes; ou se devem ser padronizados, exigidos e vistoriados por

entidades governamentais.

Segundo Douglas e Wildasky (1982), os conceitos de riscos involuntários e

voluntários ignoram que a distribuição das possibilidades de escolha de modos de vida

em qualquer sociedade são raramente igualitárias. Há classes de pessoas que são

expostas a maiores riscos que outras. Para os autores, os pobres, em média, são mais

doentes que os ricos, morrem antes, têm mais acidentes. Os riscos que eles enfrentam

podem ser contra sua vontade, mas a exposição à poluição pode ser mais aceitável para

alguém que o risco do desemprego, por exemplo.

Neste sentido, se faz pensar a importância e adequação de um sistema nacional

para as atividades de aventura. Embora, não apenas nos termos da informação e

proteção do consumidor ou cliente, assim como está elaborado pelas entidades do

turismo. Como também do trabalhador de aventura, vide a situação dos xerpas do

Himalaia, dos carregadores de Macchu Picchu ou dos condutores de Brotas. A indústria

turística da aventura, apesar de um programa nacional de incentivo, sequer contrata seus

profissionais, quanto mais paga adicionais de periculosidade.

Referências Beck, U. Sociedade de Risco: Rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. Douglas, M. Pureza e Perigo: Ensaio sobre as noções de Poluição e Tabu. Lisboa, Edições 70, 1991. Douglas, M. & Wildavsky, A. Risk and Culture: an essay on the selection of technological and environmental dangers. UCA Press. Berkeley, 1982. Le Breton, D. Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver. Autores Associados: Campinas, 2009. Rocha, V. B.A.S.E. Jump, risco e emoção: uma experiência para dar sentido à vida. Esporte e Sociedade. ano 3, n.8, Mar.2008/Jun.2008.