esporte em revista

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Publicação da disciplina História do Esporte, da Especialização em Jornalismo Esportivo da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Edição número 1 (2011).

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Page 1: Esporte em Revista
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O jornalismo esportivo tem contribuído ao longo do tempo de forma relevante para a divulgação e, inclusive, para o desenvolvimento dos esportes no estado do Rio

Grande do Sul. Por meio de reportagens, os jornalistas revelam práticas cotidianas do esporte e expõem o processo de construção da cultura esportiva sul- rio-grandense. Para além das reportagens em jornais e programas de rádios, o legado dos jornalistas está registrado em almanaques esportivos, livros comemorativos, boletins, informativos, revistas, entre outros. Historicamente, os jornalistas esportivos atuam na preservação de informações. Suas diversas formas de registros são contempladas como fontes de pesquisa para desvendar a constituição do campo esportivo. Cabe a ressalva que uma informação configura-se como fonte histórica no contato com o pesquisador. Portanto, considera-se que as informações reunidas nesta publicação poderão possibilitar uma leitura histórica da constituição do Estado sul-rio-grandense por intermédio do desen-volvimento de um dos maiores fenômenos sociais modernos, o esporte.

A iniciativa de produzir uma revista com reportagens esportivas surgiu na dis-ciplina de História do Esporte ministrada no primeiro curso de Especialização em Jornalismo Esportivo da UFRGS realizado no ano de 2011. Durante o curso, os estu-dantes elaboraram uma reportagem esportiva com base em diferentes fontes históri-cas. O resultado deste trabalho motivou a publicação desta revista intitulada “Esporte em Revista”. A obra congrega 29 textos, os quais foram distribuídos em seis partes.

Na Parte I, intitulada Clubes, cinco textos abordam trajetórias de clubes de futebol e de futsal do Rio Grande do Sul e, ainda, o papel das torcidas no forta-lecimento dos clubes.

A Parte II – Imprensa – apresenta dois textos: a narração esportiva e o jornal “Folha Esportiva”. Ambos destacam as contribuições da imprensa esportiva na di-fusão do esporte sul-rio-grandense.

Esportes é o tópico da Parte III. Os nove textos privilegiam desde práticas es-portivas que chegaram ao Estado no final do século XIX até alguns dos esportes que se destacam na atualidade.

As competições esportivas compõem a pauta da Parte IV – Eventos – que regis-tra informações sobre a Terceira Olimpíada Metropolitana dos Secundários, na qual participaram estudantes de 23 escolas de Porto Alegre. Outro tema abordado neste tópico foi a história da participação brasileira em copas do mundo de futebol.

Na Parte V – Arbitragem – os textos registram a origem e o desenvolvimento des-ta prática em dois esportes tradicionais: o rugby e o futebol. Destaca-se a conquista de espaço das mulheres na arbitragem do futebol.

Os Personagens da História do Esporte marcam presença no final da revista – Parte VI –, que reúne seis textos. Todas as personalidades referidas neste tópico dis-tinguiram-se nas diferentes esferas do esporte. Suas histórias de vida foram intensifi-cadas pelos momentos vividos e pelo legado deixado no campo esportivo.

Por meio desta estruturação da revista, espera-se que os estudos históricos apre-sentados adicionem outra perspectiva ao conhecimento que vem sendo produzido tradicionalmente por distintas áreas. O enfoque desta revista satisfaz os anseios tanto de pesquisadores da área, quanto de leitores que, por iniciativa particular, se aventu-ram na persecução do conhecimento esportivo.

Apresentação

Prof. Dra. Janice Zarpellon MazoProfessora dos cursos de Licenciatura e Bacharelado

em Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da Esef/UFRGS

Ministrou a disciplina “História do Esporte” na Especialização em Jornalismo Esportivo Fabico/Esef

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Page 5: Esporte em Revista

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico)

Escola de Educação Física (Esef )

Especialização em Jornalismo Esportivo

Esporte em Revista é uma publicação da disciplina “História do Esporte”, ministrada pela professora Dra. Janice Mazo

Prof. Dr. Carlos Alexandre NettoReitor

Prof. Ricardo Schneiders da SilvaDiretor da Fabico

Prof. Dr. Vicente Molina NetoDiretor da Esef

Profa. Dra. Sandra de DeusCoordenadora da Especialização em Jornalismo Esportivo

Prof. Dr. Alberto ReppoldVice-Coordenador Especialização

Prof. Ms. Sabrina FranzoniCoordenadora Pedagógica Especialização

Equipe de alunosAndreza Domingues Stefani, Bernanrdo de Souza Duar-

te, Bruna de Lacerda Aquino, Camila Konrath Pereira, Carlos Alberto Padilha Dias, Carlos Diefenthaler, Conrado Bocche-se Gallo ,Daniela da Silva Cenci, Diego Almeida Real , Eneida Feix , Gilson Pinto Alves, Gustavo Andrada Bandeira, Jonas Albandes Gularte, Laion Machado de Espíndula, Laís Prestes Bozzetto, Laura Gheller, Lucas Lopez da Cruz, Luis Rober-to Saraiva, Luiza Borges, Luiza Naujorks Reis, Marcelo Beust Salzano, Marcelo Pizarro Noronha, Marcelo Salton Schleder, Márcio Fonseca Azambuja, Márcio Telles da Silveira, Marcos Notari Bertoncello, Matheus Passos Beck, Nathália Ely da Sil-veira, Paula Cunha Tanscheit, Rafael Sirangelo Eccel, Ricardo Tannhauser Sant’Anna, Roger de Mendonça Cruz e Ronaldo Dreissig de Moraes

Comissão editorialProf. Dra. Janice Mazo, Prof. Ms. Sabrina Franzoni, Andreza

Domingues Stefani, Bernanrdo Duarte, Carlos Diefenthaler, Laion Espíndula, Laís Bozzetto, Márcio Azambuja e Matheus Beck

DiagramaçãoLaion Espíndula

CapaAndreza Domingues Stefani

Edição nº 12011

ÍndiceClubes

A trajetória da Lagoense 7Núcleo de Mulheres Gremistas 8Centenário do Lajeadense 10Cruzeirinho de muitas glórias 12As torcidas do São José 13

Imprensa

A narração esportiva 14Trajetória da Folha Esportiva 15

Esportes

O rugby em Guaíba 16Pencas do Capão Seco 18O grão mestre do Haedong Kumdo 19A patinação no Rio Grande do Sul 20Nós versus nós mesmos 22Bola ao centro 24Porto Alegre em duas rodas 25Punhobol da Sogipa completa cem anos 26A Legalidade e o Gre-Nal 156 28

Eventos

A III Olimpíada Metropolitana dos Secundários 30A história de nossos erros 33

Arbitragem

O árbitro no rugby 34Bandeira erguida contra o preconceito 35A arbitragem no RS 36

Personagens

A recreação pública em Porto Alegre 37O garimpador do futebol 38João Carlos. Habilidade: fair play 40Larry Pinto. O atacante cerebral 42O último goleiro do clube Renner 44Ortiz, um campeão nas quadras 45Pedrinho: futebol, narração e automobilismo 46Scarpini: um campeão nas cestas 48

Page 6: Esporte em Revista

Luiz Mendes: o comentarista da palavra fácil

Homenagem

No dia 23 de maio, a primeira turma do curso de Especialização em Jornalismo Esportivo da

UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) teve a honra de conhecer um dos mais antigos narradores esportivos do Brasil. Por cerca de uma hora, Luiz Mendes, gaúcho de Palmeira das Mis-sões, lembrou algumas histórias de sua carreira, que contabiliza a cobertura de 13 Copas do Mundo.

Foi com muito pesar que os alunos e pro-fessores receberam a notícia da morte do “co-mentarista da palavra fácil”, na manhã do dia 27 de outubro. Aos aos 87 anos, Mendes faleceu no Rio de Janeiro, onde morava há 67 anos, após complicações decorrentes de uma leucemia lin-focítica crônica.

Abrimos a primeira edição da publicação “Es-porte em Revista” com esta singela homenagem ao locutor que narrou com a voz embargada o gol de Gigghia no Maracanazo, em 1950.

Primeira turma de Especialização em Jornalismo Esportivo da UFRGS com o locutor Luiz Mendes (no centro)

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LIVRO

Livro “Minha Gente: o mestre da crônica esportiva do Brasil”, da jornalista Ana Maria Pires

Luiz Mendes aos 87 anos (1); O locutor chegou a trabalhar na TV Rio (2); Casou com a atriz Dayse Lúcide (3); Mendes na Copa de 1958 (4); Foi um dos fundadores da Rádio Globo (5)

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Isabella Sanderfotos reprodução

Page 7: Esporte em Revista

Andreza Domingues Stefani

Dez quilômetros de carros parados no acostamento da BR-285. Dez quilôme-

tros entre o trevo para Sananduva e o centro de Lagoa Vermelha, no nordeste do estado. Esse era o cenário que esperava pela SER La-goense em 1992: dez quilômetros de carreata para comemorar a vitória heróica sob a pode-rosa SER Itaqui.

O resultado, para fins de campeonato, não valia nada. Nem título e nem classifi-cação. Na verdade, mais tarde, a equipe la-goense seria eliminada da competição. Mas naquela partida, com um time inferior, havia vencido uma das melhores equipes do estado pelo placar de 4 a 1. Isso bastava.

A paixão da cidade pelo futsal nasceu nas competições municipais, disputadas pe-las associações das fábricas de móveis. Até 1986, o nome de Lagoa Vermelha viajava pelo Estado no preto e laranja da Associa-ção Móveis Rodial. A equipe, formada por funcionários da fábrica de mesmo nome, era a única representante da cidade no Campe-onato Gaúcho. Com a fundação do time de futsal da Lagoense, as duas equipes chega-ram a disputar o mesmo campeonato em 1987, mas acabaram se unindo com as cores e nome da mais nova.

A base do time era a da Rodial, ou seja, amadores lagoenses. Assim como eram seus treinadores, patrocinadores e dirigentes. Os resultados obtidos por esses atletas não foram tão significativos como os que seriam con-quistados pelos profissionais nas temporadas que seguiriam, mas foram os mais comemo-rados. Ginásios Rodialito e Adolfo Stella lo-tados, carreatas, torcida organizada. Torcida

essa que não só participava da diretoria como seguia a equipe em todas as viagens, levando na bagagem o apoio incondicional da cidade na escala reduzida de 48 passageiros.

E foi assim que, em 1990, a Lagoense conquistou num quadrangular em Canguçu, sul do estado, a vaga para disputar as semifi-nais. Pela primeira vez, foi recebida com fes-ta. Assim, o clube da Lagoense (fundado em 1961) viu seu quadro social aumentar, chegan-do a quase mil pessoas que mantinham suas mensalidades em dia para assistir às partidas e manter seus filhos nas Escolinhas de Futsal.

A profissionalização começou em 1991. Além dos atletas amadores com quem já con-tava, foram contratados Paulinho Sanandu-va (atual técnico do Atlântico de Erechim), Ronaldão (atual técnico do Atlético Sobra-dinho) da Enxuta de Caxias do Sul e o trei-nador Joca. Sem dinheiro para mantê-los em 1992, a Lagoense viu os três serem campeões pela Perdigão de Marau.

Em 1993 eles voltaram e juntaram-se a eles o jogador Rabicó, o goleiro Mauro e o ex-jogador da seleção brasileira Morruga. A notícia do retorno de Morruga, que estava na Espanha, ao Brasil colocou Lagoa Vermelha no mapa e na briga pelo estadual. O título, no entanto, não veio. Foi a vez da renovada e profissional Lagoense ser surpreendida pela enfraquecida Itaqui na semifinal. Restou a disputa e a conquista do 3º lugar.

Depois da eliminação em 1994, um grupo de empresários locais tomou para si o planejamento e gerenciamento do grupo do ano seguinte. Vieram Edésio, Waguinho e o técnico Ferreti, com passagem pela sele-ção brasileira, que foi substituído por Ale-xandre Zilles, mais conhecido como Barata.

Junto com ele vieram Ortiz e o então goleiro da seleção, Serginho.

A Lagoense foi superando os adversá-rios, um a um, implacável. Pela primeira vez, a cidade via um time reperesentá-la na final da Série Ouro. No primeiro jogo, um dramá-tico 5 a 5 em casa. A decisão ficou para o jogo de volta em Caxias do Sul. Lagoa Vermelha se mobilizava para esperar os campeões com uma carreata jamais imaginada, digna da distância percorrida para alcançar o triunfo. Mas, no segundo jogo, a Lagoense não resis-tiu à Enxuta de Manoel Tobias. O placar final de 3 a 2 para os donos da casa decretou o fim do sonho e da saúde financeira do clube.

O vice-campeão tinha ambições maiores para 1996. O grupo se renovou, contratou o técnico PC de Oliveira (ex-treinador da sele-ção, atualmente do Corinthians) e brigou pela liderança até a metade do campeonato. Mas a falta de patrocínio e a incapacidade de sanar as dívidas contraídas no ano anterior fizeram com que os jogadores e técnico fossem dis-pensados. Com o enfraquecimento da equipe, a Lagoense foi caindo divisão a divisão até fi-nalmente encerrar suas atividades em 1998.

Hoje, a cidade tem duas equipes: La-goense/Passo Certo Sports, na Série Prata; e Volpato/Anatex/Milan, na Taça RBS. E mesmo que a presença delas ainda represente a vocação da cidade para o esporte e mostre que a paixão continua latente, parece haver pouca mobilização e envolvimento para que Lagoa Vermelha volte a viver a euforia daque-les dez quilômetros.

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* Andreza Domingues Stefani é formada em Publicidade e Propaganda pela UFRGS

Lagoense 12 anos e 10 km

Andreza Stefani

A trajetória do vice-campeão da Série Ouro de 95

Equipe e comissão técnica do clube de futsal no ano de 1991

Clubes

Page 8: Esporte em Revista

Marcelo Pizarro Noronha

Em atividade desde 2004, ano em que o Grêmio passou por uma das maiores

crises da sua história, que culminou com o rebaixamento para a segunda divisão do futebol profissional do país, o Núcleo de Mulheres Gremistas vem desenvolvendo um importante trabalho no que diz respei-to à inclusão feminina no universo futebo-lístico, sabidamente um território mascu-lino, apesar do aumento da participação das mulheres neste campo. Preocupado em modernizar-se, o grupo alterou sua forma de organização, descentralizando seu pro-cesso de gestão, simbolizado na eleição de três coordenadoras, o que ocorreu em 2007 (antes disso, o Núcleo era chefiado por apenas uma integrante). Com mais de duas mil mulheres cadastradas, sobretudo

através da internet, o Núcleo de Mulheres Gremistas participa de projetos sociais em prol do clube e também da sociedade em geral, colaborando em campanhas de doa-ção de brinquedos e alimentos, destinados para instituições de caridade. O grupo tam-bém contribui com o Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama), frequente-mente em suas reuniões e demais eventos,

chamando a importância da prevenção do câncer de mama, doença que atinge inúme-ras mulheres no país. O objetivo do grupo, sem dúvida, é o de legitimar o seu trabalho, a partir de ações de caráter universal, que independem de preferências futebolísticas, ampliando, deste modo, seu poder de co-municação com a sociedade gaúcha.

Gre-Nais solidários: parcerias e rivalidades

Boa parte das ações sociais desenvolvi-das pelo Núcleo é realizada em parceria com um grupo de mulheres vinculadas ao clube rival (o Internacional), o Espaço da Mulher Colorada. Em outubro de 2009, por exem-plo, ambos os grupos estiveram lado a lado numa campanha intitulada “Segundo Gre-Nal Solidário”, que se deu em Porto Alegre, no Parque Moinhos de Vento.

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Clubes

Em ação desde 2004, o Núcleo tem sido importante na inclusão feminina no futebol

Em ação o Núcleo de Mulheres Gremistas

fotos Marcelo Noronha

Como um grupo de torcedoras se organizou para fazer parte e interagir no cotidiano do seu clube favorito

O objetivo do grupo é legitimar o seu trabalho, a partir de ações de caráter

universal, que independem de preferências

futebolísticas, ampliando seu poder de comunicação

Page 9: Esporte em Revista

A união de gremistas e coloradas, nes-te contexto, é importante, na medida em que aproxima os torcedores tidos como rivais, em torno de uma causa relevante, questionando, inclusive, a violência (físi-ca e simbólica) praticada nos estádios, que ocorre, comumente, em dias de clássicos como o Gre-Nal. É preciso salientar que o Núcleo de Mulheres Gremistas e o Espaço da Mulher Colorada atuaram em conjunto em campanhas em prol da paz no futebol.

As mulheres tricoloresPara entendermos os motivos que

levaram ao surgimento do Núcleo de Mulheres Gremistas é necessário discutir-mos a participação feminina no Grêmio ao longo da história. Uma rápida olhada para a produção cultural sobre o clube gaúcho indica que as mulheres ocuparam, por muito tempo, um lugar voltado basi-camente para a estética ou beleza. É o caso de Maria Bruguer, por exemplo, eleita “Rainha Tricolor” em 1953, ano em que o Grêmio comemorou o seu cinquentená-rio (In: FERLA, 2002). O escritor Natal Dornelles, fenômeno de vendas em algu-mas das últimas edições da Feira do Livro de Porto Alegre, refere-se às torcedoras gremistas como “(...) botões de rosas, são margaridas, são violetas, são azaléias, são flores do campo”. Outros materiais, in-cluindo filmes e CDs, retratam a mulher numa perspectiva idealizada, recheada de

estereótipos, o que implica uma discussão de gênero. Segundo a pesquisadora Jussa-ra Prá, o gênero pode ser compreendido tanto como uma variável sócio-cultural quanto como uma categoria de análise a ser explorada no âmbito científico. As pesquisadoras Rosa Silveira e Cláudia dos Santos, por sua vez, afirmam que o gêne-ro é uma construção social. Para elas, os estudos neste campo sugerem o reconhe-

cimento e a análise de estereótipos. Em minha tese de Doutorado em Ciências Sociais, “Futebol é coisa de mulher! Um estudo etnográfico sobre o ‘lugar’ femi-nino no futebol clubístico” (Unisinos, 2010), aprofundo esta discussão.

Superando preconceitosUm dos maiores problemas enfrenta-

dos pelo Núcleo de Mulheres Gremistas é o da falta de um “lugar” no clube. Muitas das reuniões do grupo foram improvisadas em

diferentes locais situados no complexo do estádio Olímpico Monumental, incluindo as escadarias do ginásio David Gusmão, a sala da Brigada Militar e as arquibancadas do próprio estádio. Atualmente, o Núcleo tem ocupado, sobretudo, o salão Ovelhão e o Espaço Rudi Armin Petry, criado em ho-menagem a um ex-dirigente do clube. Ou-tra forma encontrada pelo Núcleo de se or-ganizar foi através da internet. As mulheres gremistas se comunicam, com frequência, através do site do grupo (www.mulheres-gremistas.com.br). É possível localizar este endereço eletrônico no site oficial do clube (www.gremio.net), uma conquista bastan-te celebrada pelas participantes.

A aproximação do campo político ins-titucional, opção que divide as integrantes, é uma estratégia do Núcleo, que conseguiu eleger três conselheiras ligadas (direta ou indiretamente) ao grupo, numa demons-tração de força. Em se tratando deste cam-po, é preciso salientar que o Grêmio conta somente com cinco mulheres no seu Con-selho Deliberativo, num total de 300 con-selheiros titulares (que são organizados em dois mandatos: 2007-2013 e 2010-2016). Este número representa algo em torno de 1,6% do quadro. A atuação feminina no universo político do clube é limitada de-vido a uma cultura institucional que re-serva aos homens os cargos diretivos, não por causa de regimentos escritos, mas pela tradição. Justifica-se, assim, a existência do

Núcleo, que se propõe a represen-tar as mulheres gremistas, mesmo que timidamente e a partir de ações sociais que acabam por re-forçar o estereótipo acerca do pa-pel feminino na sociedade. A luta do Núcleo, no entanto, é relevan-te, na medida em que o grupo pro-cura minimizar as desigualdades (de gênero, em especial) sofridas pelas mulheres ao longo da histó-ria nos clubes de futebol.

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* Marcelo Pizarro Noronha é pós-doutorando em Antropologia Social (UFRGS), doutor em Ciências Sociais (Unisinos) e mestre em Educação (UFRGS)

A atuação feminina no universo político do clube é limitada devido a uma cultura institucional que reserva aos homens os

cargos diretivos, não por causa de regimentos

escritos, mas pela tradição

Integrantes comemoram sete anos de existência do Núcleo

Page 10: Esporte em Revista

Daniela Cenci

Em breve o bairro Floresta, em Lajeado, servirá de casa para o Clube Esportivo

Lajeadense. Ainda em fase de acabamento – faltando terminar o piso, definir os lo-cais dos banheiros, detalhes de decoração e instalação elétrica – o novo estádio não é apenas um projeto moderno, que oferece-rá mais conforto a jogadores e torcedores, é uma homenagem aos cem anos do clube. Uma história que iniciou no dia 23 de abril de 1911, em um potreiro, local onde ficava o antigo estádio Florestal. Por iniciativa de um grupo de “peladeiros” foi criado o Club Sportivo Lajeadense, na época em que a pa-lavra lajeadense ainda se escrevia com “G”. O clube foi o 25º criado no País.

“Acho que chegamos ao centenário em um grande momento, o clube está saneado, com credibilidade e com opções de crescer

cada vez mais. Isso é um trabalho de todos”, afirma o atual presidente, Nilson Giovanella, que desde 2008 responde pelo Lajeadense.

Na década de 20, no Florestal, os atle-tas treinavam em um campo irregular, sem drenagem, terraplanagem, alambrados, com uma cerca de madeira e uma carreira de tábu-as que eram utilizadas como arquibancadas. Apenas em 1948 foi construído um pavilhão de madeira para o assento do público. Quatro

anos depois, o campo esportivo recebia me-lhorias. Um dos momentos relembrados pela diretoria foi a inauguração do sistema de ilu-minação, que ocorreu durante um amistoso contra o expressinho do Grêmio. Na época, o sistema era uma novidade no Vale do Taquari e chamou atenção até mesmo dos moradores da vizinha Estrela. Na oportunidade o Alvia-zul fez 5 a 2 em cima do Tricolor.

Em alusão ao centenário, a diretoria reuniu, em um grande evento, pessoas que fizeram parte da história do clube. Um momento para recordar episódios como a primeira participação do Alviazul em cam-peonatos estaduais, em 1926; a conquista do Campeonato Estadual de Amadores de 1949; a vice-liderança da Segunda Divisão do Gauchão, em 1955; o título de campeão da Segundona de 1959, que se repetiu em 1979; e a Copa Pérola de 1962, decidida com o seu maior rival: o Estrela.

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Clubes

Centenário decasa nova

fotos de arquivo pessoal

De volta à elite do futebol gaúcho, o Lajeadense relembra seus dias de glória e celebra o bom momento do clube com a construção de um novo estádio

O novo estádio não é apenas um projeto

moderno, que oferecerá mais conforto a jogadores

e torcedores, é uma homenagem aos cem

anos do clube

Formação original do amistoso entre o Alviazul e a seleção brasileira

Page 11: Esporte em Revista

MARCAS NA CARREIRA DEIXADAS PELO ALVIAZUL

Denilson Olivera Santos atuou como ponteiro esquerdo no Lajeadense durante um ano e quatro meses. Apesar da curta passagem, duas grandes recordações do clube marcam a sua carreira até os dias de hoje.

A primeira refere-se ao amistoso com a seleção brasileira, em julho de 1991. Naquele ano, o Lajeadense, com uma formação jovem dentro do campo, foi escolhido como o adversário da seleção canarinho. Denilson conta que jogou ao lado de grandes nomes do futebol, como Renato Portaluppi, Taffarel, Cafú e Branco. “Nós fomos convidados em razão da nossa boa campanha na Copa Governador”, explica. O Alviazul acabou perdendo por 4 a 0, mas ficou conhecido nacionalmente.

A segunda foi um fato inusitado que aconteceu no Campeonato Gaúcho. Na partida com o Grêmio, em novembro de 91, um empresário do setor calçadista prometeu premiar com um cheque aquele que fizesse gol para o Lajeadense. Denilson foi o autor do único gol da partida. “Dois dias depois, o professor Élio Giovanella me chamou para entregar o cheque no valor de 42 mil cruzeiros, o equivalente a um salário mínimo.” Junto recebeu um bilhete que dizia: “Parabéns Lajeadense. Gol histórico contra o Grêmio POA”.

O Alviazul se classificou em quarto lugar no Gauchão, revelando nomes como Ênio, Vandeco, Gélson, Éverton (filho do Élio e atual diretor de Futebol do clube) e Leco.

Os maiores confrontos registrados na biografia do Lajeadense eram contra o time de Estrela. A violência que ia além do cam-po fez com que, na década de 40, a chefia de polícia do estado proibisse jogos entre eles. Anos mais tarde, os presidentes dos dois clu-bes assinaram um acordo para a disputa da Taça da Paz com o objetivo de acabar com as desavenças. O livro “Cidades Vizinhas – Amor e Ódio”, do jornalista Olides Canton, retrata que foram marcados dois clássicos, um em cada estádio, mas o último terminou em confusão, inclusive pela disputa da renda

do jogo, caso que foi parar até na Justiça. Em 1962, a rivalidade entre eles continuava, mas sem a mesma brutalidade das décadas ante-riores. Havia provocações também com o time de Santa Cruz.

Superado tudo isso, neste ano, o clube que conquistou a repescagem na Segunda Di-visão de 1983 – depois de cinco anos afastado da Primeira Divisão do futebol gaúcho – fez boa campanha no Gauchão, classificando-se na terceira posição do Grupo A. “Tínhamos uma base de equipe, uma comissão técnica competente e acertamos nos jogadores que

contratamos. O mérito maior é do grupo de atletas, afinal são eles que correm lá den-tro”, reconhece Giovanella. E os planos vão adiante: “Agora temos que nos consolidar na primeira divisão, isso é o mais importante, e conforme pudermos, seguir estruturando nosso clube para no futuro podermos pensar em voos mais altos. Potencial para isso, nós temos”, conclui.

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CURIOSIDADES

• ConformeohistoriadorJoséAlfredo Schierholt, o azul e branco do uniforme deve-se ao fato da maioria dos fundadores ser ligada ao Grêmio Futebol de Porto Alegre.

Na década de 30 as convocações •de jogadores eram anunciadas no jornal “A Semana”.

Em 1940 o Clube Esportivo •Lajeadense contava com equipes de cestoball (basquete), tênis, bolão e de tiro. Na sede social, aconteciam os bailes e sessões de cinema.

* Daniela Cenci é formada em Jornalismo pela PUCRS e atua como jornalista de Política

Comemoração dos 50 anos da equipe de Lajeado

Page 12: Esporte em Revista

Luiza Borges

O Esporte Clube Cruzeiro, mais co-nhecido como Cruzeirinho ou Leão

da Montanha, é um time gaúcho de fute-bol, fundado na cidade de Porto Alegre em 1913. Hoje, muitos dos admiradores do futebol que acompanham o Cruzeiro dando trabalho para a dupla Gre-Nal pelo Campeonato Gaúcho não fazem ideia da história de pioneirismo e glórias que o time alvi-azul traz na bagagem.

A trajetória de conquistas tem início em 1918. Com apenas cinco anos de ida-de, o Cruzeiro venceu o Campeonato Ci-tadino (ou Campeonato Porto-Alegrense) pela primeira vez, repetindo a façanha em 1921 e 1929, quando conquistou o tricam-peonato, ganhando o direito de disputar o Campeonato Gaúcho. Pelo estadual, o Leão da Montanha enfrentou o Juventude na pri-meira fase, vencendo com uma goleada de 4 a 1. Nas semifinais, passou pelo RioGran-dense de Santa Maria com o placar de 2 a 0, chegando à final contra o Guarany de Bagé. A partida que ocorreu no extinto estádio da Chácara das Camélias, em Porto Alegre, teve o placar de 1 a 0 para o Cruzeiro, com gol de pênalti do atacante Nestor, tornan-do-o campeão Gaúcho de 1929.

Com as importantes conquistas no Es-tado, o clube foi crescendo e chegou a ser considerado como a terceira força do fute-bol gaúcho, fazendo frente a Grêmio e In-ternacional. O time passou a ter mais força na década de 1940, ganhando títulos como o Torneio Triangular de Porto Alegre em 1943, a Taça Cidade de Porto Alegre, em 1947, e o Torneio Início de Porto Alegre em 1943, 1951 e 1962. Mas foi na década de 1950 o auge do Leão da Montanha, quan-do o time da capital ultrapassou as barreiras continentais. Consagrado como o primeiro time do Rio Grande do Sul a participar de um campeonato no exterior, o Cruzeiro embarcou em excursão para Europa, Ásia e Oriente Médio, para jogar contra times como Real Madrid, Lazio, Fenerbahçe, Be-

siktas e Espanyol, além das seleções de Israel e Turquia. Com aproveitamento de 55% em 15 partidas, sete vitórias, quatro empates, sendo um deles com o Real Madrid, e qua-tro derrotas — com 28 gols marcados e 20 sofridos — o Cruzeiro ganhou seu reconhe-cimento internacional.

Em 1960, o clube retorna à Europa em outra excursão para enfrentar times como Bayern Hof, Dínamo, de Zagreb, e Sevilla, além das seleções da Checoslováquia, Olím-pica Dinamarca e Bulgária. O aproveitamento foi bem parecido com o da última participa-ção: 54,16%. Foram 24 partidas, 11 vitórias, seis empates e sete derrotas, marcando 39 gols e sofrendo 35. A diferença é que esta ex-cursão teve um gostinho a mais para o clube de Porto Alegre, pois foi quando ganhou o

Torneio de Páscoa de Berlim, tornando-se, assim, o primeiro clube gaúcho a conquistar um título internacional de futebol.

Com o sabor das vitórias e o reconhe-cimento internacional à flor da pele, o Cru-zeiro não parou por aí. No ano seguinte, em 1961, partiu para a Argentina para disputar o Torneio de Páscoa em Mar Del Plata, sagran-do-se, outra vez, campeão.

Embalado por importantes triunfos na carreira, o time alvi-azul viu o sonho de se firmar como um grande clube desabar no final da década de 1960, quando o presiden-te Rafael Peres Borges vendeu o Estádio da Montanha para a construção de um cemité-rio no local. Na última partida realizada no estádio, em novembro de 1970, o Cruzeiro venceu o Liverpool, do Uruguai, pelo placar de 3 a 2, emocionando os torcedores estrela-dos presentes, que derramaram lágrimas na

despedida. Em abril de 1977, foi inaugurado o Estádio Estrelão, localizado no Bairro Pro-tásio Alves, atual localização do clube. Mas a história não foi mais a mesma, tanto que, em 1977, o clube entrou em recesso, voltando à ativa somente em 1991.

RenascimentoApagado durante anos, o Leão da Mon-

tanha renasceu em 2007, na presidência de Flávio Fachel, montando um novo projeto de futebol. Assim como em 1914, quando foi pioneiro ao criar as categorias infanto-juvenil, o Cruzeiro voltou a apostar na base, valorizando seus atletas da casa. O resultado veio no mesmo ano, quando o time chegou às semifinais do Estadual de Juniores, sendo vice-campeão. Depois, em 2008, disputou a Segunda Divisão Gaúcha e a Copa Federação Gaúcha de Futebol.

Agarrado às forças e à história de gló-rias, o Cruzeiro foi crescendo e, em 2010, disputou o Campeonato Gaúcho da Série B, tornando-se campeão e, assim, garantiu o retorno do time estrelado à elite do fu-tebol gaúcho. Voltou, e voltou com tudo. Já na primeira fase de grupos, o Cruzeiro se classificou em terceiro lugar na chave dois. Pelas quartas de final, surpreendeu eliminando o Internacional nos pênaltis. Perdeu para o Grêmio na semifinal por 4 a 2. Apesar da derrota, a equipe deu tra-balho para o Tricolor. No segundo turno, foi líder na fase classificatória, chegando à frente de Juventude e Grêmio, o campeão no primeiro turno. Forte e desafiador, in-comodando os grandalhões da dupla Gre-Nal, o Cruzeiro chega novamente com raça até as semifinais do campeonato, elimina-do novamente pelo Grêmio.

Desta vez, não se sagrou campeão, mas deixou claro que é capaz de fazer frente e acabar com a hegemonia da dupla Gre-Nal no Campeonato Gaúcho. O Leão da Mon-tanha está de volta!

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Clubes

* Luiza Borges é formada em Jornalismo pelo IPA

Cruzeirinho: pioneiro e de muitas glórias

Com as importantes conquistas no Estado, o clube cresceu e chegou a ser considerado como

a terceira força do futebol gaúcho

Page 13: Esporte em Revista

Camila Konrath

É comum escutar por aí que a tradição faz um clube, o torna forte, sólido e respei-

tado. Na ironia, pensando nisso avistei o Es-porte Clube São José, de Porto Alegre, mais conhecido pelo nome carinhoso de Zequi-nha, até pelos não tão íntimos assim. Funda-do em 1913, apenas seis anos após o Grêmio Football Porto-alegrense, o Zequinha carre-ga junto com sua história no futebol a dos torcedores que participaram dela durante os tempos áureos, e que hoje, ainda frequen-tam as arquibancadas com seus filhos.

As baixas do clube se deram após os anos 50 e o núme-ro de torcedores tam-bém diminuiu com a popularidade. As próximas gerações destes ávidos torcedores acabaram por não herdar o Zequinha como time do coração e o legado das arquibanca-das foi escorrendo até as bandas das avenidas Azenha e Beira-Rio. Os pais e avós que iam à Montanha, estádio do clube até 1940, onde hoje existe o Hospital Militar, estavam sem novas glórias há anos, principal poder moti-vador para convencer à filiação no Zequinha. Passada a baixa, os tempos de grupo especial voltaram e junto com eles, o estádio Passo D’areia passou a receber maior número de público nas arquibancadas. Os torcedores atuais são, em sua maioria, gremistas e, mui-tos outros, verdadeiros descobridores de algo que poderia receber uma vanguarda de fôlego por ali. O terceiro e menor tipo de torcedor são aqueles garotos que aprenderam a amar o clube e somente ele, com seus pais, desde sempre torcedores do São José.

Duas torcidasA renovação da torcida com outras gera-

ções de alentadores pós-ressaca criou um am-biente movimentado outra vez, onde a social é abandonada pelos novatos e a arquibancada dá lugar a um novo cenário de paixão e com-promisso com o Zequinha. Nessa atmosfera

de avanços e conquistas, tanto em campo, quanto fora dele, a alma das arquibancadas está montada para que duas torcidas distintas surjam: “Os Farrapos” e “Os Guaipeca” (as-sim, com erro intencional de concordância). A primeira torcida, mais nova e com o espí-rito Barra-brava implantado nos cânticos e faixas, surgiu com força quando o Zequinha ganhou maior notoriedade no Campeonato Gaúcho, lá por 2007. Começava ali, por um grupo de novos representantes, uma torcida que um ano mais tarde, delirava com a con-tratação do goleiro ídolo de todo gremista:

Danrlei. Esse fato levou mais torcedores ao estádio e deu notoriedade ao clube que começara a dar passos maiores depois de tanto tempo no esquecimento. A torcida cresceu e começou a se organizar em grupos. A

torcida dos Farrapos, que em sua maioria era formada por gremistas, hoje agrega, inclusive, torcedores do rival Inter, apesar dos cânticos se assemelharem aos da torcida organizada “Geral”, do Grêmio.

Do outro lado dessa moeda, Os Guai-peca são poucos, mas uma torcida cheia de propriedade e singularidade. José Guilherme é torcedor dos Guaipeca desde que passou a acompanhar os passos do clu-be nos jornais e outras fontes. Ele conta com orgulho que a torcida não possui um dono ou mentor: “Dizemos que Os Guaipeca é um movimento espontâneo de torcedores apaixonados”. Mas revela que todo guaipeca tem como padrinho o técnico Beto Almeida. Beto, após assisti-los na arqui-bancada torcendo, os chamou de pitt-bulls, o que originou posteriormente, o nome defini-tivo de “Os Guaipeca”.

Os novos torcedores dos Farrapos de-ram mais fôlego e voz às arquibancadas do estádio e, ao mesmo tempo, um comporta-mento não aprovado pela torcida mais anti-ga, menor e que se diz mais fiel por torcer somente para o Zequinha. O que incomoda

aos veteranos é algo comum nos ambientes onde novas figuras surgem com os mesmos direitos que os antigos frequentadores: o comportamento diferenciado. É um para-doxo a atual realidade (diga-se de passagem, ocorre em todas as torcidas de futebol bra-sileiras) em que, ao se juntarem nas arqui-bancadas com o mesmo objetivo, as torcidas não se agregam, entoando cânticos próprios de cada uma e tendo sua próprias regras. Os mesmos se negam a serem confundidos com guaipeca ou farrapo. Os Guaipeca, observan-do o que ocorria na torcida irmã, estabelece-ram que qualquer torcedor do São José pode ser um deles, desde que respeite as regras de não usar camiseta de outro time. Só pode ser a do Zequinha e os cânticos são sempre em português, fazendo provocação às vertentes da torcida gremista “Alma Castelhana”, que surgiram no grupo dos Farrapos.

Respeito entre torcidasIndependente da torcida escolhida, tor-

cedores como Robson gostam mesmo é de se enraizar pela proximidade que o estádio tem de suas casas, no bairro Passo D’areia, que dá o mesmo nome ao estádio. Passando todos os dias por ali, um dia ele resolveu parar e entrar. Em tom de deboche, lembra que o pensamen-to ao adentrar os portões do estádio era que

faltava só escolher em qual segmento se encaixar. A gar-ganta e o estilo dos Farrapos animou, já tinha visto algo bem semelhante no estádio Olímpico.

Assim decide Robson e diversos outros tor-cedores que compõem a cada vez mais massi-va torcida “Os Farrapos”.

Apesar das diferenças que as duas torci-das fazem questão de salientar, nunca houve brigas entre os membros. Eles se respeitam em detrimento de algo maior que suas vaida-des: o Esporte Clube São José.

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* Camila Konrath é formada em Jornalismo pela PUCRS

As vozes das arquibancadasPerfil das torcidas “Os Farrapos”e “Os Guaipeca”. Duas cativas no estádio Passo D’areia, casa do Esporte Clube São José

O Zequinha carrega junto com sua

história no futebol a dos torcedores que participaram dela

Apesar das diferenças existentes entre as

duas torcidas, nunca houve briga entre

seus membros

Clubes

Page 14: Esporte em Revista

Gilson Alves

A narração esportiva acompanhou o espor-te através dos tempos, principalmente o

futebol. O ato ou efeito de narrar é capaz de emocionar multidões e aguça a imagi-nação dos ouvintes. Aqui, quando falamos do futebol associado ao rádio, estamos tratando da narração. Seja em casa, mesmo que assis-tindo ao jogo pela televisão, ou no estádio acompanhando a partida, só o radinho de pilha é capaz de trazer os lances de-talhados, através da descrição dos narradores. Na cidade de Santa Maria, vive um dos ícones da narração esportiva do Rio Grande do Sul: Vicente Paulo Bisogno.

Atualmente, Bisogno trabalha na Rádio Imembuí, onde é o principal narrador e é o gerente de programação. Ele narra futebol prosifissionalmente desde 1969 e ainda hoje, encara cada transmissão como se fosse única. O locutor revela que sua paixão pela profis-são surgiu desde que tinha consciência de sua existência. “Trago isso de berço. Tudo come-çou com a narração de jogos de botão, tan-to que nos campeonatos desta modalidade,

ainda criança eu preferia narrar do que jogar mesmo. Então foi despertando esse interesse! Eu sempre achei aquilo ali muito bom. Me atraía a ideia de ser um pouco criador, dar

vida ao que aconte-cia, colocar emoção e na medida em que eu fui percebendo que as pessoas iam gostan-do foi aumentando o meu fascínio e a mi-nha vontade de dar se-quência e quando tive

a primeira oportunidade de narrar agarrei da melhor forma que pude”.

Em meio a tantas fun-ções no jornalismo esportivo, tais como comentarista, re-pórter, plantão de estúdio, é o narrador que acaba assumindo o papel mais importante, por-que ele desempenha a função de âncora. É possível “tocar” uma jornada sem a presença momentânea dos profissionais citados acima, mas sem o narrador não. Resumidamen-te, o microfone dos outros pode falhar, mas o do “comandante da jornada” jamais.

Bisogno enumera, ainda, quem são os seus ídolos na locução esportiva: “Fiori Gi-

glioto, Flávio Araújo, que eram verdadeiros ícones de todos que já estavam na profissão e todos aqueles que estavam buscando espa-ço. Lembro também de Doalcei Bueno de Camargo, Jorge Curi e Valdir Amaral. Aqui no Rio Grande do Sul tem uma história toda particular. É uma escola que tem na figura do Mendes Ribeiro, o grande formador de ge-rações. Ele deu o estilo a narração que ainda prevalece em nosso estado. Hoje em dia, ainda na atividade, o ‘fenômeno’ Haroldo de Souza, que mudou muito o perfil dos narradores no RS. Já o Pedro Carneiro Pereira, foi o grande narrador gaúcho do todos os tempos. Ele mes-

clava os estilos, Perei-ra era um pouco de Mendes Ribeiro, um pouco de outros esti-los. Narração limpa, sem firula, marcan-te, correta, precisa e com ritmo. Armindo

Antônio Ranzolin, que tinha uma voz forte, potente, clara foi outro que marcou”.

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Imprensa

* Gilson Alves é formado em Jornalismo pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), em Santa Maria-RS

Vicente Bisogno é narrador

profissional há 42 anos, na

Rádio Imembuí, de Santa Maria

A narração esportivaGilson Alves

Só o radinho de pilha é capaz de trazer os lances detalhados,

através da descrição dos narradores

“Tudo começou com a narração de jogos de botão, tanto que

nos campeonatos eu preferia narrar”

Page 15: Esporte em Revista

Lucas Lopez da Cruz

A Folha Esportiva foi criada dentro da redação da Folha da Tarde, jornal de

grande rotatividade na cidade de Porto Alegre. O jornal era publicado pela Com-panhia Jornalística Caldas Júnior entre os anos de 1936 e 1983 e iniciou seus traba-lhos como um caderno dentro da Folha da Tarde. Porém logo teve sua edição realiza-da de forma separada, sendo vendido como um jornal especificamente esportivo.

No início, tinha sua grande cobertu-ra dedicada ao futebol e a alguns esportes amadores que tinham grande expressão no Rio Grande do Sul, como por exemplo, o turfe, o ciclismo e o basquetebol. Na sua edição contava com o professor de educa-ção física e jornalista José Amaro Júnior, um dos seus fundadores. Amaro Júnior se destacou na cobertura dos esportes ama-dores, mais especificamente no basquete-bol, onde foi jogador e técnico, além de ter tido grande importância para a im-plantação da Associação Cristã de Moços de Porto Alegre, a grande precursora do

esporte na capital gaúcha. Ele ainda fa-ria grande contribuição para o jornalis-mo esportivo, sendo um dos fundadores da Associação dos Cronistas Esportivos Gaúchos (Aceg ).

A Aceg foi fundada em 24 de setem-bro de 1945, na sede da então Federação Rio Grandense de Futebol, sob a denomi-nação original de Associação dos Cronistas Esportivos de Porto Alegre (Acepa). O ob-jetivo inicial era congregar tão-somente os cronistas esportivos da capital.

Uma história que não tem fimCom o passar dos anos, a Folha Espor-

tiva acabou reintegrada à Folha da Tarde, que em função da falência da companhia Jornalística Caldas Júnior, acabou fechan-do suas portas em 1983. Porém, se engana quem pensou que acabava ali a história.

Após 20 anos dos encerramentos dos tra-balhos, a cada dia 30 de abril, os bravos guerreiros da redação da Folha da Tarde ganham um espaço para lembrar e contar a história e as estórias do vespertino que marcou época em Porto Alegre. O espaço que eles conquistaram no restaurante Co-pacabana, ali em frente à rótula onde se encontram Venâncio Aires, Aureliano de Figueiredo, Érico Veríssimo e Getúlio Var-gas, agora marca presença também na web.

O restaurante Copacabana acaba por ser um palco vivo na história da Folha da Tarde. Comprada em 1939 pelos italia-nos Leonardo e Rocoo Vitola, filho e pai respectivamente, o restaurante sempre foi um ponto de encontro dos jornalistas da publicação. Depois que surgiu a ideia das comemorações do aniversário da Folha, o próprio restaurante fez questão de abrir suas portas para os antigos redatores, in-clusive lhes oferecendo um salão interno, denominado Salão Folha da Tarde.

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Imprensa

* Lucas Lopez da Cruz é licenciado em Educação Física pela UFRGS

Capa de uma das últimas edições da Folha da

Tarde, que deu origem à Folha Esportiva, traz o esporte com destaque

o vespertino que marcou época

Arquivo pessoal

Tinha sua cobertura dedicada ao futebol e a

alguns esportes amadores expressivos no Estado

Folha Esportiva:

Publicação porto-alegrense já extinta foi um importante veículo na história do jornalismo esportivo gaúcho. Um dos fundadores do periódico foi o professor de educação física e jornalista José Amaro Júnior

Page 16: Esporte em Revista

Paula Cunha Tanscheit

O rugby, segundo uma pesquisa realiza-da na faculdade de Coventry, na Inglaterra, e publicada pela MasterCard no início do ano, teve um crescimento de 19% no número de praticantes em todo o mundo nos últimos quatro anos. Na Amé-rica do Sul, o cresci-mento no número de atletas foi de 22%. Em meio a este contexto de expansão do esporte, surge o Guaíba Ru-gby Clube, que vem se destacando desde a sua fundação.

O clube de Guaíba começou a ser pensado por um jogador de rugby do Charrua Rugby Clube, time de Porto Alegre, chamado Le-andro Wienskoski, o Polaco, guaibense que viajava à capital três vezes por semana para treinar. Visando contribuir para o desenvol-vimento do rugby no Estado, Wienskoski de-cide dar início ao projeto de fundar um time na sua cidade natal. A partir de 2005, através do apoio de colegas e até de redes sociais na internet, o jogador começou as tentativas de recrutar interessados. Apesar de enfrentar di-ficuldades, principalmente devido à falta de conhecimento sobre a modalidade do rugby, é marcada a primeira reunião em março de 2006. O encontro contou com a presença de

Wienskoski, Nilson Taminato, então líder do Grupo de Desenvolvimento do Rugby/RS, Valandro Manzoni e Adair Weber, que até o momento nunca haviam jogado rugby, mas estavam interessados na iniciativa. “Aquele dia assistimos partidas de rugby e nos assus-tamos, não dava para acreditar que não tinha

problema nenhum jogar rugby”, lembra Valandro. “A bola era gigante”, acres-centa Adair.

No dia 8 de março de 2006 deu-se então o primeiro treino do Gua-íba Rugby Clube, em um sábado às 7 horas no Complexo Esportivo Ruy Coelho, o Coelhão, em Guaíba. Naquela manhã a

presença de cerca de 25 pessoas surpreendeu Manzoni, que confessou não estar “levando muita fé”. Pouco mais de duas semanas de treino, o clu-be já teve suas primeiras partidas marcadas contra o Lanceiros Negros, de Canoas. Foram dois jogos realizados no dia 1 de abril de 2006, na cidade de Ca-noas. Segundo Valandro: “Nós não sabíamos muita coisa na época, só sabíamos correr e ainda por jogar contra uma equipe chamada Lanceiros Negros, pensa-

mos que íamos perder feio”. Porém, as duas partidas terminaram em empate, o que aca-bou estimulando os atletas a continuarem. Assim, em 30 de abril de 2006 é oficialmente fundado o Guaíba Rugby Clube.

Escudo do time O nome e o brasão do clube foram

criados com o objetivo de levar o nome e a história da cidade de Guaíba para as competições. O brasão, criado por Sandro Souza, então jogador do clube, apresenta uma linha de ataque de rugby formada por cachorros sobre as cores da bandeira do Rio Grande do Sul. Os cachorros foram es-colhidos devido à história contada de que o nome original indígena Guahyba signifi-ca “baía dos cachorros” ou então que este seria o nome que os nativos chamavam a costa do Lago Guaíba. Já o grito de guerra

do Guaíba foi criado a partir de vídeos que os atletas assistiram da seleção neozelan-desa de Rugby. Os All Blacks, como são cha-mados, realizam antes de cada partida o Ka Mate, uma espécie de performance para in-timidar o adversário.

“Refletimos ‘por que nós não temos um as-sim?’ Fomos pensando em algo, até que um dos nossos gritou ‘Coragem Força e União,

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Esportes

“Coragem, Força e União” do rugby em GuaíbaClube fundado em 2006 apresenta grande potencial de crescimento

O clube de Guaíba começou a ser

imaginado por um jogador do Charrua

Rugby, pensando em contribuir para

desenvolvimento do esporte no Estado

O primeiro título conquistado pelo Guaíba foi o de

Campeão da Taça Prata do Torneio Pré Gauchão de Rugby

Sevens de 2009

Page 17: Esporte em Revista

O Guaíba Rugby busca atualmente maiores incentivos financeiros

Arquivo do Guaíba Rugby

Guaíba Guaíba Guaíba’. Pronto estava for-mado o nosso lema”, conta Adair.

A principal dificuldade na época, que inclusive é a mesma até hoje, foi encontrar adeptos ao esporte. O motivo mais destacado é o preconceito que existe com o rugby e a falta de conhecimento até em relação à estru-tura corporal necessária para começar a pra-ticar. Porém, para Rafaelle Oliveira, jogador do Guaíba desde 2007, o maior empecilho é a questão cultural: “Desde pequeno a criança pega a bola com a mão, e a primeira coisa que o adulto fala é para chutar”, exemplifica Ra-faelle. Até hoje a equipe nunca contou com um plantel maior do que 25 atletas, o que faz com que se jogue na modalidade Seven, com sete jogadores, a mesma que será jogada nas Olimpíadas de 2016.

Adaptação dos atletas Outro fator que o clube teve de en-

frentar no início foi a adaptação às normas. “Tivemos que começar do zero no Guaíba, então primeiro tivemos que aprender as regras do rugby e desaprender tudo aquilo que sabemos do futebol”, conta Adair. Em

2006, como contam os atletas, também era difícil achar artigos para a prática do ru-gby nas lojas, às vezes era necessário enco-mendar peças de São Paulo, além dos altos valores. Os jogadores também quase não recebem apoio financeiro para as viagens que precisam fazer durante as competições e acabam tendo que pagar com o próprio di-

nheiro. “O apoio desde o início tiramos de nós mesmos”, declara Adair. O clube desde sua fundação recebe apenas o apoio da pre-feitura que empresta um campo de futebol para os treinamentos e partidas.

O primeiro título conquistado pelo Guaíba foi o de campeão da Taça Prata do Torneio Pré Gauchão de Rugby Sevens de 2009. Porém já havia conquistado boas co-locações desde 2007, sendo inclusive vice-campeão Gaúcho daquele ano. Para Adair, esta foi a conquista mais marcante vivida por ele no Guaíba: “Com apenas um ano de idade a nossa equipe sagrou-se vice-cam-peã, após várias vitórias em quatro etapas, perdendo a final para o nosso padrinho, o clube de rúgbi mais velho do Estado, aonde chegamos a estar na frente do placar por de-zessete a cinco”. A partida foi decidida nos últimos minutos do jogo e deu o título ao Charrua de Porto Alegre.

Atualmente a equipe guaibense trei-na duas vezes por semana no Complexo Esportivo Ruy Coelho e se prepara para as próximas competições. Segundo o atual técnico da equipe, Philippe Gauer, que já trabalha há 37 anos com rugby, o Guaíba é o time com maior potencial no Rio Grande do Sul: “Não importa em qual modalidade a gente jogue, vamos ganhar”. A procura hoje é por maiores incentivos, tanto financeiros, quanto de familiares que apóiem o esporte para que ele cresça cada vez mais na cidade. Os jogadores garantem que o tão popular futebol acaba perdendo a graça depois que se conhece o rugby de verdade. “Depois que você é mordido pelo bichinho do rugby, não quer saber de outro esporte”, constata Rafaelle.

O RUGBY NO RIO GRANDE DO SUL

O rugby teve inicio no Estado com a criação do Charrua Rugby Clube em 2001. O clube foi formado depois da iniciativa de Nilson Taminato, recém chegado ao Rio Grande do Sul, de formar um clube onde ele pudesse continuar praticando o esporte como fazia em São Paulo, onde jogava no Rio Branco Rugby Clube. Através de uma parceria com a ESEF (Escola Superior de Educação Física da UFGRS), Nilson e mais alguns interessados conseguiram fundar o Charrua no dia 2 de junho de 2001. Ainda naquele ano surge o segundo time do estado, o Farrapos Rugby, de Canela, que em 2003 virou o Guará Rugby. Com a criação do Grupo de Desenvolvimento do Rugby/RS (GDRS), em 2006, o rugby passou a ter competições

organizadas como o Campeonato Gaúcho de Rugby. No final de 2009 também é criada a Federação Gaúcha de Rugby (FGR), onde 16 clubes compareceram para aprovar o estatuto e eleger a primeira diretoria. Para Philippe Gauer, “o nível do rugby no Rio Grande do Sul continua crescendo proporcionalmente ao número de jogadores”, conta o francês que chegou ao estado em 2003. Segundo ele, ainda existe uma grande falta de pessoas que possam dar treino ou transmitir um rugby mais competitivo. De acordo com Philippe, a inclusão do rugby nos Jogos Olímpicos já gerou uma explosão de novas equipes e com aporte de capital e estrutura os resultados já estão acontecendo nos torneios de Sevens.

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TÍTULOS CONQUISTADOS

- Vice Campeão da Taça Ouro do Torneio Pré Gauchão 2007

- Vice Campeão Gaúcho 2007- Vice Campeão da Taça Prata do Pré

Gauchão 2008- Campeão da Taça Prata do Pré

Gauchão 2009- Vice Campeão Feminino do Pré

Gauchão 2009- Campeão Feminino da Taça Prata do

Pré Gauchão 2010- Campeão Juvenil da Taça Prata do

Pré Gauchão 2010- Campeão da Taça Ouro do Pré

Gauchão 2011

* Paula Tanscheit é formada em Jornalismo pela PUCRS

“Depois que você é mordido pelo bichinho

do rugby, não quer saber de outro esporte”

Page 18: Esporte em Revista

Jonas Gularte

O povo gaúcho traz em sua história uma relação muito forte e latente com o ca-

valo. Isso ainda hoje é bastante evidente, em especial com o homem do campo, que utiliza seu fiel e leal amigo, o cavalo, tanto para li-das rurais, com gado e na lavoura, como para transporte ou passeio. Além de representar uma antiga paixão dos gaúchos, as corridas de cavalo constituíram, e por vezes ainda consti-tuem, a prática esportiva do homem rural.

Na região do Capão Seco, uma loca-lidade do distrito de Povo Novo, perten-cente ao município de Rio Grande, encon-tram-se diversas propriedades rurais, onde predominam a pecuária de corte e leite bem como o cultivo de arroz. Atividades as quais movimentam os trabalhadores da região e propiciam o convívio direto do homem com o cavalo.

Esta localidade manteve, ao longo de muitos anos, uma forte tradição tanto na organização quanto na participação de cor-ridas de cavalos em canchas retas. Capão Seco possuía canchas, jóqueis, apostadores, e donos de cavalos “parelheiros” (animal

rápido e veloz, destinado exclusivamente ou preferencialmente às corridas), onde a cada final de semana travavam disputas emocionantes tanto na cancha reta, como na zona de “arremates”, onde eram reali-zadas as apostas. Porém a última “penca” (nomenclatura local utilizada para desig-nar as corridas de cavalo em canchas retas) foi corrida no ano de 2003. Cinco animais integraram a competição que contou com bom público espectador, conforme nos conta um dos integrantes do extinto pique-te local, o qual organizara a disputa. Desde então, a prática aparentemente foi deixada de lado, não ocorrendo mais nenhum even-to semelhante nesta localidade.

Ao levantar hipóteses e razões para este repentino fim das carreiras de cavalo, cita-mos: a diminuição do número de moradores da localidade e o envelhecimento dos que ali permaneceram residindo; o maior acesso à energia elétrica que permitiu ampliação na utilização de meios de comunicação e entre-tenimento modernos, tais como televisão, DVD e internet, servindo como lazer e pas-satempo; a maior facilidade de locomoção dos moradores, com melhorias no transporte

rodoviário e por vezes a aquisição de auto-móvel próprio, fazendo com que busquem divertimento fora da localidade. Fatores estes que podem ter contribuído para um esvazia-mento do local nos finais de semana e levado a um certo desinteresse dessas práticas espor-tivas e de lazer externos, como as “pencas”.

Como alguns anos já se passaram desde a última “penca” ocorrida, o cenário da loca-lidade gradativamente está sendo alterado. Houve a expansão do colégio Alcides Maia, que passou a ter ensino fundamental com-pleto, fazendo com que crianças e adoles-centes tanto da localidade como de regiões vizinhas se dirijam ao local todos os dias da semana, movimentando o povoado. Prova-velmente este, entre outros motivos, levou a a um aumento do número de crianças e jovens moradores da localidade, os quais pa-recem demonstrar interesse pelo resgate da cultura rural sul riograndense. Tais fatores deixam no ar a esperança de um possível re-torno das corridas de canchas retas, as famo-sas “pencas”, da localidade do Capão Seco.

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Esportes

* Jonas Gularte é formado em Educação Física pela Ufpel

Cartazes de divulgação das competições de “pencas”, no Capão Seco em 2002

Pencas do Capão Seco, uma tradição esquecidaComo as carreiras de cancha reta terminaram em uma localidade rural pertencente a Rio Grande

Page 19: Esporte em Revista

Roger Cruz

Esta será a segunda vez que o estado re-cebe o presidente da Federação Mun-

dial de Haedong Kumdo (United World Ha-edong Kumdo Federarion - UWHKF), Grão Mestre Kim Jeong-Seong, que possui a mais alta graduação entre todos os repre-sentantes, o nono Dan. Mas ainda está sem uma data confirmada. A visita deve ocorrer entre os meses de outubro e novembro.

Segundo o presidente da Federação Bra-sileira de Haedong Kumdo (FBHK), funda-da em 2006, Giovani Andreoni, a presença do Grão-Mestre visa promover a arte marcial da esgrima coreana no Brasil e “examinar os atuais e os novos faixas pretas, fazendo uma espécie de reciclagem técnica”.

Para o haedong in (praticante de Hae-dong Kumdo) Matheus Luz, esse encontro é um marco na caminhada do atleta. “Mestre Kim é uma referência mundial. É uma grande honra poder apreciar de perto a técnica deste grande mestre e ter a sua técnica avaliada e corrigida por ele.”

Haedong Kumdo é uma arte marcial de origem coreana especializada em espada, mas que também utiliza chutes. Seu nome signifi-ca “caminho da espada do mar do leste”, pois era assim que a Coreia era chamada popu-larmente, e que por conta de sua localização geográfica, recebeu diretamente influências chinesas e japonesas, países tradicionalmente reconhecidos por suas artes marciais.

A origem As artes marciais coreanas com espa-

da eram praticadas por pessoas comuns até tornarem-se restritas apenas para a classe Yangban (os nobres), pois temiam alguma possível revolta popular. Porém, mesmo com a imposição, o povo manteve sua prá-

tica, provando eficaz na Segunda Guerra Imjin (invasão ja-ponesa, em 1597), onde a elite Yangban recuou e as classes populares formaram grupos de resistência que expulsaram os japoneses. Foi então que a classe Yangban decidiu abolir a proi-bição e incentivar o ensino popular.

Com o passar do tempo as espadas fo-ram tornando-se mais leves e reforçadas para o combate, permitin-do maior agilidade ao guerreiro e resistência aos golpes.

As espadas Com a ocupação militar do Império

japonês na península coreana, as espadas foram confiscadas e destruídas, tornando-se raras as suas evidências históricas. Com a libertação da Coreia em 1945, a fabri-cação artesanal de espadas legitimamente coreanas recomeçou em 1950, e em 1960 iniciou um longo resgate das antigas tradi-ções folclóricas, mas a antiga forma de for-ja, que havia se perdido durante a ocupação do Japão, só foi resgatada por pesquisado-res e historiadores em meados de 1990. En-quanto isso, muitos forjadores que haviam aprendido a fabricação de espadas japone-sas, acabaram influenciando essa arte.

Atualmente no Haedong Kumdo a espada de aço só é utilizada em demonstra-ções com corte de alvos fixos, como bambu, e alvos em movimento, como lançamento de

maças, por exemplo, e ainda assim somente por alunos que já possuem a graduação mí-nima de primeiro Dan – ou seja, faixa preta – nos demais treinamentos de formas e lutas combinadas são usadas espadas de madeira, e as lutas competitivas, com equipamentos de proteção e espadas de bambu.

Entre os principais benefícios de se pra-ticar o Haedong Kumdo estão a melhoria da concentração, aumento da resistência mus-cular, força e velocidade, melhora na coor-denação motora e aumento da flexibili-dade muscular. Em Porto Alegre existem duas aca-demias que ensinam os segredos da esgrima coreana: Academia Lee, na Rua Carneiro da Fontoura, nº 38, próximo à Av. Assis Brasil – fone (51) 3341-9444, e no Instituto Tigre Coreano, sede da FBHK, na Rua José do Pa-trocínio, nº 1254 – fone: (51) 3392-3040.

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Esportes

* Roger Cruz é formado em Jornalismo pela Ulbra de Canoas

O grão mestre de Haedong Kumdo

Arquivo pessoal de Giovani Andreoni

O Grão Mestre Kim Jeong-Seong, presidente da Federação Mundial desta arte marcial, deve visitar o Estado pela segunda vez

Grão mestre Kim em

demonstração de Forma com duas espadas

Page 20: Esporte em Revista

Nathália Ely

Do casamento entre a patinação no gelo e o hóquei nasceu, em 1964, confor-

me registros oficiais, a patinação artística no Rio Grande do Sul. O berço foi o Colégio Marista Champagnat. Como pais da crian-ça, os professores Osvaldo Casagrande e Alexandre Durante.

“O fundador mesmo, no Champagnat, é o professor Alexandre Durante, ele que é o grande responsável por essa concretização do esporte aqui no Rio Grande do Sul”, con-firmou o professor Leandro Dias.

Os professores trouxeram o esporte de São Paulo, onde, em uma integração entre os colégios maristas, conheceram o hóquei. No início, a atividade em Porto Alegre era restrita aos homens, pois os co-légios eram divididos.

No entanto, ao acompanhar os irmãos patinadores, as mulheres se interessaram pelo esporte. Com a adesão delas, nasceu, o primeiro clube artístico, o Tangarás, e a patinação no Rio Grande do Sul. O batiza-do foi a primeira apresentação de hóquei e patinação no Champagnat em 21 de junho de 1969. Como madrinha, a Miss Universo, Ieda Maria Vargas. Evento importante na ci-dade, teve a presença de autoridades como o governador, o Comandante do 3° Exército,

o prefeito de Porto Alegre, Telmo Thomp-som Flores, e da imprensa, que registrou ao vivo, com a TV Gaúcha (hoje RBS).

Um clube, no entanto, tem que ter um irmão para competir e alguém que or-ganize essa competição. Pois no dia 10 de agosto de 1973, na união dos clubes Tan-garás, do Colégio Marista de Erechim, do Grêmio Náutico União e do Grêmio Foot-ball Porto Alegrense foi criada a Fe-

deração Gaúcha de Patinagem (FGP).

A infânciaEm 1975, a patinação começa a se de-

senvolver com a primeira pista exclusiva para a prática, no colégio Dom Bosco. A modalidade foi introduzida por teólogos do colégio, com o apoio da Associação de Pais e Mestres.

Já na década de 80, a moda dos rollers

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Esportes

Patinação: um esporte na pré-adolescênciaPrestes a completar 50 anos, a patinação artística no Rio Grande do Sul é ainda uma “pré-adolescente”. É assim que o professor Leandro Dias, um dos precursores da modalidade no Estado, caracteriza o estágio da patinação, em sua entrevista, que traz um pouco da história desse esporte sobre rodas

Madrinha do clube Tangarás, a Miss Universo Ieda Maria Vargas participou da apresentação de hóquei e patinação em 1969

Fotos: arquivo de Leandro Dias

Page 21: Esporte em Revista

CONQUISTAS DA PATINAÇÃO GAÚCHA

Apesar de ainda pré-adolescente e, por isso, depender de “paitrocínio” para sobreviver, a patinação gaúcha já escreveu alguns nomes na história. O próprio Leandro abriu caminhos. Em 1975, foi terceiro colocado no Campeonato Brasileiro, na categoria livre individual, quando ainda era disputado por seleções estaduais. Hoje é por clubes. Na categoria duplas, com Vera Widniczck, ganhou três nacionais, foi terceiro no Campeonato Pan-Americano, em 1983, vice-sul-americano e quinto lugar na décima edição dos Jogos Panamericanos, em 1987.

“Não tem como discriminar, quem participou [dos Jogos], é como participar

de uma Olimpíada, é uma coisa fantástica”, lembra.

Outros destaques para Léo Bengochêa, Shara Signor e Janaína Espíndola, a primeira medalhista em Jogos Pan-Americanos na modalidade, com o bronze em Winnipeg (1999). Hoje, Janaína treina o principal nome do esporte no Rio Grande do Sul, o tricampeão pan-americano Marcel Stürmer.

Leandro Dias iniciou na patinação em 1969 no colégio Champagnat. Presenciou o lançamento da modalidade em Porto Alegre e foi um dos responsáveis por expandir o esporte no Estado, como atleta, professor e dirigente.

invadiu Porto Alegre e, apesar de linhas diferenciadas – como lazer e alto rendi-mento –, Dias acredita que o fato ajudou a divulgar a patinação.

Crescer também significa se expandir e agregar mais participantes. Segundo Dias, um dos responsáveis pela interiorização, foi o uruguaio Alfredo Garcia Sosa, que levou a modalidade para Estrela. Já o aumento do número de adeptos se dá com a criação de novas categorias. A mais nova delas é a de precisão, na qual um grupo precisa realizar movimentos simultâneos.

Pré-adolescênciaEsporte Pan-Americano, a patinação

artística sobre rodas busca ser olímpico. Dias acredita, no entanto, que, por possuir características de arte, com avaliações, de certa forma até subjetivas, essa busca se torna um pouco mais difícil. A qualidade olímpica ajudaria a desenvolver o espor-te, visto que os investimentos do Comitê Olímpico Brasileiro são destinados princi-palmente às modalidades desse patamar.

E a patinação precisa de investimentos. Depois do fechamento do clube Dom Bos-co, em 1996, não existiu mais um local espe-cífico para a prática do esporte. Conforme Dias, além de ter de sobreviver de “paitrocí-nio”, o preconceito atrapalha o crescimento da patinação, principalmente no que se refe-re à participação masculina. Muitos deixam de patinar por considerar que ele não é um esporte para homens.

A falta de profissionalismo também é um obstáculo, destaca o professor, visto que muitos dos que trabalham na federação são voluntários e não possuem no esporte sua única forma de atuação, mas é desse esforço conjunto que a modalidade precisa. “A pa-tinação não depende de uma ou duas pes-soas depende de um todo. Se a patinação cresce eu vou ser puxado com a patinação para frente”, comentou.

Otimista, Dias acredita que a patina-ção ainda vai evoluir e chegará à fase adul-ta. O Campeonato Mundial, realizado em Brasília, contribuiu para esse crescimento. “Não sei se eu vou estar aqui para ver [a fase adulta], mas tomara que esteja, porque eu acho que a gente que participou sempre vai se sentir orgulhoso do sistema todo, de ver a coisa evoluída, de ter bons atletas, bons téc-nicos”, finalizou.

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* Nathália Ely é formada em Jornalismo pela UFRGS, atua na Secretaria Estadual do Esporte e do Lazer e no portal Travinha Esportes

Da esquerda para a direita, Waldir

Veit, terceiro presidente da

FGP, Leandro Dias, Susana Kochert e

Vera Widniczck

Leandro Dias e Ana em show da Brigada Militar

Page 22: Esporte em Revista

Matheus Beck

Dez clássicos nacionais na última rodada do Campeonato Brasileiro

de 2011. Esta foi a maneira encontrada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para evitar supostos favorecimen-tos ocorridos em anos anteriores, quan-do clubes haviam perdido jogos contra adversários diretos de seus rivais. Em-bora não afete o princípio de igualdade do esporte moderno de Allen Guttmann – já que os times se enfrentam com onze jogadores sob as mesmas regras –, o caso está longe da realidade encontrada por Johannes Christian Moritz Minnemann na cidade de Rio Grande em 1900.

O fundador do Sport Club Rio Grande tinha outro desafio além de de-senvolver o clube. A falta de praticantes do esporte desconhecido fez com que ele tivesse que ajudar a disseminar a prática entre a sociedade. Os primeiros cotejos foram disputados pelos sócios, ora entre os quadros A e B, ora entre o grupo Bran-co versus grupo Cores.

O primeiro jogo “externo”, como se referem Claudio Dienstmann e Pedro Ernesto Denardin em “Um Século de Fu-tebol no Brasil”, foi uma vitória contra marinheiros do navio canhoneiro inglês Nynphe. No ano seguinte, viagens a Bagé e a Pelotas levaram o futebol a fronteiras próximas. Mesmo assim não havia um adversário definido. Mal haviam clubes constituídos no país, à exceção de alguns poucos em São Paulo. Como era preciso importar do exterior o material esportivo, a diretoria do S. C. Rio Grande tomou

uma decisão: a cada nova aquisição que chegasse pelo porto da cidade, o material antigo seria doado para novos praticantes do esporte.

“Doar uma bola, mesmo usada, mas em perfeito estado, não era façanha pe-quena para a época, pois se sabe que eram adquiridas, com dificuldade, no exterior”, conta Miguel Glaser Ramos em “Sport

Club Rio Grande: Centenário do Fute-bol Brasileiro”. Essa carta ressalta ainda o espírito dos fundadores, tudo fazendo para que o futebol fosse difundido entre o povo, criando um novo e salutar hábito esportivo.

A relação entre a criação do Grêmio Foot-Ball Portoalegrense e o clube rio-grandino é estreita. Em sete de setembro de 1903, integrantes do S. C. Rio Grande partiram do sul do estado para uma parti-da demonstrativa na capital entre os dois quadros no antigo velódromo municipal, onde hoje está situado o Parque Farroupi-lha. Durante o jogo, a bola que havia sido levada pelo grupo furou, e a inervenção do comerciante Cândido Dias, cedendo sua própria bola, foi providencial. O fato

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Esportes

Rio Grande fez embates clássicos contra o Inter, como em 1936, quando foi campeão gaúcho sobre o rival

Nós versus nós mesmos

Reprodução

O desenvolvimento do futebol. Da realização de jogos amigáveis até a rivalidade clubística atual

“Doar uma bola, mesmo usada, mas em perfeito estado, não era façanha pequena para a época, pois se sabe que eram

adquiridas com dificuldade”

Page 23: Esporte em Revista

que deu origem ao Tricolor Gaúcho é narrado por Marcelo Ferla no livro “O Imortal Tricolor”:

“Em troca do empréstimo, os agradecidos players riograndinos forneceram mais dicas de como se constitui uma agremiação de futebol ao orgulhoso ‘grupinho da bola’. Oito dias mais tarde, os novos conheci-mentos foram adicionados aos que vinham sendo coletados desde que a pelota tinha chegado. E o Grêmio nasceu oficialmente.”

Cinco anos depois, o Sport Club São Paulo foi fundado e o Rio Grande ganhou um rival local. No ano seguinte, em 1909, o Sport Club Internacional surgiu para se tornar o tradicional adversário do Grêmio anos mais tarde. No dia quatro de dezembro de 2011, no estádio Beira-Rio, ambos se enfrentaram pela últi-ma rodada do principal campeonato nacional. O Colorado venceu por 1 a 0 e ganhou vaga na Libertadores. Um duelo bem distante da época em que os clubes tinham que confrontar a si mesmos pelo bem do esporte.

O DINHEIRO DA SOBREVIDA

No período entre as duas guerras mundiais, a depressão econômica atingiu muitos países europeus. Um dos clubes atingidos pela crise foi o Leyton Orient, equipe do leste de Londres, conforme apontam Simon Kuper e Stefan Szymanski em “Soccernomics”. A ajuda para se manter ativo veio do vizinho do norte londrino Arsenal:

“Os clubes sabem que não podem funcionar sem os rivais, portanto, diferentemente do que acontece na maioria dos negócios, o colapso de um competidor não é motivo de celebração”, afirmam Kuper e Szymanski.

O capitalismo transformou o Arsenal em um gigante europeu, enquanto o Orient vagueia pela League One, a terceira divisão inglesa. Contudo, graças ao gesto de oito décadas atrás, ambos os times puderam se encontrar novamente na quinta rodada da FA Cup deste ano.

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A PARTIDA DA MORTE

Em 1942, durante a ocupação da União Soviética pela Alemanha nazista, foi fundado o F. C. Start, equipe da capital ucraniana Kiev. A base da equipe era formada por remanescentes do Dínamo, como o goleiro Nikolai Trusevich, mas possuía também ex-atletas do Lokomotiv.

“Trusevich encontrou os que pode encontrar”, conta Andy Dougan em “Futebol e Guerra”.

“Também foi persuadido [...] de que devia salvar tantos jogadores dos demais times tantos quanto pudesse. Não havia lugar para rivalidades entre equipes.”

O time disputou sete jogos amistosos. Venceu todos. Na última partida, após derrotar o Flakelf, equipe formada por oficiais da força aérea alemã, os jogadores foram capturados pela Gestapo sob a alegação de serem espiões soviéticos. Trusevich e mais três companheiros foram executados em fevereiro de 1943.

* Matheus Beck é formado em Jornalismo pela PUCRS

Programa de jogo do time ucraniano

Programa da primeira partida oficial do clube

Page 24: Esporte em Revista

Marcio Telles

Um amigo contou um causo curioso: disse que, durante um treino cole-

tivo na escolinha de futebol em que joga seu filho, o treinador esgoelava-se à beira do gramado: “Marquem o adversário, não marquem a bola”. Perspicaz, esse amigo provocou: não seria a obsessão dos garo-tos pela pelota um sintoma de que pensa-mos hoje o futebol a partir da televisão? Afinal, o que não vemos numa transmis-são televisiva é a organização espacial das equipes em campo. Vemos, arbitrariamen-te, somente a bola.

Mas essa centralidade da bola não é algo recente: é a busca essencial dos regis-tros audiovisuais de futebol. Desde a pri-meira câmera que apontou sua lente para um campo de futebol, a tentativa sempre foi enquadrar a bola, tê-la aprisionada em seu telecampo, afastada – o máximo quan-to possível fosse – de suas bordas, a partir da onde estaria irremediavelmente perdi-da. Que isso nos diz sobre a televisão, o futebol e nossa cultura?

Em “Veneno Remédio”, José Miguel Wisnik dedica algumas páginas para tratar desse objeto esférico, “perfeito por defini-ção (acabado em si mesmo como nenhum outro) e escapadiço por natureza”. Haveria na bola um elemento que incomoda: está sempre sujeita a todas as apropriações, do perna-de-pau ao craque, demo-craticamente. Já o sociólogo Roberto DaMatta, que ba-tiza com uma frase de Didi seu livro de ensaios futebo-lísticos, “A Bola Corre mais que os Homens”, aponta essa verdade universal sobre esse objeto que não para quieto. Se você não cuidar dela, ela escapará. Essa é sua função: fugir, já que se não rola não há

jogo de bola. Mas a televisão, mais ainda do que os homens, ousou querer a bola – mas ela sempre dava um jeito de escapar. Por que, se a bola corre mais que os ho-mens, que dirá das máquinas.

A TV corre atrás da bolaNesses primeiros registros audiovisuais

do futebol, a ausência da bola é marcante. Há um lance de uma partida do Arsenal inglês de 1897 no qual os jogadores organizam-se à espera de uma cobrança. Intuímos que a bola vem e vai, pois jamais a vemos. Ela é ainda rápida demais para esse mecanismo primi-tivo. Em alguns registros posteriores, feitos ao longo do primeiro quarto do século XX, a bola já aparece como borrão, ponto escuro que jamais se concretiza esfericamente.

De uma às 32 câmeras, o motivo dessa multiplicação exponencial não era destrinchar todo o entorno do campo, mas garantir a oni-presença da bola. Não deixá-la fugir, como era bastante comum nas primei-ras transmissões esportivas, quando bastava um descuido do homem com a câmera para perdemos um gol.

Problemas da unicidade da câmera… Que a pluralidade viria a enquadrar para sempre a bola no centro de tudo. Esse recorte do jogo, a bola no quadro, é autoritário e arbi-trário: quem disse que o mais interes-sante do jogo ocorre

sempre onde está a bola? O momento de tensão raramente está ao redor de onde a bola está, mas justamente onde a bola po-derá estar no momento seguinte. Olhemos

para qualquer contra-ataque – nesse caso, gostaríamos de ter visto a desorganização da defesa que provocou certo jogador a sele-cionar e aplicar tal movimento entre tantos outros possíveis. Os cronistas chamam isso de visão de jogo, aquilo que nos é negado enquanto telespectadores.

De capotão a JabulaniDe toda a forma, já nos parece tarde. Fo-

mos programados pelo futebol da televisão para colocarmos a bola no centro da nossa cultura futebolística. No futebol jogado bu-rocraticamente na Copa de 2010, na falta de craques, elevou-se ela à condição de estrela-mor do espetáculo: Jabulani, para sempre nos nossos arquivos.

Mas então voltemos às crianças. Que culpa elas têm em querer tanto estar onde a bola está? Não foi assim desde que o futebol entrou por seus olhos pela primeira vez? Pos-suí-la, domesticá-la, domá-la, enquadrá-la. Eis o que todos querem da bola, as

crianças e a televisão. E também muito za-gueiro profissional que, deslumbrado pela perfeita esfera midiatizada, a persegue en-sandecidamente e deixa o centroavante ad-versário livre na pequena área.

A bola. Enquanto ela corre, a televisão a coloca no centro; quando para de correr, estamos dela libertos. E, então, sem nem podermos suspirar, a televisão nos abar-rota com outros olhares: três segundos da câmera 11 e mais dois da 23, e então corte para a… – olhem lá! – a bola já voltou a correr! Ela ainda corre mais que os homens e as máquinas.

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Esportes

* Marcio Telles é formado em Jornalismo pela UFRGS e mestrando em Comunicação e Informação (UFRGS)

Bola ao centroO futebol foi criado em torno da bola e, um século e meio depois, a televisão segue lhe prestando reverência. Ao mesmo tempo, outros elementos ficam fora de foco e embaçados sob a lente do olhar arbitrário

Esse recorte do jogo, a bola no quadro, é

autoritário e arbitrário: quem disse que o mais

interessante do jogo ocorre sempre onde está a bola?

A televisão, mais ainda do que os homens, ousou querer a bola – mas ela sempre dava um jeito de

escapar. Por que, se a bola corre mais que os homens,

que dirá das máquinas!

Page 25: Esporte em Revista

ríodo de estruturação, a associação promove em 1897 a primeira corrida ciclística nas ruas de Porto Alegre, pois ainda não possuía um velódromo, que veio a ser concluído no ano seguinte. Em 1898, após a conclusão do ve-lódromo (situado onde hoje está o Parcão), a Blitz promoveu a primeira corrida ciclística em pista oficial em Porto Alegre.

Em 1898, a União Velocipédica cons-trói o seu velódromo no Bairro Bom Fim, na Rua Sarmento Leite esquina com a Ave-nida Osvaldo Aranha. Na virada do século 19 para o 20, Porto Alegre chegou a contar com dois velódromos, dois clubes de ciclis-mo, e cultivava as corridas de bicicleta. O ciclismo teve a virtude de atrair as mulheres ao esporte. Nas grandes corridas que então se organizaram houve competições femini-nas específicas, apesar das dificuldades das mangas largas e das saias-balão que a moda e o recato faziam obrigatórias.

Nas competições de ciclismo, as disputas se acirravam cada vez mais, devido às questões culturais que envolviam os dois clubes ciclís-ticos da cidade, principalmente pelas visões diferentes relacionadas às regras de cada asso-ciação. Nesse aspecto uma equipe, a Blitz, pri-mava pela manutenção da cultura alemã em

seus registros, enquanto que a União Veloci-pédica, apesar de sua origem germânica, abriu espaço para bons ciclistas de outras etnias, principalmente os descendentes de ítalianos.

A prática do ciclismo em clubes teve uma ascensão muito rápida e uma trajetória curta, mas durante esse breve período mobi-lizou ciclistas e a sociedade em seus passeios e competições. No entanto, assim como hoje parece não haver mais espaços nas ruas de Porto Alegre para tantos carros, as bicicle-tas foram deixadas de lado, pouco a pouco. Existem dois fatores prováveis que teriam contribuído com o declínio do ciclismo: um deles foi a ascensão do futebol, que despertou maior interesse da sociedade, onde até mes-mo dirigentes de associações de ciclismo es-tiveram envolvidos em fundações de clubes. O segundo fator foi o processo de urbani-zação da cidade, onde espaços destinados ao ciclismo foram utilizados para a construção de ruas e avenidas, sem contar o aumento do número de carros em Porto Alegre.

Ronaldo Dreissig de Moraes

Você deve ouvir frequentemente que o trânsito de Porto Alegre está caótico. O co-mentário mais comum é de que, a cada dia que passa, existem mais carros nas ruas. Nun-ca o termo mobilidade foi tão falado. Nunca o transporte público foi tão debatido. Alguns falam que o trânsito da cidade já não suporta mais veículos de quatro rodas transportando uma única pessoa. Mas nem sempre a nossa Porto Alegre foi assim.

No final do século 19, as ruas porto-alegrenses eram ocupadas por outro tipo de veículo: a bicicleta. Um pouco antes, no ano de 1869, pela primeira vez, alguém é vis-to andando de bicicleta no Rio Grande do Sul. Alfredo Dillon realizava demonstrações de como se andava no novo equipamento. Enquanto isso, seu pai os vendia no seu co-mércio de produtos importados dos Estados Unidos. Nesse momento, o custo da bicicleta era muito elevado, já que eram importadas. Com isso, novas versões de bicicletas são produzidas por Adolpho Mabilde e Emilio Mabilde com materiais rudimentares como a madeira, o ferro e o aço.

É no ano de 1895 que o ciclismo come-ça a se difundir. Chegam à cidade bicicletas novas e muito mais leves. Em março deste ano é fundada a primeira associação com o objetivo de praticar o ciclismo de forma mais organizada. Surge então, a União Velocipédi-ca de Amadores. Essa entidade realizou sua primeira excursão no dia 17 de março, saindo do Parque da Redenção com destino a Belém Velho. Alguns desses passeios chegavam a contar com a participação de aproximada-mente mil ciclistas que pedalavam para des-frutar das belezas naturais do Lago Guaíba.

Em 1896, uma nova sociedade é funda-da com o propósito de aprimorar a prática do ciclismo. Surge a Rodforvier Verein Blitz, que logo foi chamada de Blitz. Também rece-beram o apelido de “Abelhas”, já que o dese-nho de sua camiseta tinha faixas horizontais em preto e amarelo. Após passar por um pe-

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* Ronaldo Dreissig de Moraes é formado em Educação Física pela UFRGS e integra o Núcleo de Estudos em História e Memória do Esporte e da Educação Física

Porto Alegre em duas rodas

Disputa entre Blitz e União Velocipédica com a presença de mulheres

Catálogo do Esporte da Revista do Globo (MAZO, 2004)

Esportes

Page 26: Esporte em Revista

Laion Espíndula

Classificado como o melhor time de punhobol do mundo, a Sogipa (So-

ciedade de Ginástica Porto Alegre) pratica a modalidade esportiva há cem anos. Disse-minado por imigrantes alemães no Brasil, a atividade foi uma das primeiras a ser es-truturada no clube sogipano. Em 1911, foi instituído o departamento responsável pela modalidade. De origem desconhecida, o que se sabe sobre o punhobol, esporte muito semelhante ao vôlei, é que no final do século 19 as primeiras regras foram formuladas na Alemanha. Pouco depois disso, no início do século 20, ele foi estruturado na Sogipa.

Apesar do centenário e de ser a mais an-tiga equipe de punhobol da América do Sul em atividade, o histórico de conquistas da Sogipa na categoria é bastante recente. A taça do Campeonato Brasileiro foi levantada pela

primeira vez em 1984. Antes disso, o time adulto da entidade não tinha tido resultados expressivos. O atual técnico do grupo, Jorge Eduardo Süffert, conhecido como Kuatschi, conta que a partir deste ano, mudou muito a característica de desempenho da Sogipa no punhobol: “Até 84 era uma prática amadora no nosso clube, depois adotou um caráter de alto rendimento. Essa vitória foi muito im-portante, assim como os Mundiais.”

A Sogipa é hoje dona do melhor de-sempenho internacional no punhobol. De títulos mundiais, possui dez na categoria masculina e dois na feminina. Sendo que em 2005, o time venceu a principal disputa nas duas modalidades. “Significa que nesse ano, a Sogipa dominou tudo no esporte. E isso é muito recente”, comemora Süffert.

O Campeonato Mundial Interclubes é decidido entre os campeões sul-americano e europeu. Para se classificar ao maior cam-

peonato da América do Sul, o clube preci-sa ser o melhor do seu país. Portanto, um caminho longo que deve ser percorrido. Com o título brasileiro de 84, a Sogipa se qualificou para o Sul-Americano do ano seguinte. O grupo saiu vitorioso, abrindo caminho para a disputa mundial. Em 1986, foram derrotados pelo Bayer Leverkusen, o mesmo clube alemão do futebol.

Na edição seguinte, em 1988 – o Mun-dial era realizado a cada dois anos –, foi a vez de a Sogipa alcançar o maior título da modalidade. Süffert estava presente na com-petição como jogador. Os sogipanos supera-ram o Hagen, da Alemanha, que é conside-rado no esporte o clube do século da Europa. “Existiu uma soberba dos alemães. A prin-cípio, o jogo deveria ser lá, pois o palco da final era alternado entre os dois continentes participantes da competição. Mas eles qui-seram jogar no Brasil, pois acreditavam que

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Esportes

Punhobol da Sogipa completa cem anos

Time sogipano é classificado como o melhor do mundo

Page 27: Esporte em Revista

fotos: AI/Sogipa

nos venceriam. A Alemanha é até hoje uma potência no esporte. Claro que nossa vitória gerou uma euforia muito grande no clube. Lembro de pessoas que eu nunca tinha visto e estavam histéricas, comemorando o título. O sentimento de orgulho era muito gran-de”, conta Kuatschi.

A final entre Sogipa e Hagen ocorreu em dois dias. No primeiro duelo, os alemães venceram pela diferença de um ponto. Na segunda partida, o clube brasileiro ficou à frente do adversário por dois pontos. Com o empate de vitórias, houve um terceiro con-fronto, em que os sogipanos levaram a me-lhor. Com vantagem de seis pontos, mantive-ram o troféu do Mundial no país.

Sogipa como protagonistaTambém diretor de punhobol da

CBDT (Confederação Brasileira de Des-portos Terrestres), Süffert afirma que a Sogipa foi protagonista no processo de in-ternacionalização desta prática esportiva. Segundo ele, o clube transformou a modali-dade em dois aspectos: na formação tática e em relação à bola usada nas competições.

Para vencer os times estrangeiros nos anos 80, a equipe teve que pensar em uma fórmula de jogo que fosse mais adequada aos atributos dos seus atletas. Por volta de 1984, a estratégia mais utilizada por cerca de 90% dos times de punhobol era a forma-ção em “X”. Na Argentina, alguns atuavam com a tática conhecida como “V”. Muito semelhante ao “V” argentino, a Sogipa foi a precursora do chamado “U”, que logo so-freu a disseminação aos outros grupos. Atu-almente, explica Süffert, a maioria atua no punhobol em “W”, uma pequena variação do “U” criado pelo clube sogipano: “Acho que mudou muito a característica do jogo a partir daí. E essa foi uma adaptação natu-ral. Não foi pensado por ninguém”.

Outro avanço que contou com a con-

tribuição da Sogipa foi a padronização das bolas nas com-petições oficiais. Até 1991, em cada partida de punho-bol os desafiantes levavam o próprio material de jogo. Geralmente, essas equipes carregavam bolas velhas. Com o tempo, por cau-sa da graxa que era passada no couro, as pelotas ficavam mais lisas. Portanto, deslizavam bastante e tornavam os due-los mais rápidos. Aí estava o problema para as confedera-ções. Como dispor nas competições ofi-ciais de bolas novas e que estivessem de acordo com a carac-terística do esporte? O treinador conta como chegaram à solução: “Conseguimos desen-volver uma bola que deslizasse na grama, sem ser velha. Ela era lixada e polida, como se fos-se uma calça jeans pré-lavada. E isso ajudou muito para criar um padrão. Claro que hoje temos técnicas mais avançadas”.

DesafiosApesar de o Brasil ter a equipe mais

vitoriosa no esporte, as dificuldades para os atletas são muitas. A principal é a ques-tão financeira. Um dos exemplos é o Cam-peonato Mundial de Seleções realizado na Áustria. Pouco antes da competição, a de-legação brasileira não sabia se teria condi-ções para custear a viagem. “Muitas vezes,

os atletas treinam para os campeonatos sem a certeza da presença neles”, comenta Süffert. Para ele, a pequena divulgação do esporte e o número reduzido de equipes e participantes devem-se ao processo tardio de organização da modalidade – a criação da Confederação Mundial é de 1961, o primeiro Mundial de Seleções vai aconte-cer em 1968 e primeiro Mundial Interclu-bes oficial é de 1984. “Em função disso, acredito que o esporte perdeu um acesso mais fácil ao movimento olímpico”, fina-liza o dirigente.

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COMO É O ESPORTE

O punhobol é semelhante ao vôlei. Entre as diferenças, está que a bola é tocada com os punhos, em uma quadra de grama com maior dimensão. São cinco jogadores para cada lado e uma rede ou cabo com altura de 2 metros divide o campo.

Antes de cada toque, a bola pode picar até uma vez no chão. São permitidos três passes por equipe. Mas aí está um detalhe: o mesmo jogador não pode participar duas vezes da jogada. Diferente do vôlei, em que um atleta pode apoiar e receber a bola de volta.

* Laion Espíndula é formado em Jornalismo pela PUCRS e atua na editoria de Esporte de O Sul

Equipe feminina venceu primeiro Mundial de Clubes em 2005

Em 2011, para comemorar o centenário, a Sogipa inaugurou o Museu do Punhobol

Page 28: Esporte em Revista

Luis Roberto Saraiva

As pessoas com mais de 50 anos cer-tamente têm conhecimento do as-

sunto que abaixo será relatado. No mês de agosto de 1961, o Brasil foi sacudido de norte a sul com a notícia da renúncia do recém-eleito presidente da República Jânio Quadros. Esta renúncia traz uma sucessão de aconte-cimentos que marca-ram profundamente a nação. Vamos aos fatos. Jânio Quadros foi eleito com a maior votação que um can-didato a presidente da República recebeu até então. Durante os poucos meses que presidiu o Brasil (de 31 de janeiro a 25 de agosto), mostrou um perfil populista e certa independência na política externa, o que desagradou alguns parceiros comerciais, principalmente os EUA.

Após sua renúncia, deveria assumir o vice-presidente eleito, o gaúcho João Gou-lart, mais conhecido como Jango. Devido a suas posições de simpatia ao socialismo, iniciou-se um movimento político/mili-tar para impedir a sua posse. Para agravar a situação, Jango estava realizando uma viagem oficial a China Comunista. Com a pressão para que Jango não fosse em-possado, o governador do estado do Rio Grande do Sul à época, Leonel Brizola, iniciou um movimento cívico/militar co-nhecido como Movimento da Legalidade. O objetivo era garantir a posse do vice-presidente eleito constitucionalmente, impedindo desta forma, a quebra da or-

dem constitucional vigente. Esta queda de braço perdurou por 13 dias, até a posse de Jango em 07 de setembro de 1961, que só aconteceu após articulações políticas que alteraram o regime de presidencialista para parlamentarista.

É redundância afirmar que o coti-diano, principalmente o dos gaúchos,

sofreu alterações em todos os segmentos da sociedade, e entre esses, o esporte, nosso foco. A realização de um clássico Gre-Nal possuía nesta época uma dimensão certa-mente maior do que em nossos dias. E isto

é explicado considerando que os clubes de ponta de nosso Estado, disputavam com reais chances de ganhar, somente o Campeonato Gaúcho. O título gaúcho era o que se conseguia ganhar no período de um ano, pois um Gre-Nal que deveria ser disputado no dia 27 de agosto de 1961, isto é, no meio da crise, foi transferido por causa da situação política instável. Este clássico de número 156 decidiria o cam-peão do primeiro turno do campeonato estadual daquele ano.

Segundo o mestre em história e pro-fessor Ney Eduardo Possap D’Avila, a transferência do jogo causou muito des-contentamento junto às torcidas e aos or-ganizadores do evento. A própria crônica esportiva da época, em um primeiro mo-mento criticou a medida, pois, por exem-

plo, em São Paulo, geograficamente mais próxima do centro da crise, os jogos se re-alizavam apesar dela. Em outras palavras, foi como colocar água fria na fervura.

Com o acirramento do conflito, o que no início teria causado contrariedade, acabou ganhando apoio. Pode-se obser-var este sentimento lendo o que escreveu o cronista esportivo do jornal Diário de Notícias, do dia 29 de agosto de 1961, Walie Salomão: “Desde que teve início o Campeonato Gaúcho, esta semana pela primeira vez os torcedores não disseram presente. Os estádios emudeceram. O Colosso do Olímpico que se preparara, no afã de ser o cenário, talvez do maior espetáculo esportivo da história dos pam-pas, o Gre-Nal 156, naquela tarde não passou de um gigante adormecido. Ah, os motivos! Eles estão aí palpitantes, no burburinho das ruas, no recesso dos lares, na vigília sagrada de um povo que marcou encontro com aqueles mesmos gestos, an-seios e supremos ideais que plasmaram a

jornada de 30. De-pois sim voltaremos para o estádio para o nosso Gre-Nal 156, com a tranquilidade dos que cumpriram o dever. Voltaremos aos nossos estádios para

novas rodadas, com o agradecimento nos lábios. Obrigado Gal. José Machado Lo-pes, obrigado Gov. Leonel Brizola.”

O também cronista esportivo do jor-nal Última Hora, Godoy Bezerra na sua coluna “Entrando de Sola” escreveu o se-guinte: “Muitos não aceitaram com agrado a determinação da suspensão das ativida-des futebolísticas, oriundas do Conselho

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Esportes

A Legalidade e o Gre-Nal número 156Em 1961, o clássico que deciria o turno do Gauchão precisou ser adiado devido à crise política instaurada com a renúncia do presidente Jânio Quadros. O Movimento da Legalidade queria garantir a posse do gaúcho Jango. No Rio Grande do Sul, o futebol assistia a tudo em ebulição

O título foi transferido por causa da situação política instável. Em outras palavras, foi como colocar água

fria na fervura

“Depois sim voltaremos ao estádio para o nosso

Gre-Nal 156, com a tranquilidade dos que cumpriram o dever”

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Regional de Desportos, do que resultou a transferência do Gre-Nal. A providência deveria ter sido tomado com maior an-tecedência, pois, com isso teria evitado a locomoção de numerosas caravanas do interior, que desta vez, ao contrário das anteriores, vieram em vão a Porto Alegre. Outras atividades públicas não foram sus-pensas. Mas vamos convir, nenhuma delas por suas características próprias poderia ser equiparada ao Gre-Nal. No clássico, o estado de espírito e a tensão nervosa da massa assistente po-deria representar uma situação para todos os títulos imprópria à hora grave e difícil que a Nação atraves-sa. A transferência representa tensão; um ingrediente novo a ser incorporado na história do Gre-Nal. E, mais, do que isso, a expectativa para a nova data, é por si só, outra atração, que fará perdurar a ansieda-de pelo momento do cotejo, pois é sempre certo, que o melhor da festa é esperar por ela. A maioria dos clubes de Porto Alegre solidarizaram-se com Brizola”.

O jornal Diário de Notícias do dia 29 de agosto de 1961 noticiou o seguinte: “E. C. Cruzeiro e a dupla Gre-nal solida-rizam-se com Brizola”.

Apoio das entidadesTambém o esporte gaúcho começou a

se definir favorável à Legalidade. O presi-dente do E. C. Cruzeiro, Pinheiro Macha-do Neto, e o patrono Ernesto de Primio Beck, bem como jogadores do estrelado, estiveram no Palácio Piratini, levando o seu apoio irrestrito a causa da Legalida-de. Mais tarde também os presidentes da dupla Gre-Nal, respectivamente Pedro da Silva Pereira e Luiz Fagundes de Mello, efetuaram uma visita ao Palácio Piratini com as mesmas intenções, colocando o governador a par da decisão tomada, qual seja, a de solidarizar-se com as forças de-fensoras da Legalidade.

Também a entidade matenedora do futebol gaúcho à época, a FRGF, pronun-cia-se pela vigência da constituição: “A diretoria da Federação Riograndense de Futebol, reunida, sob a presidência do Sr. Aneron Correa de Oliveira tomou impor-tante decisão tendo em vista os aconteci-mentos que se desenrolaram no país, desde a renúncia do presidente Jânio Quadros, manifesta e proclama a sua posição intran-

sigente defensora dos princípios e dos pos-tulados constitucionais vigentes. Aneron C, de Oliveira”.

Turfe se posicionaO segundo esporte de maior cober-

tura pelos veículos de comunicação era o Turfe. E este também se posicionou dian-te dos graves acontecimentos políticos do país. No dia 1º de setembro de 1961, exatamente uma semana antes da realiza-ção de uma das mais importantes provas

do calendário do Jó-quei Clube do RS, o Grande Prêmio Pro-tetora do Turfe, teve da parte da diretoria a seguinte posição: “Face à crítica situ-ação política atual, parece ser bastante viável a suspensão das

corridas programadas para a próxima do-mingueira. Já foi suspensa a confecção dos programas. A diretoria da entidade à Rua Andrade Neves vai deliberar ainda no dia de hoje a transferência das provas.”

O Jornal Última Hora, noticiou: “O Turfe gaúcho estava pela Legalidade: Jó-quei Clube do RS na resistência”.

“Como todo povo gaúcho e brasi-leiro, também os profissionais do turfe estão vibrando pela causa da Legalida-de. Aguardam com serenidade os acon-tecimentos, mas prontos para o que acontecer. Respeito à ordem e bravura estão entre os ele-mentos de sua for-mação como bons gaúchos e brasileiros.”

Gre-Nal com nova dataO clássico Gre-Nal, número 156, foi

transferido do dia 27 de agosto de 1961 para o dia 10 de setembro de 1961. Esta iniciativa foi saudada pela crônica espe-cializada como um Gre-Nal que além de decidir o primeiro turno do título gaúcho, também seria disputado no momento em que o Rio Grande do Sul e o Brasil come-çavam uma nova etapa de suas existências. Agora com um presidente finalmente empossado e um regime não mais presi-dencialista, e sim parlamentarista, tendo Tancredo Neves como primeiro minis-tro. Informações político-institucionais à parte, o clássico 156 foi disputado na

data remarcada, no estádio Olímpico, às 15h30min. O clássico foi vencido pelo S. C. Internacional pelo placar de 2 a 1. Os gols foram assinalados por Gilberto aos 27 minutos do 1º tempo e Alfeu aos 33 minutos do 2º tempo, descontando para o Grêmio Paulo Lumumba aos 17 minutos da etapa final. A arbitragem apresentou um trio argentino, tendo o Senhor Brus-ca no apito e Juanola e Nitti como assis-tentes de linha. O público foi estimado em 30 mil torcedores, com uma renda de Cr$ 3.659.710.

As equipes tiveram as seguintes formações: Internacional - Silveira, Zangão, Ary Ercílio, Kim, Ezequiel, Sérgio Lopes e Osvaldinho, Sapiranga, Alfeu, Telmo e Gilberto; Grêmio - Henrique, Sérginho, Airton, Gitinha, Ortu-nho, Élton e Milton, Paulo Lumumba, Gessy, Marino e Vieira. No final do clássico, o técnico gremista Osvaldo Rolla (Foguinho) resumiu o clássico na seguinte frase: “Nós jogamos melhor, mas o Internacional jogou para vencer”.

Tanto este clássico quanto o Campeo-nato Gaúcho de 1961 produziram dentro da história do futebol no Estado alegria para um lado e tristeza para o outro. Ale-gria para os colorados, que além de vencer o seu principal rival, conquistou o primei-ro turno e no final daquele ano comemo-raram a conquista do título. Tristeza para o lado tricolor, pois se o Internacional não

tivesse conquistado o campeonato de 1961, o Grêmio teria a maior sequência de conquistas de cam-peonatos estaduais. A equipe da Azenha havia faturado o tí-tulo estadual entre 1956 a 1960, o pen-

tacampeonato. Depois da derrota de 61, teve outra grande série de vitórias, de 1962 a 1968 o heptacampeonato. Esta sequência foi superada pelo Colorado entre os anos de 1969 e 1975, o octacampeonato.

O Gre-Nal da Legalidade realmente deve ser lembrado e comemorado com in-teresse por aqueles que gostam de futebol, pois foi um fato que ajudou a alimentar os meios de comunicação daqueles dias.

Com relação aos acontecimentos po-líticos, sabemos que estes e seus desdobra-mentos, serviram de combustível para o que aconteceu em 31 de março de 1964, o golpe militar.

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* Luis Roberto Saraiva é formado em História pela UFRGS

O Gre-Nal da Legalidade, em setembro, seria

disputado no momento em que o Estado e o

Brasil começavam uma nova etapa

Segundo esporte de maior cobertura na

época, o turfe também se posicionou

diante dos graves acontecimentos políticos

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Rafael Sirangelo Eccel

No ano de 1959 foi realizada em Porto Alegre a terceira edição da

Olimpíada Metropolitana dos Estudan-tes Secundários. O evento foi promovido pela União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre (Umespa), através de sua Secretaria de Esportes, e or-ganizado pela Liga Esportiva Gaúcha dos Estudantes Secundários (Leges).

Entre 9 e 23 de maio, estudantes de 23 instituições de ensino participaram de competições de atletismo, futebol, tênis, basquete, lance livre e vôlei. Os jogos qua-lificavam os atletas a representar a Umespa na Olimpíada Estadual, que se realizaria em Lajeado na segunda metade do mês de julho, durante as férias escolares.

A solenidade de abertura aconteceu em uma tarde de sábado, no Estádio José Carlos Daudt, da Sociedade Ginástica Porto Alegre (Sogipa), com um cerimo-nial típico de grandes eventos. Entretanto, o protocolo foi quebrado logo de início, já que a banda contratada não compareceu.

A organização do evento aguardou até as 15h e então deu início ao desfile dos colé-gios participantes.

Embora não influísse na contagem geral dos pontos, o desfile de abertura ti-nha caráter competitivo, e a Escola Nor-mal 1º de Maio foi proclamada vencedora por uma comissão julgadora composta pelo presidente da Umespa, José Pedro Carlan Martins, pelo presidente do Con-selho Metropolitano dos Estudantes Se-cundários, Edison Ward Caldeira, e pelos representantes do governador do Estado e do prefeito municipal.

Logo depois ocorreu a chegada do fogo simbólico, conduzido pelo atleta Carlos Alberto Bertolace, do Colégio Ruy Barbosa. Segundo os relatos, uma multidão acompanhava a abertura do evento. Assim publicou a revista Panorama Esportivo, na reportagem intitulada “Um sucesso os III Jogos Olímpicos dos Secundaristas”, de José Antônio Cruz de Módena: “Em pleno silêncio foi inflada a Pira Olímpica e, a se-guir, todos os presentes entoaram, numa só voz, o Hino Nacional”.

Depois do juramento do atleta, profe-rido pela campeã sul-americana de natação Lísia Barth, do Colégio Júlio de Castilhos, tiveram início as competições de atletismo.

O Colégio Nossa Senhora do Rosário venceu quatro das cinco provas em dispu-ta. Sóstenes Cardoso foi o mais rápido nos 1.500 metros rasos e Belmiro Helena, nos 100 metros rasos. Ricardo Puhl ven-ceu as provas de salto em altura e salto em distância, e apenas em arremesso de peso o Colégio Ruy Barbosa foi o melhor, atra-vés do atleta Rubem Bertolucci. Na con-tagem de pontos por equipe, entretanto, o Instituto Porto Alegre (IPA) chegou à frente do Colégio Ruy Barbosa, que subiu ao pódio apenas uma vez. O IPA foi mais regular, conseguindo três medalhas de prata e três de bronze.

A educação físicaCom exceção feita ao vôlei, onde as

disputas entre homens e mulheres eram realizadas em paralelo, as demais moda-lidades eram estritamente masculinas. A atleta Diva Santiago Corrêa, da equipe de

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Eventos

Final de vôlei feminino: à esquerda da rede, as meninas do Colégio Americano; à direita, Zulena (9), Tania, Beatriz, Diva (10) e Diná (ao fundo)

Olimpíada Metropolitana dos Secundários

fotos de arquivo pessoal

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vôlei feminino do Instituto de Educação, explica: “Não havia nas escolas um tra-balho para que pudesse ser realizada uma olimpíada feminina com os outros espor-tes. Então, eles incluíam o vôlei porque era o que se jogava”.

Ao longo da vida, Diva praticou nata-ção, vôlei, basquete e tênis, sempre envol-vida em competições. Enquanto cursava a Escola Normal no Instituto de Educação Flores da Cunha, na segunda metade dos anos de 1950, treinava vôlei e basquete no Grêmio Náutico União (GNU) e dis-putava campeonatos brasileiros das duas modalidades pelas respectivas seleções gaúchas. Diva concluiu os estudos no Ins-tituto de Educação e ingressou na Escola de Educação Física (Esef ) da Universida-de Federal do Rio Grande do Sul (UFR-GS). A partir de 1962, passou a fazer par-te da seleção brasileira de vôlei, pela qual conquistou o Sul-Americano realizado no Chile. No ano seguinte, representou o Brasil nos Jogos Mundiais Universitários (Universíade), em Porto Alegre, onde foi novamente campeã.

Hoje aos 73 anos, a professora apo-sentada pela Esef continua em plena ati-vidade. Treina e compete em três catego-rias master de vôlei: 55, 60 e 70 anos. O ingresso no GNU, no início da adoles-cência, fez com que tomasse gosto pela prática esportiva, ao contrário da imensa maioria de suas contemporâneas, cujo contato com o esporte vinha da escola, onde era limitado ao vôlei: “Não tinha esporte nos colégios. A gente até fazia aula de atletismo, mas não tinha outros esportes. Os professores não tinham qua-lificação para dar isso. Eram muito bons, eram disciplinadores, mas não eram qua-lificados para dar outras coisas”.

As finais de vôleiA equipe de vôlei feminino do Insti-

tuto de Educação entrou na III Olimpíada Metropolitana buscando o tricampeonato. Depois de superar três adversárias nas fases eliminatórias, chegou à final contra as me-ninas do Colégio Americano e venceu por 2 a 0, com parciais de 15 a 7 e 15 a 7. O jogo decisivo se deu numa noite de sábado 23 de maio, data de encerramento do evento, no Palácio de Esportes do Grêmio Náuti-co União lotado. Nas arquibancadas havia uma clara divisão. Os rapazes do Colégio Rosário torciam pelo “sexteto da Avenida Osvaldo Aranha” enquanto seus tradicio-nais adversários, do IPA, incentivavam as meninas do Colégio Americano. A noite de

encerramento previa ainda a decisão de vô-lei masculino, entre Rosário e Ruy Barbosa, e a de basquete, entre Rosário e IPA.

“Em síntese o índice técnico foi regular, visto que a maioria das equipes participan-tes apresentou jogadas normais e infantis, o que não acontecia com o quadro do Insti-tuto de Educação, que apresentou valores individuais superiores aos das outras equi-pes”, publicou a revista Panorama Esportivo sobre a competição de vôlei feminino.

Segundo Diva, não era obra do acaso: “Tinha uma professora que era ótima, On-dina Flores Soares. A dona Ondina não era jogadora, mas ela adorava isso, e ela fazia a gente jogar. Foi aí que começou o nosso time, com a Tania, a Zulena, a Beatriz, a Diná e a Regina. Foi a dona Ondina que desenvolveu o voleibol no Instituto de Educação, e a gente conseguiu se destacar no âmbito porto-alegrense. Lembro que o Americano era o nosso adversário, mas a gente geralmente ganhava, porque o nosso time era mais completo”.

No vôlei masculino, a derrota do IPA para o Colégio Concórdia na primeira fase da competição aparentemente deixou caminho livre para o Colégio Rosário. A surpresa positiva, entretanto, foi a equipe do Colégio Ruy Barbosa – que, apesar de desacreditada, chegou até a final. Tratado pelo jornal Folha Esportiva como “um dos mais empolgantes encontros de volleyball que temos assistido ultimamente”, o jogo decisivo entre Rosário e Ruy Barbosa obri-gou o primeiro a desdobrar-se para con-quistar o título. O set inaugural foi venci-do pelos rosarienses por 15 a 4, mas o Ruy Barbosa igualou ao vencer o segundo por 17 a 15. No terceiro e decisivo set, preva-leceu a superioridade técnica do Rosário, que finalizou a partida com 15 a 2.

A decisão do campeonato de basquete entre Rosário e IPA, última atração antes da entrega dos prêmios, era aguardada com grande ansiedade. O IPA defendia o título e, além disso, buscava a recuperação dentro dos jogos — já que, até então, seu tradicio-nal adversário havia conquistado os títu-

los de atletismo, tênis (simples e duplas) e vôlei. O IPA conquistara o primeiro lugar apenas no campeonato de lance-livre.

Se as modalidades coletivas conquis-taram atenção e interesse do público, as in-dividuais nem tanto. As disputas de tênis, simples e duplas, foram acompanhadas por pouquíssima gente, e constituíram-se na grande decepção das Olimpíadas Secunda-ristas. Vários atletas não compareceram e partidas foram vencidas por WO. Na final do simples, João Bohrer, do Colégio Rosá-rio, superou De La Casa, do IPA, por 2 a 0, parciais de 6 a 4 e 6 a 0, ficando com o título. Na categoria duplas, nova vitória do Rosário, na qual Ronaldo Machado e João Bohrer venceram na final Thomas Koch e L. Fonseca, do Colégio Farroupilha, por 2 a 1, parciais de 4 a 6, 6 a 2 e 6 a 3.

Pouco interesse também gerou o cam-peonato de lance-livre, onde apenas quatro escolas se inscreveram: Júlio de Castilhos, Ruy Barbosa, Rosário e IPA. Individual-mente, Paulo Sperry, do IPA, foi o cam-peão, convertendo 17 arremessos em 20 lances. Coletivamente, o IPA também foi superior, deixando o rival Rosário na se-gunda colocação.

Futebol com bom públicoO campeonato de futebol, por sua vez,

atraiu um bom público desde a fase classifi-catória. Surpresas marcaram a competição, através da eliminação prematura das duas grandes forças da época. Tido inicialmente como candidato ao título, o Ginásio Emí-lio Meyer foi batido nas quartas de final pela equipe do Colégio Nossa Senhora das Dores por 2 a 1. O outro favorito, o Rosá-rio, caiu nas semifinais para o Ruy Barbo-sa, também por 2 a 1. A final foi entre Ruy Barbosa e Dores, que havia goleado o IPA por 5 a 0 na outra semifinal.

Sobre a vitória do Ruy Barbosa por 3 a 1 e a consequente conquista do título, José Antônio Cruz de Módena publicou: “Um quadro modesto e construído à base do esforço de uma equipe representou o Colégio Ruy Barbosa. Mal sabiam eles que ao final da Olimpíada trariam para si o tí-tulo de campeões. Campanha espetacular desenvolveram os pupilos do professor Clóvis, pois entre os esquadrões que tom-baram diante do ‘velho Ruy’ encontrava-se o poderoso onze rosariense, que de pode-roso agora não é nada. O exemplo do Ruy Barbosa veio demonstrar que a máscara e a fama não vencem partidas. Vão longe os meninos do Ruy...”.

Os árbitros escalados para as partidas

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“Um encontro verdadeiramente

sensacional”, assim o jornal Folha Esportiva qualificou

o último capítulo da III Olimpíada Metropolitana dos

Estudantes Secundários

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pertenciam ao quadro especial da Federa-ção Rio Grandense de Futebol (FRGF). Depois de algumas rodadas, porém, nega-ram-se a prosseguir em função das críticas que vinham recebendo.

O secretário de Esportes da Umespa, que acumulava o cargo de vice-presidente da Leges, Édison Viola Brenner, declarou à época, em entrevista à revista Panorama do Esporte: “Após muita luta conseguimos para as partidas de futebol o concurso de árbitros do quadro especial da FRGF, que nada cobrariam para nós. Entretanto, re-cusaram-se a apitar após sofrerem críticas de elementos que de futebol nada sabem. O que mais lamento é que este elemento, secundarista, por sinal, prejudicou aos quadros, pois não é a qualquer hora que se consegue pessoas capacitadas para apita-rem jogos de futebol”.

Brenner foi conduzido ao cargo de se-cretário de Esportes da Umespa apenas 30 dias antes do evento. A falta de iniciativa de seu antecessor desgostou os dirigentes, que viram no até então vice-presidente da Leges a liderança necessária para congregar as duas entidades e, em pouco tempo, motivar os grêmios estudantis e realizar a Olimpíada.

A decisão de basqueteA mais forte rivalidade esportiva do

meio secundarista porto-alegrense se ma-nifestava intensamente nas arquibancadas do Ginásio do Grêmio Náutico União. Ruidosas torcidas saudaram as equipes na entrada em quadra para a grande final do campeonato de basquete.

De um lado o Rosário, líder isolado na contagem geral de pontos, grande sensação das Olimpíadas, de astral elevadíssimo, apesar do desconforto sofrido pela elimi-nação precoce no campeonato de futebol. Do outro, o IPA, que brigava sobretudo para manter a hegemonia no chamado ‘es-porte elegante’, mas também buscava uma recuperação nos jogos, já que vinha sendo suplantado pelo rival quase que na totali-dade das competições.

Ao longo do torneio, o Rosário eli-minou os colégios Machado de Assis, Ruy Barbosa e Júlio de Castilhos. O IPA, por sua vez, venceu o Concórdia, o Ginásio da Paz e o Inácio Montanha, chegando à final sem muito desgaste, dada a modéstia das equipes com que se defrontou.

“Um encontro verdadeiramente sensa-cional”, assim o jornal Folha Esportiva qua-lificou o último capítulo da III Olimpíada Metropolitana dos Estudantes Secundários.

O jogo começou bastante disputado,

com a equipe do Rosário tomando a ini-ciativa, impondo o ritmo. Mesmo assim, os instantes iniciais foram equilibrados, com as duas equipes alternando-se na frente. Nenhuma delas, contudo, conseguia abrir mais de três pontos de vantagem. À medi-da que o tempo passou, jogando um bas-quete mais técnico, o Rosário conseguiu, a partir de seu 18º ponto, manter-se sempre na frente, conquistando uma vantagem que, ao final do primeiro tempo, estava em cinco pontos: 38 a 33.

O IPA, se não possuía a mesma técnica do adversário, esbanjava vontade. Voltou para a segunda etapa disposto a reverter o quadro. Diante da dificuldade, nunca es-moreceu, mesmo quando, ao final do jogo, o rival abriu dez pontos de vantagem.

Os últimos minutos foram tensos. Édi-son, do IPA, cometeu falta desclassificante em Raul, do Rosário, até então o melhor jogador em quadra. Raul chegou a ficar de-

sacordado por alguns momentos. Scarpini, do Rosário, foi eliminado do jogo pelo mesmo motivo. Antoninho, outro gigante, e Carlos, ambos do Rosário, excederam o limite de faltas e foram substituídos, bem como Nelson, do IPA.

Era 0h40min de domingo quando ter-minou o jogo, com vitória do Rosário por 79 a 71. Seguiu-se a entrega de prêmios e troféus aos campeões. Na contagem geral dos pontos, supremacia rosariense quase que absoluta. Com 61 pontos, o Colégio Nossa Senhora do Rosário foi o campeão. Em se-gundo lugar, o IPA, com 37,5 pontos, e em terceiro, o Colégio Ruy Barbosa, com 19.

“O Rosário era um colégio que pegava alunos bons em esportes e ajudava com bol-sas de estudos, então, os alunos iam estudar lá e reforçavam as equipes”, Diva recorda.

* Rafael Sirangelo Eccel é formado em Jornalismo pela FAMECOS/PUCRS

Diva sobe mais alto, observada por Zulena, contra o Colégio Americano

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Page 33: Esporte em Revista

Gustavo Andrada Bandeira

O treinador Dunga dividiu com o volante Felipe Melo o protagonismo da elimi-

nação brasileira da Copa do Mundo de 2010 na África do Sul. A ênfase na formatação tática europeia e a renúncia da convocação dos jo-vens Neymar e Ganso aumentaram a respon-sabilidade do treinador. Felipe Melo, jogador símbolo da equipe, dividiu a culpa com o capi-tão do tetra. Apesar do passe primoroso para o gol de Robinho, o choque com o goleiro Julio César, que marcou o primeiro gol contra do Brasil na história das Copas, e a expulsão após a agressão ao holandês Robben marcaram o volante como um novo vilão. E quais seriam os velhos vilões? Como o Brasil explica suas eliminações nas Copas do Mundo?

A rixa entre paulistas e cariocas foi a primeira responsável pelo mau desempe-nho brasileiro em uma Copa do Mundo. Em 1930, a Associação Paulista de Espor-tes Atléticos (APEA) vetou a participação de atletas paulistas na competição, pois apenas cariocas faziam parte da comissão técnica. Os paulistas chegaram a come-morar a derrota da seleção “carioca” para a Iugoslávia por 2 a 1. Desorganização e rixa também participaram da derrota em 1934. A Confederação Brasileira de Desportos (CBD) decidiu levar apenas atletas ama-dores. Os 17 jogadores viajaram em cima da hora e não tiveram tempo para treina-mento. A seleção foi eliminada na primeira partida, diante da Espanha.

Em 1938 o Brasil teve seu primeiro bom desempenho em uma Copa do Mun-do. Como o terceiro lugar na época não foi exatamente uma derrota, a única reclamação ficou por conta do pênalti cometido por Do-mingos da Guia que foi decisivo para a vitó-ria da seleção italiana na semifinal.

Tragédia e interferência: os novos problemas

A primeira grande derrota da seleção brasileira aconteceu no Maracanã, em 16 de julho de 1950. Na principal derrota da nação no futebol apareceram os primeiros culpados individuais. Os negros Bigode, do Flamengo, e Barbosa, do Vasco, ficaram para sempre marcados pelo suposto erro técnico que de-terminou a inesperada derrota brasileira de virada para o Uruguai.

Na Suíça, em 1954, a desconfiança e a responsabilidade pós-1950 acabaram dificul-tando o desempenho brasileiro. A acusação de falta de “raça” na Copa anterior fez com que os atletas acabassem abusando da violência na derrota para a excelente seleção da Hungria.

Após o bicampeonato 1958-62, a desor-ganização e a interferência de fatores exter-nos novamente protagonizaram a explicação da derrota. O técnico Vicente Feola teria sido voto vencido na escalação da equipe que aca-bou eliminada contra Portugal de Eusébio.

Espetáculo ou resultado?Zagallo permaneceu no comando técni-

co do selecionado canarinho, após a conquista do tricampeonato em 1970. A responsabilida-de da derrota para a Holanda caiu no colo do treinador e em sua teimosia por um esquema defensivo que não atendia as tradições brasi-leiras. A Copa do Mundo de 1978, na vizinha Argentina, deu ao Brasil um título inédito, o de “campeão moral”. Mais uma vez a tradição brasileira foi renunciada em benefício do que se chamava de “eficiência europeia”.

A dor mais próxima da sentida em 1950 foi a tragédia do Sarriá, em 5 de julho de 1982. A seleção de craques comandada por Telê San-tana acabou sucumbindo ao imponderável e foi eliminada pela Itália de Paolo Rossi. A seleção que encantou a todos por sua forma

“brasileira” de atuar voltou a colocar um per-sonagem como responsável pela tragédia. O excelente volante Cerezo errou um passe que acabou resultando em um dos gols italianos.

Em 1986, Telê e os remanescentes que-riam vencer antes de apresentar a “essência do futebol brasileiro”. A maior responsabilidade caiu nas costas de Zico. Ele errou um pênalti contra a França no tempo normal. A equipe acabou eliminada nas penalidades.

A time comandado por Sebastião Laza-roni primava pelo pragmatismo e burocracia, em 1990. Outra vez, a renúncia ao estilo bra-sileiro de jogar futebol foi entendida como principal culpada pelo fracasso na Copa do Mundo. O volante Dunga, tal qual Felipe Melo em 2010, ficou como o responsável pela campanha insatisfatória na Itália.

A derrota por 3 a 0 para a França, em 1998, foi diretamente relacionada à crise nervosa de origem desconhecida do atacante Ronaldo no dia do confronto. O caso virou alvo de uma CPI no Congresso Nacional que investigou se a fábrica de material esportivo Nike teria obri-gado a escalação do jogador naquela partida.

A preparação para a Copa do Mundo de 2006, na Alemanha, foi a grande responsável pelo mau desempenho brasileiro. Jogadores acima do peso e participando de festas até altas horas da madrugada foram os principais culpados pelas dificuldades da equipe, que novamente foi eliminada pela França.

Da falta de organização passando pelos erros individuais de atletas, a interferência de fatores externos e a renúncia pela “essência do futebol brasileiro”, muitos foram os motivos e os culpados por nossas derrotas. Ousaria afirmar que alguns personagens não tiveram o merecido destaque como principais res-ponsáveis por nossas eliminações, entre eles Ghiggia, Eusébio, Cruyff, Daniel Passarella, Paolo Rossi, Michel Platini, Maradona, Zi-nedine Zidane, Sneijder.

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Eventos

* Gustavo Andrada Bandeira é pedagogo, mestre em educação pela UFRGS e servidor federal na mesma universidade

A história de nossas derrotasO Brasil que perde para ele mesmo e as justificativas para os fracassos da seleção nas Copas do Mudo. Como as derrotas são explicadas e quem é responsabilizado pela atuação abaixo das expectativas.

Page 34: Esporte em Revista

Ricardo Sant’Anna

A origem mais aceita para o rugby emana da Rugby School, Inglaterra, onde em 1823,

um aluno da escola chamado William Webb Ellis, durante uma partida de futebol, pegou a bola com as mãos e correu em direção ao gol adversário, tentando ser contido tanto por opo-nentes quanto por companheiros do próprio time. O feito desde aluno, desmotivado com o futebol jogado na sua época, entrou para histó-ria como origem de um dos esportes mais prati-cados atualmente em todo o mundo.

Desde esta data, porém, o rugby sofreu diversas alterações na sua maneira de ser joga-do e nem sempre um árbitro esteve envolvido para comandar o espetáculo. Durante os pri-meiros anos, a figura do árbitro não fazia parte do jogo, sendo as regras e as decisões feitas em conjunto pelos capitães das duas equipes, que entravam em acordo antes da partida sobre quais regras iriam ser aceitas e, juntos, toma-vam as decisões durante o jogo quando ne-cessário. No entanto, muitas vezes os dois ca-pitães eram incapazes de concordar sobre um tema e dois árbitros foram introduzidos no jogo, cuja função era decidir apenas as ques-tões em discórdia. Inevitavelmente, esses dois árbitros não chegavam a um acordo em deter-minadas situações e várias vezes eram acusados de agir de forma tendenciosa. Para resolver isso, um árbitro “central” foi introduzido para decidir as questões que os dois capitães não conseguiam resolver e que os outros dois árbi-tros não chegavam a um acordo. Esse sistema confuso foi facilmente resolvido quando final-mente foi dado o direito ao árbitro “central” de tomar as suas próprias decisões, com os dois árbitros originais sendo transformados em ju-ízes de lateral. Posteriormente, esse nome foi mudado para “juízes de linha” e hoje em dia são chamados “árbitros assistentes”.

Quando se jogou a primeira partida in-ternacional, em 1871, dois árbitros ainda con-trolavam o jogo, sendo o árbitro “central” ape-nas introduzido em 1876. Logo, no período

de 1891 a 1906, os árbitros foram ganhando cada vez mais autoridade para comandar par-tidas internacionais. Começaram a usar apitos

pela primeira vez em 1885, enquanto que os juízes de linha primei-ro usavam bengalas, que depois foram subs-tituídas por bandeiras.

A partida entre Inglaterra e Escócia, em

1882, foi a primeira a ter um árbitro neutro, ou seja, de uma nacionalidade diferente da dos pa-íses que se enfrentavam. Coincidentemente, foi neste jogo que aconte-ceu a primeira vitória de um país visitante, tendo a Escócia ganho na ci-dade inglesa de Man-chester. A partir desta data, árbitros neutros começaram a comandar partidas internacionais no hemisfério norte, o que não se repetia no hemisfério sul, muito provavelmente devido ao fato das dificuldades de viajar de um país ao outro. Porém, queixas de arbitragens tendenciosas começavam a acon-tecer cada vez que um país visitava outro no hemisfério sul. Um exemplo disso ocorreu em 1965, quando a África do Sul visitou a Austrália

e os árbitros australianos Kevin Crowe e Craig Ferguson foram acusados de notoriamente beneficiar o país local. Essas disputas e queixas continuaram até 1975, quando o escocês Scot Norman Sanson foi o primeiro árbitro neutro a dirigir uma partida no hemisfério sul, tendo arbitrado África do Sul e França na cidade sul-africana de Bloemfontein. A partir desta data, árbitros neutros em qualquer partida interna-cional passou a ser uma tradição, até que em 2007 o Sul-Africano Jonathan Kaplan quebrou essa tendência, tendo dirigido a partida entre África do Sul e Namibia na Cidade do Cabo.

A foto (acima) mostra o primeiro jo-gador expulso de uma partida internacional. O feito coube ao neo-zelandês Cyril Brown-lie que foi expulso pelo árbitro galês Albert Freethy durante a par-tida Inglaterra e Nova

Zelândia no estádio Twickenham, Londres em 1925. Apesar de contar com um jogador a menos, a Nova Zelândia ganhou a partida com o placar de 17 a 11.

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Arbitragem

* Ricardo Sant’Anna é formado em Educação Física pela UFRGS e árbitro da Confederação Brasileira de Rugby

Primeira expulsão em uma partida internacional de rugby, em 1925

O árbitro no rugbyReprodução

O desenvolvimento da arbitragem em um dos esportes mais praticados no mundo

Entre 1891 e 1906, os árbitros ganharam mais autoridade para comandar as partidas

internacionais

No início, a figura do árbitro não fazia parte do jogo. As decisões eram tomadas pelos capitães

das duas equipes

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Bandeira erguida contra o preconceitoLuiza Naujorks Reis

Entre os 13 estados do Brasil que ti-veram finais em seus campeonatos

estaduais, apenas o campeonato paulista contou com uma árbitra assistente em suas decisões. Tatiane Sacilotti dos Santos Ca-margo atuou como bandeirinha número dois, ao lado do também assistente David Botelho Barbosa e do árbitro Luiz Flavio de Oliveira. Tatiane atuou no segundo jogo entre Santos e Corinthians, no qual o Santos sagrou-se campeão.

Hoje, no Brasil, quase todas as federa-ções já contam com mulheres em seu quadro de arbitragem. Porém, é a Federação Paulis-ta de Futebol (FPF) que tem o maior qua-dro feminino: 21 mulheres. Mesmo assim, é muito recente o fato de mulheres atuando em decisões de campeonatos estaduais das divisões principais.

Em 2003, a então árbitra assistente Fifa Ana Paula de Oliveira atuou na final do Campeonato Paulista entre São Paulo e Co-rinthians, juntamente com o árbitro Sálvio Espínola e o assistente Marinaldo Silva. O fato ficou conhecido como algo inédito para a mulher brasileira.

Desde a estréia das mulheres em decisões do Paulistão, a FPF mantém esse padrão em suas finais. Os campeonatos de 2004, 2007 e 2010 também tiveram mulheres trabalhando nas laterais do campo.

A Federação Mineira de Futebol (FMF) também já mostrou que suas árbitras assis-tentes têm potencial. Na final do Campeo-nato Mineiro de 2009, entre Atlético-MG e Cruzeiro, a árbitra assistente da Fifa Katius-cia Mendonça compôs o trio em conjunto com Leonardo Gaciba e o assistente Carlos Berkenbrock.

CBFFoi apenas na década de 1990, quando

surgiram os campeonatos internacionais fe-

mininos oficiais, que a Confederação Bra-sileira de Futebol (CBF) criou um quadro exclusivo para árbitras. Mas, logo no início, esse trabalho era restrito apenas para partidas femininas. Hoje, as mulheres têm a possibi-lidade de integrar o quadro chamado como masculino da CBF, tendo como maior em-pecilho o teste físico. Para estar neste quadro as mulheres devem executar o mesmo teste físico que os homens, fato que não acontece para o ingresso no quadro feminino, no qual os índices são diferenciados.

Em 2010 a lista da CBF contava com 65 mulheres no quadro feminino e 9 no quadro masculino, sendo essas últimas to-das árbitras assistentes.

A Federação Gaúcha de Futebol (FGF) conta com cinco mulheres em seu quadro de árbitros de 2011. Todas são assistentes. Des-tas, apenas duas trabalham no Campeonato Gaúcho da primeira divisão.

Mulher e seu espaçoOs homens dominaram o esporte há

muito tempo com status, força e poder, enquanto a mulher restava a imagem de

frágil, bonita e submissa. Somente a partir da década de 60, após os protestos de mu-lheres que queimaram seus sutiãs em praça pública, surgiu o feminismo. Depois de muita luta, apenas recentemente é possí-vel observar certa igualdade na sociedade. Hoje, o esporte, inclusive o futebol, tam-bém é coisa de mulher.

Pesquisas comprovam que a mulher tem melhor visão periférica em comparação ao homem, levando vantagem na principal função do árbitro assistente: a marcação do impedimento. Além disso, membros de co-missões de arbitragem por todo o país dizem que as mulheres são mais perfeccionistas, o que também facilitaria seu trabalho. O senso comum emprega que o lado mãe das mulhe-res as ajuda a mantê-las no poder.

Como diz Silvia Regina em seu blog, o fato é que por serem minoria dentro de um ambiente predominantemente masculino, as mulheres têm maior visibilidade, tanto para erros quanto para acertos.

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Arbitragem

* Luiza Naujorks Reis é professora de Educação Física

Número de árbitras e assistentes mulheres que comandam decisões estaduais aumenta

SILVIA REGINA

Silvia Regina de Oliveira, ex-árbitra de futebol, se tornou a primeira mulher a trabalhar como árbitra principal pelo Campeonato Brasileiro da Série A. E isso foi acontecer apenas em 2003, na partida entre São Paulo e Guarani. Nesta partida, Silvia contou com a assistência de Ana Paula Oliveira e Aline Lambert, que, juntas, integraram o primeiro trio feminino a atuar na série A do Campeonato Brasileiro.

Desde 2009, ela é diretora da Comissão de Arbitragem da FPF, quebrando mais um tabu e se tornando a primeira mulher instrutora internacional de arbitragem e membro de Comissão de Arbitragem.

O MITO ANA PAULA DE OLIVEIRA

Árbitra assistente desde 1998, quando se filiou ao quadro de arbitragem da FPF, estreou no campeonato Paulista em 2001 — mesmo ano em que estreou no Campeonato Brasileiro da Série C e da Série A. Em 2005, chegou a trabalhar em alguns jogos da Copa Libertadores. Em 2006, atuou na final da Copa do Brasil no confronto entre Flamengo e Vasco.

Ao contrário do que muitos pensam, Ana não foi excluída do quadro de árbitros da Fifa por ter posado nua para uma revista masculina. Ela perdeu o seu escudo em 2007 após ter sido reprovada nos testes físicos.

Atualmente trabalha para a Rede Record comentando partidas de futebol.

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participava do jogo. Inclusive em um Brasil e Argentina realizado em Buenos Aires, após o segundo gol marcado pela Argentina, o jogador argentino correu em direção ao juiz e pediu que este anulasse o gol, pois ele ha-via cometido infração antes. Mesmo com o cavalheirismo, a liga inglesa passou a buscar uma solução que surgiu em meados de 1878 e mudaria para sempre a historia do futebol: colocar em campo mais uma pessoa chamada de “referee”, encarregado de apontar as faltas com seu equipamento – uma bandeirola ver-melha. Três anos depois, em 1881, a bandeira foi substituída pelo apito. Em 1894, determi-nou-se que as decisões do árbitro eram incon-testáveis e irrecorríveis. No Brasil, o “referee” foi chamado de juiz. Com o regime militar na década de 60, os militares recomendaram à imprensa que o juiz de futebol fosse chama-do de árbitro para que não houvesse confu-são com o juiz magistrado.

Em 1890, surge o árbitro por meio da regra, que regulamentava a sua função em campo. Estes senhores, que utilizavam irre-preensíveis calças vincadas bem cortadas e jaquetas, corriam por campos enlameados parando o jogo a gritos quando achava que teria sido cometida uma falta.

Arbitragem no Rio Grande do SulNo Rio Grande do Sul, o futebol ga-

nhou notoriedade e deu seus primeiros pas-sos no final do século 19, principalmente na cidade de Rio Grande e cidades próximas ao Uruguai, como Uruguaiana e Santana do Li-vramento. Oficialmente, o clube de futebol mais antigo do Brasil é o Sport Club Rio Grande, de Rio Grande, fundado em 19 de julho de 1900.

No dia 7 de setembro de 1903, o Sport Club Rio Grande joga sua primeira partida, de forma amistosa ou de exibição como relatava-se na época, em Porto Alegre. Este fato por mui-tos é citado como o fato motivador da fundação de clubes de futebol na capital gaúcha.

O primeiro campeonato de futebol dis-putado no Rio Grande do Sul aconteceu no ano de 1906, em Santana do Livramento. A primeira liga, entretanto, seria formada so-mente no ano seguinte, sendo estruturada na cidade de Pelotas.

Através da possibilidade de o cavalhei-rismo inglês não prosseguir nos campos de

futebol brasileiro, o juiz foi utilizado nos pri-meiros jogos do SC Rio Grande, nos quais era proibido reclamar das marcações dele. Penalidade era considerada covardia e só era marcada quando algum jogador colocava a mão na bola. E se por acaso o time estivesse vencendo e tivesse uma penalidade a seu fa-vor, a cobrança era feita para fora.

Em 1918, é fundada a Federação Rio-Grandense de Desportos. Em 1919, é orga-nizado o primeiro campeonato Gaúcho. Os campeões citadinos disputam os regionais e, por conseguinte, os campeões regionais dis-putavam o campeonato gaúcho. O Gauchão é o primeiro campeonato realmente estadual do país. Já no primeiro torneio, um clube do inte-rior, o Brasil de Pelotas, conquistou o troféu.

A final do campeonato gaúcho de 1919 foi disputada entre o Brasil, de Pelotas, e o Grêmio, de Porto Alegre, e apitada pelo se-nhor Fontoura. O árbitro estava no mesmo nível amadorístico dos jogadores. Era escolhi-do momentos antes do inicio do jogo e sem re-ceber remuneração. Estes árbitros escolhidos eram considerados pessoas dignas, corretas e muito respeitadas no dia-a-dia. Como árbitro, podia atuar qualquer pessoa. Na maioria das vezes, eram ex-jogadores de futebol ou pessoas com muita influência e prestígio.

O primeiro Gre-Nal foi comandado por um quinteto de árbitros. O árbitro principal foi Waldemar Bromberg, o qual é citado na história do Grêmio como uma pessoa muito importante por ter influenciado para que o clube conseguisse o dinheiro para comprar o terreno no qual seria construído o primei-ro estádio. Os juízes de linha foram João de Castro e Silva e H. Sommer, e juízes de gol Theobaldo Foernges e Theodoro Bugs. Os juízes de gol ficavam sentados num banqui-nho ao lado das goleiras, indicando se a bola entrava ou não no gol, pois na época não ha-via redes nas goleiras.

Estes árbitros foram os precursores da arbitragem gaúcha, que, no decorrer das dé-cadas, tiveram como ícones Nestor Ludwig, Agomar Martins, José Luis Barreto, José Mo-celin, Luis Cunha Martins, Carlos Simon, Leandro Vuadem, Leonardo Gaciba e Rena-to Marsiglia.

Diego Almeida Real

“O árbitro é o álibi de todos os erros, explicação para todas as desgraças.

Se perdem, é por culpa dele. Se ganham, é apesar dele. Mas se ele não existisse, teriam de inventá-lo!”. De fato, esta frase de Eduar-do Galeano define a importância e respon-sabilidade que um árbitro de futebol carrega em sua carreira.

Definir um árbitro talvez seja quase im-possível, pois como tentar entender o que leva um rapaz a escolher esta carreira? Amor ao esporte com certeza é uma opção de jus-tificativa mais próxima. Muitos o definem como um louco, outros como uma pessoa de coragem e personalidade. Talvez, para alguns, um “recalcado” que não conseguiu ser joga-dor de futebol, mas com certeza para todos uma carreira de muita força de vontade e que mesmo inconscientemente é admirada. Nos momentos de racionalidade de um simples bate-papo, causa respeito e muita curiosida-de de quem tem a possibilidade de interagir com esses “loucos por futebol”.

“O homem é assim, o árbitro constante de sua própria sorte. Ele pode aliviar o seu suplício ou prolongá-lo indefinidamente. Sua felicidade ou sua desgraça dependem da sua vontade de fazer o bem”, constata Allan Kardec.

Na gramática portuguesa, árbitro de fu-tebol define-se como “juiz que dirige um pré-lio de futebol”. Esta faz parte da maioria das definições encontradas para a palavra. O que diferencia o árbitro de futebol de um juiz de direito é que o juiz de direito deve julgar e o juiz de futebol precisa e deve decidir como um juiz de fato e de direito independente às partes envolvidas. Imparcialidade e ética fundamen-tam o árbitro de futebol desde sua invenção.

A relação de confiança entre clube e ár-bitro é importantíssima para o transcorrer de uma partida ou “peleia”, como chamamos ba-seados no folclore gaúcho.

O Surgimento do ÁrbitroNo começo do futebol, os próprios jo-

gadores acusavam as infrações, pois os ingle-ses acreditavam no cavalheirismo de quem

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Arbitragem

* Diego Almeida Real é formado em Educação Física

O começo da arbitragem no RS

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Eneida Feix

Foi no “Alto da Bronze”, na década de 20, que Porto Alegre, uma das capitais

brasileiras pioneiras na instituição do lazer e da recreação pública, iniciava a história neste setor, através da criação dos “Jardins de Recreio” nas praças da cidade. Na subida da rua Duque de Caxias, área central da ci-dade, espaço onde a garotada se reunia para o futebol se instalou, em 1926, o primeiro jardim de recreio da América do Sul. Este era constituído por salas para jardim de in-fância, biblioteca e vários equipamentos na área externa como balanço, escorregador, gangorra, entre outros, e quadras esporti-vas para a prática do basquetebol, voleibol, basebol, tênis e de um jogo de pelota deno-minado frontão. As atrações eram diversi-ficadas objetivando que crianças, jovens e adultos pudessem se divertir.

A valorização do lúdico nos “Jardins”, com equipamentos apropriados à recreação infantil e com lindos gramados e quadras es-portivas marcou as primeiras décadas do sé-culo 20, uma proposta de trabalho que possi-bilitou às crianças brincar e se entreter. Ainda hoje existem o primeiro e o segundo “Jardim de Recreio”, respectivamente denominados Praça General Osório, inaugurada em 1926, e Praça Pinheiro Machado, em 1927. Além dessas, no período de 1926 a 1951, foram instaladas outras praças em diferentes bairros da cidade, como por exemplo, Praça Florida, Praça Dr. Montaury, Praça Jayme Telles, Praça São Geraldo, Ararigbóia e Tamandaré.

A idealização e a vontade política de efe-tivação deste projeto, na década de 20, foram iniciativas do professor Frederico Guilherme

Gaelzer, que conseguiu sensibilizar o poder público sobre a importância da recreação e do esporte para a juventude como prevenção da delinquência e um meio de qualificar a socie-dade. Gaelzer permaneceu cerca de cinco anos estudando nos Estados Unidos, onde também acompanhou o trabalho da Associação Cristã de Moços (ACM). Depois que retornou para Porto Alegre chefiou o Departamento Muni-cipal de Praças Públicas e Jardins, o Departa-mento Municipal de Educação Física e, poste-riormente, o Serviço de Recreação Pública.

O professor Gaelzer e sua equipe promo-veram atividades variadas nos jardins de infân-cia, teatro infantil e amador para adultos; e viabilizaram espaços como: bibliotecas infan-tis, técnicas e ambulantes; parques balneários para ensino de natação e remo; parques espor-tivos com campeonatos e recantos infantis. A equipe realizou conferências, cursos especiali-zados, exposições, concertos, excursões orien-tadas, comemorações cívicas e folclóricas; or-ganizava também os desfiles carnavalescos. O papel da educação no progresso de um país era

exaltado nos discursos de Gaelzer.

Ontem e HojeAs fotos, os recortes de jornais e os do-

cumentos garimpados retratam algumas das ações voltadas à recreação e aos esportes nas praças e parques de Porto Alegre iniciadas em 1926. Ao longo de 85 anos, esse trabalho se manteve em funcionamento, oportunizan-do o esporte, a recreação e o lazer aos porto-alegrenses. Atualmente há mais de 500 praças e parques públicos que recebem pessoas, ale-gram-nas e possibilitam trocas de afeto, diver-timento, práticas corporais diversas e ativida-des culturais. Além disso, as praças e parques são locais de encontros e lembranças dos fre-quentadores configurando-se como “lugares de memória” da cidade. Valorizar esta história é vivê-la duas vezes, com diz Paulo Freire.

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Personagens

* Eneida Feix é licenciada em Educação Fisica (UFRGS) e mestre em Ciências do Movimento Humano (UFRGS). Atua como coordenadora da Divisão de Esporte e Lazer - (Fundergs/SEL-RS)

Recreação pública em Porto Alegre

Jornal Zero Hora, 22 de março de 1997

Praça Gal. Osório, antiga Alto da Bronze, início da Recreação Pública na cidade, em 1926

No início do século 20, o professor Frederico Guilherme Gaelzer

conseguiu sensibilizar o poder público sobre a

importância da recreação

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Laura Gheller

Foi no dia 14 de março, um sábado. O ano era 2009. Chegamos em Cachoei-

ra do Sul por volta das 10 horas da manhã. Enquanto uns tiravam o equipamento do carro da Rádio, outros já iam adentrando a casa de dois andares que ficava do outro lado da rua. Na porta, à nossa espera, esta-va a figura: os cabelos levemente grisalhos desgrenhados pelo vento, a camisa pólo preta, a bermuda cáqui e o tênis branco o confundiriam fácil com um jogador de bolão ou bocha, não fosse pela destoante tipoia apoiando o braço direito. No dia anterior, quando ligamos para confirmar o churrasco, ficamos sabendo do inciden-te que resultou em gesso em todo o an-tebraço direito. Apesar de estar triste por ter ficado com os movimentos limitados justo nesse momento, ele foi categórico ao confirmar o churrasco do dia seguinte: “Contratei um cara muito bom, enten-

dido nesta arte”. E de fato, o perfume da carne esparramada sobre o fogo já se alas-trava por toda a rua Marcílio Dias.

Quando chegamos ao jardim, que já recepcionava alguns convidados, foi pos-sível notar a presença do “profissional do churrasco” por todos os lados: louça especial, suporte para pratos mais espe-ciais ainda, talheres que aparentemente não tinham serventia explícita, barril de chopp no canto e mais adiante, escondido sob fumaça que vertia da churrasqueira, o tão festejado “profissional do churrasco”. Não sei se era porque nunca tínhamos vis-to algum serviço do tipo, mas nos pergun-tamos todos – intimamente, é claro - do porquê da roupa branca (e do chapeuzi-nho) de chef de cozinha francesa para as-sar uma carne gaudéria. Enfim.

Constatações à parte, começamos a montar o equipamento para transmitir o programa especial direto da casa do nosso colaborador de mais de cinco anos que, na-

quela noite, também passaria a ser o maior historiador de futebol amador do Brasil.

Histórias recordistasSergio Claudio Engel, veterinário

por formação e historiador por dedicação, participa do programa Radar Esportivo da Rádio Universidade da UFSM desde 31 de dezembro de 2004. Ele foi convi-dado pelo jornalista Gilson Piber, orien-tador do programa na época, para assumir o quadro “Histórias do Futebol”. Desde então, Engel contabiliza a marca de qua-se 300 programas com histórias inéditas contadas aos ouvintes do Radar.

“Eu falo da essência, da anatomia, da fisiologia do futebol; de como surgiram as primeiras bolas, as primeiras botinas; como eram os gramados, as camisas, as arquibancadas, os primeiros médicos, os massagistas. Esse tipo de futebol, que eu enriqueço com um pouco de cultura.”

Engel começou a ficar ainda mais co-

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Personagens

Desejo do pesquisador é disponibilizar seu acervo em museu

fotos Hilberto Prochnow

Como o médico veterinário cachoeirense Sergio Claudio Engel tornou-se o maior historiador de futebol amador do país.

O Garimpador do futebol

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nhecido depois que suas histórias foram publicadas nos jornais de Cachoeira e de Porto Alegre. Ele já fez várias participações em programas esportivos de rádios do Es-tado. A notoriedade o levou a ser apresen-tado ao jornalista Lile Corrêa, morador de Bela Vista (MS), que publica recordes em seu blog : o www.guinnessbrasil.com. Após contatos e averiguação de materiais, Engel foi considerado pelo Guinness Brasil como o “Maior historiador do futebol amador do país”. A cerimônia de homologação do título aconteceu na noite do dia 14 de mar-ço de 2009, em frente ao prédio do Museu Municipal de Cachoeira do Sul Patrono Edyr Lima. Cerca de 50 pessoas presencia-ram o acontecimento, entre elas o prefeito da cidade, Sérgio Ghignatti, esportistas e familiares de Engel.

O passado no futuroA ligação com o futebol começou aos

6 anos, quando o menino Sérgio foi con-vidado por seu tio Saul a acompanhar uma partida de futebol amador no extinto cam-po do Daer em Cachoeira do Sul. Enquan-to Saul jogava, o guri segurava a carteira e o relógio do tio. Anos mais tarde, passou de espectador a protagonista: tornou-se um ágil goleiro no futsal e jogou no time do Gauchinho do bairro Carvalho.

Os estudos fizeram Sérgio ir para San-ta Maria. Formou-se técnico agrícola na Escola Agrotécnica (hoje Colégio Politéc-nico) da UFSM.

“Como eu tirava notas boas em Zoo-tecnia, um professor me perguntou: por que tu não faz Veterinária?”.

Em dezembro de 1970 estava forma-do na UFSM o médico-veterinário Sérgio Cláudio Engel.

O envolvimento com o futebol, entre-tanto, seguiu ao lado da lida com os ani-mais. Agora, um pouco além das quatro linhas: foi cônsul do Internacional, em Ca-nela, presidente do Conselho Deliberativo do Cachoeira Futebol Clube e ajudou o outro time da cidade, o São José.

O interesse pelo passado do futebol surgiu com força em 1994, quando En-gel resgatava a história do Rotary Clube Zona Alta de Cachoeira do Sul. Ele ini-ciou uma pesquisa minuciosa sobre tudo relacionado ao futebol nos jornais anti-gos, conservados no Arquivo e no Museu Municipal. O período pesquisado iniciou

em janeiro de 1900. Hoje Engel possui 10 mil páginas de história: “Foram sábados e domingos retirando dados, que resulta-ram em mais de 20 pastas com cópias das notícias e anotações sobre o futebol em Cachoeira”.

O veterinário-pesquisador também procurou ex-jogadores, hoje com 80, 90 anos, para conseguir fotografias e lem-branças daqueles tempos. “Sou chamado de ‘garimpador’ aqui em Cachoeira, em tom de brincadeira.”

E o resultado dessa busca foi a desco-berta de aproximadamente 630 times de futebol que já existiram na cidade.

Engel costuma contar que, no início, os jornais publicavam o convite para o

“match”, mas que depois não informavam o placar do jogo, muito menos quem fazia os gols. O que geralmente era publicado eram relatos de brigas ou invasões de cam-po. Com a pesquisa, foi possível construir a estatística completa de todos os jogos dos times mais destacados da cidade: o Cachoeira, o Guarani (vice-campeão gaú-cho em 1942), o Tamandaré e o São José.

Com o tempo, o pesquisador começou a receber doações de camisas dos times, troféus, faixas, medalhas, bolas antigas, várias fotografias e inúmeros documentos. Entre eles, o arquivo original com a parti-tura musical do hino do Cachoeira, escrita em 1914 pelo maestro Miguel Iponema.

Engel também construiu maquetes representando as goleiras e os estádios de antigamente. Fez réplicas de bolas, utili-zando bexigas e crina de cavalo. Ele usa todo esse material em exposições e du-rante palestras em escolas. Uma pequena biblioteca com livros sobre o futebol de outras cidades gaúchas também faz parte do seu acervo.

Como todo bom pesquisador, Sér-gio Cláudio Engel convive com o passa-do, mas pensa o futuro. Além de deixar um museu montado para a posteridade, ele quer guardar todas as suas memórias em um livro. E ainda pretende fazer disso um novo recorde: seu objetivo é escrever a primeira obra que resgate toda a histó-ria do futebol de uma cidade gaúcha. O Guinness que se prepare. O garimpador dos gramados não pretende parar de usar sua mina de ouro tão cedo.

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* Laura Gheller é formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria

“Eu falo da essência, da anatomia, da fisiologia do futebol; de como surgiram

as primeiras bolas, as primeiras botinas”

Parte do acervo do veterinário Engel, que pretende guardar suas memórias em um livro

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Bruna Aquino

Um jogador que jamais viu um árbitro de futebol chamá-lo e lhe mostrar o car-

tão vermelho, que nunca disputou de forma agressiva uma jogada e que não foi punido pela Justiça Desportiva em toda sua carreira: isso é possível no futebol?

João Carlos Araújo Pinheiro Machado, formado em Educação Física pela Unicruz – Cruz Alta/RS e especialista em Educação pela antiga Fundames, hoje URI - Campus Santo Ângelo/RS. Casado, pai de dois fi-lhos, é atualmente aposentado do magistério e dos gramados. Como assim? Além de pro-fessor, João Carlos também foi esportista. Este resumo profissional é apenas o “ponta-pé inicial” para que se conte a história de um grande atleta e sua carreira na modalidade que mais ama, o futebol.

“Gú”, apelido que João Carlos ganhou em casa e que, por muitas pessoas, é utilizado como única forma de chamá-lo, nasceu em 7 de janeiro de 1946. O gaúcho de São Luiz Gonzaga iniciou no esporte ainda criança, ao acompanhar o pai em eventos esportivos. O interesse pela área não parou, seguindo o rit-

mo de seu crescimento: “Nos tempos de esco-la já participava dos eventos que se realizavam nos educandários. Com o passar dos anos, fui me interessando pelo tênis, futsal e futebol de campo”. Dos três esportes, o guri João Carlos preferiu o último, e a vontade de jogar au-mentou quando ingressou no time juvenil do Grêmio Sportivo Santoangelense, atualmente S.E.R. Santo Ângelo. Em 1959, junto com os outros juvenis, foi campeão da cidade.

Nessa época, já dava sinais de que seria um grande jogador. Ainda adolescente, “mas com muita vontade de vencer com os demais do elenco”, aos 16 anos e mediante aprovação dos pais, tornou-se profissional. Gú, que atu-ava como meio-campista, explica o motivo que o levou a assumir essa posição: “As pesso-as que comandavam a equipe diziam que eu era um jogador com boa qualidade técnica, habilidoso e com boa visão de jogo”.

Após defender profissionalmente o Grêmio Sportivo Santoangelense no perío-do de 1962 a 1963, o meia passou a atuar, no ano seguinte, no Esporte Clube Juven-tude. “Meu ingresso no futebol de campo profissional aconteceu de surpresa, pois os dirigentes do Juventude receberam infor-

mações sobre mim e vieram me buscar em Santo Ângelo. Fiz testes no Juventude e a aprovação veio tão rápida que, em 15 dias, já residia na concentração do clube”.

Mesmo tendo participado do time prin-cipal várias vezes, Gú nem sempre começava jogando. Como era muito novo, acredita que a pouca idade era um dos motivos que o dei-xavam no banco de reservas. A titularidade finalmente entrou em campo, mas logo em seguida encontrou um marcador difícil de ser driblado: “Quando surgiu a oportunida-de de me fixar como titular, sofri uma lesão grave no tornozelo. Isso aconteceu em 1965, no jogo contra o Grêmio FBPA durante a realização do quadrangular da Festa da Uva, onde participaram Grêmio, Internacional, Juventude e Flamengo, hoje o Caxias. Minha recuperação foi demorada. Atualmente os recursos são modernos e rápidos, antes não, e aí demorei um bom tempo para voltar a ser titular, mas consegui a recuperação”.

Ainda em 1965, antes da lesão que o afastou do campo, foi vice-campeão gaúcho com o Juventude. Recuperado e com boas atuações, Gú retomou a titularidade e, em 1966, foi aprovado para jogar no Botafogo,

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Ainda muito jovem, integrou o Clube Esportivo Bento Gonçalves

João Carlos. fotos Arquivo Pessoal

A trajetória de um jogador que nunca foi expulso no futebol. Em mais de dez anos como profissional, alcançou essa façanha que lhe permite acesso a todos os jogos realizados no país

Fair PlayHabilidade:

Personagens

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do Rio de Janeiro. “Jogar em clube de maior porte, todo jogador sonha e comigo não seria diferente. Quando treinei no Botafogo e fui aprovado em 15 dias de treinamento, pensava que poderia desenvolver mais ainda meu fu-tebol porque iria para futebol técnico, onde encaixaria com o meu potencial.” Dificulda-des na liberação por parte do Juventude im-pediram a transferência, e o meia seguiu em Caxias do Sul. Em 2004, Gú recebeu o troféu “JU 90 Anos”. Como consta no documento entregue ao jogador, a homenagem é “pelo relevante trabalho quando de sua passagem pela agremiação”.

Do Juventude, Gú seguiu para o Clube Esportivo Bento Gonçalves. Em 1969, foi campeão da divisão estadual de profissionais, em jogo disputado com o Lajeadense, e este tí-tulo deu direito ao Esportivo de Bento dispu-tar o Campeonato Gaúcho na divisão especial. Em 1970, último ano na equipe, entrou no segundo tempo e, aos 44 minutos, fez o gol de empate contra o Pelotas, “com um tiro de fora da área”, como destacou um jornal da época.

No ano seguinte, transferiu-se para o Esporte Clube Internacional de Santa Maria e, um ano mais tar-de, defendeu a Associação Esportiva Santo Ângelo (Aesa). Fez o único gol do primeiro jogo da equipe, um amistoso com o São José de Porto Alegre. Permaneceu até 1975, onde encerrou sua carreira profissional, com apenas 29 anos.

Professor de educação física “Quando conclui a faculdade de edu-

cação física, já estava trabalhando em esco-las e, com isto, não conseguia conciliar o futebol. Nesta época, também decidi casar e construir minha família e então me parecia

que era o momento de encerrar a carreira de profissional no futebol. Nos primeiros momentos foi meio difícil, pois saía de ati-vidades futebolísticas para o trabalho com alunos, mas com o tempo nos desligamos de momentos passados.”

Sobre alguma dificuldade durante a car-reira no futebol ou no momento em que de-cidiu parar de atuar como profissional, Gú é enfático: “Não considero dificuldade as situ-ações que aconteceram. Se não foram como eu queria, apenas aconteceram. Após parar de jogar, tive a consciência de que vinha uma nova vida pela frente”.

Aposentadoria como jogador Gú colocou o futebol profissional na

reserva e escalou o lazer para entrar em cam-po. Em 1976, passou a integrar a confraria do “Depois das Seis”, time de futebol de salão de Santo Ângelo, onde reside com a

família, e que leva esse nome em função dos jogadores se encontrarem, desde seu início, após as 18h. Desde 2010 participa somente fora das quadras, pois duas cirurgias no qua-dril, uma no lado direito e outra no esquer-do, o impedem de jogar. Não se afastou do esporte, praticando natação, hidroginástica, academia e caminhadas. Longe dos grama-dos, o ex-jogador se diz “apreciador do fu-

tebol”, acompanhando o que acontece no mundo da bola, e vê a modalidade diferente do que vivenciava: “No futebol da nossa época, na maior parte das equipes, os elen-cos eram compostos por jogadores de quali-dade técnica apuradíssima. Hoje falam em ‘acima da media’, ‘diferenciados’. A evolução da preparação física, em minha opinião, está decidindo partidas importantes”.

Em março de 1998, no estádio da S.E.R. Santo Ângelo, que seria palco do jogo entre o clube e o Caxias, João Carlos recebeu das mãos de sua mãe, Maria Araújo Pinheiro Ma-chado, a medalha do Prêmio Belfort Duarte, concedido pela CBF a atletas que não sofre-ram punição aplicada pela Justiça Desporti-va ao longo da carreira. Para que o jogador receba esta comenda, sua carreira deve ter, no mínimo, dez anos e 200 jogos. Gú atuou durante 13 anos como jogador profissional de futebol e nunca foi expulso.

A disciplina constante lhe ren-deu, além do reconhecimento como “autor de bons serviços prestados ao desporto nacional” por parte da maior entidade de futebol do país, ter acesso livre aos estádios de todo o território nacional e até dar nome a uma compe-tição: em 2010, o campeonato amador de Santo Ângelo, modalidade futebol de campo, foi intitulado João Carlos Araújo Pinheiro Machado, em justa homenagem ao atleta que, com sua

história exemplar, prova que é possível jogar sem ser violento. João Carlos Araújo Pinhei-ro Machado, o jogador que soube abrilhantar seus passes com o jogo limpo sem deixar de ser guerreiro.

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* Bruna Aquino é formada em Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília — UniCEUB

Em março de 1998, no estádio da S.E.R. Santo Ângelo, João Carlos recebeu das mãos de sua mãe a

medalha do Prêmio Belfort Duarte, concedido pela CBF a atletas que não sofreram punição pela Justiça

Desportiva ao longo da carreira

Dirigentes, equipe técnica e jogadores do Juventude, quando o time foi vice-campeão gaúcho em 1965.Entre os atletas abaixados, João Carlos é o terceiro da esquerda para a direita

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Personagens

Marcelo Salzano

Um craque dentro e fora dos gramados. Assim deve ser definido Larry Pinto de

Faria, 79 anos, nascido no dia 3 de novembro de 1932, em Nova Friburgo, cidade serrana do interior do Rio de Janeiro. Ele começou nas categorias de base do Friburgo Futebol Clube, passando pelo infantil e juvenil. De-pois foi para o Fluminense, onde permaneceu de 1950 a 1954. Então, ingressou no Interna-cional, onde jogou de 1954 a 1961. Encerrou a carreira em 1962. Era conhecido, como o “atacante cerebral”, devido a sua enorme inte-ligência para jogar futebol. Desde pequeno, Larry sempre demonstrou interesse em se tornar um profissional da bola. E jogando bem, chamou logo a atenção de um grande time do futebol brasileiro: o Fluminense. “Em 1950 comecei a minha carreira como jogador profissional. Inicialmente como ju-venil. Depois, fui convidado para jogar pela Seleção Carioca de Juvenis que disputou um torneio contra os estados de Minas Gerais e São Paulo. Ali, fui campeão”, ressaltou.

Seleção Brasileira Em 1952, foi convocado para disputar

pela Seleção Brasileira as Olimpíadas de Hel-sinque. Juntamente com Larry, uma legião de craques: Zózimo, Vavá, Humberto To-zzi, entre outros. Obteve a marca histórica de ser o primeiro atleta brasileiro a fazer gol em uma Olimpíada. Além disso, com quatro gols, sagrou-se artilheiro da competição. Para ele, o jogo contra a Holanda foi o principal da campanha. “Jogamos contra a Holanda, na cidade de Kotka. Marquei dois gols. Após esse jogo, ganhamos de Luxemburgo. Na se-quência, veio a partida diante da Alemanha. Saímos vencendo por dois a zero, mas relaxa-mos e os alemães empataram. Na prorroga-ção, eles venceram”, lamentou.

Em 1954, ainda no Fluminense e treina-do por Zezé Moreira (também comandante da Seleção Brasileira), Zezé queria que Larry jogasse dentro da área, finalizando as jogadas. Ele retrucou. “Não sabia jogar assim. Sempre gostei de vim de trás para finalizar as jogadas”, defendeu. A pedido do próprio Zezé, o time carioca foi a Colômbia para a inauguração do

estádio Atanasio Girardot (local onde o Grê-mio sagrou-se bi-campeão da Libertadores de 1995) e depois jogou com o Atlético-MG, em Belo Horizonte. Antes de ir dirigir o Bra-sil na Copa de 1954, Zezé chamou Larry para uma conversa e disse: “Larry, vou emprestá-lo para o Internacional. No sul, o futebol é mais competitivo. Será bom para você”, disse o então técnico da Seleção Brasileira.

Por intermédio também do jornalista Luiz Mendes, Larry Pinto de Faria desem-barcou no estádio Beira-Rio. Inicialmente, o contrato era de empréstimo. De cara, caiu nas graças do torcedor, principalmente por marcar gols em clássicos Gre-Nais. E o que mais marcou, sem dúvida, foi o clássico de inauguração do estádio Olímpico, onde mar-cou quatro gols na casa do rival. “Esse foi o jogo da minha vida. O que mais marcou. O Inter venceu por 6 a 2 e 57 anos depois des-se feito, muitos colorados me param na rua, lembrando com muito entusiasmo, até por ser diante do Grêmio”, comemorou.

Os quatro gols no Gre-Nal de inaugura-ção do Estádio Olímpico, consolidaram Lar-

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O atacante cerebralLarry Pinto de Faria marcou época no Internacional, Fluminense e também na Seleção Brasileira.

À direita, o grande jogador dos anos 50 mostra os principais

títulos. Acima, pôster produzido em sua

homenagem

Marcelo Salzano

Page 43: Esporte em Revista

ry como um dos grandes ídolos da história do Colorado. Havia uma preocupação em men-te. Com as seguidas boas atuações, o temor de que ele voltasse ao Fluminense existia. Isto porque era só o clube carioca requisitar e ele voltava para as Laranjeiras. Chegava o ano de 1955. Larry era eleito o melhor jogador do Campeonato Gaúcho. Então, comunicou a direção do seu desejo de permanecer no In-ter. “Procurei os dire-tores da época, pois a vontade de permanecer era muito grande. Me adaptei a Porto Alegre com uma facilidade impressionante. No fim das contas, deu tudo certo e fiquei no colorado”, completou.

Entre tantos companheiros de ataque, destacou Bodinho como o principal parcei-ro, dentro e fora dos gramados. “ O Bodinho era um atleta extremamente qualificado. Fazia o que queria com a bola. E o negócio dele era fazer gol. Não importava o jeito. O que facilitava também era a inteligência dele para jogar. Por exemplo, eu lançava a bola e nas disputas com os zagueiros, sempre levava vantagem em relação aos adversários”, com-pletou. Larry falou de uma história curiosa com Bodinho. “Teve um jogo que agora não me recordo qual foi, em que o Inter vencia com total facilidade, e eu já havia feito três gols no jogo. Aí recebi um lançamento, dri-blei o zagueiro e chutei meio mascado. A bola tava entrando lentamente e o Bodinho, não resistiu e acabou completando para den-tro do gol. Na hora da comemoração, ele veio me cobrar: ‘Pô, Larry, você já fez três na par-tida, deixa eu fazer o meu’”, ressaltou.

O Pan-Americano de 1956, realizado no México, foi outro momento marcante na carreira de Larry. Era um time basicamente formado por jogadores que atuavam no Rio Grande do Sul. Marcou cinco gols na com-petição (nas vitórias de 1 a 0 sobre o Peru e na goleada diante da Costa Rica por 7 a 1, anotando quatro gols) , sendo o artilheiro brasileiro no Pan. “A conquista de 1956 foi um marco. Isto porque na final, enfrentamos a Argentina. E os nossos irmãos argentinos, na época, eram invencíveis. Quebramos um tabu. Em toda a competição que o Brasil dis-putava e a Seleção Argentina estivesse presen-te, era raro os hermanos perderem o título. E no Pan de 1956, eles foram disputar a com-petição com a equipe completa. E, na final, depois de empatarmos em 2 a 2, no tempo normal, vencemos na prorrogação. Foi histó-rico”, falou Larry, eufórico.

A Seleção Brasileira, campeã do Pan-Americano de 1956, com jogadores que, basicamente, atuavam na Dupla Gre-Nal, fez o “centro do país”, especialmente o eixo Rio-São Paulo debochar do potencial do Brasil. “Aconteceu o seguinte. Em janeiro de 1956, o Brasil disputou, com uma equipe comple-

ta, um campeonato Sul-Americano, em Montevidéu. E a der-rota por 4 a 1 contra o Chile foi o estopim para a desconfiança. A CBD na época ti-nha um problema. O Sul-Americano acon-teceu em janeiro, o

Pan-Americano em fevereiro e a excursão à Europa. Então, queriam colocar os gaúchos. Mas, o centro do país não queria, porque entendiam que o futebol gaúcho não tinha condições de representar o futebol brasileiro. Aí, conquistamos um título fantástico, mas o eixo Rio-São Paulo minimizou o impacto da conquista”, explicou.

Encerrou a carreira em 1961, com 29 anos. Segundo Larry, foi um processo de des-gaste em sua vida. “De manhã cedo, eu ia para o Internacional realizar meus treinamentos. Ganhava muito pouco. E tinha um detalhe interessante. Antigamente, as substituições poderiam acontecer até os 43 minutos do pri-meiro tempo. Então, eles diziam: ‘Você não precisa treinar muito, se a gente precisar de ti, entra aos 43 minutos e tá resol-vido o problema’. Era com-plicado, pois participava das atividades no Inter pela manhã, à tarde ia para a Câmara de Vereadores e à noite para a faculdade”, contou. Tornou-se vereador em Porto Alegre em 1959, onde na sua primeira eleição, acabou eleito. Após este pleito, obteve a reeleição em três oportunidades, pela UDN.

Três ou quatro atacantesDas diferenças do futebol de ontem para

hoje, Larry é enfático. “Tem muitas coisas que mudaram. A primeira delas é que no futebol dos anos 60, 70, 80, os ponteiros jogavam mais abertos. Hoje, isso raramente acontece, até porque os atacantes costumam fazer as jo-gadas puxando para o meio e batendo a gol. A segunda mudança que eu vejo é na meia cancha. Antigamente, os times jogavam com dois volantes e não havia um armador nato, um ‘criador de jogadas’ no jargão futebolísti-co. Então o 4-2-4 era o esquema mais utilizado

pelos treinadores, com uma avalanche de ata-cantes. Quem começou a mudar esta escrita no futebol brasileiro foi o então técnico do Vasco, Flávio Costa, na década de 40, quando tinha um atacante Eli e puxou ele para o meio. Aí começou o esquema 4-3-3”, explicou.

O “amor à camisa” é outro assunto que inquieta Larry. “O futebol mudou muito. Atualmente, esse negócio de amar o clu-be que joga é uma grande besteira. Hoje, o esquema é profissional. Quem pagar mais, leva. No meu tempo, não era assim. Havia um comprometimento com o clube muito grande. Eu joguei quase sete anos no Interna-cional. Outros atletas também permaneciam muito tempo nos seus times. Eu, por exem-plo, quando jogava pelo Inter, tive algumas propostas para sair. O Vasco veio a Porto Ale-gre três vezes para tentar minha contratação e não conseguiu. Os uruguaios Nacional e Peñarol também me sondaram. O Palmeiras, uma vez, manifestou interesse. Mas, devido a minha forte identificação com o Inter, resolvi permanecer em Porto Alegre”, desabafou.

Larry não esconde o seu grande cari-nho pelo Inter. A homenagem da torcida Popular no Beira-Rio, mostrando uma faixa com o seu rosto, ao lado de outros ídolos do clube, lhe deixa emocionado. “É uma sensação maravilhosa. O reconhecimento que os colorados tem com a minha história dentro do clube emociona demais. Os meus netos, que torcem para o Inter, quando vão

ao Beira-Rio e obser-vam o meu retrato na torcida, ficam li-teralmente malucos”, completou. Ques-tionado sobre o tra-tamento que o clube proporciona para o ex-atletas, é categóri-

co. “O Inter talvez seja o clube no Brasil que melhor trata os seus atletas. Em qualquer festividade (comemoração de aniversários, de títulos de relevância), o clube faz questão de ter os ex-atletas ao seu lado. A comemo-ração de 100 anos é um exemplo. Foi um momento marcante, inesquecível. Não sei se em outros clubes acontece o mesmo. Somos privilegiados”, destacou.

Este é Larry Pinto de Faria. Um dos maiores artilheiros da história do Inter. Cra-que dentro de campo e fora dele. Dono de títulos importantes e marcas históricas. A torcida colorada agradece eternamente.

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* Marcelo Salzano é formado em Jornalismo pela PUCRS, repórter e produtor da Rádio Guaíba

O amor à camisa é um assunto que inquieta

Larry: “O futebol mudou muito. Hoje, o esquema

é profissional.”

A grande lembrança de sua carreira foi o

clássico de inauguração do estádio Olímpico,

quando anotou quatro gols na casa do rival

Page 44: Esporte em Revista

Marcelo Salton

O presidente do Grêmio Esportivo Ren-ner, Mário Azevedo, interrompe o trei-

namento no campo do estádio Tiradentes, na tarde de 11 de março de 1959, para conversar com o técnico Selviro Rodrigues. Minutos depois, os jogadores são chamados ao pavi-lhão social para receber um comunicado: a equipe de futebol será desativada imediata-mente. Todos ficam em estado de choque. “O ambiente era de total comoção. Meu Deus, acabou o nosso futebol”, relembra Raul Kin-nemann, um dos goleiros do elenco.

Quatro dias antes, o cenário era de ani-mação e entusiasmo. Uma vitória por 2 a 0 sobre o Guarany, em amistoso realizado no Estádio Municipal de Cachoeira do Sul, indi-cava que a equipe estava bem preparada para iniciar a disputa do Campeonato Gaúcho. Titular na última partida, Raul foi obrigado a encerrar uma ligação iniciada em 1947, ain-da nas divisões inferiores. “Até nesse momen-to o Renner foi grande. Todos os jogadores receberam salários e continuaram treinando até que conseguissem colocação em um novo clube”, afirma.

Raul chegou ao Renner aos 12 anos, para atuar no time infantil. Após algumas idas e vindas, impostas pela mãe a cada que-da de rendimento na escola, ele chegou aos juvenis, então treinados por Abílio dos Reis – que mais tarde viria a conquistar fama no Internacional. “Era o maior olheiro de cra-ques da várzea naquela época”, avalia.

Em 1956, recém-promovido aos profis-

sionais, recebeu a primeira oportunidade. En-quanto o titular Valdir de Moraes defendia a seleção brasileira nos Jogos Pan-Americanos, Raul atuou nas partidas da pré-temporada. Foi nesse período que conquistou o primeiro título, o Torneio da Associação dos Cronis-tas Esportivos de Porto Alegre (Acepa). En-tretanto, o goleiro perdeu espaço quando o Renner contratou Henrique, do Força e Luz.

Dupla jornadaRenner foi um clube com administração

diferenciada, muito a frente do seu tempo. Os dirigentes eram funcionários do grupo A. J. Renner e levavam para a esfera esportiva o modelo profissional da empresa. A estrutura tinha o objetivo de dar as melhores condi-ções possíveis para que os jogadores pudes-sem conquistar resultados dentro de campo.

Para os atletas, jogar no Papão de 54 representava uma oportunidade não apenas no futebol. Raul, assim como a maior parte do elenco, trabalhava em jornada dupla, al-ternando o trabalho na indústria ou nas lojas pela manhã com os treinamentos à tarde. A segunda-feira, dia seguinte às rodadas do fi-nal de semana, era livre, assim como as ma-nhãs posteriores aos jogos noturnos.

Na década de 1950, não havia preparação específica para guarda-metas. O trabalho era insípido, com muitos exercícios para reforçar a musculatura dos braços. Apesar disso, Raul testemunhou no estádio Tiradentes o surgi-mento, mesmo que tímido, de novos métodos: “O Ivo Andrade, irmão do Ênio, se tornou au-xiliar do Selviro e dava, esporadicamente, al-

gum treinamento voltado para os goleiros”.

ModelosOs conceitos da época para a posição eram

muito diferentes dos atuais. Valdir de Moraes, com 1,75m de altura, tinha a estatura ideal e Raul, de 1,82m, era considerado grande. “As pessoas achavam que goleiro alto não conse-guiria defender bolas rasteiras”, comenta. O preconceito era tanto que Henrique, de 1,90m, dobrava os joelhos sempre que fazia pose para fotografia ao lado dos companheiros.

Campeão na seleção brasileira, no Renner e, posteriormente, no Palmeiras, o ex-compa-nheiro de equipe Valdir de Moraes foi a princi-pal influência na carreira de Raul. “Ele batia na bola como nenhum outro goleiro, tinha calma e o posicionamento era impecável”, elogia.

Com o fechamento do Renner, Raul foi contratado pelo Internacional. Ainda em 1959, foi emprestado ao Rio Grande. No ano seguinte, se transferiu para o Grêmio. Ele participou da excursão do clube à Europa em 1961, em que o clube disputou 24 partidas em 15 países no período de 88 dias. No retorno ao Brasil, decidiu encerrar a carreira.

Aos 75 anos, ex-gerente comercial de uma empresa de café e aposentado Raul se declara, até hoje, torcedor do Papão de 54. “Defendi o Renner por mais de dez anos, fui muito feliz com aquela camisa”, diz com o ar-dor de um apaixonado por um clube que vive apenas em lembranças.

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Personagens

* Marcelo Salton é formado em Jornalismo pela PUCRS

Time que empatou com o Brasil, em amistoso de 1956. Em pé: Raul, Orlando, Bonzo, Gago, Léo e Augusto. Agachados: Pedrinho II, Ivo Medeiros, Breno Mello, Nena e Leoni

Arquivo pessoal

O último goleiro do Renner

Arqueiro Raul Kinnemann lembra a história que

construiu no Papão de 54

Page 45: Esporte em Revista

Marcos Bertoncello

Garoto poliesportivo de aproximadamente 15 anos nascido em Porto Alegre. Aman-

te de todos os esportes coletivos, sempre foi um jovem competitivo, mas apenas concentrou suas forças em campeonatos escolares e universitários. Até que um convite para se profissionalizar no então desconhecido futebol de salão chegou às suas mãos. Luiz Fernando Roese mal sabia que aquilo iria mudar sua vida, ou melhor, que pas-saria a ser chamado de Ortiz e viveria uma fase maravilhosa deste esporte no Brasil.

O alto e mirrado Luiz Fernando era pivô do time de basquete, pivô do time de futebol de sa-lão, jogador de ponta da equipe de vôlei e atacan-te do grupo de handebol. Tudo isso no período em que esteve no colégio, no final dos anos 70. “A minha paixão pelo esporte nasceu e cresceu desde quando eu era guri. Jogava tudo e tinha facilidade para aprender os jogos e suas regras”, conta Ortiz, que passou por várias escolhinhas, entre elas a de futebol de campo do Sport Club Internacional, onde ele mal sabia que um dia fa-ria história. Mas ainda não era hora, sequer o es-porte certo para isso. “Eu morava na Zona Norte e era complicado ir até os treinos do estádio Eu-caliptos. Como minha família sempre exigiu que eu tivesse boas notas e fosse um bom aluno, não pude me focar tanto nisso. Aí, já próximo da uni-versidade, entrei na equipe de futebol da minha turma e lá fiquei”, relembra.

Foi quando Ortiz foi jogar com amigos no Teresópolis Tênis Clube. “Um amigo me viu jogar e exigiu que eu tentasse atuar na equipe de futsal do clube. Achei meio estranho porque não tinha muita experiência no esporte. Mas acei-tei o convite”, disse. Ele não foi muito bem nos primeiros testes. “Até que no último fui muito bem e consegui vaga no time juvenil.” Ortiz per-

maneceu três anos no futsal do Teresópolis. Em seguida, foi chamado para defender as cores do time de futebol de salão do Inter. Atuou ao lado de jogadores famosos como Pinga e Aloísio. Pa-rou no Grêmio, assumindo a vaga de titular no time principal. “Contei com uma lesão séria do antigo titular, que, inclusive, teve que abandonar o futsal. Aí sim foi uma temporada maravilhosa para mim. Marquei muitos gols”, recorda.

Em 1984, com 20 anos, o jogador experi-mentou uma fase diferente da carreira profissio-nal: trocou a quadra pelo campo. A bola ficou maior e o sucesso também. “Fiquei dois anos jogando futebol e convivi com pessoas especiais como Valdir Espinosa e Rubens Minelli. Tive a felicidade de ser tricampeão gaúcho.”

Apesar de positiva a experiência nos cam-pos, o profissional retornou às quadras. Teve um litígio com a direção gremista e, por ainda estar na universidade, resolveu retomar a carreira no futsal. A volta não foi fácil. Mesmo jogando na seleção brasileira em que conquistou o II Cam-peonato Mundial de Futsal, em Hong Kong (1992), ele teve que passar por vários clubes para se estabilizar novamente. Em 1995, surgiu a oportunidade de vestir a camisa do Internacional pela segunda vez. “Com o patrocínio da Ulbra, o Inter teve condições de montar uma excelente equipe, com nomes de seleção brasileira, como Manoel Tobias, Serginho e Edinho. No mesmo ano, o time colorado foi campeão da Liga Na-cional de Futsal Série Bronze e Prata, garantindo vaga na Série Ouro do ano seguinte” explicou.

O Internacional, então, conquistou a Liga Nacional de Futsal. “No dia 6 de julho de 1996, goleamos a equipe do Vasco da Gama, da cida-de de Caxias do Sul, no ginásio Gigantinho, por 6 a 1. Tivemos a melhor campanha, o melhor ataque e os três dos cinco principais artilheiros da competição: eu, o Manoel Tobias e o Serginho.

Em 25 jogos, marcamos 99 gols, com 16 vitórias, 6 empates e apenas 3 derrotas”, detalha Ortiz.

A maior das glóriasContudo, a grande conquista da equipe

fantástica ainda estava por vir. Em 1997, a Fe-deração Gaúcha de Futsal moveu-se para orga-nizar um Campeonato Mundial Interclubes, reunindo campeões de todos os cantos do mun-do. Com a autorização de entidades maiores, o torneio foi confirmado no ginásio Gigantinho, em Porto Alegre. “Vieram a Porto Alegre cam-peões da Holanda, Estados Unidos, Argentina, entre outros. O Barcelona também participou, mesmo sem conquistar a liga espanhola. Se me lembro bem, foram dez times divididos em duas chaves de cinco”, conta. A decisão do Mundial fi-cou entre Inter e Barcelona. Uma final histórica: “O Gigantinho estava lotado, com 16 mil espec-tadores. Em um jogo duríssimo contra o Barce-lona, empatamos em 2 a 2 no tempo normal. E, felizmente, vencemos na prorrogação por 2 a 0”.

Luiz Fernando Ortiz aponta a conquis-ta mundial como o seu grande momento no futsal gaúcho. O atleta jogou até 2003, depois pendurou as chuteiras sem travas para trabalhar nas categorias de base do Internacional. “Eu vivi várias ‘gerações’ no futsal. O esporte sempre teve pouco investimento, principalmente no início. As rádios eram as que davam mais destaque para nós. O crescimento ocorreu nos anos 90, com uma certa profissionalização do futebol de salão, tornando-o mais espetacular para o público. O investimento do Inter neste esporte motivou o surgimento de times como o de Carlos Barbosa, por exemplo. Tive o prazer de ver este crescimen-to”, concluiu.

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* Marcos Bertoncello é formado em Jornalismo pela PUCRS

Conquista do Mundial de 97 foi sua maior glória

Alexandre Lops

Luiz Fernando Roese, conhecido como Ortiz, relembra anos dourados do futsal gaúcho e os títulos que o consagraram

Ortiz, um campeão nas quadras

Personagens

Page 46: Esporte em Revista

José Antonio Soares Martins Filho

Nunca se imaginou que numa tarde de primavera poderia se encerrar a vida

de um dos grandes narradores do jornalis-mo esportivo do Rio Grande do Sul. Pedro Carneiro Pereira, ou Pedrinho como assim era chamado, adorava esporte e jornalismo. Na infância, organizava partidas de futebol de botão e ao mesmo tempo em que elas se desenrolavam, Pedrinho exercitava seus do-tes de narrador.

Gaúcho, Pedro Carneiro Pereira nasceu no dia 11 de março de 1938, em Porto Ale-gre. Em 1961, já com 23 anos, iniciou na Rá-dio Guaíba, vindo da antiga Rádio Difusora, onde inicialmente trabalhou como locutor comercial. Em pouco tempo ele já havia as-cendido ao posto de principal locutor espor-tivo da emissora.

Voz clara, dicção perfeita e principal-mente ritmo e estilo. Essas eram algumas das grandes características marcantes de Pedri-nho. Mas para alguns, o que era mais marcan-te nele, como grande gremista que sempre foi, os gritos de gol do seu time de coração eram sempre alguns segundos mais longos do que os gols do co-irmão, o Internacional.

A atividade de narrador o aproximou de sua outra paixão, o automobilismo. Ele desenvolveu esse gosto, a partir da transmis-são de algumas provas, como as “Mil Milhas”. Começou a correr de carro, no ano de 1962, com 24 anos, e ainda solteiro.

Afora o automobilismo, Pedrinho foi formado em Direito, exercitando as ati-vidades de advogado e também atuou na área de Publicidade e Propaganda, sendo diretor da empresa Standard Propaganda

na Região Sul. Além disso, Pedrinho viria também a se tornar o Diretor do Departa-mento de Esportes da Rádio e posteriormente casou com Maria Regina Greco Viana, sendo pai de três crianças: um filho e duas filhas.

No automobilismo, começou correndo com Volkswagen, em 1962 nas 12 horas de Porto Alegre, obtendo a décima colocação no geral. Correu também com carros como Corvette, da marca Chevrolet, em corridas pelo interior do Rio Grande do Sul, e viria correr novamente as 12 horas de Porto Ale-gre, dessa vez com um Renault Gordini, ob-tendo um bom resultado nessa categoria.

Pedrinho começou a correr de carretera (carros antigos criados na época, que foram

criados especificamente para se correr em estrada, já que o termo “carretera” vem do espanhol, que significa estrada), no ano de 1966, disputando duas provas. Na segunda, a chamada de Antoninho Burlamaque, do ano de 1966, no percurso entre Gravataí e Capão da Canoa, acabou sofrendo um acidente.

No ocorrido, ele atropelou um porco que atravessava a estrada e como consequência, além de matar o porco, acabou danificando bastante sua carretera, e quebrando seu braço

direito. Esse acidente quase impediu que Pe-drinho fosse viajar para realizar a transmissão da Copa do Mundo de 1966, evento em que o Brasil fora eliminado nas oitavas de final, fato que indignou o narrador.

Retorno às provasAté então, após a Copa do Mundo de

1966, Pedrinho realizava aparições esporádi-cas nas corridas de Carretera. Porém, a partir do ano de 1968, ele resolveu comprar uma carretera do modelo FNM/JK 2.000 perten-cente a categoria “Turismo”, acima das 1.300 cilindradas. Com a aquisição, passou a parti-cipar mais regularmente das corridas.

Com a inauguração do autódromo de Tarumã, localizado na cidade de Viamão, no Rio Grande do Sul, circuito do qual foi um dos grandes incentivadores de sua cons-trução, Pedrinho comprou um Chevrolet Opala, na cor branca de quatro portas, que o piloto Bird Clemente de São Paulo havia utilizado para estabelecer o recorde brasileiro de velocidade em linha reta, no ano de 1971. O carro era muito competitivo.

Pedrinho foi também um dos vinte pi-lotos gaúchos, a realizar a compra do Bino Formula Ford, em 1971, mesmo ano em que ele adquiriu o Opala de Bird Clemen-te. Ele foi presidente da Federação Gaúcha de Automobilismo e do Automóvel Clube do RS, se tornando uma das figuras mais importantes do automobilismo gaúcho dos anos 60 e 70.

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Legenda legenda legenda legenda legenda lege

Pedrinho: futebol, narração e automobilismo

Reprodução

Um dos grandes narradores esportivos do Estado faleceu em um acidente de automobilismo no dia 21 de outubro de 1973

Os gritos de gol do seu time de coração, o Grêmio,

eram sempre alguns segundos mais longos do

que ao gol do rival

Personagens

Page 47: Esporte em Revista

AcidentePorém, no fatídico dia 21 de outubro

de 1973, em uma prova realizada pelo Cam-peonato Gaúcho da divisão três, Pedrinho acabou se envolvendo em um acidente com outro competidor, Ivan Iglesias. Os dois acaba-ram capotando, e o fogo logo tomou conta dos carros. Sem ter como escapar, e como os bombeiros não possuíam os equipamentos adequados para realizar o salvamento, os dois, rivais na pista, mas amigos fora, Pedro Carneiro Pereira e Ivan Iglesias, faleceram.

A primeira homenagem a Pedrinho ocorreu minutos após a sua morte. O repór-ter Clóvis Rezende, da Rádio Guaíba, que es-tava em um dos postos da Radio Guaíba (co-bria o jogo entre Desportiva e Grêmio, além da partida entre Inter e São Paulo) informou a todo o Rio Grande do Sul, e ao então narra-dor Armindo Antonio Ranzolin, sobre o fa-lecimento de Pedrinho. Ranzolin, após nar-rar quinze minutos de jogo do Internacional

e São Paulo, interrompeu as transmissões da emissora e disse:

“Bem, este tipo de informação nós não estávamos preparados para receber. O Pedrinho corre há tanto tempo. Morre tanta gente nos autódromos, mas nós sempre imaginamos que, com o Pedrinho, isso não

aconteceria. Confesso para os ouvintes da Rá-dio Guaíba que não há a menor condição para que o nosso trabalho pros-siga. A partir deste mo-mento, o Departamento de Esportes da Rádio Guaíba vai encerrar as suas atividades. Nós não transmitiremos o jogo do Internacional e São Paulo, nem o jogo do Grê-mio contra a Desportiva Ferroviária. Vamos colocar um ponto final na participação do Departamento de Esportes da Rádio Guaíba nesta Jornada Esportiva Ipiranga e nesta trans-missão aqui do Beira-Rio”

Silêncio no Beira-RioOs torcedores, que lotavam o estádio,

com o radinho no ouvido, começaram a aplaudir. O juiz do jogo, Arnaldo Cezar Coelho, assim que soube da morte de Pe-drinho, parou o jogo e pediu um minuto de silêncio aos jogadores, no que foram acompanhados pela multidão. Foi um si-lêncio sepulcral como o Beira-Rio nunca experimentou. A emissora silenciou e pas-sou a tocar músicas sacras.

O narrador da descrição precisa, sem bordões ou adjetivos exagerados, morria em uma tarde de céu azul, muito azul, parecendo uma saudação, uma homenagem da pri-mavera acompanhada,

assim, pelo reconhecimento do público e de seus colegas.

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* José Antonio Soares Martins Filho é formado em Jornalismo pela Ulbra de Canoas

O narrador da descrição precisa, sem bordões ou adjetivos

exagerados, morria em uma tarde de céu azul

Os dois acabaram capotando, e o fogo

logo tomou conta dos carros

ALGUMAS PARTICIPAÇÕES EM PROVAS

06/05/1962 - 12 Horas de Porto •Alegre/RS - Circuito da Cavalhada - Com Verner Meyer - VW Sedan - 1.192cc - 10º na geral e 2º na classe A

18/11/1962 - I Festival de Recordes •- Guaíba/Camaquã/RS - Chevrolet/Corvette nº 78 - 4.500cc - 4º Lugar

23/01/1966 - XII Prova Antoninho •Burlamaque - Gravataí/Capão da Canoa/RS - Chevrolet/Corvette nº 78 - 4.500cc - TFL - Acidente

04/08/1968 - 200 Quilômetros de •Porto Alegre/RS - Pedra Redonda - FNM/JK 2000 nº 28 - 1.975cc - 3º na geral e 3º na cat. T+1.3

03/01/1971 - 3ª Etapa do •Campeonato Gaúcho (70) Classe D - Tarumã/RS - Chevrolet Opala nº 22 - 3.769cc - T+3.0 2º lugar

04/07/1971 - 3ª Etapa do •Campeonato Gaúcho - Tarumã/RS - Chevrolet Opala nº 22 - 3.769cc - T+3.0 1º Lugar

12/09/1971 - 1ª Etapa do •Campeonato Brasileiro de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 6º Lugar

28/11/1971 - 4ª Etapa do •Campeonato Brasileiro de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 6º Lugar

12/03/1972 - 3 Horas de Tarumã/•RS - Chevrolet Opala nº 22 - 4.098cc - T+3.0 2º lugar

09/04/1972 - 1ª Etapa do •Campeonato Brasileiro de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 5º Lugar

11/06/1972 - 3ª Etapa do •Campeonato Brasileiro de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 24º lugar

27/08/1972 - 2ª Etapa do Brasileiro •de Turismo Div.3 - Tarumã/RS - Chevrolet Opala nº 22 - 4.098cc - T+3.0 1º lugar

17/09/1972 - 2ª Etapa do •Campeonato Gaúcho de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 4º lugar

07/10/1972 - V 12 Horas de Porto •Alegre - Tarumã/RS - Com Ismael Chaves - Chevrolet Opala nº 22 - 4.098cc - T+3.0 1º lugar

19/11/1972 - 5ª Etapa do •Campeonato Brasileiro de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 16º lugar

19/11/1972 - 4ª Etapa do •Campeonato Gaúcho de Turismo - Tarumã/RS - Chevrolet Opala nº 22 - 4.098cc - AB

19/08/1973 - 5ª Etapa do •Campeonato Brasileiro de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 4º lugar

01/09/1973 - VI 12 Horas de Porto •Alegre - Tarumã/RS - Com Ismael Chaves e Dado Andrade - Chevrolet Opala nº 22 - 4.098cc - 3º na geral e 1º na cat. T+3.0

23/09/1973 - 4ª Etapa do •Campeonato Gaúcho de F-Ford - Tarumã/RS - Bino F-Ford nº 5 - 1.440cc - 3º lugar

21/10/1973 - 4ª Etapa do •Campeonato Gaúcho de Turismo Div.3 - Tarumã/RS - Chevrolet Opala nº 22 - 4.098cc - Acidente fatal na 2ª volta

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Conrado Gallo

Nascido em 1944, Celso Scarpini, antes de se tornar um dos mais importantes

jogadores de basquete do Brasil, começou a carreira esportiva como nadador, . Na água, manteve durante oito anos o recorde em uma das modalidades da natação. Mesmo cam-peão e fazendo sucesso nas piscinas do Grê-

mio Náutico União, em Porto Alegre, optou por utilizar a sua altura – 1,90m – para enter-rar bolas pelas quadras brasileiras, sul-ameri-canas e mundiais, chegando a participar de uma edição dos Jogos Olímpicos. Hoje em dia, sem conseguir se desligar do esporte foi autor de projetos como o “Bola na Cesta” e “Mérito Olímpico”.

Como morava a algumas quadras do

União, um dos clubes sociais mais tradicio-nal da capital gaúcha, praticamente vivia em ambientes esportivos. Com 13 anos, inspira-do pelo irmão mais velho jogador de basque-te, e por uma tabelinha que adaptou no pátio da sua casa, pegou gosto pela bola laranja e tornou-se aluno das escolinhas do clube. “A minha motivação era ver os ginásios lotados, eu queria participar daquilo, ali eu comecei a

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A história de um campeão nas cestas

Scarpini recebendo um troféu

fotos Divulgação/GNU

Personagens

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me interessar”, lembra.Aos 15 anos, quando estava na categoria

juvenil foi convocado para a Seleção Gaúcha que disputaria o Campeonato Brasileiro de Basquete, em Ponta Grossa (PR). Na compe-tição foi o atleta que mais pontos fez, popular-mente conhecido como “cestinha”. Segundo ele, o seu desempenho no Paraná chamou a atenção de olheiros da Confederação Brasi-leira de Basquete, que dois anos mais tarde o convocaram pela primeira vez a participar de uma seleção brasileira profissional. Ainda como juvenil, fez parte de um selecionado que jogaria quatro amistosos em Porto Rico. “Os meus pais tiveram que ir ao Rio de Janeiro, lo-cal da concentração, dar autorização para que eu pudesse viajar”, conta o atleta. Aquela sele-ção lançou, além dele, três jovens promessas do basquete: Ubiratan, Vitor e Menon, todos com 18 anos que foram mesclados com joga-dores já campeões mundiais com o Brasil, ca-sos de Amauri, Rosa Branca, Vlamir e Sucar.

Título internacionalOutras convocações tornaram-se rotina

e em 1963 em um torneio sul-americano, em Lima, no Peru, conquistou o primeiro título internacional com a verde-amarela. No mes-mo ano, em São Paulo, ele e a seleção foram vice-campeões do Pan-Americano perdendo na final para os Estados Unidos, por apenas dois pontos. Além de outros títulos com a seleção brasileira e outros nacionais pelas equipes que jogou no Brasil ao longo da carreira, o ápice da sua trajetó-ria foi a participação nos Jogos Olímpicos do México, em 1968, a primeira Olimpíada acontecida na América Latina. Na ocasião, o Brasil ficou sem medalha tirando um quarto lugar. “Eu nunca imaginei chegar a uma sele-ção e ao ponto que cheguei”, diz, humilde.

Celso Scarpini considera como seu prin-cipal treinador o Canela, tio do apresentador Jô Soares, mas não esquece o técnico que lhe ensinou os primeiros passos nas quadras. “Eu tive sorte de pegar um baita treinador no União que me enriqueceu de fundamentos. Se você os têm, aliado a um dom, você vai lá em cima”, ensina Scarpini que quando treinava com a seleção arremessava cerca 300 bolas no cesto, das quais, 245 faziam “chuá”. Para ele, os adversários que jogavam com as duas mãos eram os mais difíceis de enfrentar.

Na época de unionista o time que riva-lizava com o seu era o Internacional, que não tem mais equipe de basquete. Eram quase

sempre esses dois que chegavam às finais dos campeonatos estaduais do Rio Grande do Sul, mas, como conta orgulhoso, o clube do bairro Moinhos de Vento era soberano em quantidade de taças no armário. “Os ginásios viviam lotados em Porto Alegre, era um pe-ríodo em que o basquete gaúcho estava em um nível paralelo ao de São Paulo e Rio de Janeiro. Hoje em dia não tem comparação, a nova geração não conhece o basquete de an-tigamente”, afirma o veterano com nostalgia.

Incentivo ao esporteApesar de estar aposentado como atleta,

não consegue ficar longe do esporte que lhe deu muitas coisas na vida. Foi idealizador de dois

programas vincula-dos com o basquete, o “Bola na Cesta”, que atende crianças, jovens e adultos pelo Brasil inteiro e o “Mé-rito Olímpico”, que virou um projeto de

lei, a partir de uma resolução aprovada em 2007 pela Assembléia Legislativa do RS, onde todos atletas gaúchos participantes de Jogos Olímpi-cos devem ser agraciados com este título, desde o primeiro deles em 1920, um praticante de Tiro ao Alvo. “Nada mais significativo para um ex-atleta do que o reconhecimento. As épo-cas mudam, mas a base não muda. Não posso admitir que um esporte que já esteve em alta, agora não se saiba aonde vai. Se já aconteceu é porque tem potencial”, opina.

Para ele, a concretização de grandes eventos como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 a serem realiza-das no Brasil são ótimas oportunidades para incentivar crianças a praticar o esporte. “Mas é difícil, porque se formos às escolas ou em clubes, as quadras estão abandonadas, sem sustentação. Nos Estados Unidos cada re-sidência tem uma tabela”, lembra Scarpini e

continua. ”Quando a criança gosta põe um objetivo e um ideal na cabeça e se livra das más companhias. A melhor coisa para com-bater isso é o esporte.”

Outra instituição brasileira que ele considera com fraco incentivo à prática esportiva são as universidades: “Elas têm estrutura, mas não tem iniciativa. Quando um jovem chega aos 16 anos tem que esco-lher entre o vestibular e o esporte que gosta, se as universidades dessem apoio ele poderia conciliar as duas coisas.” Scarpini fala com conhecimento de causa, pois quando cursa-va uma graduação foi convocado para a sele-ção universitária e disputou o Campeonato do Mundo, em Turim, na Itália.

“Tive muitas dificuldades no início, mas com perseverança consegui vencer”, finaliza a conversa. Scarpini é natural de Porto Alegre e encerrou a carreira aos 35 anos de idade, jogando pelo Grêmio Foot-Ball Porto Ale-grense. Além de brilhar com a seleção bra-sileira, atuou pelos clubes: Grêmio Náutico União, Cruzeiro (POA), Corinthians (SP), Fluminense (RJ) e Grêmio (RS).

Delegação do Pan-Americano de 1963 (Scarpini é o 5º, a partir da Esq.)

Scarpini é hoje idealizador de programas em prol do esporte

Conrado Gallo

“Hoje em dia não tem comparação, a nova

geração não conhece o basquete de antigamente”

* Conrado Gallo é formado em Jornalismo pelo IPA

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Clube fundado em 2011, pela 1ª turma de Jornalismo Esportivo da UFRGS

01 Luiza Borges1 Roger Bell2 Andreza3 Matheus4 Laion5 Luiz Roberto6 Marcos7 Nathi8 Rafael9 Ronaldo10 Carlinhos11 Gilson12 Camila13 Paula14 Márcio15 Ricardo16 Salzano

17 Gustavo18 Daniela19 Diego20 Lucas21 Luiza Reis22 Eneida23 Jonas24 Laís25 Bruna26 Laura28 Carlos Dias29 M. Salton30 Zeca33 Conrado41 M. Noronha51 Bernardo

ESCALAÇÃO

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