revista brasileira de ciÊncias do esporte · rev bras ciênc esporte. 2015;37(2):111---118 revista...

8
Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 www.rbceonline.org.br Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’ a ‘A ginástica alemã’: observac ¸ões acerca dos primeiros manuais alemães de ginástica Evelise Amgarten Quitzau Programa de Pós-Graduac ¸ão em Educac ¸ão, Faculdade de Educac ¸ão, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil Recebido em 1 de agosto de 2014; aceito em 28 de novembro de 2014 Disponível na Internet em 5 de março de 2015 PALAVRAS-CHAVE História da ginástica; Turnen; Guts Muths; Jahn Resumo A passagem do século XVIII para o XIX se apresenta como um momento importante na constituic ¸ão do que hoje conhecemos como educac ¸ão física, pois é nesse período que as primeiras sistematizac ¸ões dos exercícios físicos comec ¸am a ser formuladas e publicadas em diferentes manuais de ginástica. Na Alemanha, dois manuais tiveram grande destaque nesse momento de consolidac ¸ão dos sistemas de exercícios físicos: Ginástica para a juventude, publi- cado em 1793 por J.C.F. Guts Muths, e A ginástica alemã, publicado em 1816 por F.L. Jahn. Este artigo tem como objetivo estabelecer uma aproximac ¸ão entre esses dois manuais e apresen- tar os argumentos usados pelos autores para justificar a importância da ginástica, bem como similaridades existentes entre as duas propostas. © 2015 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados. KEYWORDS History of gymnastics; Turnen; Guts Muths; Jahn From Gymnastics to the Youth to The German Gymnastics: remarks on the first German handbooks of gymnastics Abstract The turn of the 18 th century represents an important moment in the constitution of what we now know as physical education. This is the period in which the first systematizations of physical exercises start to be conceived and published in different handbooks of gymnastics. In Germany we can find two handbooks which were very important in this moment of consolidation of systems of physical exercises: Gymnastics for Youth, published in 1793 by J.C.F. Guts Muths, and The German Gymnastics, published by F.L. Jahn in 1816. This paper aims at analyzing these handbooks, presenting the arguments used by their authors to justify the importance of gymnastics, as well as the similarities between their propositions. © 2015 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Published by Elsevier Editora Ltda. All rights reserved. E-mail: [email protected] http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2015.02.005 0101-3289/© 2015 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.

Upload: others

Post on 21-Jul-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118

www.rbceonline.org.br

Revista Brasileira de

CIÊNCIAS DO ESPORTE

ARTIGO ORIGINAL

Da ‘Ginástica para a juventude’ a ‘A ginástica alemã’:observacões acerca dos primeiros manuais alemães deginástica

Evelise Amgarten Quitzau

Programa de Pós-Graduacão em Educacão, Faculdade de Educacão, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil

Recebido em 1 de agosto de 2014; aceito em 28 de novembro de 2014Disponível na Internet em 5 de março de 2015

PALAVRAS-CHAVEHistória da ginástica;Turnen;Guts Muths;Jahn

Resumo A passagem do século XVIII para o XIX se apresenta como um momento importantena constituicão do que hoje conhecemos como educacão física, pois é nesse período que asprimeiras sistematizacões dos exercícios físicos comecam a ser formuladas e publicadas emdiferentes manuais de ginástica. Na Alemanha, dois manuais tiveram grande destaque nessemomento de consolidacão dos sistemas de exercícios físicos: Ginástica para a juventude, publi-cado em 1793 por J.C.F. Guts Muths, e A ginástica alemã, publicado em 1816 por F.L. Jahn. Esteartigo tem como objetivo estabelecer uma aproximacão entre esses dois manuais e apresen-tar os argumentos usados pelos autores para justificar a importância da ginástica, bem comosimilaridades existentes entre as duas propostas.© 2015 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos osdireitos reservados.

KEYWORDSHistory of gymnastics;Turnen;Guts Muths;Jahn

From Gymnastics to the Youth to The German Gymnastics: remarks on the first Germanhandbooks of gymnastics

Abstract The turn of the 18th century represents an important moment in the constitution ofwhat we now know as physical education. This is the period in which the first systematizations ofphysical exercises start to be conceived and published in different handbooks of gymnastics. InGermany we can find two handbooks which were very important in this moment of consolidationof systems of physical exercises: Gymnastics for Youth, published in 1793 by J.C.F. Guts Muths,and The German Gymnastics, published by F.L. Jahn in 1816. This paper aims at analyzing

g the arguments used by their authors to justify the importance ofimilarities between their propositions.e Ciências do Esporte. Published by Elsevier Editora Ltda. All rights

these handbooks, presentingymnastics, as well as the s© 2015 Colégio Brasileiro d

reserved.

E-mail: [email protected]

http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2015.02.0050101-3289/© 2015 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados.

Page 2: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

112 E.A. Quitzau

PALABRAS CLAVEHistoria de lagimnasia;Turnen;Guts Muths;Jahn

De la Gimnasia para la juventud a La gimnasia alemana: observaciones acerca de losprimeros manuales alemanes de gimnasia

Resumen: El paso del siglo xviii al xix representa un importante momento en la constitución delo que conocemos hoy por educación física, pues en este período las primeras sistematizacionesde los ejercicios físicos empiezan a ser elaboradas y publicadas en manuales de gimnasia. EnAlemania hay dos manuales que tuvieron una gran importancia en este momento de consoli-dación de los sistemas de ejercicios físicos: Gimnasia para la juventud, publicado en 1793 porJ.C.F. Guts Muths, y La gimnasia alemana, publicado en 1816 por F.L. Jahn. El objetivo de esteartículo es establecer una aproximación entre los dos manuales presentando los argumentos uti-lizados por los autores para justificar la importancia de la gimnasia y las similitudes existentesentre estas dos propuestas.© 2015 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte. Publicado por Elsevier Editora Ltda. Todos losderechos reservados.

I

Ammcqscsppgp

ennctepeEasdcnee

qlnSanremaa

ddepdnpiCFirmapa

detis

‘e

EvPetdelae a sociedade em que estava inserido, assim como umaintensa argumentacão sobre a necessidade dos exercíciosfísicos como meio para recuperar uma sociedade que

ntroducão

passagem do século XVIII para o XIX se apresenta como umomento importante na constituicão do que hoje conhece-os como educacão física. É nesse intervalo que podemos

omecar a observar, na Europa, a elaboracão de manuaisue têm como temática central os exercícios físicos e suaistematizacão, tendo em vista sua insercão como elementoonstituinte da educacão burguesa. Embora Locke e Rous-eau já tivessem apontado em seus escritos sobre educacãoara a importância do exercício do corpo para a formacãolena do ser humano, é apenas no fim do século XVIII que sur-em as primeiras tentativas de se pensar e organizar essasráticas sob a designacão ‘‘ginástica’’.

Fenômeno urbano, a ginástica, a ‘‘redescoberta’’ dosxercícios físicos nesse período, está intimamente relacio-ada ao advento de uma sociedade que se afasta do mundoatural, se industrializa, se aglomera em centros onde airculacão das pessoas, dos humores, dos ‘‘miasmas’’ encon-ra os mais diferentes obstáculos: casas mal arejadas, ruasstreitas, roupas excessivas e apertadas. Ela se desenvolve,ortanto, como resposta a uma sociedade vista por médicos

pedagogos como decadente, fraca, degenerada, imóvel.m um momento em que a populacão e, principalmente,

saúde da populacão passam a ser vistas como um requi-ito básico para o bom governo e para o desenvolvimentoe um Estado forte. Os exercícios físicos regrados apare-em, portanto, como uma resposta aos males derivados dosovos modos de vida em ascensão na sociedade europeia

como reflexo de novas políticas que passarão a entendersse corpo também como um espaco de sua atuacão.

Nesse impulso de sistematizacão dos exercícios físicosue se inicia ainda no fim do século XVIII e estende-se aoongo de todo o século XIX, três países se destacam: Alema-ha, Franca e Suécia (Langlade e Langlade, 1970). Segundooares (1994, 1998, 2000, 2009), essas escolas apresentamlgumas características em comum, tais como: a crenca naecessidade de regeneracão da populacão; a ideia de umaelacão direta entre corpo e mente, bem como do uso doxercício físico como instrumento também para a educacão

oral; a preparacão para a defesa da pátria. Entretanto,

o mesmo tempo apresentam particularidades inerenteso contexto do país em que estavam inseridas e mesmo

k

entro de cada país apresentam peculiaridades derivadasas finalidades propostas por seus autores e do própriombasamento usado por eles para justificar a insercão dessarática no cotidiano da populacão. Esse jogo de similari-ades e contrastes fica claro, por exemplo, ao lancarmososso olhar sobre os dois primeiros manuais de ginásticaublicados na Alemanha entre o fim do século XVIII e onício do século XIX: Ginástica para a juventude, de Johannhristoph Friedrich Guts Muths, e A ginástica alemã,1 deriedrich Ludwig Jahn. Se por um lado Jahn é claramentenfluenciado por Guts Muths no que diz respeito ao repertó-io de exercícios proposto, por outro a estruturacão de seusanuais e, principalmente, a argumentacão usada pelos

utores para justificar a relevância dos exercícios físicosara a formacão dos indivíduos e, consequentemente, para

sociedade alemã revelam diferencas entre seus objetivos.O presente artigo busca estabelecer uma aproximacão

os manuais Ginástica para a juventude, de Guts Muths, A ginástica alemã, de Jahn, e apresentar as diferen-es fundamentacões usadas pelos autores para justificar amportância da ginástica, bem como as semelhancas entreuas sistematizacões.

Ginástica para a juventude’: os exercícios físicosntre a medicina e a pedagogia

m 1785, três anos após terminar seus estudos na Uni-ersidade de Halle, Guts Muths inicia seus trabalhos nohilantropinum de Schnepfenthal, onde se engajaria nonsino de francês e geografia e, posteriormente, passariaambém a ser responsável pelos exercícios físicos diáriosos alunos, cargo que ocuparia até o fim de sua carreira,m 1839. Em 1793 publica Ginástica para a juventude,ivro que, dividido em duas partes, traz inicialmente umanálise sobre o sistema educacional vigente na Alemanha

1 Nos originais, Gymnastik für die Jugend e Die Deutsche Turn-unst, respectivamente.

Page 3: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

113

Tabela 1 Elementos constituintes da ginástica de GutsMuths

Exercícios ginásticos Trabalhosmanuais

Jogosa

Saltar Carpintaria Demovimento

Correr Torneiro Sentados oude descanso

Arremessar JardinagemLutar EncadernacãoEscalarEquilibrarLevantar e carregar;

exercícios para ascostas; pular corda earco

Banhar-se; nadarExercícios de

enrijecimentoLeitura e declamacãoExercício dos sentidos

Fonte: Guts Muths (1928) e Guts Muths (1959).a A divisão dos jogos aqui exposta representa as duas classes

aopvmacetitpm(

amvvesrddv

Da ‘Ginástica para a juventude’ a ‘A ginástica alemã’

se encontrava entorpecida pela imobilidade. É apenasna segunda parte que ele se dedica à descricão de suaginástica, dividida em três elementos: exercícios ginásticospropriamente ditos, trabalhos manuais e jogos, que seriamdescritos em Jogos para o exercício e a recuperacão docorpo e do espírito,2 publicado três anos depois.

Em seu prefácio, Guts Muths reconhece a importânciada fisiologia como base para a elaboracão do que chamade ‘‘verdadeira teoria da ginástica’’. Todavia, afirma nãopretender alcancar tamanha ‘‘perfeicão’’, pois teria elabo-rado essa obra apenas com base em sua experiência prática.Esse posicionamento é expresso em sua citacão mais conhe-cida, na qual afirma estar ciente ‘‘de que uma verdadeirateoria da ginástica deveria ser elaborada baseada em princí-pios fisiológicos e a prática de cada exercício regulada pelasqualidades físicas de cada indivíduo, mas tal perfeicão não éesperada desse trabalho, feito somente pela genuína expe-riência de oito anos de prática, que me convenceram de quea ginástica é necessária à educacão’’ (Guts Muths, 1928, p.XII-XIII).3

Ao longo do manual fica claro, contudo, que baseia suasproposicões principalmente sobre dois pilares: a políciamédica,4 representada pelas obras de Johann Peter Franke Samuel Auguste André Tissot, proeminentes médicos doséculo XVIII; e a pedagogia, representada principalmentepelas elaboracões desenvolvidas por Rousseau em Emílio,ou da educacão. É com base nesses dois campos de conheci-mento que desenvolve sua crítica à sociedade e à educacãoalemãs, defende a relacão direta entre corpo e mente, bemcomo a necessidade de um retorno à natureza, e apresentaos benefícios trazidos pela prática dos exercícios físicos pro-postos em sua sistematizacão.

O contraste entre os malefícios da ordem urbana e osbenefícios dos exercícios ao ar livre constituem-se em umfio condutor desse manual: se seus contemporâneos afir-mavam que a sociedade alemã encontrava-se em declíniopor conta de um enfraquecimento da natureza, o peda-gogo dirá o contrário. Assim como Rousseau (2009, p. 7),afirma que ‘‘tudo está bem quando sai das mãos do autordas coisas, tudo degenera entre as mãos dos homens’’. GutsMuths (1928, p. 29-30) defende a tese de que a natureza‘‘forma todas as criaturas com o mesmo poder e segundoo mesmo padrão, tanto nos dias atuais quanto nos passa-dos’’. Nesse sentido, relaciona os antigos povos germânicoscomo exemplo e afirma que eles não eram mais fortes poruma ‘‘vontade da natureza’’, mas por seus hábitos de vida:movimento abundante ao ar livre, envolvimento com tarefascomo a caca, alimentacão simples, banhos regulares, enfim,contato constante com os elementos da natureza. Ao identi-ficar que as causas da degenerescência da populacão alemãse localizam nos excessos, nas comodidades e na imobili-dade proporcionadas pela emergente ordem urbana, GutsMuths reflete uma tendência comum aos escritos médicos e

pedagógicos do século XVIII, em que os conselhos de higienepassam a apresentar um ideal de contencão que se contra-punha a outras disciplinas do corpo então vigentes. Quando

2 No original: Spiele zur Übung und Erholung des Körpers undGeistes.

3 As traducões aqui apresentadas são de minha autoria.4 Sobre esse tema ver: Rosen (1957, 1980), Foucault (1986; 2008).

dnetiàeso

de exercícios apresentadas por Guts Muths em seu manual dejogos. Dentro das duas classes há ainda outras subdivisões.

firmavam a coincidência entre os preceitos da medicina es da moral, médicos e pedagogos se apoiavam em princí-ios de uma moral ilustrada, ‘‘natural’’ e ‘‘racional’’, quealorizava a utilidade, a sensibilidade e a moderacão. Aoesmo tempo, o higienismo educativo e médico se opunha

outras formas de regulacão do corpo originadas no meioortesão, que cifravam a distincão em uma atitude corporalmpertigada e solene para a qual a literatura de civilidaderatou de educar gestos e movimentos (Vigarello, 1978). Essedeal de imponente estatismo, propiciado entre as elites cor-esãs pelo uso de vestimentas, foi severamente condenadoelos ilustrados em favor de uma educacão corporal e de for-as de vestir que facilitavam a circulacão e o movimento.

Bolufer Peruga, 2000, p. 40-41)Na luta contra esse ‘‘estatismo’’, os exercícios físicos são

presentados como instrumento para a recuperacão física eoral da populacão. Sua prática regrada e ao ar livre seria

aliosa para o fortalecimento corporal e para o desenvol-imento de diferentes características morais consideradasssenciais aos indivíduos dessa nova sociedade em ascen-ão, tais como coragem, presenca de espírito, desenvoltura,esistência. Assim, num período em que ‘‘o corpo é enten-ido como conjunto de forcas capaz de pôr em movimentoeterminacões precisas, conter e reprimir desejos, preser-ar energia’’ (Soares, 2000, p. 46), Guts Muths (1928, p. 209)etermina que a ginástica --- cuja definicão seria ‘‘o trabalhoa forma de alegria juvenil’’ --- deveria agir sobre músculos

nervos, movimentar ora o corpo inteiro, ora algumas par-es, sempre lhe impor sobrecarga adequada, habituá-lo antensidades diferentes de dor, exigir persistência e expô-lo

acão dos elementos da natureza para, assim, enrijecê-lo protegê-lo. Para isso, elege um conjunto de práticas queão agrupadas nos três grandes grupos mencionados anteri-rmente (tabela 1).

Page 4: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

1

piudq‘qtpeau

cqspmadsdaeceeocO

ccldnteaiem

ap‘q

‘us

mdgp

c

cp

pbppapsgtqfvsetenqdsdc-lM

pcdema

dortsdea

14

Embora Guts Muths se apoie em teorias médico-higiênicasara pensar o lugar dos exercícios físicos na educacão dondivíduo, ao formular a organizacão de seu método opta porma classificacão ‘‘genérica’’, ou seja, pelo agrupamentoos exercícios conforme o ‘‘movimento’’, e não conformeuestões anatomofisiológicas.5 Assim, enumera entre os‘exercícios ginásticos propriamente ditos’’ 11 categoriasue são sistematizadas e descritas a partir de uma estru-ura muito similar, que busca mostrar sua prática entreovos antigos6 (quando existente), seus benefícios (físicos

morais), suas diferentes formas de execucão, os cuidados serem tomados e, quando necessário, os aparelhos a seremsados.

Os grupos de exercícios pensados por Guts Muths sãoonstituídos, em geral, por práticas corporais comunsue, da mesma forma como aconteceria em outrasistematizacões de exercícios físicos, são apropriadas peloedagogo e passam a ser organizadas a partir de uma óticaais utilitária, de uma lógica pedagógica que busca não

penas o fortalecimento corporal, mas o desenvolvimentoe comportamentos considerados adequados para a vida emociedade; uma lógica que comeca a caminhar no sentidoe uma ‘‘pedagogia dos corpos retos’’ que se desenvolveriao longo de todo o século XIX e ‘‘se viabilizaria por meio dexercícios físicos rigorosamente organizados em prol da efi-iência para o trabalho, e não para o espetáculo, como aténtão faziam artistas das mais variadas estirpes’’ (Soares

Fraga, 2003, p. 81). Exemplo disso é o ‘‘funambulismo’’, ato de equilibrar-se sobre uma corda, prática que seriaombatida em outras sistematizacões, como a de Franciscondeano y Amoros, na Franca.7

Em Ginástica para a juventude não há um posicionamentoontra o funambulismo em si. Ao contrário, ele é apontadoomo uma prática valiosa para o desenvolvimento do equi-íbrio. O problema reside em sua prática como uma formae exibicão, que coloca o corpo em situacão de risco des-ecessária. Segundo Guts Muths (1928, p. 318), ao mesmoempo em que ela aguca nossa admiracão, olhamos parala com desprezo enquanto julgamos a moralidade dessarte conforme o caráter moral do praticante. Isso é umanjustica. Uma arte que coloca a agilidade do corpo humanom tamanha evidência a ponto de arrebatar nossa admiracãoerece melhor apreciacão.Mais adiante, o autor volta a defender essa prática e

firma que o andar na corda como normalmente é feitoelos artistas demanda muito tempo e é muito perigoso;

‘se pudermos retirar esses dois obstáculos, não vejo porue impedir os jovens de uma prática tão útil e que eles

5 Importante observar que embora opte por essa organizacão‘genérica’’, no fim de seu manual Guts Muths apresenta tambémm resumo dos exercícios ginásticos organizados a partir de sua acãoobre as partes do corpo (Guts Muths, 1928, p. 496-501).6 Ao mesmo tempo em que os modos de vida dos antigos povos ger-ânicos serviram como exemplo para Guts Muths na primeira partee seu manual, nesse segundo momento, ao tratar propriamente dainástica e de seus exercícios, elege como modelo e inspiracão asráticas corporais da antiguidade greco-romana.7 Sobre as prescricões de Amoros e as sistematizacões dos exercí-ios físicos na Franca, ver Soares (1994; 1998).

n

Egcf

cH

n‘sf

E.A. Quitzau

opiam com tanto gosto, pois os diverte’’ (Guts Muths, 1928,. 328).

Andar sobre a corda, portanto, poderia ser um exercícioroveitoso para o desenvolvimento do equilíbrio e contri-uir para a melhoria do porte corporal, da desenvoltura, daresenca de espírito e mesmo do ‘‘golpe de vista’’. Contudo,ara que fosse possível obter todos os benefícios inerentes

essa prática, haveria um longo caminho e uma série derescricões que teriam por finalidade principal garantir aeguranca de quem faz o exercício. Há uma sequência peda-ógica que se inicia com o exercício do equilíbrio sobre umarave, cuja largura é muito maior do que a da corda, naual a crianca ou o jovem comeca caminhando sempre pararente e segurando-se no professor. Aos poucos o professorai soltando o aluno e, conforme ele adquire o domínio deeu corpo, novos desafios são propostos: andar de costas,quilibrar-se no ponto mais estreito da trave, fazer saltos,entar passar por algum colega. Somente após ter dominadosses desafios mais básicos ele estará apto para exercitar-sea corda. Entretanto, haveria ainda uma série de aspectosue deveriam ser observados de forma a garantir a segurancao aluno: a corda deve ser substituída por fita com larguraimilar à de uma mão e deve ser presa a apenas dois pése altura, ou seja, pouco mais de 60 cm, em um local cujohão seja areia macia. Assim, ‘‘pela altura reduzida evita-se completamente o perigo de uma queda perigosa e pelaargura da corda reduz-se o tempo de aprendizado’’ (Gutsuths, 1928, p. 328).

Andar sobre a corda é apenas um dos exercícios propostosor Guts Muths em sua secão sobre o equilíbrio, que dis-orre não apenas sobre controle do próprio corpo por meioe exercícios como sustentar-se apenas em uma perna, ir

voltar na trave de equilíbrio, andar com pernas de pau,as também sobre o ato de equilibrar outros objetos, o que

uxiliaria especialmente no desenvolvimento da atencão.O trabalho do equilíbrio é apenas uma das propostas

esenvolvidas diariamente com os alunos de Schnepfenthal erganizadas em Ginástica para a juventude, que teve grandeepercussão no período, o que pode ser atestado pela quan-idade de traducões de seu manual que apareceram nos anoseguintes à sua publicacão.8 Entretanto, aos poucos ele per-erá espaco nos territórios germânicos para outro manual dexercícios físicos, publicado em 1816 sob o título A ginásticalemã (fig. 1).

A ginástica alemã’: os exercícios físicos e oacionalismo alemão

scrito por Jahn, com a colaboracão de Ernst Eiselen,9 A

inástica alemã também defende a tese de que os exer-ícios físicos devem ‘‘restabelecer a simetria perdida daormacão humana, inscrever a verdadeira corporalidade na

8 No século XIX Ginástica para a juventude foi traduzido e publi-ado na Dinamarca, Inglaterra, nos Estados Unidos, na Franca,olanda, Suécia, Itália e Grécia (Ulfkotte, 2010).9 Assistente de Jahn e coautor de A ginástica alemã. Deu conti-uidade aos trabalhos em Berlim durante o período das chamadas‘guerras de libertacão’’, quando Jahn e parte de seus ginastase filiaram aos exércitos voluntários para lutar pela expulsão dosranceses que ocupavam os territórios germânicos.

Page 5: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

Da ‘Ginástica para a juventude’ a ‘A ginástica alemã’ 115

Figura 1 Aparelhos de ginástica apresentados em Ginástica para a juventude. A figura designada como oito corresponde ao

js

ptEcoermpl

1do movimento nacionalista, marcada por um significativo‘‘impulso seletivo e purificador’’ e que busca manter a cul-tura e língua alemãs livres de influências estrangeiras.10

aparelho proposto para o exercício do equilíbrio.

mera espiritualizacão unilateral’’ (Jahn e Eiselen, 1816, p.209). Entretanto, a medicina e a pedagogia, que ocuparamlugar central no manual de Guts Muths, são aqui substituídaspor um discurso fundamentalmente político (fig. 2).

Jahn estudou teologia, história da Prússia e língua e lite-ratura alemãs na Universidade de Halle, mas não finalizouseus estudos. Após anos de andancas pelos territórios germâ-nicos, retornou a Berlim em 1809, onde passou a trabalharcomo professor no Gymnasium zum Grauen Kloster, mesmaescola que frequentara anos antes. Em 1811, fundou comseus alunos uma praca de ginástica na Hasenheide (camponos arredores de Berlim), onde praticavam exercícios físi-cos e jogos. Fortemente ligado ao movimento nacionalistaalemão, do qual também faziam parte intelectuais comoJohann Gottlieb Fichte e Ernst Moritz Arndt, Jahn identi-ficava dois grandes problemas para o desenvolvimento daAlemanha: sua fragmentacão territorial e o fato de grandeparcela desses territórios encontrar-se sob domínio de tro-pas napoleônicas. Assim, Jahn via os exercícios físicos como

um meio para se edificar uma populacão forte, unida e, prin-cipalmente, capaz de libertar a nacão alemã do domíniofrancês e lutar por sua unificacão política. Nesse sentido,Pereira (1962) afirma que a primeira finalidade do método

‘i

ahniano era uma melhor ‘‘adaptacão social’’ do indivíduo eeu fortalecimento em benefício da ‘‘coletividade social’’.

As diferencas entre os autores podem ser observadas narimeira parte de A ginástica alemã, manual escrito a par-ir das experiências de Jahn em sua praca na Hasenheide.nquanto Ginástica para a juventude se iniciava com umarítica aos modos de vida e ao sistema educacional alemães,

manual jahniano, publicado em 1816, se inicia com umaxaltacão da cultura germânica. Em sua introducão, os auto-es não discorrem sobre temas como a saúde, a natureza ouesmo o exercício corporal: a grande questão trabalhadaor Jahn e Eiselen no início desse manual diz respeito àíngua alemã.

Jahn segue uma ‘‘tradicão cultural alemã’’ (Campos,998) muito forte, especialmente entre os representantes

10 O fato de no início do século XIX a Alemanha ser ainda um‘conceito puramente cultural’’ (Hobsbawm, 2008, p.72) teriampulsionado a vinculacão entre língua e nacão. É nesse cenário,

Page 6: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

116 E.A. Quitzau

inást

NedgEpsà

vSsctsmn

ppo‘(

doa

ccdcqrpeeE

Figura 2 Aparelhos e plano de praca g

esse sentido, intitula-se como um ‘‘intérprete do eternospírito da língua alemã’’ e defende a tese de que é ‘‘umireito incontroverso denominar um assunto alemão em lín-ua alemã, uma obra alemã com palavras alemãs’’ (Jahn eiselen, 1967, p. XX). Assim, substitui o termo Gymnastikor Turnen, que, por sua vez, daria origem aos mais diver-os termos usados para se referir aos assuntos relacionados

ginástica.Jahn relaciona 17 grupos de exercícios, além de descre-

er cinco jogos que considera adequados para a ginástica.ua ênfase ao apresentar os exercícios, todavia, não recaiobre esclarecimentos dos benefícios que trariam para oorpo ou sobre um ordenamento pedagógico de suas prá-icas. Com raras excecões, como em algumas observacões

obre o nadar, andar e correr, ou uma lista dos ‘‘melhores eais fáceis’’ exercícios para o aprendizado e a execucão

a barra fixa, seu manual consiste majoritariamente da

or exemplo, que Fichte, antes entusiasta da Revolucão Francesa,assa a defender a originalidade do povo e da língua alemã, o que

levaria a ser posteriormente reconhecido como personificacão do‘patriotismo em sua forma mais pura e intelectualmente potente’’Sheehan, 1989, p. 377).

affilvodldp

ica apresentados em A ginástica alemã.

escricão dos exercícios propostos, que são praticamentes mesmos relacionados por Guts Muths em Ginástica para

juventude (tabela 2).Se compararmos a secão que Jahn destina aos exer-

ícios de equilíbrio, por exemplo, veremos que a únicaonsideracão que faz sobre essa categoria se limita aescrevê-la como ‘‘manutencão do equilíbrio: em repousoomo em movimento’’ (Jahn e Eiselen, 1967, p. 72). Não háualquer preocupacão em descrever que proveitos eles tra-iam para o ginasta ou qual sequência seria mais adequadaara seu aprendizado. Além disso, limita-se aos exercíciosm solo (como o apoio sobre uma perna) e na trave dequilíbrio, sem fazer referências aos exercícios na corda.ssa selecão é também observada por Groll (1959, p. 78)o afirmar que, no que diz respeito aos conteúdos, Jahn éortemente influenciado por Guts Muths e pelo círculo doslantropos. Mas Jahn adotou apenas aqueles conteúdos que

he pareciam valiosos para a feitura das tarefas educati-as nacionais defensivas. Dessa forma limitou, por exemplo,s exercícios de equilíbrio e deixou de fora os exercícios

os sentidos, a leitura, a declamacão e a danca. Por outroado, Jahn e Eiselen expandiram o repertório de exercíciosos filantropos por meio dos exercícios na barra fixa e nasaralelas.
Page 7: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

Da ‘Ginástica para a juventude’ a ‘A ginástica alemã’ 117

Tabela 2 Os elementos constituintes do Turnen de Jahn

Exercícios ginásticos Jogos Outros exercíciosa

Andar Homem de preto EsgrimaCorrer Corrida das barras NadoSaltar Cavaleiro e burguês EquitacãoExercícios no cavalo Corrida de assalto DancaExercícios de equilíbrio Jogo de bola alemão Exercícios de guerraExercícios na barra fixa Ficar de cabeca para baixo; saltos mortaisExercícios nas barras paralelas PatinacãoEscalarArremessarPuxarEmpurrarLevantarTransportarEsticarLutarSaltar arcoSaltar corda

Fonte: A ginástica alemã (1967).a Jahn dedica apenas alguns parágrafos a esses exercícios ainda na introducão de seu livro e os aponta como práticas importantes,

mas que não pertencem à praca ginástica. Seus breves comentários se limitam a observar, por exemplo, pré-requisitos necessários(como o domínio dos exercícios sobre o cavalo de madeira antes de se iniciar a equitacão). No caso da danca, reconhece seu valor nodesenvolvimento de uma boa postura, mas afirma que outros exercícios ginásticos seriam mais eficientes para tal finalidade e condenaas chamadas ‘‘dancas de palco’’ e ‘‘dancas de corte’’.

ldqarnn(dcemal

C

Gsfvíduo. Ambos apresentam como característica comum aapropriacão de práticas corporais já conhecidas, repensam--nas com finalidades e objetivos específicos. Todavia, se

11 O Turnen de Jahn teve grande recepcão entre os membros dasconfrarias estudantis (Burschenschaften). Elias (1997, p. 90) afirmaque esses estudantes, que o conheceram durante as guerras de

Há grande correspondência entre os exercícios e apa-relhos propostos por Guts Muths e aqueles apresentadospor Jahn. Em alguns momentos, a própria descricão de suaexecucão é muito similar, quando não igual. Contudo, ‘‘todaa instrumentalizacão de Jahn é feita conforme objetivospolíticos, não pedagógicos’’ (Pilz, 2007, p. 74) e, por isso,sua atencão se volta mais para questões relacionadas aodesenvolvimento de uma ‘‘comunidade ginástica’’. Assim,dedica-se ao estabelecimento de um conjunto de regras deconduta que deveriam ser seguidas pelos ginastas e seriamresumidas nos chamados ‘‘4F’’. Essa sigla deriva do lemaFrisch, frey, fröhlich, fromm --- Ist des Turners Reichtum(Jahn e Eiselen, 1967, p. 233), ou seja: ‘‘A riqueza do ginastaé ser vivo, livre, alegre e devoto’’. Os Turner --- como são cha-mados os praticantes do Turnen --- deveriam, por meio dosexercícios físicos e jogos, adquirir forca, agilidade e cora-gem, bem como aprender a agir por seu povo e sua pátria. Apraca ginástica e as sessões de exercícios tornar-se-iam umespaco onde os jovens alemães deveriam ser educados embusca de um espírito de camaradagem e igualdade. Assim, ocódigo de conduta desenvolvido em A ginástica alemã deter-minará os procedimentos a serem tomados ao se chegar àpraca ginástica (seguir apenas os caminhos indicados, dirigir--se inicialmente à área de encontro, alimentar-se apenasnos momentos estipulados), os sentimentos a serem cul-tivados pelo ginasta durante os exercícios, a roupa a serusada para a prática do Turnen: com o intuito de romperquaisquer diferencas entre os ginastas, Jahn estabelece que

todos devem usar o mesmo traje cinza, feito com um tecidomaleável, resistente e acessível a todos.

Fatores como o engajamento de Jahn na disseminacão desua ginástica e sua exibicão em festas, bem como uma forte

leld

igacão com o movimento estudantil,11 contribuíram para aispersão do Turnen para além dos arredores de Berlim, oue lhe permitiu conquistar uma quantidade considerável dedeptos que organizaram comunidades ginásticas em dife-entes territórios germânicos e se transformaram, assim,o ‘‘primeiro movimento organizado a defender tendênciasacionalistas em público e na sociedade como um todo’’Pilz, 2007, p. 53). A organizacão do Turnen em socieda-es voltadas exclusivamente para essa prática e o diálogoom outras organizacões civis alemãs, como as confrariasstudantis e as sociedades de cantores, fizeram com que oovimento ginástico se destacasse dentro de um movimento

ssociativo mais amplo que se desenvolveria na Alemanha aoongo de todo o século XIX.

onsideracões finais

inástica para a juventude e A ginástica alemã são expres-ões de um movimento que passa a pensar os exercíciosísicos como elementos essenciais na formacão do indi-

ibertacão, entusiasmaram-se por sua ginástica, pois nela ‘‘nãoram forcados a praticar formas rígidas e inflexíveis e era dada àiberdade individual amplas oportunidades dentro de uma estruturae igualdade para todos’’.

Page 8: Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE · Rev Bras Ciênc Esporte. 2015;37(2):111---118 Revista Brasileira de CIÊNCIAS DO ESPORTE ARTIGO ORIGINAL Da ‘Ginástica para a juventude’

1

oncvpvo

pEmpptttcl

pdxaeebo‘naGaau

F

BE

C

A

R

B

de(ba

d

C

E

F

F

G

G

G

H

J

L

P

P

R

R

S

S

S

S

S

Uwechselseitig Wahrnehmung von Johann Christoph GutsMuths

18

lharmos para as descricões dos exercícios e para determi-ados aparelhos em ambos os manuais, fica claro que háonsiderável influência do primeiro sobre o segundo, deri-ada não apenas do contato de Jahn com a obra Ginásticaara a juventude,12 mas também, provavelmente, de suaisita a Schnepfenthal, em 1807, que lhe teria possibilitadobservar Guts Muths a executar suas propostas na prática.13

As diferencas, portanto, não residem nos exercíciosropostos, mas na fundamentacão usada pelos autores.nquanto Guts Muths transitava entre conhecimentos daedicina e da pedagogia para pensar sua ginástica e com-or sua metodologia de trabalho, na qual fica clara areocupacão com questões como a seguranca dos pratican-es e a busca por mostrar os benefícios dos exercícios, Jahnraz à tona aspectos marcadamente políticos e vê no for-alecimento corporal o caminho para a formacão de umaomunidade capaz de defender os territórios germânicos eutar por sua unificacão.

Assim, se Ginástica para a juventude tem como princi-al contribuicão o estabelecimento de uma sistematizacãoos exercícios físicos a partir de uma perspectiva mais pró-ima da ciência e contou com considerável repercussãolém das fronteiras germânicas, os preceitos apresentadosm A ginástica alemã se concentram mais na descricão

observacão das condutas dos ginastas e serviram comoase para o desenvolvimento de um movimento que, desde

início ainda na Hasenheide, passou a se organizar em‘sociedades ginásticas’’, que tiveram forte envolvimentoo cenário político alemão ao longo do século XIX. Jahn,ssim, se apropria do conjunto de práticas proposto poruts Muths e o amplia, mas o pensa não em termos deprendizado individual, e sim como um instrumento para

construcão de uma coletividade que fosse apta a lutar porm objetivo político-patriótico comum.

inanciamento

olsa de doutorado da Fundacão de Amparo à Pesquisa dostado de São Paulo (Fapesp), processo n◦ 2011/22240-8.

onflitos de interesse

autora declara não haver conflitos de interesse.

eferências

olufer Peruga M. Ciencia de la salud y ciencia de las costum-bres: higienismo y educación em el siglo XVIII. Areas: Rev

12 Uma das secões do livro de Jahn é dedicada ao levantamentoe obras relacionadas ao Turnen. Nessa listagem aparecem, porxemplo, as três obras que Guts Muths escrevera até o momentoo manual de ginástica, o manual de jogos e um livro sobre nado),em como obras de médicos como Galeno, Frank e Tissot, as quaisparecem agrupadas sob o título ‘‘uso e necessidade da ginástica’’.

13 A visita de Jahn a Schnepfenthal é o único registro que se teme um encontro entre os dois autores (Ulfkotte, 2010).

E.A. Quitzau

Cienc Soc 2000(20):25---50, Disponível em: http://roderic.uv.es/handle/10550/26193. Acesso em 9 abr. 2013.

ampos CM. A política da língua na era Vargas: proibicão do falaralemão e resistências no sul do Brasil. Campinas: Unicamp; 1998,Tese de doutorado em história. Disponível em: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=000135324. Acesso em 13 set.2009.

lias N. Os alemães: a luta pelo poder e a evolucão do habitus nosséculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1997.

oucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edicões Graal;1986.

oucault M. Seguranca, território e populacão. São Paulo: MartinsFontes; 2008.

roll H. Die Systematiker der Leibesübungen: vergleichende Sys-temkunde der pädagogischen Leibesübungen. Viena; Munique:Österreichischer Bundesverlag; 1959.

uts Muths JCF. Gymnastik für die Jugend. Dresden: Wilhelm--Limpert; 1928.

uts Muths JCF. Spiele zur Übung und Erholung des Körpers undGeistes. Berlin: Sportverlag; 1959.

obsbawm E. Nacões e nacionalismo desde 1780: programa, mito erealidade. São Paulo: Editora Paz e Terra; 2008.

ahn F, Eiselen E. Die Deutsche Turnkunst zur Einrichtung der Turn-platze. Stuttgart: Verlagsdruckerei Conradi & Co; 1816, 1967.

anglade A, Langlade NR. Teoria general de la gimnasia. BuenosAires: Editorial Stadium; 1970.

ereira CFM. Tratado de educacão física: problema pedagógico ehistórico, volume I. Lisboa: Bertrand; 1962.

ilz T. Der Einfluss der Philanthropen auf die Turnbewegung vonFriedrich Ludwig Jahn. Hamburgo: Czwalina Verlag; 2007.

osen G. The fate of the concept of medical police 1780-189. Cen-taurus 1957;5(2):97---113.

osen G. Da polícia médica à medicina social. Rio de Janeiro: Graal;1980.

heehan JJ. German history: 1770-1866. Oxford: Clarendon Press;1989.

oares CL. Educacão física: raízes europeias e Brasil. Campinas:Autores Associados; 1994.

oares CL. Notas sobre a educacão do corpo. Educ Rev2000;16:43---60, Disponível em http://www.educaremrevista.ufpr.br/arquivos 16/lucia soares.pdf. Acesso em 19 jan. 2013.

oares CL. Da arte e da ciência de movimentar-se: primeirosmomentos da ginástica no Brasil. In: Del Priore M, Melo VA, edi-tors. História do esporte no Brasil: do Império aos dias atuais.São Paulo: Editora Unesp; 2009. p. 133---78.

oares CL, Fraga AB. Pedagogia dos corpos retos: das morfo-logias disformes às carnes humanas alinhadas. Pro-Posicões2003;14(2):77---90.

lfkotte J. Dem Wakkern fügte sich die glückliche Stunde --- Zur

und Friedrich Ludwig Jahn. In: Krüger M, editor. Johann Chris-toph Friedrich GutsMuths (1759-1839) und die philanthropischeBewegung in Deutschland. Hamburg: Feldhaus; 2010.