espiritualidade, Ética e alteridade: de etty … · a condição humana. rio de janeiro, forense...

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Departamento de Teologia ESPIRITUALIDADE, ÉTICA E ALTERIDADE: DE ETTY HILLESUM A EMMANUEL LÉVINAS Aluno: Ronilso Pacheco Orientadora: Maria Clara Lucheti Bingemer Introdução Em meio a uma tal diversidade, em que todos se sentem em casa e ninguém à vontade, cada um, encerrado em seu bairro, tem medo do seu vizinho, despreza-o ou odeia-o. Nessa cidade malcheirosa, suja e desordenada, conhecemos o medo e o desprezo desde o despertar da nossa consciência. E para nos defender, nos vingar, desprezávamos, debochávamos... entre nós; esperando ser temidos tanto quanto temíamos. Vivíamos nessa atmosfera, à mesa, na escola, na rua.1 O trecho acima está contido no livro do romancista Albert Memmi, que narra a trajetória de Alexandre Mordekhai Benillouche, jovem judeu, pobre, em uma Tunísia colonizada pela França. Mordekhai vive a angústia de uma identidade cultural fracionada, que o torna permanentemente um “outro”, um estranho, deslocado em qualquer espaço que se encontre: em um mundo anti-semita, é judeu; em um ambiente atravessado pela Europa branca, é africano; imbuído de uma convicção cético-racionalista, é envolvido por um contexto que considera de superstições. Mordekhai é, neste estudo, apenas ilustração de uma angústia do mundo contemporâneo que desafia a própria possibilidade da comunidade humana de seguir em frente. Perguntamos: num cenário de relações extremamente fragilizadas pela força das contingências do mundo contemporâneo, qual o lugar da espiritualidade, da ética e da alteridade na proposta de construção de uma jornada comum? Uma avaliação dos caminhos e descaminhos da alteridade no mundo contemporâneo requer de fato uma ampla leitura da fragilidade (ou as diversas fragilidades) que permeia as relações humanas entre os homens hodiernos e, de maneira multifacetada, afeta o vínculo dos indivíduos entre si. Tais fragilidades fortalecem uma alteridade marcada por uma tolerância mascarada de aceitação e relacionamento, mas que permanece uma delimitação de território subjetivo, onde a presença do Outro não é capaz de afetar, e a ausência desta afetividade “entrincheira” a subjetividade de tal maneira que ela não alcança a intersubjetividade. Quando retrata este conflito entre a tolerância e a solidariedade 2 , é para isto que Zygmunt Bauman chama a atenção, ou seja, essa indisposição de nossa contemporaneidade de fomentar o destino comum, compreendendo que a o destino comum não comporta a interpretação do “meu destino” tornado universalizante, mas como a possibilidade de que o Outro construa o “seu destino” tanto quanto eu 3 . A força de um mundo competitivo e preenchido por tragédias cotidianas capazes de neutralizar parte de nossa sensibilidade e assimilação de uma consciência solidária, uma vez 1 MEMMI, Albert. A Estátua de sal, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008 2 Bauman diz: “Minha ligação com o estranho (grifo meu) é revelada como responsabilidade, não apenas como neutralidade indiferente ou mesmo aceitação cognitiva da similaridade da condição (...) É revelada, em outras palavras, como comunidade de destino, não mera semelhança de fado. A uma sina comum bastaria a tolerância mútua; o destino comum requer solidariedade.” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999. pg. 249) 3 “É pelo direito do Outro que meu direito se coloca” (Ibid.)

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Page 1: ESPIRITUALIDADE, ÉTICA E ALTERIDADE: DE ETTY … · A Condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010, pg. 46 6 Nesta e na próxima citação, os grifos em comunidade

Departamento de Teologia

ESPIRITUALIDADE, ÉTICA E ALTERIDADE: DE ETTY HILLESUM A

EMMANUEL LÉVINAS

Aluno: Ronilso Pacheco

Orientadora: Maria Clara Lucheti Bingemer

Introdução

“Em meio a uma tal diversidade, em que todos se sentem em casa e ninguém à

vontade, cada um, encerrado em seu bairro, tem medo do seu vizinho, despreza-o ou odeia-o.

Nessa cidade malcheirosa, suja e desordenada, conhecemos o medo e o desprezo desde o

despertar da nossa consciência. E para nos defender, nos vingar, desprezávamos,

debochávamos... entre nós; esperando ser temidos tanto quanto temíamos. Vivíamos nessa

atmosfera, à mesa, na escola, na rua.”1

O trecho acima está contido no livro do romancista Albert Memmi, que narra a

trajetória de Alexandre Mordekhai Benillouche, jovem judeu, pobre, em uma Tunísia

colonizada pela França. Mordekhai vive a angústia de uma identidade cultural fracionada, que

o torna permanentemente um “outro”, um estranho, deslocado em qualquer espaço que se

encontre: em um mundo anti-semita, é judeu; em um ambiente atravessado pela Europa

branca, é africano; imbuído de uma convicção cético-racionalista, é envolvido por um

contexto que considera de superstições.

Mordekhai é, neste estudo, apenas ilustração de uma angústia do mundo contemporâneo

que desafia a própria possibilidade da comunidade humana de seguir em frente. Perguntamos:

num cenário de relações extremamente fragilizadas pela força das contingências do mundo

contemporâneo, qual o lugar da espiritualidade, da ética e da alteridade na proposta de

construção de uma jornada comum?

Uma avaliação dos caminhos e descaminhos da alteridade no mundo contemporâneo

requer de fato uma ampla leitura da fragilidade (ou as diversas fragilidades) que permeia as

relações humanas entre os homens hodiernos e, de maneira multifacetada, afeta o vínculo dos

indivíduos entre si. Tais fragilidades fortalecem uma alteridade marcada por uma tolerância

mascarada de aceitação e relacionamento, mas que permanece uma delimitação de território

subjetivo, onde a presença do Outro não é capaz de afetar, e a ausência desta afetividade

“entrincheira” a subjetividade de tal maneira que ela não alcança a intersubjetividade. Quando

retrata este conflito entre a tolerância e a solidariedade2, é para isto que Zygmunt Bauman

chama a atenção, ou seja, essa indisposição de nossa contemporaneidade de fomentar o

destino comum, compreendendo que a o destino comum não comporta a interpretação do

“meu destino” tornado universalizante, mas como a possibilidade de que o Outro construa o

“seu destino” tanto quanto eu3.

A força de um mundo competitivo e preenchido por tragédias cotidianas capazes de

neutralizar parte de nossa sensibilidade e assimilação de uma consciência solidária, uma vez

1 MEMMI, Albert. A Estátua de sal, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2008

2 Bauman diz: “Minha ligação com o estranho (grifo meu) é revelada como responsabilidade, não apenas como

neutralidade indiferente ou mesmo aceitação cognitiva da similaridade da condição (...) É revelada, em outras palavras, como comunidade de destino, não mera semelhança de fado. A uma sina comum bastaria a tolerância mútua; o destino comum requer solidariedade.” (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999. pg. 249) 3 “É pelo direito do Outro que meu direito se coloca” (Ibid.)

Page 2: ESPIRITUALIDADE, ÉTICA E ALTERIDADE: DE ETTY … · A Condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010, pg. 46 6 Nesta e na próxima citação, os grifos em comunidade

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que nos joga, a todos, dentro de uma arena de luta inclemente para a sobrevivência, parece

nos distanciar (cada vez mais) inclusive de nós mesmos, no sentido de que, todos os dias,

precisamos “desempenhar os papéis” corretos exigidos pela sociedade. É razoável considerar

que este movimento em direção ao individualismo e suas variantes (seja o egoísmo, o

consumismo, o hedonismo, etc.) seja vinculado com o avanço do capitalismo enquanto

sistema vencedor do confronto direto com o socialismo cambaleante da Guerra Fria. A

autonomia liberal “condecorou” indivíduos que fossem capazes de construir sua própria

história e destino, vencedores das disputas diárias rumo à conquista. Nas palavras de

Hobsbawm: A desintegração de velhos padrões de relacionamento social humano, e com

ela, aliás, a quebra dos elos entre as gerações, quer dizer, entre passado e

presente. Isso ficou muito evidente nos países mais desenvolvidos da versão

ocidental de capitalismo, onde predominaram os valores de um

individualismo associal absoluto (...). Essa sociedade, formada por um

conjunto de indivíduos egocentrados sem outra conexão entre si, em busca

apenas da própria satisfação (...), estava sempre implícita na teoria

capitalista.4

Parece ser próprio do universo capitalista essa desesperadora corrida rumo à própria

segurança e a defesa de seus interesses privados. A vida privada, que outrora parecia ser um

recuo, é alçada a condição de defesa e sobrevivência no mundo moderno, conforme Hannah

Arendt nos ajuda a entender: Na percepção dos antigos, o caráter privativo da privatividade, indicado pela

própria palavra, era sumamente importante: significava literalmente um

estado de encontrar-se privado de alguma coisa, até das mais altas e mais

humanas capacidades do homem. Quem quer que vivesse unicamente uma

vida privada (...) não era inteiramente humano. Hoje não pensamos mais

primeiramente em privação quando pensamos na palavra “privatividade”, e

isso em parte se deve ao enorme enriquecimento da vida privada por meio do

moderno individualismo.5

As exigências do mundo atual mantêm os homens dentro do cenário de guerra

generalizada a exemplo do estado de natureza hobbesiana, onde a competição visa o lucro; a

desconfiança visa a segurança e a glória visa a reputação. Neste clima de guerra de todos

contra todos, resta a consciência da condição imperativa de que somente encontrando

caminhos para que a alteridade como fundamentação ética possa (re)orientar a jornada

humana. Essa (re)orientação nos faz recorrer a lembrança da importância da comunidade,

tanto como um lugar a ser alcançado quanto como um ideal a ser perseguido e vivido.

Tudo indica que não há muitas alternativas além do reconhecimento desta necessidade.

Mais uma vez, damos a palavra a Bauman: Se vier a existir uma comunidade

6 no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e

precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do

compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e

responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual

capacidade de agirmos em defesa desses direitos.7

Não apenas isso, o sociólogo polonês ainda nos reserva uma argumentação

“apaixonada” quanto a percepção da falta que o ideal comunitário nos faz. Sentimos falta da comunidade porque sentimos falta de segurança, qualidade

fundamental para uma vida feliz, mas que o mundo que habitamos é cada vez

menos capaz de oferecer e mais relutante em prometer. Mas a comunidade

4 HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos, o breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995,

pg. 24-25 5 ARENDT, Hannah. A Condição humana. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2010, pg. 46

6 Nesta e na próxima citação, os grifos em “comunidade” são meus, como uma forma de destacar o termo.

7 BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,

2003, pg. 134

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continua teimosamente em falta, escapa ao nosso alcance ou se desmancha,

porque a maneira como o mundo nos estimula a realizar nossos sonhos de

uma vida segura não nos aproxima de sua realização(...).8

O saudosismo de Bauman com a importância da comunidade em tempos de

individualismo exacerbado reporta-nos ao tema central ao qual o pensamento de Lévinas nos

chama a pensar.

O Holocausto como experiência do absurdo

Em seu livro Eichmman em Jerusalém, Hannah Arendt, que acompanhou o julgamento

do responsável nazista pelas deportações, nos permite conhecer um pouco da Holanda

capitulada pelos alemães, e como tantos judeus começam o seu verdadeiro inferno rumo a

Auschwitz. Nada de novo com relação a praticamente todos os outros países onde ocorreu, as

deportações nazistas começam pelos judeus apátridas, que, segundo a filósofa alemã, “o

governo pré-guerra holandês declarara oficialmente ‘indesejáveis’”9. Na Holanda ocupada,

Arendt afirma existir cerca de 35 mil judeus estrangeiros numa população judaica total de 140

mil, e 20 mil foram deportados logo de início. Em 1942 os judeus são obrigados a usarem a

estrela de Davi, e (apenas como relevante curiosidade) cerca de dois meses depois, neste

mesmo ano, Anne Frank inicia os escritos do seu diário. Mas Arendt chama a atenção para um

fato interessante: A Holanda foi o único país em toda a Europa em que estudantes entraram em

greve quando professores judeus foram despedidos, e onde uma onda de

greves explodiu como reação a primeira deportação de judeus para campos de

concentração – e essa deportação, ao contrário daquelas para campos de

extermínio, era uma medida meramente punitiva, tomada muito antes da

Solução Final ter chegado à Holanda.10

Mas Arendt não aponta apenas essa “resistência heróica” incipiente na Holanda com

relação à investida nazista contra os judeus. Também faz uma análise dura da postura dos

próprios judeus “nativos”, com relação aos judeus estrangeiros, cuja hostilidade abre (embora

não determine) a possibilidade de prisão e deportação. Ela diz: Primeiro, existia um movimento nazista muito forte na Holanda, que se

encarregava de medidas policiais como capturar judeus, localizar seus

esconderijos e assim por diante; segundo, havia entre os judeus nativos uma

tendência extremamente forte a manter uma distinção entre eles e os recém-

chegados, provavelmente resultado da atitude muito pouco amigável do

governo holandês para com os refugiados da Alemanha e também,

provavelmente, do anti-semitismo na Holanda, que, assim como na França,

era focalizado nos judeus estrangeiros (...). O resultado foi uma catástrofe

sem paralelo em nenhum país ocidental, somente comparável à extinção dos

judeus poloneses (...). Muito embora, ao contrário da Polônia, a atitude do

povo holandês tivesse permitido que um grande número de judeus se

escondesse – entre 20 e 25 mil, número muito elevado para um país tão

pequeno –, um número extraordinariamente alto de judeus vivendo na

clandestinidade (pelo menos metade deles) foi encontrado, sem dúvida graças

ao empenho de informantes profissionais e ocasionais.11

É dentro deste ambiente holandês que Etty Hillesusm faz a sua escolha por não se omitir

ou se esconder, mas viver a plena liberdade em Deus, mesmo em um ambiente de situação

limite.

O Holocausto permanece sendo este fator devastador na história contemporânea da

humanidade, objeto de infindáveis pesquisas, das mais diversas ciências, objeto das mais

profundas reflexões. Aqui, apenas para efeito de citação e como forma de margear nossa

8 Ibid., pg. 129

9 ARENDT, Hannah. Eichmman em Jerusalém, São Paulo, Companhia das Letras, 1999, pg. 185

10 Ibid.

11 Ibid., pg. 188

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reflexão sobre o ambiente em que Etty Hillesum se insere e vivencia, vamos ver alguns dos

argumentos trabalhados por Bauman em seu premiado Modernidade e Holocausto, que insere

o Holocausto nesse processo de racionalização do mundo contemporâneo, transformando

tudo em cálculo frio e tecnicamente administrado. Como Hannah Arendt denunciou o horror

possibilitado pela burocratização da vida pública, que permitia o surgimento de uma figura

como Eichmman, Bauman vai destrinchar o Holocausto como um efeito assustador de uma

sociedade caracterizada pela técnica e pela racionalização. Bauman vai afirmar que “foi o

mundo racional da civilização moderna que tornou viável o Holocausto”12

. E entende que isso

é tão verdade que “a maioria dos que executaram o genocídio eram pessoas normais, que

passariam facilmente em qualquer peneira psiquiátrica conhecida por mais densa e

moralmente perturbadora”13

.

Bauman está pensando o Holocausto como Rubem Alves definiu o utilitarismo,

entendendo que num mundo utilitário tudo se torna descartável, pois “o critério da utilidade

retira das coisas e das pessoas todo o valor que elas possam ter, em si mesmas, e só leva em

consideração se elas podem ser usadas ou não”14

. Sendo assim, Bauman sentencia o ambiente

em que o Holocausto vai surgindo: A verdade é que todos os ingredientes do Holocausto – todas as inúmeras

coisas que o tornaram possível – foram normais; “normais” não no sentido do

que é familiar, do não passa de mais um exemplo numa vasta categoria de

fenômenos de há muito plenamente descritos, explicados e assimilados (ao

contrário, a experiência do Holocausto era nova e desconhecida), mas no

sentido de plenamente acompanhar tudo o que sabemos sobre nossa

civilização, seu espírito condutor, suas prioridades, sua visão imanente do

mundo – e dos caminhos adequados para buscar a felicidade humana e uma

sociedade perfeita.15

E ainda: (...) essa burocracia recebeu a tarefa de tornar o país [Alemanha] judenfrei,

livre de judeus. E a burocracia começou onde as burocracias começam: na

definição precisa do objeto, com posterior listagem dos que se encaixavam na

definição e a criação de uma ficha, um arquivo, para cada um. Prosseguiu

segregando os que figuravam nos arquivos do resto da população, a que não

se aplicava a citação recebida.16

Não obstante, vale a pena atentar para uma conseqüência que Hobsbawm frisa

acertadamente: O aspecto não menos importante desta catástrofe é que a humanidade

aprendeu a viver num mundo em que a matança, a tortura e o exílio em massa

se tornaram experiências do dia-a-dia que não mais notamos.17

A citação de Hobsbawm, bem como a reflexão de Bauman, reporta-nos a interessante

abordagem do cineasta sueco Ingmar Bergman, no filme Das Schlangenei (O Ovo da

Serpente). No filme, de 1977, Bergman apresenta uma história ambientada na Alemanha do

final dos anos 20, portanto bem antes da ascensão de Hitler, em que, como pano de fundo da

história de um homem em uma sociedade decadente arrasada pela guerra e o caso de suicídio

de seu irmão, trabalha o início de pesquisas de cientistas alemães, buscando a seleção e o

12

ZYGMUNT , Bauman. Modernidade e Holocausto, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998, pg. 32 13

Ibid., pg. 39 14

No mesmo livro, Rubem Alves ainda comenta: “Do ponto de vista estritamente utilitário seria mais econômico matar os velhos, castrar os portadores de defeitos genéticos, matar as crianças defeituosas, abortar as gravidez acidentais e indesejadas, fazer desaparecer os adversários políticos, fuzilar os criminosos e possíveis criminosos... Mas alguma coisa nos diz que essas não devem ser feitas. Por quê?” (ALVES, Rubem. O que é religião, coleção Primeiros Passos, São Paulo, Editora Brasiliense, 1981, pg. 60) 15

ZYGMUNT , Bauman. Modernidade e Holocausto, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1998, pg. 27 16

Ibid., pg. 129 17

HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos, o breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Companhia das Letras, 1995, pg. 58

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“aprimoramento” da raça alemã, vigiando seus funcionários nas fábricas, pesquisando

comportamentos, criando gases estimulantes, entre outras experiências. As experiências são

feitas, muitas, clandestinamente, e apresentam o compromisso dos cientistas, e de algumas

pessoas-cobaias, com a “fé” na evolução e no progresso da superioridade do povo germânico.

O ambiente narrado no filme de Bergman é este ambiente em que há um incipiente

processo de controle e burocratização, que racionaliza essa administração da vida e a seleção

humana, que vem em gestação, exatamente como um “ovo de serpente”, cuja casca rompe de

maneira mais evidente na década de trinta.

Desta forma, se Bauman ainda tem algo a nos dizer, pode ser: O processo civilizador é, entre outras coisas, um processo de despojar a

avaliação moral do uso e exibição da violência e emancipar os anseios de

racionalidade da interferência de normas éticas e inibições morais. Como a

promoção da racionalidade à exclusão de critérios alternativos de ação, e em

particular a tendência a subordinar o uso da violência a cálculos racionais, foi

de há muito reconhecida como uma característica da civilização moderna,

fenômenos como o Holocausto devem ser reconhecidos como resultados

legítimos da tendência civilizadora e seu potencial constante.

É neste universo de treva e terror que Etty Hillesum se insere, por escolha. Jovem

educada e de boa formação, é datilógrafa no Conselho Judaico holandês, e esta proximidade

com a realidade de seus pares tem um profundo impacto em sua vida em virtude das

deportações que começam a acontecer. Os diários de Hillesum começam em 41, e Maria

Clara Bingemer lembra que já no início do diário é possível “presenciar a reflexão perplexa de

Etty diante dos judeus sendo expulsos de seus empregos, proibidos de comprar em lojas

freqüentadas por não-judeus e maltratados de outras maneiras”18

, e José Tolentino Mendonça

diz que, neste momento, Etty “começava a compreender que aquela hora extrema do seu povo

tinha um significado tal, que ela não podia subtrair-se.”19

A escolha de ir voluntariamente para Westerbork é decisiva na vida Hillesum, pois

começa aí um mergulho em Deus, que se expressa numa profunda ética e alteridade,

simultaneamente uma abertura e acolhida, a Deus e ao Outro. Pouco mais de um ano se

“arrastam” (tamanha carga, desafio, intensidade, dor, resistência, sonho e dura realidade, pura

poesia e fria letra) na vida desta jovem que abraça a causa do Outro e viveu intensamente,

amou intensamente, e experimentou profunda espiritualidade pautada na renúncia e entrega. O

deslocamento desta zona de conforto, Etty Hillesum expressa quando perguntou a si mesma

“se não era tão alienada simplesmente porque as medidas tomadas pelos alemães me afetam

bem pouco pessoalmente”20

.

Maria Clara Bingemer ainda nos lembra que Etty trilhou um caminho próprio na sua

espiritualidade21

, sem permitir que fosse de maneira simples “encaixada” em alguma pertença

com “exclusividade” por judeus e cristãos. Sua jornada era de um itinerário místico de

profundo relacionamento com Deus e caminhada de encontro ao Outro, evidentemente, tendo

a Bíblia como referência e nunca negando sua condição judia.

O último ano e meio de vida de Etty Hillesum é sim um mergulho no precipício do pior

momento do século XX. Um salto nas trevas que pairava sobre a Europa e que poucos

poderiam de fato escolher, voluntariamente, vivenciar como uma atitude de entrega e

solidariedade, compaixão e consciência de amor. Esta convicção sustentada por Hillesum tem

18

BINGEMER, Maria Clara. A Argila e o espírito, ensaios sobre ética, mística e poética, Rio de Janeiro, Garamond, 2004, pg. 238 19

MENDONÇA, José Tolentino. A Rapariga de Amsterdam, Revista virtual Viragem, nº 58, pg. 14 20

BINGEMER, Maria Clara. A Argila e o espírito, ensaios sobre ética, mística e poética, Rio de Janeiro, Garamond, 2004, pg. 241 21

Ibid., pg. 236

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suas raízes em Deus, o qual ela crê e é fonte e possibilidade de permanecer “luminosa”, em

um momento de escuridão. Em seu belíssimo texto em Adeus à Emmanuel Lévinas, o filósofo

francês Jacques Derrida cita bela frase extraída de Totalidade e Infinito: “acolher o Outro é

colocar minha liberdade em questão”.22

É isso que parece vivenciar a jovem judia. Ao

Abraçar a causa do Outro que a ela clama com o seu sofrimento, Hillesum também oferece a

sua própria liberdade, coloca-a em questão, coloca-a em função do próximo. Recusa-se a

salvar a própria pele e escolhe ser de fato luz em meio às trevas.

Não importa o peso deste momento e a intensidade desta dor. Hillesum parece estar

ciente, e participar da mesma fé que move a conclusão de Schillebeeckx: Não existe situação em que Deus não possa estar perto de nós e em que não o

possamos encontrar. Também em situações de absurdo realmente sentido, o

homem que crê em Deus ainda pode criar significado. Não dizemos

absolutamente que as relações em que entramos de qualquer forma sejam “a

vontade de Deus” (...). Essa presença ativa e salvífica de Deus não a podemos

reduzir à nossa consciência ou à nossa experiência desta presença que nos

desafia a dar-lhe sentido.23

Amor, liberdade e entrega: o itinerário de Etty Hillesum

Assim como Anne Frank, a única obra deixada por Hillesum foi o seu diário, e este

diário nos mostra uma mulher jovem, que não dramatizou a própria vida em horror e

desesperança, mas, antes, manteve-se fiel às suas paixões e, mesmo em meio ao caos da

Guerra não hesitou em entregar-se perdidamente ao amor. Eu sou realizada na cama, bastante amadurecida, segundo penso, para poder

ser contada entre as melhores amantes – o amor de fato ajusta-se a mim à

perfeição.24

Os diários de Hillesum dão conta primeiramente da necessidade de um registro de seu

cotidiano, sem um compromisso firmado com o registro do momento mais entristecedor do

século XX. Neste sentido, ter a vida da jovem holandesa como um exemplo de alteridade é

expressivo sobretudo por esta grande virada que acontece em sua vida, onde ela mesma

identifica uma resistência a assuntos demasiadamente dominados pela política, preferindo

sempre a vida, o amor, viver intensamente a paixão e o seu universo, poético-literário,

romântico e sensual, apaixonado e despojado. Mas também nunca reagiu indiferente às suas

inquietações espirituais, de alma continuadamente atingida por algo que nunca ficara muito

claro, mas que nas páginas de seu diário soa muito forte como um uma espécie de clamor

interno, angústia num mundo hostil e cada vez mais duro.

Nessa angústia e nesse profundo incômodo, parece habitar de forma simultânea o

engajamento de Hillesum pelo amor e pela vida, mas também uma paz que não se confunde

com as referências de fora para dentro, mas é “gerida” de dentro para fora. Essa percepção,

nunca perdera de vista na consciência. Assim escrevia numa noite de agosto de 1941: Há realmente um profundo poço dentro de mim. E nele reside Deus. Às vezes

me encontro ali também. Porém mais comumente pedras e areia bloqueiam o

poço e Deus está soterrado sobre elas. E então ele precisa ser desenterrado de

novo.25

A relação “peculiar” de Hillesum com a espiritualidade é fundamental aqui para se

compreender a alteridade como seu caminho. A percepção da existência do poço é também a

percepção da angústia e da dor, das incertezas e das contingências que nunca partem, se

alternam. Aqui caberia lembrar uma citação de Emmanuel Lévinas em Totalidade e Infinito

22

DERRIDA, Jacques. Adeus a Emmanuel Lévinas, São Paulo, Perspectiva, 2008, pg. 46 23

SCHILLEBEECKX, Edward. História humana: revelação de Deus, São Paulo, Paulus, 1994, pg. 29 24

HILLESUM, Etty. Uma vida interrompida, os diários de Etty Hillesum,1941-43, Petrópolis, RJ, Vozes, 1981, pg. 17 25

Idem, pg. 55

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em que ele nos avisa que “não se existe apenas na sua dor ou na sua alegria, existe-se a

partir de dores e alegrias”. Pois Etty Hillesum expõe isso de maneira apaixonante em seu

diário, que ela não se furta ao desafio de viver a partir não apenas das alegrias de sua vida

romântica e intensa, mas também a partir das muitas dores, que ela sente não apenas por si,

mas também pelos outros. Por tantos outros, à sua volta, que ela vai vendo partir não apenas

do espaço físico, geográfico, mas também de si mesmo, partindo junto com a esperança que

se perde diante do pavor empreendido pelo nazismo, situação limite que testa,

simultaneamente, o amor, a esperança e a fé.

Antes que o céu cinzento cor-de-chumbo do nazismo atingisse a Holanda, Etty Hillesum

gasta sua vida cheia de energia e paixão na intensidade de seus relacionamentos, seus amores,

sobretudo seu profundo envolvimento com Julius Spier, homem misterioso e apaixonante,

por quem Etty é permanentemente ligada.

É uma mulher jovem, cheia de aspirações e desejos. Também muito inteligente, um tipo

de mulher que se encaixaria perfeitamente no papel de intelectual, uma pensadora

independente e libertária como imaginamos que Hannah Arendt tenha sido, por exemplo. Mas

sua feminilidade está bastante destacada em seus diários. Não se importava em reconhecer

que: Pensar não leva a coisa nenhuma. Pode ser uma bela e nobre ajuda nos

estudos acadêmicos, mas você não pode, pensando, livrar-se das dificuldades

emocionais; isso exige algo inteiramente diverso.26

Desta forma, Etty Hillesum não deixou que sua vida fosse conhecida apenas por seu

apreço e profunda dedicação ao pensamento e a literatura, mas também ao desejo natural de

ser mulher, e, como tal, de ser desejada, de amar e ser amada, de recorrer não apenas ao seu

intelecto refinado, mas a sensualidade típica das mulheres atraentes. E ela diz em seu diário: Agora mesmo, eu sinto que tudo que desejo é atirar-me em seus braços e ser

apenas uma mulher, ou talvez, ainda menos, apenas um pouco de carne

querida. Eu dou atenção demais a minha sensualidade; afinal de contas ela

dura apenas alguns dias de cada vez, essa onda avassaladora.27

Ou ainda: Não creio que meu caminho será um dia um homem e um amor. Mas tenho

uma forte tendência erótica e uma grande necessidade de carícias e ternura. E

nunca tive que me privar disso.28

O que parece ser evidente é que Hillesum, com toda sua intensidade de vida, não parece

ter reservado à sua sexualidade o tipo de postura que Michel Foucault considerou, no primeiro

volume de sua História da Sexualidade29

, “economicamente útil e politicamente

conservadora”30

.

No seu famoso livro A Mulher Habitada, a nicaragüense Gioconda Belli nos dá a

oportunidade de conhecer duas marcantes personagens, mulheres separadas pelo tempo, mas

unidas nos contextos de vida e nos diálogos que se entrecruzam. Itzá é uma linda mulher de

sua tribo, que na iminência do conflito com os espanhóis, vendo seus homens e filhos 26

HILLESUM, Etty. Uma vida interrompida, os diários de Etty Hillesum,1941-43, Rio de Janeiro, Record, 1981, pg. 57 27

Idem, pg. 61 28

Idem, pg. 63 29

FOUCAULT, Michel, História da sexualidade, volume I, A vontade de saber, Rio de Janeiro, Edições Graal, 1985, 7ª edição. 30

Não deixa de ser interessante considerar a afirmação de Foucault: “Até o final do século XVIII, três grandes códigos explícitos regiam as práticas sexuais: o direito canônico, a pastoral cristã, e a lei civil. Eles fixavam, cada qual à sua maneira, a linha divisória entre o lícito e o ilícito.” E ainda lembra que “nossa época foi iniciadora de heterogeneidades sexuais” (idem, pg. 38). Vale chamar atenção para uma jovem mulher, judia, de família tradicional holandesa, mística na sua espiritualidade, que “subverte” a assimilação “politicamente conservadora” da sexualidade de sua sociedade, numa vida livre e libertária, mas não libertina, sem ética e amor.

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morrerem sucessivamente, resolve liderar uma reação feminina. Mulheres que se recusam ao

sexo para terem novos filhos que seriam posteriormente mortos ou escravizados pelos

europeus, e também tomam a iniciativa de partirem para a guerra, contrariando o machismo

dominante de sua tribo. Mas também está presente nela a feminilidade e o encanto do ser

mulher. Narra Itzá: Eu olhava, escondida, de algumas moitas porque não era permitido às

mulheres estar presentes nos ofícios dos sacerdotes. Devia ter ficado na

tenda, mas de qualquer maneira, havia desafiado o que é próprio para as

mulheres, indo combater com Yarince. Era considerada uma “texoxe”, uma

bruxa, que tinha encantado Yarince com o cheiro do meu sexo31

.

No mesmo romance, a outra personagem é Lavínia, jovem mulher contemporânea, da

década de 70, dos anos de combate do Movimento de Libertação Nacional na Nicarágua, que

não faz inicialmente o tipo militante, mas é uma mulher bem educada e criada, da alta classe

média nicaragüense, instruída na Europa, que, ignorando os caminhos de sua família

conservadora, conduz sua vida com a abertura aos amores não conforme o “socialmente

recomendável” mas com a liberdade de sua própria consciência romântica: – Esse é seu namorado? – perguntou referindo-se a Antônio, quando

passaram perto da mesa.

– Não – disse Lavínia – , os “namorados” já passaram de moda.

– Então seu amante – disse ele, apertando-a mais forte ao seu encontro.

– É meu amigo – disse Lavínia – , e de vez em quando me satisfaz.32

Etty Hillesum tem traços da guerreira Itzá e também da amante Lavínia, mas tem

também a devoção exigida no capítulo 25 do Evangelho de Mateus. Uma devoção que

cumpriu com amor e seriedade. E aí se encontra um fator preponderante, na medida em que

mesmo tendo condições de se eximir do caminho ao sofrimento, esta nunca fora a escolha de

Etty. Num dado momento dos seus infinitos diálogos com sua alma, ela mesmo reconhecia

seu desejo de optar pela reclusão conventual. Mas ultrapassava tal pensamento, que

considerava demasiado individualista, para afirmar convictamente: “faço o voto de viver

minha vida no mundo exterior integralmente”.

Uma escolha como essa poderia ser interpretada como precipitada diante do grande

desafio que o nazismo colocaria diante dos judeus na Europa, no entanto

Já falamos de uma maneira muito geral sobre o universo de Etty Hillesum. Muito mais

do que seu universo, seus diários são o único documento que nos permite sobrevoar sobre sua

jovem vida, e, mais do que isso, extrair dela um exemplo referencial em tempos em que a

ética e a responsabilidade (pelo outro) arrefecem diante das imposições do viver cotidiano. A

vida de Etty consegue trazer, evidentemente, as marcas do drama do período hitleriano na

Europa, mas não faz isso sem preservar uma existência poética. Os diários de Etty estão

repletos simultaneamente de dor e poesia, esperança resistente e angústia. Está nítido por

exemplo quando ela diz: Não nos é permitido mais passear ao longo do Promenade, e cada miserável

pequeno grupo de duas ou três árvores foi considerado um bosque, com uma

tabuleta pregada: “Proibida a entrada de judeus”. Mais e mais destas tabuletas

estão aparecendo por toda parte. Mesmo assim ainda há espaço bastante para

nos movimentarmos e vivermos e sermos e ouvirmos música e amarmos uns

aos outros.33

Uma leitura apressada dos diários de Etty poderia mesmo dar a impressão de uma jovem

alienada, que buscava tergiversar a realidade em que vivia, mas não. Esta visão esperançosa

com ar de poesia que sobrevive em meio a escombros, que Etty nos ensina, é bem

decodificada por Octávio Paz: 31

BELLI, Gioconda, A mulher habitada, Rio de Janeiro, Record, 2000, pg. 73-74 32

Idem, pg. 37-38 33

HILLESUM, Etty. Uma vida interrompida, os diários de Etty Hillesum,1941-43, Rio de Janeiro, Record, 1981, pg. 98

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Não, a poesia não é um reflexo mecânico da história. As relações entre ambas

são mais sutis e complexas. A poesia muda; não progride nem decai. Decaem

sim, as sociedades.34

Assim, a esperança da jovem permanece. Não inocente e sem consciência do papel da

construção de um novo mundo, não infantilizada, mas racional e emocionante, firme e crente,

ciente de que mesmo que todo este mundo fosse reduzido a pedacinhos pelas bombas, seria

possível construir um mundo novo, que também poderia vir acabar, mas mesmo assim, com

tudo isso, a vida será bela, sempre bela. Pode-se ler a vida de Etty com o conceito de fé dado

por Bultman, que a define como um abrir-se livremente para o futuro. Esta perspectiva nos

permite dizer que em Etty Hillesum não faltava a fé, mesmo em meio aos mais obscuros dos

caminhos. Percorrer caminhos obscuros para Etty talvez só fosse possível porque ela

acreditava que a luz estava nela mesma, não buscava a iluminação externa, como não buscava

paz e segurança externamente, cria em Deus, que lhe concedia esta iluminação necessária para

não sucumbir aos períodos de escuridão. Numa manhã de quarta-feira, de 1941, ela escreve:

“leio o Evangelho de São Mateus de manhã e a noite, e de vez em quando anoto algumas

palavras neste papel”. Teria ela lido Mateus 25, conforme sugerido por Lévinas? Cito sempre, quando falo a um cristão, Mt 25: a relação a Deus é aí

apresentada como relação ao outro homem. Não é metáfora: em outrem há

presença real de Deus. Na minha relação a outrem, escuto a palavra de Deus.

Não é metáfora, não é só extremamente importante, é verdadeiro ao pé da

letra. Não digo que outrem é Deus, mas que, em seu Rosto, entendo a Palavra

de Deus.35

Persistente, Etty não escondia o medo, misturado entre os seus intensos sentimentos,

mas ele parece nunca ter sido forte o bastante para fazê-la recuar. Talvez o que mais chame a

atenção nela seja exatamente sua capacidade de criar, em si mesma, refúgio e disposição para

se recolher, buscar em Deus, e seguir adiante, enfrentando os fantasmas do mundo real em

que vivia. Diz ela em maio de 1942: A ameaça torna-se cada vez maior e o terror aumenta dia a dia. Elevo orações

em torno de mim como uma escura parede protetora, retiro-me para o seu

interior como se fora uma cela de um convento, e então piso do lado de fora

de novo, mais calma e mais segura, e mais controlada de novo. Posso

imaginar que virão tempos em que ficarei de joelhos dias a fioesperando até

que as paredes protetoras se tornem suficientemente fortes para impedir que

eu me despedace toda, todo meu ser perdido e inteiramente destruído.36

E nem mesmo a iminência do campo de Auschwitz causou sua hesitação. Mas eu não mais me tranco em meu quarto, meu Deus, eu tento encarar as

coisas bem de frente, mesmo os piores crimes, e descobrir o pequeno e nu ser

humano que resta no meio da monstruosa destruição causada pelos insensatos

atos dos homens.37

Somente essa sensibilidade poderia explicar tamanha entrega e generosidade no olhar de

Etty, mesmo diante de seu opressor, “encarnando” a reflexão sobre o “Rosto” exatamente em

Lévinas. Não por acaso, esta fala de Etty, ao ouvir a história de uma ação arbitrária de um

soldado alemão, é uma boa ilustração para esta conexão:

34

Não apenas isso, em seu belo livro O Arco e a lira, o Nobel de literatura mexicano faz outras belas análises poéticas em que o itinerário da jovem holandesa se enquadra: “A imaginação poética não é invenção mas descoberta da presença”. E mais: “A poesia: procura dos outros, descoberta da outridade”. A vida de Etty em meio ao caos humano do nazismo pode ser mesmo considerada não uma invenção de um Outro, mas abertura a descoberta da presença deste Outro, uma outridade vivenciada sem teorização, mas com a generosidade da mão estendida (PAZ, Octávio, O Arco e a lira, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1982). 35

LÉVINAS, Emmanuel, Entre nós: ensaios sobre a alteridade, Petrópolis, RJ, Vozes, 2010, pg. 137 36

HILLESUM, Etty. Uma vida interrompida, os diários de Etty Hillesum,1941-43, Rio de Janeiro, Record, 1981, pg. 138 37

Idem, pg. 139

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De todos esses uniformes, um agora apareceu com um rosto.

Haverá outros rostos também nos quais seremos capazes de ler

algo que compreendemos: que os soldados alemães também

sofrem. Não há fronteiras entre a gente sofre, e devemos rezar

por todos eles.38

O que é isto, senão vivência subjetiva da apurada percepção de Lévinas:

O rosto recusa-se à posse, aos meus poderes. Na sua epifania,

na expressão, o sensível ainda captável transmuda-se em

resistência total à apreensão. Esta mutação só é possível pela

abertura de uma dimensão nova. (...) O que quer dizer

concretamente: o rosto fala-me e convida-me assim a uma

relação sem paralelo com um poder que se exerce, quer seja

fruição quer seja conhecimento.39

Sem essa resignação, sem o olhar manchado pelo desejo de vingança e hostilidade, a

vida de Etty Hillesum nos mostra que a adversidade cabe superação. A liberdade e a

responsabilidade em Etty são combinadas em uma renúncia típica da kénosis de Vattimo. O

motor das escolhas de Etty pelo campo de trabalhos forçados, voluntário e não forçado por

nenhuma imposição de deportação, cabe no campo do mistério, e está no seu cuidado pelo

outro, num exemplo de despojamento e auto-segurança sobre si mesma. Algumas afirmações

nos encantam:

(...) espero que eles me mandem para um campo de trabalhos

forçados a fim de poder fazer algo pelas moças de 16 anos que

também estarão indo! E confortar os pais perturbados deixados

para trás dizendo-lhes: “não se preocupem, eu olharei por suas

filhas”.40

Ou ainda:

Quando digo aos outros que fugir ou esconder-se é inútil, que

não há como escapar, assim apenas façamos o que pudermos

pelos outros, isto pode soar muito como derrotismo, como algo

que de forma alguma advogo.41

Mas algumas ainda nos surpreendem, como sua resistência a qualquer tipo de auto-

preservação, como uma espécie de “salve a si mesmo”. A percepção de Etty parece ser a

consciência de comunidade que Bauman tenta nos fazer alcançar, uma consciência

impregnada sobretudo pela solidariedade, e a alteridade que caminha em direção ao outro.

Sobre sua resistência ao refúgio para salvar a si mesma:

Muitos me acusam de indiferença e passividade quando me

recuso a procurar um esconderijo; dizem que desisti. Dizem que

todos os que podem devem tentar manter-se livres das garras

deles, que é nosso dever e obrigação tentar. Mas esse

argumento é capcioso, pois enquanto todos tentam salvar-se,

um número enorme de pessoas está apesar disso

desaparecendo. (...) Não me sinto mas garras de ninguém;

sinto-me segura nos braços de Deus (...).42

E ainda:

38

Idem, pg. 159 39

LÉVINAS, Emmanuel, Totalidade e infinito, Lisboa, Edições 70, 2011, pg. 192 40

HILLESUM, Etty. Uma vida interrompida, os diários de Etty Hillesum,1941-43, Rio de Janeiro, Record, 1981, pg. 173 41

Idem 42

Idem, pg. 177

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As pessoas insistem em dizer-me que alguém como eu tem o

dever de esconder-se, porque tenho muitas coisas a fazer na

vida, muito para dar. Mas sei que qualquer coisa que tenho

para dar aos outros, posso dá-la não importa onde eu esteja,

aqui no círculo de meus amigos, ou lá, num campo de

concentração. E é pura arrogância uma pessoa imaginar-se boa

demais para não compartilhar do destino das massas.43

Pelo olhar de Lévinas

O itinerário de Etty Hillesum, marcado pela liberdade e responsabilidade encontra na

reflexão do filósofo franco-lituano Emmanuel Lévinas uma primorosa e erudita descrição, que

confronta nossa compreensão do lugar do Outro, assim como confrontou toda a filosofia

ocidental e sua “ditadura” ontológica, radicada no Eu e na captura do próximo.

Lévinas trata a subjetividade como hospitalidade, que acolhe Outrem. Rompe ele assim

com a tradição da filosofia ocidental que pensa o sujeito absoluto, em si e por si. Em Lévinas

o conceito se define por sua abertura ao Outro com o qual me deparo. A subjetividade é, por

si mesma, a partir da relação na qual ela está inserida. Aqui se afasta por exemplo de Sartre e

seu mundo definido como intersubjetividade, ou, um mundo em que o homem define o que

ele é e o que os outros são44

. Há aqui ainda o risco ameaçador. O homem que “define o que os

outros são”, o define exatamente a partir de sua subjetividade, egoísta, universalizante,

moralizante, subjugadora. Avisa-nos Lévinas com sua generosidade:

Se o Mesmo se identificar por simples oposição ao Outro faria

já parte de uma totalidade englobando o mesmo e o Outro. A

pretensão do desejo metafísico, de que tínhamos partido –

relação com o absolutamente Outro – ver-se-ia desmentida45.

E não menos suficiente, para Lévinas, é também a intersubjetividade heideggeriana, tida

como coexistência46

. Esta concepção da relação precisa ser superada, para o filósofo lituano.

Poderíamos dizer que é esta inclinação para a totalidade que se está por detrás de todo o

desejo de aniquilação da identidade do outro, desejo que perpassa inclusive o expansionismo

das religiões. Também por isso Lévinas propõe uma (re)definição de religião, sendo esta

definição reportado ao laço que se estabelece entre o Mesmo e o Outro, sem constituir uma

totalidade47

. Aqui, a totalidade é a mesmidade, a subordinação do Outro ao Mesmo. Esta

equação se aplica ao contexto histórico de Etty Hillesusm, e por isso mesmo surpreende sua

ruptura voluntária com tal inclinação, pois se o judeu é um outro, um estranho, um pária para

o universo nazista, estes também o eram para um judeu, e a aniquilação de um nazista, diante

de sua recusa de se arrepender de suas opções, estaria pois justificada.

Assim Lévinas pensa a ética. Estaria aí a necessidade de reconhecer meu limite, dar

espaço ao outro, se abrir para ele, a recusar a sua neutralização, ou, segundo Lévinas, a

irredutibilidade do outro a mim. Lévinas critica o que ele chama de “o primado do Mesmo”,

ou seja, diz ele, “nada receber de Outrem a não ser o que já está em mim”. Poderíamos

aplicar aqui a mesma interpretação que Vattimo faz, da “violência ontológica”. O filósofo

italiano (mesmo com críticas a Lévinas), trata a tradicional filosofia ocidental como uma

egologia, onde faz coro com Lévinas, que acusa, em Totalidade e Infinito, o imperialismo

ontológico. Nada é mais distante da ética, segundo a concepção levinasiana. A ética, em

43

Idem, pg. 178 44

SARTRE, Jean-Paul, O existencialismo é um humanismo, Petrópolis, RJ, Vozes, 2010, pg. 48 45

LÉVINAS, Emmanuel, Totalidade e infinito, Lisboa, Edições 70, 2011, pg. 24 46

Segundo Bauman, o Mitsein (ser-com) de Heidegger não se compara com o Fürsein (ser-para) de Lévinas. 47

LÉVINAS, Emmanuel, Totalidade e infinito, Lisboa, Edições 70, 2011, pg. 27

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Lévinas, é quem tem a primazia. Deve tê-la inclusive sobre a liberdade. Por isso, a acusação

central de Lévinas:

A relação com o ser, que atua como ontologia, consiste em

neutralizar o ente para o compreender ou captar. Não é,

portanto uma relação com o outro como tal, mas a redução do

Outro ao Mesmo. Tal é a definição da liberdade: manter-se

contra o outro apesar de toda a relação com o outro, assegurar

a autarquia de um eu. (...) ‘E penso’ redunda em ‘eu posso’ –

numa apropriação daquilo que é, numa exploração da

realidade. A ontologia como filosofia primeira, é uma filosofia

do poder.48

É portanto a ética em Lévinas esta abertura que simultaneamente se entrega e acolhe.

Não resignação, hesitação ao outro ou redução do Outro ao mesmo. Na alteridade levinasiana,

permite-se uma subjetividade esvaziada de si mesmo diante da relação, que não tematiza ou se

orienta pela intencionalidade a partir de si. “A relação com o Outro questiona-me, esvazia-me

de mim mesmo e não cessa de esvaziar-me, descobrindo-me possibilidades sempre novas”49

,

diz Lévinas. O que é esta afirmação, de puro refinamento teórico e reflexão intelectual, se não

a mesma compreensão possível da conclusão poética feita por Hillesusum em junho de 1941:

“nós somos apenas vasos ocos, lavados pela história”50

. Por isso para Lévinas a resposta

ética correta não é “penso logo existo” cartesiano, mas o “eis-me aqui” de Isaías. É a

liberdade exercida com a responsabilidade em cuidado com o Outro.

Assim, inspirado por Lévinas, Schillebeeckx entende o ético exatamente como tudo que

fomenta a humanização ou a promoção do homem enquanto homem51

. Uma definição que o

itinerário de Hillesum nos permite alcançar quando conlcui ela que o que precisa ser

erradicado é o mal no homem, não o próprio homem52

.

A razão pela qual Deus pode ser encontrado nesta ética levinasiana, é que Ele (Deus)

eleva-se à sua suprema e última presença como correlativo da justiça feita aos homens53

. E

também porque, para Lévinas, o conhecimento de Deus separado da relação com os homens é

impossível. Por isso nos acrescenta Schillebeeckx:

A prioridade da dimensão ética envolve, pois, pois que não

existe nenhum conhecimento de Deus sem relações sociais. O

outro não é, para Lévinas, mediação nem encarnação de Deus,

mas, através dos traços próprios do seu rosto, a manifestação

do nível em que Deus se revela.54

E Bauman ainda nos lembra que ingressar no espaço moral de Lévinas requer afastar-

se por um tempo dos negócios cotidianos do viver e deixar de lado suas normas e convenções

mundanas55

. Isto é, o despojamento torna-se fator determinante na alteridade levinasiana, em

que não se chega com a imposição do Eu, mas aberto a construção de uma identidade que

surge de um encontro. É preciso a disposição para ir ao encontro, é preciso a pré-disposição,

estar pronto e interessado a se entregar e acolher, é o “encontrar-se no vestígio de Deus”

conforme afirma Lévinas. Aí se aplica o verdadeiro exercício de liberdade, a liberdade que é 48

Idem, pg. 33 49

LÉVINAS, Emmanuel, Humanismo do outro homem, Petrópolis, Rj, Vozes, 2009, pg. 49 50

HILLESUM, Etty. Uma vida interrompida, os diários de Etty Hillesum,1941-43, Rio de Janeiro, Record, 1981, pg. 41 51

SCHILLEBEECKX, Edward. História humana: revelação de Deus, São Paulo, Paulus, 1994, pg. 124 52

HILLESUM, Etty. Uma vida interrompida, os diários de Etty Hillesum,1941-43, Rio de Janeiro, Record, 1981, pg. 94 53

LÉVINAS, Emmanuel, Totalidade e infinito, Lisboa, Edições 70, 2011, pg. 68 54

SCHILLEBEECKX, Edward. História humana: revelação de Deus, São Paulo, Paulus, 1994, pg. 126 55

BAUMAN, Zygmunt, A ética é possível num mundo de consumidores?, Rio de Janeiro, Zahar, 2011, pg. 49

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colocada “em questão”, segundo Lévinas. Aqui o ponto em que Lévinas se afasta, novamente,

de Sartre. Enquanto para o existencialista francês o “homem é condenado a ser livre”, para

Lévinas, a liberdade em realidade não está condenada à liberdade, mas é investida como

liberdade. A responsabilidade por Outrem, vem antes. Por não estarmos sozinhos, Lévinas

será categórico em dizer que nossa liberdade não deve ter a última palavra. A

responsabilidade pelo outro, para Lévinas, não começa sequer na nossa decisão, no nosso

compromisso, tamanha importância que a responsabilidade pelo outro tem na constituição de

uma ética, para além da nossa própria escolha e decisão por ela.

Conclusões

O estudo teórico possibilitou a publicação de artigos que buscaram acrescentar no

debate da ética, da tolerância religiosa, a liberdade de expressão, a compreensão da cultura do

outro e o diálogo sem a imposição. Os desafios da vivência cotidiana tem mostrado

invariavelmente como a ética tem sido artigo raro no mundo contamporâneo. Discursos

exaltados motivados pelos muitos “entrincheiramentos” da vida social tem inviabilizado o

diálogo orientado para a construção, mas antes, orientados para a conquista. Como numa

permanente cruzada pela colonização da identidade do outro, as muitas liberdades individuais

perdem a dimensão da solidariedade e da responsabilidade. Desafios que Lévinas convida-nos

a observar.

A reflexão de Lévinas ganhou espaço em debates e grupos de discussão, auxiliando

inclusive numa revisão de significado da cultura periférica (o grafite, hip hop, o funk, etc.) e

seus espaços.

Últimas pesquisas se voltaram para a intervenção ética e da alteridade em Lévinas para

a temática da violência (física e simbólica) e da mediação de conflito. Passou-se a refletir

sobre o outro como sendo gradativamente invibilizado (detentos, pessoas em situação de rua e

de territórios “criminalizados”, subempregados, e demais marginalizados) e formas de

reconstrução e reconhecimento da dignidade dos mesmos. Debates acalorados sobre por

exemplo o que fazer e como tratar por exemplo dos usuários de crack em situação de rua nas

grandes cidades, cuja dignidade humana lhes escapam na percepção alheia. Diversas

iniciativas tendem a chamarem os seus próprios trabalhos de “humanização” do usuário, do

dependente, do detento, como se os mesmos já humano não fossem, e como tais, devessem

apenas receberem a acolhida necessária para que tal humanidade e dignidade lhes fossem

reconhecida.

Desafios para os nossos dias, caminhos escuros onde apenas passos iluminados como os

de Etty conseguem transitar com ousadia.

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