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NOVEMBRO / 2015 Emergência 24 LEGADO DAS GUERRAS ESPECIAL/GUERRAS E APH Emergência 24 NOVEMBRO / 2015 MAJ. ROBERT BOCKHOLT, SOCOM/ARMY.MIL Conflitos armados contribuem com tecnologias para o APH civil em todo o mundo, mas falta preparação e estrutura para que sejam adotadas pelos serviços brasileiros Conflitos armados contribuem com tecnologias para o APH civil em todo o mundo, mas falta preparação e estrutura para que sejam adotadas pelos serviços brasileiros

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Conflitos armados contribuem com tecnologias para o APH civil em todo o mundo, mas falta preparação e estrutura para que sejam adotadas pelos serviços brasileiros

Conflitos armados contribuem com tecnologias para o APH civil em todo o mundo, mas falta preparação e estrutura para que sejam adotadas pelos serviços brasileiros

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Emergência 25Emergência 25

Reportagem de Priscilla Nery

Os primeiros registros detalhados de uma forma organizada de trans-porte de pacientes remontam às

guerras napoleônicas. No século XIX, o Barão Dominique-Jean Larrey, médico no Exército de Napoleão Bonaparte, obser-vou que o atraso no atendimento aos solda-dos feridos reduzia suas chances de sobre-vivência e que o cavalo percorria o campo de batalha rapidamente, inclusive portando itens pesados. Então, imaginou que os ani-mais pudessem auxiliar num sistema para remoção das vítimas do campo de batalha para o hospital de campo. Assim, ele de-senhou uma carroça puxada por cavalos, adaptada para o transporte de pacientes. A ideia foi evoluindo junto à civilização, culminando nas atuais ambulâncias utili-zadas no atendimento pré-hospitalar em diversos países.

Mas as ambulâncias não são os únicos pro-gressos resultantes das guerras e aplicados no APH. Várias outras tecnologias, técnicas, medicamentos, equipamentos, estratégias e metodologias de atendimento são contribui-ções de conflitos armados. Estes ambientes são propícios para o desenvolvimento e tes-tagem de inovações, já que os recursos são, em geral, escassos. Na urgência de salvar vi-das, é necessário improvisar com o que se tem à mão e, nestas ocasiões, manifesta-se a criatividade humana. “Existe uma máxi-ma militar que diz: em tempo de guerra, a proporção do desenvolvimento tecnológi-co é de dez para um. Ou seja, o que levaria dez anos para ser desenvolvido pode levar apenas um ano quando existe a pressão da guerra, influenciando os envolvidos com a necessidade imediata de resultado”, com-para o paramédico Jorge Alexandre Alves, especializado em Emergências Médicas, ins-trutor dos programas PHTLS (Prehospital Trauma Life Support) e ACLS (Advanced Car-diac Life Support), e sócio-diretor da Fire & Rescue Group.

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“Historicamente, as guerras têm fun-cionado como um grande laboratório pa-ra o desenvolvimento de novas técnicas, novos recursos e equipamentos. Até hoje isto ainda acontece”, resume o médico especialista em Cirurgia Geral e do apa-relho digestivo Ricardo Galesso, geren-te de Treinamento do GRAU (Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emer-gências) da Secretaria de Saúde do Esta-do de São Paulo. Ele cita como grandes contribuições para o APH os tornique-tes, curativos hemostáticos, kits para cri-cotireoidostomia cirúrgica, dispositivos para drenagem torácica sem selo d’água, ultrassom e monitores multiparâmetro portáteis, além da telemedicina. “Tudo isto já foi usado e testado em ambiente de guerra, e hoje é utilizado no APH civil em muitos lugares do mundo”, comenta.

AVANÇOSA humanidade, desde seus primórdios,

aprende em ambiente bélico como tratar lesões graves e, de uma forma ou outra, transporta este árduo aprendizado para o cenário civil. Conforme observa o mé-dico especialista em Cirurgia Geral com área de atuação em Cirurgia do Trauma Bruno Pereira, membro da SBAIT (So-ciedade Brasileira de Atendimento Inte-grado ao Traumatizado) e professor da disciplina de Cirurgia do Trauma na Uni-camp (Universidade Estadual de Campi-nas/SP), vítimas de ferimentos por arma de fogo levadas para qualquer grande centro de trauma ou sala de emergên-cia da cidade certamente beneficiam-se de técnicas que uma geração de emer-gencistas e cirurgiões aprenderam, pri-meiramente, em cenários de combate.

“Apesar de toda a destruição e caos, a guerra estimula, sem sombra de dúvidas, os avanços médicos. Historicamente, tra-tamentos de cirurgia do trauma, cuida-dos de emergência e doenças infecciosas são aquelas áreas que mais avançam por consequência de conflitos bélicos”, ava-lia. Ele cita como exemplos a descrição, por cirurgiões romanos, de ligaduras de artérias para controlar o sangramento; e a invenção do torniquete, em 1718, quan-do o cirurgião do Exército francês Jean Louis Petit tornou possível amputar as pernas acima do joelho, evitando que o paciente sangrasse até morte. “Seu dis-positivo - que, neste caso, impede o flu-xo da artéria femoral - faz parte até hoje do kit de primeiros socorros de comba-tentes militares”, completa o especialista.

Por volta de 1862, “ambulâncias vo-adoras” foram utilizadas para transpor-tar soldados feridos durante a Guerra Civil Americana (1861-1865), graças ao médi co americano Jonathan Letterman. O mesmo médico foi responsável pela redução da mortalidade de combaten-tes durante o mesmo conflito, quando decidiu posicionar postos de primeiros socorros mais próximos ao front de ba-talha. Aliás, a Guerra Civil Americana impactou de forma significativa a práti-ca da Medicina nos EUA. “O cirurgião Blaisdell, tido por alguns como o pai do moderno conceito de centro de trauma, estabeleceu as normas para lidar com vítimas em massa e para a combinação de hospitais de campanha com grandes hospitais de estilo pavilhão. Este último se tornou o modelo para os hospitais municipais construídos pelos Estados Unidos durante os próximos 75 anos adiante”, detalha Pereira.

“O tratamento de um soldado baixado por pessoal médico no local do acidente deriva da guerra de trincheira - Primeira Guerra Mundial, e evoluiu por meio dos médicos de combate da Segunda Guerra Mundial”, lembra Marcio Leandro Reis-dorfer, major da Polícia Militar de Santa Catarina, socorrista formado em Medi-cina Tática e piloto de avião e helicópte-ro. Já o uso de aeronaves para agilizar o transporte do acidentado para um hos-pital veio de procedimentos de evacua-ção aeromédica desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial (1939– 1945) e Guerra da Coreia (1950 – 1953), culmi-nando com as operações militares aére-as no Vietnã (1955 - 1975). Este último

GUERRAS E APH NOS EUA– Casualty Evacuation) e para remoções aeromé-dicas (Medvac - Medical Evacuation); O desenvolvimento

da medicina aeroespacial e hipobárica; O desenvolvimento

da medicina hiperbárica e tabelas de tratamento hiperbárico com ar e mis-turas respiratórias; O desenvolvimento

de equipamentos e ma-teriais para hemostasia, tais como as bandagens e substâncias hemostáti-cas, clamps (grampos) de

fechamento de ferimentos, além dos torniquetes de combate, entre outros para prevenir o estado de choque hipovolêmico; O desenvolvimento das técnicas e equi-

pamentos para reinfusão sanguínea em campo de combate; O desenvolvimento de técnicas e equipa-

mentos para acessos intraósseos; O desenvolvimento de selos de tórax e

conjuntos de punção torácica para controle do pneumotórax; O desenvolvimento de biotelemetria para

monitorização e acompanhamento à distância dos campos de batalha pelos centros médicos e especialistas de referência; O desenvolvimento da telemedicina com

uso de equipamentos robóticos para cirurgias à distância.

Referencial no atendimento pré-hospitalar mundial devido a iniciativas pioneiras, os Estados Unidos souberam adaptar diversas descobertas testadas durante as guerras para o APH civil. Veja abaixo algumas contribuições expressivas, adotadas a partir da década de 1970: O desenvolvimento de profissionais dedica-

dos ao atendimento pré-hospitalar, como Técni-cos em Emergências Médicas e Paramédicos, sendo esta a principal diferença para a evolução dos Sistemas de Emergências Médicas da área civil nos Estados Unidos; O desenvolvimento dos Sistemas de Co-

mando de Incidentes e protocolos para aten-dimentos a múltiplas vítimas, como o método S.T.A.R.T. - Simple Triage and Rapid Treatment/Transportation; O uso de aeronaves para resgate (Casevac Fonte: Jorge Alexandre Alves, paramédico especializado em Emergências Médicas, instrutor dos programas PHTLS (Pre-

-Hospital Trauma Life Support) e ACLS (Advanced Cardiac Life Support), e sócio-diretor da Fire & Rescue Group.

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Técnica de hemostasia, utilizando uma atadura (bandagem) compressiva

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conflito foi marcado ainda pela presen-ça do paramédico - ou seja, os próprios soldados americanos recebiam formação para socorrer companheiros feridos.O conceito de Paramedicina logo foi leva-do para o meio civil. Em 1973, quando a Guerra do Vietnã ainda se desenrolava, o presidente Nixon adotou a ideia para atender vítimas do trânsito americano. “Paradoxalmente, as colisões veiculares nas ruas e estradas feriam mais pessoas do que a guerra em curso. O currícu-lo nacional nos EUA é publicado pelo DOT (Department Of Transportation), pa-ra formação de First Responders (Emergen-cy Medical Responder) e paramédicos. Ou seja, o DOT define as atribuições dos profissionais que atuam na estabilização da vítima para transporte. Diferente do Brasil, onde o atendimento a feridos no trânsito é regulado pela Saúde, e não pe-lo Transporte”, explica Randal Fonseca, diretor da RTI (Rescue Training Internatio-nal), instrutor formador NSC (National Safety Council) de Emergências Médicas e Condução Segura e instrutor de Gestão de Emergências e Sistema de Comando de Incidentes.

O conflito em terras vietnamitas ren-deu ainda a adaptação da remoção aero-médica para o meio civil. “O Pentágono - cérebro do Exército Americano -, em 1968, emprestou helicópteros para um programa piloto para resgatar as vítimas de acidentes de trânsito em San Antonio, Dallas e Baltimore, quando o cirurgião de trauma Adams Cowley convenceu as autoridades de Maryland a criar o primei-ro sistema de transporte e resgate aéreo em todo o estado, no início de 1970. O sistema de resgate aéreo mundial evoluiu muito com estas experiências, de forma global”, relata o médico Bruno Pereira.

ATUAISNo entanto, as maiores conquistas

CONHEÇA OS PRINCIPAIS FERIMENTOS FATAIS EM ÁREA DE COMBATE:

Fonte: Jorge Alexandre Alves, paramédico especializado em Emergências Médicas, com base em dados da NAEMT (Na-tional Association of Emergency Medical Technicians)

Hemorragias de extremidades – 60% Pneumotórax hipertensivo – 33%

Obstrução de Vias Aéreas – 6% TCE (Traumatismos Cranioencefálicos) – penetrantes – 40% (mortes inevitáveis) Grandes hemorragias com morte imediata (em menos de seis minutos) - 90%

chegaram a partir das guerras recentes, como Afeganistão e Iraque. Iniciado em 2003, o controverso conflito trouxe inovações em controle da hemorragia, reanimação e monitorização, resultan-do num percentual de mortalidade de apenas 10% entre os soldados feridos. Esta porcentagem significa um grande salto quando se observa que, na Guerra do Vietnã, 24% dos pacientes morriam e, na Segunda Guerra Mundial, a taxa era de 30%. Nestes conflitos recentes, o choque hemorrágico, que em geral ocorre a partir de amputação traumática ou ferimento penetrante, continua sen-do a causa principal de morte de solda-dos em combate. Para prevenir e tratar o choque hemorrágico, muitas vezes, os pacientes recebem transfusões de san-gue. “Assim, novos consensos surgiram sobre transfusões de sangue e sua rela-ção com seus próprios derivados, suge-rindo a transfusão de concentrados de hemácias, plaquetas e plasma na mesma proporção, de forma que o sangue rece-bido pelo combatente ferido fosse, desta forma, o mais próximo daquele que co-nhecemos como sangue total”, conta o médico Bruno Pereira.

Outro aprendizado com os conflitos bélicos recentes é o tratamento agressi-vo da chamada “tríade letal” - quando a vítima se encontra em estado crítico, com hipotermia (temperatura abaixo de 35ºC), acidose (excesso de ácido nos lí-quidos do corpo) e coagulopatia (dis-túrbio da coagulação sanguínea). O uso de técnicas hemostáticas, a intervenção cirúrgica precoce e o controle de danos com ativação do protocolo de transfusão maciça levaram a taxas de sobrevivência, em ambientes militares, de mais de 86%, contra 40-60% em configurações civis - sem a utilização destas intervenções. Conforme avalia Pereira, a adoção des-tas práticas de transfusão em cenário civil

de trauma tem sido relativamente lenta.

MEDICAMENTOSNovidades que vêm sendo testadas em

meio aos conflitos são o fator VII ativa-do recombinante e o ácido tranexâmi-co, que têm se mostrado potencialmen-te eficazes no controle da hemorragia e diminuição do risco de morte. Porém, as maiores novidades estão no forma-to e possibilidades de vias de acesso das medicações aos organismos, oferecen-do menor exposição ao risco das equi-pes de atendimento médico de combate e melhor eficiência de ação das drogas no organismo. “A mentalidade é poder desenvolver técnicas de tratamento de fácil aplicação pelo combatente e me-dicamentos que possam ser utilizados nos soldados atingidos, e que sejam ar-mazenados em pequenos volumes e com o menor peso possível, pois cada combatente levará consigo o necessário para um atendimento. O acesso intra-ósseo é um exemplo de tecnologia para facilitar a infusão da medicação necessá-ria na emergência, já que o combatente não tem a habilidade de fazer um aces-so venoso periférico com um dispositi-vo de grosso calibre para infusão rápida da medicação necessária. No Brasil, es-tas tecnologias só podem ser utilizadas pela equipe avançada (médicos e enfer-meiros treinados), diferente dos comba-tentes americanos, por exemplo”, cita a especialista em Medicina de Urgência e Transporte Aeromédico Júnia Shizue Sueoka, coordenadora-geral do SAMU de Diadema/SP, integrante do GRAU e professora em cursos de Primeiros So-corros e Urgências.

O acesso intraósseo é um exemplo de tecnologia vinda de conflitos

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Medicina TáticaAplicação de ações da Medicina de Guerranos conflitos urbanos

Fruto da evolução iniciada há séculos, o atual conceito de Medicina de Guerra considera as ações praticadas por profis-sionais de saúde militares, sendo desen-volvidas em hospitais localizados em ci-dades próximas às áreas de guerra ou em postos hospitalares avançados com es-truturas e pessoal mobilizável; ou ainda por militares com formação específica em Técnicos em Emergências Médicas e/ou Paramedicina, que atuam nas fren-tes de combate. Estes profissionais rece-bem treinamentos específicos para aten-dimentos de emergências em ambiente bélico, como o TCCC (Tactical Combat Casualty Care – veja detalhes no box).

Com o passar dos anos, observou-se que as inovações desenvolvidas durante as guerras poderiam ser úteis diante de conflitos urbanos, manifestações, etc., já que é comum haver feridos nestas ocasiões - sejam eles policiais, seques-tradores, populares. “Nos conflitos ur-banos, muitas vezes, o ambiente ao re-dor da zona quente permanece no seu estado de normalidade, o que exige um cuidado maior das equipes envolvidas, para evitar maiores danos às pessoas ou ao patrimônio próximo ao local de con-flito. Outra diferença quando compara-mos conflitos urbanos com as guerras está na disponibilidade de recursos e na proximidade dos centros de trauma. Nos conflitos urbanos, normalmente há

mais recursos disponíveis para o APH (inclusive suporte avançado, que muitas vezes não existe no ambiente de guerra), e o tempo para o transporte até o hos-pital costuma ser menor”, analisa Ricar-do Galesso, gerente de Treinamento do GRAU (Grupo de Resgate e Atenção às Urgências e Emergências) da Secretaria de Saúde do Estado de SP.

Os profissionais que atuam em distúr-bios civis praticam a chamada Medicina Tática. “São profissionais com forma-ção específica em Técnicos em Emer-gências Médicas e/ou Paramedicina que atuam como policiais em ações de confronto urbano, tanto em repressão a crimes, terrorismo ou distúrbios civis. Estes profissionais recebem treinamen-tos específicos para atendimentos de emergências, como o LEFR-TCC (Law Enforcement and First Response Tactical Ca-sualty Care)”, explica o paramédico espe-cializado em Emergências Médicas Jorge Alexandre Alves.

NACIONALNo Brasil, Alves observa que práticas

da Medicina Tática enfrentam a empeci-lhos como a falta de profissionais técni-cos em emergências médicas e paramé-dicos atuando em grupos policiais; e a carência de recursos materiais e sistema-tizações para os procedimentos corre-tos e seguros, quando consideradas re-

Profissionais que atuam em distúrbios civis praticam a chamada Medicina Tática

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ferências de países onde a Medicina Tá-tica está bem alicerçada, a exemplo dos Estados Unidos. As dificuldades para o desenvolvimento da Medicina Tática em território nacional esbarram na própria falta de reconhecimento das profissões Técnico em Emergências Médicas e Pa-ramédico, que não existem na legislação. Além dos conhecimentos médicos e da competência para executar procedimen-tos de suporte avançado de vida, estes profissionais possuem, em sua forma-ção, conhecimentos sobre equipamen-tos e técnicas para proteção e acesso a áreas com diversos riscos, em ambiente

pré-hospitalar.Já o major Marcio Leandro Reisdor-

fer, socorrista formado em Medicina Tática e piloto de avião e helicóptero, comenta que a Medicina Tática no Bra-sil é tratada de forma incipiente, sendo mantida e fomentada por poucas corpo-rações policiais. Quase sempre, são os próprios grupos de operações especiais e/ou unidades táticas que buscam trei-nar tais situações, assim como ocorreu nos Estados Unidos há duas décadas, no início destas ações naquele país. Ele sa-lienta que, atualmente, não há nenhuma literatura escrita ou traduzida a respeito do assunto em terras brasileiras, o que dificulta sua difusão e, consequentemen-

te, a formulação de diretrizes.Para Jorge Alexandre Alves, as ini-

ciativas existentes no Brasil podem ser classificadas como Resgate Tático, pois os profissionais que as exercem não possuem capacitação correspondente à prática da Medicina Tática do exterior. “Temos visto algumas iniciativas de ins-tituições policiais para desenvolverem procedimentos e técnicas de Resgate Tá-tico, como o curso de 40h que desenvol-vi em 2010 para a FNS (Força Nacional de Segurança)”, pontua, reforçando que o profissional treinado para atuação no ambiente tático sem supervisão deve do-minar tanto as técnicas de saúde quanto o uso, se necessário, de armas de fogo.

SAIBA MAIS SOBRE O TCCC

Realidade brasileiraEspecialistas avaliam a aplicação das novidades da Medicina de Guerra nos serviços de APH no país

Seja pelo desconhecimento ou a pos-tura do país, que não costuma se envol-ver em conflitos bélicos, é fato que o APH no Brasil ainda não assimilou boa parte das inovações desenvolvidas em guerras. Todavia, é necessário avaliar a importância do conhecimento e aplica-ção destas inovações no enfrentamento dos diversos conflitos urbanos viven-ciados por toda a nação. O “Mapa da Violência 2015”, levantamento realiza-do pelo Governo Brasileiro, UNESCO (Organização da ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura) e FLACSO (Fa-culdade Latino Americana de Ciências Sociais) e divulgado em maio deste ano revelou que, só em 2012, 42.416 brasi-

leiros morreram vítimas de armas de fo-go. Destes, 40.077 foram assassinados. O número de óbitos por disparo de ar-mas de fogo aumentou 387% entre 1980 e 2012.“Sem sombra de dúvidas, base-ado nos fatos históricos e nas evidên-cias atuais, o conhecimento de técnicas e equipamentos de Medicina de Guerra é importante no Brasil e pode melhorar sobremaneira a sobrevida de pacientes em situações de emergência e trauma”, reflete o médico especialista em Cirurgia Geral com área de atuação em Cirurgia do Trauma, Bruno Pereira. Agulhas in-traósseas, por exemplo, facilitam a ad-ministração de líquidos e analgésicos em cenários de trauma, sendo importantes

Curso de Resgate Tático para a Força Nacional de Segurança

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Criado após o conflito na Somália, em 1993, o TCCC (Tactical Combat Casualty Care, ou Atendi-mento a Vítimas de Combate Tático) foi publicado em 1996 nos anais de Medicina Militar nos Estados Unidos. O curso é voltado especificamente para mi-litares, e aborda técnicas de salvamento baseadas em evidências e estratégias para proporcionar o melhor atendimento ao trauma no campo de ba-talha, segundo a NAEMT (National Association of Emergency Medical Technicians) - entidade ame-ricana que é referência no setor e oferece o TCCC. O treinamento está sendo trazido ao Brasil pelos médicos habilitados junto à NAEMT, Júnia Sueoka e Fabio Almeida. “Neste curso, o aluno aprende a lidar com as principais situações de trauma causa-das pelo conflito, que podem levar a vítima à morte. Aprende a utilizar os equipamentos e a aplicar as táticas de deslocamento, avaliação, tratamento e evacuação da vítima para um centro de referência. O resultado é muito melhor do que esperar até que uma equipe especializada chegue até o local para, então, iniciar o tratamento pré-hospitalar adequa-do”, detalha Júnia.

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Profissionais afirmam que técnicas e equipamentos de Medicina de Guerra são importantes para os conflitos urbanos no país

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quando profissional e paciente estão em movimento devido ao transporte aé-reo ou à circulação em estradas em más condições. Portanto, este recurso é inte-ressante para países como o Brasil, de-vido a condições ruins em diversas vias e terreno acidentado. A administração de medicamentos durante o transporte nestas condições pode mover o acesso venoso para fora de seu lugar de origem, causando danos irreversíveis ao paciente crítico. “Acessos intraósseos são, agora, prática padrão para atendimento de trau-ma em países de alta renda, para o uso em trauma grave e acidentes de trânsi-to. A relativa facilidade de treinamento e colocação pode torná-los uma proposta atraente para uso por pessoal de saúde comunitária e enfermeiros, que muitas vezes são os primeiros a prestar cuida-dos em contextos de países de renda média-baixa como o Brasil”, explica o especialista.

Na avaliação do gerente de Treina-mento do GRAU, Ricardo Galesso, os serviços brasileiros estão começando, aos poucos, a utilizar a tecnologia vin-da dos conflitos armados. “Isto depen-de muito dos recursos financeiros dis-poníveis para cada serviço. Em relação ao conhecimento, posso dizer que, no momento, ele está sendo construído. Não temos padronização de condutas, e existem muitas ofertas de cursos de Medicina Tática, os quais não sabemos a origem nem o nível de qualidade do ensino. Portanto, é necessário ter mui-to cuidado e critério quando se procura adquirir este novo conhecimento. Pes-quisar a qualidade e a confiabilidade de um curso é essencial antes de se propor

a fazê-lo. O APH que fazemos em nos-so dia a dia já possui um elevado nível de risco a ser gerenciado; o APH Táti-co tem este risco elevado exponencial-mente”, diz.

FORMAÇÃOJúnia Sueoka, coordenadora-geral do

SAMU Diadema/SP, lamenta a falta de preparação dos profissionais de emer-gência no país. “Infelizmente, a forma-ção dos profissionais está muito precá-ria. Caso eles queiram se aperfeiçoar, têm que fazer uma especialização à par-te, uma pós-graduação. Se eles não bus-carem por esta especialização, não terão acesso às novas tecnologias e, portanto, não terão conhecimento necessário para a sua utilização. Como os conflitos urba-nos estão cada vez mais semelhantes a uma guerra, todos os que trabalham com emergência deveriam conhecer estas no-

vas tecnologias e saber como e quando aplicá-las”, fala a médica.

Na opinião de Randal Fonseca, di-retor da RTI, instrutor formador NSC (National Safety Council) de Emergências Médicas e Condução Segura, antes de se adotar, no APH brasileiro, equipa-mentos de última geração, desenvolvi-dos pelos EUA para melhorar o aten-dimento aos soldados feridos nos con-flitos armados, será necessário começar pela organização geral dos serviços de APH. “É fundamental ter um Currícu-lo Nacional Básico, livre dos interes-ses sectários, que seja verdadeiramente consistente e com abertura para alinhar às situações peculiares encontradas no território nacional - incluindo, florestas, ilhas e áreas de navegação, por exem-plo”, esmiúça.

Fonseca acredita que esta discussão não deva partir apenas de órgãos gover-namentais, e sim contar com a partici-pação da iniciativa privada e da popula-ção, considerando que cada pessoa pode atuar dentro do sistema de atendimento a emergências, e fazer a diferença. “Se é para aprendermos alguma coisa com as guerras, vamos tirar proveito desta lição. Vamos colocar os munícipes na posição dos soldados. Cada um pode aprender a fazer uma parte do processo. Em vez de soldados-cidadãos, podemos ter so-corristas-cidadãos. Precisamos focar na gestão. Sem gestão, sem formação, os equipamentos de alta tecnologia, como ocorre com ambulâncias, virarão sucata - vítimas, eles mesmos, daquilo que cha-mamos de ‘nossa realidade brasileira’”, conclui o instrutor.

APH no Brasil ainda não assimilou boa parte das inovações desenvolvidas em guerras

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