espac(oe distintividade: igreja de nossa senhora do

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ESPAC(OE DISTINTIVIDADE: IGREJA DE NOSSA SENHORA DO RosARIO DE ESTANCIA,IGREJA DA ELITE. Pretendemos analisar neste traba- lho representa~oes a proposito de u~ templo religioso, a igreja de Nossa Se n~ora do Rosario, numa cidade do inte~ rlor do Estado de Sergipe - Estancia l . Antes de nos voltarmos para a ana lise destas representa~oes, vejamos aT gu~s ~ados teoricos da qu~stao que nos gUlarao nesta abordagem socio-antropo- logica do espa~o. E patente no ambito das ciencias sociais a ideia de que 0 espa~o possui uma dimensao social alem da dimensao flsica geografica. Possui ainda uma d~mensa~ simbolica, ou seja: "El espa- C10 esta carregado de sentido" (Castells, 1979:2~6). D~sse ~odo.: 0 espa~o podera ser melO de slmbollza~oes diversas. Sendo a.cida~e um espa~o sobremodo cuI tural, lstO e, onde os homens ultrapas sam a natureza, esta e, com certeza urn l?cal ~riv~legiado para percep~oes a slmbollza~oes variadas. A cidade re- produz simbolicamente a sociedade e, sua organiza~ao nas sociedades em clas se, e uma metafora da domina~ao (Hols~ ton, 1982:176). 0 espa~o urbano anre senta-se, desse modo, como mecanism~ ere expressao de oposi~oes significativas. No i~terior da cidade a ocuEa~ao dife- renclada dos espa~os marcara diferen ~as f~n~amenta~s, diferen~as de cara~ ter soclo-economico. Para Bourdieau (1974: 15) "as _distin~oes simbolicas sao sempre secuJ.:ld::-rias em rela~ao as dife- ren~as economlcas que as primeiras ex primem, transfigurando-as" Para 0 Cl tado autor, uma classe social nao se distingue das demais apenas pelas rela Pesquisador da UPS. GEONORDESTE, Ana II, n9 2, 1985, pp. 63/68. ~oes_economicas que estabelece, mas tam~em por meio de distin~oes signifi Catlvas~ m::-rc~doras d~ diferen~as, em suma, dlstln~oes simbolicas. Essa Ii nha de racio~lnio nos servira de gUla na compreensao da Igreja de Nossa Se nhora dO,Rosario como templo preferi~ do da ellte estanciana tradicional. A area onde se situa a cidade de Estancia fazia parte da Sesmaria doa- da ao mexicano Pedro Homem da Costa e seus f~miliares em 1621 pelo capitao- m?r Joao M~ndes, governante da capita nla. No seculo XVIII a regiao se de~ senv?lve sobretudo gra~as a cultura da mandloca e de cana cujos produtos eram e~portados por meio do seu porto flu- vlal para Bahia e Pernambuco. No oito centos passa 0 povoado a ser a sede da vila (ate entao na vizinha Santa Lu zi::-)t.orn.ando-sepor essa epoca um dos prlnclpals entrepostos mercantis da entao provlncia de Sergipe. Nessa fa se ~estaca-se 0 comercio realizado pre domlnantemente por portugueses vindos da Bahia e al fixados. A partir da segunda metade daquele seculo, inicia": se.o proce~so de industri~liza~ao com a lnstala~ao de algumas fabricas de tecidos por represent antes da colonia lusa na cidade. A partir da decada de quarente deste seculo, 0 comercio da cidade sofre a concorrencia de Ara caju e outras cidades do Estado, per~ dendo seu porto a importancia' que an tes desfrutava. Com a abertura da BR 101. (Rio-~ah~a) a cidade retoma parte da lmportancla perdida. Atualmente a cidade e um dos principais parque in- dustriais do Estado, possuindo cerca de 42 industrias entre os quais se des tacam as texteis e as de beneficiamen to de fruto~. Possui 1.615 estabeleci mentos agrlcolas 151 estabelecimento; de comercio varejista e 8 ataca-

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Page 1: ESPAC(OE DISTINTIVIDADE: IGREJA DE NOSSA SENHORA DO

ESPAC(OE DISTINTIVIDADE: IGREJA DE NOSSA SENHORA DO

RosARIO DE ESTANCIA,IGREJA DA ELITE.

Pretendemos analisar neste traba-lho representa~oes a proposito de u~templo religioso, a igreja de Nossa Sen~ora do Rosario, numa cidade do inte~rlor do Estado de Sergipe - Estancial.

Antes de nos voltarmos para a analise destas representa~oes, vejamos aTgu~s ~ados teoricos da qu~stao que nosgUlarao nesta abordagem socio-antropo-logica do espa~o.

E patente no ambito das cienciassociais a ideia de que 0 espa~o possuiuma dimensao social alem da dimensaoflsica geografica. Possui ainda umad~mensa~ simbolica, ou seja: "El espa-C10 esta carregado de sentido" (Castells,1979: 2~6). D~sse ~odo.: 0 espa~o poderaser melO de slmbollza~oes diversas.Sendo a.cida~e um espa~o sobremodo cuItural, lstO e, on de os homens ultrapassam a natureza, esta e, com certeza urnl?cal ~riv~legiado para percep~oes aslmbollza~oes variadas. A cidade re-produz simbolicamente a sociedade e,sua organiza~ao nas sociedades em classe, e uma metafora da domina~ao (Hols~ton, 1982:176). 0 espa~o urbano anresenta-se, desse modo, como mecanism~ ereexpressao de oposi~oes significativas.No i~terior da cidade a ocuEa~ao dife-renclada dos espa~os marcara diferen~as f~n~amenta~s, diferen~as de cara~ter soclo-economico. Para Bourdieau(1974: 15) "as _distin~oes simbolicas saosempre secuJ.:ld::-riasem rela~ao as dife-ren~as economlcas que as primeiras exprimem, transfigurando-as" Para 0 Cltado autor, uma classe social nao sedistingue das demais apenas pelas rela

Pesquisador da UPS.

GEONORDESTE, Ana II, n9 2, 1985, pp. 63/68.

~oes_economicas que estabelece, mastam~em por meio de distin~oes signifiCatlvas~ m::-rc~doras d~ diferen~as, emsuma, dlstln~oes simbolicas. Essa Iinha de racio~lnio nos servira de gUlana compreensao da Igreja de Nossa Senhora dO,Rosario como templo preferi~do da ellte estanciana tradicional.

A area on de se situa a cidade deEstancia fazia parte da Sesmaria doa-da ao mexicano Pedro Homem da Costa eseus f~miliares em 1621 pelo capitao-m?r Joao M~ndes, governante da capitanla. No seculo XVIII a regiao se de~senv?lve sobretudo gra~as a cultura damandloca e de cana cuj os produtos erame~portados por meio do seu porto flu-vlal para Bahia e Pernambuco. No oitocentos passa 0 povoado a ser a sededa vila (ate entao na vizinha Santa Luzi::-)t.orn.ando-sepor essa epoca um dosprlnclpals entrepostos mercantis daentao provlncia de Sergipe. Nessa fase ~estaca-se 0 comercio realizado predomlnantemente por portugueses vindosda Bahia e al fixados. A partir dasegunda metade daquele seculo, inicia":se.o proce~so de industri~liza~ao coma lnstala~ao de algumas fabricas detecidos por represent antes da colonialusa na cidade. A partir da decadade quarente deste seculo, 0 comercioda cidade sofre a concorrencia de Aracaju e outras cidades do Estado, per~dendo seu porto a importancia' que antes desfrutava. Com a abertura da BR101. (Rio-~ah~a) a cidade retoma parteda lmportancla perdida. Atualmente acidade e um dos principais parque in-dustriais do Estado, possuindo cercade 42 industrias entre os quais se destacam as texteis e as de beneficiamento de fruto~. Possui 1.615 estabelecimentos agrlcolas 151 estabelecimento;de comercio varejista e 8 ataca-

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distas. A elite local tradicional ecomposta de fazendeiros (pecuaristas ecitricultores)e comerciante sendoque muitas vezes as duas ~tividadessao ex~rcidas por uma mesma pessoa. VaIe sallentar que esses fazendeiros saoem grande parte, descendentes de senhores de engenho do passado e que deixa~ram ~ cultivo da cana para se dedicarem a atividades mais lucrativas. Configura-se ainda na cidade uma "eliteadventicia", sem a marca da tradicao er~centemente chegada. As industriassao, na.sua maioria, de grupos economicos resldentes fora da cidade e mesmodo Estado. Quanto aos estratos inferiores da sociedade sao operarios OUpequenos comerciantes varejistas. A popUlacao urbana atual (1983) e de 3l.l4Uhabitantes.

A IGREJA DE NOSSA SENHORA DO RosARIO:TEMPLO DE "ELITE TRADICIONAL"Possui a cidade de Estancia na

~ua are~ ~rbana m~is ~entral, 3 'igre-Jas catollcas: a 19reJa de Nessa Senhora.de ~uadalupeL ~ igreja do Amparo ea 19reJa do Rosarlo.3 A de Nossa Senhora de Guadalupe e a matriz diocesa~na, remonta ao seculo XVII e cre-seter sido edificada pelo sesmeiro PedroHomem da Costa que a teria dedicado aNossa Senhora de Guadalupe padroeiradesua terra natal, 0 Mexico. No passado(e ainda hoje) foi sede da Irmandade doSantissimo Sacramento. A Igreja deNoss~ Senhora do Amparo (ao que parece,do seculo XIX) deve ter surgido paraservir de sede a irmandade do mesmo nome. Atualmente e utilizada, sobretudopelas freiras franciscanas que moram'nos arredores desta.

A igreja de Nossa Senhora do RosarioL por sua vez, come~ou a ser construlda em 1772 pela Irmandade do· Rosario para the servir de sede. Era com-posta, essa irmandade, inicialmente deescravos, livres e libertos: "A pa~tirda segunda metade do seculo XIX ha urnprocesso de elitizacao". (Santos,1984:16). Escravos e libertos vao desaparecendo da irmandade, ao passo que elementos da aristocracia vao nela ingressando. Na atualidade, essa tendenciapersiste. Embora tenha desaparecido airmandade, a igreja do Rosario permanece como 0 temple da "elite tradicional". Apesar de ser a igreja de NossaSenhora de Guadalupe a matriz diocesa-na e paroquial e a mais antiga da cidade, e a igreja de Nossa Senhora do Rosario que e percebida pela populacaoco~o sendo 0 temple mais importante eate mesmo 0 mais antigo. Associada aimportancia do tempo, esta a ideia decentralidade. Para a grande maioriados entrevistados, ela esta localiza-da no "centro". Todavia, se considerarmos 0 centro como local da administrac?o, a igreja central seria a Matr~z, localizada na praca principa~

64j~nt~ a Prefeitura, a casa paroquial, aBlbl~oteca Municipal, a DER-l enfimno nucleo administrativo e ~ultural:E~t~bel~ce-se assim uma diferenca siKnlflcatlva. Na expressao de Castell~(1979:269): Hay que distinguir cuidadosamente este centro politico por .unaparte, del.centro simbolico, q~e es 50bretudo em~sor de valores". Desse mod~,.a Matrlz localiza-se no "centro pol~tlco", ~o passo que a igreja do RosarlO ~ocallza-se no "centro simbolicoTfda <;:lda~e.Espaco da tradicao, da "heredl~arledade", como disse urndos entrevlstados a proposito do referido ternplo.

Igrejado Rosario IgrejaNossaSenhoradeGuadalupe

Localizadano "Cen Localizadano "Centrotro Simbolico" - POliticoAdministrativd'

~ percer.ca~ d~ Rosar~o como templo docentro nao e gratulta. A populacao

ternju~t~fisativas para tal. A Pracad~ Rosarlo e tida como "ponto onde seda para todo movimento"(entrevista nu~e~? 2). Ao ligar a centralidade a~del~ de ~ntigUidade do templo: "e a19reJa malS antiga" (entrevista n9 3).Ex~ge~a-se a "antigUidade". Por ser amal~ lmport~n!e cre-se logo se a maisa~tlga._ ~ ~deia de antigUidade assoc~a-se a ldeia de prestigio, de tradIcao, de poder. Lembramos da fala deurnmembro da aristocracia agraria 10cal: "Minha familia e quatrocentona-:-Vem desde 05 primordios de Sergipe".Noutra perspectiva, a ideia de "centro"vem associada claramente aos ocupantesdo :spaco"e ~ua posicao na estruturasOCl~l. All moravam fazendeiros, comerclantes. 05 Silveiras 05 Ribeiros-etc." (entrevista n9 4). '0 tinico que'"co~o~a'~a i~reja do Rosario na "periferla e urnJovem. Para ele 0 templodo "centro" e a Matriz, por estar 'no"centro politico" da cidade (entrevista ~9 5). Para a maioria, 0 Rosario~sta no centro, "entre as familias maislmport':l:ntesda cidade" (entrevista n96). Ve-se desse modo que a nocao de"centr?" e uma realidade plantada maisno soclal: ao explicar a centralidade~o.templ~ em questao, remete-se semore~ lmportancia social dos que habitam aarea ur~ana (Praca do Rosario) ondee~e est~ localizado. A igreja do Rosar~o esta no "centro" porque esta locallzada na Praca do Rosario e esta e"uma das areas de habitacao das familias mais tradicionais e importantesdacidade.na percepcao de quase todos 05e~tre!lstados~ No seu imaginario, esta mUlto claramente delimitada a areade habitacao das pessoas melhor situadas naquela sociedade: Praca do Rosario ~om prolongamento para a Praca d~Matrlz, a rua que liga as duaspracas4.

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65Aqui faz-se necessario uma distin de profissionais liberais e funciona

cao entre a "elite tradicional" da cI rios publicos, que se fixaram na areadade (agro-pecuarista e comerciantel e residencial mais nova da cidade: 0"elite adventIcia", chegada a cidade Bairro das Alagoas, um antigo bairronos ultimos anos e formada sobretudo da periferia que atualmente se elitiza.

Area Residencial Atividade economica Templofrequentado

"Elite Tradicional" Praca do Rosario Comercio/IndustriweRua Capitao Salo agricultura no passadc Igreja domao Agro-pecuaria/comer RosarioPraca da Matriz cio no presente -

Profissionais liberais -

"Elite Adventfcia" Bairro Alagoas Funcionarios publiccosAltos funcionariosdas fabricas

Esse movimento obedece a uma logica de destacamento da area residencialdo centro polftico-administrativo e comercial para uma area especializada, e~sencialmente residencial. Isso, contudo, da-se apenas com a "elite adventIcia". A "elite tradicional" permaneceno centro tradicional da cidade e naoadmite dele afastar-se.

A preferenaia da "elite tradicional" da cidade pela igreja do Rosarioe justificada a partir da tradicao:"Sempre foi assim" (entrevista n9 4)ou "era deles (dos ricos) na historia,no passado" (entrevista n9 6). A preferencia e assim tida como vinda demuito longe, como uma "tradicao" uma"hereditariedade". E ainda preferidaa igreja por "ser proxima" ser "me.nor","estar no centro" ter um "tcham" deelite (entrevista~ ns. l-3-4)~ Todasas justificativas realcam a distintividade do Rosario com relacao a outrostemplos catolicos da cidade. Ele teria algo a mais que os outros.

Quem sac os devotos e freqUentadores da igreja de Nossa Senhora do Rosario? A resposta aponta numa direcao:"a elite tradicional" da cidade. Definidos como "gente de bem", "classe alta", "famllias tradicionais", "os rIcos", "mulheres velhas ricas". Parece-nos obvio ser 0 Rosario a igrejaI!regileta e "reser~ada" daqu~la :lite.E la que esta rea11za as cer1mon1as religiosas mais significativas. F~lo dos"rituais de passagem" como bat1zado~,casamentos, velotios e missas de setimo dia. E no Rosario que essa eliterealiza as "passagens": do paganismopara a vida crista (batismo), da vidade solteiro para a vida de casado (C!

samento) e, finalmente, da vida paraa morte (velorios e missas de setimodia). Realizar essas cerimonias notal temple exige um certo poder aquisitivo, uma vez que sao cobradas taxas(para velorios e casamentos). Essas taxas tem como finalidade garantir a prIvacidade do templo. As tentativas deum ex-capelio de realizar casamentosde pessoas pobres nesse templo provocaram uma forte reacao de sua zeladoraque argumentava dizendo que quem naopudesse pagar as ditas taxas nao deveria casar-se no Rosario. Segundo BOUTdieau (l974:14) "inumeras propriedadesde uma classe social provem de fate deque seus membros se envolvem delibera-da ou objetivamente em reZacoes simboZiaas (grifo nosso) com os indivfduosdas outras classes, e com isso exprimem diferencas de situacio e posicao~segundo uma logica sistematica tendendo a transmuta-las em distincoes signIfiaativas". E a partir dessas "distincoes significativas" que a elite tradIcional de Estancia faz da freqUenciaao temple do Rosario uma.das marcas desua posicao na sociedade, diferencian-do-se dos demais grupos ou classes.

A igreja do Rosario e tida hojeincontestavelmente como da "elite tradicional" da cidade. No entanto,vimosque nas Suas origens essa igreja estava aberta aos estratos socialmente desqualificados da sociedade (escravos elibertos). Tentaremos acompanhar umpouco este movimento de elitizacao dotemple que fez com que a peri£ericaigreja do Rosario, no passado, de e!

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cravos e libertos, passasse a ser aigreja do "centro" das famflias. (Santos, 19E4:l8). Que teria acontecido?A partir da segunda metade do seculoXIX assiste-se a uma serie de trans forma~5es de diversos nfveis na sociedad~d~ E~t~nci~. Nesse perfodo uma levaslgnlflcatlva de portugueses da Bahiaf!xa:se na cidade, dedicando-~e ao comerc~o e alguns, posteriormente (finaldo seculo XIX), a industria. Essesportugueses montam suas residencias napra~a do R?S~rio e na R~a Pernambuqui-nho (rua VlZlnha ao Rosario) (Souza1984). A.tftulo de hipctese, sugerimos que: lmpedidos de ingressar na Irmandade do Santfssimo Sacramento am~is elitista da cidade, que nao' admit:a nem pobres nem pretos no seu int~rlor, esses portugueses remediados ing~essam na Irmandade do Rosario, e dela expulsam escravos e libertos. Juntoa este movimento de "purifica~ao" daIrmandade guanto a sua composi~ao soclal, reallza-se a "reedifica~ao" dot~mplo, apes, apenas, quinze anos dotermlno de sua constru~ao. (Santos1984:15). Essa reedifica~ao pode se;entendida como metafora da mudan~aporque passava a irmandade a nfvel d~sua composi~ao. ~ precise pensar ain-da que, nesse perfodo, a igreja catclica no Brasil passa pelo processo dachamada romaniza~ao, 0 que implica dentre outras COlsas numa elitiza~a05. -

Em Estancia, 0 agente principaldesse processo e 0 monsenhor VitorlnoFontes que dirige a Irmandade nas primeiras decadas deste seculo e que atransforma numa associa~ao meramentepiedosa sob a sua dire~ao. (Santos,1984:17).

Tratando-se da Igreja de N. Sra.de Guadalup~ e da Irmandade do SS. Sacramento, ha fortes indfcios de quenas primeiras decadas destes seculo haurnmovimento em sentido inverso ou seja, urnprocesso de "abertura" ' senaoainda para os pobres, ao meno~ para aspessoas de cor e de posses. (Entrevista n9 4). Embora nao possamos, porfalta de dados, refletir de maneira mais~egura, percebe-se que enquanto a IgreJa de N. Sra. de Guadalupe "se abre"-a Igreja do Rosario "se fecha". Emb~ra cientes da existencia de outras ir~m~ndades e igrejas na cidade,das quaisnao sabemos a composi~ao sociai vemosque a Igreja de N. Sra. do Rosa;io ede Guadalupe se interligamou se integram.d~ for~a ~strutural num jogo d~0posl~oes dlaleticas, significativas.F?rma!i7ando os dados numa perspectivadlac~o~lca temos 0 seguinte quadro esquematlco:

"aberta"para escra-vos e libertos

"Fechada"paraescra-vos e libertos

"Aberta"para elitetradicional

"Fechado"para pobrese de cor

"Aberta"para de corse ricos

"Aberta"para todos

Na atualidade, a "elite tradicional" de Estancia apresenta diversos sTnais distintivos que a diferenciam dasdemais categorias sociais da cidade.Urnprimeiro sinal de distintividade ea origem.etnica. Ela se apresenta como possulndo remotas origens portuguesa~. Temos aqu~ 0 etnico usado paraafIrmar prestlglo no contexto da sociedade. No ambito da economia era aatividade comercial e indust;ial quedistinguiam os "portugueses" dos demalS. Hoje, a "elite tradicional" terncomo~d~stintivid~de economica a agro-pecuarIa.e 0 comercio. Quanto a arearesldencIal, essa elite continua residindo_na Pra~a do Rosario, Rua CapitaoSalomao e Pra~a da Matriz. Todos esses dados configuram urnquadro de diferen~as significativas da "elite tradTcional" frente a outras categorias.

Parecem ser um dado universal assim~01iza~6es sobre 0 espa~o. 0 espa~o e usado para estabelecer limites-distinguir, separar. Levi-Straus~(1967:159-60), estudando aldeias dealguns povos primitivos (Omarakana eBororo), ~ostra como entre estes povoso espa~o e percebido e simbolizado para estabelecer rela~6es de oposi~5esculturais significativas, como saglad?/profano, cru/cozido, masculino/femTnIno, centro/periferia. Registra ele~por exemplo, que entre os Bororos "nocentro da aldeia esta localizada a ca-sa dos homens, residencia dos solteiro~ lugar de reuniao dos casados e estritamente interditado as mUlhereso(196?:165). Tambem entre os Nuer, povo nIlota estudado por Evans-Pritcharo(1578:l2~) observa ~ antropclogo que"estes dao valores as distribui~6es 10cais". 0 espa~o e usado para estabelecer diferen~as socialmente significatTvas como "distancia polftica distancia de linhagem e a distanci~ do conjunto etario".

o espa~o aparece, no caso em estudo (igreja de Nossa Senhora do Rosa~rio), desempenhando urnEapel importan-te (embora como vimos nao exclusivo)na constru~ao da identidade da "elitetradicional" da cidade.

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67Primeiramente essa elite se defi

ne pela area onde reside, percebida como 0 "centro" da cidade em termos siiiibOlicos e/ou polftico-administrativo.-

A idlHa de "centro" e rica em sim~oliza~oes. 0 importante, 0 relevantee_sempre V~s!o.como central em oposi~~o ao per1fer1co que seria a sua nega~ao, 0 seu oposto necessario estrutu~ralmente. Tambem a ideia de centroremete-nos a ideia de decisao de coordena~ao e dire~ao. A elite 'tradicio~al localiza-se especialmente nessaarea. Essa proximidade e rica de sentido. Pode nos su&erir (0 que e verdad~) que tal elite e quem dirige a soc1edade, ~uem a coordena, ,quem possuTa hegemonia cultural da c1dade. Essaocupa~ao do "espa~o decisorio" da urbenos fornece assim dados para identifi'car as rela~oes da elite com 0 restoda sociedade, que sao justamente de dire~ao ou de domfnio. Ainda 0 "centroTY

d~ cidade, nesse caso, liga-se a tradicao: ,origem da cidade, a sua funda~ao~o e~ite se :onsidera como estando ligaoa a trad1~ao, ao passado remoto. -

E ta~bem urn outro espa~o (a igreja do Rosario) que constitui urn elemento da identidade de "elite tradicional": § unanime a ideia'de que a dita19reJa e 0 local do culto catolico prefer1do e freqUentado pelos membros dessa eli~e(Santos, 1984:17). A igrejado ~osar10 aparece como 0 local por excelencia, da tradi~ao. Nao so da tradi~ao, como dogosto mais refinado~Significativamente, os concertos de musica sacra sao realizados nesse temploque ~briga,um_acervo tom~ado pelo pa'tr1mon10 h1storico e art1stico estadual.

Com rela~ao ao templo do Rosariopodemos dizer que 0 etnico e a class~se articularam e trans forma ram urn espa~o "periferico", de escravos e libel'tos em urn espa~o "central", da elite.-

Alguns pontes obscuros dessa dinamica so poderao ser respondidos com futuras investiga~oes. AIgo, todavia~fic~ ~as~ante evidente: 0 espa~o (deresidencia e de cuI to) sac marcas constitutivas fundamentais da identidade era"elite tradicional" de Estancia. E apartir daquelas (alem de_outras) quee~ta mantem a sua estrategia de distin~ao dos demais segmentos da sociedadelocal.

NOTAS1 Para isso realizamos uma serie de 6

entrevistas com pessoas variadasquanto a faixa etaria, a posi~aosocial e 0 local de residinciana cidade.

2Utilizamos para fazer eSBe resumo a

monografia do SEPLAN/INEP Estan-cia, de onde retiramos os -aaaQsBOOre 0 passado e a atualidadeda cidade.

3Alem de outros templos nao-cristaos

existem na cidade muitos templo~protestantes assim distribuidos:Presbiterianos - 03Testemunhas de JeovQ- 01Assembleia de Deus - 03Congrega~ao Crista no Brasil- 01Batista - 01

4Essa e ~ area mais antiga da cidade.

o nucleo primitivo seria a Pra~ada Matriz a partir do qual a cidade se expandiu em diversas d7re~oes. Nesta expansao, cremosque as igrejas do Rosario e doAmpar~ tiveram um papel de n~clea~ao, formando pro~os que vierom a se interligor otraves doforma~ao de ruas.

romaniza~ao, alem da coloca~ao daIgreja Catolica do Brasil 30b 0controle direto do papade, significou uma identifica~ao do clerocom os grupos que detinham 0 poder (Moura & Almeida, 1978:329)~

BOURDIEAU Pierre. "Cendi~ao de classee posi~ao de classe" In: A eco-~ das trocas simbolicas, Trad.Serg~o~c~t Atti, Sao PaulO, Perspectiva, 1974, p. 3-25.-

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CASTELLS, Manuel. La question urbana,Trad. Irene C. Olivan, M~Siglo Veintiuno, 1979.

EVANS-PRITCHARD,-- E.E. Os Nuer, Trad.Ana Maria G. CoeYho~o Paule,Perspectiva, 1978.

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SEPLAN/INEP. Estanaia, Araaaju, INEp,1983 rSerie Monografias Munioipais,1). -

SOUZA, Raymundo SiZveira, "Portugueses na Estanaia" In: FoZha TrabaZhista

1 - R. M. N. 7S anos, agro-pecuarista.frequentadora da Igreja de N. Sra.do Rosario

2 - E. L. P. S8 anos, tabe1ia3 - N. O. 66 anos, esposa de pequeno

fazendeiro4 - V. O. L. 64 anos, professor de 19

e 29 graus e vereadorS - J. C. N. 21 anos, estudante, fi1ho

de feirante6 - J. B. O. 32 anos, funcionario p~

blico estadua1.