escravos roceiros e rebeldes

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Resenha do livro Escravos Roceiros e Rebeldes, SCHWARTZ, Stuart B.

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  • 133Semina: Cincias Humanas e Sociais, Londrina, v. 23, p. 133-136, set. 2002

    SCHAWARTZ, Stuart B. Escravos, Roceiros e Rebeldes

    A escravido um dos temas mais frteis nahistoriografia brasileira. Muito se tem escrito e co-mentado desde os trabalhos de Gilberto Freyre so-bre o escravismo paternalista, domstico e doce, eque chamaram ateno para a sua importncia nasrelaes sociais, destacando-se a miscigenao.

    Com viso diametralmente oposta a de GilbertoFreyre surgiram, nas dcadas de 1960 e 1970, estu-dos cientficos centrados no enfoque sociolgico dasrelaes sociais e na discusso da natureza capita-lista da economia escravista. Pesquisas sadas dasuniversidades brasileiras, principalmente da Univer-sidade de So Paulo, como as de Florestan Fernandessobre a integrao do negro na sociedade de classes,de Otvio Ianni e Fernando Henrique Cardoso sobreo capitalismo e escravido no sul do pas, permearamesse momento.

    Em fins dos anos 70, novas contribuies vieram tona no debate entre a natureza capitalista ou noda escravido. Estudos como os de Ciro FlamarionCardoso, Antonio de Barros Castro, Jacob Gorendere Fernando Novais vo por esse caminho, lanandonovas formulaes a respeito da escravido. A par-tir desse momento, pesquisas universitrias produ-zidas fora da Universidade de So Paulo comea-ram a aparecer com maior destaque. Os estudos ela-borados pelos norte-americanos, conhecidos comobrasilianistas, tambm ganharam alento. Foi nessemomento, por exemplo, que surgiu os estudos dohistoriador e professor Stuart Schwartz sobre a es-cravido na Bahia.

    Na coletnea intitulada Escravos, Roceiros e Re-beldes, Stuart Schwartz explora a relao complexa

    SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, Roceiros e Rebeldes. Trad. JussaraSimes. Bauru (SP): Edusc, 2001. 306p. (Histria).

    Andr Figueiredo Rodrigues*

    e dinmica entre escravos, senhores e outros gruposna sociedade escravocrata brasileira. O livro apre-senta seis textos elaborados e escritos durante as duasltimas dcadas do sculo XX, quando se dedicouao estudo da escravido no Brasil. Mas, ao contrriode somente republic-los, preocupou-se emreformular e/ou ampliar boa parte deles.

    No primeiro captulo apresenta A historiografiarecente da escravido brasileira. Nele discute astendncias predominantes entre os historiadores nor-te-americanos e brasileiros no estudo de nossa es-cravido ao longo dos ltimos quarenta anos.Schwartz preocupou-se em indicar os principais aca-dmicos e suas obras mais significativas,posicionando-os no contexto da evoluo dos estu-dos da escravido fora do Brasil, tais como a com-parao entre os sistemas escravagistas da Amricado Norte protestante com os da Amrica Latina ca-tlica, o funcionamento da escravatura e suas con-seqncias para o desenvolvimento econmico, aresistncia escrava e o uso da demografia histrica,que permitiu conhecermos em detalhes a estruturade posse de escravos, a famlia cativa, os processosde manumisso ao judicial em que os direitosde propriedade eram cedidos e na qual o ex-escravoassumia nova personalidade e responsabilidade ju-rdicas (p. 173) e caractersticas da populao li-vre e escrava.

    O segundo ensaio, Trabalho e cultura: vida nosengenhos e vida dos escravos, reintroduz temas es-tudados pelo autor na obra Segredos Internos: En-genhos e Escravos na Sociedade Colonial, 1550-1835 [So Paulo: Companhia das Letras, 1988],

    * Mestre em Histria Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo.

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    Rodrigues, A. F.

    publicada originalmente em 1985. Neste captulo asua preocupao foi compreender, a partir das rela-es de trabalho, como se desenvolviam a vida e asaspiraes dos escravos na sociedade brasileira,principalmente as ocorridas nas lavouras de cana-de-acar da Bahia. Como lembrou o autor, igno-rar a centralidade da mo-de-obra deixar de enten-der o que era a escravido (p. 15), pois os requisi-tos do trabalho prepararam o palco onde os senhorese os escravos realizaram uma srie de negociaesque abriram certo espao social para os cativos nasociedade brasileira.

    De acordo com Stuart Schwartz, o regime de tra-balho na lavoura canavieira definiu os contornosda vida escrava, como tambm os seus objetivos easpiraes para fazer com que o regime funcionas-se tranqilamente. A polmica tese da brecha cam-ponesa, no Brasil incorporada por Ciro FlamarionCardoso, que defende o carter estrutural e comer-cial das atividades autnomas dos escravos, apare-ce nessa parte da obra, a fim de mostrar como ossenhores usavam as lutas e as negociaes dos ca-tivos para atingir suas metas. De certa forma, asaspiraes dos escravos, tais como seu desejo deautonomia na produo de alimentos, no eramconstantes e se mostravam influenciadas pelas con-dies do mercado existentes no Brasil em fins dosculo XVIII. assim, por exemplo, que aparecena parte final do segundo captulo as interessantese impressionantes reivindicaes de um grupo deescravos do Engenho Santana, um dos grandes la-tifndios do sul da Bahia, localizado em Ilhus, quese rebelou em 1789, devido as suas insatisfaescom determinados aspectos do regime de trabalho.Das 19 exigncias propostas no seu Tratado dePaz, para que voltassem ao trabalho, 13 tratavamdiretamente do trabalho cativo: reavaliao dasquotas dirias que deviam exercer em diversas ta-refas, reviso do nmero mnimo de trabalhadoresa serem escalados para determinadas atividades ese recusavam terminantemente a trabalhar em ca-navial alagadio ou mariscar.

    Mais, de todas as propostas, os itens relaciona-dos subsistncia so os mais interessantes. Primei-

    ro porque os escravos pediram as sextas-feiras e ossbados para trabalhar em seus prprios lotes; de-pois, porque solicitaram o direito de plantar arroz ecortar madeira sempre que desejassem, alm de pe-dir que o senhor lhes fornecesse redes e canoas paraque pudessem complementar a sua alimentao coma pesca. O resultado do acordo entre os escravosrebelados e o senhor do engenho, alm da reprodu-o dos documentos sobre esse levante, so analisa-dos instigantemente pelo autor.

    Continuando com o tema do trabalho, inicia oterceiro captulo, Roceiros e escravido: alimentan-do o Brasil nos fins do perodo colonial, vasculhan-do as relaes entre a economia camponesa e a es-cravido em fins dos setecentos, quando a economiaexportadora foi acompanhada por uma expansoparalela dos mercados internos de gneros aliment-cios fornecidos por grandes e pequenos produtores(que poderiam ser chamados de roceiros), e que es-tes recorriam cada vez mais escravido para aten-der a suas necessidades de mo-de-obra.

    O crescimento agrcola interno da colnia, assimcomo a produo cada vez maior de gneros diver-sos, o aumento da populao, a expanso do trficonegreiro, da agricultura escravocrata e dos centrosurbanos so retratados pelo autor no terceiro captu-lo. Neste ensaio tambm lana luz sobre a diversi-dade econmica de regies como, por exemplo, oRio de Janeiro, que se beneficiar com a transfern-cia da capital de Salvador em 1763 e, a seguir, com achegada da corte portuguesa em 1808.

    No quarto captulo, Alforria na Bahia, 1684-1745, o autor analisa a manumisso e o documentoque garantia liberdade ao cativo, chamado de cartade alforria ou carta de liberdade. Neste estudo,Stuart Schwartz analisou 1160 cartas de alforriaregistradas nos cartrios da cidade de Salvador, noperodo entre 1684 e 1745. Atravs desses documen-tos e utilizando-se de mtodos demogrficos detec-tou a proporo entre as mulheres e os homens eman-cipados, que chegava a casa de duas mulheres paracada homem, a quantidade de 2% de senhores ne-gros que concederam liberdade aos seus cativos, as

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    SCHAWARTZ, Stuart B. Escravos, Roceiros e Rebeldes

    formas e os padres de pagamento feitos pelos es-cravos para comprar a sua liberdade, entre outrosassuntos.

    No penltimo captulo, Repensando Palmares:resistncia escrava na colnia, analisa um dos as-pectos de resistncia ao escravismo na colnia: aformao de quilombos. Deu destaque ao famosoQuilombo dos Palmares, que existiu no interior deAlagoas e que foi a mais duradoura e a maior dascomunidades de fugitivos do nosso passado coloni-al. No ensaio apontou para novas possibilidades queo estudo da histria da frica pode proporcionar noquestionamento do padro cultural e da organizaodos rebelados em Palmares, uma vez que os escra-vos brasileiros possuam razes culturais africanas.

    No ltimo ensaio, Abrindo a roda da famlia:compadrio e escravido em Curitiba e na Bahia,estuda a famlia escrava, ou melhor, a escolha dospadrinhos, pelos ou para os escravos, em duas loca-lidades afastadas e distintas economicamente,Curitiba, no Paran, e Santiago de Iguape, na Bahia.

    Enfim, os textos geis e objetivos que compemesta coletnea discutem temas cruciais dahistoriografia e da escravido no Brasil. As limita-es e as oportunidades que a populao cativa ti-nha na sociedade escravocrata, que a colocava emuma equao desequilibrada de oportunidades e aprejudicava enormemente no embate por melhorescondies de vida e poder so os pontos altos dessaspesquisas, que merecem ser lidas e amplamente dis-cutidas.

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