escolas de teatro

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Araçatuba Da Redação H á exatamente 163 anos nascia o teatro original- mente brasileiro. Em 13 de março de 1838, o médico, di- plomata, poeta e dramaturgo Gon- çalves Magalhães apresentava no teatro da Praça da Constituição, no Rio de Janeiro, o drama român- tico “O Poeta e a Inquisição”. A obra, baseada nos dias fi- nais da vida do dramaturgo An- tônio José da Silva, “o judeu”, ganhou grande aceitação do pú- blico e da crítica teatral da épo- ca pela coragem de abordar um tema polêmico: o julgamento se- vero feito pela Igreja Católica para combater as heresias do po- vo e reprimir os contestadores da política adotada pela lideran- ça religiosa. Passado mais de um de sé- culo e meio, o teatro não vive mais em um período de inquisições, monarquias e reale- zas, porém, ainda sim, tenta conduzir o público à reflexão e a tomar novas atitudes no coti- diano que gerem mudanças na atual sociedade. Essa definição para o objeti- vo do teatro é também comparti- lhada pelo ator, iluminador e dire- tor teatral Alexandre Melinsky pa- ra justificar a necessidade de profissionalização dos artistas e consequentemente a melhora da qualidade de produção artística do teatro regional. Trabalhando na área desde 1988, ele coordena atualmente o curso técnico em Artes Cênicas do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial). Como diretor de cultura em Araçatuba, Melinsky afirma que a falta de in- formação sobre a qualidade de produção técnica para espetácu- los, comum nas décadas de 80 e 90, não existe mais. "Hoje as companhias têm a oportunidade de aprimorarem seus conhecimentos em oficinas e cursos de especializações ofere- cidos pelo poder público. Porém, é preciso uma mudança de atitu- de de cada artista para que possa- mos fazer um teatro não somen- te bem produzido, mas que tam- bém se preocupe com a forma- ção do público", explica. O teatro visto como produto de mercado e não como arte é outro fator prejudicial à conquis- ta da qualidade pelos espetácu- los, segundo Melinsky. A profes- sora de artes cênicas Luciana To- mie completa que essa realidade contribui para a "domesticação" do público, característica já efeti- vada pelos programas de entrete- nimento na televisão. "A arte é o único segmento que permite o amadorismo. En- quanto a pessoa está somente buscando uma satisfação pessoal, isso é benéfico e válido. No en- tanto, começa a se tornar prejudi- cial quando tenta-se vender uma ideia ou produto como arte, por- que as pessoas vêm ao teatro con- dicionadas e não conseguem dis- tinguir o profissional do amador, consumindo tudo como uma coi- sa só e muitas vezes generalizan- do a qualidade", explica Luciana. FORMAÇÃO Para retomar o conceito de arte do teatro, muitos artistas e futuros profissionais das artes cênicas têm buscado formação acadêmica. Karolina Kamacho, de 21 anos, e Priscila Oliveira, 25, integraram a primeira tur- ma de formandos de um curso técnico em Artes Cênicas inicia- do na cidade. "Agora que estou formada me sinto preparada para montar meu grupo teatral e encarar o mer- cado de trabalho", diz Karolina. Deixar de trabalhar no empi- rismo é a motivação do penapolen- se Kall Andrade, 24. Ele inicia nes- te mês o curso em artes cênicas em Araçatuba. "Apesar de traba- lhar com teatro há nove anos em minha cidade, quero com o curso sistematizar meu conhecimento e mostrar que eu como ser humano estou alicerçando a minha capaci- dade para fazer teatro". Além de Araçatuba, Birigui, Penápolis, Valparaíso, Promissão, Guararapes, Andradina, Pereira Barreto e Ilha Solteira também contam com companhias de tea- tro ativas. A maioria delas com espetáculos voltados para o públi- co infantil, que segundo Me- linsky tornou-se uma tradição nos últimos anos na região. A dificuldade para se encon- trar produções teatrais para o pú- blico adulto é uma realidade no mercado artístico regional. "Além da falta de interesse das compa- nhias em produzir peças com te- máticas para o adulto, há tam- bém uma política educacional, em que você facilita o acesso ao teatro durante a infância por meio de espetáculos na escola, porém, não continua com esse processo na adolescência e fase adulta, período em que as pes- soas são atraídas por outras ativi- dades interativas", conclui. Para o presidente da Associa- ta (Associação dos Artistas Tea- trais da Região de Araçatuba), Marcos Leandro de Melo, não so- mente o público deve ter um olhar diferenciado para a arte, e sim, o próprio artista, que deve enxergar o teatro como uma pro- fissão. "Fazer teatro é difícil, po- rém, um fator complicador é quando a atuação não é profissio- nal. É preciso um olhar mais críti- co e incentivador". A entidade, que existe há mais de dois anos, conta atual- mente com 30 artistas de teatro filiados. Sua função é representar os artistas e realizar festivais. TEATRO A arte de representar e Em Birigui e Penápolis, o tea- tro está sendo utilizado como me- canismo de formação cidadã. Cria- do em 1996, os penapolenses têm dado os primeiros passos na produ- ção de espetáculos no Núcleo Mu- nicipal de Teatro. Já em Birigui, a atividade é desenvolvida no Nú- cleo de Artes Cênicas do Sesi (Ser- viço Social da Indústria), existente há mais de oito anos. Com atividades de iniciação teatral, crianças com idades a partir de seis anos, adolescentes e adultos têm complementado suas formações estudantis e pro- fissionais. Para o diretor do núcleo em Penápolis, Luis Colevatti, a arte é um instrumento de comba- te à barbárie e por isso deve-se tornar uma ferramenta de uso ca- da vez mais predominante na so- ciedade. "O teatro é um mecanis- mo que vem somente a somar para diminuir a violência que tem assolado nossa região". Entre os resultados obtidos com o trabalho está a criação da Companhia Municipal de Tea- tro, que já iniciou os preparati- vos para sua primeira produção teatral, além de participações dos grupos da cidade no Mapa Cultural Paulista e a conquista do prêmio Carlos Miranda conce- dido em 2002 pela Secretaria de Estado da Cultura ao projeto. UNIVERSIDADE Com um olhar mais crítico sobre a realidade do teatro na região, Colevatti afirma que a falta de interesse das universida- des da região em oferecer um curso superior em artes cênicas contribui para a continuidade da produção de espetáculos não profissionais. "Temos uma demanda gran- de de artistas que necessitam de uma formação acadêmica. En- quanto não tivermos boa produ- ção de espetáculos, continuare- mos pecando na educação da for- mação de plateia para o teatro re- gional", explica. Outro fator importante des- tacado pelo diretor é o interesse das empresas em investir nas produções das companhias, já que, em seu ponto de vista, o in- centivo financeiro tem sido forne- cido por parte do poder público. BIRIGUI Para a orientadora do nú- cleo do Sesi, Patrícia Teixeira Ro- drigues, o teatro é uma área res- trita em que o espaço é conquis- tado de acordo com a criativida- de de cada profissional. Para is- so, é necessário esforço, estudo e capacidade para se arriscar. "Em doses homeopáticas, o teatro regional tem se torna- do um mercado para artistas lo- cais, mas temos um longo ca- minho pela frente. Precisamos despertar os artistas para a profissionalização e oferecer ao público uma degustação teatral constante e de qualidade", completa.Da Redação Várias cidades da região possuem companhias ativas conduzir à reflexão Núcleos de iniciação são os primeiros passos para produção de espetáculos Atores e diretores reivindicam que o teatro seja reconhecido como arte, e não como um produto mercadológico; para isso, buscam cada vez mais a profissionalização Alexandre Souza/Folha da Região - 10/03/2011 EM CENA Professores e alu- nos do curso técni- co em Artes Cêni- cas do Senac fa- zem performance teatral durante aula C1 Araçatuba, domingo, 13 de março de 2011

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Page 1: Escolas de teatro

Araçatuba

Da Redação

Há exatamente 163 anosnascia o teatro original-mente brasileiro. Em 13

de março de 1838, o médico, di-plomata, poeta e dramaturgo Gon-çalves Magalhães apresentava noteatro da Praça da Constituição,no Rio de Janeiro, o drama român-tico “O Poeta e a Inquisição”.

A obra, baseada nos dias fi-nais da vida do dramaturgo An-tônio José da Silva, “o judeu”,ganhou grande aceitação do pú-blico e da crítica teatral da épo-ca pela coragem de abordar umtema polêmico: o julgamento se-vero feito pela Igreja Católicapara combater as heresias do po-vo e reprimir os contestadoresda política adotada pela lideran-ça religiosa.

Passado mais de um de sé-culo e meio, o teatro não vivema i s em um per íodo deinquisições, monarquias e reale-zas, porém, ainda sim, tentaconduzir o público à reflexão ea tomar novas atitudes no coti-diano que gerem mudanças naatual sociedade.

Essa definição para o objeti-vo do teatro é também comparti-lhada pelo ator, iluminador e dire-tor teatral Alexandre Melinsky pa-ra justificar a necessidade deprofissionalização dos artistas econsequentemente a melhora daqualidade de produção artísticado teatro regional.

Trabalhando na área desde1988, ele coordena atualmente ocurso técnico em Artes Cênicasdo Senac (Serviço Nacional deAprendizagem Comercial). Comodiretor de cultura em Araçatuba,Melinsky afirma que a falta de in-formação sobre a qualidade deprodução técnica para espetácu-los, comum nas décadas de 80 e90, não existe mais.

"Hoje as companhias têm aoportunidade de aprimoraremseus conhecimentos em oficinase cursos de especializações ofere-cidos pelo poder público. Porém,é preciso uma mudança de atitu-de de cada artista para que possa-mos fazer um teatro não somen-te bem produzido, mas que tam-bém se preocupe com a forma-ção do público", explica.

O teatro visto como produtode mercado e não como arte éoutro fator prejudicial à conquis-ta da qualidade pelos espetácu-los, segundo Melinsky. A profes-

sora de artes cênicas Luciana To-mie completa que essa realidadecontribui para a "domesticação"do público, característica já efeti-vada pelos programas de entrete-nimento na televisão.

"A arte é o único segmentoque permite o amadorismo. En-

quanto a pessoa está somentebuscando uma satisfação pessoal,isso é benéfico e válido. No en-tanto, começa a se tornar prejudi-cial quando tenta-se vender umaideia ou produto como arte, por-que as pessoas vêm ao teatro con-dicionadas e não conseguem dis-

tinguir o profissional do amador,consumindo tudo como uma coi-sa só e muitas vezes generalizan-do a qualidade", explica Luciana.

FORMAÇÃOPara retomar o conceito de

arte do teatro, muitos artistas e

futuros profissionais das artescênicas têm buscado formaçãoacadêmica. Karolina Kamacho,de 21 anos, e Priscila Oliveira,25, integraram a primeira tur-ma de formandos de um cursotécnico em Artes Cênicas inicia-do na cidade.

"Agora que estou formadame sinto preparada para montarmeu grupo teatral e encarar o mer-cado de trabalho", diz Karolina.

Deixar de trabalhar no empi-rismo é a motivação do penapolen-se Kall Andrade, 24. Ele inicia nes-te mês o curso em artes cênicasem Araçatuba. "Apesar de traba-lhar com teatro há nove anos emminha cidade, quero com o cursosistematizar meu conhecimento emostrar que eu como ser humanoestou alicerçando a minha capaci-dade para fazer teatro".

Além de Araçatuba, Birigui,Penápolis, Valparaíso, Promissão,Guararapes, Andradina, PereiraBarreto e Ilha Solteira tambémcontam com companhias de tea-tro ativas. A maioria delas comespetáculos voltados para o públi-co infantil, que segundo Me-linsky tornou-se uma tradiçãonos últimos anos na região.

A dificuldade para se encon-trar produções teatrais para o pú-blico adulto é uma realidade nomercado artístico regional. "Alémda falta de interesse das compa-nhias em produzir peças com te-máticas para o adulto, há tam-bém uma política educacional,em que você facilita o acesso aoteatro durante a infância por

meio de espetáculos na escola,porém, não continua com esseprocesso na adolescência e faseadulta, período em que as pes-soas são atraídas por outras ativi-dades interativas", conclui.

Para o presidente da Associa-ta (Associação dos Artistas Tea-trais da Região de Araçatuba),Marcos Leandro de Melo, não so-mente o público deve ter umolhar diferenciado para a arte, esim, o próprio artista, que deveenxergar o teatro como uma pro-fissão. "Fazer teatro é difícil, po-rém, um fator complicador équando a atuação não é profissio-nal. É preciso um olhar mais críti-co e incentivador".

A entidade, que existe hámais de dois anos, conta atual-mente com 30 artistas de teatrofiliados. Sua função é representaros artistas e realizar festivais. 

TEATRO

A arte de representar e

Em Birigui e Penápolis, o tea-tro está sendo utilizado como me-canismo de formação cidadã. Cria-do em 1996, os penapolenses têmdado os primeiros passos na produ-ção de espetáculos no Núcleo Mu-nicipal de Teatro. Já em Birigui, aatividade é desenvolvida no Nú-cleo de Artes Cênicas do Sesi (Ser-viço Social da Indústria), existentehá mais de oito anos.

Com atividades de iniciaçãoteatral, crianças com idades apartir de seis anos, adolescentese adultos têm complementadosuas formações estudantis e pro-fissionais.

Para o diretor do núcleoem Penápolis, Luis Colevatti, aarte é um instrumento de comba-te à barbárie e por isso deve-se

tornar uma ferramenta de uso ca-da vez mais predominante na so-ciedade. "O teatro é um mecanis-mo que vem somente a somarpara diminuir a violência quetem assolado nossa região".

Entre os resultados obtidoscom o trabalho está a criação daCompanhia Municipal de Tea-tro, que já iniciou os preparati-vos para sua primeira produçãoteatral, além de participaçõesdos grupos da cidade no MapaCultural Paulista e a conquistado prêmio Carlos Miranda conce-dido em 2002 pela Secretaria deEstado da Cultura ao projeto.

UNIVERSIDADECom um olhar mais crítico

sobre a realidade do teatro na

região, Colevatti afirma que afalta de interesse das universida-des da região em oferecer umcurso superior em artes cênicascontribui para a continuidadeda produção de espetáculos nãoprofissionais.

"Temos uma demanda gran-de de artistas que necessitam deuma formação acadêmica. En-quanto não tivermos boa produ-ção de espetáculos, continuare-mos pecando na educação da for-mação de plateia para o teatro re-gional", explica.

Outro fator importante des-tacado pelo diretor é o interessedas empresas em investir nasproduções das companhias, jáque, em seu ponto de vista, o in-centivo financeiro tem sido forne-

cido por parte do poder público.

BIRIGUIPara a orientadora do nú-

cleo do Sesi, Patrícia Teixeira Ro-drigues, o teatro é uma área res-trita em que o espaço é conquis-tado de acordo com a criativida-de de cada profissional. Para is-so, é necessário esforço, estudoe capacidade para se arriscar.

"Em doses homeopáticas,o teatro regional tem se torna-do um mercado para artistas lo-cais, mas temos um longo ca-minho pela frente. Precisamosdespertar os artistas para aprofissionalização e oferecer aopúblico uma degustação teatralconstante e de qualidade",completa.Da Redação

Várias

cidades

da região possuem

companhiasativas

conduzir à reflexão

Núcleos de iniciação são os primeirospassos para produção de espetáculos

Atores e diretoresreivindicam que

o teatro sejareconhecido comoarte, e não como

um produtomercadológico;

para isso, buscamcada vez mais a

profissionalização

Alexandre Souza/Folha da Região - 10/03/2011

EM CENAProfessores e alu-

nos do curso técni-

co em Artes Cêni-

cas do Senac fa-

zem performance

teatral durante aula

C1 Araçatuba, domingo, 13 de março de 2011