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    Vitor Manuel AdrioEscalho: saberes ocultadosComunidade Tergica Portuguesa

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    VITOR MANUEL ADRIO

    ESCALHO:

    SABERES OCULTADOS

    SINTRA

    2015

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    ESCALHO: SABERES OCULTADOS

    VITOR MANUEL ADRIO

    Sintra, 2015Dia dos Reis Magos

    A raia portuguesa alfobre de lendas e tradies inslitas mas que a Histria quase pornorma traz no esquecimento, mesmo campeando os usos e costumes etnogrficos inscritos no

    programa de um peculiar calendrio religioso festivo, animado por populaes inteiras.

    A maioria dessas celebraes sazonais caracteriza-se pela integrao etnogrfica-religiosade elementos celtas, ditos pagos, e sobretudo bblicos da Escritura Velha de foro judaico,ajuntando elementos coreogrficos insolitamente atribudos Ordem dos Templrios, apesar derevestidos pela aparncia da dogmtica catlica mas tudo ao gosto e conformidade da chamadareligio popular1. No raro e quase por norma tudo isso acaba trescalando a heresia e apostasia

    ante o dogma romano da religio dominante, esta que hoje muitssimo diferente na exegtica ehermenutica da dos tempos medievos onde o Cristianismo, como iniciao e confisso,dificilmente seria reconhecido tanto pelos eruditos como pelos simples contemporneos.

    Prova flagrante disso tem-se emEscalho, aldeia da raia na Beira Interior pertencente aoconcelho de Figueira de Castelo Rodrigo, distrito da Guarda, sobre a qual renomeados autoresfalam com ligeireza e pressa tamanhas que chegam a surpreender pela negativa, como foi o casoem 1922-24 do ilustre Ral Proena2. Contudo, Escalho a maior aldeia de Portugal em termosde rea e tambm a maior freguesia (70 km2), tendo sido vila e sede de concelho at ao incio dosculo XIX, com foral e honra que D. Joo IV lhe deu em 1650 por seu papel determinante na

    1Luis Thayer Ojeda, La Prehistor ia de Espaa a travs de los M itos. Imprenta y Escuadernacin Roma, Valparaso,1932.2Ral Proena, Guia de Portugal: Beira II Beira Baixa e Beir a Alta, p. 972. Edio Fundao Calouste Gulbenkian,Lisboa, Maro de 1994.

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    Guerra da Restaurao, com subidas vitrias das armas portuguesas sobre as espanholas do jugofilipino. Com a extino da Diocese de Pinhel em 30 de Setembro de 1881, por bula do Papa LeoXIII, Escalho passou a pertencer Diocese da Guarda, mas mantendo-se Vigairaria alternada daSanta S e do Bispado de Lamego como j acontecia desde o sculo XIV 3, facto atestado porPinharanda Gomes4:

    Escalho (N. Sr. dos Anjos). Inicialmente curato da apresentao do vigrio de CasteloRodrigo, depois, do Padroado Real e ainda reitoria da apresentao alternada do Papa e do Bispo,no termo de Castelo Rodrigo.

    Mas a antiguidade de Escalho como plo civilizacional de grande importncia ibrica j reconhecida desde cerca de 100 a. C., altura da sua anexao ao Imprio Romano quando ela eraa Calibria dos originais celtas gallaici. Segundo Antero de Figueiredo5, o topnimo latinoCalibria derivar de Scalanis ou Scalarius, classificando os montes penhascosos que seescalonavam, referindo-se configurao geogrfica do terreno em socalcos, descendo para oRio gueda. Mas segundo a interpretao popular, dada a interpretaes fceis para mais fcilmemria futura, o termo Escalho derivar do vocbulo Secalho, referindo-se aridez quenoutros tempos caracterizou a regio6. Depois, o desbravamento de terrenos incultos e aarborizao tero contribudo para a fertilizao da freguesia.

    Desses tempos antigos sobrevive a ponte romana sobre a Ribeira de Aguiar, numa viaaproveitada posteriormente pelos peregrinos a Santiago de Compostela que beneficiavam daassistncia e proteco dos cavaleiros da Ordem do Templo, e depois tambm dos cavaleiros daOrdem de Cristo, num tempo inspito em que as feras e os salteadores campeavam ao longo daraia.

    3M. Gonalves da Costa, H istria do Bispado e Cidade de Lamego I I . I dade Mdia: Parquias e Conventos.Lamego, 1979.4Pinharanda Gomes, H istr ia da Di ocese da Guarda, p. 100. Editora Pax, Braga, 1981.5Antero de Figueiredo (Coimbra, 28.11.1866 Foz do Douro, 10.4.1953), Espanha: pginas galegas, leonesas,astur ianas, vasconas e navar ras, p. 309. Livrarias Ailland e Bertrand, Paris-Lisboa, 1923.6Jlio Antnio Borges, Escal hoa terr a e as gentes. Edio da Casa de Freguesia de Escalho, Julho de 2003.

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    A assistncia militar e hospitalar do Templo s peregrinaes religiosas, sobretudo ajacobeia como a mais importante do Cristianismo peninsular e sul europeu, estava compreendidanos seus Estatutos caracterizando o seu carcter assistencial e beneficente no exerccio pragmticoda virtude primaz da caridade. A Ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo e do Templo de Salomo(Ordo Pauperes Milites Christi et Templique Salomonici), fundada em 1118 em Jerusalm por

    Hugo de Payens mais oito companheiros, todos de alta nobreza, e reconhecida em 1128 noConclio de Troyes por interveno directa de Bernardo de Claraval, monge de Cister que subiuaos altares de santidade, mesmo antes do seu reconhecimento oficial j estava instalada emPortugal, em 1125, tendo a rainha D. Teresa lhe doado Fonte Arcada (Penafiel) em 1126, tomando

    posse da igreja de So Tiago, e no ano da sua oficializao D. Afonso Henriques doou-lhe Soure7.

    Em breve a Ordem de monges-cavaleiros expandiu-se pelo territrio nacional, contudo semreconhecer fronteiras geopolticas, fossem as luso-rabes, fossem as luso-castelhanas e leonesas.A sua guerra era exclusiva contra os mouros em que parte do territrio ibrico estivessem. Os seusEstatutos proibiam-na de dar combate a outras foras crists: Milcia de Cristo era proibidocombater e matar outros cristos. Mas merc da interpretao dos mesmos Status sujeita

    pragmtica da poltica do tempo, haviam excepes que na prtica no foram poucas: se fosseatacada por outros exrcitos cristos tinha o dever de defender-se, assim como defender religiosose peregrinos dos bandos de salteadores, fossem ou no baptizados. Igualmente no ingeria nascontendas entre reinos e prncipes cristos, mantendo a neutralidade militar, mas podia muito bemfavorecer este ou aquele partido, por movimentos diplomticos, que considerasse mais favorvelaos seus propsitos geopolticos e religiosos. Para tudo isso evocavam-se os Status(Estatutos) masnunca aRegula(Regra), que essa era inaltervel in littera, estava acima dos interesses e incidentestemporais e espaciais, fossem quais fossem. A Regra era o cimento da Ordem, e os Estatutos as

    paredes da Casa feita com o mesmo8.

    A fim de impor ordem e restringir as lutas entre os prncipes e nobres cristos separadosem feudos rivais, a partir dos meados do sculo XI a Igreja imps a Trgua de Deuse aPaz de

    Deus. Por esta, impedia a violncia em determinados locais, nomeadamente nos santurios,hospcios e estradas, o que os cavaleiros templrios cumpriram ciosamente desde o sculo XII ataos incios do XIV, quando foram abolidos; pela Trgua de Deusa Igreja negava os combatesentre cristos desde a tarde de quinta-feira a domingo, sobretudo nos dias da Semana Santa. Aomesmo tempo, canalizou as sinergias da cavalaria sedenta dos triunfos e glrias das batalhas e o

    7Frei Bernardo da Costa, H istri a da M il itar Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo. Lisboa, 1771.8Vitor Manuel Adrio, Portugal Templri o (Vi da e Obra da Ordem do Templo). Edio do autor, Lisboa, 1997;edio Via Occidentalis Editora Lda., Lisboa, 2007; edio Madras Editora Ltda., So Paulo, 2011.

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    seu mpeto belicoso para objectivos mais conformados ao esprito cristo: a promoo da Cruzadacontra a Crescentada, a guerra santa aos infiis, nisto tendo primazia e exclusividade a Ordemdo Templo cujo duplo carcter militar e religioso satisfazia os interesses e necessidades da nobrezaconformada mentalidade da poca.

    A Idade Mdia existiu de motuprprio e, particularmente o Feudalismo (sculos X-XV),encerrou um momento em que a sociedade europeia era regulada pelaRespblica Christiana. Umasociedade normalizada onde as trs ordens ou classes interagiam e evoluam de formainterdependente. O Clero (Oratore) ocupava o topo da pirmide social, classe letrada que efectuavaa ligao de Deus Humanidade, velava pela ordem social e controlava o poder poltico. A

    Nobreza (Bellatore) cingia a sua actividade primria prtica poltica e ao manejo guerreiro,detendo, com o Clero, o usufruto de bens patrimoniais. O Povo (Laboratore) trabalhava a terra, ofeudo das autoridades eclesisticas e nobilirquicas. Ou seja, o Clero garantia a seguranaespiritual, a Nobreza a segurana espacial e o Povo o bem-estar9.

    O notvel desse quadro geral da sociedade medieval o da Ordem dos Templrios ter agidosobre as trs classes em simultneo: com os Oratoresdo Templo encomendados a Cister e Cluny,

    proviam as necessidades espirituais e promoviam a alfabetizao geral; com os Bellatoresfortemente brasonados e temperados na arte militar, imps uma disciplina castrense que fez daMilcia uma fora blica de elite; Oratores eBellatores Tempreirosderam assistncia espiritual etemporal, cultural e tcnica, aos Laboratores, protegendo-os das prepotncias dos poderosos e

    provendo-os de conhecimentos capazes de tornarem a sua vida diria mais fcil, desde tcnicasagrcolas a cuidados mdicos e inclusive facilitando-lhes o acesso instruo.

    Cedo os templrios instalaram-se na Beira Interior distenderam-se raia abaixo, de Norte aSul, acompanhando e participando na Reconquista. J em 1170 regista-se a sua presena na Guarda(cuja Diocese distende-se at Idanha-a-Velha, a primitiva Egitnia), em Pinhel, em Barca dAlva,em Mata de Lobo, em Escarigo, etc., e particularmente em Escalho, onde no Alto da Sentinelasubjazem as runas de muralhas e de uma torre ou atalaia de alvenaria possivelmente da poca deD. Dinis (1261-1325), se no de D. Sancho I (1154-1211) que fora educado no Templo e deu forala Escalho em 11 de Setembro de 1209, privilgio confirmado por D. Dinis em 1316 que antes,em 1310, mandara construir ou reconstruir o castelo de Escalho, que a Guerra da Restaurao(sculo XVII) reduziu a um monte de escombros.

    9Ablio Pires Lousada, A Estratgia M il i tar dos Templrios em Por tugale.InRevista de Administrao Militar, N.4, Ano 1, 3. Srie, Outubro-Dezembro de 2003.

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    Com a abolio da Ordem do Templo no incio do sculo XIV (1312), a sua sucessora eherdeira universal, a Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, tomou posse dos antigosdomnios beires dos templrios, incluindo Escalho, fundando comendas novas no espao

    primitivo das comendas velhas, como informam os seusEstatutos e Definies10:

    No Bispado de Lamego h as Comendas velhas e antigas da Ordem, que so as seguintes:a Comenda de Nossa Senhora do Pereiro da Vila da Reigada, avaliou-se em duzentos e vinte milreis h muitos anos. As trs Comendas de Longroiva, Muxagata e de Vila da Meda, em um contode reis. Neste Bispado de Lamego h somente quatro comendas velhas, e andam traz dela unido11e valem todas um conto e duzentos e vinte mil reis. H neste Bispado de lamego quatroComendas12das cinquenta do Padroado Real, que tambm pagam os trs quartos Ordem, comoas velhas, e rendem seiscentos e oitenta mil reis.

    Por sua vez, inscrita como comenda nova(por certo a partir do espao indeterminado davelha), encontra-se naLista de todas as Comendas da Ordem de Cristo13:

    Lamego. Santa maria descalho comendador dom alvaro ghdetaide avaliada em cento e

    seis mil trezentos e quarenta reis no anno de 1552.

    Lamego. A comenda de santa maria descalho; comendador joo de mendoa; avaliadaem 60 mil reis; ano : (1)602.

    Tratava-se, portanto, de uma comenda rica, o que justificava a sua importncia poltico-econmica no espao concelhio e diocesano. Tal progresso tambm se deveria forte presenaactiva econmico-social da comunidade judaica em Escalho, cuja maioria dedicou-se profissode ourivesaria e filigrana. Convm dedicar algumas palavras alfama sefardita escalhense (sediadano hoje chamado bairro dos galegos), sobretudo por nela assentarem muitas tradies bblicasque passaram aos usos e costumes civis e religiosos locais, muitas delas de cunho hermtico ou

    esotrico mas engenhosamente disfaradas no mais ortodoxo e rigoroso credo catlico.Que os saberes proibidos sefarditas indo vazar-se no criptojudasmo revelam-se ao

    longo da raia nas tradies, usos e costumes populares, facto incontornvel. Mas tambm factoindesmentvel que j em 1209 registava-se forte presena judaica em Escalho, a qual ostemplrios tanto protegeu como policiou os seus saberes, sobretudo os cabalsticos de foromessinico, no deixando a fciesheterodoxa do rabinismo propagar-se indiscriminadamente,mesmo que por certo usufrussem da mesma dando-lhe adopo para sempre ficando assinaladana heterodoxia doutrinal que os distinguiu. Os privilgios concedidos aos sefarditas escalhensesseriam confirmados por D. Dinis em 1316, rigorosamente assegurados pela Ordem de Cristo14.

    A partir dos meados do sculo XVI, a Inquisio aumentou a censura e perseguio

    eclesistica aos judeus obrigando-os converso em cristos-novos, no que no obteve o xitodesejado apesar de todos os suplcios que lhes infligiu e to-s originando o criptojudasmo. Nosmeados do sculo XVII j s haviam marranosou bnei anussim(filhos de forados) na Diocesede Pinhel15, descendentes de sefarditas obrigados converso mas que em segredo cumpriamescrupulosamente os preceitos da Torah, inclusive muitos deles dedicando-se secretamente ao

    10Di ff in ioens & Estatutos dos Cavalleyros e Fr eyres da Ordem de Nosso Senhor Jesu Chri sto, com a H istori a daOr igem & Pr incpio della. Lisboa Occidental: na Officina de Pascoal da Sylva, 1717.11Quer dizer, o Bispado possui-as em conjunto como se fossem uma s.12Comendas de S. Pedro de Marialva, S. Joo do Pinheiro, St. Maria do Azevo e S. Martinho de Arranhados.13Ordem de Cr isto: L ista de todas as Comendas que ha em estes Reynos de Portugal, da Ordem de Cr isto, daapr esentao de S. M agest. E do Duque de Bragana (feita em Junho de 1615). Letra da poca. Com outras

    peas. 1 vol.Infol. De 78 fls. Cod. 412, Biblioteca Nacional de Lisboa.14Cf. Maria Jos Ferro Tavares, Os judeus na Beir a Interior.InGuarda, histri a e cultur a judaica. Guarda, 2000.15Cri stos-Novos na Beir a I nteri or. Edio Agncia para a Promoo da Guarda, 2014.

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    exerccio da Cabala e da Alquimia16. Dos 200 processos que a Inquisio moveu aos judeusfigueirenses, todos acusados de heresia e apostasia, mais de metade foi contra os de Escalho.Mesmo assim debalde, tanto em Pinhel como nas restantes dioceses, a ponto de D. Andr Furtadode Mendona, bispo de Miranda, queixar-se numa carta ao Papa em 1675: No achei erro algumacerca da f a no ser a heresia judaica que, nesta diocese, cresce diariamente, por culpa dos nossos

    pecados.

    As represses censrias das autoridades eclesisticas, at ento desconhecidas naferocidade que as caracterizou, eram consequncia da Contra-Reforma delineada no Conclio deTrento, a que no escapou a prpria Ordem de Cristo alterada de claustral em clausural pelareforma censria de frei Antnio Moniz, mais conhecido por frei Antnio de Lisboa, capataz deD. Joo III, o rei papista. O Conclio de Trento, convocado pelo Papa Paulo III, realizou -se de1545 a 1563 como reaco Reforma Protestante, iniciada com Martinho Lutero, a partir de 1517.Saiu dele um Tribunal do Santo Ofcio com poderes reforados (s anulados no tempo do Marqusde Pombal), o qual logo moveu autos-de-f eprohibitoruma tudo (homens, literatura e obras dearte, inclusive ermidas, capelas e igrejas) que considerasse apostasia e heresia como contrrio aocredo oficial e infabilidade papal17.

    Todavia o movimento persecutrio dos inquisidores escala nacional no foi inteiramentebem-sucedido, pois muito escapou sua delapidao censria, por descuido ou ignorncia dosentido encoberto do exposto, como o caso notvel de Escalho, notoriamente na sua igrejamatriz a comear pelo nome do Orago que se celebra em 2 de Agosto:Nossa Senhora dos Anjos,evocao de origem franciscana beguina ou espiritual.

    Com efeito, Nossa Senhora dos Anjos a Patrona da Ordem Terceira de So Franciscodesde que apareceu a ele numa noite de 1216, na igreja de Porcincula, ao lado de Cristo ecircundados de uma multido de Anjos. Prontamente o santo rogou a indulgncia plenria daVirgem Me pelas almas dos crentes, para que todas fossem mandadas ao Paraso. Nossa Senhora

    16Cf. Amlcar Paulo, A D isperso dos Sephardim. Judeus hi spano-por tugueses. Editora Nova Crtica, Porto, 1978.17Pedro Arellano y Sada, Catlogo de la Exposici n Bibl iogrfica del Conclio de Trento y Conf erencias ledasdurante la misma Exposicin. Barcelona, 1947.

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    acedeu ao pedido do Poverello com a condio de que o Papa (Honrio III) desse primeiroreconhecimento indulgncia. Assim foi feito e satisfeito, mas Francisco recusou do Sumo-Pontfice qualquer documento escrito alegando no se tratar de um indulto temporal masintemporal por almas subidas ao Cu, acrescentando: Deus cuidarde manifestar a Sua Obra,

    pelo que no necessito de qualquer documento. Esta Carta deve ser a Santssima Virgem Maria,

    Cristo o Escrivo e os Anjos as Testemunhas. Desde ento a festa de Nossa Senhora dos Anjosficou conhecida comoDia do Perdo,Perdo de AssisouIndulgncia da Porcincula18.

    Igualmente subentende-se, pela negao de documento escrito, a exclusividade da tradiooral como primitiva frmula de transmisso do conhecimento espiritual (de certeza a razo

    principal do ddalo da Inquisio no a ter alcanado), aqui no tocante frmula de subida dasalmas ao Paraso que, nesta matriz escalhense, representa-se na torre figurativa da Turris Eburnea(Torre de Marfim), epteto da Virgem Maria retirado do Cntico dos Cnticos (7:4), alis,assinalada em trs letras gravadas no primeiro degrau de subida ao campanrio: A M P Ave

    Maria Pronobis, Ave-Maria por ns. Consequentemente, a Torre de Marfim19, simblica da

    nobre Pureza, to cara a cristos como a judeus por se inscrever na Escritura Velha, onde paraesses ltimos Ester (a Santa Esterdos criptojudeus) faz as vezes de Maria, indicativo matricial deIniciao Feminina que, alis, continha-se numa singular tradio local expectiva de bom parto.

    Em Escalho era tradicional a peculiar e espiritual frmula de implorar uma boa hora paraa me expectante, quando as condies aparentes indicassem possveis dificuldades para dar luz.Sete jovens virgens, todas Marias de seus nomes, subiam torre sineira da matriz e, a espaos quedavam tempo, cada uma fazia soar uma badalada no augusto bronze. E cada toque era sinal aquantos escutassem para rezarem uma Ave-Maria e rogarem a Nossa Senhora que intercedesse

    pela felicidade do parto. Sete oraes de louvor e petio Me de Jesus rogadas por sete donzelas,

    18Augusto Drago, Palavra de Deus, Sagrada Escri tur a. Dicionri o Franciscano. Editora Vozes, Petrpolis, 1983.19Torre de Marfim se chama a Maria na Ladainha Lauretanaou Ladainha da Santssima Virgem, composta nofinal da Idade Mdia e aprovada pelo Papa Sisto V em 1587, destinada aos fiis do santurio da Santa Casa de Loreto,Itlia.

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    tambm Marias, e repetidas por muitas e muitos de qualquer idade e condio em suas casas, noscampos, pelos caminhos, por certo eram bem acolhidas pela Virgem Maria20.

    Essa tradio popular ter origem medieval inspirada no poema pico Psychomachia, dePrudncio (348-410), poeta latino cristo, que foi dos mais difundidos na Alta e Baixa IdadeMdia, inclusive encenado como a batalha moral da Alma (Psicomaquia) dividida entre virtudese vcios21. As sete virgens escalhenses representaro as sete virtudes que por graus ou degraus vose acercando do elevado Cu at ao derradeiro toque viril do badalo que faz vibrar os Portais doParaso que as far plena de Graa. um momento presente expectante de uma feliz realizaofutura. As sete virtudes (virtus) tradicionais, so: castidade (castitas) oposta luxria;generosidade (liberalitas) oposta avareza; temperana (temperantia) oposta gula; diligncia(diligentia) oposta preguia; pacincia (patientia) oposta ira; caridade (humanitas) oposta inveja; humildade (humilitas) oposta soberba. Tais virtudes tomaram forma nas mulheres

    profetizas reconhecidas Sibilaspela Igreja, prenunciantes do Advento s quais a hermenuticaheterodoxainclusive dando-as como expresses humanas das siderais sete Mamas,Krittikasou

    Pliades, estrelas desta constelao configuradas como progenitoras deKartikeya, o Paladino ouGuerreiro Celeste tanto associado a Kalki como a Maitreya pelos orientais, no Ocidentereconhecido Cristo Pantocrator, Todo-Poderoso dispe no plano da mais profunda ouesotrica Tradio Espiritual, sendo tambm elas expectantes de um Tempo futuro de Deus e Ideia,ou Ideia Divina sada do parto de uma nova e mais ampla conscincia no Gnero Humano.

    O Cristianismo d um especial enfoque s Sibilas de Cumes (Cumana), de Delfos (Dlfica),de Elesponto ou Helesponto (Heliopolis), de Samos (Samo), de Eritreia, da Lbia (Lbica), daPrsia (Prsica) e da Sumria (Simria). De todas, a que parece mais importante relativa ao

    20Jlio Gil, As mais belas igr ejas de Portugal, vol. I, p. 196. Editorial Verbo, Lisboa/So Paulo, 1988.21Jos Martnez Gsquez y Ruben Florio, Antologa del L atn Cristiano y MedievalI ntroduccion y textos. Editorialde la Universidad Nacional del Sur, Argentina, Mayo 2006.

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    Cristianismo ser a Sibila de Cumes, a mesma que profetizou oAdvento de Cristo, e o seu smboloiconogrfico uma taa de ouro. A Sibila de Delfospreviu a vinda daIdade de Ouropara a Terra,e tem por smbolo uma coroa de louros (s vezes, uma coroa de espinhos). A Sibila de Helesponto

    profetizou a queda do Imprio Romano e o nascimento de uma Nova Civilizao, aparecendocarregando uma cruz. A Sibila de Samosditou que o futuro Salvador do Mundo nasceria numa

    manjedoura dentro de uma gruta, e por isso carrega nas mos uma manjedoura. A Sibila deEritreia fez o anncio do nascimento do Messias, Messiah, Mashiah ou AvataraJesus Cristo,razo do seu smbolo ser a flor do lrio. A Sibila da Lbiaregistou as suasprofecias sobre o Adventodo Salvador, sendo o seu atributo simblico um pergaminho. A Sibila da Prsiavaticinou de formanebulosa que a verdadeira Luz haveria de iluminar a noite dos homens, e aparece representadacom um rolo ou pergaminho fechado. A Sibila da Sumria, simbolizada com um espelho ou umvidro, fez vaticnios sobre a Virgem Divina, a maior das Sibilas do Templo deJehovahouJpiter,assim identificada pelos antigos, e Serva do Altssimo Senhor Deus nico e Verdadeiro (a qual aqui representada na prpria igreja ou assembleia de Escalho, particularmente na sua torre sineira

    posta sob o evoco de Maria)22.

    As Sibilasso descritas comoMulheres-Orculosda Grcia e Roma antigas possudas depoderes profticos sob a inspirao de Apolo ou Helius, o Logos Solar, projectando o seu Raio deLuz do Cu Terra atravs dos Anjos que vinham aportar s mentes delas os prognsticos divinos.As Sibilas, nome grego drico significando Vontade de Jpiter (Zeus ou Deus), eramoriginalmente sacerdotisas virgens e sbias desse deus que tido pelos poetas como o rei dosdeuses e dos homens, e que l do Olimpo agita o Universo com um simples mover da sua cabeamais tarde, porm, transformaram-se de imaculadas sacerdotisas em famosas profetisas, e o domda adivinhao por clarividncia intuitiva espalhou-se por toda a Grcia alastrando aos pases maisdistantes. Os gregos tambm davam o ttulo de Pitonisaou Pythia s mulheres preparadas emEscolas Iniciticas para serem Orculos, ou seja, Profetisas. Isto porque, segundo a mitologiagrega, Apolo, filho de Jpiter e Latona, nascera na Ilha de Delfos onde veio a matar a serpente

    Python, alegorizando a tomada da Sabedoria Divina pelo Fogo da Razo, j que a serpenterepresenta o Fogo Criador que crepita e se agita no escrnio de tudo e todos. Era com a pele daserpente pton se recobria o trpode onde ardia o Fogo Sagrado e se queimavam folhas de loureiro,sobre o qual se inclinava a Pitonisa perscrutando dos segredos do futuro.

    Hoje, com o declnio da ordem do sistema tradicional tanto espiritual como social,aumentando a eterna ansiedade humana que a impele a procurar saber do seu futuro por obscurase confusas sendas, vem-se homens e mulheres de vidas estraalhadas a quem resta s a esperanana resposta certa de adivinhos e adivinhas, a quem recorrem como ltimo recurso numa vidaausente de verdadeira cultura espiritual. Mas tais adivinhos e adivinhas, frutos da ignorncia semordem nem regra que s gera impuberdade psicofsica, em nadssima podem ser comparados e

    tampouco assemelhados aos Magos, Pitonisas e Sibilas de antanho. Em suma, o original sacerdciofeminino todo ele expressando pureza fsica e moral e espiritualidade esclarecida, tem actualmentecomo oposto catico as famosas bruxas cujas prticas divinatrias, inteiramente psquicas no rarofalveis e at falsrias, correspondem com inteira justeza ao termo bruxaria, isto , confuso.

    Registam-se no interior da igreja de Escalho (datada do sculo XVI, embelezada no sculoseguinte e com restauros no sculo XVIII, mas cuja origem recuar ao perodo medieval de D.Dinis e a Ordem de Cristo de que sobrevive a fachada frontal e a torre) sinais inequvocos dela terescapado s visitaes e correes da Contra-Reforma, dispondo-a na classe dos templos hierticose apcrifos aparente e enganadoramente pressupostos hereges e apstatas, se confrontados com ossmbolos oficiais da religio dominante, estes perpassados de longo pelo erudito espiritual de um,

    direi assim, Supra-Cristianismo, nos moldes tradicionais e iniciticos da Tradio Espiritual doOcidente como era antes do Conclio de Trento.

    22Vitor Manuel Adrio, Guida de M il ano I nsoli ta e Segreta. Edizion Jonglez, Versailles, Maggio 2012.

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    Sobretudo h a relevncia do simbolismo da rosa e da cruz juntos, repetidos com insistnciasignificativa nos frescos decorativos do templo, o que recambia para a presena velada da Ordem

    Rosa+Cruz sucessora directa da Confraria dos Monges-Construtores beneditinos que aquiintervieram em Trezentos. A Ordem Rosa+Cruz foi fundada na Alemanha por ChristianRosenkreutz (Cristo Rosacruz) no sculo XIV, e depressa espalhou-se por toda a Europa

    incluindo Portugal, provocando a Reforma Protestante e at o incio da Renascena e doIluminismo. Durou at aos incios do sculo XVIII, onde veio a dissolver-se tanto no MovimentoIluminista (iniciador da moderna Academia sob o apodo Colgio dos Invisveis) como naMaonaria Especulativa, fundada em Londres no dia de S. Joo de 24 de Junho de 1717. Acercados Rosa+Cruzes, escreveu Anselmo Caetano Munhoz de Abreu no sculo XVIII (comeandocom um elogio e terminando numa censura, por certo para despistar o ddalo inquisitorial, peloque prescindo transcrev-la)23:

    Parece que a este gnero de felicidade aspiraro os Irmoschamados daRosa Cruz. Huns anos que em Alemanha se erigiu com este ttulo umaIrmandade de Filsofos, que tambm sechamavam osInvisveis, e eles o eram de sorte que com inviolvel fidelidade observavam as Leis

    e Regras da sua Instituio; carteavam-se com enigmas e se prezavam de saber segredos aindamais notveis que o daPedra Filosofal; porm a sua invisibilidade era o seu maior mistrio, porquecom ela no ficavam expostos perigosa curiosidade dos Grandes (). Eu aqui no fao menodeles seno para confirmar o prudente recato com que devem viver os que tiverem a fortuna deconseguir algum notvel descobrimento em Arte, ou Cincia, porque necessitam de outro anel,como o de Gyges, para se fazerem invisveis, enquanto houver Magnates no Mundo. A reputaodesta to recndita Cincia muitas vezes prejudica muito a vaidade dos que com razes sofsticas,experincias aparentes e apcrifas tradies, quiseram certificar a sua existncia. A estesapaixonados padrinhos do Lapis tenho s vezes ouvido provas, que at na Sagrada Escritura

    pareciam solidamente fundadas.

    23Anselmo Caetano Munhoz de Abreu Gusmo e Castelo Branco, Ennoea ou Apl icao do En tendimento sobre aPedra F il osofal. Lisboa Ocidental, 1732.

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    No interior da matriz escalhense, junto porta lateral est uma antiga pia de gua bentadecorada com um listel com as figuras esculpidas de uma rosa, um corao, uma ave e um ramo(talvez de oliva), deixando o subentendido da frase latina Ave Cordo Maris: Ave, Corao doMar (gua, aqui a benta, benzida ou sagrada), pressupondo ainda o eventual conhecimento etalvez presena ocultada da misteriosa Ordem de Marizque a historiografia traz no completo

    desconhecimento, mas que teractuado por artistas e mestres daheterodoxia hiertica, dita cinciasecreta ou Gnsis (Gnose,Sabedoria Perfeita), ou poroutra, Theosophia (Teosofia,Sabedoria Divina) sob feio

    judaico-crist.

    No lado oposto, no lugardo Evangelho ou da Palavra,

    encontra-se o plpito pelo Anjoda Trombeta ribombando oanncio de Advento do SolSalvfico (gravado na cimalha exterior da respectiva porta lateral) de uma nova Idade redentora do

    Mundo, motivo transferindo para o texto inicial doApocalipse(1:1): O Apocalipse de Jesus Cristo, queDeus lhe deu para descobrir aos seus servos as coisasque cedo devem acontecer, e que ele manifestou,enviando-as, por meio do seu anjo, a seu servo Joo24.A palavra apocalipsetem origem na grega apoklypsis,revelao velada ou secreta (apo, exposta,

    revelada, e kalumna, vu, encoberta, secreta), enisto deixa o subentendido de Parusia ou Advento Finalvelado sob a exclusividade aparente da funo do

    plpito como lugar da ministrao da Palavra, daexpresso do Verbo Divino, confirmando a

    justificativa das palavras da Segunda Epstola de Pauloaos Corntios(3:6): Foi Ele que nos tornou aptos parasermos sacerdotes de uma Nova Aliana, no pela letramas pelo Esprito, porque a letra mata e o Espritovivifica25.

    A grande abbada comprida e alta, dandofeio medieval ao interior do templo, apresenta-sedecorada com pinturas de motivos geomtricosclaramente hermticos importados da tradio clssica

    pitagrica dos construtores livres da Renascena, osliberi muratoricuja arquitectura sagrada desenvolveu-se a partir dos escritos vitruvianos de 1521, ou seja, os

    de Lcio Vitrvio que, por sua vez, inspirou-se na geometria sagrada medieval constante nopequeno livro On the Ordination of Pinacles, do arquitecto alemo Mathus Rriczer (falecido em1492), baseado no rombus ou vesica, ou seja, em crculos concntricos onde o quadrado e ohexgono so desenhados mostrando a relao do ad altum(elevao) com o ad quadratumdo

    24Bbl ia Sagrada, traduzida em portugus segundo a Vulgata Latina pelo padre Antnio Pereira de Figueiredo.Depsito das Escrituras Sagradas, Lisboa, 1911.25Bbl ia de Jerusalm. Edies Paulinas, So Paulo, 1981.

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    plano bsico: em uma v-se a Roda da Vida (chamadaRota Mundipelos antigos Rosacruzes), emoutra a Flor da Vida (Flos Vitae) inspirada na vesica piscis (bexiga de peixe, como alusogeomtrica ao Ciclo dePiscisno qual o Cristianismo nasceu), e noutra ainda aswstikaoususticaclavgerados pontos cardeais irradiando de Sol central26, motivo assinalado no Hindusmo como

    Pramanthaou Ciclo de Evoluo Universal.

    Sem dvida a maior jia artstica desta igreja o seu altar-mor, com rico retbulo de doisandares em talha dourada apoiados e enquadrados por colunas salomnicas de seis espiras cada,sendo do estilo nacional dos fins do sculo XVII e incio do seguinte, como revelam os seuselementos maneiristas junto a barrocos. Sobre o entablamento domina a imagem do Orago, NossaSenhora dos Anjos. No patamar superior, enfileiram-se as imagens dos 4 Profetas (Isaas, Jeremias,Ezequiel e Daniel) assinalando a Escritura Velha ou Antiga Tradio (Patriarcas). No patamarinferior, apresentam-se os 4 Evangelistas (Mateus, Joo, Lucas e Marcos) representado a Escritura

    Nova ou Nova Revelao (Apstolos). Mas o mais interessante e inslito de tudo quanto h nestaigreja so os dois baixos-relevos laterais, do estilo flamengo do sculo XVII, representando Jesusa caminho do Calvrio e a deposio de Jesus no sepulcro, que remetem sem delongas parainterpretaes abertamente heterodoxas do Hermetismo cristo.

    Mesmo que aparentemente to-s exprimam as 2. e 14. estaes da Via Crucissolenidade pascal evocativa da Paixo e Morte do Senhor iniciada no sculo XV pela Piedade

    franciscana contudo h outra leitura mais profunda no esconso do figurino piedoso. A 14.estaoJesus depositado no sepulcroremete para o tempo futuro da apoteose e confirmaoda F: trata da descida da alma de Jesus aos Infernos, Inferius, Inferiores ou Mundos Interiores,Subterrneos, como antelquio da ressurreio (anstase) corporal ao terceiro dia. Neste painelaparece o dono do sepulcro, Jos de Arimateia, ao lado de Maria de Clofas, considerada tia deJesus, Maria Me de Jesus, Maria Madalena, Joo Evangelista e Nicodemos. O sepulcro ondeArimateia e Nicodemos depositam o corpo inerte do Senhor sobre o sudrio, apresenta no frontalas efgies dos rostos de trs homens: um rosto barbado ligeiramente de lado possivelmente o

    prprio Jos de Arimateia, membro do Sindrio e pressuposto discpulo secreto de Jesus (Joo,19:38)oposto a um outro rosto barbado que porventura ser Nicodemostambm membro doSindrio e que o Talmudeidentifica como Nicodemos Ben Gerion. Entre ambas as efgies apareceuma terceira semiencoberta pelo sudrio de um jovem imberbe: assinalar aquele que h-de

    26Cf. Ren Gunon, A Grande Trade. Editora Pensamento, So Paulo, 1989.

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    ressuscitar do vu da morte num corpo novo, jovem e glorificado em corpo pneumtico, parausar a expresso paulina (I Corntios, 15:44).Pneuma literalmente o Sopro da Vida, ainda quese interprete correntemente como Esprito. Ora a ressurreio predicado do Esprito Santo pelaqual Cristo ressurgiu em seu corpo espiritual vivificado e revelado ao terceiro dia, como triunfoda Vida sobre a Morte27.

    O outro baixo-relevo revela-se o mais inslito de tudo quanto aqui h: vem-se nele doisJesus, um carregando a cruz e outro por cima e ao lado observando-o. Poderia ser identificado aobom ladro que no conjunto aparece ao lado de uma terceira figura desnuda sem aura desantidade, portanto, o mau ladro, que com o outro acompanharam o Senhor no derradeiromartrio. Poderia muito bem ser, se no fosse o desmentido cabal de aparecer num frescosetecentista na sacristia a Senhora do Leite amamentando duas crianas, pelo que seroefectivamente dois Jesuse no quaisquer ladres condenados morte como narram os Evangelhossinpticos, mas isso talvez ou decerto tenha servido de pretexto para velar o flagrante das correesinquisitoriais, tema que alis parece ter sido comum antes da Contra-Reforma28.

    27D. J. Furley, From Ar istotle to Agustine, p. 29. Routledge, London, 1999.28Hella Krause-Zimmer, Le Problme des deux enfants Jesus et sa trace dans l Ar t. Editions Triades, Paris, 1989.Rudolf Steiner, Le mystre des deux enf ants Jsus, conference 1909. Editions Antroposophiques Romandes,

    Neuchtel, 1999.

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    O prprio Leonardo da Vinci foi convidado a pintar novo quadro depois da sua primeiraverso da Senhora das Rochas(1483-1489, quadro no Museu do Louvre, Paris), onde aparecemduas crianas indistintamente junto da Virgem Maria e do Anjo Gabriel. Na segunda verso (1495-1508, quadro na Galeria Nacional de Londres) j aparece o menino Joo Batista adorando omenino Jesus. Os dois Jesus tambm esto retratados num quadro do sculo XV no Museu

    Nacional de Borgonha, em Dijon, onde um aparece sentado no trono de Israel fitando o outro quese oculta sob o manto da Virgem Maria, tema repetido em O Mistrio feito Memorial(pea emmrmore policromado do incio do sculo XVI que fez parte da Exposio de Arte Sacra daDiocese de Aveiro), onde aparecem dois meninos sentados no regao da Virgem Me cruzando os

    braos altura do peito dela, assim apontando a sua progenitora.

    O caso da Senhora ter dado luz duas crianas e no uma s como aceite universalmentehoje em dia, poder parecer mais que estranho e escandaloso: ser remetido para a pura fantasiaapcrifa! Mas tambm poder no ser, atendendo s duas naturezas de Jesus (o iracundo queexpulsou a vergastadas os vendilhes do Templo, e o amoroso que proferiu o sermo da Montanha;o que diz no trazer a paz mas a espadaMateus, 10:34e o que aconselha os homens a amarem-se com Ele ama a HumanidadeJoo, 13:34) e s suas correspondentes funes: oJesus Davdico

    destinado a Rei de Israel, e o Cristo Messiasque assistiu quele na vida e distncia o contemplouna morte, sem da mesma participar por ser impossvel ao Homem matar Deus, o Mashiah ouAvatara, a manifestao do prprio Esprito de Verdade.

    O tema dos dois Jesus (Deus-Homem e Homem-Deus) constante nos Evangelhosapcrifos, a maioria deles contemporneos dos Evangelhos sinpticos que ganharam fora de leia partir do Conclio de Niceia (ano 325), quando foram queimados cerca de 4000 outrosEvangelhos considerados herticos margem da catequese imposta e afirmada no Credo de Niceia:queles que afirmam que o Filho de Deus uma Hipstase ou Substncia diferente, ou foi criado,ou sujeito alterao e mudana, a esses a Igreja anatematiza, repetindo-se no Credo de

    Atansioe com isso preanunciando o incio da Idade Mdia que no seu pior foi Idade de Trevas,

    isto , de intolerncia, censura, perseguies e crimes em nome do fundamentalismo eexclusividade de uma religio de prepotncia e domnio das almas e dos Estados29.

    29J. H. Burns, H istoire de la pense pol iti que mdival. 350-1450. dition Lviathan, Paris, 1993.

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    Consultando os Evangelhos apcrifos constantes daBiblioteca de Nag Hammadieditadosem Portugal30 e no Brasil31, procurando neles a presena ou to-s a sugesto dos dois Jesus,respigo:

    Evangelho de Filipe

    Jesus um nome oculto. Cristo um nome revelado. Por isso, Jesus no existe emnenhuma (outra) lngua, mas sim o seu nome Jesus, como denominado. No que respeita aCristo, o seu nome , em siraco, Messias e em grego Christos. Certamente todos os outros otm, segundo a lngua de cada um. O Nazareno o (nome) manifesto do que est oculto. Cristo

    possui tudo em si mesmo, seja nome, anjo, mistrio e (mesmo) o Pai32.

    Mediante gua e fogo todo o lugar purificado: o manifesto mediante o manifesto, ooculto mediante o oculto. H algumas coisas ocultas mediante as manifestas. H gua na gua, hfogo na uno.

    Livro de Tom, o Atleta

    Por isso, assim, tu s meu irmo, Tom. Viste o que est oculto aos homens; ou seja,aquilo em que tropeam ao no conhec-lo.

    Apocalipse de Pedro

    Que vejo eu, oh Senhor? s tu aquele a quem agarram e s tu o que te agarras a mim?Ou quem esse (que) sorri alegre sobre a rvore33? E h outro a quem batem nos ps e nas mos?

    O Salvador disse-me:

    Aquele que viste sobre a rvore alegre e sorridente, esse Jesus, o vivente. Mas esteoutro, em cujas mos e ps espetam os cravos, o carnal (sarkinos), o substituto, exposto vergonha, o que existiu segundo a semelhanaolha para ele e para mim!

    Segundo Tratado do Grande Seth

    Aminha morte, com efeito, que crem que aconteceu, existiu para eles equivocada ecegamente. Cravaram o seu homem para a morte deles. Porque os seus pensamentos no me viram,

    porque eram surdos e cegos. Fazendo isto, porm, julgam-se a si mesmos. Por um lado, viram ecastigaram-me, (mas) foi outro, o seu pai34, o que bebeu o fel e o vinagre, no fui eu. Foi a outroa quem colocaram a coroa de espinhos. Eu, no entanto, regozijava-me nas alturas sobre o domniototal dos arcontes e da semente (spora) do seu erro, da sua v glria, e zombava da sua ignorncia.Todos os seus poderes, no entanto, eu os submeti servido.

    Sabe-se que os textos apcrifos dos gnsticos cristos eram do conhecimento e consultadas autoridades eclesisticas do sculo IV e que circularam nos meios eruditos e fechados tantodas instituies religiosas e militares (como foi o caso da Ordem do Templo) como nas sociedades

    30Biblioteca de Nag Hammadi, trs volumes. Editora squilo, Lisboa, 2005.31James M. Robinson, A B ibl ioteca de Nag Hammadi A traduo completa das Escri turas Gnsticas. MadrasEditora Ltda, So Paulo, 2006.32As valnciasJesuse Cristomostram-se trocadas ou invertidas, talvez por traduo deficiente, como alis se reparana ltima frase do texto contrariando o que antes fora dito, ou seja, dispondo Cristo Deus como superior a JesusHomem, um para o Mistrio do Esprito e outro para a Revelao da Carne.33Ou seja, a cruz.34Ou o seu rei legtimo descendente em linha varonil de David, ao contrrio de Herodes Antipas (4 a. C. 39 d. C.)que depusera ilegitimamente Arquelau usurpando o trono com o apoio de Roma, pelo que o Jesus humano, senhor doPoder Temporal, era efectivamente o ascendente efectivo Coroa de Israel. Cf. Bruce M. Metzger & Michael D.Coogan, Dicionrio da Bbl iaAs pessoas e os lugares, vol. 1. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2002.

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    ilustradas do Renascimento, tando praticamente chegado aos incios do sculo XIX. Agora convirestabelecer um comparativo histrico entre evangelhos sinpticos e apcrifos, e em que destoam,se destoam, uns dos outros.

    Os ttulos dos evangelhos no provm dos evangelistas, porque antigamente no secostumava exornar as obras histricas com os nomes dos autores, mas remontam aos tempos dosPadres Apostlicos, e tanto assim que j os conhecia o autor do Fragmento Muratoriano (2.sculo), bem como Santo Irineu (+ 202) e Clemente de Alexandria (+ 217). Os trs primeirosevangelhos, ainda que literariamente autnomos e independentes, por apresentarem concordnciano contedo e exposio foram recebidos no cnone do Novo Testamento com um quartoevangelho, o de S. Joo, posterior. No intuito de pr em relevo essa concordncia, traou-se um

    paralelo sistemtico entre os trs primeiros textos evanglicos dando como resultado umainteressantesinopse. Da, esses escritos vieram a chamar-se de evangelhos sinpticos, e os seusautores, os sinpticos.

    Os evangelhos gnsticos faziam parte da mesma corrente de tradio que os sinpticos,estes, mesmo assim, s aceitos oficialmente no sculo IV, quando do Conclio de Niceia, queafirmou decisivamente a Igreja como uma religio de Estado com sede definitiva em Roma, ouseja, quando Silvestre e Constantino firmaram a unio entre o Papa e Csar, e a corrente gnstica

    passou a ser marginalizada pelo novo cnone, quando no perseguida de maneira implacvel. Essefoi um contrassenso total, visto a corrente gnstica ser a postulada em reservado por Jesus Cristoque a ter ensinado aos Apstolos e estes aos seus discpulos, os citados Padres Apostlicos (SantoIrineu, So Clemente de Alexandria, So Timteo e ainda Orgenes, Jmblico, etc.).

    Havia, pois, um conhecimento pblico ou popular (catequese e confisso dos simples) euma sabedoria reservada ou restrita (teologia e perfeio dos sbios) para o entendimento e

    promulgao do Cristianismo. Isso mesmo explcito claramente nos evangelhos sinpticos: Equando se achou s, os que estavam junto dele com os doze apstolos o interrogaram acerca dosentido desta parbola. Ele disse-lhes: A vs dado conhecer os mistrios do Reino de Deus, mas

    para os que esto de fora, todas estas coisas se dizem por parbolas. E mais adiante: Assim, lhesanunciava a Palavra por muitas parbolas semelhantes, conforme os que eram capazes de o ouvir.Ele no lhes falava seno por parbolas, mas quando estava em particular explicava tudo aos seusdiscpulos (Marc. IV, 10, 11, 33, 34; Mat.XIV, 11, 34, 36; Luc.VIII, 10). E mesmo com osdiscpulos mostrava a reserva ou conteno na revelao da Sabedoria: Muitas coisas tinha aindaque vos dizer, mas esto muito acima do vosso alcance (Jo. XVI, 12).

    Orgenes viria a servir-se dessas palavras para fazer aluso ao ensinamento secreto mantidopela Igreja, ou seja, a Gnose. S. Clemente de Alexandria, nos Stromatasou Miscelneas,declaraque a Gnose comunicada e revelada pelo Filho de Deus a Sabedoria Ora, a Gnose um

    depsito que chegou a alguns homens por transmisso: ela tinha sido comunicada oralmente pelosApstolos (StromataI, VI, cap. VII). E adianta: O homem familiarizado com todos os gnerosde Sabedoria ser o Gnstico por excelncia (StromataI, VI, cap. XIII), rematando: O Apstolo,distinguindo a f ordinria da Perfeio gnstica, chama primeira afundaoe, s vezes, oleite(StromataI, XII, cap. IV)35.

    Consequentemente, como os quatro evangelhos sinpticos faziam parte de inmeros outrosremetidos fogueira sob pretexto de heresia, acaba verificando-se haverem inmeros hiatosnassuas narrativas, por certo s encontrando comutao nos textos daqueles marginalizados. Tratar-se- de algo assim como um puzzle completo ao qual retiraram vrias peas, com o resultado deficarem decisivamente incoerentes.

    35 Andrew C. Itter, Esoteric Teaching i n the Stromateis of Clemente of Alexandri a (Supplements to Vi gil iaeChristianae). Brill, Leiden-Boston, 2009.

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    A doutrina oficial catlica como hoje entendida, por conseguinte a leitura e interpretaoda sua catequese e confisso, ficou a dever-se aco pastoral dos consignados 4 Doutores da

    Igreja(Santo Ambrsio, Santo Agostinho, So Jernimo, So Gregrio Magno)36, termo comumnas obras dos escolsticos, tendo o Papa Bonifcio VIII ordenado em 1298 que fossem festejadosaos pares pela Igreja do Ocidente, como alis esto retratados em pintura no tecto da sacristia da

    matriz de Escalho, com So Gregrio Magno tendo estampada a rosa rubra no peito, sinal deDivino Amor que a Pomba do Esprito Santo lhe insufla. No centro do fresco quadrangular, emguisa de fecha de abbada (fingida), est a rosa suportando a cruz com umaswstikano meio,motivo remetendo novamente para a presena da influnciaRosa+Cruz, a qual como smbolo deIluminao pelo Amor transmite a ideia de Igreja do Amor (oposta de Roma), para onde omovimento destrocntrico ou solar daswstikaparece querer mover o pensamento dos mximoseclesiais, como prenncio de um novo ciclo de Cristandade tal qual seria originalmente37. Por

    baixo de Santo Agostinho aparece um outro fresco, o j referido da Senhora do Leite amamentandoos seus dois filhos, tema decerto conhecido desse bispo de Hipona que antes de ser cristo foraneoplatnico, isto , gnstico ingresso no Maniquesmo38.

    A afirmao do Amor como Sabedoria maior revela-se nas trs virtudes teologais retratadasno fresco da Senhora da Caridade (ou Amor) ostentando os smbolos da F (Cruz) e da Esperana(Clice), vendada como sinal de virtude indiscriminada. Encima o belo lavabo dplice, datado de1761, de onde a gua saa da boca de dois Anjos (um Querubim, Senhor da Sabedoria, direita;um Serafim, Senhor do Amor, esquerda).

    36Eptome Chronologico, Genealogico & H istorico, dividido em quatro l ivrose composto pelo padre Antonio MariaBonucci da Companhia de Jesu, missionrio na Provncia do Brasil. Lisboa, 1706.37Jean Huscenot, Os Doutores da Igreja. Editora Paulus, Lisboa, 1998.38Santo Agostinho, Conf isses; De Magistro. Nova Cultural, So Paulo, 1987.

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    Bem parece que a Rosa+Cruz como ideal e filiao fechada ou hermtica ter sidoperfilhada pelos teros mendicantes (sendo este o significadomendicnciada imagem invulgarde Santo Antnio com a sacola a tiracolo e o Menino Jesus ao colo, como se v num altar lateraldesta matriz escalhense) da Ordem Terceira de So Francisco da Provncia de Portugal (assinaladana presena de Fernando Bulhes e Taveira de Azevedo, mais conhecido por Santo Antnio deLisboa e Pdua, coevo e companheiro de So Francisco de Assis), posto a presena franciscanaser constante neste espao sagrado, repetindo-se ainda na sacristia em pinturas em madeira (dosfins do sculo XVIII), em uma das quais v-se a imposio dos estigmas a So Francisco de Assis,em outra Santo Antnio com o Menino e ambas ladeando uma Senhora aureolada de santidade emorao com um livro ao lado. Vestida com trajes ricos sinal da sua riqueza e nobreza, trata-se deSanta Maria Madalena lendo o Livro das Horas, tema retratado por vrios artistas desde a Idade

    Mdia, talvez sendo o mais notvel Maria lendo, retbulo do sculo XV (terminado entre 1435-1438) do pintor holands Rogier van der Weyden, exposto na Galeria Nacional de Londres.

    O culto medieval e renascentista a Santa Maria Madalena teve a primazia dos terosfranciscanos, reconhecendo na santa no a devassa mas a mulher apstola dos apstolos,corrigindo as hagiografias dos antigos doutores e escolsticos acerca dela nibilominus

    Magdalenam meretricem fuisse calumniosum est tendo-lhe dedicado pginas do maiorbrilhantismo historiogrfico e teolgico39, dizendo ainda Anselmo Caetano Munhoz de Abreu (ob.cit.) em 1732: Quando os Sacerdotes estiverem na presena das Senhoras mais ilustres ho-deestar assentados, e elas em p, por eles serem Anjos e elas mulheres. Muito ilustre mulher era a

    39H istori a de la vida de Sta. Mara Magdalena, di vidida en quince captul os. Compuesta en frances por un Religiosodel Real Convento de S. Maximo del Orden de Predicadores, traducida ao castellano por el P. Fr. Isidoro de Galves,Capuchino de la Provincia de Andaluca, e ilustrada com varias notas del traductor. Madrid, en la Imprenta de BenitoCano, 1786.

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    Magdalena, por ser uma das mais nobres Senhoras da Corte de Hierusalm, e quando no sepulcroesteve na presena dos Anjos, e conversando com eles, ela esteve em p e os Anjos assentados.

    Maria Madalena, a escusada se bem que adorada, incarnar o sentido do Feminino Sagradoque ungiu o Verbo Divino confirmando a sua realeza de Christus, malquista por uma Igreja mais

    patriarcal e menos matriarcal que leva a no esquecer o famoso Snodo de Mcom no sculo VI(ano 585), aquando Maria foi finalmente reconhecida Me de Deus e a Mulher, porconsequncia, ganhou o direito efectivo a ter alma. As constantes correes e alteraes sinodaise conciliais acabariam por retirar a assuno ou direco da Ala Feminina da Igreja a Maria,consorte de Cristo Deus,Mater Dei desde logo Theotokos ouChristotkoso Verbo testemunhode Cristo , funo que assume com a descida do Esprito Santo como Fogo, acto do Pentecostes.Ele que antes descera sobre o Pantocrator mergulhado na gua baptismal. Fogo e gua, ambosBaptismosSacramentos de Esprito Santo cujo encontro ou fuso ir-se- fazer pela consortede Cristo Homem: Maria Madalena, porta-voz de Maria a Me, consequentemente, bemmerecendo o ttulo de Odighitria, Aquela que indica o Caminho s mulheres de Jerusalm,incio doMarialis Cultus.

    Poder se objectar: como poderia ser Maria Madalena personagem to distinta se nopassava de uma prostituta que se arrependeu diante do Salvador, ungindo os seus ps com blsamoe secando-os com os cabelos, portanto, uma mulher ordinria, vulgar? Ainda hoje se diz, na vox

    populi, chorar como uma Madalena arrependida

    Poderei opor: em nenhuma parte dos Evangelhos se escreve que Maria Madalena fosseprostituta. Isso ficou a dever-se a imprecises das leituras de St. Agostinho e S. Jernimo identificando Madalena como mulher abastada casada com um nobre distinto de Jerusalm a quemenganara para seguir Jesus, sem explicar em que consistira tal engano e quem era esse nobre, comocomenta frei Isidoro de Galves (ob. cit.)feitas por S. Gregrio I, o Magno (c. 540 12.3.604),

    expostas na sua compilao dos Sete Pecados Capitais, partindo das oito tentaes descritas pelomonge Euagrios Pontikos dois sculos antes. Foi ele e a Igreja Latina, celebrando-a a 22 de Julho,que a identificaram pecadora annima de S. Lucas (VII, 36:50) e a Maria de Betnia, irm de

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    Marta e de Lzaro. Um captulo antes de falar de Madalena ou Magdala (cidade da Galileia), Lucasalude a uma mulher que ungiu a Jesus. No Evangelho de Marcos h uma uno parecida por partede uma mulher cujo nome no se indica. Nem Lucas nem Marcos identificam explicitamente essamulher como sendo Maria Madalena. Porm, Lucas diz tratar-se de uma mulher cada, de umapecadora. Comentadores e exegetas posteriores supuseram que fosse Madalena, dado que,

    segundo parece, tendo sado dela sete demnios (no texto grego: sete gnios, sete foras, algoassim como os sete atributos da Energia Criadora latente no Homem, que os cabalistas cristoschamam Fogo Criador do Esprito Santo e os sbios hindus de Kundalini) s poderia ser uma

    pecadora. Baseando-se nisso, a mulher que unge a Jesus e a Madalena foram consideradas a mesmapessoa. Na realidade, possvel que a fossem. Se Maria Madalena tinha a ver com um culto pago,marginal ao dos fariseus e saduceus da capital Jerusalm onde estava o grande Templo,

    possivelmente essnioj na poca ostracizado, certamente por isso haveriam de convert-la numapecadora aos olhos no s de Lucas, mas tambm dos autores posteriores40.

    A verdade que as crenas essnias andavam prximas das fencias no tocante astrolatriae, ao tempo de Jesus, os cananeus davam o nome da deusa fencia Astarte s prostitutas e

    sobretudo s apstatase hereges, estas as mulheres contestadoras do ministrio oficial exercidopelos levitas junto do povo. Recebiam o dito epteto ou um outro por qual tambm se conheceAstarte:Astoreth, feminino deAstaroth, o deus da perdio, na realidade, oDeus da Inteligncia,das diblicas interjeies mentais que obrigam Purezae Inteligncia, ou seja, posse efectivada Gnose.

    Sinais de saberes ocultados que, enfim, a igreja matriz de Santa Maria dos Anjos deEscalho reserva como notvel testemunho beiro da Igreja do Amor cujos Maiores, velados noanonimato e desvelados no testemunho monumental, um dia chamaram a Humanidade a um NovoTempo de Esprito, ao regresso ao Cristianismo original e ao mais sublime da Palavra de Cristo: aIluminao pela Sabedoria do Amor, havendo Amor na Sabedoria e Sabedoria na Palavra final.

    40Vitor Manuel Adrio, A Ordem de MarizPortugal e o Futu ro. Editorial Angelorum Novalis, Carcavelos, Maiode 2006.