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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Volume 2 Priscilla Marns-Silva Zeidi Araujo Trindade Eduardo Coelho Ceoo Renata Danielle Moreira Silva Milena Bertollo-Nardi Orgs.

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Page 1: Ers 2012 Volume 2 Completo

ESTUDOS EMREPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Volume 2

Priscilla Martins-SilvaZeidi Araujo Trindade

Eduardo Coelho CeottoRenata Danielle Moreira Silva

Milena Bertollo-NardiOrgs.

Page 2: Ers 2012 Volume 2 Completo
Page 3: Ers 2012 Volume 2 Completo

Priscilla Martins-SilvaZeidi Araujo Trindade

Eduardo Coelho CeottoRenata Danielle Moreira Silva

Milena Bertollo-Nardi(Organizadores)

Vitória, Espírito SantoBRASIL2012

ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Volume 2

Page 4: Ers 2012 Volume 2 Completo

Ana Lúcia GalinkinAna Rafaela PecoraAnderson Scardua Oliveira Brígido Vizeu CamargoCélia Regina Rangel NascimentoClaudia Maria de Lima Divaneide Lira Lima PaixãoEdna Maria Q. de Oliveira ChamonHelenice Maia GonçalvesJoão Gilberto da Silva CarvalhoLeconte de Lisle Coelho JuniorLídio de SouzaLuciene Alves Miguez NaiffLuziane Zacché Avellar

Luziane Zacché AvellarMárcia de Melo Martins KuyumjianMaria Cristina Smith MenandroMaria de Fátima de Souza SantosMaria de Lourdes OrnellasMariana BonomoPriscilla de Oliveira Martins da SilvaRafael Moura Coelho Pecly WolterRaimundo Cândido de GouveiaRita de Cássia Pereira LimaRosimeire de Carvalho MartinsSílvio Éder Dias da SilvaTânia Navarro SwainValeschka Martins Guerra

Conselho CientíficoVolume 2

Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)(Biblioteca Central da Universidade Federla do Espírito Santo, ES, Brasil)

E82 Estudos em representações sociais / Zeidi Araujo Trindade ...[et al.], organizadores. – Vitória, ES : GM Editora, 2012.

3 v. : il.

Incluibibliografia. ISBN: 978-85-8087-047-3 (v.1). – ISBN: 978-85-8087-048-0 (v.2). –

ISBN: 978-85-8087-049-7 (v.3)

1. Representações sociais. 2. Psicologia social. I. Trindade, Zeidi Araujo, 1946-.

CDU: 316.6

Ilustração da capa:Porte-Fenetre a Collioure (HENRI MATISSE, 1914)

Editoração:Edson Maltez Heringer / 27 8113-1826 / [email protected]

Page 5: Ers 2012 Volume 2 Completo

Em 1961 Serge Moscovici1 publicava na França o seu livro La psychanalyse, son image et son public, no qual eram lançadas as bases da teoria das representações sociais. Neste trabalho ele se propunha a investigar como a teoria psicanalítica foi apropriada pela população leiga que utilizava alguns de seus conceitos para classificar pessoas (neuróticas e não neuróticas, por exemplo), definir comportamentos e sentimentos (“estou traumatizado”, “fulano tem complexo de Édipo”) e justificar condutas (“ele faz isso porque teve problemas na infância”). Moscovici observava um fenômeno interessante na sociedade francesa dos anos 50/60: o modo como uma teoria produzida no âmbito acadêmico era apropriada pela população leiga e a diversidade de definições que os diferentes grupos davam a ela. Não era apenas o modo de conhecimento que lhe interessava, mas, sobretudo o processo de apropriação e de construção de um novo conhecimento. Moscovici (1986)2 lembra que ao se apropriar da psicanálise as pessoas passaram a encontrar “complexos”, “lapsos”, a observar seus próprios comportamentos com relação aos parentes, amigos. Eles retrabalhavam a informação que eles construíram.

A partir dessa questão, o autor se propôs a compreender como se construíam teorias leigas sobre determinados objetos. Seu estudo chama a atenção para os saberes produzidos nas comunicações cotidianas por pessoas comuns sobre objetos relevantes para elas. Moscovici (2003)3 afirmaria anos depois, em uma entrevista concedida a Marková, que ao propor a teoria das representações sociais ele estava defendendo que o conhecimento do senso comum, o conhecimento popular, deveria ser a “matéria prima” da psicologia social.

Enquanto Moscovici trabalhava na Europa defendendo o conhecimento do senso comum como o objeto mesmo da Psicologia Social, Bruner (1997)4, nos Estados Unidos, criticava o caminho tomado pela chamada “revolução cognitivista” e propunha como conceito central da psicologia humana, o significado e os seus processos de construção. Havia, portanto, uma preocupação entre alguns pesquisadores da época em compreender o conhecimento popular.

É preciso ressaltar, entretanto, que o interesse de Moscovici não era apenas investigar o conhecimento do senso comum como objeto, mas como processo de conhecimento. Moscovici provocou, assim, um debate sobre as dimensões individuais e coletivas do conhecimento social, da relação entre sujeito e objeto no processo de construção da realidade social. Ele propõe que lancemos um “olhar psicossocial” sobre a realidade. Em outras palavras, propõe adotar uma postura de análise que focaliza a relação sujeito-sociedade buscando compreender a realidade como produto e produtora de dinâmicas psíquicas e sociais. É pensar o sujeito como um sujeito ativo, construtor da realidade social e nela construído.

Assim, o sujeito não é um simples processador de informações “externas” ou produto de uma realidade exterior a ele. Ele é ativo no processo de apropriação da realidade objetiva. O sujeito da teoria das representações sociais é um sujeito que se constitui no social, isto é, nas relações com o outro em um dado contexto cultural e em um momento histórico preciso. Nessa perspectiva, a realidade social deve ser analisada como um conjunto de fenômenos, simultaneamente, psicológicos e sociais.

APRESENTAÇÃO

1 MOSCOVICI, S.La psychanalyse, son image et son public.Paris : PUF, 1961.2 MOSCOVICI, S. L’ère des représentations sociales. In: W. Doise, Willem. Palmonari, August. L’étude des Représentations Sociales. Delachaux &

Niestlé: Neuchâtel - Paris, 1986.3 MOSCOVICI, S.Representações sociais. Petrópolis: Vozes, 2003.4 BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre, Artes Médicas, 1997.

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No Brasil, o estudo das representações sociais assumiu um lugar importante na Psicologia Social na medida em que tem ampliado o seu espaço de influência tanto nas ciências humanas como nas áreas de saúde, educação e serviço social. Ela é uma teoria com grande vigor haja vista a evolução do número de trabalhos apresentados nas diferentes Jornadas Internacionais sobre Representação Social desde a sua primeira edição, em Natal em 1998, que reuniu 300 pesquisadores. Treze anos depois, em Vitória, a VII JIRS e IV Conferência Brasileira sobre Representações Sociais (CBRS) reuniram cerca de 700 pesquisadores que se dedicam ou se interessam pelas propostas contidas na teoria das Representações Sociais.

Este livro é um exemplo do crescimento, vigor e abrangência da teoria das representações sociais. Ele reúne trinta e dois (32) trabalhos apresentados na VII JIRS e IV CBRS, resultado do esforço dos pesquisadores para compreender e buscar dar respostas aos problemas sociais existentes no país. Pesquisadores oriundos de diferentes regiões brasileiras e representantes de diversas áreas de conhecimento. Os trabalhos de pesquisa aqui apresentados podem ser agrupados a partir dos diferentes focos de investigação: educação, comunicação impressa e digital, violência, família e religiosidade são temas analisados a partir da teoria das representações sociais. São as questões que se expressam na vida cotidiana a “matéria prima” das pesquisas aqui apresentadas. Os pesquisadores se debruçam sobre as formas compartilhadas de pensar que guiam comportamentos, justificam condutas e constroem identidades nos diversos domínios da atividade humana na tentativa de encontrar pistas que nos permitam compreender algumas formas de interação interpessoal e intergrupal e possibilitem a solução de algumas dificuldades. Como ressalta Moscovici. (2003, p.14)

(...) as relações com os outros, as relações sociais, precedem de modo prático e lógico, as relações com os objetos. Em outras palavras, o que está em primeiro lugar, o que é até mesmo determinante, nos fenômenos que nos ocupam, não é agir sobre os objetos ou reagir a eles, mas interagir com um ou diversos sujeitos.

A leitura do conjunto de trabalhos aqui apresentados nos permite não só uma aproximação com as pesquisas atuais que utilizam a teoria das representações sociais, mas, atestam, sobretudo, a preocupação dos pesquisadores em torno dos grandes temas sociais que afligem as sociedades nos dias de hoje.

Maria de Fátima de Souza SantosRecife, Julho de 2012.

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APRESENTAÇÃO .........................................................................5

A APARÊNCIA DO CRIMINOSO COMO ELEMENTO PERIFÉRICO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE CRIMES .................................................................. 9 Júlio César Pompeu

A REPRESENTAÇÃO DA HIERARQUIA NAS ESCOLAS DE FORMAÇÃO DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA ..............................................................................17 Marta Maria Telles e Celso Pereira de Sá

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE COMPETIÇÃO E COOPERAÇÃO EM CRIANÇAS DO ENSINO FUNDAMENTAL ......................................................................24 Thaís Prando Oliveira Antonio Carlos Ortega Célia Regina Nascimento Maria Cristina Smith Menandro e Zeidi Araujo Trindade

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL ACERCA DO BULLYING ........................................................31 Evelyn Rúbia de Albuquerque Saraiva Maria da Penha de Lima Coutinho Luciene da Costa Araújo Marcelo Xavier de Oliveira e Rosane de Sousa Miranda

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE JOVENS DE ESCOLAS PÚBLICAS SOBRE O BULLYING ................38 Ivany Pinto Nascimento

“COM QUEM OS FILHOS FICARÃO?” REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA GUARDA APÓS A SEPARAÇÃO CONJUGAL .......................................44 Fernanda Cabral Ferreira Schneebeli e Maria Cristina Smith Menandro

CONCEPÇÃO E REPRESENTAÇÃO DA INTELIGÊNCIA – POR QUE É IMPORTANTE A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA QUESTÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA? .......................50 Marsyl Bulkool Mettrau e Mariângela Miranda F. Macedo

FORMAÇÃO DOCENTE DOS LICENCIANDOS: HABITUS E REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE MAGISTÉRIO DOS PESQUISADOS .....................................57 Lia Matos Brito de Albuquerque Francisca Luana Laurentino Negreiros Lima e Francisca Natasha Queiroz Fernandes de Souza

METÁFORAS COMO NEGOCIACIÓN DE LAS REPRESENTACIONES SOCIALES EN ENTORNOS VIRTUALES DE APRENDIZAJE ............................................65 Gustavo Daniel Constantino Alcina Maria Testa Braz da Silva e Vânia Ben Premaor

O DIA-A-DIA DO PACIENTE COM DIABETES MELLITUS: REPRESENTAÇÃO SOCIAL E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO ..............................74 Ana Claudia Ferreira Sanches e Eduardo Coelho Ceotto

RACIONALIDADE E SOFRIMENTO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS MASCULINAS DE SAÚDE E DOENÇA ...........................................................81 Julia Alves Brasil Zeidi Araujo Trindade Maria Cristina Smith Menandro Ágnes Bonfá Drago André Mota do Livramento Eduardo Coelho Ceotto, Elisa Avellar Merçon de Vargas Juliana Brunoro de Freitas e Mirian Béccheri Cortez

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA DOENÇA DE ALZHEIMER PARA ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DO ALTO VALE/SC ..................................................................89 Annie Mehes Maldonado Brito Tatiana de Lucena Torres Everley Rosane Goetz e Eli Katiani e Joelma Silva

A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE CHICO XAVIER POR DIVERSOS RELIGIOSOS E NÃO RELIGIOSOS ........94 Tiago Paz e Albuquerque e Celso Pereira de Sá

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO OBSTÁCULOS SIMBÓLICOS À INCORPORAÇÃO DO HABITUS CIENTÍFICO ...........................................................................101 Moisés Domingos Sobrinho

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA APRENDIZAGEM DA LEITURA EM INGLÊS POR ALUNOS DO PROEJA .....................................................................................107 Solange Garrido da Costa e Rita de Cássia Pereira Lima

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA LEITURA – SISTEMA CENTRAL E PERIFÉRICO DESSA REPRESENTAÇÃO ENTRE PROFESSORES ......................114 Leila Cleuri Pryjma e Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin

SUMÁRIO

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA LEITURA ENTRE PROFESSORES: UM ENSAIO ALÉM DA ANÁLISE PROTOTÍPICA ........................................................................121 Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin e Leila Cleuri Pryjma

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES SOBRE A PÓS-GRADUAÇÃO ..............................................129 Julia Carolina Rafalski Andréa dos Santos Nascimento e Mariane Ranzani Ciscon-Evangelista

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FAMÍLIA PARA HOMENS DE DIFERENTES GERAÇÕES ...............135 Thaís Caus Wanderley e Maria Cristina Smith Menandro

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE HOMENS E MULHERES SOBRE RELAÇÃO AMOROSA, INFIDELIDADE E FAMÍLIA .................................................141 Simone Ferreira Alvim Maria Margarida Pereira Rodrigues Paulo Rogério Meira Menandro e Vitor Silva Mendonça

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE LICENCIANDOS DE PEDAGOGIA E QUÍMICA SOBRE TRABALHO DOCENTE ...............................................................................150 Márcia Cristina Dantas Leite Braz Maria do Rosário de Fátima de Carvalho Rita de Cássia Pereira Lima Natalina Aparecida Laguna Sicca e Alessandra David

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE SOBRE DOR E MORTE ....................................158 Alexandre Sant’ana de Brito e Lídio de Souza

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE VIOLÊNCIA ESCOLAR PARA PROFESSORES/TÉCNICOS DE ESCOLAS PARTICULARES EM PETROLINA/PE ............165 Larissa dos Santos Alves Suzyelaine Tamarindo Marques da Cruz Daniel Henrique P. Espíndula Lauriston de Araujo Carvalho e Marianna Barbosa Almeidae Thayline Oliveira

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO BULLYING POR ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO.........................172 Rosane de Sousa Miranda Maria da Penha de Lima Coutinho Luciene da Costa Araújo e Marcelo Xavier de Oliveira

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO HOMEM PANTANEIRO, CULTURA E EDUCAÇÃO NA MÍDIA IMPRESSA: REVISTAS .............................................179 Milton Valençuela e Sonia da Cunha Urt

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O ALCOOLISMO: HISTÓRIAS DE VIDA DE ADOLESCENTES ....................................................................185 Sílvio Éder Dias da Silva e Maria Itayra Padilha

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O TRABALHO DOCENTE: TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE LICENCIATURAS E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL ......................................................................192 Maria de Fátima Barbosa Abdalla Ângela Maria Martins e Maria Angélica Rodrigues Martins

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UM ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO SAÚDE, DOENÇA E AMBIENTE ................199 Dalila Castelliano de Vasconcelos e Angela Elizabeth Lapa Coêlho

RESSIGNIFICAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ATIVIDADE DOCENTE POR UMA PROFESSORA DO ENSINO BÁSICO ..................................205 Camila Motta Carreiro e Monica Rabello de Castro

SOBRE A MEMÓRIA SOCIAL DOS ANOS DOURADOS: FUTEBOL E COPA DO MUNDO .............212 Renata Vetere Celso Pereira de Sá Rafael Pecly Wolter e Felipe Jardim da Silva

SOBRE A MEMÓRIA SOCIAL DOS “ANOS DOURADOS”: O ADVENTO DA BOSSA NOVA .............217 Aline Passeri Dias Celso Pereira de Sá Rafael Moura Coelho Pecly Wolter e Renata Vetere

VIOLÊNCIA DE GÊNERO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA EM MULHERES AGREDIDAS ............................................................................223 Zaira de Andrade Lopes

INFORMAÇÕES SOBRE OS ORGANIZADORES............................................................230

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 9

A APARÊNCIA DO CRIMINOSO COMO ELEMENTO PERIFÉRICO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE CRIMES

Júlio César Pompeu1

Aos que objetariam que o tipo criminalóide não existe, peço simplesmente que façam a seguinte experiência: tomem 40 fotografias de criminosos natos e 40 fotografias de gente honesta, façam com que sejam analisadas por pessoas incultas e que não sabem nada de antropologia, e essas pessoas perceberão, pelo simples aspecto da fisionomia, os criminosos entre os honestos (p.107).

Uma resposta a este desafio vem de Lacassagne, antropólogo contemporâneo de Lombroso, que acreditava que o padrão seria resultado de ati-tudes criminalizadoras por parte dos agentes da justiça criminal, cujo olhar percebe criminosos preferencialmente em algumas classes de indi-víduos (Darmon, 1991, p.83). Esta mesma tese é encontrada em quase todo manual de criminolo-gia (Rauter, 2003, p.35). Este olhar criminalizador, próprio de profissionais do campo jurídico, pode ser compreendido pelo que a Psicologia Social denomina de representações sociais (RS).

As representações sociais

As RS são um modo de conhecimento constru-ído sobre a realidade. Mas não um conhecimento que seja resultado de uma determinada forma natural de pensar ou representar, mas de uma for-ma também inventada. Se fosse natural, as nossas representações do real não mudariam, de maneira que a roupa da moda dos anos 70 seria, ainda hoje, tão bonita e cobiçada quanto era no seu lançamen-to, mas não é o que ocorre. O que há de natural na representação é apenas o fato de qualquer humano representar a realidade, ou seja, de organizar o mundo percebido na forma de uma realidade, pela

Introdução

Em 1871 foi publicado L’Uomo delinquente, de Cesare Lombroso (1983). Obra fundamental da en-tão chamada Antropologia Criminal, que propunha uma mudança de enfoque nos estudos criminais. Não mais o tipo penal e as formas adequadas de sua aplicação deveriam ser os objetos privilegiados de estudo, mas o criminoso. Para aqueles cientistas, o crime era considerado não como o resultado de uma má deliberação moral, mas como um evento natural, uma resposta a um instinto primitivo que insiste em permanecer, apesar da evolução da espécie humana. Um atavismo, um percalço no processo evolucionário que, com o tempo, prova-velmente seria eliminado. Para os defensores de tal tese, os criminosos teriam um padrão racial, como os cães o têm de forma mais ou menos clara. O combate eficiente ao crime se daria pela detecção deste padrão físico e a retirada de circulação desta gente má por natureza.

Mesmo hoje em dia, não são raros discursos criminológicos que afirmam a existência de um padrão entre os criminosos: pretos, mulatos e po-bres em geral. As estatísticas sobre o sistema peni-tenciário parecem confirmar esta tese. Segundo o Ministério da Justiça (InfoPen/MJ, 2008), os presos brasileiros são homens (93,37%), negros ou pardos (58,13), entre 18 e 29 anos (57%) e não possuem o ensino fundamental (52,43%).

Se essa tese eugenista é equivocada (e não faltam referências para desacreditá-la), então por que o pa-drão? Por que, analisando o modo particular como as pessoas imaginam e descrevem criminosos e os dados do sistema penitenciário, um padrão parece se desenhar diante de nossos olhos? O próprio Lombroso, questionado já no seu tempo quanto à inexistência de um criminoso nato, desafiou (Archives d’Antropologie Criminelle, 1896, p. 491, citado por Darmon, 1991): 1 Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 210

atribuição à sucessão de encontros materiais, um determinado significado e valor.

Segundo definição célebre de Jodelet (1989, citado por Vala, 2006), as RS são “uma modalidade de conhecimento, socialmente elaborada e compar-tilhada, com um objetivo prático e contribuindo para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (p. 458).

Sua natureza social implica em que não haja representação eterna e nem universal, sendo ela sempre a representação de algum objeto formulada por determinado grupo em determinado momento. No caso deste trabalho, as representações que im-portam são as compartilhadas por juristas. Sujeitos que tiveram e experiência comum de cursar Direito, submetidos neste período a um discurso humanista dominante no campo que, dentre outras caracte-rísticas, defende a vida, a igualdade e os direitos humanos como valores supremos (Bourdieu, 2007).

Segundo Abric (1994), expoente da perspecti-va estruturalista da teoria das RS, quatro seriam as funções das representações sociais: a) Função de saber, que corresponde ao papel de critério de organização e mesmo de constituição da realida-de desempenhado pelas representações sociais. b) Função identitária que “define a identidade e salvaguarda a identidade do grupo”. c) Função jus-tificadora, que permitiria justificar, a posteriori, o comportamento e tomadas de posição de elementos do grupo. d) Por último, uma função de orientação de comportamento e práticas. (p. 16).

A af irmação de que as RS or ientam comportamentos e práticas não implica em fazer dessa representação algo que esteja acima da capacidade de cálculo e reflexão do sujeito. Ela não é a negação da autonomia, mas a negação da autonomia absoluta do sujeito racional. Não se trata de um sujeito que a cada ato de pensamento inaugura toda a sua estrutura de cognição, mas de um sujeito que pensa a partir de algo já pensado, de algo já estruturado no pensamento, conservando, no entanto, potencial para alterá-la ou não, para agir como um autômato representacional ou como um sujeito na acepção moderna do termo. A própria flexibilidade das representações sociais, já é um indicativo de que elas não podem ser consideradas critérios de constrangimento

absoluto das condutas. Para Rouquette (2000), as representações seriam apenas uma “condição de coerção variável” do comportamento (p. 44).

As RS seriam imagens mentais, formadas por múltiplos fragmentos ou elementos, como prefere Abric (1994), organizados como uma ideia objetiva ou, pelo menos, objetivável, de determinada coisa percebida por um sujeito de um campo social qual-quer. Em suma, as RS tem característica imagética, apesar da possibilidade de tradução desta imagem mental em discursos (Arruda, 2002). Isto permite estuda-las de duas maneiras: 1) pela análise de discursos, ou evocações de palavras, ou, 2) através da análise das atitudes dos sujeitos frente aos ob-jetos representados, posto que as RS, como vimos, orientam atitudes ou se prestam à elaboração de justificativas para determinadas atitudes do sujeito.

Objetivos

Considerada a possibilidade de estudo das RS a partir das atitudes dos sujeitos de um campo espe-cífico diante de um objeto representado, o que esta pesquisa objetiva é, a partir de retratos falados in-ventados, criados à semelhança dos utilizados pelas polícias para identificação de criminosos, analisar como a representação social do criminoso pode afetar julgamentos baseados apenas na aparência dos sujeitos com relação aos crimes de homicídio, sequestro, tráfico, estelionato e crimes sexuais.

Os sujeitos entrevistados foram bacharéis em Direito, que atuam em diversas áreas jurídicas (juí-zes, promotores, delegados de polícia e advogados), não necessariamente criminalistas.

Método

Numa primeira fase, foram produzidos 24 re-tratos falados através do software FACES 4.0. Este recurso foi escolhido por permitir a confecção de diversas faces, com grande controle de característi-cas como cor da pele, arqueamento de sobrancelhas etc.. Todas as imagens são apresentadas na mesma posição, de frente, anulando eventuais poses que pudessem influenciar nos processos de decisão que se sucederiam. Os retratados foram 12 homens e 12 mulheres de idades e padrões estéticos e raciais

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 11

diferentes. Todos foram confeccionados com a mesma cor de pele, apesar de alguns possuírem elementos, como o tipo de cabelo, por exemplo, que poderiam sugerir que o personagem seja negro. Visando reduzir ainda mais a influência da cor de pele por uma maior homogeneização, as imagens foram apresentadas em tons de preto e branco, à semelhança dos retratos falados tradicionais pro-duzidos pelas polícias.

As 24 imagens foram apresentadas em duas folhas, uma com personagens masculinas e outra com femininas, a 46 indivíduos, 26 homens e 20 mulheres, de idades entre 16 e 60 anos, sendo a maioria dos entrevistados entre os 20 e 23 anos (média de 25.91). Todos com renda familiar acima de 10 salários mínimos, sendo a maioria estu-dantes. Cada formulário apresentava o seguinte cabeçalho: Nas galerias de foto abaixo, assinale, de acordo com sua opinião, qual nota, de 1 a 5, atribui à belezado(a) retratado(a), sendo 1 o(a) menos bonito(a) e 5 o(a) mais bonito(a); a idade e o que faz da vida (engenheiro ou mendigo, por exemplo). Explicações complementares foram dadas aos en-trevistados que as solicitaram, que se limitaram a esclarecer o pedido no cabeçalho.

O objetivo foi ranquear as diversas imagens em termos de beleza, idade e posição social. Para isso, foi necessário classificar as respostas livremente dadas no quesito “vida” em cinco categorias que, de uma forma geral, procuram hierarquizá-las não de acordo com critérios econômicos, mas com o grau de inserção ou respeito social, de maneira que, a título de exemplo, um feirante pode ter mais recursos financeiros que um pro-fessor, no entanto, professores são considerados socialmente mais importantes e respeitáveis que feirantes. Para permitir uma melhor análise desse dado, ele foi posteriormente traduzido em uma escala numérica de cinco pontos, de maneira que, extraída a média das respostas, quanto menor o número, menor a posição social do personagem. São as categorias: 1) marginal, para respostas que indicavam que o personagem pertencia a grupo que sofre forte grau de exclusão social, como mendigo, marginal, bandido, ladrão, pivete, vagabundo; 2) inferior, para indicações de tra-balhos ou modo de vida de baixa posição social,

como feirante, mecânico, pedreiro, motorista de ônibus, lixeiro; 3) subalterno, que engloba ativi-dades e modo de vida que indique média inserção social, como secretária, enfermeira, fotógrafo, cabeleireira etc; por ser o meio da escala, nesta mesma categoria foram incluídas duas respostas recorrentes: dona de casa (ou do lar) e estudante; 4) superior, na qual foram classificadas as respos-tas que correspondiam a alto grau de inserção e proteção social, como advogado, engenheiro, pro-fessor, médica, psicólogo; 5) dominante, para as respostas que indicaram estar o personagem em posição de dominação social, como empresário, rico, juiz, senadora etc.

Concluída a primeira etapa com a classificação social, estética e etária dos retratados, um novo formulário foi construído, no qual foram excluídas as personagens de perfil semelhante. O objetivo foi criar uma nova prancha de imagens mais simples, em uma única folha, e com personagens de perfil mais heterogêneo. Após a exclusão, restaram 16 personagens, sendo 8 masculinas e 8 femininas.

Este novo formulário foi apresentado a 129 ba-charéis em direito e que estudavam ou trabalhavam com direito, de idades entre 22 e 68 anos, sendo a maioria advogados. Todos os entrevistados rece-beram as mesmas imagens, porém, os formulários foram divididos em cinco modelos com cabeçalhos diferentes. Cada um deles afirmava haver dentre os retratados o autor e a vítima de um determi-nado crime e convidava o entrevistado a indicá--los. Os criminosos e vítimas indicados foram: assassino(a) e assassinado(a), sequestrador(a) e sequestrado(a), estelionatário(a) e vítima de es-telionato, criminoso(a) sexual e vítima de crime sexual, traficante de drogas e usuário(a) de drogas. Quanto a este último, o usuário é, para alguns, vítima do traficante, para outros (incluindo a lei penal), também um criminoso, apesar de que o grau de condenação moral do crime de uso de drogas seja baixo. Apesar dessa dissonância quanto à contribuição do usuário para o narcotráfico e ao seu valor social, ainda assim o usuário foi escolhido por ser o contraponto mais objetivo para o trafi-cante. O objetivo de parear criminoso e vítima é produzir maior riqueza de dados para analisar os critérios de apontamento de um e outro.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 212

Os dados da primeira e segunda etapas da pes-quisa foram analisados em conjunto com uso do software SPSS 13.0. Para cada personagem foram anotados quatro índices:

a) beleza, indicando a média de notas atribuí-das à beleza do personagem; Idade, indican-do a média das idades indicadas;

b) vida, correspondente à média das classifica-ções das respostas espontâneas sobre o que o personagem faria da vida;

c) MIS, Média de Inserção Social, índice formado pela soma das médias de beleza e vida. Este índice foi criado para permitir uma comparação entre os personagens le-vando-se em conta simultaneamente os dois principais indicadores de posição social. A criação desta média para análise se mostrou necessária após observar que, na primeira etapa da pesquisa, à medida em que a idade do retratado aumentava, diminuía a beleza e aumentava a posição social indicada.

Conjugando os dois índices (beleza e vida), esta oscilação em função exclusivamente da idade e não da possível aparência criminosa se vê atenuada.

f) atribuições, onde é apontada a porcentagem das atribuições para cada item analisado, por exemplo, atribuição de 14.81 para o personagem H11 na lista dos assassinos, sig-nifica que 14.81% das respostas o apontaram como assassino.

Resultados

Com relação à beleza, idade e vida de homens e mulheres em geral, há ligeira vantagem das mu-lheres com relação aos homens, sendo as mulheres consideradas, em média, mais bonitas, velhas e com maiores índices de vida que os homens. A pequena diferença nos três quesitos demonstra o equilíbrio entre os retratos masculinos e femininos apresen-tados aos entrevistados.

Figura 1 – Distribuição de médias de beleza e vida entre homens e mulheres

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 13

No entanto, se consideramos as diferenças fe-notípicas entre os retratados, notam-se diferenças entre, de um lado, os apontados como negros e mu-latos e do outro, os tidos como brancos. Em média,

Figura 2 – Distribuição de médias de beleza e vida entre negros e mulatos e brancos

os brancos foram apontados como mais bonitos e com melhor vida que os negros e mulatos. Mesmo entre mulatos e negros, as notas de beleza, idade e vida é maior que as médias dos negros.

Do total de 16 personagens que foram apre-sentados no segundo formulário (que solicita ao entrevistado que aponte o criminoso e a vítima), 4 possuíam traços do fenótipo negro, sendo carac-terizados pelos entrevistados na primeira etapa da pesquisa como negros ou mulatos. Apesar dessa desproporção, negros e mulatos são os mais indica-dos como criminosos entre os assassinos, trafican-tes e sequestradores e são pouco indicados como estelionatários. Além disso, não há crime em que os negros não tenham sequer uma indicação. Em contrapartida, vários brancos não são citados nos diversos crimes. Dois deles não são citados como criminosos em nenhum crime e um deles aparece como criminoso em apenas um. No quesito vida, os negros são os que mais têm atribuição de mar-ginalidade com adjetivos como marginal, bandido, pivete e vagabundo.

No rol das vítimas, nenhum homem negro é citado e apenas uma mulher mulata (M3) aparece uma única vez dentre as principais: nos crimes sexuais. Em contrapartida, brancos e, em especial, a mulher branca M1, tida como a mais jovem e bonita, é a vítima mais indicada no assassinato, sequestro e crime sexual, a segunda mais indicada no estelionato e não está entre os mais apontados como usuário de drogas.

Analisados os resultados para os cinco crimes, percebe-se uma correspondência direta entre feiura e criminalidade segundo os entrevistados. Os mais feios são apontados preferencialmente como autores dos crimes mais violentos (assassinato, sequestro e tráfico), enquanto os mais bonitos são apontados como vítimas. A média dos índices de Beleza dos mais apontados como assassinos, sequestradores e traficantes é de 1.65, enquanto

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 214

que o de suas vítimas é de 2.57. Nenhum dos personagens apontados como autores desses três crimes tem beleza acima da média das vítimas.

Considerada a média de todas as amostras de crimes, os criminosos apresentam beleza de 1.91 contra 2.60 das vítimas.

Das atribuições de autoria destes crimes, 50% recaíram sobre apenas cinco indivíduos de um total de dezesseis (H11, H7, H5, M6 e M3). Há também grande concentração nas indicações de vítimas, sendo apontados apenas quatro (M12, M1, H12, H2). Apenas com relação aos apontados como usuários de drogas (nesta pesquisa apresentados como vítimas), percebe-se mudança de perfil, com forte preferência para os homens mais jovens e de alta MIS (H1 e H2).

O estelionato é o único dos crimes analisados em que a média da beleza dos criminosos é maior do que a média das vítimas: 2.83 para os estelionatários e 2.34 para suas vítimas. Também é o crime onde o perfil das vítimas mais se assemelha ao dos criminosos.

Quanto aos crimes sexuais, são os que mais apresentam uma desproporção entre homens e mulheres tanto entre criminosos quanto entre as vítimas. Entre estas, há uma clara preferência pela mulher mais bonita M1, que sozinha recebeu 46.15% das atribuições. Em compensação, os

Figura 3 – Distribuição de médias de beleza entre criminosos e vítimas por crime

homens e a mulher M12, a mais velha, não foram citados. Como autores, todos os homens foram citados, sem grandes desproporções que colocasse qualquer deles em destaque. Apenas uma mulher foi apontada como autora. Em suma, os entrevistados creem que crimes sexuais são praticados por qualquer homem contra mulheres jovens e bonitas. As idosas e os homens estariam a salvo desse flagelo.

Exceto pelas indicações relativas aos crimes sexuais, não se percebe grande diferença entre os homens e as mulheres nas indicações de criminosos e vítimas.

Discussão

Entender quais os elementos das RS dos crimi-nosos é um dado fundamental para a compreensão de como juristas e, em especial, os juízes, “coagidos” por esta condição variável, julgam da forma dife-renciada que é denunciada pelo “perfil” estatístico dos presos brasileiros.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 15

Os resultados deixam claro que não há, para os juristas, uma única RS para todo e qualquer criminoso, como afirma o lugar comum de que “bandido é tudo igual”, mas representações distintas de criminosos para crimes distintos. Evidenciam também que a aparência de criminoso é um de seus elementos. É como se para cada crime houvesse um “perfil” de criminoso específico onde alguns, no caso dos estelionatários, são bonitos e de boa posição social, outros, como no caso de crimes mais violentos, feios e pobres.

Estas representações, apesar de coincidirem com os resultados apontados por Lombroso em seu O Homem Criminoso (2003), se mostram desfocados da realidade. Segundo os dados esta-tísticos do Ministério da Justiça (Waiselfisz, 2011) as principais vítimas de crimes violentos são jovens entre dezoito e vinte e quatro anos, de áreas rurais e urbanas pobres, que respondem por cerca de 40% do total de vítimas de homicídio doloso no Brasil. Isto aponta para o fato de que tais representações não são o fruto de uma percepção privilegiada dos crimes por parte de juristas, mas de um ambiente social onde as ideias sobre o crime e o criminoso circulam pautadas por outros fatores que não os sujeitos efetivamente vitimados.

Consideradas sua eficácia relativa (Rouquette, 2000, p.44) e função de orientação (Abric, 1994, p.16), as RS do criminoso apontadas permitem concluir não que todo e qualquer um que se encaixe no padrão de criminoso de determinado crime seja automaticamente condenado, mas que a produção de provas e juízos condenatórios produzidos con-tra os que têm aparência de bandido é mais fácil e, por efeito de uma naturalização perversa, julgados com menos critério e mais rigor. Por outro lado, quando o acusado não se encaixa no “perfil”, as provas tendem a ser consideradas com mais rigor e as punições mais difíceis e brandas.

Esta não predominância da aparência como critério de condenação – se ela existisse, todo preso brasileiro se encaixaria no “perfil” adequado ao cri-me pelo qual fora condenado, fato este desmentido pelas estatísticas oficiais sobre crimes (Waiselfisz, 2011; InfoPen/MJ, 2008) – deixa claro que a aparên-cia não seria o que a perspectiva estruturalista (Sá, 1996; Abric, 1994, p. 21) chama de núcleo central

da representação, mas apenas um de seus elementos periféricos, uma vez que ela, apesar de influenciar decisões, não seria o único critério considerado e tampouco um critério que subsistiria se confron-tado com outros como as circunstâncias do crime, provas materiais etc.

Conclusões

Das questões levantadas, merecem destaque as seguintes:

1. A pesquisa realizada com juristas indica que há uma relação entre a aparência e a possi-bilidade de atribuição de culpa ou inocência diante de determinado crime.

2. Pessoas tidas como mais feias são mais apontadas como criminosas nos crimes mais violentos, enquanto as mais bonitas são mais apontadas como vítimas destes mesmos crimes.

3. A tendência de atribuição de periculosidade e inocência dos indivíduos sofre alteração em dois crimes analisados: o estelionato, onde os mais bonitos aparecem tanto como autores quanto vítimas e nos crimes sexuais, onde os homens aparecem como crimino-sos e a aparência parece influir menos do que nos demais crimes. Já as vítimas apon-tadas são mulheres bonitas e jovens.

4. Consideradas as respostas sobre beleza e a cor/raça dos apontados como criminosos, os negros e pardos foram considerados mais feios e apontados mais vezes como autores dos crimes mais graves. Esta preferência por negros como criminosos coincide com os dados estatísticos do sistema penitenciário brasileiro (InfoPen/MJ, 2008), onde quanto mais escura a cor da pele, maior a diferença percentual entre os presos e a população em geral.

5. Este padrão é muito semelhante ao encon-trado no século XIX em pesquisas da então chamada Antropologia Criminal, escola e estudos hoje amplamente denunciados pela moderna criminologia como racistas (Rauter, 2003).

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 216

6. Estas representações sociais dos crimes são critérios estruturantes de comportamentos e juízos por parte dos operadores do campo jurídico, com grau de coerção variável, de maneira que a constatação de que a apa-rência é um de seus elementos não significa que, necessariamente, os que se encaixem no padrão de criminoso esperado para o crime sejam condenados, mas que uma série de atitudes e juízos torne mais fácil a condena-ção de alguém cuja aparência coincida com o esperado para o crime do qual é acusado. Contrariamente, pessoas fora do “perfil” seriam mais dificilmente condenadas.

Referências

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Arruda, A. (2002). Teoria das representações sociais e teorias de gênero. Cadernos de Pesquisa, 117, 127-147.

Bourdieu, P. (2007). A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico. In P. Bourdieu. O poder simbólico (pp. 209–254). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

Darmon, P. (1991). Médicos e assassinos na Belle Époque (R. G. de Agostino, trad.). Rio de Janeiro: Paz & Terra.

Lombroso, C. (1983). O homem criminoso. Rio de Janeiro: Editora Rio.

Rauter, C. (2003). Criminologia e subjetividade no Brasil. Rio de Janeiro: Revan.

Rouquette, M. L. (2000). Representações e práticas so-ciais: alguns elementos teóricos. In A. S. P. Moreira & D. C. de Oliveira (Orgs.), Estudos interdisciplina-res de representação social (pp. 39-48). Goiânia: AB.

Sá, C. P. de (1996). Núcleo central das representações sociais (2ª ed.). Petrópolis: Vozes.

Sistema penitenciário no Brasil: dados consolidados [InfoPen/MJ] (2008). Brasília, DF: Departamento Penitenciário Nacional, Ministério da Justiça.

Trindade, Z., Menandro, M., Espínula, D., Aranzedo, A., Bertollo, M.,& Rölke, R. (2006). “Perigoso e vio-lento”: representações sociais de adolescentes em conflito com a lei em material jornalístico. InPSIC – Revista de Psicologia da Vetor Editora, 7(2), 11-20.

Waiselfisz, J. (2011). Mapa da violência 2011: os jovens no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari. Brasília, DF: Ministério da Justiça. Recuperado em 14 de outubro de 2011 de http://www.sangari.com/ma-padaviolencia/pdf2011/MapaViolencia2011.pdf.

Vala, J. & Monteiro, M. (Orgs.). (2006). Psicologia social. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 17

A REPRESENTAÇÃO DA HIERARQUIA NAS ESCOLAS DE FORMAÇÃO DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA1

Marta Maria Telles2

Celso Pereira de Sá3

relação ao conhecimento, que lhe seja, ao mesmo tempo, compreensível e possibilite a comunicação. Por sua função identitária, as representações sociais permitem identificar como esses alunos retratam o grupo ao qual pertencem, a partir do entendimento de que os indivíduos constroem representações para agir sobre o mundo e lidar com o conflito. Dentro dessa perspectiva, a terceira função, de orientação, possibilita guiar as práticas e os com-portamentos e entender como o grupo se estrutura e se comunica em uma dada situação social. Por sua função justificadora as representações sociais possibilitam às pessoas buscarem, a posteriori, ex-plicações para seus comportamentos diante de uma situação ou em relação ao seu grupo de pertença (Abric, 1994, 1998).

Para Abric (1994, 1998), elementos como informações, opiniões, crenças e atitudes que os indivíduos tenham em relação a um objeto formam um conjunto que, disposto de modo organizado, estrutura-se em um sistema sociocognitivo. Assim, para definir uma representação social é preciso co-nhecer não apenas o seu conteúdo, mas, também, identificar os elementos centrais e periféricos que podem explicar sua organização e sua estrutura (Sá, 2002). Partindo da ideia de que as representações são conjuntos de elementos organizados e estrutu-rados, Abric, em 1976, propôs a teoria do núcleo central que se baseia na hipótese geral de que toda representação se organiza em torno de um núcleo central. Essa teoria evoluiu posteriormente para o que hoje é conhecido como abordagem estrutural,

Introdução

No meio castrense, a hierarquia é um conceito arraigado e que se perpetua por ter sido elaborado para estruturar e organizar a instituição, além de ser compartilhado pelos militares no dia a dia, a fim de determinar a realidade militar. Não obstante, a partir da hierarquia, as atitudes de um só militar permitem a leitura da coletividade, definindo, segundo Leirner (1997), a identidade militar. Essa identidade sustenta-se pelo espírito de corpo que é estimulado para reforçar a manutenção do cumpri-mento aos regulamentos e proporcionar a coesão do grupo. Nesse sentido, a cultura organizacional é determinada historicamente e vivenciada cole-tivamente pelos alunos nas escolas de formação, passando a fundamentar seus pensamentos e suas ações. Por meio da disciplina o militar observa o cumprimento das normas de conduta e espelha suas relações sociais. Para Leirner (1997), “perceber a disciplina é, portanto, perceber uma série de atri-butos que configuram, na leitura de mundo militar, uma prática que define a sua essência” (p.105).

A cultura organizacional da instituição militar pode ser entendida, por um lado, como um instru-mento de poder e, por outro, como um conjunto de representações construídas e reconstruídas nas relações que ocorrem cotidianamente e que tornam a organização uma fonte de identidade e reconheci-mento para seus membros. O acatamento às regras envolve a pertença ao ambiente, visto que somente se enquadram e se inserem neste sistema estrutu-rado aqueles que compartilham os valores norma-tivos e afetivos exigidos na caserna. Nesse sentido, a partir das experiências culturais e sociais e das trocas promovidas entre os militares, são formadas as representações sociais acerca da hierarquia.

Abric (1998, 2003) destaca que as representa-ções sociais, por sua função de saber, permitem a um indivíduo adquirir uma referência comum em

1 O presente artigo corresponde a um recorte da tese de Doutorado “A construção da representação social de hierarquia na Força Aérea Brasileira”, orientada pelo Prof. Dr. Celso Pereira de Sá, no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e defendida em março de 2011.

2 Doutora em Psicologia Social pela UERJ e 1º Tenente do Quadro Complementar de Oficiais da Aeronáutica, pertencente ao efetivo da Universidade da Força Aérea (UNIFA).

3 Professor Doutor Titular de Psicologia Social da UERJ.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 218

segundo a qual a representação social é composta por dois sistemas – o sistema central e o sistema pe-riférico – considerando o fato de serem, ao mesmo tempo, estáveis e móveis, rígidos e flexíveis.

Os elementos que constituem os dois sistemas não têm a mesma importância. Cada um deles tem um papel específico, mas se complementam. Alguns são essenciais, outros importantes e, ainda, alguns secundários, sendo necessário verificar a hierarquia desses elementos e as relações que se estabelecem entre eles (Abric, 2003).

Segundo Campos (2003), o sistema central é constituído pelo núcleo central e está “[...] vincula-do às condições históricas, sociológicas e ideológi-cas, sendo também ligado às normas e aos valores sociais” (p. 21). Ele é constituído de um ou mais ele-mentos que conferem significado à representação social e compreende os conteúdos compartilhados de modo consensual. Tem como características a homogeneidade e a estabilidade que permitem a continuidade e a permanência da representação, além de ser mais resistente à mudança.Todavia, quando a estrutura do núcleo central sofre modifi-cações há a transformação da representação (Abric, 1994, 2003).

Segundo Abric (2001) e Sá (2002), são duas as funções do núcleo central: a função geradora e a função organizadora. A função geradora é a respon-sável pela elaboração da representação e, a partir do elemento central, dá sentido aos seus outros elemen-tos constitutivos. A função organizadora mantém a coesão e a permanência da representação. A estabi-lidade do núcleo central “[...] é a responsável pela possibilidade de identificação de diferenças básicas entre as representações” (Sá, 2002, p. 70).

Consoante Abric (2003), para reconhecer uma representação não basta descrever seu conteúdo; é preciso levar em conta a sua organização. Desse modo, “para que duas representações sejam consi-deradas diferentes, elas devem ser organizadas em torno de dois núcleos centrais diferentes” (Abric, 1998, p. 31). O que irá determinar as semelhanças ou as diferenças entre duas representações é a organização do conteúdo, isto é, a centralidade de alguns elementos.

Dada a sua importância na determinação da natureza do objeto e na relação mantida pelo sujeito

com esse objeto, o núcleo central atua em uma di-mensão funcional e em uma dimensão normativa. Em situações em que os elementos centrais se vol-tam para a ação é ativada sua dimensão funcional e quando esses mesmos elementos são orientados para a avaliação ou para o julgamento assume sua dimensão normativa (Abric, 1998, Sá, 2002).

O segundo sistema contemplado pela aborda-gem estrutural é o sistema periférico. Ele é mais flexível e heterogêneo que o sistema central, por-que dá suporte às contradições, incorporando a contribuição de cada membro do grupo no que se refere às experiências e às vivências pessoais. Neste sistema está a maior parte do conteúdo de uma representação e três são as funções desempenhadas pelos elementos periféricos: função de concretiza-ção, função reguladora e função de defesa (Abric, 1998, Sá, 2002, Flament, 2001).

Pela função de concretização os elementos periféricos articulam-se diretamente à realida-de, contextualizando-a pela sua característica de concretude, sendo, por esse motivo, prontamente compreensíveis e transmissíveis. Como função reguladora, os elementos localizados na periferia possibilitam adaptações no contexto e são integra-dos sem causar conflito com os elementos centrais da representação, porque apresentam mobilidade e, por isso, a possibilidade de serem reinterpretados de acordo com a significação do núcleo central. Atuam também com a função de defesa da repre-sentação, porque os elementos periféricos toleram possíveis contradições, bem como novas interpre-tações (Abric, 1994, 1998, Sá, 2002).

Enquanto o sistema central garante a homoge-neidade de conteúdos da representação, a partir da estabilidade e rigidez dos seus elementos, a heterogeneidade do sistema periférico não assinala a existência de representações diferentes, ao con-trário, garante a mobilidade e a flexibilidade dos elementos que configuram a realidade comparti-lhada, podendo apontar possíveis modificações nas relações e nas práticas sociais do grupo.

Metodologia

Para descrever e comparar o conteúdo e a estru-tura das representações sociais de hierarquia nas

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 19

escolas de formação da FAB foi aplicada a técnica de evocação livre a 200 cadetes da AFA e a 200 alunos da EEAR.

O procedimento de coleta consistiu em pedir aos inquiridos para evocarem palavras que vies-sem rapidamente à lembrança, a partir do termo indutor “hierarquia”. Primeiramente, foi solicitado aos respondentes que as anotassem na ordem de emissão e, posteriormente, as organizassem por ordem de importância, registrando com o número 1 a mais importante, com o número 2 a segunda mais importante e assim sucessivamente até o número cinco, com o apontamento daque-la considerada menos importante. Esse último modo de hierarquização das palavras, a ordem de importância atribuída pelos sujeitos, foi utilizado como um dos critérios para a determinação dos elementos centrais e periféricos, quando da análise das evocações.

O passo seguinte consistiu na construção do corpus de análise e, em seguida, os dados foram inseridos e processados pelo softwareEnsemble de Programmes Permettant L’analyse des Évocations (EVOC), desenvolvido por Pierre Vergès (1997). Em uma tabela de contingência, cruzam-se “[...]

as frequências pela ordem de evocação, de modo a hierarquizar as evocações desde as mais frequentes com menor ordem de evocação até as menos fre-quentes com maior ordem de evocação” (Pereira, 2005, p. 40). Com base nesses dados, o pesquisador define a frequência mínima para o ponto de corte considerando, do conjunto de palavras, o total de palavras diferentes e elabora o quadro de quatro ca-sas, constituído por quadrantes “[...] que conferem diferentes graus de centralidade às palavras que os compõem” (Sá, 2002, p. 117). Neles são distribuídos os temas, considerando a frequência mínima, a frequência média e a ordem média (rang).

Resultados e Discussão

No processamento dos dados dos 200 cadetes da AFA (AFA) foram consideradas 803 palavras, sendo 126 diferentes, e definidas a frequência mínima 12, a frequência média 35 e a ordem média (rang) 3. No grupo de 200 alunos da EEAR (EEAR), de um total de 1002 palavras, sendo 155 diferentes, foi definida a frequência mínima 10, a frequência média 40 e a ordem média (rang) 3. A distribuição das palavras é apresentada nas figuras 1 e 2, a seguir.

Figura 1 – Distribuição das evocações ao termo indutor “hierarquia”. N = 200 cadetes da AFA. Pirassununga. Rio de Janeiro. 2010.

NÚCLEO CENTRALFrequência < 3 ≥ 35 Freq Rang

Disciplina 97 2,041Respeito 86 2,267Ordem 54 2,981Obediência 43 2,721

PRIMEIRA PERIFERIAFrequência > 3 ≥ 35 Freq Rang

ZONA DE CONTRASTEFrequência < 3 < 35 Freq Rang

Autoridade 28 2,750responsabilidade 26 2,000liderança 17 2,235organização 16 2,563pilar 15 2,800exemplo 12 2,083lealdade 11 2,818

SEGUNDA PERIFERIAFrequência > 3 < 35 Freq Rang

poder 33 3,545militarismo 31 3,452subordinação 30 4,167antiguidade 27 3,444comando 24 3,375dever 14 3,786superior 11 3,727

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 220

Figura 2 – Distribuição das evocações ao termo indutor “hierarquia”. N = 200 alunos da EEAR. Guara-tinguetá. Rio de Janeiro. 2010.

NÚCLEO CENTRALFrequência < 3 ≥ 40 Freq Rang

Respeito 127 1,913Disciplina 112 2,223obediência 46 2,500responsabilidade 41 2,000

PRIMEIRA PERIFERIAFrequência > 3 ≥ 40 Freq Rang

Poder 62 3,500Ordem 55 3,418Subordinação 52 4,096Antiguidade 40 3,375

ZONA DE CONTRASTEFrequência < 3 < 40 Freq Rang

Militarismo 38 2,842Organização 28 2,893Liderança 15 2,667Pilar 13 2,308

SEGUNDA PERIFERIAFrequência > 3 < 40 Freq Rang

Comando 29 3,345Autoridade 24 3,125Superior 23 3,435Posto 17 4,000Chefia 12 3,917Submissão 11 3,000Regulamento 10 3,500

Como se observa na figura 1, o quadrante superior esquerdo, que apresenta temas cuja im-portância atribuída pelos cadetes da AFA foi nos primeiros lugares, mostra o significado da hie-rarquia associado aos elementos mais relevantes “disciplina”, “respeito”, “ordem” e “obediência”, que constituem o provável núcleo central da represen-tação social. Para os alunos da EEAR, figura 2, a ideia de hierarquia aparece, fortemente, associada aos elementos “respeito” e “disciplina”, “obediência” e “responsabilidade”.

Considerando a palavra “disciplina”, termo mais saliente do conteúdo do núcleo central dos cadetes da AFA e segundo elemento mais representativo do grupo de alunos da EEAR, pode-se concordar com Leirner (2009) ao afirmar que “[...] o regime de ordem imposta ou consentida está sintetizado em uma fonte de ‘capital militar’ única, reconhecida como a disciplina” (p. 42). A disciplina se estabe-lece a partir dos costumes e da educação recebida pelos alunos durante o processo de socialização, resultando em uma ação lenta e contínua. Os efeitos desse ajustamento à cultura organizacional podem ser identificados pela elevada evocação do tema “disciplina” pelos dois grupos.

O fato contribui para a ideia de que o sistema central associa-se aos valores e às normas parti-lhados pelo grupo, já que, a partir da disciplina, os

militares observam o cumprimento das normas de conduta e estabelecem suas relações sociais, confi-gurando, segundo Leirner (1997), “[...] uma prática que define a sua essência”. (p.105)

O termo “respeito”, presente no núcleo central de ambos os grupos, pode ser visto, consoante Schirmer (2007), como condição essencial para o adequado relacionamento entre os integrantes da instituição e, ainda, como suporte para a disciplina, sendo, por isso mesmo, elemento representativo tanto para os cadetes da AFA quanto para os alunos da EEAR. O resultado parece refletir o posiciona-mento dos pesquisados frente à hierarquia, por meio de atitudes como o “respeito”, que reforça a premissa do acatamento e da impossibilidade de um subordinado agir contrariamente a uma decisão ou a uma regra estabelecida pelo superior hierárquico. Esse fato também remete ao signifi-cado de “ordem”, termo presente no núcleo central da representação dos cadetes da AFA eprivilegiado pelos alunos da EEAR na primeira periferia.

É interessante observar que, na representação social dos cadetes da AFA, a palavra “respeito” aparece na segunda posição em frequência, enquanto para os alunos da EEAR, a mesma evocação está em primeiro lugar. Talvez seja possível afirmar, com esse resultado, que, pelo fato de os alunos da EEAR se encontrarem em um grupo

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hierarquicamente subordinado ao grupo de oficiais, do qual farão parte os cadetes da AFA depois de formados, o respeito esteja mais fortemente presente na representação social desse grupo.

O termo “obediência” parece fortalecer a ideia de acatamento às normas e ordens emanadas por aquele que têm o poder de mando. Ao mesmo tem-po, expressa a prática da disciplina vivenciada pelos cadetes da AFA e pelos alunos da EEAR no dia a dia, como aponta Janowitz (1967), ao afirmar que, a partir das noções de obediência e competência disciplinar, os militares em formação exercitam, internamente, a autoridade.

Para os cadetes da AFA, figura 1, o quadrante superior direito não agrupou palavras dentro dos índices de frequência e ordem média. No grupo de alunos da EEAR, o mesmo quadrante agrupou as palavras “poder”, “ordem”, “subordinação” e “an-tiguidade” que podem ser consideradas também como pertencentes ao núcleo central, pois, de acordo com Oliveira (2005), esse quadrante abriga os elementos periféricos mais importantes.

Convém ressaltar que, para os alunos da EEAR, o termo “poder” aparece como elemento repre-sentativo do núcleo central, com atribuição da frequencia 62, enquanto para os cadetes da AFA aparece como elemento periférico, com frequ-ência 33. Pode-se inferir que os alunos da EEAR visualizam, fortemente, a questão de estarem sub-metidos ao poder, pelo fato de se encontrarem na posição de subordinados, visto, durante a carreira, estarem, como segmento institucional, sujeitos ao uso do poder pelo segmento dos oficiais. Por outro lado, apesar de os cadetes da AFA encontrarem-se atualmente em situação de subordinação, por se tornarem oficiais no futuro irão exercitar situações em que farão o uso do poder ordenado, estruturado e legitimado, tanto entre si no âmbito do próprio segmento quanto em relação ao inteiro segmento dos praças e graduados (Huntington, 1996).

Verifica-se que, a partir dos elementos presentes no núcleo central da hierarquia, os dados perten-centes ao sistema periférico ganham um sentido, porque fazem parte dos contextos imediatos e estão relacionados à realidade concreta. Desse modo, con-templam situações do cotidiano e expressam senti-mentos e atitudes vivenciadas tanto pelos cadetes da

AFA, quanto pelos alunos da EEAR, prescrevendo seus comportamentos e guiando suas ações.

Conforme a figura 1, os elementos “poder”, “mi-litarismo”, “subordinação”, “antiguidade”, “coman-do”, “dever” e “superior”, evocados pelos cadetes da AFA e situados no quadrante inferior direito, com menor frequência e importância, correspondem à segunda periferia e referem-se aos elementos que orientam condutas específicas na sua relação com a hierarquia.

Analisando, ainda, os temas “poder”, “comando”, “dever” e “militarismo”, evocados pelos cadetes da AFA, é possível inferir que esses resultados tam-bém apontam para a situação de subordinação, considerando-se que, na prática, o cumprimento do dever e a estrutura de comando são situações vivenciadas, como que automaticamente, no seu cotidiano. Nesse sentido, o vocábulo “poder” pa-rece revelar, junto ao termo “comando”, a figura da autoridade constituída que determina o cum-primento da disciplina. O elemento “dever” pode apontar para a obrigação moral do militar com a instituição, enquanto a palavra “militarismo” pode sugerir, unida ao significado dos demais elementos elencados no quadrante, o modo de funcionamento do sistema político das Forças Armadas como vi-venciado cotidianamente.

No quadrante inferior direito, figura 2, relativo aos alunos da EEAR, observam-se os elementos “comando”, “autoridade”, “superior”, “posto”, “chefia”, “submissão” e “regulamento”. Se comparados aos evocados pelos cadetes da AFA, é possível observar o tema “comando”, que se repete, e os temas que são característicos apenas das representações dos alunos da EEAR, tais como “autoridade”, “superior”, “posto”, “chefia”, “submissão” e “regulamento”.

Os vocábulos “subordinação” e “antiguidade” estão presentes nos dois grupos, contudo, posi-cionam-se na primeira periferia para os alunos da EEAR e na segunda periferia para os cadetes da AFA, revelando aspectos implícitos que denotam o posicionamento quanto ao exercício da hierarquia, visto que a disciplina prevê as relações de subordi-nação, bem como o acatamento aos regulamentos. Para Schirmer (2007), a subordinação, embora seja confundida com a disciplina, é apenas mais um de seus componentes. Mesma situação é evidenciada

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 222

pelo autor quanto à obediência que também se confunde com a subordinação, por ser necessária em uma instituição, hierarquicamente, organizada e amparada na lei e nas normas.

Os elementos, “superior”, “posto”, “chefia”, “sub-missão” e “regulamento”, presentes nas evocações dos alunos da EEAR, se associados ao termo “po-der”, podem designar a carga de significados que o elemento carrega, principalmente considerando-se a condição de pertencentes a um segmento subal-terno por definição institucional, conforme já apon-tado, e na qual se encontram esses participantes.

As palavras “autoridade” “responsabilidade”, “liderança”, “organização”, “pilar”, “exemplo” e “lealdade”,situadas no quadrante inferior esquerdo das representações dos cadetes da AFA, são elemen-tos intermediários, presentes na zona de contraste. Apresentam baixa frequência, porém são avaliados como importantes pelos respondentes. Embora, segundo Oliveira (2005), possam caracterizar a existência de um subgrupo cuja representação contrasta com a da maioria, em alguns estudos reforçam elementos da primeira periferia como ocorre no presente caso.

O tema “autoridade” se considerado em pro-ximidade ao tema “responsabilidade”, parece enfatizar que a posição hierárquica exige, em níveis cada vez mais elevados, a consciência da necessidade do exercício desse valor. Para Janowitz (1967), a responsabilidade apresenta-se como a capacidade do militar em responder por seus atos. Wortmeyer (2007) também identificou, no grupo de cadetes do Exército, sujeitos do seu estudo, que a responsabilidade está diretamente relacionada ao comprometimento com as funções desempe-nhadas na instituição. Por esse motivo, de acordo com a autora, para os futuros oficiais da AMAN, a responsabilidade e a disciplina caminham juntas e não há como existirem, isoladamente, na conduta do militar.

Quanto ao tema “liderança”, depreende-se que tenha sido elencado pelos cadetes, porque, na formação, consoante pesquisa desenvolvida por Takahashi (2002) na AFA, no terceiro e quarto anos é desenvolvido o Programa de Treinamento de Liderança, cujo foco é o desempenho de funções de comando. Assim, entende-se que a liderança

pode ser percebida na perspectiva de tomada de posição por corresponder a uma atitude necessária ao exercício do comando.

Por fim, os termos “organização”, “pilar”, “exemplo” e “lealdade” parecem complementar a representação social dos cadetes da AFA, podendo significar que esses conteúdos avaliativos positivos apontam para a importância da hierarquia como princípio fundamental que rege a instituição mi-litar.

Observando o quadrante inferior esquerdo, figura 2, referente aos alunos da EEAR, verifica--se que se repetem os vocábulos “militarismo”, “organização”, “liderança” e “pilar”, excetuando-se os termos “autoridade”, “exemplo” e “lealdade”, se comparados aos presentes no quadrante relativo aos cadetes da AFA. Pode-se inferir desse fato que, para os cadetes da AFA, a hierarquia está mais fortemente ligada ao exercício da autoridade pela condição de oficiais a ser assumida quando de sua formação, além da necessidade de darem o exemplo àqueles que lhes são subordinados.

É importante ressaltar que, ao mesmo tempo em que as representações sociais, a partir dos elemen-tos do núcleo central, apresentam a homogeneidade de pensamentos dos grupos de cadetes da AFA e de alunos da EEAR acerca da hierarquia, no seu aspecto normativo, também demonstram, por meio dos elementos periféricos, expressões próprias de cada indivíduo, no seu aspecto funcional.

Considerações finais

Considerando os resultados obtidos, pode--se afirmar que os temas “respeito”, “disciplina”e “obediência” são os prováveis elementos centrais da hierarquia para os alunos da AFA e da EEAR. Nas comparações efetuadas entre os segmentos estudados, de acordo com o critério comparativo de Abric (1998), ao postular que duas represen-tações são diferentes somente quando os núcleos centrais diferem, verificou-se que esses diferentes segmentos de militares da FAB possuem a mesma representação social de hierarquia.

Essas supracitadas observações basearam-se no fato de esses temas estarem situados no quadrante dos prováveis elementos centrais e por apresen-

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tarem alta frequência em todos os grupos. Tais temas correspondem ao conteúdo representativo que, internalizado pelos militares, direciona as ações e define os comportamentos dentro da instituição. “Disciplina”, “respeito” e “obediência” caracterizam, portanto, a base comum e consen-sual compartilhada pelos militares. Representam, pois, o sistema de normas e permitem apontar que, sustentada por sua determinação histórica, a hie-rarquia é o fundamento do modo de vida castrense.

Em seu conjunto, os resultados parecem indicar que esse sistema de pensamento, criado e empre-gado pelo conjunto dos militares pesquisados para organizar-se, facilita a interação entre eles e ajusta o seu comportamento à realidade institucional. Nesse sentido, a representação social de hierarquia apresenta uma estrutura que proporciona aos mi-litares um significado para o contexto de pertenci-mento, para as ações que realizam e para o modo empregado para julgar e sentir. Conforme afirma Coutinho (1997), “a hierarquia militar constitui uma estrutura indispensável à condução da massa de homens que integra a organização. A disciplina confere consistência e estabilidade a esta estrutura e nela se apoia”. (p. 96)

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AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE COMPETIÇÃO E COOPERAÇÃO EM CRIANÇAS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Thaís Prando Oliveira1, Antonio Carlos Ortega2, Célia Regina Nascimento3, Maria Cristina Smith Menandro4,

Zeidi Araujo Trindade5

de idade em creches, focalizando as relações inter-individuais de bebês em atividades induzidas pelo tipo de material, tipo de brinquedo e tipo de ambiente oferecidos às crianças. Os resultados mos-traram que em pequenos grupos elas são capazes de coordenar suas atividades conforme o interesse pela exploração de objetos e brincadeiras sociais.

Por sua vez, Fraysse (1986, citado porMoro, 2000) investigou a relevância da parceria e a per-turbação que esta causa nas situações de interações sociais, concluindo que tais situações contribuem para os avanços cognitivos. Ele também mostrou que há modificação das ações individuais e do de-sempenho de pares de crianças durante a interação devido à forma pela qual o sujeito é visto pelos seus parceiros e à forma pela qual são vistos por eles próprios. Em outra investigação, demonstra que tarefas são melhores resolvidas em díades de amigos do que de não amigos, porém ressalta que a amizade traz efeitos positivos sem ser determinante exclusivo do desempenho.

Com este referencial teórico também foram desenvolvidos trabalhos discutindo as relações de interação social com a cognição em contextos de jogos de regras. No estudo de Abreu (1993), o tipo de interação apresentado por crianças no jogo da Senha relacionou-se com a evolução das jogadas. Na investigação de Magalhães (1999), foram encontradas seis categorias de interação no jogo cara-a-cara, sendo apenas uma delas o modo que mais mostrava a cooperação entre crianças. Por outro lado, Silva (2001) verificou que o tipo de interação social mais utilizado pelas crianças não influenciou o desempenho obtido durante a solução de problemas contidos no jogo das Quatro Cores.

1 Universidade Federal do Espírito Santo/UFES2 Universidade Federal do Espírito Santo/UFES3 Universidade Federal do Espírito Santo/UFES4 Universidade Federal do Espírito Santo/UFES5 Universidade Federal do Espírito Santo/UFES

Introdução

Na área do desenvolvimento humano, mui-tas questões têm sido abordadas. Neste trabalho pretendemos mostrar possíveis encontros entre a Teoria das Representações Sociais e a Teoria Construtivista Social para compreender questões relativas às interações sociais.

Segundo Moro (2000), foi na década de 1970 que investigações sobre o papel das transmissões socioculturais e das interações sociais na origem do conhecimento com base no referencial constru-tivista piagetiano foram disseminadas.

Os estudos de Perret-Clermont (1984) investi-garam como algumas situações de interação social de crianças em díades e em tríades podiam acelerar o desenvolvimento cognitivo. Seus achados mos-traram que essas não são neutras e trazem efeitos diversos sobre a cognição, pois provocam uma reorganização das estruturas cognitivas, uma vez que o confronto de opiniões pode levar ao conflito cognitivo.

Moro (2000) também demonstrou que, no con-texto das interações sociais, o progresso cognitivo individual seria devido à experiência com o objeto partilhada com pares segundo formas variadas de inter-relação, ao investigar como as estratégias cog-nitivas de cada sujeito marcam e deixam-se marcar pelas dos parceiros diante da aprendizagem da adi-ção/subtração em um pequeno grupo de crianças.

Em complementação, Gilly, Fraisse e Roux (1992, citado por Cavalcante, Ortega, & Rodrigues, 2005), mostraram, por meio da observação de resolução de tarefas em díades por crianças, que o conflito sócio-cognitivo não é condição necessária para o progresso cognitivo, pois em interações co-operativas, ou seja, sem ocorrência de oposições, as ações de um podem ser perturbadoras para o outro.

Stambak (1983, citado porMoro, 2000) exa-minou o desenvolvimento de crianças de 2 anos

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Considerando essas pesquisas com jogos de regras, Cavalcante e colaboradores (2005) propu-seram investigar as formas de interação social de crianças em díades por meio do jogo Mattix, em uma situação de competição e não competição. Os resultados foram analisados com base nas catego-rias propostas por Gilly, Fraisse e Roux, e ampliadas para se adequarem ao contexto de jogos de regras:

Execução isolada – um dos participantes elabora e faz a jogada sozinho, sem ter conversado antes com seu parceiro, que apenas observa sem fazer oposição;Execução isolada com negação – um dos parti-cipantes elabora e faz a jogada sozinho, sem ter conversado antes com seu parceiro, que reclama ou faz algum comentário, opondo-se por meio de verbalização ou gestos, à jogada realizada;Elaboração aquiescente – um dos participantes propõe uma jogada ou faz alguma observação sobre ela e o parceiro escuta e proporciona ou não uma resposta de acordo. Em seguida, um dos dois faz a jogada, enquanto o outro observa;Exclusão – um dos participantes elabora e faz a jogada, enquanto seu parceiro tenta participar de algum modo, mas não consegue espaço;Cooperação – um dos participantes comenta uma jogada com seu parceiro, que escuta e faz observações e/ou comenta com o outro, por meio de verbalização e/ou gestos, uma ou várias possibilidades de jogada. Ao final, um deles faz a jogada, enquanto o outro observa;Execução isolada com comentário – um dos par-ticipantes elabora e faz a jogada sozinho, sem conversar com o parceiro. Após a jogada, um dos dois faz algum comentário para o outro;Confrontação – um dos participantes sugere uma jogada, ao que o parceiro reage discordando, comentando ou não o porquê da discordância e propondo outra jogada. Ocorre um momento de confrontação, que termina com um deles acei-tando a jogada proposta pelo outro ou fazendo a jogada, mas sem a aprovação do outro.

Além dessas categorias, mais duas foram inseri-das: (1) solicitar que o outro responda às questões feitas pelo experimentador; e (2) complementar

as respostas dadas pelo outro, às vezes, ocorrendo uma verdadeira intercalação de respostas entre os participantes.

As categorias mais encontradas na situação de não-competição foram “execução isolada” e “com-plementação de respostas”. E na de competição fo-ram “execução isolada”, “cooperação” e “elaboração aquiescente”. Assim, os resultados evidenciaram in-terações cooperativas em um ambiente competitivo e competição em situação cooperativa, indicando que o tipo de tarefa proposta provoca formas dife-rentes de interação social.

Outro estudo pautado na psicologia social gené-tica foi realizado por Doise e Mugny (2002), com o intuito de investigar a cooperação em crianças de 7-8 e 9-10 anos por meio do jogo cooperativo; que pode ser jogado sozinho ou com vários parceiros e tem o objetivo de deslocar um móbil ao longo de um percurso. Depois de analisar diferentes situa-ções, os resultados demonstraram que o trabalho de grupo era ressaltado quando, depois de uma etapa, ele parecia melhor do que o trabalho individual, mas em um segundo momento percebeu-se a apro-priação individual das coordenações coletivas. Ou seja, o trabalho coletivo anterior permitiu à criança o desenvolvimento das suas próprias coordenações.

Uma vez expostas questões relativas às intera-ções sociais, se faz necessária a inclusão daquelas referentes à representação social. Segundo Vala (1997), a representação social é uma modalidade de conhecimento socialmente elaborada e partilhada que orienta a comunicação dos grupos sociais e contribui para a construção da realidade cotidiana. Moscovici (2003) complementa assinalando que as representações sociais, ao mesmo tempo em que intervêm em nossa cognição, são também formadas pelas práticas e ações sociais.

De acordo Rouquette (1998), a influência das representações sociais sobre as práticas é uma con-dição de coerção variável e não uma determinação, pois as representações são uma condição das prá-ticas e as práticas são um agente de transformação das representações. Assim, elas definem as possí-veis condições de ação, mas não as ditam como se fossem uma regra. Além de influenciar as ações do sujeito, as representações sociais também auxiliam na categorização e distinção dos objetos a serem

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conhecidos. Em outras palavras, damos nomes e ca-tegorizamos objetos de forma que sua identificação seja reconhecida coletivamente (Moscovici, 2003).

Doise (2001) explica como isso ocorre por meio de dois sistemas: um que corresponde ao sistema operatório, realizando associações, inclusões, dis-criminações, deduções; e o outro que corresponde ao metassistema, que faz uma reelaboração do que foi produzido pelo anterior, controlando, verifican-do e selecionando através de regras lógicas ou não. Porém, o autor ressalta que os sistemas não impli-cam modificação na cognição, uma vez que “as in-tervenções do social no cognitivo podem necessitar de novos funcionamentos e progressos cognitivos, assim como podem se satisfazer com processos cognitivos já bem utilizados” (Doise, 2001, p. 317), não se aplicando, portanto, ao desenvolvimento das competências cognitivas a qualquer conteúdo enquanto realidade objetiva e neutra.

Inspirado nas pesquisas e questões teóricas re-latadas, este estudo teve como proposta investigar os tipos de interação social e as representações sociais de competição e cooperação no contexto do jogo Lig-4 a partir do referencial da psicologia social genética.

Método

Participaram da pesquisa 12 alunos de 10 anos, sendo 6 do sexo masculino e 6 do feminino, de uma escola pública de ensino fundamental de Vitória/ES.

Como instrumento, utilizamos dois roteiros de entrevista e o jogo Lig-4 na versão artesanal (Figura 1), que contém 42 casas, distribuídas em

seis colunas horizontais e sete verticais e, 42 fichas, 21 azuis e 21 amarelas. Cada jogador coloca uma ficha de cada vez em qualquer coluna. O objetivo do jogo consiste em realizar o maior número de alinhamentos de quatro fichas da mesma cor nas direções horizontal, vertical e diagonal.

Os dados foram coletados em duas etapas: na primeira, realizou-se uma entrevista inicial com os jogadores individualmente. Logo após, as crianças formaram duplas, sendo uma do sexo masculino e outra do feminino para jogarem duas partidas mediante a apresentação do material, do objetivo e das regras pelo experimentador. Na segunda etapa, as duplas, formadas anteriormente, jogaram três partidas em pares e estas foram filmadas. Em segui-da, foi realizada outra entrevista com as crianças, também individualmente.

Os dados foram interpretados com base na técnica de análise de conteúdo (Franco, 2005) e os tipos de interação social foram avaliados de acordo com as categorias propostas por Cavalcante e cola-boradores (2005).

Resultados e Discussão

Os resultados obtidos permitiram verificar interações sociais dos tipos: “execução isolada” (319), “execução aquiescente” (34), “execução isolada com comentário” (10), “cooperação” (7), “execução isolada com negação” (5), “confrontação” (4) e “exclusão” (1). Nota-se que o primeiro tem como característica a não-cooperação, pois são jogadas elaboradas e executadas por apenas um componente da dupla, evidenciando práticas mais isoladas, ou seja, que não levam em consideração a possibilidade de acordo mútuo entre as ações.

Em relação ao tipo de interação social “execução aquiescente”, cuja característica é a sugestão de uma jogada por um dos componentes da dupla e a con-cordância pelo outro, parece ter mais proximidade com práticas cooperativas, sendo assim oposto à prática anterior. No entanto, o número de jogadas elaboradas e executadas isoladamente é muito maior do que aquelas com algum tipo de cooperação.

Autores como Soler (2006) discutem o quanto jogos competitivos foram e ainda são usados pelas escolas, incentivando o vencer, o competir, Figura 1

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o ser bem-sucedido, entre outros valores, fruto do próprio sistema cultural em que estamos inseridos, enfatizando que jogos cooperativos precisam estar mais presentes no cotidiano escolar, uma vez que trabalham com questões como solidariedade, respeito mútuo, tomada de decisão, entre outros. Para Kamii (1991), podemos encontrar questões positivas para o desenvolvimento do sujeito em situações de competição, uma vez que o jogo requer elaboração e cumprimento de regras e envolvimento ativo da criança.

Estes dados corroboram com Rouquette (1998) ao considerar que as práticas sociais expõem a existência de um sujeito ativo, mas pertencente às instituições sociais, pois as formas de agir das crianças no Lig-4 basearam-se em determinadas representações sociais constituídas por um grupo coletivo maior, composto por várias instituições. Segundo Abric (1998), a representação é um guia para a ação e até mesmo em situações de resolução de tarefas, tal como a escolha da melhor jogada, ela intervém no tipo de estratégia cognitiva a ser adotada. Nesse caso relacionada ao comportamento competitivo ou cooperativo.

Analisando as formas de jogar das duplas, tam-bém podemos observar essas questões. Marcos e Fernanda apresentaram três categorias de intera-ção social, sendo “execução isolada” (58), a que teve maior frequência. Em seguida, apresentaram interações do tipo “elaboração aquiescente” (3) e “execução isolada com negação” (2). Cabe informar que Marcos esteve no domínio de todas as jogadas.

A segunda dupla, Mateus e Carol, tiveram interações sociais do tipo “execução isolada” (58), “elaboração aquiescente” (3), “cooperação” (3) e “execução isolada com comentário” (1). É interessante ressaltar que embora tenha acontecido mais jogadas isoladas, a dupla revezou-as, fato que pode ter levado ao aparecimento de práticas cooperativas.

Marcelo e Aline foram a dupla que apresentou maior diversidade de interações: “execução isola-da” (47), “elaboração aquiescente” (9), “execução isolada com comentário” (3), “execução isolada com negação” (2), “exclusão (1) e cooperação” (1). E a única que apresentou interação do tipo “exclu-são”, caracterizada quando um dos componentes exclui a participação do outro na jogada. Enquanto

Murilo e Júlia apresentaram somente as categorias “execução isolada” (49), “elaboração aquiescente” (6), “execução isolada com comentário” (4), “coo-peração” (3) e “execução isolada com negação” (1), respectivamente.

A presença de ações cooperativas durante as partidas do jogo Lig-4 foi observada apenas em Mateus e Carol, Marcelo e Aline, e Murilo e Júlia, mostrando-nos que embora todos estudem na mesma escola, possuem práticas diferentes em ati-vidades interativas, que podem estar relacionadas às representações sociais construídas em outros ambientes.

Conforme os resultados, Renato e Flávia, ti-veram 57 episódios de “execução isolada” e 6 de “elaboração aquiescente”, mostrando que tiveram pouca comunicação; o que pode estar relacionado ao fato dos participantes não serem conhecidos. Porém, outros pares foram formados entre crianças desconhecidas e isso não ocasionou pouco envol-vimento interativo.

A questão da amizade, como exposto anterior-mente, foi investigada por Fraysse (1986, citado por Moro, 2000), e os resultados evidenciaram que a resolução de tarefas é melhor quando pro-postas em díades de amigos do que de não amigos, permitindo-nos compreender melhor o ocorrido entre Renato e Flávia.

Caio e Camila apresentaram 50 episódios de interação social do tipo “execução isolada”, 7 de “elaboração aquiescente”, 4 de “confrontação” e 2 de “execução isolada com comentário”. Eles foram os únicos que apresentaram a categoria “confronta-ção”, cuja característica é à discordância da jogada entre a dupla, o que pode ser justificado pelo do-mínio das jogadas por Caio.

De acordo com Almeida (2005), as representa-ções sociais orientam as práticas e permitem aos indivíduos explicarem e justificarem suas ações. Será então que as representações sociais de com-petição e cooperação no contexto do jogo Lig-4 confirmam as práticas encontradas nas partidas?

As entrevistas nos ajudam responder a essa e outras questões: ao participarem de jogos coleti-vos praticam mais a cooperação ou a competição? Quando jogam contra alguém, preferem jogar em parceria ou sozinhos? Aceitariam ter um parceiro que não joga tão bem?

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De acordo com os resultados, oito crianças pre-ferem jogar em parceria quando tem um adversá-rio, pois acham que é mais fácil ganhar em parceria e sozinhos podem ter dificuldades. O exemplo abaixo ilustra isso:

“Porque jogar sozinha eu não jogo. Às vezes, eu gosto que me ajuda, porque, às vezes, eu tenho dificuldade.” (Flávia).

Apenas quatro delas preferem jogar sozinhas, ou seja, sem a ajuda de um(a) colega. As crianças explicaram que é mais legal jogar contra o outro, pois sabem como vai jogar e o parceiro fica que-rendo dizer onde jogar:

“Porque se eu jogar em parceria vai ficar meio chato. Porque tem uma vez você e outra vez o outro. Aí, quando é minha vez, ele fica falando: ali, joga ali, você vai perder, se não jogar ali, você perde. Aí, se eu fazer isso, eu vô lá e perco. Aí não tem como, aí eu prefiro jogar sozinha.” (Aline).

Os dados da entrevista também mostraram que sete crianças aceitariam ter um parceiro que não joga tão bem, pois poderiam ensinar o parceiro, pela amizade, pela ajuda mútua, para não brincar sozinho:

“Aí, por causa que, se ele não sabe jogar melhor que eu, vai aprendendo, aprendendo até conseguir. Aí, eu vou treinando ele, aí se ele conseguir vai ser melhor que eu. Por causa da amizade também.” (Murilo).

As outras cinco crianças relataram que não acei-tariam ter um parceiro que não joga tão bem porque atrapalharia a brincadeira, pois tem que saber jogar e porque vão perder. Isso aparece no relato:

“Porque não. Porque assim, se é uns meninos mais forte e joga mais bem do que ela, então, a gente vai perder o jogo.” (Carol).

Relacionando os dados apresentados, que mos-tram o predomínio de interações do tipo “execução isolada”, a preferência por jogar em parceria e a aceitação de um parceiro que não joga tão bem,

podemos inferir que o discurso das crianças é di-ferente de suas práticas no contexto do jogo Lig-4.

Dados da literatura podem explicar tal questão. De acordo com Doise (2001), quando as crianças estão sozinhas, ou seja, entre iguais, tendem a com-petir mais do que a cooperar. No entanto, quando estão sob observação dos adultos, como por exem-plo de seus professores, tendem a cooperar mais. Segundo Kamii (1991), a maioria dos professores são contra a competição em jogos de grupo, pois compreendem que as crianças já são muito com-petitivas e que na própria sociedade já existe muita competição. Além disso, pensam que as crianças que perdem tendem a se incomodar com a situação.

Podemos relacionar as considerações de Doise (2001) e Kamii (1991) ao fato das crianças terem relatado que preferem cooperar, no entanto, na prática do jogo Lig-4, predominam comporta-mentos competitivos. Como bem assinala Doise (2001), a solidariedade entre elas é mais uma repre-sentação social construída pelos adultos. Isso não quer dizer que comportamentos não-cooperativos produzam apenas pontos negativos para o desen-volvimento da criança. Kammi (1991) discute que a competição em jogos é inevitável e ressalta pontos positivos para lidar com isso.

Segundo Duveen (1995), a criança nasce em um mundo que já tem representações sociais es-truturadas pela sociedade, servindo de base para suas relações e práticas sociais por um tempo. Mas depois, ela vai gradualmente internalizando essas representações e identificando sua própria posi-ção. Isso faz com que o sujeito garanta seu lugar na sociedade.

Em relação a experiência de jogar em dupla vivenciada pelas crianças por meio do jogo Lig-4, cinco crianças responderam que gostaram mais de jogar em parceria, pois acham que é mais fácil ganhar e porque um ajudava o outro:

“Ah, porque é legal. Aí, se eu não consegui ganhar ele pode também conseguir ganhar. Porque ele me ajudava onde eu podia colocar e onde que não”. (Carol)

Os outros sete participantes relataram que gos-taram mais de jogar o Lig-4 contra o colega:

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“Porque tem que ensinar a pessoa que não sabe jogar. Tipo assim, se você jogasse lá, e ela ia fazer ponto, aí as pessoas falam não joga lá. Aí eu tinha que falar não tem que jogar aqui”. (Marcos).

Estes dados justificam o grande número de joga-das elaboradas e executadas isoladamente durante as partidas, pois as crianças estavam preocupadas com o vencer e não com o cooperar. Indicando que a representação social de competição no contexto do jogo Lig-4 orientou mais fortemente as intera-ções do que a de cooperação.

Outro aspecto que podemos discutir, a partir destes, é que a própria representação social da criança sobre o parceiro contribui para a medida adotada na ação. Assim, crianças que represen-tam o parceiro como um bom jogador tendem a cooperar mais ou pelo menos contribuir para sua elaboração. Enquanto aquelas que o representam como alguém que não joga tão bem, tendem a dominar as jogadas e ser mais competitivas em suas ações. De acordo com Vala (1997), “não é a resposta efetiva do parceiro que orienta a estra-tégia dos sujeitos, mas a representação que estes constroem do tipo de parceiro com quem estão a interagir (p. 357)”.

É possível que práticas competitivas estejam pre-sentes em outros contextos da vida dessas crianças, porém como alerta Almeida (2005), há necessidade de apreender os comportamentos e as práticas sociais através das quais essas representações se manifestam, examinando assim, outras dimensões que contribuem para a manutenção delas.

Considerações finais

Investigar as representações sociais de competi-ção e cooperação em contextos de jogos não é uma tarefa fácil, uma vez que são objetos que inspiram a competição por sua natureza. No entanto, as ações podem ser mais ou menos motivadas. Kamii (1991) e Soler (2006) assinalam que algumas escolas es-timulam a competição através de recompensas, prêmios e notas, o que acaba por retirar o prazer e a possibilidade de aprendizado que podem ser desenvolvidos a partir de jogos.

Segundo Kamii (1991) “a teoria de Piaget mostra que a competição nos jogos é parte de um desen-volvimento maior, que vai do egocentrismo a uma habilidade cada vez maior em descentrar e coor-denar pontos de vista” (p. 285). Assim, alega que a melhor forma de lidar com a competição em jogos é desenvolvendo uma atitude natural em relação à vitória ou à derrota.

Os dados apresentados nesta pesquisa mostram que a competição está presente na maioria das ações das crianças no jogo, centrados em elemen-tos tais como elaborar e realizar jogadas sozinho, excluir a participação do parceiro, reclamar sobre as jogadas do parceiro sem justificar o porquê, re-presentar o parceiro como mau jogador e, por isso, entender que atrapalha a possibilidade de vencer o jogo, entre outros, marcando assim, a forma como as crianças interagiram; enquanto os elementos da representação social de cooperação parecem estar centrados em ajudar ou e em ser ajudado durante o jogo, ensinar o parceiro e treinar com ele, propor jogadas ou discutir a jogada com o parceiro, entre outros.

Portanto, esses dados permitem afirmar que as representações sociais “orientam os comporta-mentos e as práticas [...] na medida em que elas definem o que é aceitável em um dado contexto social” (Almeida, 2005, p. 123).

Outros dados poderiam ser acrescentados visando a dar mais fidedignidade aos resultados apresentados, uma vez que representações sociais são construídas nos diversos campos de interação social. Ainda assim, acreditamos que foi possível a realização de discussões a partir da metodologia e abordagem utilizadas, abrindo espaços para outros estudos completarem possíveis lacunas.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 31

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES DO ENSINO FUNDAMENTAL ACERCA DO BULLYING

Evelyn Rúbia de Albuquerque Saraiva1, Maria da Penha de Lima Coutinho, Luciene da Costa Araújo, Marcelo Xavier de Oliveira,

Rosane de Sousa Miranda

diante de cada sociedade e de cada época, as re-presentações sociais variam. Por isso, acreditando que a violência (bullying) tem uma representação psicossocial no imaginário das pessoas, com sen-tidos diferentes, ela pode ser percebida de forma distinta pela vítima ou agressor (Debardieux, 2001; Velho, 1996). De acordo com Moscovici (2009), a dimensão psicossocial deve ser levada em conta nos estudos sobre as relações sociais, uma vez que nela estão presentes os saberes simbólicos do senso comum, produzidos na vida cotidiana por meio das práticas e conversações.

Apreender as representações sociais dos estudantes acerca do bullying significa compreender os processos de classificação e nomeação que permitem entender a agressão e a vitimização, e ancorá-las numa rede de significação, a partir do consenso deste grupo. Considera-se que no ambiente escolar, são veiculadas as crenças, opiniões e sentimentos acerca desse eixo temático.

O presente estudo teve como objetivo apreender as representações sociais de estudantes acerca do bullying, a partir dos seguintes tipos de envolvi-mento: agressor, vítima, vítima-agressora e não envolvido.

Método

Trata-se de uma pesquisa de campo, ancorada em uma abordagem multimétodo, fundamentada nos aportes teóricos e metodológicos das Repre-sentações Sociais (Moscovici, 2009). A amostra foi do tipo não-probabilística, acidental, constituída por 31 estudantes da segunda parte do ensino fun-damental, com faixa etária variando entre 10 e 20 anos (Média= 13,5; DP= 1,69), todos regularmente matriculados na rede pública de ensino da cidade de João Pessoa – PB.

1 Universidade Federal da Paraíba – UFPB

Introdução

A violência vem assumindo cada vez mais proporções assustadoras em nossa sociedade, ocu-pando assim um grande espaço de discussões na mídia, nas escolas, nas famílias, nas instituições la-borais e recreativas. Neste sentido, a fim de melhor compreender o fenômeno da violência, sobretudo uma forma específica presente no âmbito escolar, denominada bullying, é que este trabalho apresenta importantes considerações sobre esta temática.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002) a violência está associada ao cenário de crescente urbanização, sendo frequente na vida de um grande número de pessoas em todo mundo, acompanhando todas as gerações, grupos culturais e sociais. Aparecendo no espaço público e privado, nas escolas, locais de trabalho e outros locais de conveniência social.

Na escola, a violência torna-se evidente a partir de uma grande variedade de comportamentos anti-sociais como: Formas de opressão ou de exclusão, agressões, roubo, vandalismo, entre outros (Amado & Freire, 2008). É nesse sentido que Pedra (2005) vai chamar a atenção ao bullying, caracterizado como uma manifestação que é inocentemente considerada “brincadeira da idade”, mas que tem um poder destrutivo capaz de promover danos psicológicos incalculáveis e irreparáveis à vida desses estudantes.Sendo assim, apontado como uma forma sutil de violência, que normalmente passa despercebida por ser confundida com brincadeiras ou por não ser denunciada por suas vítimas, que frequentemente tornam-se indefesas diante das agressões (Debardieux, 2002; Fante, 2005; Pingoello & Horiguela, 2008).

Contudo, é essencial refletir que quando os saberes são construídos em vivências e convivên-cias múltiplas, eles se diferenciam em relação aos marcos conceituais que envolvem o tema, já que

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 232

Para a obtenção dos dados utilizou-se um ques-tionário sociodemográfico, a Escala de Agressão e Vitimizacão entre Pares (EVAP), e o SCAN- Bullying (Scripted Cartoonb Narrative of Bullying).

O Questionário sociodemografico foi utilizado com a finalidade de se obter informações importan-tes sobre os participantes, coletando informações como idade, sexo e série. A Escala de Agressão e Vitimizacão entre Pares (EVAP) éum instrumento de auto-relato desenvolvido por Cunha, Weber e Steiner (2009), para investigar a agressão entre pares no contexto escolar. Os enunciados desta escala descrevem comportamentos agressivos es-pecíficos que podem ocorrer no contexto escolar, delimitando os últimos seis meses como período de avaliação. Ela contém dezoito questões do tipo Likert, variando nos seguintes níveis: 1- nunca/ 2- quase nunca/ 3- às vezes/ 4- sempre/ 5- quase sempre, distribuídas em quatro fatores: Agressão direta, Agressão relacional, ataques a propriedade e vitimização.

Para analisar os tipos de envolvimento dos participantes como bullying, foi necessário adotar alguns critérios para determinar os tipos de envolvimento assumidos por esses estudantes, apartir da distribuição dos participantes na EVAP, considerando assim como: (i) Agressor – os estudantes que apresentaram alta incidência de agressão em pelo menos um dos três fatores da escala que avaliam esta dimensão, ou seja, pontuando acima do segundo tercil estabelecido para o fator de agressão direta, agressão relacional ou agressão física indireta; (ii) Vítima – os estudantes que apresentaram alta incidência de vitimização, pontuando acima do segundo tercil estabelecido para o fator. Obedecendo ainda a condição de não apresentarem pontuação alta para nenhum dos fatores que avaliam a agressão; (iii) Vítima-agressora – os estudantes que apresentaram alta incidência em pelo menos um dos três fatores que medem agressão e também alta pontuação para o fator de vitimização; e (iv) Não envolvidos – os estudantes que não apresentaram incidência alta em nenhum dos fatores da escala.

O SCAN-Bullying (Scripted Cartoonb Narrative of Bullying) construído por Almeida Del Barrio, Marques, Gutiérrez e Meulen (2001) é um instru-

mento de avaliação psicológica que contém quinze cartões ilustrados envolvendo situações neutras e de vitimização no contexto escolar, possuindo uma versão masculina e uma versão feminina, que pretende controlar o efeito de gênero na elaboração das narrativas/histórias de maltrato. A primeira sé-rie de dez cartões é apresentada em uma sequência fixa e ordenada, retratando diversas situações de vitimização. A segunda série, todavia, é composta por cinco cartões que representam cinco possibili-dades de finais diferentes para a história/narrativa. O SCAN-bullying também acompanha uma entre-vista padronizada.

No presente estudo, primeiramente foi realizado contato prévio com o responsável pela instituição, apresentando-lhe os objetivos da pesquisa. Se-guindo todos os preceitos éticos, de acordo com as normas da resolução 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres humanos, sendo previamente in-formados a respeito dos objetivos e procedimentos da pesquisa, bem como, da confidencialidade dos dados e do anonimato dos participantes.

A aplicação dos instrumentos foi realizada indi-vidualmente em um local reservado, com duração média de cinquenta minutos, sendo apresentados aos participantes na seguinte ordem: questionário sociodemográfico, Escala de Agressão e Vitimi-zação entre Pares (EVAP) e SCAN-Bullying. Os cartões do SCAN-Bullying foram apresentados em uma sequência fixa e ordenada de forma individual, seguida de uma entrevista semi-estruturada, con-forme versão proposta pelos autores Almeida et al. (2001). Após a apresentação dos cartões, era pedido ao participante que contasse uma história, sobre o que ele achava que estava acontecendo do começo ao fim, mediante a visualização dos cartões.

Resultados e Discussão

Os resultados obtidos através do questionário sociodemografico mostraram que, dentre os 31 estudantes que participaram do estudo, quinze eram do sexo masculino e dezesseis eram do sexo feminino. Com relação à faixa etária, observou-se que a maioria dos alunos tinha entre 10 e 12 anos, e a maior parte estava cursando o 7º ano do ensino fundamental.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 33

Considerando o tipo de envolvimento dos participantes com o bullying, através da análise da Escala de Agressão e Vitimização entre Pares (EVAP), constatou-se que, entre os 31 participantes, doze foram classificados como vítimas-agressoras, oito como agressores, sete não estavam envolvidos com o bullying e seis foram apontados como vítimas deste tipo de violência.

A análise do SCAN-Bullying foi realizada através do tratamento padrão do software Alceste, utilizan-do como variáveis-atributos: tipos de envolvimento com o bullying (agressor, vítima, vítima-agressora e não envolvidos), sexo (feminino e masculino) e a idade dos participantes (10-12 anos, 13-14 anos e 15-17 anos).

O Alceste identificou um corpus constituído de 31 unidades de contexto iniciais (UCI), totalizando 41.398 ocorrências, sendo 2.981 palavras diferentes, com uma média de 14 ocorrências por palavra. Para a análise que se seguiu, foram consideradas as palavras com frequência igual ou superior à 4 e com χ2 ≥3,84. Após a redução do vocabulário às suas raízes, foram encontradas 555 radicais e o corpus foi reduzido a 2671 unidades de contexto elementares (UCE).

A classificação hierárquica descendente (CHD) reteve 78% do total das UCE do corpus, sendo distribuídas em quatro classes e formadas com, no mínimo, 10 UCE. Deste processamento emer-giu um dendrograma com duas repartições do corpus, ambas subdivididas em dois sub-corpus, conforme mostra a Figura 1. O primeiro composto pelo agrupamento das classes 1 e 3, denominado “vivências com o bullying” e o segundo composto pelas classes 2 e 4, denominado “posicionamentos diante do bullying”. Nota-se que as classes 1 e 3 são resultantes de um primeiro bloco textual comum, o que permite inferir que elas possuem significados complementares. O segundo bloco textual comum é formado pelas classes 2 e 4, que se distanciam das outras duas classes.

O dendrograma de classificação hierárquica descendente destaca os elementos presentes nas representações sociais dos estudantes acerca do bullying. Nestas quatro classes geradas pelo progra-ma, são apresentadas as palavras que se associaram significativamente aos contextos, assim como as

variáveis – atributos. A classe 1, denominada “Ex-periências de vitimização e apoio percebido” envol-veu 1.124 UCE, significando 53,93% do corpus. A Classe 2, categorizada como “Sentimentos e posi-cionamentos diante da agressão e vitimização”, foi formada por 631 UCE, correspondentes a 30,28% das UCE. A Classe 3, que trata da “Agressão direta e Indireta”, com 179 UCE, contabilizou 8,59% das UCE. Por fim, a Classe 4, denominada “Estratégias de enfrentamento” conteve 150 UCE, contabilizan-do 7,20% das UCE.

A classe 1 conteve 53,93% das UCE revelando uma maior contribuição nos resultados, sendo composta por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 46 (escola) e χ2 = 13 (estudo). Nesta classe, as variáveis-atributos que mais contribuíram foram: os estudantes classificados como vítimas e que eram do sexo feminino. Dentro desta classe, destacam-se duas subclasses separadas, pela linha pontilhada, conforme a Figura1. A primeira aborda a visão desses alunos sobre as coisas que acontecem na escola, principalmente na sala de aula, retratando as experiências de vitimização; e a segunda mostra como o apoio é percebido por estes alunos, desta-cando o papel dos pais, amigos e dos professores diante desta realidade.

As experiências de vitimização estão presentes nas falas desses estudantes, como mostram os exemplos apresentados abaixo:

“(...) coisas acontecem na minha sala, brigas, eu tenho um amigo chamado D e ficam chamando – ele de violeta perfumada (...) acontece com ele na sala de aula e fora da sala, tem medo dos alunos que agride ele, e se ele falar (...) tem medo de vim pra escola (...)”.

Os exemplos a seguir revelam como o apoio é percebido pelos estudantes diante do bullying, representando a segunda subclasse:

“Na sala o professor também reclamava com eles, mas aí eles sempre faziam mais, desafiando (...). Não resolve! Se vou à diretoria ela diz pra não ligar, que é brincadeira”.

É possível notar que essa classe também revela como é percebido o papel dos pais, dos amigos

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Figura1 – Dendrograma com a Classificação Hierárquica Descendente – Entrevistas do SCAN-Bullying (n=31)

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e dos professores diante do bullying, destacando que o professor normalmente é desafiado e pouco respeitado pelos alunos, não conseguindo resolver essas situações. Quanto à participação dos pais, constata-se que em algumas situações os alunos pedem a ajuda deles, falam sobre o que está acon-tecendo, mas em outras, escondem.

A classe 3 representou 8,59% das UCE, como mostra a Figura 1, sendo composta por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 194 (chão) e χ2 = 39 (drogas). Esta classe foi nomeada por agressões físicas, diretas e indiretas, já que ela inclui compor-tamentos como bater, empurrar, oferecer bebidas ou drogas, além de ações como: rasgar, derrubar, jogar no chão, cortar, esconder ou roubar materiais dos colegas, definindo o que Cunha (2009) chamou de bullying físico direto e indireto. Nesta classe, as variáveis-atributos que mais contribuíram foram: os estudantes classificados como vítimas-agressoras e do sexo masculino.

“Já aconteceu sim de eu empurrar e bater, foi aconteceu (...) quando vem bagunçar comigo aí eu revido, revido, às vezes diz uma coisa eu dano lá mão, vou fazer o que? Ficam apelidando, empur-rando, escondem meu livro, eu devolvo sim (...)”.

Alguns estudos apontam que os meninos estão mais envolvidos com a agressão direta quando comparados às meninas (Cunha, 2009; Lopes Neto, 2005; Martins, 2005). Lembrando que esta classe teve uma maior contribuição das falas dos meninos também identificados como vítimas-agressoras, justifica-se o fato do bullying ser representado socialmente para esse grupo a partir das experiên-cias de agressão física (direta e indireta). A partir destas falas, nota-se que alguns alunos adotaram a postura de revidar a agressão sofrida como forma de lidar com o bullying, adotando na maioria das vezes os mesmos comportamentos do agressor.

A classe 2 – Sentimentos e posicionamentos diante da agressão e vitimização – conteve 30,28% das UCE, sendo composta por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 286 (sente) e χ2 = 25 (gru-pos). Nesta classe, as variáveis-atributos que mais

contribuíram foram: estudantes do sexo masculino, faixa etária variando entre 13 e 14 anos e aqueles identificados como agressores. Sendo dividida em duas subclasses separadas pela linha ponti-lhada. Conforme a Figura 1, a primeira revela os sentimentos atribuídos ao agressor, e como tais, estudantes se sentiram desempenhando esse papel. E a segunda subclasse mostra os sentimentos atri-buídos à vítima e também como eles se sentiram diante deste papel.

Análise dos segmentos das UCE permitiu per-ceber que a palavra sente (χ2 = 286) sempre fazia referência aos sentimentos atribuídos ao agressor, e a palavra sentiria (χ2 = 187) demonstrava como os estudantes se sentiam desempenhando o papel do agressor, representando, assim, as palavras de maior qui-quadrado para a classe 2.

A partir das falas abaixo, nota-se que, apesar de serem atribuídos ao agressor sentimentos negativos como culpa e vergonha, observa-se uma maior tendência em atribuir sentimentos positivos ao transgressor. A mesma coisa foi percebida diante do discurso desses estudantes sobre como eles se sentiriam se fossem os agressores. A maior parte enfatizou que também sentiria prazer, orgulho, sendo estes sentimentos associados à possibilidade de se obter vantagens, como tornar-se popular, ser bem visto pelos pares e pelas garotas, proteger-se das agressões. Paludo (2002) também observou em seu estudo que, apesar do agressor normalmente ser percebido como culpado pelos atos de vitimi-zação, ainda assim lhe são atribuídos sentimentos positivos.

“Se sentem orgulhosas, elas gostam de fazer o mal (...) porque tão comandando os mais fracos (...), o agressor se sente feliz, sente prazer, acha engraçado, riem e eles ficam se sentindo tipo o mais importante, um máximo. Os fortões que mandam em tudo (...)”.“O menino que é vítima (...) se sente envergonha-do, culpado por não ser igualaos outros, triste de pensar que é o mais fraco da escola porque é nerd”.

Na adolescência, os comportamentos agressivos entre meninos podem estar associados à busca de popularidade, sendo às vezes percebidos por outros

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alunos de forma positiva (Lisboa, 2005; Olweus, 1993; Thomberg, 2010). Nesta idade, fazer parte de um grupo ou ter acesso livre a diversos outros tem sido apontado como importante, já que a po-pularidade está relacionada à pertença a grupos socialmente valorizados. Isto reforça o fato de muitos alunos usarem o comportamento agressivo como forma de adquirir um maior status entre os pares (Lisboa, 2005).

Os estudantes, ao se imaginarem no papel de vítimas, também revelaram sentimentos negativos, onde o foco diz respeito às características da vítima, mostrando assim que as consequências da agressão estão diretamente relacionadas às características do aluno vitimizado, ou seja, ao seu jeito de se vestir e de se comportar diante dos outros alunos, por serem fracos e não conseguirem se defender, por serem muito estudiosos (nerds) e pelo fato de as vítimas não buscarem se enturmar.

A classe 4 – Modalidades de enfrentamento – com 7,20% das UCE, revelou uma menor con-tribuição na distribuição geral, sendo composta por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 195 (fim) e χ2 = 19 (sozinho). Nesta classe, as variáveis – atributos que mais contribuíram foram os estu-dantes não envolvidos com o bullying e com faixa etária de 15 a 17 anos. Abaixo, são apresentados extratos de discursos que retratam as diferentes modalidades de enfrentamento destes estudantes diante do bullying:

“Iria conversar com os pais e com os diretores se eu fosse a vítima dessa história, não sei se ia resolver (...).“Ela queria fazer amizade, mas não conseguiu, só ficaram batendo porque ela era sozinha, se fosse eu, iria sentir muito medo, tentaria ficar longe desses meninos, porque quando vejo isso acontecer sei que pode acontecer comigo (...)”.

As falas destes estudantes revelaram diferentes modalidades de enfrentamento diante do bullying, algumas demonstram a importância de falar a alguém sobre o que está acontecendo, enfatizando que conversariam com os pais ou com a diretora, enquanto outros mencionaram que enfrentariam a

situação conversando com o agressor ou revidando a agressão sofrida.

A partir das falas dos alunos, nota-se também que o bullying é representado socialmente como um problema sem solução, como algo que às vezes até cessa por um momento, mas que não acaba. Levando a uma imobilidade diante dessas situações, gerando assim um ciclo vicioso, uma vez que a imo-bilidade também induz a falta de atitude desses alu-nos que não conseguem lidar com o bullying. Esse problema também é reforçado devido à banalização desses atos no espaço escolar, já que os professores e diretores nem sempre intervêm de forma eficaz.

É interessante ressaltar que tais estratégias de enfrentamento foram elaboradas pelos estudan-tes que não estavam envolvidos com o bullying. Observa-se, assim, maior possibilidade de recursos para estes alunos lidarem melhor com esse tipo de violência, já que eles apenas presenciam tais situa-ções, mantendo sempre um certo distanciamento, diferente das vítimas e dos agressores que estão diretamente envolvidos com este tipo de violência.

Considerações finais

A análise das entrevistas provenientes do SCAN-Bullying permitiu observar como o bullying foi representado socialmente pelos diversos grupos de pertença: pelos estudantes identificados como agressores, vítimas, vítimas-agressoras e não envol-vidos. Este resultado ficou evidente visto que estes quatro tipos de envolvimento contribuíram como variáveis – atributos para as classes geradas pelo software Alceste.

Os dados mostraram que os estudantes iden-tificados como vítimas revelaram representações sociais acerca do bullying a partir de suas experiên-cias de vitimização, destacando como o apoio era percebido diante destas situações. Os agressores atribuíram sentimentos positivos ao papel de agres-sor, associados à ideia de poder e popularidade, jus-tificando a vitimização a partir das características pessoais da vítima ou em função dos estereótipos sócio-culturais.A vitimização foi considerada como algo natural, sendo as vítimas representadas como diferentes, fracas e nerds, apontadas como merece-doras dos atos agressivos.

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Observou-se ainda que a identificação entre os membros de um grupo foi capaz de ativar me-canismos de comparação social, uma vez que o grupo dos agressores foi visto de forma positiva, sendo favorecido, enquanto o grupo das vítimas foi identificado de forma estereotipada e negativa. A análise das entrevistas também permitiu refletir sobre as representações sociais desses alunos que podem estar funcionando para justificar a ação e a diferenciação entre eles (Abric, 1994).

Nesse sentido, enfatiza-se que os programas de prevenção à violência na escola devem priorizar mais os grupos que os indivíduos, especificamen-te, porque o fato de o bullying se manifestar sob diferentes formas sugere que as estratégias de in-tervenção ou prevenção devem levar em conta os tipos de comportamento que se pretende prevenir ou erradicar (Martins, 2005).

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 238

AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE JOVENS DE ESCOLAS PÚBLICAS SOBRE O BULLYING

Ivany Pinto Nascimento1

se defender com facilidade por estar sozinho, e/ou por ser menor em tamanho ou em força física, ou ainda apresentar menor flexibilidade psicológica que o autor, ou autores, da intimidação. Dentre as principais manifestações de intimidações se encontram as:

Físicas: bater, chutar, socar, tomar os objetos pessoais; verbais: implicar, insultar (incluindo as novas formas, como intimidação por e-mail e por telefone); exclusão social: “você não pode brincar conosco”; indiretas: espalhar boatos maldosos, dizer a alguém para não brincar com um colega. Acrescentamos outra manifestação o cyberbullying – ela se manifesta no uso da tecnologia pelo agres-sor para a intimidação e a humilhação públicas do outro, comumente, nas redes de relacionamentos sociais.

Estas formas de violência por serem sutis po-dem passar despercebidas, principalmente, para aquelas pessoas que não convivem com a vítima e nem com o agressor. As intimidações ainda podem não ser compreendidas como violência, mas sim como brincadeiras. Contudo, não dá para negar as marcas negativas que o bullying causa na vida do(s) sujeito(s) que sofre(m) a sua ação.

Apresentaremos a seguir a metodologia utiliza-da e os resultados parciais da pesquisa: Onde você estiver vou te pegar: as representações sociais de jovens de escolas públicas sobre o bullying, foco deste artigo.

Esta pesquisa constituiu-se em um estudo desenvolvido em dois momentos. No primeiro realizamos uma exploração teórica, sobretudo com as temáticas: violência nas escolas e o bullying. No segundo momento realizamos a pesquisa em 02 escolas estaduais de ensino médio e que também integram a rede de ensino público de Belém, sendo

O presente artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa realizada no ano de 2011 com os jovens de escolas públicas do ensino médio da Amazônia paraense sobre as represen-tações sociais que estes jovens possuem sobre o Bullying no ambiente escolar.

Dentre as formas de violência na escola, e que se tornou nos dias atuais destaque, seja pela mídia, seja pela denuncia das vítimas e, ainda, pela fre-quência com que vem acontecendo, é o chamado bullying. Esta forma de agressão consiste nas atitu-des agressivas intencionais e repetidas, de um ou mais estudantes contra outro(s), que ocorrem sem motivação aparente que causam dor e angústia. Estas atitudes são praticadas em uma relação desi-gual de poder. A característica que se destaca nesta forma de violência, e que facilita a intimidação da vítima, é o desequilíbrio de poder entre o agressor e o que é agredido.

Cumpre acrescentar que a palavra bullying é de origem inglesa e sua tradução literal quer dizer oprimir, amedrontar, maltratar, ameaçar, intimidar. Muitas vezes este tipo de violência se manifesta de forma silenciosa e é vista por alguns jovens como algo natural até porque se confunde com alguma brincadeira de grupos, como forma de reconhe-cimento de pertença entre seus integrantes. Con-tudo, a diferença se destaca na medida em que o comportamento do agressor é permanente e não indica que o outro pertence ao grupo dele. Este tipo de violência é extremamente prejudicial ao processo educacional, particularmente para aqueles que a sofrem e, para os que a praticam e também para quem os testemunham. Além de fragilizar a estrutura escolar que se torna alvo de esvaziamento e resistência à frequência, sobretudo dos alunos.

As intimidações na escola e/ou ameaças repeti-damente são acometidas de desequilíbrio de poder entre o que agride, chamado de bullie e o agredido. A vítima, alvo da prática do bullying, não consegue 1 Universidade Federal do Pará –UFPA

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uma localizada em um bairro da periferia e a outra em um de bairro do centro. Nestas duas escolas selecionadas, segundo seus respectivos gestores as manifestações de bullying são recorrentes entre os alunos.

As duas escolas da pesquisa fazem parte da Rede Estadual de Ensino de Belém. Apesar de estarem localizadas em áreas distintas, (periferia e centro), é possível constatarmos que tais instituições possuem características semelhantes, quais sejam: são esco-las públicas, ofertam regulamente o ensino médio e apresentam relativo grau de vulnerabilidade à violência. Sendo assim, esses quesitos foram deter-minantes para a escolha das mesmas.

Sendo assim, do total de 184 jovens, do sexo fe-minino e masculino, foram pesquisados 92 sujeitos de cada uma das escolas. Este total de alunos que compôs a amostra da pesquisa pertence ao turno da manhã e se encontram na faixa de etária entre de 12 a 18 anos. A escolha destes jovens do ensino médio se deu em função de encontrarmos nesse nível de ensino a faixa etária de interesse da pesquisa, ou seja, jovens entre 12 e 18 anos.

A partir do desafio de compreender as repre-sentações sociais de jovens de escolas públicas do ensino médio da Amazônia paraense sobre o bullying na escola, após a aplicação do questionário para coleta de dados junto aos jovens do ensino médio de cada escola selecionada, organizamos as respostas em duas temáticas pelas unidades de significado, quais sejam: 1) perfil dos(as) jovens; 2) significados sobre o bullying. Esta última temática se dividiu em sub temáticas quais foram: os atores, a vitima, os fatores, as formas mais frequentes de bullying, as consequências e as ações realizadas pelas escolas para o seu enfrentamento. Estas temá-ticas forneceram a base para a compreensão do que esses jovens partilham sobre o bullying.

Após esta organização, procedemos à análise destes significados com base nos referenciais da análise proposto por Franco (2005, p. 13). Estas temáticas se constituíram a partir das imagens e dos significados consensuais que estes jovens atribuem ao bullying em suas escolas.

Após o destaque dos significados envolvidos nos conteúdos das respostas dos sujeitos alvo da pes-quisa sobre o bullying, procedemos à análise destes

significados com base na Teoria das Representações Sociais de Moscovici (1973). À luz da análise destes significados foi possível desvelar as objetivações e as ancoragens que constituem as representações sociais de jovens de escolas públicas do ensino médio da Amazônia paraense sobre o bullying na escola para desvelar as imagens e os significados consensuais que estes jovens atribuem ao bullying em suas escolas. Estas imagens e respectivos sig-nificados possibilitaram destacar as objetivações e as ancoragens que constituem as representações sociais de jovens de escolas públicas do ensino médio sobre o bullying.

O perfil dos(as) jovens de escola pública estadual do centro e da periferia

Os dados apontam que a faixa etária mais ex-pressiva dos jovens da pesquisa foi a de 12 a 18 anos, com um total de 184 jovens, sendo 46 somente do sexo feminino e 46 do sexo masculino em cada uma das escolas, da periferia e do centro. No geral, iden-tificamos que os alunos do sexo feminino e os do sexo masculino obtiveram uma representatividade em números equilibrada entre si.

Os significados do bullying

Os resultados mostraram que para os(as) jovens, o bullying é uma agressão, violência verbal acrescida de ameaças e agressão física. Todavia, para a maio-ria dos(as) alunos(as), as agressões verbais e/ou ameaças são acontecimentos mais presentes entre os estudantes, revelando-se como prática comum em suas relações escolares cotidianas.

Um número expressivo de alunas da 1ª série do ensino médio, tanto da escola localizada no centro quanto da escola da periferia, já sofreu algum tipo de intimidação, agressão ou assédio. As alunas da segunda e terceira séries de ambas as escolas que sofreram este tipo de violência são em número menor. Observamos, a partir das respostas das jo-vens alvos deste estudo, que o bullying ocorre com maior frequência na faixa de idade entre 12 a 15 anos. Na medida em que a faixa etária aumenta as ocorrências diminuem.

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Em relação ao bullying sofrido pelos alunos do sexo masculino existe uma crescente ocorrência na medida em que a série cursada evolui, ao contrário do que ocorreu com as meninas. Significa dizer que o número de alunos da 1ª série tanto da escola situada no centro quanto aqueles da escola situada na periferia que já sofreram este tipo de agressão é menor, comparado com as série subsequentes, ou seja, a 2ª e a 3ª séries.

O bullying na escola

No que se refere ao bullying sofrido pelo(a) aluno(a), destacamos quatro aspectos centrais de acordo com as respostas dos(as) jovens do ensino médio envolvidos nesta pesquisa de uma escola pública do centro e uma da periferia, quais sejam: 1) Sujeitos que praticam o bullying; 2) Fatores que contribuem para o bullying; 3) Sujeitos-vitima do bullying; 4) Consequências e providências tomadas pela escola frente à esta prática de intimidação.

Sujeitos que praticam bullying

Iniciamos com uma indagação que considera-mos relevante para a investigação em tela: quem são os sujeitos que praticam o bullying?

Segundo Nascimento (2008, p. 15), os jovens que exercem esta prática, geralmente, são pessoas inseguras, medrosas com um baixa estima e que desenvolveram um forte sentimento de desvalor em relação a si e ao outro. Estes jovens, anteriormente, foram vítimas de violência que pode ser a domésti-ca praticada pelos pais ou responsáveis ou ainda por parentes e amigos próximos. Eles possivelmente foram privados de afeto e receberam uma edu-cação com regras rígidas por demais vividas com muito sofrimento pelo sujeito que foi submetido. Contudo, é necessário cuidado com a afirmativa de que existe um nexo causal linear entre as situações mencionadas pela qual um sujeito foi submetido e a prática do bullying por este mesmo sujeito.

Não podemos desconsiderar o mecanismo de superação do sujeito das situações adversas pelo qual passou. O termo resiliência, cunhado da Física, é utilizado para descrever os estado de superação que determinadas pessoas fazem após viverem

situações de adversidade com intenso sofrimento. Vale acrescentar que, por esta linha de raciocínio, podemos caracterizar de forma geral o sujeito bullie em outra dimensão situacional, qual seja: jovens que não sofreram violência, que não foram privados de afeto, muito pelo contrário, receberam uma educa-ção com regras por demais confusas e frouxas.

Nos dois perfis traçados, estes sujeitos não foram estimulados ao exercício da convivência com o outro para desenvolverem e internalizarem apren-dizados sobre as regras, os valores e os acordos que somente são possíveis nas interações com os outros. Destacamos, nos dois casos mencionados, que estes sujeitos foram submetidos a uma educação pauta-da em extremos: ou a rigidez ou o afrouxamento excessivos de regras e valores sociais, o que gerou pessoas intransigentes e endurecidas. São sujeitos que possuem dificuldades de lidar com a diferença do outro e com a aceitação de si como alguém que não é perfeito.

A sede de poder e o massacre ao outro impri-mem a dificuldade do sujeito bullie de ver no outro aquilo que lhe falta, ou ver no outro as imperfeições que ele tem dificuldade de aceitar em si próprio. A relação entre o sujeito que pratica o bullying e o que é vitima dele é constituída de projeções entre um e outro. Um imagina que o outro possui poder sobre si e que ele, a vítima, não tem e, portanto, se subme-te a ele. O outro, aquele que intimida, faz com que a vítima acredite que ele tem poder sobre ela. Ambos possuem uma auto-estima baixa, desacreditam de seus valores por se sentirem impotentes. O bullie e a vítima utilizam a raiva e o desamparo nas proje-ções que fazem. O primeiro desloca a sua raiva no outro, a vitima, massacrando-o. Enquanto que o segundo contém a raiva e a utiliza para se destruir ao invés de reagir.

Vale acrescentar que estas condições, a do bullie e a da vítima, podem ser permutadas. Segundo os jovens, em sua maioria, tanto os da escola do cen-tro quanto o da escola da periferia, revelaram que quando eram menores foram vitimas de intimida-ção, ameaças e agressões. Na medida em que foram crescendo e se organizando em grupos juntamente com meninos maiores, eles passaram de vítima para aquele que pratica o bullying.

As jovens destacam que a permuta destes lu-

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gares é mais difícil se o bullying acontece quando são adolescentes. Quando sofrem estas práticas ainda pequenas é bem possível fazerem a passagem da condição de vítima para aquela que pratica a intimidação.

A passagem de uma condição para a outra pos-sibilita o fortalecimento de uma rede de relações pautada na violência, na opinião da maioria dos jo-vens e das jovens investigadas de ambas as escolas.

A grande maioria dos jovens afirmou que o bullying que acontece nas escolas ocorre mais fre-quentemente com os meninos e com as meninas entre si, respectivamente. As diferenças entre os alunos e as alunas que estudam na escola do Centro e aqueles que estudam na escola de periferia não fo-ram tão expressivas ao indicarem tanto o aluno do sexo masculino quanto o do sexo feminino como responsável pelo bullying e/ou vítima dele.

Não podemos ignorar que as tensões vividas pela juventude existem como em quaisquer outras fases da vida. O que não podemos aceitar é que estes conflitos sirvam de justificativa para a prática do bullying ou de qualquer outro tipo de violência, seja com o outro, com a escola, com a família etc. Implica em dizer que não podemos contribuir com a cultura e a perpetuação da violência, e nem tão pouco, banalizá-la e aceitar a relação juventude e violência como a única representação que pode caracterizar esta juventude da contemporaneidade.

Outras representações que relacionam a juven-tude com o exercício da cidadania, com a prática da solidariedade, dos valores éticos, do respeito às diferenças podem e devem se fortificar como uma via de enfrentamento aos comportamentos perver-sos que grupos de jovens praticam com o outro e com as instituições públicas, como a escola.

Fatores que levaram os(as) jovens a sofrer este tipo de agressão

Os fatores que provocam o bullying na escola são diversos e complexos uma vez que não são desencadeados somente por fatores externos, mas somam-se à estrutura individual de cada sujeito. As drogas, a estupidez, a falta de escolaridade seguida da desestrutura familiar são fatores elencados pelos jovens de ambos os sexos, alvos deste estudo, que

desencadeiam e potencializam a violência. Outro fator que os jovens da escola de periferia assinalam é a falta de vigilância no entorno da escola possibilita a prática do bullying, sobretudo na saída da mesma.

Sujeitos-vítimas do bullying

Podemos afirmar que uma parcela considerável de sujeitos, em ambos os sexos e escolas, foi vitima de bullying. Nestes resultados, o percentual de alu-nos vítima desta prática de violência é de setenta por cento do total de estudantes.

A forma de intimidação mais usual sofrida, se-gundo os jovens agredidos, foi a verbal, seguida de ameaças. Na escola do centro, assim como na escola de periferia, 40% dos alunos do sexo feminino e do sexo masculino, manifestaram que foram agredidos verbalmente e 30%, além da agressão verbal, foram ameaçados. Esse tipo de violência geralmente é acrescido de ameaça e coação, e ocorre com certa frequência no âmbito escolar. A agressão verbal possui desdobramentos nas incivilidades, xinga-mentos, desrespeito, ofensas, modos grosseiros de se expressar e discussões que se dão muitas vezes por motivos banais ou ligados ao cotidiano da es-cola (Abramovay, 2005, p. 121).

Os alunos e as alunas vítimas de bullying, apre-sentaram sentimento de raiva, em sua maioria, seguido do desejo de vingança e pena do agressor.

De acordo com o que mencionamos anterior-mente, o sujeito que se submete à condição de vi-tima do bullying possui uma estrutura psicossocial frágil.

Consequências

Em síntese, as consequências, tanto para a vítima quanto para o agressor e ainda para os se-guidores e/ou testemunhas, em que pesem as dife-renças, sem dúvida nenhuma podemos afirmar que não são promissoras. Todos três personagens que participam desta trama de intolerância causadora de violência necessitam de ajuda psicológica e/ou psiquiátrica para problematizarem a necessidade de se imporem estes papéis, os prejuízos eles causam as suas vidas e as vidas dos outros dentre outras questões.

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As ações realizadas pelas escolas para seu enfrentamento

A vontade de construir estratégias de enfreta-mento da violência, de maneira geral, e ao bullying em particular, faz parte dos anseios de todos os membros das escolas, que se deparam, cotidiana-mente, com situações de conflitos como envolvi-mento de estudantes, funcionários das escolas e muitos outros indivíduos.

Nessa direção, as providências tomadas pelas escolas alvo deste estudo, frente ao bullying, são pa-liativas e pontuais, ou seja, estas duas escolas ainda não possuem um projeto de trabalho e de ações que atuem na prevenção e controle sobre o bullying. A escola, de maneira geral, se sente despreparada para lidar com o enfrentamento da violência, de maneira geral, e do bullying em especial, bem como de outras situações de conflito que ocorrem no seu ambiente. O despreparo, de acordo com os gesto-res e orientadores pedagógicos destas escolas para atuar junto às situações de conflito advém da falta formação e orientação para tal.

As jovens das escolas do centro, representadas por 20% e as jovens das escolas da periferia re-presentadas por 40% e os 30% dos estudantes da periferia, acreditam em trabalhos na sala de aula como estratégia de enfrentamento da violência mais evidente em suas respectivas escolas. Em con-trapartida, para os estudantes das escolas do centro (21,7% do total) a ação que se destaca na opinião deles é o policiamento, seguido da suspensão do aluno e, dependendo da situação, a transferência de escola do agressor ou do agredido. Outros alunos acreditam que a realização de palestras, o diálogo com os pais e alunos pode provocar mudanças neste cenário de violência entre jovens.

Nas percepções dos jovens as ações de enfrenta-mento ainda são insuficientes porque se restringem às situações pontuais. Ao término destas situações, a escola silencia as suas ações em relação ao fato relacionado ao bullying.

As RS de jovens de escolas públicas do ensino médio sobre o bullying

As objetivações que correspondem às imagens mentais e as ancoragens que correspondem aos sen-

tidos que compõem a dinâmica das representações sociais que jovens de escolas públicas do ensino médio possuem sobre o bullying nos fornecem pistas para que encontremos as noções dos conteúdos que se articulam à dinâmica destas RS e a mobilizam para orientar as ações destes jovens.

Esta rede de significados que organizam as RS sobre o bullying se conectam em um núcleo que é o da Violência. As RS, entendidas como teorias implí-citas, consensuais envolvem a atividade cognitiva e orienta as condutas de grupos. Estas representações se entrelaçam aos fazeres, aos dizeres, as emoções e aos afetos na medida em que são formas de cons-trução da realidade e suas transformações estão submetidas a acontecimentos que implicam em novas construções ou admissões de representações que até então existiam, mas não eram consideradas como hegemônicas para dar conta da realidade em seu estado de mudança.

Apresentamos ao leitor, de forma resumida, alguns pontos de sentido em que consolidam as ob-jetivações e de ancoragens sobre as representações sociais que jovens de escolas públicas do ensino médio possuem sobre o bullying:

• A violência permanente entre jovens possui múltiplas determinações,

• Envolve sujeitos que sofreram anteriormen-te este tipo de violência e que atualmente submetem outros a tipos semelhantes pelos quais passaram.

O bullying tem uma cara com as seguintes ca-racterísticas:

• Drogas,• Estupidez,• Desestrutura familiar (falta de orientação e

apoio em casa dos pais),• A falta de vigilância no entorno da escola,• Escola desinteressante,• A carência de projetos escolares para tra-

balhar a violência, o respeito às diferenças,• O distanciamento das famílias da escola,• Ociosidade dos jovens,• Falta de oportunidade.

O jovem não se leva a sério, pois ele não é levado a sério, em lugar nenhum. (fala de um aluno de 15 anos – 2ª serie)

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Estas características, que delineiam a face da violência entre jovens e apontam para conexões entre as objetivações e as ancoragens partilhadas entre os jovens de escolas públicas sobre as intimi-dações que fazem parte do dia a dia de suas esco-las, assinalam algumas saídas como aproximação da família e da escola para fazerem um trabalho conjunto; a execução de projetos na escola que priorize o trabalho sobre s relações, as diferenças, as drogas e outras atividades que vá ao encontro das necessidades do alunado. Tornar a escola inte-ressante, possivelmente, é caminhar na direção de um ensino-aprendizagem no qual o jovem possa sentir que seu aprendizado poder ser utilizado para o desenvolvimento de outras atividades que podem ser úteis e até mesmo rentáveis para ele adquirir algo que necessita e que sua família não pode lhe proporcionar.

Os resultados desse trabalho assinalam que a prática do bullying nas escolas possui múltiplas dimensões que vão desde os extramuros escolares como as relações que se estabelecem na comunida-de e/ou bairro onde a escola se localiza, as questões familiares até o contexto escolar. Observamos que o tipo de relações que permeiam o processo ensino–aprendizagem, as práticas educativas, as metodologias e a dinâmica de sociabilidade (que es-trutura comportamentos entre os sujeitos) podem influenciar a ocorrência do bullying no contexto da própria escola.

Outro aspecto que destacamos neste estudo é que a carência de projetos, na escola, permanentes que objetivem a prevenção e o controle da violência.

Podemos inferir que as representações sociais de jovens de escolas públicas sobre o bullying encon-tram seus sentidos ancorados em representações nocivas ao aluno, prejudiciais ao seu aprendizado e à sua permanência na escola podendo levá-lo ao adoecimento e até mesmo ao suicídio como forma de se libertar do sofrimento. A intimidação, junta-mente com a ameaça, a humilhação, as agressões verbal, física e virtual são formas frequentes de ocorrência do bullying na escola. A objetivação des-ta representação se encontra articulada à imagem mental de doença que acomete a escola, por ser o diálogo bastante limitado e o respeito às diferenças muito difícil.

Referências

Abramovay, Miriam. (2005). Cotidiano das escolas: entre violência. Brasília: UNESCO, 2005.

Franco, Maria Laura Puglisi Barbosa. (2005). Análise de Conteúdo. 2ªedição, Brasília, DF: Líber Livro Editora.

Moscovici, S. (1973). Le Grand schisme. In Revue In-ternationale de Sciences Sociales, 25(4), 479-490.

Nascimento, Ivany Pinto,& Trindade, Marileia. (2008). Os significados da violência na escola para profes-sores de escolas públicas de Belém. In Revista Tra-vessias: pesquisa em educação, cultura, linguagem e arte, 02(2), 01-27.

Nascimento, Ivany Pinto,& Vieira, Andréa Silva. (2008). Reflexões sobre a violência nas escolas: um olhar sobre os (as) jovens de escolas públicas. In Revista Travessias: pesquisa em educação, cultura, lingua-gem e arte 01(2), 02-32.

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“COM QUEM OS FILHOS FICARÃO?” REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA GUARDA APÓS A SEPARAÇÃO CONJUGAL1

Fernanda Cabral Ferreira Schneebeli2

Maria Cristina Smith Menandro3

orientou nosso interesse em analisar, sob a pers-pectiva da Teoria das Representações Sociais, como mães e pais concebem a guarda de filhos e quais motivos os levam a optar por um determinado tipo de guarda em detrimento de outro.

Teoria das representações sociais

A Teoria das Representações Sociais, preconi-zada por Serge Moscovici, tem enfoque pluridisci-plinar. Por isso, foi escolhida como aporte teórico desta pesquisa, que pretendeu analisar um instituto jurídico (guarda de filhos) sob a perspectiva da Psicologia Social.

Segundo a teoria moscoviciana, representação social é a representação de alguém e de alguma coisa, e tem por finalidade tornar familiar algo não-familiar (Jodelet, 2001). O indivíduo (sujeito) classifica, categoriza e nomeia aquilo que lhe é estranho (objeto), a partir do que lhe é conhecido. Esta categorização se dá por meio dos processos de objetivação e ancoragem. Aquele se dá por meio da concretização de uma imagem a partir de uma ideia abstrata, enquanto este ocorre por meio da assimilação daquela imagem, tendo como suporte um paradigma, construindo-se um novo conceito (Franco, 2004).

Ao contrário do conhecimento oriundo da ciência (universo reificado), o conhecimento cons-truído a partir de representações sociais (universo consensual) surge no seio do senso comum, isto é, das teorias cotidianas (Ordaz & Vala, 2000). No cotidiano, portanto, formam-se as ideias que dão origem às representações (Arruda, 2006). O coti-diano, aqui, é tomado como a vivência do dia a dia,

Guarda de filhos

Quando um casal que tem filhos se separa, surge a pergunta “com quem os filhos ficarão?”. Segundo dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007), em 89% dos processos de divórcio findos no ano de 2007, a guarda dos filhos ficou com as mães. Ou seja, a guarda, na maioria dos divórcios brasileiros é uni-lateral materna.

O código civil brasileiro (Lei 10.406, 2002) prevê dois tipos de guarda: a unilateral e a compartilha-da. Na guarda unilateral, o genitor guardião é o responsável pela criação dos filhos, que moram com o guardião e recebem visitas do não-guardião. Na guarda compartilhada, ambos os genitores são guardiões e corresponsáveis pelos filhos. O que a caracteriza não é o fato de os filhos morarem em duas casas, mas sim o compartilhamento das res-ponsabilidades parentais por ambos os genitores.

Presente no ordenamento jurídico brasileiro desde 2008, a guarda compartilhada apresenta-se como primeira alternativa quando não há acordo entre as partes. Ou seja, caso não haja consenso quanto à guarda dos filhos, o magistrado deve de-cidir, preferencialmente e, sempre que possível, pela guarda compartilhada (Lôbo, 2008). O escopo da lei é proteger o interesse dos menores, partindo do pressuposto de que o melhor para crianças e ado-lescentes é ter o mesmo convívio com a mãe e o pai.

Geralmente, o direito está um passo atrás das mudanças sociais. No caso da instituição da guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro, porém, a legislação precedeu a mudança da cultu-ra dominante. Por isso, é compreensível que haja resistência à nova modalidade de guarda. Embora não haja dados estatísticos oficiais, é observada, de forma assistemática no cotidiano forense, forte re-sistência por parte das mães e dos pais em aderirem voluntariamente ao novo instituto. Essa tendência

1 Recorte de dissertação de Mestrado defendida e aprovada em maio de 2011 na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES. Financiamento CAPES.

2 Universidade Federal do Espírito Santo. Email: [email protected]

3 Universidade Federal do Espírito Santo

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o que influencia as pessoas, que as fazem refletir sobre algo e representar objetos de acordo com o conhecimento consensual.

A guarda de filhos faz parte do universo con-sensual dos brasileiros desde a institucionalização da separação de corpos no Brasil, em 1891; seguida da previsão do desquite, em 1916, substituído pela separação judicial e pelo divórcio, em 1977 (Almei-da Júnior, 2002). Com efeito, “o divórcio, há muito tempo, deixou de ser fenômeno de exceção, para tornar-se quase um acontecimento cotidiano das famílias.” (Grzybowsky, 2007, p. 59).

Assim, o modelo tradicional de família foi pau-latinamente substituído pelo que pode ser definido como modelo tradicional de guarda, isto é, a guarda unilateral materna. Nesse sentido, estudar a guarda de filhos sob o prisma da Teoria das Representações Sociais é analisar a compreensão que se tem, no senso comum, dos papéis materno e paterno na formação dos filhos. Sobretudo, de que maneira esse conhecimento consensual reflete no dia a dia, notadamente quando se opta por um determinado tipo de guarda em detrimento de outro.

Papéis feminino e masculino

Ao longo da história, especialmente com o processo de industrialização, o modelo de família extensa (parentes que moravam próximos e cria-vam os filhos juntos) foi substituído pelo modelo de família nuclear (casal e prole). Nesse modelo de família, o pai é o provedor, é o membro do casal que trabalha fora e passa pouco tempo com os filhos; a mãe, por sua vez, é a cuidadora, é o membro da família que trabalha em casa, desempenhando as funções domésticas, entre as quais, os cuidados e a educação dos filhos. Por isso, em caso de separação, considera-se natural (concepção culturalmente construída) que à mãe seja concedida a guarda dos filhos, eis que sempre coube a ela o papel de cui-dadora dos filhos, restando ao pai a incumbência de prover materialmente a família (Barreto, 2003). Eis, portanto, as representações sociais dos papeis feminino e masculino, pilares das representações sociais da maternidade e da paternidade, ambas representações baseadas (leia-se ancoradas) em um modelo tradicional e arcaico (Trindade, 1993).

Essa forma tradicional de conceber e de orga-nizar a família foi, com o tempo, naturalizando-se, ou seja, sedimentando-se no imaginário social de tal maneira que chega ao ponto de ser considerada inata. No entanto, é preciso salientar que os papéis feminino e masculino são social e historicamente construídos (Grzybowski, 2007).

Observa-se, porém, uma mudança compor-tamental a partir da modificação de paradigmas, tradições e representações. Na Suécia, por exemplo, a licença maternidade foi substituída pela licença parental em 1974. Ou seja, naquele país, mulheres e homens têm exatamente as mesmas possibilidades de se licenciar do trabalho para cuidar dos filhos de tenra idade. Entre os objetivos da medida estão o alcance da igualdade entre os sexos no que con-cerne ao trabalho e à vida familiar, e o bem-estar das crianças (Brachet, 2006).

No Brasil, entretanto, a licença-maternidade e a licença-paternidade são bem distintas: mulhe-res têm 120 dias e homens, apenas 5 dias para se ausentar do trabalho para cuidar dos filhos recém--nascidos. Essa diferença reforça a concepção de que os cuidados dos filhos cabem exclusivamente à mulher, e retira do pai o direito de participar dos cuidados com a prole (Grzybowski, 2007).

Maternidade e paternidade

Após a Revolução Industrial, por razões polí-ticas e religiosas, foi difundida a ideia de que as mulheres deveriam permanecer no ambiente do-méstico, cuidando dos filhos. Para tanto, usou-se a premissa da existência de um instinto materno superior e insubstituível (Badinter, 1985). Como consequência, em caso de ruptura conjugal, a atribuição da guarda dos filhos à mãe “pressupõe um consenso social de que a mãe seria sempre, e acima de qualquer suspeita, a melhor cuidadora dos filhos” (Lyra & Medrado, 2000, p. 149).

No que concerne à representação social, “quanto mais sua origem é esquecida e sua natureza con-vencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna” (Moscovici, 2009, p. 41). A ciência desempenhou um papel importante na formação da representação social da maternidade e da paternidade quando valorou, por muito tempo, o papel materno em

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detrimento do paterno. Resultados dessa ciência equivocada foram incorporados no imaginário popular, ficando arraigado no senso comum que a mãe é mais importante que o pai na criação de filhos. Os estudos atuais, porém, demonstram que a participação paterna é tão importante quanto a participação materna no desenvolvimento dos filhos (Trindade, 1991).

É importante salientar, ainda, que o exercício da maternidade e da paternidade não se dá automa-ticamente com o nascimento do filho. “É na con-vivência íntima do dia a dia que vai ser construída uma outra forma de parentalidade: a parentalidade psicológica” (Cezar-Ferreira, 2007, p. 92). É o que se define como maternagem e paternagem, neolo-gismos que servem para diferenciar a parentalidade biológica (ter filhos) da parentalidade psicológica (criar filhos).

No decorrer dos anos entre a institucionalização da separação conjugal e o advento da lei da guarda compartilhada, novos arranjos familiares foram surgindo. Sem dúvida, a entrada da mulher no mercado de trabalho modificou sobremaneira o tradicional arranjo familiar, trazendo à tona outras possibilidades, entre elas, a guarda compartilhada. O papel paterno também sofreu modificações, notadamente quanto à participação do pai nos cuidados com a prole. A figura tradicional do pai provedor, distante e autoritário, foi paulatinamente transmutando à figura moderna do pai participati-vo, que efetivamente exerce seu papel no desenvol-vimento dos filhos.

O que se observa no dia a dia forense é que aque-le pai que efetivamente cuida dos filhos na constân-cia do casamento, raramente vira um estranho após a separação. Ao contrário, tende a ser um pai que luta na justiça para manter o convívio com os filhos. Entretanto, ainda nos dias atuais, após o divórcio, cerca da metade dos homens perde totalmente o contato com os filhos (Goetz & Vieira, 2008).

Conjugalidade versus parentalidade

Conjugalidade diz respeito à relação construída entre duas pessoas, casadas ou não, que vivem uma relação amorosa com o intuito de formar uma fa-mília – com ou sem filhos. Uma das características

principais da conjugalidade na atualidade é a sua dissolubilidade. A parentalidade, por sua vez, diz respeito à relação entre pais e filhos, relação esta indissolúvel.

Embora denotem relações distintas, conjuga-lidade e parentalidade influenciam uma a outra. Com efeito, “uma boa relação marital [conjugalida-de] favorece o compartilhamento de tarefas domés-ticas e práticas entre maridos e esposas, e promove o desenvolvimento de sentimento de segurança em suas crianças [parentalidade]” (Braz, Dessen & Sil-va, 2005, p. 151). Assim, durante a relação amorosa entre pessoas que têm filhos em comum, a maneira como a conjugalidade é vivenciada influencia na parentalidade. Tal influência persiste após a ruptu-ra, eis que a maneira como a separação conjugal é vivenciada igualmente influencia na parentalidade pós-separação.

Observa-se no dia a dia forense que quanto mais litigioso for o processo de separação ou divórcio, mais acirrada é a disputa sobre os filhos – desde a guarda e a visitação, até o valor dos alimentos. Em muitos casos, fica clara a intenção de um dos ex--cônjuges, quando não dos dois, de nutrir a relação já finda por meio do litígio judicial. O exercício da guarda, assim, apresenta-se como a chave para a manutenção da unidade familiar e do desempenho dos papéis parentais após a ruptura conjugal.

Representações sociais da guarda

A família tem grande influência no desenvolvi-mento psicossocial de seus membros, desenvolvi-mento este que não se encerra na infância, mas que perdura por toda a vida (Almeida & Cunha, 2003). Logo, qualquer mudança na família reflete direta-mente não só nas relações interpessoais de seus membros, como os atinge individualmente – sendo que cada membro sente o impacto de uma maneira diferente. Nesse diapasão, quando ocorre a ruptura conjugal, surge a necessidade de reorganizar a famí-lia em um novo arranjo. Ainda que recomposta,a família não perde seu papel fundamental no desen-volvimento humano (Roudinesco, 2003).

A permanência dos laços parentais após a ruptura conjugal é uma tarefa complexa, mas es-sencial para o bem-estar dos filhos. Afinal, quem

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se separa é o casal conjugal, não o casal parental (Féres-Carneiro, 1998). É preciso conciliar as ques-tões pessoais, como elaboração da separação e a retomada da vida social e sexual, com as questões relacionadas à parentalidade, como a atenção aos efeitos da separação na vida dos filhos e o convívio destes com ambos os genitores.

A guarda, muitas vezes, é acordada entre os ex-cônjuges ou determinada pelo juiz a partir da premissa de que os filhos devem ficar com a mãe. Este é um caso exemplar de que o senso comum é influenciado por conceitos oriundos da ciência. Antigos pressupostos da Psicologia do Desenvol-vimento, embora hoje questionados, ainda fazem parte do imaginário popular e são fontes de an-coragem da representação social da maternidade, com a supervalorização da mãe em detrimento do pai na vida dos filhos. Estudos atuais, no entanto, demonstram que a criança necessita de um cuida-dor: idealmente, a mãe e o pai juntos, casados ou não; preferencialmente, a mãe ou o pai, na ausência de um deles; e não necessariamente a mãe, caso haja também um pai (Alexandre & Vieira, 2009; Brachet, 2006; Brito, 2007).

A despeito do que comprova o conhecimento científico, porém, ainda nos dias de hoje persiste, no seio do conhecimento consensual, oriundo do senso comum (o qual mescla ideias preconcebidas, aspectos culturais e teorias científicas), a ideia de que a mãe é naturalmente mais preparada que o pai para cuidar dos filhos. Tanto a mulher quanto o homem, no entanto, nascem com as mesmas potencialidades que são, por meio da transmissão cultural, desenvolvidas e transformadas em capaci-dades. Assim, a mulher não nasce apta para cuidar dos filhos, torna-se apta. O homem pode – e deve – passar pelo mesmo processo cultural para se tor-nar igualmente apto para cuidar dos filhos. Ambos, mulher e homem, portanto, são potencialmente capazes de ser bons cuidadores da prole.

Método

A pesquisa teve como objetivo principal analisar as representações sociais da guarda dos filhos após a ruptura conjugal. Participaram 15 mulheres e 15 homens, escolhidos aleatoriamente, todos com

grau superior de escolaridade e filhos menores de idade. O número foi determinado pelo critério de saturação (Sá, 1998). O anonimato foi respeitado, embora não tenham sido feitas perguntas de cunho pessoal, mas apenas sobre questões hipotéticas.

A pesquisa teve como instrumentos entrevista e questionário. A análise do corpus foi feita por meio da análise de conteúdo (Bardin, 2004). Assim, o discurso dos participantes foi dissecado em várias partes, encontrando-se os elementos representati-vos de cada resposta.

Resultados e Discussão

A seguir, os principais resultados da pesquisa.Para 40% dos participantes, quando ocorre a

separação do casal, há conflito de interesses entre a felicidade dos pais e a felicidade dos filhos. Além disso, 80% dos participantes afirmaram que a reação dos filhos sobre a separação influencia na decisão do casal, podendo não só adiá-la, como também impedi-la. A representação do filho como amálgama do casal é bastante forte nas falas de alguns dos participantes, que não diferenciam conjugalidade de parentalidade.

Para 60% dos participantes, quando ocorre a separação do casal, os filhos devem ficar com a mãe. A baixa frequência das outras possibilidades de guarda indica resistência à tese, propalada por estudos científicos atuais, de que tanto o pai quanto a mãe, juntos ou separados, podem – e devem – realizar os cuidados com a prole. Foi possível con-firmar nas falas dos participantes que é atribuída à mãe a ideia mítica de amor incondicional e arrimo emocional da família.

Não obstante à supervalorização da figura ma-terna, para 53,33% dos participantes, o convívio dos filhos com ambos os genitores é uma das preocupa-ções presentes na fase pós-separação. Para 56,66% dos participantes, em caso de guarda unilateral, a visitação deve ser livre. O ideal apresentado pelos entrevistados coincide com os posicionamentos teóricos que demonstram que quanto mais livre for o acesso dos filhos ao não-guardião, melhor será a qualidade da relação parental. De acordo com 93,33% dos participantes, a opinião e o bem-estar dos filhos influenciam na decisão sobre a questão

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da guarda e da visitação. A maioria dos participan-tes apresenta o entendimento de que, no complexo processo de mudanças acarretado pelo rompimento da relação conjugal, os filhos são a parte mais frágil.

Quanto à guarda unilateral, 76,66% dos parti-cipantes a vincularam à guarda materna. Temos, assim, que a representação social da guarda está ancorada na ideia de que a mãe é dos genitores o mais preparado para ficar com os filhos após a rup-tura conjugal. A objetivação dessa representação, portanto, resta clara na figura da mãe.

Para 63,33% dos participantes, a guarda é com-partilhada quando há o mesmo convívio de ambos os genitores com os filhos. Para 83,33% dos partici-pantes, esta é a maior vantagem dessa modalidade de guarda. Para 43,33% dos participantes, porém, o compartilhamento da guarda pode provocar con-fusão na criação dos filhos e falta de referência de lar. No entanto, ao contrário da ideia disseminada pelo senso comum de que transitar por duas casas é prejudicial, estudos comprovam que, para os filhos, a referência mais importante não é geográfica, e sim, familiar. Temos, assim, que a ideia central que se faz dessa modalidade de guarda é a de igualdade de convívio entre genitores e filhos; e de divisão de responsabilidades sobre os filhos entre os genito-res. Destacam-se como elementos subsidiários da representação acordo e/ou amizade entre os geni-tores; além da diversidade de ambientes, que invoca tanto a noção de aprendizado para os filhos quanto a possibilidade de haver confusão na educação.

Considerações finais

As representações sociais da maternidade estão ancoradas nos conceitos da mulher como esposa e mãe, que sacrifica sua vida profissional e pessoal em favor do marido, dos filhos e da família. Enquanto que as representações sociais da paternidade estão ancoradas nos conceitos de homem forte e domina-dor, provedor da família. À mulher cabem as fun-ções e responsabilidades inerentes à vida doméstica, entre as quais os cuidados dos filhos. Ao homem, cabem as funções e responsabilidades inerentes à vida profissional, entre as quais trabalho, sucesso e obtenção de recursos financeiros para manter a família. É de se concluir que as representações so-

ciais dos papeis feminino e masculino, ainda sob a ancoragem tradicional, dicotomizada, influenciam em muito as representações sociais da maternidade e da paternidade; e ainda refletem sobremaneira nas representações da conjugalidade, da parentalidade e, consequentemente, nas representações sociais da guarda dos filhos.

A partir desta constatação, verificamos que a maneira como mães e pais representam os tipos de guarda passa necessariamente pela maneira como representam seus papeis como mulher e homem, mãe e pai. As representações sociais da materni-dade e da paternidade, arraigadas no imaginário popular, notadamente quanto à maior importân-cia que se dá àquela em detrimento desta, são um obstáculo a ser ultrapassado para a aceitação da guarda compartilhada. É preciso, portanto, haver a modificação dessas representações sociais para que haja uma melhor aceitação da guarda compartilha-da. O fato de ter havido evolução legislativa, com a inclusão da guarda compartilhada no ordena-mento jurídico brasileiro, não significa que houve evolução cultural. Neste caso, há um descompasso entre legislação e prática cultural, estando aquela à frente desta.

Considerando que a participação de ambos os pais é essencial para o bom desenvolvimento dos filhos, o compartilhamento apresenta-se como o formato de guarda que permite a plena vivência da parentalidade por ambos os genitores. No exercício da guarda compartilhada preserva-se a relação de coparentalidade, independentemente da relação existente entre os genitores. A mudança de ende-reço e de configuração familiar não implica, assim, distanciamento do não-guardião e seus filhos.

Embora não se possa tomar o compartilhamen-to da guarda como panaceia para todas as dificulda-des advindas da ruptura conjugal, esta modalidade de guarda apresenta-se como alternativa que atende aos interesses dos filhos, notadamente no que diz respeito à convivência com ambos os genitores. Nesse sentido, concluímos que a mudança de mentalidade deve partir dos operadores do Direito, notadamente advogados, promotores e juízes que atuam nas varas de família. Cientes da resistência à guarda compartilhada, mas igualmente conhe-cedores do texto legal e das razões que motivaram

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a criação do instituto, aqueles que lidam com a questão da guarda devem orientar as partes para a importância da presença de ambos os genitores na vida dos filhos. O Judiciário pode – e deve ser – lo-cal onde a discussão científica é colocada em pauta e onde o conhecimento reificado deve superar o co-nhecimento do senso comum. Devemos, assim, nos despir de representações arcaicas e ultrapassadas.

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CONCEPÇÃO E REPRESENTAÇÃO DA INTELIGÊNCIA – POR QUE É IMPORTANTE A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA QUESTÃO DA INTELIGÊNCIA HUMANA?

Marsyl Bulkool Mettrau1

Mariângela Miranda F. Macedo2

cognitivos mais complexos que ocorreriam na produção coletiva” (Mugny & Doise, 1983, p. 27). Assim se expressou Wundt: “A psicologia social, propriamente dita, recorre ao método da observação pura, sendo objeto dessas observações os produtos mentais. A natureza dos vínculos que estes produtos mentais mantêm com as comunidades sociais e que deram à psicologia social o seu nome, têm a sua origem no fato de que os produtos mentais de um só indivíduo são de natureza muito variável para estarem sujeitos às observações objetivas. Estes fenômenos só alcançam um grau suficiente de consistência quando se tornam coletivos”.

Parece ser importante verificar o conhecimento que os professores precisam ter sobre este tema para, juntamente com a representação que eles têm da inteligência, formar um conjunto harmônico e compreensível. Isto porque é sobre a inteligência dos seus alunos que mais incidem os seus julga-mentos, as suas avaliações e os seus posicionamen-tos, todos eles com impacto na prática pedagógica.

Partindo-se desta perspectiva e das descrições encontradas na literatura, as concepções e as representações são essencialmente dinâmicas e produtos do aqui e agora. Embora armazenadas ao longo de um determinado período de tempo, são construções que têm uma finalidade de orientação. No fundo, elas integram conhecimentos sociais que situam o indivíduo no mundo em que vive e com o qual convive, marcando as respectivas cognições, atitudes e práticas.

O termo representação social designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que os engloba, bem como a teoria construída para os explicar (Sá, 1993, p. 19). Disto resulta um vasto campo de estudos psicológicos onde a preocupação

Introdução

O propósito deste artigo é chamar a atenção para o tema inteligência humana e fazer um deslo-camento de algo que parece ser individual para algo que é social, isto é, sai da individualidade e passa à coletividade.

Conseguimos perceber a inteligência de alguém quando esta pessoa está em ação. Nesta condição, a inteligência deixa de ser vista apenas como uma entidade abstrata e isolada para ser vista, apreciada e entendida em sua forma dinâmica, isto é, em ação junto ao outro ou aos outros que compõem o meio social. Esta inteligência se consubstancia para os demais, através dos chamados comportamentos inteligentes (Sternberg, 1994). Há, portanto, vários tipos decomportamentos inteligentes e não vários tipos de inteligências. Além desta reflexão, é im-portante caminharmos para outra questão: como se forma, no grupo social e em cada pessoa, este conceito? Em outras palavras, qual seria a repre-sentação social da inteligência?

Concordamos com Almeida, Sternberg, Gard-ner e inúmeros outros autores que a inteligência não é somente uma propriedade individual, mas um processo relacional entre o indivíduo e os seus companheiros que constroem e organizam juntos as suas ações sobre o meio ambiente (Mettrau, 1995, p. 85). É previsível, portanto, que variações culturais existirão no tratamento e na discussão desta temática, pois há relação entre inteligência e aprendizagem, tanto cultural e social quanto acadê-mica, posto que o “aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam” (Vygotsky, 1989).

A concepção social da inteligência chega-nos desde Wundt, o criador do método experimental na Psicologia. Para ele, este método destinava-se à “psicologia social e aos estudiosos dos fenômenos

1 Universidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO. E-Mail: [email protected]

2 Universidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO. E-Mail: mariangela [email protected]

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dos autores passa dos processos psicológicos indivi-duais para as relações informais e quotidianas, num nível mais propriamente social do que individual.

A gênese das representações tem lugar nas mesmas circunstâncias e ao mesmo tempo em que elas se manifestam, ou seja, através da arte de conversação, que abrange extensa e significativa parte da nossa existência. Vê-se, assim, nos termos de Moscovici (1984), uma sociedade pensante em que os indivíduos não são apenas processadores de informação ou tão somente portadores de ide-ologias ou crenças coletivas, mas pensadores ativos que produzem e comunicam, de forma constante, as suas representações acerca do mundo.

Através da Teoria da Representação Social tentar-se-á explicar a ideia sobre aquilo que as pessoas pensam acerca do que é a inteligência e não necessariamente sobre o que ela é. A partir da análise de trabalhos voltados para os estudos sobre a construção social da inteligência, alguns pesquisa-dores acham possíveis certas operações cognitivas serem ativadas por um mesmo princípio, que serve à solução de diferentes problemas. Estudos empí-ricos de Damon (1983) verificam a existência de correlações entre os dois domínios, ou seja, o cog-nitivo e o social (Mugny & Doise, 1983, p. 17). É de Glick (1983) a afirmação de que o cognoscitivo não é independente da cultura; não se pode concebê-lo como independente das circunstâncias particulares e das intenções de cada sujeito.

A atitude toma um lugar de destaque na orien-tação global das respostas dadas ao nosso objeto em questão: a inteligência. Julgamos, pois, necessário debruçarmo-nos um pouco mais sobre este tópico, uma vez que todos nós, durante a nossa vida, esta-mos embebidos e envolvidos em atitudes.

Ainda que antiga, a definição apresentada por Allport (1935) é de que a atitude consiste em “um estado mental e neural de disposição, organizado através da experiência, que exerce uma influência diretiva ou dinâmica sobre a conduta do indivíduo diante de todos os objetos e situações com os quais se relacionam”. Esta definição abrange os seguintes aspectos (todos eles relevantes para o nosso campo de estudo): o caráter de tendência ou disposição; a relação existente entre atitude e experiências – incluindo aí o seu caráter de

aprendida mediante a experiência; a ligação das atitudes ao conhecimento e a sua influência nos comportamentos dos indivíduos.

A atitude apresenta alguns componentes im-portantes descritivos do comportamento humano na sua globalidade: o componente cognitivo (é o informativo das atitudes); o componente afetivo (refere-se aos sentimentos e emoções que o objeto da atitude desperta em nós); e o componente con-dutual (indicador do comportamento de indivíduo em relação à atitude). Entendemos que a represen-tação social da inteligência, junto dos professores, afeta a sua prática pedagógica no conjunto dessas três dimensões (cognitiva, afetiva e de ação).

Farr (1994) defende que somente vale a pena estudar a representação social se ela estiver relati-vamente espalhada dentro da cultura analisada, a fim de poder verificar o quanto a teoria difere nitidamente da sua representação social, tal como aconteceu com o estudo realizado por Moscovici em 1961 sobre a Psicanálise na França. São as mediações sociais e todos os demais processos de comunicação (trabalhos, ritos, mitos e símbolos, entre outros) que constroem as representações sociais. É exatamente essa capacidade de dar uma nova forma através da atividade psíquica, que constitui uma representa-ção. Assim, o sujeito constrói, na sua relação com o mundo, um novo mundo de significados.

Uma das grandes dificuldades nos estudos de inteligência está no seguinte fato: o que se vê e o que se mede na inteligência é só, e exclusivamente, o que o indivíduo quer mostrar e expressar. Esta demonstração e/ou expressão ocorre sempre numa situação social, isto é, alguém vive num grupo social e demonstra neste grupo ser inteligente ou ter inteligência, segundo as regras e valores deste determinado grupo, o que torna extremamente difícil atingir uma conceitualização única.

Inteligência humana

Os atuais estudos sobre a inteligência humana apontam para as diferenciadas formas e maneiras que temos de demonstrar e utilizar nossa inte-ligência, pois o homem pertence a uma espécie e tem uma programação biológica que vem se modificando ao longo do tempo, ao longo de mi-

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lhares de anos. É possível que, quando as pessoas estejam bloqueadas com algum tipo de problema ou enfrentando situações difíceis, podem deixar de demonstrar e de fazer o uso pleno de sua capaci-dade inteligente, tanto no que se refere à cognição como à criação e ao afeto.

Nossa proposta teórica é que as três diferentes expressões descritas têm seu início e sua realização no contexto do grupo social e isto quer dizer que o homem não existe, não se realiza e não se desen-volve fora do grupo social.

O funcionamento da inteligência humana, se-gundo Mettrau (2004, 2009), apresenta movimento circular e contínuo indicando que nossa inteligên-cia não tem hierarquia em suas expressões – cria-tiva, afetiva e cognitiva – e não existem campos de maior ou menor expressão entre elas, pois estas dimensões apresentam-se ininterruptamente em todas as fases de nossas vidas.

“O criar, o conhecer e o sentir são as diferentes expressões da inteligência humana, pois é possível ao homem expressar sua inteligência de variadas maneiras e formas, porque ele é capaz de criar (criação), perceber e conhecer o que cria (cognição) e sentir emoções sobre” (Mettrau, 2004). O fun-cionamento da inteligência humana é um processo dinâmico, sem local de início nem fim, que englo-baria três expressões distintas, mas indissociáveis e sem hierarquia entre elas: a criação, a afetividade e a emoção. Estas diferentes expressões se iniciam, se realizam e se desenvolvem no contexto do grupo so-cial, isto é, o homem não existe, não se realiza e nem se desenvolve fora do grupo social (Mettrau, 2009).

O senso popular atribui inteligência às pessoas, com base numa ampla gama de sinais ou critérios externos (manifestações) que vão desde as habili-dades até esperteza. Daqui não se afastam muitos investigadores quando inferem as suas teorias e os seus instrumentos de medida a partir, novamente, das manifestações externas da inteligência.

Interessava-nos neste estudo verificar como alguns professores concebem a inteligência e em que medida estas suas concepções se aproximam ou se afastam das definições desenvolvidas pela Psicologia ao longo deste século. Além disto, interessava-nos, comparar as concepções dos professores dos países envolvidos, Brasil e Portugal, utilizando os resultados de estudos similares (Sternberg, 1981; Poeschel, 1992; Fry, 1984).

Estratégias metodológicas

A amostra de professores foi recolhida, de for-ma equitativa, em Portugal (Distrito de Braga e Porto) e no Brasil (Estado do Rio de Janeiro). Os professores lecionavam na rede pública, cobrindo a escolaridade básica (9 e 8 anos de escolaridade, respectivamente, em Portugal e no Brasil). Respon-deram ao inquérito cerca de 300 professores, repar-tidos pelos dois países. Destes inquéritos, apenas foram considerados 275 em virtude dos restantes conterem lacunas significativas de informação. A anulação de inquéritos foi maior no grupo de professores brasileiros. Na Tabela 1, descreve-se a amostra tomando a percentagem, a média (M) e o desvio-padrão (DP) dos resultados.

Tabela 1 – Descrição da amostra dos Professores

País Sexo Idade Anos de Prática

Nível de Ensino Gosto Meio Escolar

M F M DP M DP 1 2 SR S N SR U RBrasil 16.9 83.1 16.4 8.60 13.8 7.61 30.8 49.2 20.0 90.8 4.2 5.0 79.2 20.0Portugal 23.2 76.8 37.3 8.35 15.1 7.94 53.5 41.9 4.5 82.6 1.3 16.1 53.2 46.8Geral 20.4 78.9 36.9 8.46 14.5 7.80 43.6 45.1 11.3 86.5 2.9 10.9 64.4 35.7Nota: SR – ausência de respostas ou indecisão do professor

A amostra foi formada por 275 professores (80% do sexo feminino), sendo 43.6% do Brasil e 56.4% de Portugal. Em relação à idade, a média da amostra global situou-se em 36.9 (intervalo: 20-63

anos), sendo os valores muito próximos nos dois países. Foi verificada também proximidade no que se refere aos anos de prática de ensino.

Conseguiu-se também certo equilíbrio no

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número de professores em relação aos dois níveis de ensino considerados: nível 1 – da 1ª a 4ª série ou ano, e nível 2 – da 5ª a 8ª série (Brasil) e do 5º ao 9º ano (Portugal). Este equilíbrio foi mais garantido na amostra de professores portugueses (foi no nível 1 que mais inquéritos não foram considerados por falta de elementos). Esta mesma diferença, pelas mesmas razões anteriormente mencionadas, encontra-se na repartição da amostra pelo meio urbano e rural e a grande maioria dos professores informa gostar da sua profissão (91% no Brasil e 83% em Portugal). Esta alta percentagem poderá suscitar algumas reservas. No entanto, sabemos que o descontentamento, algumas vezes, verbalizados pelos professores, se centra mais nas condições de trabalho e estatuto profissional do que no gosto pela sua profissão.

Finalmente, informamos que, neste estudo, foi feita uma abordagem dos professores em três momentos, a seguir apresentados. Num primeiro deles, cerca de três dezenas de professores foram entrevistados (entrevista semiestruturada) em relação à forma como definiam inteligência, decor-rendo daí uma primeira identificação dos termos e categorias mais empregadas. A partir daí, foi elaborado um inquérito que foi administrado, num segundo momento, a três centenas de professores (os resultados deste inquérito são objeto desta co-municação). No terceiro momento e, de novo com três dezenas de professores, procedeu-se à devolu-ção dos resultados no inquérito e auscultaram-se as suas explicações para as respostas observadas. Nesta comunicação limitamo-nos a considerar as respostas dos professores às duas primeiras questões do inquérito aplicado (cf. Mettrau, 1995), ou seja: 1ª Questão: o que é a inteligência e 2ª Questão: três características do aluno inteligente.

Resultados e Discussão

Através da análise das primeiras entrevistas e das respostas ao inquérito, a par da consulta da literatura no assunto (Sternberg, 1981; Guilford, 1976; Gardner, 1994), foram definidas dezenove categorias para organizar as respostas dos profes-sores. Na Tabela 2 apresentamos a percentagem de respostas para cada uma das categorias formadas

(as respostas dos professores foram cotadas, por norma, em mais do que uma categoria em função dos elementos informativos que continham) para a questão: o que é para si a inteligência?

Tabela 2 – Frequência das categorias descritivas da definição de inteligência

Categorias Brasil Portugal GeralAdaptação 13.3 20.0 17.1Aptidão Verbal 0.8 - 0.4Aptidão/QI 12.5 11.6 12.0Aptidão Artística 0.8 - 0.4Compreensão 25.0 24.5 24.7Criatividade 6.7 8.4 7.6Pensamento Crítico 3.3 3.9 3.6Aptidão Escolar 2.5 8.4 5.8Inteligência Prática 3.3 1.9 2.5Investigativo 2.5 4.5 3.6Memória 1.7 1.9 1.8Metacognição 3.3 - 1.5Motivação 0.8 0.6 0.7Processo Básico 7.5 10.3 9.1Raciocínio 20.8 12.3 16.0Resolução Problemas 35.0 28.4 31.3Aptidão Social 8.3 11.0 9.8Velocidade 9.2 1.9 5.1Outros 6.7 4.5 5.5

É importante salientar que a concepção de inte-ligência dos professores nos dois países acompanha o desenvolvimento atual da Psicologia. Definições clássicas de inteligência (como aptidão ou QI) não são muito frequentes nas respostas. A leitura cog-nitiva da inteligência reiterou alguma legitimidade científica a tais conceitos (Almeida, 1994). Aliás, conceitos de inteligência como compreensão e resolução de problemas, próximos das abordagens cognitivas da inteligência, foram os mais mencio-nados pelos professores. Em outras palavras, pensa-mos que as respostas dos professores estão mais de acordo com um conceito dinâmico de inteligência, vista como uma capacidade global de realização, inserida numa dada cultura e contexto social de aquisições, do que como uma aptidão genérica da mente humana (Detry & Duarte, 1993; Frederiksen, 1986; Valsiner, 1984).

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 254

Em relação ao aluno inteligente, os professores responderam a esta questão nomeando três carac-terísticas. As respostas obtidas foram classificadas em 25 categorias. O número elevado de categorias consideradas pretendia respeitar o discurso dos professores e, ao mesmo tempo, assegurar alguma proximidade com as respostas à 1ª Questão. Na Ta-bela 3, estão indicadas as percentagens de respostas nas categorias identificadas. Informamos que nem todos os professores apontaram três categorias e que um mesmo atributo pode ter sido considerado em mais de uma categoria. As categorias formadas aparecem identificadas pelo termo que, em nossa opinião, ajuda a descrevê-las mais adequadamente.

Numa primeira apreciação dos dados, podemos constatar uma grande diversidade de opiniões entre os professores. Observa-se respostas mais peculiares nesta 2ª Questão, parecendo sugerir que nos dados da 1ª Questão os professores recorreram mais a um discurso socializado no seio do seu gru-po. Também na 2ª Questão, os aspectos cognitivos são os mais valorizados. Os aspectos mais ligados à personalidade (autocontrole, motivação, integração pessoal, liderança) ou às destrezas físicas e artísticas foram pouco referidos.

Interessante assinalar que a tomada dos aspec-tos cognitivos para descrever o aluno inteligente é feita através de comportamentos mais concretos (análise, síntese, julgamento, entre outros) do que o verificado na definição de inteligência. Todos estes comentários remetem-nos para a percepção, mais tarde confirmada, de que os professores recorrem mais à sua prática na resposta à 2ª Questão.

Quadro 03 – Frequência das categorias descritivas do aluno inteligenteCategorias Brasil Portugal GeralDiversas Atividades 6.7 12.3 9.8Capacidade de Análise 13.3 11.6 12.4Aptidão Artística 1.7 - 0.7Aptidão Física - - -Aptidão/QI 0.8 5.8 3.6Capacidade de Atenção 13.3 10.3 11.6

Capacidade Acadêmica 6.7 6.5 6.5

Capacidade de Auto-Controle 0.0 1.3 0.7

Categorias Brasil Portugal GeralCapacidade de Julgamento 15.6 22.5 10.3

Compreensão 30.0 33.5 32.0Criatividade 35.8 32.9 34.2Facilidade de Aplicações 13.3 26.5 20.7

Inteligência Prática 17.5 17.4 17.5Inteligência Social 13.3 14.8 14.2Integração Pessoal 0.8 2.6 1.8Interdisciplinar 5.0 6.5 5.8Liderança 1.7 0.6 1.1Memória 1.7 7.1 4.7Metacognição - 0.6 0.4Motivação 5.8 9.7 8.0Raciocínio 25.0 20.0 22.2Resolução de Problemas 20.0 31.0 26.2

Capacidade de Síntese 8.3 4.5 6.2Velocidade 20.8 7.7 13.5Outros 9.8 11.7 8.4

As categorias mais frequentes nas respostas à 2ª Questão foram a criatividade do aluno (criador, inovador, curioso) e a sua capacidade de compre-ensão e de resolução de problemas. Interessante destacar o número relativamente elevado de pro-fessores que tomam o aluno inteligente como cria-tivo, sobretudo porque na definição de inteligência tal percentagem era menor e porque conhecemos a dissociação, frequente na escola, entre inteligência e criatividade (Guilford, 1967).

Se analisarmos, em simultâneo, as respostas às Questões 1ª e 2ª, podemos assinalar algumas similaridades e diferenças. As semelhanças estão no predomínio de respostas apontando os aspectos cognitivos comparativamente a definições introduzindo os aspectos mais ligados à personalidade ou às destrezas artísticas e motoras. As concepções de inteligência como conjunto de múltiplas inteligências ou aptidões (vejam-se as propostas na linha da teoria de Thurstone, Guilford e Gardner, citado em Almeida (1994)) não passaram ainda, ou não são predominantes, nas representações dos professores. Acrescenta-se que, também no seio dos psicólogos, não existe acordo em incluir na definição de inteligência componentes motores, artísticos e sócio-motivacionais. A inteligência permanece definida,

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 55

sobretudo, pelos seus componentes intelectivo-cognitivos (Almeida, 1994).

Interessante assinalar que, mesmo salientando os elementos cognitivos, as respostas dos pro-fessores mostram-se de acordo com uma leitura mais atual de tais dimensões. Leituras que, a partir dos anos de 1960, se tornaram predominantes na Psicologia encontram-se nos discursos dos profes-sores. A inteligência, mais que definida por aptidão mental ou Q.I., aparece descrita em termos de pro-cessos cognitivos de compreensão, de análise e de resolução de problemas.

Conclusões

Compreender o significado das representações sociais dos professores em relação à inteligência é bastante relevante, pois o uso que as diferentes pes-soas farão das suas inteligências está diretamente ligado, em princípio, às representações dos profes-sores, transmitidas aos alunos em idades em que eles ainda não possuem formas de contradizer ou se contrapor. Se estes professores têm representações sociais da inteligência diferentes daquelas resultan-tes dos estudos mais atuais no campo da inteligên-cia, uma intervenção deve ser pensada para reduzir, ou mesmo minimizar, a distância porventura exis-tente entre o que é a inteligência para os estudiosos e para os professores. A diferença entre a primeira e a segunda conceitualização afetará, certamente, a expectativa dos professores e da família, bem como a performance e a expectativa dos próprios alunos acerca de seu desempenho, para além dos limites temporais e físicos da escola. Provavelmente, eles sempre se lembrarão de frases usuais ditas por grande parte dos professores, tais como: “fulano tem inteligência”; “tem inteligência, mas usa-a de pior forma do que”; “não tem tanta inteligência, mas usa muito bem a pouca que tem”; “é mais in-teligente do que o irmão”; “é menos inteligente do que a irmã”; “saiu tal qual o pai ou a mãe no que se refere à inteligência”. Enfim, estas afirmações fazem parte do quotidiano, tanto dos alunos quanto dos professores, e estarão presentes na prática pedagó-gica, influenciando, de modo positivo ou negativo, a ação educativa ao nível do aluno, dos professores, da própria escola, da aprendizagem e da avaliação.

Como conclusão podemos dizer que entende-mos inteligência para além dos aspectos cognitivos, incluindo, por exemplo, os emotivos e criativos. Por se tratar a inteligência desta forma global, nos valemos do amparo da Teoria das Representações Sociais, capaz de captar tanto os resultados e as informações dos conceitos veiculados através dos especialistas, como os resultados do senso comum. Uns e outros procuram analisar o desempenho de uma forma global, num misto pessoal e social, permitindo que nós afirmemos que, mais do que de inteligência, eles falam de cognição ou de rea-lização cognitiva.

O discurso dos professores em relação à de-finição de inteligência parece mais uniforme e socializado do que em relação à descrição do aluno inteligente. Às respostas salientam aspectos singu-lares do comportamento e da realização cognitiva dos alunos, inclusive, a sua criatividade, imaginação e espírito criativo.

Em resumo, tomando as definições de aluno inteligente podemos referir que nem sempre os professores recorrem aos atributos que utilizamos para definir inteligência. A discrepância mais sig-nificativa, e isto nos dois grupos de professores, é a maior valorização dada à criatividade para definir o aluno inteligente. Provavelmente, a ini-ciativa, a autonomia, a diversidade de processos e estratégias de aprendizagem e de realização destes alunos marcam as relações aluno-professor, podendo-se aceitar a sua mais fácil retenção e evocação por parte do professor na descrição do aluno inteligente. A taxa reduzida de respostas no sentido das componentes sócio-motivacionais da cognição parece decorrer da distinção habitual, e ainda presente, entre capacidades e dimensões ditas pessoais.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 256

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 57

FORMAÇÃO DOCENTE DOS LICENCIANDOS: HABITUS E REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE MAGISTÉRIO DOS PESQUISADOS

Lia Matos Brito de Albuquerque1, Francisca Luana Laurentino Negreiros Lima,

Francisca Natasha Queiroz Fernandes de Souza

de investigação: análise documental e aplicação de um Teste de Associação Livre de Palavras.

Para apreender a representação social de ma-gistério do grupo pesquisado, utilizou-se um dos métodos de determinação do núcleo central indi-cado por Abric (2001) e Flament (2001), baseado em uma técnica projetiva de associação livre de palavras, que emprega palavras-estímulo ou ex-pressão indutora. Aplicou-se o Teste de Associação Livre de Palavras, usando a expressão indutora Magistério é...

O exame dos sentidos atribuídos à palavra ma-gistério não foi arbitrária, pois decorreu do contex-to do trabalho de campo. Dessa forma, confirma-se a hipótese de Domingos Sobrinho (2002), segundo a qual o caminho investigativo proposto justifica-se, ainda mais, quando os objetos representacionais (que serão investigados) impõem-se ao pesquisador durante o trabalho de campo. A identificação do núcleo central das representações sociais ocorreu de acordo com Abric (2001, p.163):

O núcleo central – ou núcleo estruturante – de uma representação assegura duas funções essenciais:• uma função geradora: é o elemento pelo

qual se cria ou se transforma a significa-ção dos outros elementos constitutivos da representação. É aquilo por meio do qual esses elementos ganham um sentido, uma valência;

• uma função organizadora: é o núcleo central que determina a natureza dos vínculos que unem entre si os elementos da representa-ção. É, neste sentido, o elemento unificador e estabilizador da representação.

1 Professora Orientadora. Este trabalho é o resultado de uma pesquisa realizada com alunos da graduação do Curso de Pedagogia da UECE que são bolsistas de IC/FUNCAP, IC/UECE e CNPQ.

Introdução

Este texto é resultante de uma pesquisa desen-volvida durante quatro semestres letivos, junto aos 237 alunos das licenciaturas da UECE, nos dois campi situados em Fortaleza. O interesse tema surgiu a partir doregistro de elevados índi-ces de retenção/evasão, nos últimos cinco anos, nas licenciaturas. Estabeleceu-se como hipótese que os alunos das licenciaturas não se apercebem como participantes de um curso de formação docente, pois, com veemência, declaramque, no futuro, serão biólogos, físicos, químicos, filósofos, sociólogos ou pedagogos. Em consonância com a natureza do objeto de estudo, escolheu-se, como fundamentação básica, a teoria das representações sociais de Moscovici (1978). O convívio e as in-terações sociais proporcionam um ambiente rico em aprendizagens e constituem fatores relevantes na formação do indivíduo como ser social. Nesse contexto, a frequente troca de informações possi-bilita a socialização de conhecimentos, opiniões e concepções que são internalizadas pelo ator social. Tal internalização direciona as ações individuais e coletivas. A representação social é um princípio que explica os processos de interação entre o homem e sua capacidade de dar significado e ressignificado aos conceitos conhecidos ou não por ele. Na repre-sentação social, essa ação dá sentido aos elementos constituintes dos processos cognitivos, que são utilizados como ferramentas para a conexão e a interpretação entre as experiências dos indivíduos e o mundo exterior.

O que as pessoas pensam a respeito dos vários aspectos da vida e do mundo é resultado de uma construção que recebe muita influência da família, da escola, dos meios de comunicação e das pessoas mais próximas.

Nas atividades de pesquisas, que têm caráter ex-ploratório, a equipe usou os seguintes instrumentos

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 258

No Brasil, os estudos e pesquisas desenvolvidos com base na Teoria das representações sociais, en-focam, em geral, as propostas de Abric (2001) refe-rentes ao núcleo central, havendo uma prevalência do uso do Teste de Associação Livre de palavras. Dentre esses trabalhos destacam-se os realizados por Tura (1998), Dantas (2002), Cruz (2003), Ma-chado (2003), Brito (2004) e Melo (2005). Confir-mando essa tendência, Tura (1998, p.125) afirma: “Os testes de associação ou evocação de palavras têm-se mostrado úteis nos estudos de estereótipos, percepções e atitudes, que são elementos impor-tantes na organização das representações sociais”.

O uso dessa técnica projetiva é adequado à apre-ensão do significado de magistério, pois de acordo com os estudiosos da Teoria do Núcleo Central, a associação livre de palavras, a partir de um estímulo externo, permite evitar as produções discursivas de caráter retórico e mais racionalizadas. Aplicou-se o TALP, de forma coletiva, pois os alunos estavam reunidos em sala de aula nos turnos manhã, tarde e noite, durante três dias letivos.

Os pesquisadores analisaram os resultados do teste através de um programa de computador de-nominado EVOC 2002, desenvolvido pelo suíço Pierre Vergès. (Vergès, 2002). Esse programa está subdividido em dez segmentos que organizam as evocações de acordo com a ordem de aparecimento, calcula as médias simples e ponderadas, indicando as palavras que compõem o núcleo central e os ele-mentos periféricos das representações. No âmbito deste trabalho, aplicou-se apenas uma parte do programa, usando os seguintes passos:

• LEXIQUE – preparação e depuração do corpus de análise;

• TRIEVOC – correção das palavras e limpeza das palavras inúteis;

• LISTVOC – lista de todas as palavras;• RANGMOT – frequência e distribuição

das classificações para cada palavra, o que permite elaborar o RANGFRQ;

• TABRGFR – identificação das palavras que compõem o núcleo central e elementos pe-riféricos das representações sociais.

A segunda parte do teste é constituída pela explicitação do sentido que foi atribuído à palavra

considerada mais importante por cada aluno. A análise do conteúdo de tais sentidos seguiu os procedimentos utilizados no âmbito da análise categorial de conteúdo:

O levantamento de todas as palavras consi-deradas mais importantes e suas respectivas jus-tificativas. Exemplificando: o aluno afirmou que Magistério é... ensinar, cooperar, aluno, aprender, professor e permutar conhecimento. Em seguida, assinalou cooperar como a palavra mais importante e justificou sua escolha da seguinte forma: “coope-rar é relação entre professor e aluno na aprendi-zagem, no respeito, na flexibilidade, na escuta, na compreensão e na interação.”

Em um segundo momento, as palavras mais importantes foram agrupadas em várias categorias, de acordo com os significados atribuídos2.

Na etapa posterior, fez-se uma aproximação dessas categorias com os possíveis elementos do núcleo central já indicado pelo EVOC.

A representação social de magistério dos alunos de Pedagogia

Convém fazer algumas explicações complemen-tares sobre a análise desenvolvida com o auxílio do EVOC, a fim de esclarecer. A Tabela 1 apresenta a distribuição das frequências simples e acumuladas das palavras evocadas e está na origem da constru-ção dos quadrantes citados logo a seguir. Essa dis-tribuição, segundo Vergès (2002) segue uma regra logarítmica (a Lei de ZIPF)3 que permite identificar três zonas de frequência.

Os resultados relativos aos questionários que continham a expressão indutora Magistério é..., aplicados aos alunos da Pedagogia estão na tabela abaixo, que foi gerada pelo EVOC 2002.

Nombre total de mots differents: 168Nombre total de mots cites: 479moyenne generale: 3.00

2 Em atendimento às determinações do manual do EVOC (Vergès, 2002), a equipe elaborou as categorias, após a identificação do núcleo central e dos elementos periféricos das representações sociais de magistério do grupo pesquisado.

3 George K. Zipf, filósofo (1902-1950) criou três leis que receberam seu nome. A lei de ZIPF é chamada lei quantitativa fundamental da atividade humana. A primeira lei corresponde à frequência das palavras que aparecem em um texto (número de ocorrência de palavras). É regida pela expressão matemática K=RxF onde K= constante; R= ordem das palavras e F= frequência de palavras.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 59

Tabela 1

DISTRIBUTION DES FREQUENCESfreq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse1 * 92 92 19.2 % 479 100.0 %2 * 30 152 31.7 % 387 80.8 %3 * 11 185 38.6 % 327 68.3 %4 * 11 229 47.8 % 294 61.4 %5 * 7 264 55.1 % 250 52.2 %6 * 3 282 58.9 % 215 44.9 %7 * 1 289 60.3 % 197 41.1 %8 * 1 297 62.0 % 190 39.7 %9 * 1 306 63.9 % 182 38.0 %11 * 2 328 68.5 % 173 36.1 %12 * 2 352 73.5 % 151 31.5 %13 * 1 365 76.2 % 127 26.5 %15 * 2 395 82.5 % 114 23.8 %17 * 1 412 86.0 % 84 17.5 %18 * 1 430 89.8 % 67 14.0 %20 * 1 450 93.9 % 49 10.2 %29 * 1 479 100.0 % 29 6.1 %

O segmento RANGMOT classifica as pala-vras em agrupamentos léxicos, de acordo com a ocorrência de evocações com base no cálculo das frequências simples e acumuladas.

A expressão indutora Magistério é... provocou, nesse grupo, o surgimento de 479 palavras das quais 168 (35%) eram diferentes entre si, houve, portanto, uma acentuada dispersão, o que indica a ausência de representação social.

Nesta pesquisa, a primeira zona tem poucas palavras com alta frequência, (três palavras com

frequência de 29, 20 e 18 respectivamente); na segunda zona, as palavras são um pouco mais numerosas que aquelas da primeira zona, porém apresentam frequências menores do que as palavras da primeira zona e maiores do que as palavras da terceira zona, com variação de frequência entre 17 e 5; na terceira zona, estão muitas palavras cujas frequências são menoresdo que as zonas anteriores com variação de 4 a 1.

Com base nessas zonas, estabeleceram-se a frequência mínima e a frequência intermediária, adotando o seguinte procedimento:

• Marcou-se o final da primeira zona como frequência mínima 18;

• Em seguida, fez-se a soma da quantidade de palavras da primeira zona que estão na segunda coluna da tabela, obtendo como resultado 3;

• Assinalou-se a frequência acumulada cor-respondente à frequência mínima que está na quinta coluna da tabela, ou seja, 67;

• Dividiu-se a frequência acumulada (67) pela soma das palavras da segunda coluna (3), que estão na primeira zona. Assim, chegou-se à frequência intermediária 22.

De posse desses dados, usou-se o segmento TABRGFR que calcula a média, neste caso é 3,0 e, em seguida, os pesquisadores estabeleceram os quadrantes que contêm o núcleo central e elemen-tos periféricos da representação social, conforme Quadro 1:

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 260

Quadro 1 – A estrutura das representações sociais de magistério da Pedagogia: possíveis elementos constituintes do núcleo central e elementos periféricos.

No Quadro 1, estão os quadrantes referentes ao núcleo central e aos elementos periféricos da re-presentação social de magistério. Esses quadrantes foram construídos com base nos resultados expos-tos na Tabela 1 e processados através do segmento TABRGFR, (conforme já citado), apresentando a seguinte configuração:

• No quadrante localizado na parte superior à esquerda, encontra-se a palavra (apren-dizagem) que tem frequência (29), ou seja, maior do que a mínima estabelecida (18). A ordem média de evocação (2,44) é me-nor do que a estabelecida (3,0). Portanto, a palavra aprendizagem constitui o núcleo

central de magistério dos alunos do Curso de Pedagogia;

• O quadrante inferior direito tem apenas uma evocação (professor) com frequência inferior a 18, ou seja, abaixo da frequência intermediária e foi lembrado tardiamente, pois sua ordem média de evocação é de 3,35. A palavra que apresenta tal caracte-rística (menor frequência e lembrada tar-diamente), situa-se em uma zona periférica em relação ao núcleo central;

• Dos outros dois quadrantes, um está vazio e outro contém palavras que ocupam posições intermediárias, tanto em relação ao núcleo central, quanto aos elementos periféricos.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 61

Como afirma Abric (2001, p. 39), o núcleo central traduz: “[…] uma certa quantidade de crenças, coletivamente produzidas e historicamente determinadas não podendo ser questionadas, posto que elas são o fundamento dos modos de vida e garantem a identidade e permanência de um grupo social.”

Além da análise dos dados quantitativos, fez-se análise de conteúdo das justificativas apresentadas pelos alunos como palavras mais importantes. O grupo de pesquisadores notou, na analise semân-tica das justificativas, pensamentos que levaram a cogitar a possibilidade do núcleo da representação social do grupo pesquisado conter dificuldades, baixos salários e sacrifícios. Nas respostas, foi bas-tante visível a necessidade da aceitação do exercício do magistério como um fardo a ser assumido. De acordo com as respostas obtidas, a profissão de educador era vista e afirmada, de forma implícita, como opressora. Surgiu a ideia do dom de ensi-nar, como algo que se presume ser intrínseco e essencial para exercer o magistério. Partindo disso, alguns pesquisados até expressaram, em suas justi-ficativas, que era necessário abdicar de suas vidas pelo magistério. Com a analise das justificativas, categorias e subcategorias surgiram, assim os pes-quisadores puderam classificar o material coletado de acordo com seu sentido.

A representação social de magistério dos alunos das Licenciaturas

A Tabela 2 seguiu o mesmo procedimento adotado na Tabela 1, por conseguinte, apresenta a distribuição das frequências simples e acumuladas das palavras evocadas e está na origem da constru-ção dos quadrantes citados logo a seguir. Segundo Vergès (2002), essa distribuição de frequência segue a Lei de ZIPF citada anteriormente.

Os resultados relativos aos questionários que continham a expressão indutora Magistério é..., aplicados aos alunos das Licenciaturas estão na tabela abaixo, que é gerada pelo EVOC 2002.

Nombre total de mots differents: 203Nombre total de mots cites: 555moyenne generale: 3.00

Tabela 2

DISTRIBUTION DES FREQUENCESfreq. * nb. mots * Cumul evocations et cumul inverse

1 * 121 121 21.8 % 555 100.0 %

2 * 35 191 34.4 % 434 78.2 %

3 * 9 218 39.3 % 364 65.6 %

4 * 10 258 46.5 % 337 60.7 %

5 * 7 293 52.8 % 297 53.5 %

6 * 4 317 57.1 % 262 47.2 %

7 * 4 345 62.2 % 238 42.9 %

8 * 2 361 65.0 % 210 37.8 %

9 * 1 370 66.7 % 194 35.0 %

12 * 3 406 73.2 % 185 33.3 %

15 * 1 421 75.9 % 149 26.8 %

18 * 1 439 79.1 % 134 24.1 %

19 * 1 458 82.5 % 116 20.9 %

20 * 1 478 86.1 % 97 17.5 %

22 * 1 500 90.1 % 77 13.9 %

27 * 1 527 95.0 % 55 9.9 %

28 * 1 555 100.0 % 28 5.0 %

A expressão indutora Magistério é... provocou, nesse grupo, o surgimento de 555 palavras das quais 203 (37%) eram diferentes entre si, houve, portanto, uma acentuada dispersão, o que indica a ausência de representação social, como aconteceu no grupo anterior.

Estabeleceu-se a frequência mínima e a frequên-cia intermediária, assim como no primeiro grupo apresentado.

De posse desses dados, usou-se o segmento TABRGFR que calcula a média, neste caso é 3,0 e, em seguida, estabelece os quadrantes que contêm o núcleo central e elementos periféricos da repre-sentação social, conforme Quadro 2:

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 262

Quadro 2 – A estrutura das representações sociais de magistério dos alunos das licenciaturas: possíveis elementos constituintes do núcleo central e elementos periféricos.

No Quadro 2, estão os quadrantes referentes ao núcleo central e aos elementos periféricos da re-presentação social de magistério. Esses quadrantes foram construídos com base nos resultados expos-tos na Tabela 2 e processados através do segmento TABRGFR, apresentando a seguinte configuração:

No quadrante localizado na parte superior à esquerda, encontram-se as palavras: aprendizagem (f 28 e OME 2,07); conhecimento (f 22 e OME 2,95); dedicação (f 20 e OME 2,90); educação (f 27 e OME 2,07); professor (f 19 e OME 2,05). Todas as palavras têm frequências maiores que a mínima estabelecida (18,5) e ordens médias de evocação menores que a estabelecida (3,0). Portanto, as pa-lavras acima estão no núcleo central de magistério dos alunos das licenciaturas;

• O quadrante inferior direito tem apenas uma evocação (formação) com frequência inferior a 18,5, ou seja, abaixo da frequência intermediária e foi lembrado tardiamente, pois sua ordem média de evocação é de 3,0.

A palavra que apresenta tal característica (menor frequência e lembrada tardiamen-te), situa-se em uma zona periférica em relação ao núcleo central;

Como aconteceu na situação anterior, dos ou-tros dois quadrantes, um está vazio e outro contém palavras que ocupam posições intermediárias, tanto em relação ao núcleo central, quanto aos elementos periféricos.

Na mesma perspectiva da análise dos resul-tados do curso de Pedagogia, fez-se o estudo do conteúdo das justificativas apresentadas como palavras mais importantes, pelos alunos das licen-ciaturas, tais como: aprendizagem, conhecimento, dedicação, educação, professor. Em decorrência das características das justificativas apresentadas pelos alunos das licenciaturas, sua análise foi feita de forma diferenciada. Assim como na analise das justificativas dos alunos da Pedagogia, foi possível encontrar justificativas dos alunos das licenciaturas que levaram aos pesquisadores cogitar que a re-

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presentação social do grupo realmente consistisse em baixos salários, desvalorização, sofrimento e sacrifício. As análises mostraram um pensamento significativo com esse sentido. Após a classificação dos pesquisadores, uma subcategoria denominada Desvalorização da profissão expressou as dificulda-des encontradas na profissão. Relatando o stress, o desprezo e o pouco reconhecimento e enfatizando a paciência que o profissional deve ter para lidar com tais dificuldades. Alguns ressaltam que o pro-fissional antes de ingressar na área deve ter plena consciência que irá precisar abdicar de tempo para as suas necessidades pessoais, de uma condição financeira melhor e de tudo que a vida tem de bom para oferecer. É como se o professor vivesse apenas para a sua profissão. Há o pensamento que o professor deve doar a sua vida plenamente ao ofício, é como se ele deixasse de viver para traba-lhar. Também citaram o magistério como vocação, pois apenas aqueles que o tem como parte de si, apresentam a capacidade de proporcionar uma boa aprendizagem em uma profissão que não oferece boas condições.

A realização da pesquisa e a análise dos resul-tados permitiram que o grupo compreendesse melhor a teoria das representações sociais, tendo chegado a seguinte formulação teórica. As repre-sentações sociais resultam das influências das rela-ções construídas socialmente entre o indivíduo e a sociedade. São individuais e coletivas e interferem na prática cotidiana de um grupo ou de um sujeito.

O intento da pesquisa foi identificar o sentido que o grupo pesquisado atribuía ao magistério, portanto buscou-se identificar suas percepções do processo de formação.

As concepções de magistério são construídas em sociedade e apoiadas no conceito de objetiva-ção e ancoragem. Segundo Dotta (2006, p. 3): “[...] a objetivação é a transformação da ciência em um saber útil, é a domesticação de um objeto que é associado a formas conhecidas e, ao mesmo tempo, reconsiderado por meio delas.” A ancoragem é o processo responsável pela transformação de um esquema conceitual real, ou seja, a atribuição de uma contrapartida material a uma imagem. Com isso pode-se perceber as atribuições individuais dadas às ações cotidianas.

Vale ressaltar que, a capacitação para o exercício do magistério está imbricada na visão em voga na sociedade em seus aspectos utilitários. Partindo da objetivação e ancoragem, trilhou-se o caminho rumo à identificação do Núcleo Central das repre-sentações construídas pelo grupo pesquisado.

Essa teoria busca apreender um determinado tipo de produção mental e simbólica, que se forma nas relações sociais e conversações cotidianas. Tais representações, que são construídas coletivamente para dar sentido a determinados objetos do mundo social, devem ser entendidas como resultantes da ação do indivíduo sobre si mesmo e sobre o mundo exterior. Assim, toda representação é uma repre-sentação de um objeto e também de um sujeito. As construções mentais são elaboradas coletivamente pelos sujeitos, que atribuem significados particu-lares a determinados objetos sociais com base nos seus referentes culturais. Tais significados servem para orientar os comportamentos e práticas, indivi-duais e coletivas, o que constitui uma característica intrínseca à teoria em foco.

Analisando as justificativas, duas categorias nos possibilitaram perceber a falta de representação social do grupo pesquisado, foram denominadas “sem noção” e “baixa frequência”. Essas categorias foram observadas na Licenciatura e na Pedagogia.

Na categoria “sem noção” encontramos jus-tificativas que não possuem concordância com a palavra apontada mais importante nem com a palavra- estimulo, notamos desvios de linearidade no pensamento das justificativas, não há nexo, de-monstrando uma incapacidade de argumentação e expressão de ideias, que impossibilitaram que os pesquisadores pudessem classificá-las e inseri-las em alguma categoria.

Além das respostas sem nexo, 23 formulários foram eliminados porque estavam escritos incorre-tamente, o que revela a limitação intelectual desses alunos. Em paralelo às dificuldades encontradas, houve mais um agravante entre as respostas dos alunos: os valores que constituem a formação do professor tais como ética e cooperação quase não foram citados ou lembrados tardiamente.

Nas justificativas, houve uma predominância dos seguintes posicionamentos: desvalorização do magistério; a má remuneração, dedicação acima de

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tudo, a visão do magistério como algo sofrido, sem reconhecimento, que exige sacrifícios. É provável, que tais posicionamentos expliquem, em parte, os motivos do desestimulo constatado no início desta caminhada, no entanto, pretendemos continuar nossos trabalhos de pesquisa.

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METÁFORAS COMO NEGOCIACIÓN DE LAS REPRESENTACIONES SOCIALES EN ENTORNOS VIRTUALES DE APRENDIZAJE

Gustavo Daniel Constantino1

Alcina Maria Testa Braz da Silva2

Vânia Ben Premaor3

características comunes, las representaciones no son específicas de cada problema, sino que tienen unas características comunes y generales entre ellas, que se muestra sobre todo en el tipo de actu-ación que realizan los sujetos; g) evolución siguen una serie de estadios regulares; y por último, h) la importancia educativa en que las representaciones tienen una enorme relevancia, desde el punto de vista educativo, pues es lo que los profesores tienen que contribuir a formar.

Según Farr (1984), aparecen las RS cuando los individuos debaten temas de interés mutuo o cuando existe el eco de los acontecimientos, selec-cionados como significativos o dignos de interés por quienes tienen el control de los medios de comunicación. Banchs (1986) las define como la forma de conocimiento del sentido común propio a las sociedades modernas bombardeadas constan-temente de información, a través de los medios de comunicación.

Marková (1996) retoma en su definición la in-terdependencia entre lo individual y lo social. La teoría de las RS es fundamentalmente una teoría del conocimiento ingenuo. Busca describir cómo los individuos y los grupos construyen un mundo estable y predecible partiendo de una serie de fe-nómenos diversos y estudia cómo a partir de ahí los sujetos “van más allá” de la información dada y qué lógica utilizan en tales tareas. Son parte de un entorno social simbólico en que viven las personas.

1 Investigador Científico CONICET. Director Departamento TIC – CIAFIC. Centro de Investigaciones en Antropología Filosófica y Cultural – CIAFIC. Departamento de Tecnologías de la Información y la Comunicación. Ciudad de Buenos Aires, Argentina

E-mail: [email protected] Docente y Investigadora. Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia do Rio de Janeiro – IFRJ. Programa de Pós Graduação stricto sensu em Ensino de Ciências – PROPEC.

E-mail: [email protected] Doctoranda en Psicología. Pontificia Universidad Católica Argentina

Santa María de los Buenos Aires UCA. E-mail: [email protected]

Introducción

Las representaciones sociales (RS) surgen de modalidades de pensamiento del transfondo cul-tural acumulado a lo largo de la historia. Las RS son conjuntos dinámicos, su característica es la producción de comportamientos y de relaciones en el medio, según Moscovici (1979), en una acción que modifica a ambos y no una reproducción de esos comportamientos, o de estas relaciones, ni una reacción a un estimulo exterior dado.

Son múltiples los conceptos que tratan de definir las RS. Moscovici (1979) las concibe como una mo-dalidad particular de conocimiento, cuya función es la elaboración de los comportamientos y la co-municación entre los individuos. La representación es un corpus organizado de conocimientos y una de las actividades psíquicas gracias a las cuales se hace inteligible la realidad física y social, se integran en un grupo o en una relación cotidiana de inter-cambios, liberan a los poderes de su imaginación.

En los estudios de Jodelet (1984, 1999), el cam-po de la representación designa el saber del sentido común, cuyos contenidos hacen manifiesta la ope-ración de ciertos procesos generativos y funciona-les con carácter social; se hace alusión a una forma de pensamiento social. Entre las características de las representaciones están: a) origen, en que los sujetos precisan de representaciones para sobre-vivir en el mundo; b) funciones permiten actuar y entender; c) elaboración es una producción a una respuesta a la satisfacción de las necesidades, por lo tanto tiene su finalidad en la acción y la super-vivencia; d) constituyen el contenido de la mente, es decir que las representaciones son lo que está en la mente de los individuos, son el dato de que debemos estudiar, todavía no son accesibles de forma directa; e) no son explicitas, las representa-ciones no existen de una forma fijada, pues se va generando a medida que el sujeto las necesita; f)

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Doise (2001) acentúa la conexión entre la RS y los factores socioestructurales, tales como los estatus socialmente definidos. Las principales funciones de las RS, según el aporte de Sando-val (1997) son: a) la comprensión, función que posibilita pensar el mundo y sus relaciones; b) la valoración, que permite calificar o enjuiciar hechos; c) la comunicación, a partir de la cual las personas interactúan mediante la creación y recreación de representaciones sociales; d) la actuación, que está condicionada por las repre-sentaciones sociales.

Los intercambios verbales de la vida cotidiana exigen que se comparta un mismo trasfondo de RS. Es así como a partir de éstas, las personas producen los significados, que se requieren para comprender, evaluar, comunicar y actuar en el mundo social. Las RS como forma de conoci-miento aluden a un proceso y a un contenido. En lo que dice, respecto a la actitud, consiste en una estructura particular de la orientación en la con-ducta de las personas, cuya función es dinamizar y regular la acción.

Aquí resulta interesante hacer notar que, tal como se exponen estas diferentes definiciones, las RS son expresadas de una u otra forma como uso metafórico. Esto es, se usan de modos cotidianos para representar un contenido del pensamiento, socialmente compartido, a través de la función comunicativa en el lenguaje. Tal como dice Mos-covici (2007) sobre las RS se presentan como una “red” de ideas, metáforas e imágenes, más o menos interconectadas libremente, y por eso más mo-bléis y fluidas que teorías. Aún continua el autor mencionando que “parece que no conseguimos nos deshacer de la impresión de que tenemos una ‘enciclopedia’ de tales ideas, metáforas y imágenes que son interligadas entre sí” (p. 210).

El lenguaje, particularmente en los “discursos didácticos escritos” con la presencia de metáforas, particularmente en los foros de discusión en las comunidades virtuales de aprendizaje, es conce-bida como formas de interacción personal/grupal, donde las representaciones son elementos simbó-licos con significado y sentido, los cuales suceden en función del objeto focal del trabajo desarrollado en los foros virtuales educativos.

Foros Virtuales

En la educación a distancia, a través de la In-ternet, la interacción en la comunidad virtual de aprendizaje es fundamental para llevar a cabo la función pedagógica. Desde esta perspectiva, es notorio el rol central que los participantes directos tutor y alumno ejercen en los procesos educativos (Aretio, 1994, Banzato, 2002, Margiotta, 1997, Schuelter, 2001, 2003, Whalley, 1993). La signifi-cación es entendida como un producto de las inte-racciones sociales en el interior de la cultura y de la historia (Rey, 2005, Castorina, 2007, Ibañez, 1990, Braz da Silva & Mazzotti, 2009, Braz da Silva, 2010), tal como se percibe en los ambientes virtuales de aprendizaje, particularmente en los foros, donde interactúan varios participantes con un objetivo en común.

Los foros de discusión virtual son un espacio de ambiguedad, que necesitan dirección e inter-vención, por lo tanto una modulación de la comu-nicación. Las variantes de utilización didáctica de los foros son descriptas por Constantino (2002, p. 208) como los inicios de cualquier programa de formación on-line, “lo encontramos como forma de presentación personal individual en un espacio público común. La necesidad de una historia, una identidad colectiva y obligaciones recíprocas (Mer-cer, 2000, 106) para crear una comunidad lleva a ofrecer la posibilidad de un intercambio inicial de carácter personal, con datos biográficos, de intere-ses personales y profesionales, etc”. En este sentido Constantino, (2002) complementa que la función de “pizarra” o “cartelera”, como forma de cumplir con determinadas actividades y ejercicios propues-tos por el tutor/profesor mediante a la contribución que responde a ellos. Y al concluir el punto de vista Constantino (2002, p. 208) aclara que los foros son realmente “espacios de trabajo de aprendizaje y lo que resulta de ellos depende de la interacción de los participantes, ya sea como profundizaciones o amplificaciones tópicas -como producto de la con-frontación y/o colaboración conceptual entre los participantes –, o como productos didácticos resul-tantes (resúmenes, cuadros, esquemas, grillas, etc.)”.

Los foros de discusión o conferencias asincró-nicas son una de las herramientas más utilizada

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en la estructura didáctica de la formación on-line. Constantino (2002) diferencia los foros por el gra-do o nivel de actividad interactiva que en ellos se desarrolla, más allá del número de participantes y las actitudes individuales que van de una gran exposición al ocultamiento de la propia presencia (lurckers). Los modos o estrategias de participación diferencial encontradas son: aditiva, interactiva, directiva, disruptiva y anómala o inesperada.

Para que exista una verdadera comunicación educativa es necesario que se dé un proceso inte-ractivo, según Martínez (2000) y Schuelter (2001, 2003) en el cual se produzca una retroalimentación evaluadora de modificación sobre cada uno de los participantes involucrados, con el fin de saber si el proceso ha sido eficaz y se introduzcan alternativas oportunas, en caso necesario.

En la dimensión sócio-comunicativa está in-cluso las intenciones del productor y el juego de imágenes mentales entre los interlocutores, que conforme (Nevado, Carvalho & Menezes, 2007; Ben, 2009) está en todo el proceso de construcción del texto, y es por el proceso de interacción entre los interlocutores que es posible las imágenes mentales, teniendo la visión de sí y del otro, y la idea del otro en relación a si y al tema en discusión.

Para los autores (Freire, 1978, Martínez, 2000, Marcuschi, 2004, 2007) las palabras ya vienen cargadas de significaciones producidas por las experiencias de vida. En los foros virtuales de aprendizaje, mediante el diálogo establecido entre los participantes se manifiestan ideas, opiniones y creencias capaces de generar metáforas, sustenta-das en las experiencias educativas y en la práctica docente de cada uno (Constantino, Testa Braz da Silva & Premaor, 2010).

Metáforas

El sustantivo metáfora procede, vía latín, del sustantivo griego metáphora, significa traslado o transferencia y está relacionado con el verbo metaphorein, lo cual significa transferir o llevar. La metáfora en la opinión de Blumenberg (1999) es histórica en dos sentidos: a) alude al tiempo en que fue formulada, cuanto al tiempo que es recibida y usada en su vigor; b) revitalización que

sufre, cuando en un tiempo concreto, responde a la necesidad que satisface. La metáfora crea cuer-po, un cuerpo construido por fragmentos que se miran y eventualmente se asocian. Las funciones, se caracterizan como estructurar un mundo, que se representa como un todo; genera expectativas y alienta acciones, intereses, que conducen a modelos característicos de comportamientos.

Las metáforas, según Zambrano (1950), están en la base de una cultura, la representan. Por metáfora se ha podido entender una forma de pensamiento. En todo el uso de la palabra, conforme dice Bianco (2004) la trama entre discurso depositado en la memoria de la lengua puede ser activada.

Los aportes de Rodríguez (2001) apuntan que las metáforas tienen presencia constante, tanto en los procesos de conocimiento más simples y cotidianos como en el conocimiento científico más elaborado. En este sentido, en ambos casos se opera la abstracción de similitudes o diferencias y se formulan y contrastan hipótesis, a través de analogías o modelos explicativos. Estos procesos sirven de clarificación para el funcionamiento en la vida cotidiana (Lakoff & Johnson, 1995), donde los procesos psicológicos influyen ineludiblemente en la actividad que lleva a cabo. La ciencia es una construcción social, en que comparten recursos de interpretación. De esta manera observar, no se con-cluye en percibir, sino percibir significativamente, es decir interpretar el marco teórico, lo cual está envuelto.

Las metáforas pueden entenderse como un instrumento cognitivo, en que se trata de asimilar lo desconocido, mediante términos que sean cerca-nos. Es importante defender el carácter metafórico del discurso, en particular aquel que se desarrolla en las comunidades virtuales de aprendizaje, ya que concibe el conocimiento en términos de represen-tación. Esto supone prescindir de la idea de que nuestras descripciones del mundo pueden llegar a representar el mundo tal cuales.

Como señalan Lakoff y Johnson (1995), la metá-fora permite comprender un dominio cognitivo en términos de otro, de esta manera ciertas abstracciones como el tiempo, las emociones, las ideas o las teorías necesitan ser conceptualizadas a través de aquello que se experimenta o se percibe.

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Los autores diferencian tres tipos básicos de metáfora: a) orientacionales, respecto a orientación espacial; b) ontológicas, se relacionan con nuestras experiencias en términos de objetos y sustancias; c) estructurales, queestructuran una experiencia o actividad en términos de otra previamente.

La configuración de la metáfora depende de nuestro conocimiento real del mundo, es decir la propia representación del mundo que se atribuye. En este sentido, la propia metáfora se mueve creando otras metáforas sobre el mundo y el conocimiento. La actividad de la metáfora, en la visión de Mazzotti (2006), consiste en transformar la posibilidad imaginada en actualidad posible, capaz de proyectar y producir nuevas visiones y modos de hacer el mundo, creando la posibilidad de nuevas perspectivas de conocimiento. Araschin y Axt, (1998) tratan del conocimiento como una relación, como forma de ejercicio simbólico, resultado de (im)posibilidades de acción y de expresión concretizado por complexas redes de vías de información conectado, en cuanto nueva unidad, sujetos individuales-colectivos-institucionales.

El uso de la metáfora activa la imaginación, para hacer parecer el mundo más comprensible, que lo que está presente en el momento. La percepción de mundo, en la opinión de Fajardo (1999), es el resultado de múltiples procesos, desarrollados cada día. Según Fajardo (1999), la metáfora tiene un amplio poder sintético. La información nueva y la vieja no son excluyentes, nuestro mecanismo cognitivo necesita de información previa para llevar a comprender la nueva. De esta forma, entra en juego el carácter hipotético donde sugiere nuevas formas de significar un referencial, a partir de procesos de transposición, hibridación u otros similares modifica los significados ya existentes. La función de la metáfora está subordinada también a reproducir sabores, olores, texturas, capacidades mentales y psicológicas en realidades que no poseen. El oyente es quien va a decidir sobre su elección ante las necesidades del contexto, donde está inserto, y luego la correspondencia cognitiva que atribuye a la metáfora. El poder psicológico de la metáfora permite “visualizar” las imágenes, las creencias y los sentimientos que hacen parte del

sistema cognitivo de otro, leyendo los elementos culturales y personales que se entretejen tras las construcciones metafóricas, que no solamente se refieren al individuo y sus experiencias, pero sí hacen parte de la experiencia y de las representaciones reflejadas en la utilización del lenguaje cotidiano.

La metáfora puede ser entendida como una búsqueda de significado. Más que un lenguaje es un tipo de conocimiento, es cuando la metáfora adquiere, a través de la interacción de sus elementos, un significado nuevo, la metáfora no formula una similitud preexistente, más bien la crea; contribuyendo a la función cognitiva. Las metáforas son los resultados de procesos cognitivos, de maneras de conocer la realidad que nos rodea, su función, además de informar y comunicar, está en expresar las relaciones sociales establecidas en las comunidades virtuales de aprendizaje, creando un clima de cordialidad e interacción más cercana y dinámica.

Un buen numero de autores sugieren que las construcciones metafóricas no son sólo un recurso estilístico utilizado en las interacciones comunicativas, pero sí son elementos esenciales en el proceso de comprensión de las experiencias de mundo, que cada sujeto tiene a partir de su vivencia, eso puede ser en la resolución de problemas, en la configuración de pensamiento, en tanto permite alcanzar niveles altos de apropiación de conceptos que se tiene de la realidad (Goodman, 2002, Mercer, 2001, Lakoff & Johnson, 1995, Le Guern, 1990). Autores como Fajardo (1999), Lakoff y Johnnson (1995) y Zamprano (1950) concluyen, al estudiar la metáfora es imprescindible tener en cuenta los elementos cognitivos, la expresión comunicativa, el contexto situacional y cultural en el cual se opta por el empleo de la metáfora. Además de ser un proceso dinámico está continuamente relacionado a las experiencias que son concebidas del mundo.

Aspectos del desarrollo metodológico

Se presenta particularmente en este artículo un recorte de foro didáctico virtual, donde se analiza las interacciones entre dos tutoras y trece alumnos de la Universidad do Sul de Santa

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Catarina – UNISUL, con la temática Psicología de la Adolescencia, elegido dentro de las disciplinas abordadas en el desarrollo del curso, en el Programa Internacional de Formación Docente – Proyecto ALFA/MIFORCAL. De las cinco unidades trabajadas en el módulo, fue seleccionado la unidad: El adolescente y los espacios de aprendizaje virtuales, ya que contemplaba la práctica docente como un catalizador de significados.

El total de los sujetos participantes de los foros de discusión fue de 13, procedentes de Santa Catarina (6), Rio Grande do Sul (3) São Paulo, (2) Amazonas (1) y Goiás (1); de éstos, 5 eran del sexo masculino, con una franja etaria entre 28 a 48 años, mientras que los del sexo femenino tenían una edad entre 33 a 50 años. Los participantes actúan en su mayoría como profesores de la enseñanza media. Este estudio está aprobado por el Comité de Ética de Brasil, en el marco del Proyecto ALFA/MIFORCAL (Braz da Silva, Constantino & Premaor, 2011). Para el tratamiento de la información seleccionada se determinaron las metáforas presentes en la interacción del foro, basadas en Lakoff y Johnson (1995), así como las representaciones de las prácticas docentes, en la perspectiva de Moscovici (1979, 2003), refinada por Jodelet (2001, 2007). Se hace el seguimiento de las interacciones dadas en el foro. Luego, se elaboró una red semántica con aquellos usos metafóricos que resultaron más relevantes y que la configuraban.

Posterior a la lectura y relectura de las unidades de los foros de Psicología de la Adolescencia fue necesario comenzar a destacar aquellos enunciados que aparecían como metafóricos, o no literales, con el apoyo del programa ATLAS.ti (Muhr, 1991), que resultaron más relevantes y que la configuraban, frente a las temáticas propuestas para cada discusión. Se siguió el proceso al examinar la pertinencia de las metáforas, situándolas desde el espacio de las RS.

Expresiones metafóricas encontradas

Se presentan las expresiones metafóricas utilizadas por los alumnos y tutoras del módulo: El adolescente y los Espacios de Aprendizaje

Virtuales. Del análisis se generó la red semántica. Las expresiones que presentan características de la cotidianidad escolar y que van definiendo la práctica docente, en recortes como:“… mudanças nos administrativos da escola,”; “… sala não está silenciosa,”; “… professor não consegue disciplina”; “… medo do desconhecido”. Estos decires de los participantes en el foro están conectados entre sí como creencia y vivencia de su la práctica pedagógica frente a la exigencia de la tecnología, con lo cual es posible asumir distintos cambios y lograr que se torne familiar lo desconocido.

La discusión de tornar conocido algo que asusta supone un repensar en el papel del profesor, incluso en cómo gestionar el aprendizaje: “… papel do professor”; “… gestão de aprendizagem”; “… reflexão da prática pedagógica”.

El pensar docente supone aprender al ritmo de las nuevas exigencias, su evolución como profesionales actuantes que establecen “redes de significado” en integración con las sociedades así caracterizadas: “… sociedade do conhecimento”; “… sociedade en rede”. Donde circulan flujos de comunicaciones con diversidad cultural, en un proceso continuo capaz de desarrollar saberes como “… construção e fruição de saberes individuais e coletivos”, ante las modificaciones generadas por la inserción de las “… tecnologías”, en la realidad cotidiana. El conector relación con “… reflexão da prática pedagógica” supone para los participantes de los foros que, en el contexto escolar, tanto los profesores como los adolescentes están ahora mediados por las nuevas tecnologías. A continuación, se presentan las expresiones metafóricas halladas y la red semántica generada. Los fragmentos seleccionados están en portugués con el propósito de ser fiel a las opiniones de los participantes.

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Gráfico 1 – La práctica docente

ficados sobre el aprender y el aprendizaje, previas al encuentro en el foro, es en las discusiones, en el intercambio de ideas y reflexiones, que se torna más cercano, más familiar el interrogante sobre dichos significados y prácticas, conformando una RS.

Con base en el foro analizado en este ejercicio, y tal como muestra la red semántica, la práctica docente puede ser identificada en las interacciones discursivas didácticas entre los participantes como un objeto de RS, expresado en las actitudes y accio-nes de los profesionales en su práctica cotidiana. La RS es la que mueve a los participantes a discutir sobre el tema, sus principales preocupaciones están en desarrollar con calidad su actividad profesional, mientras deben convivir con las actualizaciones tecnológicas más familiares al contexto de los ado-lescentes.

Se presenta, un ejemplo de participación de una tutora, en que convoca a los alumnos a reflexiones/acciones:

O adolescente contemporâneo, de um modo bastante abrangente, não só acessa como domina e acompanha com extrema facilidade o percurso meteórico da inserção das novas tecnologias no

De este modo, aparece el imperativo sobre un docente cuya obligación es la de comprender e investigar el lenguaje de las nuevas tecnologías, al tiempo que la sociedad crece en esta red de nuevos significados, caracterizada por las relaciones dialógicas establecidas en los espacios sociales, ahora también espacios sociales-virtuales. No como una obligación, más si una presión que el nuevo escenario ejerce respecto al reciente papel que debe ser asumido por el profesor.

El tiempo y el espacio son comunicados y cons-truidos desde diversos lugares y momentos, a partir de este diálogo, unas veces asincrónico; cada vez más resulta habitual que las cuestiones debatidas en un entorno virtual traspasan este medio hacia la práctica cotidiana de la educación presencial. Así, las relaciones laborales y la gestión administrativa educacional tradicional también son afectadas por el desarrollo tecnológico.

Representación de la práctica docente

Al tiempo que la práctica docente está generan-do discusiones sobre su quehacer mismo, es decir, aunque tanto tutores como alumnos poseen signi-

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seu próprio cotidiano. E este cotidiano inclui o cotidiano escolar! Então, como nós, professores e educadores, olharam para essas questões? Como nós, pais, mães, cidadãos, olhamos para o papel da escola, dentro da configuração do cenário educa-cional brasileiro, na formação desse adolescente?

La participación de la tutora es relevante, genera un debate no solamente en el quehacer cotidiano del alumno, sino que convoca a análisis de la so-ciedad educacional brasileña. Su voz se ubica más en el lugar de un reclamo a nivel social. Se observa que hay cuestiones educacionales, que ponen en evidencia una identidad en crisis, más también, una identidad mutante hacia una representación de su realidad profesional. Es el docente en este escenario brasileño quien también tiene la función de abrir la puerta al conocimiento.

Las expresiones metafóricas sugieren su uso habitual para significar el contenido de las RS. La elaboración de la red semántica no puede ser vista como una simple conexión entre las distintas ex-presiones usadas por los participantes en los foros, sino que se constituyen en una forma de mostrar la presencia de RS, en tanto que los profesores se ven enfrentados a repensar su práctica en la modalidad presencial en la actuación escolar.

Discusión

En la unidad analizada, El adolescente y los Espa-cios de Aprendizaje Virtuales, fue posible encontrar las representaciones referidas a los profesores como rezagados de la exigencia tecnológica actual, lo que invierte la jerarquía previa en la dinámica educa-tiva, haciendo de la representación de la práctica docente una modalidad en transición.

El tema en análisis en las discusiones, intercam-bios de ideas educativas, percepciones, experiencias de la vida familiar, contenidas en el uso del lenguaje metafórico, objeto de conocimiento (Castorina, 2007, Rey, 2005, 2009) establece un cruce, integra-ción de la red de significados intersubjetivos, como apreciación de significados sociales preexistentes. No es posible, según Castorina (2007), conocer la sociedad y su historia sin las metáforas sociales, pues constituyen una parte del sentido común his-

tóricamente constituido, por ser una materia prima al pensar en hipótesis de conocimiento. Luego, las ideas dependen no solamente de habilidades intelectuales, sino también en gran medida de los escenarios en que se piensan.

En el corpus de la unidad “El adolescente y los espacios de aprendizaje virtuales” existe la presencia de creencias del pensamiento del sentido común, la originalidad está manifestada en las interacciones, en el contexto de la comunidad virtual de aprendi-zaje. El aspecto cultural de los participantes como – realidad social brasileña – se ve presente en el foro en sus expresiones metafóricas, en que atribuye cierta identidad a los participantes, sugiriendo su integración al interior grupal.

Los participantes de los foros traen presente RS sostenidas en sus vivencias de la realidad cotidia-na, y al interactuar junto con los demás, expresan en su discurso didáctico posturas vinculadas a las problemáticas de orden social, generalmente haciendo uso de ciertas expresiones metafóricas. Para asumir esta nueva meta urge la capacidad de redefinir otras estrategias metacognitivas pautadas en posicionamientos favorables a las inserciones personales tecnológicas, que los profesores, tutores necesitan realizar en la sociedad del conocimiento.

Ahora bien, sobre los modos o estrategias de participación (Constantino, 2002) diferencial encontradas se observa que estas fueron principal-mente de tipo interactiva, esto es, relativa al flujo discursivo, la contribución tiene un carácter de respuesta a una contribución anterior o se apoya explícitamente en otra para descargar lo propio.

El aporte de Jodelet (1984) concierne a la mane-ra en que nosotros, sujetos sociales, aprendemos los acontecimientos de la vida diaria, las características de nuestro medio ambiente, las informaciones que en él circulan. Este conocimiento se constituye a partir de nuestras experiencias, informaciones, conocimientos y modelos de pensamiento que re-cibimos y transmitimos a través de la tradición, la educación y la comunicación social, lo cual puede explicar cómo se está modificando la representa-ción sobre la práctica docente en función de los cambios tectológicos vividos hoy por hoy.

La comprensión y la co-comprensión del conte-nido de los participantes en la comunidad virtual

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 272

de aprendizaje los impulsó a participar, pues, como dice Jovchelovitch (2008), los temas, las ideas y las significaciones contenidas en las representaciones revelan los eslabones simbólicos establecidos por los actores sociales y recursos que ellos utilizan en las formulaciones que construyen sobre el mundo--objeto.

Tales representaciones son mediadas por las interacciones discursivas didácticas, al integrarse como parte de los procesos de significación. Mos-covici (2003) destaca este aspecto al decir “nuestras ideas, nuestras representaciones, son siempre filtra-das, a través del discurso de otros, de las experien-cias que vivimos de las colectividades a las cuales pertenecemos” (p. 221).

Consideraciones finales

En los foros de discusión es posible observar habilidades de los alumnos y tutoras con el fin de establecer conexiones, como parte de un proceso de conocimiento, a través del uso de metáforas. La cognición con el uso metafórico refuerza el proceso y lo hace accesible a su uso consciente. Se analiza en los foros de discusión, en este caso, los diálogos generadores de nuevas conexiones, como sentido de integración enfática, en proponer sus propias metáforas con aportes de experiencias docentes. Conviene mencionar que la relevancia psicológica de la metáfora consiste en “visualizar” imágenes, creencias, sentimientos, que incorporan el sistema cognitivo de otro. En realidad, al profundizar las interacciones didácticas en los foros, los partici-pantes se cuestionan y reflejan sobre sus prácticas docentes. Así, para ellos, el aprendizaje tradicional tiende a perder sentido, cuando observan que la vida y la escuela a veces están separadas haciendo inútil el aula.

Teniendo como foco El adolescente y los espacios de aprendizaje virtuales, la docencia se enmarca en coordenadas prácticas y simbólicas de las signifi-caciones de los docentes sobre su quehacer, basada en el compromiso y responsabilidad con la acción docente, que resignifica las dinámicas autónomas de la toma de decisiones profesionales. La parti-cipación y modalidades que asumen los docentes y tutores, bien como sus propias RS de la práctica

docente sobre la relación con el conocimiento y el sujeto de la formación, ejercen un intercambio de significaciones referidas a las diversas concepciones en la sociedad del conocimiento.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 274

O DIA-A-DIA DO PACIENTE COM DIABETES MELLITUS: REPRESENTAÇÃO SOCIAL E ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

Ana Claudia Ferreira Sanches1

Eduardo Coelho Ceotto1

contexto de vida do paciente por parte do profissio-nal de saúde também se faz necessário para a cons-trução de propostas que estejam de acordo com a realidade das pessoas. Entender como os pacientes com diabetes mellitus significam/representam e en-frentam sua doença também se torna importante, uma vez que o DM é uma doença crônica que gera modificações na vida após seu diagnóstico.

Para captar as necessidades do paciente com DM e seus sentidos atribuídos à doença, Bastos, As-sis, Nascimento e Oliveira (2011) evidenciam a im-portância do atendimento integral no cuidado do paciente no serviço de saúde, exercendo o acolhi-mento, estabelecendo vínculo e potencializando-o.

Nunes (2005) aponta para a importância do apoio social e parental para a adesão e melhor re-sultado no tratamento do DM. Diante desse apoio, os indivíduos se ajustam às situações de estresse, se recuperam com maior rapidez e os riscos de morta-lidade são reduzidos. O apoio social é considerado como uma estratégia de Coping. Já Costa, Balga, Alfenas e Cotta (2011) apresentam a importância da rede de apoio social, mas expõem também a im-portância da equipe multidisciplinar para o sucesso do tratamento.

Para Péres, Franco e Santos (2006), o hábito ali-mentar das mulheres com diabetes mellitus tipo 2 é influenciado pelas representações elaboradas acerca da alimentação e de sua doença. Nesse sentido, concluiu-se que a informação por si só não ocasio-na mudança nos hábitos alimentares, indicando a importância em conhecer os aspectos subjetivos e as representações sociais dessa população.

Silva (2008) procura compreender sentidos atribuídos por adolescentes ao DM, utilizando um enfoque social que privilegia a visão do paciente sobre esse processo. Em estudo na população idosa

1 Faculdade Brasileira-Univix

Introdução

O Diabetes Mellitus (DM) se caracteriza como uma síndrome crônica, comprometendo tecidos vitais e órgãos. É ocasionado por fatores hereditá-rios e ambientais, afeta grande parte da população e gera elevadas taxas de morbi-mortalidade, sendo reconhecido como um problema de saúde pública no Brasil (Ministério da Saúde [MS], 2002a, 2006).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (MS, 2006), no ano 2000 existiam no mundo cerca de 177 milhões de diabéticos, com aproxima-damente 4 milhões de óbitos anuais, corresponden-do a 9% da mortalidade mundial.

Com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), juntamente com a lei Orgânica da Saúde 8.080/90, a saúde pública passou a traduzir em ações os princípios e diretrizes dessa política (MS, 1990). A sociedade brasileira elegeu esses princípios e diretrizes para o SUS, estabelecendo seus três princípios básicos: a universalidade, a integralidade e a equidade (Vasconcelos & Pasche, 2006). Apesar desses avanços, são muitos os desafios da saúde pú-blica no Brasil, que objetiva promover mudanças na organização dos serviços e nas práticas assistenciais para assegurar acesso e melhorar a qualidade dos serviços oferecidos em todos os níveis de atenção.

A saúde considerada como multideterminada, tem como influência o meio físico, social, econômi-co e cultural, além dos fatores biológicos (MS, 1990). Dessa forma, o adoecimento deve ser entendido e considerado dentro desse contexto e, nesse caso, en-tender o Diabetes Mellitus como multideterminado possibilitará um entendimento ampliado sobre ele.

Diante da doença, os pacientes com DM se deparam com uma nova realidade. Assim, se torna importante o conhecimento da doença pelo pacien-te, a fim de minimizar os danos na qualidade de vida gerados pelas consequências ocasionadas por ela; por outro lado, o conhecimento da realidade do

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 75

de São Paulo, Mendes et al. (2011) destacam a importância do conhecimento atribuído à doença para melhor adesão ao tratamento.

Diante disso, percebe-se a necessidade de se con-siderar o entendimento que o paciente possui sobre sua doença, ou seja, as representações construídas por eles acerca do DM, assim como seus recursos e atitudes tomadas frente a ele. Nesse sentido, a Teoria das Representações Sociais serve de instrumento para auxiliar a identificação sobre a forma como esses pacientes significam sua doença, tornando-a familiar. O paciente, por agir no meio em que vive, cria práticas para conviver com a doença. Assim, as Estratégias de Enfrentamento como práticas sociais vêm complementar o estudo da relação do paciente com sua doença, possibilitando também o estabele-cimento de ações de prevenção e promoção de saúde direcionadas para a população diabética.

Representação socialComo referencial teórico, foi utilizada a Teoria

das Representações Sociais (TRS), principalmente por valorizar os aspectos psicossociais que perpas-sam a doença, além de ter grande influência nas práticas cotidianas (Ribas, 2009).

Para M. Santos (2005) as representações sociais se referem ao conhecimento compartilhado e articulado no senso comum, que fala sobre deter-minado objeto a partir das informações recebidas desse objeto.

As RS são construídas a partir das vivências cotidianas, devendo ser compreendidas a partir desse contexto de produção. Além de guiar a comu-nicação da sociedade que a rodeia, serve também como guia dessas práticas diárias, no que se refere ao objeto representado (Alexandre, 2004).

Como função, as RS apresentam: orientação da comunicação e conduta (função social), proteção da identidade social (função afetiva) e a familiari-zação com o novo (função cognitiva). Esta última função está diretamente relacionada aos dois pro-cessos básicos das representações: a ancoragem e a objetivação (M. Santos, 2005).

Na objetivação, o que era desconhecido torna-se familiar, isto é, o que era abstrato passa a ser concre-to. É descrito, ainda, que esse processo ocorre em três processos: a descontextualização da informa-

ção, a formação de uma figura que reproduz esse conceito e a naturalização desse conceito transfor-mado em realidade (Moscovici, 1978).

Na ancoragem, um objeto é inserido em um pensamento já existente. Por meio da comparação com algo conhecido, transforma o objeto desco-nhecido. A sua ocorrência passa por três processos: atribuição de sentido ao objeto, instrumentalização do saber e enraizamento no sistema de pensamento (Moscovici, 1978).

Nesse contexto, percebem-se as RS como fun-damentais para contextualizar o modo como o homem fala, cria, vê e age sobre o mundo. Sobre o campo da saúde, estudos expressam a importância do saber construído socialmente para compreender o fenômeno de saúde, doença e de outros aspectos que fazem parte desse contexto. Considerando essa importância, constata-se o aumento de estudos sobre Representações Sociais no campo da saúde (Herzlich, 2005; Andrade, Artmann, & Trindade, 2011; Cardoso & Arruda, 2005; Gomes, Mendonça & Pontes, 2002).

Para uma compreensão ampla das práticas sociais, inclui-se também o estudo de estratégias de enfrentamento, que possibilitam verificar a atu-ação do sujeito frente à sua doença. Assim, tanto a representação social quanto as estratégias de enfrentamento tornam-se instrumentos essenciais para o entendimento do processo de adoecimento e de enfrentamento da doença crônica, nesse caso, o Diabetes.

Estratégias de enfrentamentoO termo Coping, relacionado às Estratégias de

Enfrentamento (EE), é o processo de interação do indivíduo com seu meio ambiente para se adequar a situações de estresse provenientes desse meio, sen-do necessário que o sujeito utilize um conjunto de estratégias para lidar e enfrentar algumas situações. De acordo com Gimenes (1997, citado por J. Santos & Enumo, 2003), as estratégias de enfrentamento são “qualquer tipo de ação ou comportamento uti-lizado para se lidar com um perigo ou situações que ameacem a sobrevivência” (p. 412).

Lorencetti e Simonetti (2005) citam a impor-tância do trabalho desenvolvido por Folkman e Lazarus, dentro de uma abordagem cognitiva, em

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 276

que propõem o estudo das características pessoais centradas no problema – relacionado aos esforços em administrar ou alterar os problemas, ou de outra forma, melhorar o relacionamento entre as pessoas e o seu meio – e/ou na emoção – busca substituir ou regular o impacto emocional do estresse no individuo, vindo principalmente de processos defensivos, fazendo com que as pessoas não confrontem conscientemente com a realidade de ameaça. Para esses autores, as EE são efetivas quando o comportamento utilizado ameniza os sentimentos desconfortáveis. Nessa mesma lógica, será pouco efetivo se a situação ameaçadora não for manejada de forma eficaz, resultando em crise, podendo ocorrer desequilíbrios psicológicos e fi-siológicos (Lorencetti & Simonetti, 2005).

Para Fleury (2006), as EE utilizadas são influen-ciadas pela percepção que a pessoa tem sobre algo novo e/ou ameaçador que se instala em seu meio de vida e, diante desse novo fato, há a necessidade da utilização de recursos para fazer face às exi-gências do contexto. Dessa forma, primeiramente ocorre uma “avaliação cognitiva” que pode se dirigir por três aspectos: danos anteriormente ocorridos; ameaça de danos futuros; e desafios. Assim, o enfrentamento poderá se orientar pelo passado – como reparação de danos, ou para o futuro – como antecipatório.

Uma vez que o DM se apresenta na vida do pa-ciente, deve-se considerar o modo como se estabe-lecerá a relação com a doença, a partir das reações após o diagnóstico. Gazzinelli (1997) aponta as EE utilizadas por pacientes e familiares de adolescentes com doença crônica, colocando em evidência que as EE são estabelecidas nas práticas cotidianas, a fim de se adaptar à doença e ao tratamento.

De acordo com os trabalhos de Péres, Franco e Santos (2006), Silva (2008) e Mendes et al. (2011) o diagnóstico do diabetes impõe diversas modifica-ções nos hábitos de vida, além de ser uma situação potencialmente estressora para a pessoa e para sua família. É comum que a pessoa com diabetes tenha um sentimento de perda da integridade física, de autonomia e liberdade para manter as práticas an-teriormente realizadas. O modo de ver a situação estressora é afetado pela representação que a pessoa faz da doença.

Objetivos

Identificar e analisar os elementos de represen-tação social do diabetes e as estratégias de enfren-tamento frente à doença.

Método

ParticipantesFoi realizada uma pesquisa exploratória com

120 pessoas, diagnosticadas com Diabetes Mellitus, moradores da região da Grande Vitória. Foram critérios de inclusão: ter o diagnóstico confirmado e possuir mais de 18 anos.

Instrumento de coleta de dadosFoi utilizado um roteiro de entrevista semi-

estruturado, dividido em 3 blocos: dados gerais do participante e evocação utilizando a palavra-estímulo diabetes; levantamento das modificações ocorridas após o diagnóstico; identificação das estratégias de enfrentamento (Savoia, 1996) frente à doença, em que os participantes assinalavam os scores 1 (não faço); 2 (faço pouco) ou 3 (faço bastante).

ProcedimentosFoi explicado aos participantes sobre os ob-

jetivos da pesquisa e apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme reco-mendado pela resolução CNS 196/96. Para fins da coleta de dados a abordagem foi feita diretamente ao usuário.

Procedimento de análise dos dadosA análise da representação social foi realizada

a partir do método TISCON (Wagner, Valencia & Elejabarrieta, 1996). Os dados referentes às Estra-tégias de Enfrentamento foram analisados através do estudo das médias das frequências.

Resultados e Discussão

Foram alvo da pesquisa 120 sujeitos, sendo 63 (52,5%) do sexo feminino e 57 (47,5%) do sexo masculino, todos com diagnóstico de DM, com idade entre 20 e 92 anos e idade média de 55 anos

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 77

(dp = 14,69). Quanto ao nível de escolaridade, 59% possuíam pelo menos o ensino médio completo.

Sobre o tempo de diagnóstico, observa-se a maior frequência entre 1 e 10 anos, com 63 (62,5%) pessoas. Cerca de 59% dos participantes afirmaram possuir outra doença associada ao Diabetes Melli-tus, com destaque para a hipertensão arterial. Com relação à renda familiar, 33% informaram renda entre 2 e 3 salários mínimos (SM) e 29% entre 3 e

5 SM. Apenas 6% informaram ter renda maior do que 10 SM.

No estudo das representações sociais, as pala-vras com maior índice de evocação foram: medi-camentos, tristeza, medo, dieta, açúcar, insulina, doença, sem_cura, cuidado_ sempre e controle.

Baseado no procedimento ANACOR, os ele-mentos são configurados de forma a excluir o ele-mento controle, conforme observado no gráfico 1.

Gráfico 1 – Análise de correspondência dos elementos evocados para Diabetes Melittus

Diante da realidade percebida por esses diabé-ticos, quando eles pensam na doença, o elemento medicamento é o mais central, o que ajuda, junta-mente com os demais elementos, no fortalecimen-to, na construção e na estruturação da RS.

No gráfico 1, alguns elementos tendem a um agrupamento entre si, demonstrando a força da correlação. Afastando um pouco do centro, o elemento “dieta” está associado tanto a “açúcar”, quanto à “insulina”, demonstrando assim que para este grupo, a necessidade de cuidado com a dieta, principalmente com relação ao consumo de açúcar, e a necessidade de utilização da insulina são importantes. Prosseguindo o estudo da RS, os participantes também associam o DM à “doença” que é “sem cura” e necessita de um “cuidado sem-pre”. Um pouco mais periférico, encontram-se os elementos “tristeza” e “medo” que demonstram uma forte associação entre eles. Esse agrupamento

parece indicar que existe uma associação entre os sentimentos citados e, ao pensar no diabetes, gera medo e tristeza, o que remete à doença e a sua ca-racterística crônica, associando o DM ao controle da doença e suas restrições.

Além do estudo das representações do DM, torna-se importante também compreender como os participantes lidam no dia-a-dia com sua doen-ça. Para verificar as estratégias de enfrentamento mais utilizadas pelos participantes, foram extraídas as médias.

Sobre essas estratégias, constataram-se as estra-tégias de “Autopreservação” (x =2,26) e “Reavalia-ção Positiva” (x =2,25) como as mais frequentes (Gráfico 2).

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 278

tem-se a afirmativa“mudei ou cresci como pessoa de uma maneira positiva” (Savóia, 1996; Ceotto, 1999).

Ainda dentre as respostas com maior frequência encontra-se a estratégia de Suporte Social (x =2,05), que diz respeito à busca de informação e apoio de outras pessoas. A Resolução de Problemas (x =2,05) se caracteriza pela utilização de alternativas que, na visão do paciente, trazem melhoria à doença (Savóia, 1996; Ceotto, 1999).

Gráfico 2 – Estratégias de Enfrentamento mais utilizadas

Como EE mais citada pelos participantes, tem-se a autopreservação. Essa estratégia se caracteriza pela utilização de medidas que contribuem para uma melhor qualidade de vida, tendo como exemplo caminhar, fazer dieta, etc. A estratégia de Reavaliação Positiva, que também apresenta grande frequência nas respostas dos participantes, refere-se à habilidade dos sujeitos em encontrar o lado bom da situação em que estão inseridos, através da reavaliação do seu contexto. Como exemplo,

Gráfico 3 – Estratégias de Enfrentamento menos utilizadas

Por outro lado, as estratégias que foram consi-deradas como as menos utilizadas foram “Aceitação de Responsabilidade” (x =1,85), “Autocontrole” (x =1,94) e “Passividade” (x =1,96) (Gráfico 3). Com menor média de respostas, a Aceitação de Respon-

sabilidade é caracterizada pela esquiva do paciente em afirmar que suas ações contribuíram para o seu adoecimento. Completando a análise, a estratégia de Autocontrole (fala sobre o controle que a pessoa tem sobre a situação e seus sentimentos), junto com

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 79

a estratégia de Passividade (se caracteriza por uma maior conformidade com a doença e participação passiva sobre ela), ajuda na compreensão sobre a pouca utilização dessas estratégias pelos participan-tes (Savóia, 1996; Ceotto, 1999).

Para Barsaglini (2006), que estudou sobre a ex-periência no lidar com a doença dos pacientes com Diabetes Mellitus, há uma constante vigilância das práticas cotidianas destes para se adaptar à nova realidade com a doença. Essa prática evidencia uma busca pela Autopreservação, estratégia bastante utilizada pelos participantes desta pesquisa. Ainda para essa mesma autora, ter autocontrole para al-cançar a cura ou estabilização da doença foi bastante evidenciado por seus entrevistados. Nesse sentido, percebe-se diferença nos resultados encontrados, uma vez que a estratégia de autocontrole se apre-sentou como a segunda estratégia menos utilizada pelos participantes.

Em estudos com pacientes com doença renal crônica, Ravagnani, Domingos e Miyazaki (2007) apontam que a estratégia de enfrentamento mais utilizada nessa população é a de Reavaliação Positi-va, segunda estratégia mais utilizada no estudo atu-al, assemelhando-se por se tratarem de pesquisas com pacientes crônicos. Nunes (2005) apresenta o suporte social como uma importante estratégia de enfrentamento para lidar com o diabetes, terceira estratégia mais utilizada pelos participantes desta pesquisa.

Percebe-se que pelo DM ser uma doença crônica, ao mesmo tempo em que os pacientes procuram estratégias para enfrentá-la, o medo de complicações e até mesmo da morte vem à tona. O adoecimento, principalmente por uma doença crônica, traz consigo inúmeras mudanças nos hábi-tos de vida, geralmente acarretando novas formas de se colocar no mundo, criando novas estratégias para enfrentar a doença e suas consequências. Diante desse movimento constante para se adaptar à nova realidade, a passividade é pouco utilizada pelos participantes da pesquisa.

Com relação ao estudo das RS, a presença dos elementos que se aproximam no campo representa-cional se correlaciona também com algumas estraté-gias de enfrentamento utilizadas pelos participantes da pesquisa. Com maior tendência à centralidade,

as palavras medicamento, açúcar, dieta e insulina se apresentam. Na correlação com as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos participantes, esse conjunto de palavras evocadas remete à estratégia de autopreservação, na medida em que pensar na dieta, na utilização de insulina e no açúcar (como restrição) diz sobre atitudes que melhoram a quali-dade de vida e a convivência com a doença.

Outro agrupamento de palavras que seguem o sentido da estratégia de autopreservação são os ele-mentos de RS sem_cura, doença e cuidado_sempre. Ao pensar no diabetes como uma doença crônica sem_cura que requer um cuidado sempre, falam sobre medidas para que se evite o agravamento da doença para melhor convivência com o diabetes. Além de estarem relacionados à autopreservação, os agrupamentos de palavras dizem também sobre a estratégia de resolução de problemas, visto que na visão do paciente, tais ações trazem melhora de sua doença.

Em contrapartida, a relação de proximidade en-tre os elementos tristeza e medo e seu afastamento das outras expressões do campo representacional, trazem correlação com a estratégia de passividade, pouco utilizada pelos participantes. Tal estratégia se caracteriza pela conformidade e participação passiva sobre a doença, o que acontece quando o paciente se entristece ou tem medo do contexto de adoecimento.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 81

RACIONALIDADE E SOFRIMENTO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS MASCULINAS DE SAÚDE E DOENÇA

Julia Alves Brasil1, Zeidi Araujo Trindade1, Maria Cristina Smith Menandro1, Ágnes Bonfá Drago1, André Mota do Livramento1, Eduardo Coelho Ceotto1,

Elisa Avellar Merçon de Vargas1, Juliana Brunoro de Freitas1, Mirian Béccheri Cortez1

valores tradicionais de masculinidade e prejuízos para a saúde do homem tem sido tema de diversos trabalhos, principalmente na área da saúde (Couto et al, 2010; Gomes, Nascimento & Araujo, 2007; Medrado & Granja, 2009; Schraiber et al, 2005).

Apesar da menor probabilidade de desenvolver hábitos de cuidado e da maior propensão à depres-são, fadiga nervosa e maior vulnerabilidade ao HIV (Courtenay, 2000; Fragoso & Kashubeck, 2000; Guerriero, Ayres & Hearst, 2002), alguns autores apontam que homens com concepções tradicio-nais de masculinidade raramente procuram ajuda psicológica e/ou médica (Batista, 2005; Gomes et al, 2007; Robertson & Fitzgerald, 1992, Schraiber et al, 2005).

Esse conjunto de dados evidencia a importância de estudos focalizando a masculinidade em suas articulações com os processos de saúde-doença, salientando que as representações e práticas hege-mônicas e normativas que configuram os ideais de masculinidade favorecem o descuido com a saúde entre os homens.

Representações e práticas sociaisProposto por Serge Moscovici (1961), o termo

Representação Social (RS) designa um conjunto de fenômenos e processos relativos ao conhecimento do senso comum, ao pensamento leigo, até então considerado um conhecimento “desarticulado”, “pré-lógico” em oposição ao conhecimento cien-tífico (Almeida, Santos & Trindade, 2002). As RS podem, assim, ser entendidas como conjuntos de conceitos que se articulam com as práticas sociais e que expressam as diversidades grupais, tendo a função de produzir saberes sobre a realidade social, organizar identidades, orientar as condutas e tornar possível a comunicação entre as pessoas.

1 Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)/Rede de Estudos e Pesquisasem Psicologia Social (RedePso)

Introdução

Saúde e saúde do homemEste estudo propõe-se a discutir a compreensão

de saúde e doença de homens com base na perspec-tiva estrutural da Teoria das Representações Sociais.

Partimos de algumas compreensões de saúde-doença apresentadas por Canguilhem (1990) e partilhadas por alguns autores (Caponi, 1997; Coelho & Almeida Filho, 1999, 2002; Silva, 2005) quecompreendem saúde e doença como possibilidades de manifestação de modos de vida, que se difeririam apenas por graus de intensidade, contrapondo uma visão dualista. Um sujeito saudável seria aquele capaz de criar novas normas de vida, de modo que ela pudesse se expandir, ao contrário de um sujeito doente, aquele incapaz de instituir novas normas de vida, por entender a saúde como uma condição ideal de vida.

As experiências de saúde e doença têm sido foco de discussões tanto nas áreas da sociologia e antropologia como também da saúde. Nas primei-ras, encontramos, entre outras produções, estudos etnográficos e trabalhos teórico-críticos sobre conceitos e métodos para o estudo dessas temáticas (Duarte, 2003; Uchoa & Vidal, 1994). Na saúde, temos estudos epidemiológicos, descrições de casos clínicos, estudos críticos sobre saúde pública e cole-tiva e estudos de caso voltados a populações especí-ficas (trabalhadores, idosos, adolescentes, homens, mulheres, entre outros) (Couto, 2009; Figueira, Ferreira, Schall & Modena, 2009; Schraiber, Gomes & Couto, 2005; Silvestre & Costa Neto, 2003).

Um tema bastante atual e, por isso, carente de estudos e publicações, é a saúde masculina. Entre os estudiosos da temática, aponta-se o aumento da quantidade de estudos e a relevância de se discutir a fragilidade do homem frente aos cuidados com a saúde e enfrentamento de doenças (Greig, Kim-mel & Lang, 2000). Nesse sentido, a relação entre

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 282

A Abordagem Estrutural, utilizada neste estudo, foi desenvolvida por Abric (1998), sendo centrada nos processos cognitivos e na estrutura das RS. Essa estrutura é constituída por um núcleo central (mais estável, composto por um ou mais elementos que dão sentido e estabilidade à representação) e por uma periferia (composta por conteúdos mais acessíveis e menos estáveis das representações que permitem tanto sua concretização quanto sua modificação).

A utilização da Teoria das RS para examinar o binômio saúde-doença sob a perspectiva de homens justifica-se pelo fato de possibilitar a com-preensão de seus significados, considerando-se o contexto e suas condições de produção.

Contexto do estudoA Política Nacional de Atenção Integral à Saúde

do Homem (PNAISH) especifica alguns determi-nantes sociais que acabam por definir a vulnerabili-dade da população masculina aos agravos da saúde (Ministério da Saúde, 2008).

Diante das dificuldades geradas pelo distancia-mento masculino dos cuidados da saúde, da importância dos processos representacionais para a compreensão das práticas masculinas e da necessidade de produção de conhecimentos que instrumentalizem a elaboração de políticas públicas, foi estruturada a pesquisa “Masculinidade e Práticas de Saúde”, que teve por objetivo identificar e analisar comparativamente as RS de saúde-doença e as práticas de saúde masculina, com ênfase na sua saúde reprodutiva. Esta pesquisa foi realizada por núcleos de pesquisa de cinco capitais brasileiras: Belo Horizonte/MG, Vitória/ES, Florianópolis/SC, Brasília/DF e Recife/PE. Nessas cidades foram entrevistados 1095 homens de diferentes faixas etárias (18-25 e 45-60), escolaridades (fundamental, médio e superior) e classes sócio-econômicas (baixa, média e alta). A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas individuais, guiadas por um roteiro semi-estruturado, dividido em cinco blocos temáticos: 1. Representações de saúde e doença, 2. Homens e auto-cuidado, 3. Homens e serviços de saúde, 4. Gênero e Saúde, 5. Serviços de saúde, além dos dados de caracterização do sujeito.

Neste estudo, objetivamos analisar e discutir os dados coletados na cidade de Vitória/ES, referentes ao Bloco 1 do roteiro. Deste modo, propõe-se, com base nesses dados, identificar e analisar compara-tivamente as RSde saúde e doença entre homens moradores da Grande Vitória.

Método

Participantes e local de coleta dos dadosParticiparam do estudo 218 homens, com idades

entre 18 e 60 anos. Todas as entrevistas foram reali-zadas na Grande Vitória, segundo a disponibilidade dos participantes. Os entrevistados foram conta-tados com base na conveniência de acesso a eles.

Procedimento de coleta dos dadose instrumentoInicialmente, foi obtida a permissão dos partici-

pantes, mediante a assinatura do Termo de Consen-timento Livre e Esclarecido, contendo informações sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa e garantia do anonimato dos entrevistados. Em se-guida, foram realizadas entrevistas individuais por meio de roteiro contendo questões abertas e de as-sociação livre. Esta última consiste em uma técnica proposta por Abric (1998) para coletar os elementos que fazem parte das representações. Neste trabalho analisaremos as questões de evocação livre, a partir dos termos indutores “saúde” e “doença”.

Análise dos RiscosTendo como referência as normas da Resolução

016/2000 do Conselho Federal de Psicologia sobre a realização de pesquisa em Psicologia com seres hu-manos, avaliamos que a presente pesquisa ofereceu risco mínimo aos seus participantes, uma vez que não evocou conteúdos que causassem desconforto ou danos à vida dos entrevistados.

Procedimentos de organização eanálise dos dadosOs dados de evocação dos 218 participantes

foram analisados com o auxílio do software EVOC (Ensemble de Programmes PermettantL’Analyse dês Évocations), que analisa os elementos evocados segundo os critérios de frequência e ordem de evocação. Os dados são dispostos em quatro

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 83

quadrantes. No primeiro, encontram-se as palavras ou expressões primeiramente evocadas e com maior frequência de aparição. No segundo quadrante, há os elementos que tiveram uma alta frequência e mencionados nas últimas posições. Já no terceiro, estão aqueles elementos que tiveram uma baixa frequência e foram citados nas primeiras posições. E, no quarto quadrante, estão os elementos que tiveram menor frequência de evocação e foram mais citados nas últimas posições, configurando-se como a periferia distante ou segunda periferia na organização das representações (Ribeiro, 2000).

Resultados e Discussão

Corpo são, Mente sã: representações de saúdesegundo os homens da Grande VitóriaSegundo a abordagem estrutural, o núcleo

central e os elementos periféricos são entendidos como componentes da RS, que é regida por um

duplo sistema, na qual cada parte assume uma função específica e complementar à outra (Abric, 1998; Almeida, 2005). O núcleo central apresenta os elementos mais estáveis da representação, que mais resistirão às mudanças, ao passo que os elementos periféricos estão diretamente relacionados ao contexto estudado. Desse modo, os elementos periféricos ancoram a representação na realidade (função de concretização), assumem um papel essencial na adaptação da representação ao contexto social (função de regulação), além de funcionarem como um sistema de defesa do núcleo central, na medida em que permite o aparecimento de elementos contraditórios (função de defesa).

A análise sugere que as evocações presentes no primeiro quadrante possivelmente são os elementos que compõem o núcleo central da representação social de saúde compartilhada entre os participan-tes deste estudo.

Tabela 1 – Evocações de “Saúde” por homens moradores da Grande Vitória

Inferior a 2,8Termo evocado / Frequência /

Ordem de evocação

Bem-estar 85 2,035Corpo 25 2,520Cuidados 48 2,500Definições de saúde 25 2,520Essencial 27 2,481Hospital 30 2,600Prevenção 34 2,618Profissionais de saúde 27 2,296Vida 26 2,462

Doença 19 2,421Qualidade de vida 18 1,778

Superior ou igual a 2,8Termo evocado / Frequência /

Ordem de evocação

Atividade física 8 4,000Boa alimentação 69 2,928Felicidade 32 3,063Problemas no sistema público de saúde 35 2,800Vitalidade 30 3,400

Equilíbrio 12 3,333Higiene 13 3,308Medicação 16 3,313Saúde pública 12 2,917Sono 12 4,000Tranquilidade 14 3,571

EVOCAÇÕES DE “SAÚDE” DE HOMENSMédia da Ordem de Evocação

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Os elementos desse núcleo central, tais como bem-estar (físico e mental),corpo e cuidados, nos permitem sugerir que a representação de saúde pode estar ancorada numa visão tradicional, con-forme conceito de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), que enfatiza a importância de se considerar as dimensões física e psicológica do indivíduo para se assegurar uma vida saudável. Os elementos cuidados, prevenção, hospital e profis-sionais da saúde podem sinalizar um reforço da visão médico-organicista da saúde, relacionada às práticas, instituições e profissionais ligados ao sis-tema de saúde, focando, então, a questão orgânica, fisiológica do indivíduo.Considerando esses dois grupos de elementos, é interessante observar que, apesar de a saúde ser representada em suas dimen-sões física e psicológica, apenas o organismo apare-ce como foco de cuidados. Essa avaliação é possível visto que os mecanismos de cuidado citados pelos participantes incluem a instituição hospitalar e os profissionais associados a ela, predominantemente médicos e enfermeiros.

Alguns elementos periféricos observados no segundo quadrante, como atividade física e boa alimentação, nos possibilitam reforçar a ideia acima apresentada, na medida em que a concepção de saúde é enfatizada pela valorização do aspecto físico e do equilíbrio fisiológico, assegurado por uma ali-mentação saudável, essencial para manutenção de um corpo sadio. Essa compreensão marcadamente orgânica parece ser construída desde o início de nossa socialização, como mostram os resultados encontrados por Moreira e Dupas (2003) em seu estudo sobre a percepção que crianças têm acerca dos significados de saúde e doença, em que elas também destacam a importância dos cuidados com o corpo e com a alimentação e da saúde como um fator relacionado ao bem-estar.

Nesse sentido, é importante ressaltar que essa relação entre aspecto físico, exercício e alimentação parece indicar a ideia da saúde como uma respon-sabilidade individual na medida em que passa a depender majoritariamente do autocuidado e não da atenção e do acompanhamento de instituições e profissionais da saúde. Essa noção de que o indiví-duo deve buscar ter um estilo de vida saudável tem sido cada vez mais enfatizada pelo sistema de saúde

brasileiro, por meio de programas que possibilitem que o usuário possa cuidar da própria saúde (Cec-cim & Feuerwerker, 2004).

No terceiro quadrante observamos o elemento doença sendo evocado quando se fala de saúde, o que demonstra tanto oposição como complementaridade entre os elementos. Assim, a saúde é explicada pela doença (pela ausência desta). A maioria dos elementos evocados indica a saúde como algo positivo e valorizado, e mesmo necessário, essencial, sendo que a saúde estaria, assim, ligada a um sistema de saúde eficaz e, ao mesmo tempo, a aspectos individuais tais como exercícios e alimentação. No entanto, alguns elementos são evocados com alguma negatividade, como problemas no sistema de saúde. Essa expressão refere-se a evocações que nomeiam problemas estruturais e ao atendimento oferecido pelo sistema de saúde vigente (filas, dificuldade de marcar consulta, falta de medicamentos e de profissionais, dentre outras questões), indicando uma avaliação crítica em relação ao sistema e também demanda por melhorias.

A doença como a “não-saúde”:representações de doença segundoos homens da Grande VitóriaA Tabela 2, apresentada a seguir, ilustra o re-

sultado da questão de evocação referente ao termo indutor “doença”.

A análise dos elementos do primeiro quadrante indica que a representação de doença está ligada às enfermidades (DST, definições de doença), seus sintomas (físicos, principalmente) e a algumas consequências psicológicas (tristeza, sofrimento). Temos, então, o termo doença negativamente ava-liado pelos participantes, tanto na dimensão física como na psicológica.

Vale destacar que “Doenças Sexualmente Transmissíveis”, elemento que mais se sobressaiu neste quadrante, é um dos focos da discussão de grande parte dos estudos sobre saúde masculina. Em revisão bibliográfica publicada por Gomes e Nascimento (2006) sobre a temática, o tema mais frequentemente identificado nos artigos analisados foi Sexualidade Masculina. A análise desse tema, cujo enfoque predominante é uma sexualidade

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 85

“propensa à transmissão de infecções”, revela uma visão da sexualidade masculina marcadamente heterossexual e socialmente desregrada (relacio-namentos com prostitutas, infidelidade, ausência de cuidados preventivos).

Assim, percebemos a produção e reprodução de um discurso em que a principal doença mascu-lina a ser combatida é a sexualmente transmitida, discurso que parece ter sido apropriado pelos par-ticipantes, muito possivelmente devido às notícias da mídia sobre DST/AIDS, às campanhas sobre o uso da camisinha e também ao fato de a sexu-alidade e o ato sexual serem aspectos centrais na própria constituição do masculino. A sexualidade masculina possui, nesse sentido, grande impacto na hierarquização das diferentes masculinidades que podem ser exercidas e, consequentemente, serve de base para valorizar aqueles que mais se aproximam desse padrão.

Os elementos presentes na periferia mais próxi-ma, explicitada no segundo quadrante, podem ser organizados em três grupos temáticos: 1) conse-quências de estar doente (limitação, preocupação); 2) “problemas no sistema público de saúde” (ava-liação crítica acerca das políticas públicas voltadas a este setor) e 3) profissionais e ações que estão ligados ao tratamento desses problemas/doenças (medicação, profissionais da saúde).

No terceiro e quarto quadrantes é possível no-tar elementos relacionados às práticas que podem evitar a doença e às consequências de adoecer. Destacamos que os elementos relacionados à inati-vidade (acamado, limitação, dependência), podem estar associados à preocupação que muitos homens têm de ficar doentes e de que esta doença venha a atrapalhar suas atividades laborais (Gomes et al, 2007; Mendonça & Menandro, 2010).

Observamos, na zona periférica, a presença

Tabela 2 – Evocações de “Doença” por homens moradores da Grande Vitória

Inferior a 2,8Termo evocado / Frequência /

Ordem de evocação

DST 30 2,000Definições de doença 25 2,280Doenças/sintomas 97 2,742Dor 40 2,775Fraqueza 42 2,643Hospital 35 2,629Mal estar 44 2,432Morte 50 2,600Ruim 37 2,027Sofrimento 24 2,417Tristeza 63 2,413

Acamado 9 2,444 Cuidados 10 2,700Dependência 9 2,778Medo 13 2,154Problemas 15 2,200Saúde 8 2,250Sedentarismo 9 2,667

Superior ou igual a 2,8Termo evocado / Frequência /

Ordem de evocação

Limitação 34 3,235Medicação 34 2,971Preocupação 41 2,829Problemas no sistema Público de Saúde 17 3,765Profissionais de Saúde 27 3,185

Descuido 15 3,067Desequilíbrio 7 3,429Falta de saneamento 13 3,000Gastos financeiros 13 3,462Isolamento 12 3,917Má alimentação 9 3,000Prevenção 11 3,545Recuperação 13 4,308Transmissão 8 3,250Tratamento 13 3,231

EVOCAÇÕES DE “DOENÇA” DE HOMENSMédia da Ordem de Evocação

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de elementos ambíguos: descuido, dependência, problemas, cuidados, saúde e recuperação. Essa dinâmica poderia sustentar a centralidade das representações de doença, pois, o núcleo central é formado por elementos negativos, e na periferia encontram-se elementos tanto negativos como positivos, visto que se referem aos efeitos de estar doente, e aos cuidados, ao que é necessário para não ficar doente.

A Teoria das RS compreende essa ambiguidade como um processo do fenômeno próprio da repre-sentação. Conforme a abordagem estrutural, essa

termo parecem sinalizar diferentes modos com que os homens percebem e agem diante da “saúde” e da “doença”. Por exemplo, os conteúdos particulares “corpo, cuidados, profissionais da saúde e preven-ção” refletem uma atitude concreta e racional diante da “saúde”, ao passo que, ao serem apresentados ao termo “doença”, os homens não apenas descreve-ram sintomas concretos, mas trouxeram aspectos subjetivos pautados principalmente nos sentimen-tos que emergem diante dessa condição.

Considerações finais

De um modo geral, para os homens entrevis-tados, saúde e doença são avaliadas na forma de oposição: bom/essencial e ruim, respectivamente, sendo consideradas condições principalmente or-gânicas, que carregam e influenciam as condições psicológicas.

Os elementos centrais das RS de cada termo indutor remetem tanto a aspectos opositores que se complementam (mal-estar/bem-estar, vida/morte) como a aspectos mais concretos (no caso da saúde) ou mais subjetivos, emotivos

ambiguidade é mais explícita nos elementos perifé-ricos, que são mais flexíveis e passíveis de mudança e estão relacionados de forma mais contextual ao meio social de inserção dos sujeitos.

Análise dos elementos nuclearesA fim de discutirmos as representações de saúde

e doença a partir das relações de oposição e com-plementaridade que elas carregam, apresentamos, na Tabela 3, uma organização dos elementos que compõem os núcleos centrais das RS de saúde e doença segundo as evocações dos participantes.

Tabela 3 – Grupo de elementos do primeiro quadrante dos termos indutores saúde e doençaRELAÇÃO ENTRE OS

ELEMENTOSTERMOS INDUTORES

SAÚDE DOENÇAOpositivos Bem-estar, vida, essencial Mal-estar, morte, ruim

Particulares Corpo, cuidados, profissionais da saúde, prevenção

Doença-sintomas, tristeza, sofrimento, dor, fraqueza

Partilhados Hospital Hospital

Observa-se que os dois grupos de elementos puderam ser organizados a partir de uma maior ou menor semelhança em seus sentidos. Foram construídos três grupos: opositivos (termos contrá-rios e complementares), particulares (sem relação inicial entre os elementos dos dois quadrantes) e partilhados (o elemento está presente para ambos os termos indutores).

O elemento Hospital apresentou-se posicionado no primeiro quadrante de ambos os termos, o que nos permite concluir que este espaço é uma impor-tante referência institucional para a temática saúde/doença. Podemos inferir que, ao se evocar hospital diante do termo “saúde”, a relação estabelecida ocorre em termos de cuidados, enquanto que a evocação desse mesmo elemento diante do termo indutor “doença” pode aproximá-lo de questões referentes ao tratamento da doença.

Compreendemos que o grupo de elementos contrários reflete a oposição/complementaridade das representações dos próprios termos “saúde” e “doença” que, ao mesmo tempo em que se negam, precisam do outro para se fazer presente. Por outro lado, os elementos particulares evocados em cada

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 87

(no caso da doença). Além da reprodução do binarismo polarizado e idealizado dos fenômenos, os elementos particulares induzidos por cada termo nos permitem discutir a posição que os homens participantes assumem diante da saúde e da doença. Com relação à saúde, os homens se identificam como agentes racionais: cuidam do seu corpo e buscam cuidados profissionais. Nesse sentido, são ativos no seu cuidado e reconhecem que a saúde é mantida/construída devido às suas ações. Já a relação com a doença demonstrada pelos elementos particulares (tristeza, sofrimento, fraqueza), mostra-nos um homem que pouco aparece na literatura: aquele que sofre. Interessante notar que a declaração de tal fragilidade, assumir-se vulnerável, mesmo contrariando o modelo hegemônico, parece ser permitida na presença da doença.

Com base nesta análise, ao lançarmos nosso olhar para os elementos dos demais quadrantes, percebemos que, de um modo geral, as referências a sentimentos e condições atribuídos como positi-vos para a saúde aparecem com menor frequência (bem-estar, felicidade, vitalidade, qualidade de vida, tranquilidade) se comparadas com os sentimentos e condições relacionados à doença, que aparecem em todos os quadrantes (mal-estar, sofrimento, pre-ocupação, limitação, acamado, medo, isolamento).

Constata-se que as evocações de saúde e do-ença, em geral, aparecem em oposição, sendo que saúde gira em torno da positividade e doença da negatividade. Assim, as representações de saúde e doença, entre os entrevistados, dão-se numa perspectiva dualista, reforçando o binarismo saúde-doença, percebido como condições distin-tas da vida. Problematizamos essa perspectiva e entendemos que a compreensão dos conceitos de saúde e doença, como propostos por Canguilhem (1990), nos permite pensar a constituição da vida para além desse caráter maniqueísta.

Acreditamos que os conceitos de saúde e do-ença refletem uma conjuntura social, econômica, cultural e política. Assim como as RS, a própria ideia de saúde e doença está diretamente ligada ao contexto em que é construída, o que explica porque determinados aspectos da saúde/doença foram mais enfatizados em detrimento de outros quando questionamos os sujeitos dessa pesquisa.

Pretendemos, com este estudo, trazer para o campo da Psicologia Social algumas discussões sobre a relação entre masculinidade e saúde, bem como as representações que homens têm acerca de saúde e doença. Enfatizamos, assim, a necessidade de outros estudos serem realizados nessa área, de modo que possam subsidiar a construção de po-líticas públicas contextualizadas, que atendam as demandas da população.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 89

REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA DOENÇA DE ALZHEIMER PARA ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS DO ALTO VALE/SC

Annie Mehes Maldonado Brito1, Tatiana de Lucena Torres,Everley Rosane Goetz, Eli Katiani, Joelma Silva

de 70% das demências de início tardio (Goldman & Cote, 1991), e afeta cerca de 5 a 10% da popu-lação com idade superior a 65 anos, não sendo comuns os casos existentes entre jovens (Ávila & Bottino, 2008). A DA é uma desordem degenera-tiva progressiva, com características clínicas e pa-tológicas (Oliveira & Hodges, 2005). Tendo como principais características o déficit progressivo de memória coligado ao comprometimento de outra função cognitiva, tais como, atenção, linguagem, funções motoras, habilidades visuoespaciais, vi-suoperceptivas e construtivas (Ávila & Bottino, 2008; Teixeira & Caramelli, 2008).

O comprometimento da memória e das funções cognitivas causa um grande prejuízo na realização das atividades de vida diárias do paciente e em seus relacionamentos sociais (Bottino, Carvalho & Alvarez, 2002). Em consonância com Cummings (2007), uma grande parte da população desconhece os sintomas da DA, e os consideram como normais para a população geriátrica, sendo assim, muitos dos familiares do portador de Alzheimer, não pro-curam tratamento, e isso ocorre pelo desconheci-mento do quadro clínico da doença.

Faz-se necessário realizar estudos a respeito do conhecimento compartilhado no senso comum sobre a DA especialmente entre profissionais e estu-dantes da área de saúde, uma vez que estes deverão lidar diretamente com os portadores e construir um conhecimento mais reificado.

Método

A pesquisa foi realizada entre os meses de outubro de 2008 à abril de 2009, com os acadêmicos dos cursos de Educação Física e Psicologia de uma universidade, sendo apresentado o Termo

1 Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí; Universidade Federal de Santa Catarina

Teoria das representações sociais e abordagem estrutural

De acordo com Jodelet (2001), as representações sociais são produto e processo. Campos e Rouquet-te (2003) consideram a existência de fenômenos cognitivos que envolvem a pertença social dos indivíduos com implicações afetivas e normativas. Além disso, tais fenômenos são socialmente inter-nalizados ou transmitidos pela comunicação social.

Segundo Moscovici (2003) as representações sociais se organizam de acordo com as proposições, reações ou avaliações de cada classe, cultura ou grupo, através de três dimensões: (a) informação: quantidade e qualidade de conhecimento sobre o objeto; (b) atitude: preparação para ação, diz res-peito à orientação global favorável ou desfavorável para com o objeto; (c) campo de representação: organização destes conhecimentos e atitudes sob forma de teorias.

Vala (2006) afirma que na tentativa de tornar compreensível o objeto, dois processos sociocogni-tivos interligados formam as representações sociais: a objetificação e a ancoragem. A objetificação se refere à forma de organização dos elementos da representação e como estes elementos adquirem materialidade. A ancoragem se caracteriza pelo processo de referência a experiências e esquemas de pensamentos, interpretando o que é desconhecido através do conhecido.

A doença de Alzheimer

Alois Alzheimer (1864-1915) realizou os pri-meiros estudos sobre mudanças neuropatológicas concernentes às demências, através de um estudo de caso clássico, a partir do qual foi possível de-senvolver critérios neurológicos que identificam o diagnóstico do que hoje se denomina como Doen-ça de Alzheimer (DA). A DA corresponde a cerca

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de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) juntamente com o teste de Evocação Livre.

De acordo com Abric (2003) e Sá (1996), o mé-todo de Evocação Livre possibilita a identificação dos possíveis elementos que constituem o núcleo das representações sociais, separadas por um sis-tema central e um periférico. O procedimento de coleta do teste de Evocação Livre foi em situação coletiva, nas salas de aula de cada curso, sendo o instrumento auto-aplicado sob orientação das pesquisadoras. A questão utilizada para a evocação foi “Quando você ouve a palavra Alzheimer, quais são as cinco palavras que você pensa?” E posterior-mente pedia-se: “Destas cinco, quais são as duas palavras mais relevantes para você?” Cada aluno participou voluntariamente, mediante a assinatura do TCLE, sendo garantido a cada um o anonimato.

Para a análise dos dados quantitativos foi rea-lizada estatística descritiva e relacional através do programa Statistical Package for the Social Sciences – SPSS 15.0 e os dados textuais advindos do teste de evocação livre foram analisados pelos Programas Evocation 2000 e Simi 2000.

Resultados e Discussão

Este estudo teve delineamento empírico--descritivo, do tipo levantamento de dados.

Participaram desta pesquisa 252 pessoas sendo 68,3% mulheres e 31,7% de homens. A média de idade foi de aproximadamente 23 anos, sendo que para os homens (M = 22,39; DP = 6,11), enquanto para as mulheres (M = 23,02, DP = 6,88). Todos os participantes cursavam psicologia ou educação física numa universidade do Alto Vale do Itajaí, localizada no Sul do Brasil, na ocasião da pesqui-sa. A distribuição de estudantes por curso deu-se da seguinte forma: Educação Física (56%) e Psi-cologia (44%). Houve associação estatisticamente significativa, mas moderada, entre sexo e curso de graduação [c²(1) = 51,16, V= 0,45, p<0.001], considerando-se que as mulheres foram maioria na amostra e apenas no curso de Educação Física a amostra ficou pareada.

A Tabela 1 representa um diagrama de quatro quadrantes organizados em dois eixos: o eixo vertical corresponde à frequência de evocação das palavras e o eixo horizontal, à ordem média de evocações. Obteve-se 1266 evocações com 240 palavras diferentes e uma frequência média de aproximadamente três evocações por categoria semântica, sendo que 75,5% das palavras foram evocadas pelo menos seis vezes, no entanto, para facilitar a compreensão da tabela, o ponto de corte para a análise das palavras foi o dobro da frequên-cia descrita (12).

Tabela 1 – Diagrama de quadrantes segunda frequência e ordem média de evocação.OME < 2,9 OME ≥ 2,9

Elemento F OME Elemento F OMEf ≥18 Esquecimento 159 2,03 Tristeza 34 3,82

Doença 149 2,35 Sofrimento 30 3,43Perda memória 92 1,70 Solidão 26 3,65Velhice 56 2,48 Tratamento 26 3,84Idosos 44 2,68 Dependência 23 3,21Dificuldades 20 2,35 Cuidados 20 3,70

Família 19 4,32f < 18 Perdas 17 2,88 Cérebro 17 3,53

Degenerativo 15 2,80 Idade 16 3,18Tremores 14 2,28 Ajuda 14 4,07

Preconceito 14 2,92Isolamento 13 4,07Angústia 12 3,00Exclusão 12 4,08

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O quadrante superior esquerdo da tabela indica os elementos da representação social considerados como provavelmente centrais, são aqueles em que as frequências são maiores e que foram mais prontamente evocados. Os elementos do quadrante superior direito e inferior esquerdo se referem à periferia próxima, porque são cogni-ções relacionadas e que servem de suporte para o núcleo central da representação. Os elementos do quadrante inferior direito compõem o sistema periférico mais distante da representação social da DA.

Na tabela mencionada é possível observar que no quadrante superior esquerdo, destacam-se os elementos esquecimento, doença, perda de me-mória, velhice, idoso e dificuldades, indicando a associação da DA com a velhice e caracterizando-a nos seus aspectos mais específicos (esquecimento e perda da memória). É interessante ressaltar que diante de um grupo implicado no conhecimento reificado da área da saúde, esperava-se que o co-nhecimento compartilhado mantivesse aspectos mais funcionais da doença.

O quadrante superior direito estrutura a perife-ria da representação social da DA com os seguin-tes elementos: sofrimento e tristeza, fortalecendo a perspectiva de que a DA envolve dificuldades tanto para o portador quanto para a família, que sofre as consequências de problemas advindos da doença. O quadrante inferior esquerdo contém os elementos pouco enunciados, mas evocados com prontidão, estão associados com outra dimensão da periferia próxima que indicam que os partici-pantes ancoram o conhecimento sobre a DA, na doença de Parkinson, que possui a característica de descontrole motor e rigidez muscular (tremor). Enfocam aspectos causais (degeneração) e as con-sequências (perdas).

Os elementos que compõem o quadrante infe-rior direito trazem a heterogeneidade do grupo e suas especificidades. Neste quadrante um resumo de todos os outros pode ser encontrado, com ên-fase nos aspectos sociais da doença isolamento, ex-clusão, preconceito e sentimentos de angústia que a doença provoca, além da ajuda que o portador precisa através do acompanhamento e da ajuda familiar. A DA apresenta-se como uma doença

conhecida pelos participantes, sua origem se rela-ciona com problemas no cérebro e consequências da idade.

Ao ser realizado o teste confirmatório dos elementos centrais, através da frequência de in-dicações das palavras mais importantes, pode-se confirmar a presença das palavras que já estavam no núcleo como: esquecimento (66,2%), perda de memória (38,3%), doença (62,1%), idoso (18,3%), velhice (23,3%); além disso, verificou-se que a palavra tremor (5,8%) embora se encontrasse na periferia, apareceu como um importante compo-nente das representações sociais da DA porque foi um elemento evocado mais prontamente.

Ao avaliar a força da relação entre os elemen-tos da representação social é possível identificar a estrutura da representação social da doença de Alzheimer, além de identificar qual a conexão entre os elementos constituintes da representação. A representação gráfica do resultado dos estudos de conexidade é denominada de árvore máxima, em cujos vértices se encontram as variáveis e, nas arestas que as ligam, a conexidade, ou co-ocorrên-cia dentro um grupo de evocações. As categorias que aparecem conectadas ao final da aplicação de um critério (filtro) são aquelas que apresentam um grau de conexão mais forte, diretamente rela-cionado à frequência de indivíduos que indicam os referidos elementos de forma similar (Vergès, Junique, Barbry, Scano & Zeliger, 2002).

Ao se considerar a disposição dos elementos da representação, verifica-se que há uma orga-nização em torno da palavra sintomas, que tem forte conexão com “sentimentos”, “velhice” e “do-ença”. Como evidencia a figura 1, que apresenta a árvore máxima com as conexões obtidas pela aplicação do primeiro filtro, cujo critério foi de 12 co-ocorrências.

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Figura 1 – Gráfico dos elementos mais relacionados com Doença de Alzheimer – Filtro 12.

Outros elementos sustentam essa conexão mais forte, como é possível perceber na associação entre os elementos sintomas, doença e médico, e também sentimentos, sintomas, doença e família. Isso indica o quanto a doença atinge não somente os porta-dores, mas também a sua rede social e o quanto a doença é representada pelos sintomas.

Considerações finais

A DA foi representada pelos participantes deste estudo como uma doença ligada à velhice e ao envelhecimento, confirmando a difusão do conhecimento científico quando os estudantes retratam a associação do esquecimento e da perda da memória proveniente de causas advindas de problemas degenerativos. No entanto, os mesmos estudantes recorrem ao conhecimento do senso comum quando ancoram suas representações sociais no tremor que seria uma característica da Doença de Parkinson, doença também vinculada à velhice e ao envelhecimento. Principalmente as representações sociais da DA se relacionam com os sintomas, sentimentos, sobretudo de familiares, e os cuidados médicos necessários ao tratamento.

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A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DE CHICO XAVIER POR DIVERSOS RELIGIOSOS E NÃO RELIGIOSOS

Tiago Paz e Albuquerque1

Celso Pereira de Sá1

Em virtude da reconhecida importância do médium no cenário religioso do país e da ampla exposição da sua vida e obra, tomamos a iniciativa de realizar um estudo empírico sobre o que pensa a população brasileira a respeito desse personagem religioso e, por extensão, sobre as ideias por ele propagadas, relativas à crença nos espíritos, à co-municação entre eles e os “encarnados” (os vivos) e à reencarnação. Aproveitamo-nos, assim, desse contexto social e comunicacional favorável em torno de Chico e, em especial, do filme biográfico que foi lançado no mesmo dia do centenário do seu nascimento.

Apesar da importância de Chico Xavier para a sociedade brasileira, a literatura acadêmica sobre ele é recente e limitada7. Ela tem, geralmente, ressaltado seu caráter exemplar e mítico – ora em nível local (enfocando sua presença e influência no meio espírita), ora global (abrangendo para todo o território nacional) –, e analisado obras psicografadas por ele. Entre os estudos que tratam de analisar a exemplaridade da pessoa de Chico

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ2 Para o Espiritismo, a psicografia é um tipo de escrita mediúnica. Para

que aconteça é necessário quehaja um espírito interessado em dar uma mensagem e um médium, isto é, alguém com certa aptidão biológica que lhe permite registrar sua presença e/ou pensamentos.

3 O Brasil, mais que uma nação católica, é um país cristão, cobrindo quase a totalidade das religiões aqui inseridas. Mesmo as de origem oriental, reconhecem em Jesus, minimamente, como um ser santo, alma iluminada ou profeta.

4 As semelhanças entre Chico Xavier e Francisco de Assis já fora assinalada por espíritas e destacada nas análises que Bernardo Lewgoy (2004) realiza sobre a presença do médium na cultura brasileira. Para uma apreciação da categoria “santo” em Chico Xavier, pode-se conferir o trabalho de Sandra J. Stoll (2003) e o já citado trabalho de Lewgoy.

5 Para Gilberto Velho (2003), é a crença em espíritos e em sua comunicação periódica, através de indivíduos, uma das chaves mais importantes para se pensar a própria cultura brasileira.

6 Os títulos foram: “Chico Xavier” (abril/2010), “Nosso Lar” (setembro/2010), “As mães de Chico Xavier” (abril/2011) e o documentário “As cartas de Chico Xavier” (novembro/2010). Os dois primeiros tiveram recordes de bilheteria e de espectadores: “Chico Xavier” com mais de 3 milhões e 400 mil espectadores, “Nosso Lar” com mais de 4 milhões – este último, foi uma adaptação de obra homônima psicografada por Chico Xavier.

7 Para uma listagem mais detalhada das teses e dissertações brasileiras sobre o Espiritismo e Chico Xavier ver Albuquerque (2011).

Introdução

O médium espírita Francisco Cândido Xavier, mais conhecido por Chico Xavier, impôs-se no cenário religioso brasileiro como uma das perso-nalidades mais admiradas, polêmicas e de maior visibilidade. Ao longo de décadas, milhares de no-tícias sobre ele foram veiculadas pela grande mídia, despertadas pelo seu carisma e simplicidade, pelas centenas de livros e milhares de cartas psicografa-das2 – e por ele atribuídas a pessoas que morreram –, pela frequente assistência proporcionada aos que o buscavam e pelas várias controvérsias em que foi envolvido. Encarnando as virtudes cristãs do amor, humildade, renúncia, caridade, perdão, pobreza e castidade, Chico se tornou mais que um médium, convertendo-se em grande exemplo de cristão3, humano ou, popularmente, um verdadeiro “santo” – um Francisco de Assis4 da atualidade.

A credibilidade conquistada por Chico ao longo dos anos estendeu-se, também, para os fenômenos que afirmava viver e que atribuía à influência dos espíritos, reforçando a representação social de que os espíritos estão constantemente presentes na vida ordinária5. Sua obra passou a ser referência e prova, para muitos, do que acontece depois da morte.

A importância de Chico no Brasil é indiscutível, sendo prova inconteste disso os variados produtos e notícias, lançados no ano passado, ano em que se comemorou o seu centenário de nascimento. Entre dois de abril (dia do seu nascimento) de 2010 e de 2011, foram lançados três filmes e um documentá-rio6, mais de duas dezenas de livros – de biografias e de coletâneas com mensagens psicografadas que ainda não haviam sido publicadas –, minissérie, vários especiais de TV, lançamento de selo come-morativo, além de inúmeros cadernos e matérias especiais em jornais e revistas de grande circulação no país. Houve, nesse sentido, grande revisita à sua vida e às suas ideias.

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Xavier, são acionadas quatro diferentes chaves de leitura: o santo (Stoll, 2003); o herói (Fernandes, 2008); o mediador (Lewgoy, 2004); o espírito superior (Albuquerque, 2009). Em nenhum deles, entretanto, procurou-se investigar o que os diferentes grupos de religiosos e sem religião pensam sobre ele.

Adotamos, para essa investigação, a teoria psicossocial das representações sociais, proposta por Serge Moscovici (1961/1978, 2003). Para ela, a realidade é uma construção social, em que se movimentam variados fluxos de ideias (imagens e conceitos) que são mobilizadas, no intercurso da comunicação, pelos diferentes grupos que estrutu-ram nossa sociedade. Desses intercâmbios resulta a conformação de inúmeras práticas sociais, guiando o indivíduo na sua vida cotidiana. A definição de representações sociais proposta por Denise Jodelet (2001) sintetiza as principais características do con-ceito: “uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma reali-dade comum a um conjunto social” (p. 22). Essa teoria tem sido especialmente útil no estudo dos processos de gênese, transformação e projeção do conhecimento ou ideias na sociedade.

Adicionalmente, recorremos às contribuições da abordagem estrutural das representações sociais, ou teoria do núcleo central, formulada inicialmente por Jean-Claude Abric, em 1976 (Sá, 1996, Abric, 1998, 1996). Para Abric (1996), as “representações sociais são conjuntos sociocognitivos organizados e estruturados”, cuja estrutura é “constituída de dois subsistemas: um sistema central e um sistema pe-riférico”; para ele, definir uma representação social implica em “identificar os elementos centrais – o núcleo central – que dão à representação sua sig-nificação, que determinam os laços que unem entre si os elementos do conteúdo e que regem enfim sua evolução e transformação” (p. 10).

Assim, tivemos como objetivo do estudo mais amplo em que a presente comunicação se insere – a tese de doutorado do autor principal – a descrição e a análise das representações sociais de Chico Xavier, construídas por adeptos de diferentes religiões (católicos, evangélicos, espíritas e umbandistas) e por pessoas sem religião (teístas, agnósticos e ateus).

Neste texto, limitamo-nos a apresentar a parte da pesquisa que envolveu o levantamento temáti-co dos conteúdos das diferentes representações, a identificação dos temas que ocupam posições cen-trais e periféricas nas suas respectivas estruturas, e a conexidade entre eles.

Método

De acordo com a abordagem estrutural das re-presentações, dois critérios podem ser levados em conta para a pesquisa do “núcleo central” de uma representação: a saliência dos elementos; a conexi-dade entre esses elementos (Sá, 1996).

A coleta de dados que interessam a presente comunicação foi feita através de uma tarefa de evocação livre ao termo indutor “Chico Xavier” e de hierarquização das palavras segundo ordem de importância – ambas, precediam um questionário padronizado destinado à obtenção de outros tipos de dados. A análise foi realizada através da técnica do Quadro de Quatro Casas, com o auxílio do software EVOC 2003 (cf. Oliveira et al.,2005, Sá, 1996). Essas técnicas foram utilizadas para indi-car a saliência dos elementos da representação social de “Chico Xavier” em cada um dos grupos referidos.

Para investigação da conexidade, calculou-se o índice de similitude (semelhança) entre os elementos mais frequentemente evocados a partir dos valores de co-ocorrência também obtidos com o auxílio do EVOC. Com esses dados foi possível construir, para cada grupo, uma “árvore máxima”, sintetizando graficamente o conjunto das conexões entre tais elementos, indicando, desse modo, a força da ligação entre eles (cf. Oliveira et al., 2005). Para Vergès (2005) a importância do estudo da conexidade reside na possibilidade de “constituição de redes semânticas”, levando “a ver uma imagem da organização dos elementos de uma representação social” (p. 215). Limitou-se, aqui, a indicar apenas o elemento com maior número de ligações estabelecido com os demais, indicativo de possível centralidade de uma repre-sentação social.

Os dados foram coletados através dos dois tipos de questionário – impresso e web –, totalizando

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2211 respondentes8. A coleta dos dados através da internet gerou uma amostra não-aleatória, pois, diferentemente da primeira que fora intencional-mente estratificada, dependeu do interesse dos participantes. Esta segunda amostra foi formada pelo procedimento “bola de neve”9.

O conjunto de todos os participantes se distri-buiu da seguinte forma: espíritas (1244; 53,6%), católicos (378; 16,3%), teístas (242; 10,4%), umbandistas (125; 5,4%), outras religiões (100; 4,3%), ateus (91; 3,9%), evangélicos (86; 3,7%) e agnósticos (56; 2,4%).

Resultados e Discussões

A evocação livre de palavras em resposta ao estímulo indutor “Chico Xavier” gerou um total de 10.989 evocações, com 1.284 palavras diferentes,

que, submetidas aos processos de padronização inicial e categorização posterior, configuraram 436 categorias distintas. A distribuição das evocações entre os grupos, bem como a presença das pala-vras diferentes e das categorias em cada um deles é mostrada na Tabela 1.

Ao calcularmos a razão entre o número de evocações pelo número de categorias, em cada grupo, podemos verificar o grau de dispersão ou concentração delas, o que revela também o grau de consenso ou dissenso existente entre os grupos. A última coluna da Tabela 1 mostra, desse modo, que a menor dispersão dos termos ou o maior consenso sobre a figura de Chico Xavier se encontra entre os ‘espíritas’. Os ‘evangélicos’, ‘ateus’ e ‘agnósticos’ apresentaram uma maior dispersão das evocações, o que indica um maior distanciamento em relação ao personagem em questão.

8 A primeira amostra, com 100 participantes, foi coletada entre os dias 29 de abril e 30 de maio de 2010, e a segunda, com 2141 participantes, entre 1 de julho e 27 de agosto do mesmo ano. O número de 30 questionários foi desconsiderado dessa análise devido à impossibilidade de agrupar os sujeitos ‘sem religião’ em ‘teístas’, ‘agnósticos’ e ‘ateus’, por omissão de informações.

9 Foi pedido aos próprios participantes que divulgassem o link da pesquisa para seus demais contatos de e-mail.

10 O valor médio obtido pelos espíritas, em relação à quantidade de participantes de cada grupo, seria: 14,6 com a mesma quantidade de católicos; 6,1 para o mesmo número de protestantes; 7,2 para umbandistas; 11 para teístas; 4,7 para agnósticos; 6,3 para ateus. A diferença entre os ‘espíritas’ com cada um dos outros grupos foi, em média, 60% superior ao valor apresentado por eles.

Tabela 1 – Resultado da evocação livre de palavras para o termo “Chico Xavier” em cada grupo de religio-sos e sem religião segundo número de participantes, palavras, categorias, total de evocações e frequência média de evocação das categorias

Grupo N.participantes

N.palavras

N.categorias

N. total de evocações

Frequência média deevocação das categorias

Católicos 378 472 217 1872 8,6Evangélicos 86 202 119 424 3,6Espíritas 1244 648 222 6196 27,9Umbandistas 125 184 109 623 5,7Outras religiões 100 173 106 495 4,7Teístas 242 339 172 1201 7,0Agnósticos 56 149 99 278 2,8Ateus 91 236 136 453 3,3Amostra geral 2.211 1.284 436 10.989 25,2

Todavia, essa distância entre os ‘espíritas’ e os demais grupos deve ser relativizada, pois há uma grande diferença na distribuição dos grupos. Não se pode deixar de notar que quanto maior a quan-tidade de participantes maior a média de citações por categoria. Isso, no entanto, não invalida a ob-servação feita anteriormente. Pois ao tomarmos do total de ‘espíritas’ amostras aleatórias com a mesma quantidade de participantes de cada grupo ainda vamos observar os ‘espíritas’ com menor grau de dispersão10. A partir daí, pode-se verificar melhor que qualquer que seja a representação que esses grupos tenham de Chico Xavier ela é menos consen-sual para os ‘ateus’, sendo seguido pelos ‘evangélicos’,

‘católicos’ e ‘agnósticos’ (com valores próximos). Já os ‘umbandistas’ e de ‘outras religiões’ apresentam maior consensualidade, levando-se em conta o grau de dispersão apresentado pelos ‘espíritas’.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 97

Considerando o conjunto de evocações pro-duzidas, a representação de Chico Xavier parece bastante positiva, pois os seguintes termos são evocados com uma alta frequência, em pelo me-nos um dos grupos: abnegação / desprendimento, amor, bondade, caridade, compaixão / compreen-são, compromisso / seriedade, dedicação, discipli-na, doação, espiritualidade, evolução, exemplo, fé, fraternidade, honestidade / integridade, hu-mildade, luz / iluminado, paciência / tolerância, paz, perseverança, pureza / doçura, resignação, sabedoria, serenidade / tranquilidade, solidarie-dade / generosidade, trabalho. Por outro lado, não faltam também termos que associam Chico Xavier a noções de cunho negativo, como char-latanismo / fraude, satanás / demônios, doente mental, engano / mentira. Há também um elenco de palavras que poderíamos chamar de ‘neutras’ evocadas na representação de Chico Xavier, como Espiritismo / espírita, espíritos, famoso, filme,

idoso, inteligência, livros / mensagens, médium / mediunidade, morte, psicografia, reencarnação, religião.

Os resultados da análise comparativa sintetiza-dos na Figura 1 comprovam que, na representação de Chico Xavier construída pelos brasileiros, ele sobressai como alguém portador de muitas qua-lidades positivas. De fato, a maioria dos grupos estudados não teve mais que 3% das evocações atribuindo qualidades negativas a Chico Xavier. E, em especial, entre os ‘espíritas’, ‘umbandistas’ e adeptos de ‘outras religiões’, o percentual dos que lhe atribuem qualidades positivas é de pelo menos 90% dos participantes. Finalmente, embora os ‘ateus’, ‘evangélicos’ e ‘agnósticos’ tenham emiti-do, respectivamente, 28%, 16% e 10% de juízos negativos, verifica-se que 13% dos primeiros, 24% dos segundos e 38% dos terceiros possuem uma representação de Chico Xavier em que se sobressaem os aspectos positivos.

Figura 1 – Percentual das evocações que atribuíam característica “positiva”, “neutra” e “negativa” para Chico Xavier em cada grupo de religiosos e sem religião

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 298

Vale a pena, por outro lado, analisar especi-ficamente os temas que fazem parte do possível núcleo central da representação de Chico Xavier em cada um dos grupos estudados, dado seu papel na estruturação das representações e o consequente critério comparativo básico que ele proporciona. Inicialmente, estão apresentadas, na Tabela 2, todas as categorias temáticas que se revelaram centrais em pelo menos um dos grupos, acompanhadas das principais palavras evocadas que as compõem.

Tabela 2 – Principais evocações que compuseram as categorias identificadas como possível “núcleo central” em pelo menos um dos grupos de religio-sos e sem religião para o termo “Chico Xavier”

Categoria11 EvocaçãoAmor amor, amor ao próximo,

altruísmo, amor incondicional, amoroso, amorosidade, amabilidade, amor universal, homem amor, altruísta, amor fraterno.

Bondade bondade, bondoso, bom, homem bom.

Caridade caridade, ajuda, caridoso, ajuda ao próximo, assistência, auxílio, caridade espiritual, assistência social.

Charlatanismo / fraude

charlatão, charlatanismo, fraude, manipulador, aproveitador, manipulação, ladrão.

Doente mental esquizofrênico, louco, esquizofrenia, loucura, doido, doente mental.

Engano / mentira

mentira, farsa, engano, enganador, mentiroso, falsidade, enganação, enganado, farsante, engodo.

Espiritismo / espírita

Espiritismo, espírita, doutrina espírita, kardecismo, kardecista.

Humildade humildade, simplicidade, humilde, simples.

Médium / mediunidade

médium, mediunidade, grande médium, vidente, comunicação, vidência, sensitivo, contato.

Paz paz, paz interior, paz de espírito.Psicografia psicografia, criptografia,

psicógrafo, psicografar, psicografias.

A categoria amor está permeada do sentido evangélico do amor ao próximo, ou de uma mani-festação mais ampla desse sentimento, denotada pelos qualificativos incondicional e universal. Na ca-tegoria caridade reuniram-se termos de significado próximo, como ajuda, assistência e auxílio; somou--se ainda à noção de caridade material o aspecto espiritual. Em charlatanismo/fraudeestá presente a ideia daquele que se utiliza de expedientes diversos (manipulando, fraudando ou aproveitando-se) para convencimento dos outros e obtenção de ganhos pessoais. Em doente mental, não há apenas uma referência genérica a um estado de loucura ou desequilíbrio, mas a atribuição de um diagnóstico de esquizofrenia. Na categoria humildade, está pre-sente também a ideia de simplicidade. Em médium/mediunidade destaca-se ainda a característica de ver, sentir ou se comunicar com os espíritos, ex-presso por vidente, vidência, sensitivo, comunicação e contato.

Apresenta-se em seguida, na Tabela 3, a distri-buição dessas categorias pelos núcleos centrais das representações dos grupos estudados, informando-se, em cada caso, a frequência (absoluta e relativa) e a ordem média de importância (OMI) alcançadas por elas.

Entre as categorias levantadas como possivel-mente centrais nas representações de Chico Xavier pelos diferentes grupos, observa-se que: amor foi privilegiado, em ordem decrescente, pelos sujei-tos de ‘outras religiões’, ‘espíritas’, ‘umbandistas’, ‘teístas’ e ‘católicos’; Espiritismo / espírita foi a categorização preferida pelos ‘evangélicos’ e pelos ‘agnósticos’; charlatanismo / fraude foi o aspecto mais acentuado pelos ‘ateus’. Verifica-se ainda que as categorias amor e Espiritismo / espírita estão presentes, embora com frequências e importâncias variadas, nos núcleos centrais das representações da maioria dos grupos.

11 O título dado para as categorias levou em consideração a(s) palavra(s) que apresentava(m) maior frequência de evocação.

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Tabela 3 – Resultado do quadrante “núcleo central” para cada grupo de religiosos e sem religião a partir da análise das evocações livres para o termo “Chico Xavier”, segundo frequências (absoluta e relativa) e ordem média de importância

CategoriasCatólicos Evangélicos Espíritas Umban-

distasOutras

religiões Teístas Agnósticos Ateus

F % OMI F % OMI F % OMI F % OMI F % OMI F % OMI F % OMI F % OMI

Amor 117 31 2       847 68 1,66 77 62 1,73 41 41 1,46 89 37 1,94            

Bondade 111 29 2,65                   27 27 2,7 66 27 2,7            

Caridade 92 24 2,54       681 55 2,35 59 47 2,58 25 25 2,84 78 32 2,77 15 27 2,6      

Charlatanismo / fraude

                                          33 36 2,03

Doente mental                                           18 20 2,5

Engano / mentira

      19 22 2,47                                    

Espiritismo / espírita

125 33 2,31 56 65 2,3             26 26 2,65 82 34 2,62 23 41 2,39 44 48 2,3

Humildade 76 20 2,72       461 37 2,75 51 41 2,78       45 19 2,87            

Médium / mediunidade

72 19 2,67 25 29 2,64             19 19 2,95 41 17 2,76 14 25 2,86 19 21 2,58

Paz                         23 23 2,87 63 26 2,87            

Psicografia       24 28 2,79                                    

A análise da conexidade dos elementos da representação social de Chico Xavier confirmou as categorias amor e Espiritismo / espírita como possivelmente centrais, por estabelecerem o maior número de ligações com os demais elementos. A primeira estaria possivelmente organizando o sen-tido da representação de Chico para os ‘católicos’, ‘espíritas’, ‘umbandistas’ e de ‘outras religiões’; e a segunda, organizando o sentido para os ‘evangéli-cos’, ‘agnósticos’ e ‘ateus.

Depreende-se daí que, nesses grupos, as repre-sentações de Chico Xavier comportam tanto uma perspectiva valorativa, pela sua identificação com uma virtude (o amor) quanto uma perspectiva funcional, pela indicação do seu grupo de pertença (o Espiritismo).

Conclusões

Os resultados desta parte da pesquisa sobre a representação social de Chico Xavier sugerem a existência de duas representações parciais – dis-tintas, porém não conflitantes – no conjunto dos grupos analisados. A primeira organizada em torno

da categoria representacional amor;e a segunda em torno da categoria Espiritismo/espírita.

A representação social de Chico Xavier para os ‘católicos’, ‘espíritas’, ‘umbandistas’, de ‘outras religi-ões’ e ‘teístas’ se encontra nitidamente estabelecida em função dessa perspectiva valorativa do amor, dessa virtude tão difícil de ser encontrada em ter-mos incondicionais e universais, como parece ser a ele atribuída.

A frequente alusão ao Espiritismo, que estrutura uma segunda representação, embora correta em termos de vinculação religiosa, parece implicar certo distanciamento em relação a Chico Xavier, pois ele é visto unicamente no limite de seu próprio grupo. Chico é representado, dessa forma, especial-mente pelos ‘evangélicos’, ‘ateus’ e ‘agnósticos’.

Embora os oito grupos referidos possam agru-par-se em referência a uma ou outra dessas duas perspectivas, há algumas proximidades e distinções mais específicas entre as suas representações que merecem ser destacadas.

Entre ‘espíritas’ e ‘umbandistas’ pode-se dizer que não existem diferenças substanciais na estrutu-ra da representação social de Chico Xavier. Além do

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2100

termo amor, já apontado, ambos acentuam como centrais a humildade e a caridade. Os dois grupos são também os únicos a não privilegiar os termos Espiritismo / espírita e médium / mediunidade, talvez devido ao fato dos espíritas e umbandistas lidarem comumente com o fenômeno mediúnico e de que muitos umbandistas também se consideram espíritas ou com estes partilham suas ideias.

Quanto aos ‘católicos’ e ‘teístas’, que comparti-lham com os ‘espíritas’ e ‘umbandistas’ a referência básica aos termos amor, humildade e caridade, cabe destacar o privilégio dado ao termo paz, presente no “núcleo central” do grupo ‘teístas’ e na primeira periferia do grupo ‘católicos’, que parece para eles completar o sentido do amor. A afinidade entre o pensamento dos ‘católicos’ e ‘teístas’ talvez seja de-vido ao fato de muitos ‘teístas’ serem, na verdade, antigos católicos não-praticantes que resolveram abandonar essa identificação.

Os demais grupos, embora ressaltem o cará-ter funcional espírita e médium de Chico Xavier, distinguem-se entre si quanto aos elementos va-lorativos das suas representações. Os ‘evangélicos’ acentuam o engano / mentira que ele supostamente teria protagonizado. Os ‘agnósticos’ reconhecem a pessoa caridosa que ele foi. Para os ‘ateus’, Chico foi acima de tudo um charlatão, mas também, um tan-to mais generosamente, um doente mental, alguém que pode até ter chegado a fazer algo de bom apesar da sua loucura.

Concluindo, acreditamos que o presente traba-lho – apesar de ser apenas uma primeira aproxi-mação a um estudo mais completo do complexo fenômeno psicossocial que a vida, a atuação e a obra de Chico Xavier configuram no cenário brasileiro – traz uma contribuição ao tratamento do tema nos termos teórico-metodológicos das representações sociais. Embora a grande maioria dos respondentes tenha sido de adeptos do Espiritismo, verificou-se que, no conjunto de todos os “religiosos” e “não religiosos”, a representação social de Chico Xavier apresenta um caráter preponderantemente positivo. Por outro lado, como era de se esperar em uma po-pulação plural como a brasileira, a adesão a culturas religiosas distintas mostrou constituir um fator sociocultural significativo na formação das repre-sentações, tanto no que se refere a aproximações e

concordâncias quanto a afastamentos e oposições inconciliáveis. Eventuais resultados maciçamente favoráveis ou maciçamente desfavoráveis à figura de Chico Xavier não corresponderiam, por certo, à realidade psicossocial aqui focalizada.

Referências

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 101

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS COMO OBSTÁCULOS SIMBÓLICOS À INCORPORAÇÃO DO HABITUS CIENTÍFICO

Moisés Domingos Sobrinho1

precisam ser apreendidos como uma totalidade significante e um guia para a ação. Por essa razão, são essencialmente prescritivas: “[...] elas se im-põem sobre nós como uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o que deve ser pensado” (Moscovici, 2003, p. 36).

Inspirado na obra de Durkheim, que procurou dar ao senso comum um novo estatuto epistemo-lógico, ao considerá-lo um fato social e não um falso pensamento sobre a realidade, Moscovici renovou a análise do conceito durkheimiano de representações coletivas, passando a denominá-lo representações sociais, por serem essas, na con-temporaneidade, caracterizadas pela intensidade, fluidez das trocas e comunicações, sofrerem a influ-ência de informações científicas e levarem a marca da pluralidade e mobilidade sociais. Realidade bem diferente da vivenciada por Durkheim na transição do século XIX para o século XX.

As representações sociais interferem na assi-milação dos conhecimentos, no desenvolvimento pessoal, na construção das identidades pessoais e sociais, nas formas de expressão dos grupos e nas transformações sociais. Por isso, seu estudo cons-titui uma contribuição decisiva para a abordagem da vida mental individual e coletiva (Jodelet, 2001).

Como já abordamos em outro texto (Domingos Sobrinho, 2000), Moscovici elaborou sua teoria tendo, dentre outras preocupações, a de fugir à dicotomização e descontextualização da relação sujeito/objeto presentes na Psicologia Cognitiva dos anos 1950 e na sociologia de Émile Durkheim. Na sua ótica, os processos através dos quais os indivíduos representam o mundo são dinâmicos, complexos e não comportam corte ou separação

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Introdução

Desde 1994, lidamos com as disciplinas de pesquisa e metodologia científica no curso de Pe-dagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), as quais vêm assumindo novas configurações a cada mudança de currículo, tendo em vista melhor adaptar-se às demandas de cons-trução do perfil do Pedagogo. Aproveitando essa experiência e necessidade profissional, decidimos, no início de 2001, aplicar, sistematicamente, um formulário solicitando aos alunos e alunas que evocassem livremente palavras associadas ao termo indutor Ciência. Isso foi feito em dois momentos: 2001 a 2003 e no ano de 2010.

O objetivo desse levantamento sempre foi o de conhecer os sentidos de ciência pré-existentes entre os estudantes de Pedagogia que cursavam, pela primeira vez, uma disciplina voltada para a pesquisa. Assim, apresentamos aqui os resultados preliminares desse trabalho, cuja finalidade maior é desenvolver estratégias de ensino-aprendizagem que contribuam para o processo de incorporação dos sistemas de esquemas mentais constitutivos do habitus científico.

Sobre o fenômeno das representações sociaisPara nos ajustarmos ao mundo, diz Jodelet

(2001), precisamos saber como nele nos com-portar, dominá-lo física ou intelectualmente, identificar e resolver os problemas do cotidiano. Daí a necessidade de construirmos representações sociais, isto é, saberes ditos espontâneos, ingênuos, do senso comum, que regem nossa relação com o mundo e com os outros, organizam e orientam as condutas e comunicações sociais. Como fenô-menos complexos, as representações sociais são compostas por elementos informativos, cogniti-vos, ideológicos, normativos, por crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens, dentre outros, que

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2102

entre o universo interior e exterior a eles. O objeto de uma representação faz parte de um contexto ativo e é concebido pela pessoa ou grupo, pelo menos parcialmente, como prolongamento de si mesmo. Como sistemas de pré-concepções, de imagens e valores, as representações sociais têm sua própria significação cultural e sobrevivem indepen-dentemente das experiências individuais tomadas isoladamente. Possuindo um caráter coletivo, não visam a dar conta das diferenças individuais, mas somente das diferenças entre grupos.

Dado o fato de se situarem na interface das dimensões psicológica e social, o estudo das repre-sentações sociais deve, por um lado, levar em conta o funcionamento cognitivo e do aparelho psíquico e, por outro lado, o funcionamento dos sistemas sociais, a dinâmica dos grupos e das interações, na medida em que essas afetam sua gênese, estrutura e evolução (Jodelet, 2001).

Sobre a teoria do núcleo centralOs dados que passaremos a analisar não po-

dem ser compreendidos sem se fazer referência à teoria complementar das representações sociais desenvolvida por Jean-Claude Abric, pesquisador da Universidade francesa de Aix-en-Provence e discípulo de Serge Moscovici. Baseado nos seus estudos experimentais sobre percepção social, Abric concluiu haver sempre a centralidade de certos elementos nos conteúdos representacionais, responsável por organizá-los e guiar a ação dos indivíduos face ao objeto representado. Conclusão que encontrou apoio na tese da existência de uma estrutura imagética na representação, conforme defendeu Moscovici no seu clássico estudo sobre a Psicanálise (Moscovici, 1976). Esse núcleo imagéti-co seria a estrutura responsável pela articulação, de modo mais concreto ou visualizável, dos elementos selecionados pelos indivíduos na construção da representação, em função de critérios culturais ou normativos. Assim, Abric passou a defender que os elementos de um conteúdo representacional são não somente hierarquizados, mas organizam-se em torno de um núcleo constituído por um ou alguns elementos. Em “torno” desse núcleo estariam ou-tros elementos considerados periféricos, formando, então, um duplo sistema: central e periférico2.

A ideia básica defendida pela teoria complemen-tar é a de que toda representação está organizada em torno de um núcleo central que determina, ao mesmo tempo, a significação e organização do con-teúdo representacional relativo a determinado ob-jeto, seja ele material ou essencialmente simbólico. Outro aspecto importante: sendo um subconjunto da representação composto por um ou alguns ele-mentos, sua ausência desestrutura a representação ou lhe dá sentido completamente diferente. É tam-bém a base comum e propriamente social sobre a qual se constrói a homogeneidade do grupo.

Dentre as funções desempenhadas por esse núcleo estariam a de ser a via por meio da qual se cria ou se transforma a significação dos demais elementos (função geradora) e se define a natureza dos vínculos estabelecidos entre todos os demais elementos (função organizadora). Nesse sentido, atua como responsável pela unificação e estabilida-de da representação. Todavia, para essa síntese não parecer excessivamente cartesiana, vale destacar que as representações sociais constroem-se num movimento contraditório onde é possível constatar o seu caráter ao mesmo tempo estável e móvel, rígi-do e flexível, consensual, mas igualmente marcado pelas diferenças individuais.

Quanto aos elementos periféricos (os quais, no caso da nossa pesquisa, não serão aqui explo-rados), eles são determinados pelas acentuações individuais e o contexto imediato da construção representacional, por isso possibilita a flexibilização dos sentidos centrais. O sistema periférico funciona como defesa da representação, embora seja através dele que, na maior parte dos casos, ocorram as transformações de seu conteúdo (Abric, 2000).

Da relação entre campo social e habitusTomar a ciência como espaço social de práticas

estruturadas e estruturantes é situar histórica e so-cialmente a produção do conhecimento científico e estabelecer relações com ele sob novas bases. Por esse ângulo, pode-se melhor visualizar as relações sociais e de poder, em particular, que permeiam

2 Existe no Brasil uma vasta bibliografia sobre a teoria do núcleo central. Todavia, para uma primeira e consistente aproximação, indicamos o livro de Celso Pereira Sá, referenciado no final deste artigo.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 103

suas práticas, e “desnaturalizar” a ciência como reino dos fins e das verdades desinteressadas. Como diz Bourdieu, o campo científico é um sistema de relações objetivas entre posições adquiridas, pro-duto de lutas anteriores, e um espaço social onde se desenvolvem as lutas simbólicas pela “autoridade científica”, isto é, pela capacidade de falar e agir, de modo legítimo, em nome da ciência (Bourdieu, 1976; 1996; 2004; 2007).

Adotar essa perspectiva, como já destacamos em outro texto (Domingos Sobrinho, 2002), é aceitar que as práticas e disputas nesse campo não estão submetidas tão somente às leis da concorrência pura das ideias. Todas as práticas na ciência, por conseguinte, estão orientadas para a aquisição da autoridade científica e as gratificações simbólicas dela decorrentes, as quais se traduzem em prestígio, reconhecimento e notoriedade. Entretanto, se essas práticas não devem ser consideradas isentas de inte-resses, neutras ou puras, não devem, tampouco, ser reduzidas aos interesses que a mobilizam.

Nessa perspectiva teórica, a ciência não é, portanto, apenas um mundo físico e cultural com-posto por instituições, indivíduos, práticas e todas as simbologias que o envolvem. Para além isso, é um campo de forças e um campo de lutas para conservá-lo ou transformá-lo. O que comanda as intervenções científicas, os lugares de publicação, os temas escolhidos ou predominantes a cada momento, os objetos de estudo mais relevantes, os sinais de distinção e a classificação das pesquisas e dos pesquisadores, enfim os enjeux, ou seja, tudo aquilo que faz mover-se um campo, é a estrutura das relações objetivas entre os diferentes agentes, mais precisamente, é a posição ocupada por eles nessa estrutura que determina e orienta suas to-madas de posição.

A existência de um campo social, todavia, concluiu Bourdieu ao longo de suas investigações e construção teórica, é indissociável da existência dos agentes dotados do habitus específico que o faz movimentar-se. O habitus é o sistema de esquemas mentais que possibilita aos agentes (indivíduos) inseridos em determinado campo o domínio das leis imanentes de funcionamento desse campo, leis não escritas, mas inscritas na realidade em estado de tendências, “de ter o que se

chama em rugby, mas tambémna Bolsa, o sentido do jogo” (Bourdieu, 2004, p. 28).

Explicitadas, embora de forma breve, as relações entre campo social e habitus, acreditamos ser ne-cessário pensar o lugar da ciência e da pesquisa no processo formativo do pedagogo numa perspectiva de incorporação dos esquemas e disposições do habitus científico, mediação necessária ao estabe-lecimento de relações efetivas com os códigos e estruturas desse campo específico. O que está em questão, como bem ressaltam os críticos do atual modelo formativo do pedagogo no país (Severino, 2007), é superar a relação com o conhecimento científico desvinculado das condições de sua pro-dução, ou seja, como saberes que devem apenas ser acumulados e transmitidos.

Objetivo

Identificar o conteúdo e estruturação da re-presentação social de ciência predominantemente compartilhada pelos estudantes do curso de Peda-gogia da UFRN, no período de 2001 a 2003 e duran-te o ano de 2010. A hipótese central que orienta este trabalho de pesquisa apóia-se na crença de que as representações sociais como “teorias” coletivamen-te construídas e produtoras de atitudes e condutas podem funcionar como obstáculos simbólicos à incorporação de novos conteúdos e práticas.

Método

Adotou-se o método de identificação dos ele-mentos do núcleo central que utiliza a técnica da associação ou evocação livre de palavras, sugerido por Jean-Claude Abric (2000) e Sá (2002). Assim, num primeiro momento, solicitou-se aos sujeitos que, estimulados pela expressão indutora “Ciência é...”, grafada num formulário específico, escre-vessem as palavras que lhes viessem à mente; no segundo momento, procedessem à hierarquização das palavras evocadas; no terceiro, justificassem a escolha da palavra classificada como a mais impor-tante. O caráter mais espontâneo, porque menos controlado, e a dimensão projetiva das associações/evocações, conforme demonstrou Abric em muitas de suas pesquisas, tendem a permitir o acesso muito

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2104

mais fácil e rápido ao conteúdo representacional do que através de uma entrevista.

A análise dos dados assim produzidos obedece fundamentalmente a dois critérios: frequência de evocação e ordem média de evocação de cada pala-vra, isto é, a média das ordens em que cada palavra foi evocada – em primeiro lugar, segundo, terceiro e assim por diante. Por esse caminho, podemos identificar as palavras que mais provavelmente per-tencem ao núcleo central da representação estuda-da, dado o seu caráter prototípico ou sua saliência. Em geral, os dados são processados pelo software EVOC, criado para esse fim (Vergès, 2000). Nesta primeira fase da pesquisa, fizemos apenas a análise da frequência simples das evocações, conforme explicitamos a seguir.

Se a primeira parte do método permite detec-tar a saliência dos prováveis elementos do núcleo central, comumente evidenciada em termos de frequência das evocações, e dar visibilidade à sua natureza coletiva, a segunda parte, isto é, a análise da ordem média das evocações, possibilita destacar a participação individualizada na construção do conteúdo representacional (Sá, 2002). No nosso caso, por se tratar de uma primeira aproximação com os dados, ficaremos circunscritos ao primeiro momento do método, pois o objetivo maior é refle-tir sobre as implicações da predominância de de-terminados sentidos sobre o objeto em questão, os quais interferem no processo ensino-aprendizagem dos códigos do campo científico e na incorporação dos esquemas do habitus necessário à comunica-ção/intervenção no mesmo.

O instrumento, conforme explicitado, foi aplicado a alunos e alunas do curso de Pedagogia da UFRN, nos períodos 2001 a 2003 e 2010. No primeiro caso, os estudantes cursavam o quarto período do curso, portanto, já em contato com o ambiente universitário há quatro semestres. Isso porque o currículo ao qual estavam submetidos so-mente incluía uma disciplina específica sobre pes-quisa naquele momento. O mesmo não aconteceu no segundo caso. Dada a reformulação do citado currículo (Currículo 004/95), oficializada em 2009, as turmas ingressantes em 2010 passaram a ter uma disciplina (Seminário de Pesquisa I) voltada para a pesquisa científica já no primeiro semestre. Dessa

forma, pudemos comparar os resultados obtidos em dois momentos e públicos distintos.

Resultados

A representação social de ciênciapredominante junto às turmas de2001, 2002 e 2003A aplicação do formulário, nesse primeiro pe-

ríodo, ocorreu junto a seis turmas, sendo três no turno vespertino e três no noturno. Cada uma tinha aproximadamente 38 alunos/alunas, perfazendo uma população em torno de 220 pessoas, da qual conseguimos atingir 183 respondentes. Conside-rando apenas as evocações referentes à palavra considerada mais importante, obtivemos um total de 183 evocações (uma por estudante), sendo 48 palavras diferentes. Dentre essas, 4 (conhecimento, descoberta, estudo e pesquisa) foram evocadas 122 vezes e 44 evocadas 61 vezes. Tem-se, portanto, que 4 palavras representam 66,6% do total de evoca-ções, enquanto 44 representam 33,3%.

Relembramos que apenas a frequência não é suficiente, de acordo com Abric, para determinar os elementos do núcleo central. É também necessário calcular a ordem média das evocações e cruzar essas duas variáveis. Neste caso, isso só será feito posteriormente. No momento, pautaremos nossa análise e especulações a respeito desse primeiro resultado, com base na frequência e na força semân-tica das quatro evocações. Na frequência, porque ela revela a natureza essencialmente coletiva da representação; na força semântica, porque embora a saliência de um elemento, obtida por meio da análise quantitativa, seja um forte indicador de seu pertencimento ao núcleo central, não lhe confere, isoladamente, a centralidade da representação, pois essa se define muito mais por sua dimensão quali-tativa. Por essa razão, levou-se em conta na análise os discursos produzidos quando os alunos e alunas justificaram as suas classificações.

A representação social de ciênciapredominante junto às turmas de 2010Em 2010, após ficarmos sete anos fora da sala

de aula, retomamos nossas atividades docentes ministrando a disciplina “Seminário de Pesquisa

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 105

I”, ofertada às primeiras turmas do novo currículo de Pedagogia (01/2009): uma no período 2010.1 (vespertino) e duas no período 2010.2, sendo uma no turno vespertino e outra, no noturno. No total, conseguimos aplicar 102 formulários junto a uma população de 116 estudantes, praticamente todos recém-saídos do ensino médio, cuja faixa etária situava-se, em sua maioria, entre 18 e 24 anos. Bem mais jovens, portanto, do que as turmas de 2001 a 2003, algo rapidamente percebido por quem havia passado mais de uma década com as turmas ante-riores. Relembramos que, ao contrário das turmas do primeiro período da pesquisa, as quais, submeti-das a outro currículo, somente tinham contato com disciplinas específicas de pesquisa no quarto perío-do, a partir de 2010, passaram a ter uma disciplina voltada para a pesquisa já no primeiro semestre do curso. A aplicação do formulário, a exemplo do que ocorreu no primeiro período, deu-se no primeiro dia de aula e antes de apresentarmos o programa da disciplina.

Da mesma forma como fizemos com os dados do período anterior, estamos considerando apenas as evocações classificadas como a mais importante. O resultado foi o seguinte: três palavras, estudo, pesquisa e conhecimento foram evocadas 73 vezes, representando 71,5% do total, e 26 palavras foram evocadas 29 vezes, representando 28,4%.

Discussão

De acordo com os resultados preliminares sobre a representação social de ciência compartilhada pelos estudantes do curso de Pedagogia da UFRN, nos dois períodos de investigação considerados, constatamos haver aí predominância de sentidos que reproduzem os estereótipos circulantes no sen-so comum, quando descrevem ou qualificam ciência como conhecimento, estudo, descoberta, pesquisa. Esses resultados põem em evidência os processos formativos das representações sociais, ancoragem e objetivação, que implicam em operações cognitivas visando a tornar familiar o não familiar. A ancora-gem visa a integrar o objeto desconhecido em um sistema de pensamento social pré-existente, tendo em vista classificá-lo e nomeá-lo. A objetivação, por sua vez, consiste numa operação imaginante e

estruturante, através da qual se dá forma específica ao objeto, tornando-o quase tangível para o sujeito. Durante esses processos, dado o fato de a represen-tação ser um conhecimento sociocêntrico, portanto a serviço das necessidades, desejos e interesses do grupo, como destaca Jodelet (2001), três tipos de efeito sobre o conteúdo representacional podem ocorrer: a distorção, quando todos os atributos do objeto representado estão presentes, mas acentua-dos ou atenuados de forma específica; a suplemen-tação, quando são conferidos ao objeto atributos e conotações que não lhe são próprios; a subtração, ou seja, a supressão de atributos pertencentes ao objeto.

Estimulados a associar palavras ao termo indu-tor ciência, os (as) estudantes explicitam a anco-ragem e objetivação nos sistemas classificatórios pré-existentes fazendo aparecer as proximidades semânticas ou sinonímias que utilizam ao relacionar ciência com conhecimento, no sentido de “desco-brir”, “pesquisas” e “estudo”; pesquisa, significando “estudar”, “descobrir”, “conhecimento”; descoberta com “pesquisando”, “não conhecido”; estudo com “pesquisar”, “conhecer”, “conhecimento”, “conhe-cimentos”. Referem-se, assim, a um objeto com o qual não têm familiaridade, mas possuem certo nível de informação, obtido por meio dos conte-údos da educação básica, da divulgação científica, principalmente, acreditamos, por meio da mídia, e das interações cotidianas, pelas quais circulam as leituras pautadas essencialmentepelo senso comum.

Assim, nos dois momentos investigados, pesqui-sa, estudo e conhecimento se repetem e se cruzam como elementos descritores e, ao mesmo tempo, prescritores do objeto, ou seja, não apenas dizem o que é, mas apontam também as condutas correspon-dentes: pesquisar, buscar, investigar, desvendar, ex-plicar, comprovar. Constatamos, da mesma forma, que as justificativas a essas evocações reproduzem os estereótipos circulantes, “ciência é comprova-ção”, “pesquisa aprofundada”, “busca constante”, “conhecimento é a base da ciência”, e se utilizam de redundâncias e enunciados retóricos típicos da ausência de contato com as práticas científicas, tais como, “[...] estudo, porque sem ele nem mesmo a ciência sairia do lugar (...)”; “A ciência requer muita pesquisa...”; “Através do conhecimento é possível se explicar o porque [sic] das coisas”.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2106

Conclusões

Os resultados fazem-nos perceber a influência de determinados fatores condicionantes da cons-trução dos sentidos trazidos pelos estudantes para a sala de aula e o processo formativo. Sentidos que deveriam ser superados ou ressignificados no ambiente universitário. Como não é isso, de modo predominante, o que acontece, ficam expostas as debilidades desse processo e a necessidade de supe-rá-las. Perguntamos, então: como levar os (as) estu-dantes a construírem sentidos adequados a respeito da ciência e do funcionamento do campo científico considerando-se o fato de não terem vivenciado, na educação básica, uma relação próxima e quali-ficada com ele? Como podem os (as) graduandos (as) relacionar-se com a ciência para além de suas representações sociais, se, na própria universidade (e em outras instituições formativas), continuam a ter uma relação “bancária” com o conhecimento científico e não lhes são dadas oportunidades de desenvolver uma postura investigativa? Como podem, igualmente, construir as competências e habilidades necessárias para dialogar e agir no âmbito do campo científico se muitos dos seus formadores são herdeiros dessa mesma formação e não têm familiaridade com a pesquisa científica?

Nesse contexto, as representações sociais, como conhecimentos socialmente elaborados e comparti-lhados e tendo como principal função a de ser um guia para a ação, encontram espaço amplamente fa-vorável ao desempenho do seu papel de obstáculos simbólicos à incorporação dos novos conteúdos e construção dos esquemas e disposições indispensá-veis à compreensão dos códigos, regras, estruturas e produtos oriundos do campo científico, bem como à construção do senso prático que orienta os agentes para além dos conteúdos racionalizados e conscientes.

Referências

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Vergés, P. (2000).Ensemble de Programmes permettant l’analyse des evocations.Aix en Provance: version 2.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 107

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA APRENDIZAGEM DA LEITURA EM INGLÊS POR ALUNOS DO PROEJA

Solange Garrido da Costa1

Rita de Cássia Pereira Lima2

justifica-se, ainda, pelo fato de poder se integrar às demais disciplinas que compõem a área e pelo caráter formativo intrínseco à aprendizagem de lín-guas estrangeiras. Afinal, além do desenvolvimento das habilidades de entender, falar, ler e escrever, o PCNEM destaca duas questões que justificariam a aprendizagem de línguas estrangeiras, a saber: o potencial que tal aprendizagem detém como instrumento interdisciplinar e o desenvolvimento competências que se somam à competência comu-nicativa. São elas:

• Saber distinguir entre as variantes linguís-ticas.

• Escolher o registro adequado à situação na qual se processa a comunicação.

• Escolher o vocábulo que melhor reflita a ideia que pretenda comunicar.

• Compreender de que forma determinada expressão pode ser interpretada em razão de aspectos sociais e/ou culturais.

• Compreender em que medida os enuncia-dos refletem a forma de ser, pensar, agir e sentir de quem os produz.

• Utilizar os mecanismos de coerência e co-esão na produção em Língua Estrangeira (oral e/ou escrita). Todos os textos referen-tes à produção e à recepção em qualquer idioma regem-se por princípios gerais de coerência e coesão e, por isso, somos ca-pazes de entender e de sermos entendidos.

• Utilizar as estratégias verbais e não verbais para compensar falhas na comunicação (...), para favorecer a efetiva comunicação e alcançar o efeito pretendido (Brasil, 1998, pp. 28-29).

Introdução

No mundo globalizado e altamente tecnológico da atualidade, o domínio de uma língua estrangeira é essencial. A língua inglesa é a língua franca que intermedeia a comunicação pessoal ou comercial entre interlocutores de diferentes partes do globo. As razões para tal predomínio derivam de uma ordem econômica dominante em cujos países a língua materna é o inglês.

No Brasil, a escola, seguindo as orientações emanadas da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN – N° 9.394/96 (Brasil, 1996), inclui o ensino de, pelo menos, uma língua estran-geira, sendo o inglês a língua majoritária em quase todas as escolas de ensino fundamental. No ensino médio, tanto as escolas estaduais como as federais oferecem a opção de uma língua estrangeira que, atualmente, pode ser inglês ou espanhol e, em me-nor número, a língua francesa.

O Plano Curricular Nacional do Ensino Médio (PCNEM)(Brasil, 1998) reconhece o caráter pouco relevante que a disciplina estrangeira tem tido na grade curricular, pautando seu ensino quase sem-pre “apenas no estudo de formas gramaticais, na memorização de regras e na prioridade da língua escrita e, em geral, tudo isso de forma descontextu-alizada e desvinculada da realidade” (p. 26).

A referida legislação amplia o espectro da dis-ciplina cujo objetivo era transmitir conhecimento metalinguístico e regras gramaticais para tornar-se um instrumento de interação e inter-relação com a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, além de destacar “as diferentes relações que elas [as línguas estrangeiras modernas] propiciam, a partir da sua aprendizagem, com o mundo do trabalho no qual o aluno estará – ou não – inserido e com sua formação geral” (Brasil, 1998, p. 25).

A inclusão das línguas estrangeiras modernas na área de Linguagem, Códigos e suas Tecnologias

1 Colégio Pedro II / Universidade Estácio de Sá – RJ2 Universidade Estácio de Sá – RJ

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2108

Exceto pela última competência listada, que se refere especificamente à habilidade de falar, as ou-tras constituem importantes estratégias que devem ser ativadas na interação entre leitor e texto.

Vale ressaltar que no PCNEM (Brasil, 1998) reitera-se o insucesso do ensino de línguas es-trangeiras na escola, porém não se propõe que seja privilegiado o ensino da habilidade da leitura, considerando-se as condições físicas desfavoráveis (salas sem as condições acústicas apropriadas para praticar a habilidade de compreensão oral, grande número de alunos para a prática da habilidade de falar, etc.) encontradas em quase todas as escolas regulares do ensino médio na esfera federal para o desenvolvimento da habilidade de falar e ouvir.

As Orientações Curriculares para o Ensino Mé-dio (OCEMs) (Brasil, 2000) específicas para o en-sino de línguas estrangeiras também não o fazem: “No que se refere às habilidades a serem desenvol-vidas no ensino de Línguas Estrangeiras no ensino médio, este documento focaliza a leitura, a prática escrita e a comunicação oral contextualizadas” (p. 87). Entretanto, um fato relevante transcrito abaixo é esclarecido nas OCEMs em relação ao PCNEM e à crença comum entre os alunos de que somente é possível aprender uma língua estrangeira num curso de idiomas.

Verifica-se que em muitos casos, há falta de cla-reza sobre o fato de que os objetivos do ensino de idiomas em escola regular são diferentes dos objetivos dos cursos de idiomas. Trata-se de insti-tuições com finalidades diferenciadas. Observa-se a citada falta de clareza quando a escola regular tende a concentrar-se no ensino apenas lin-guístico ou instrumental da Língua Estrangeira (desconsiderando outros objetivos, como os educacionais e os culturais) (Brasil, 2000, p. 90).

No documento base do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Bá-sica na Modalidade de Educação de Jovens e Adul-tos – PROEJA, criado pelo Decreto no 5840, de 13 de julho de 2006 (Brasil, 2006), a questão da língua estrangeira pode ser inferida no item Abordagem por áreas do conhecimento – Linguagens/trabalho – ao ser detalhada a estrutura do currículo (p. 51).

Nesta modalidade de ensino, é fundamental a abordagem do ensino da língua inglesa – Língua Estrangeira para fins Específicos (LEFE) (Widdo-wson, 1979) -, segundo a qual os alunos devem ser expostos a gêneros textuais mais prováveis de usarem nas tarefas profissionais rotineiras. Além da familiaridade com gêneros textuais distintos, a abordagem prevê, ainda, que os alunos/leitores fa-çam uso de estratégias cognitivas e metacognitivas a fim de superar dificuldades de ordem linguística na LEFE.

O conceito de leitura tem variado ao longo dos anos, acompanhando o desenvolvimento da Lin-guística (Kato, 1987). De acordo com a concepção estruturalista, a leitura se constitui na descodifica-ção sonora da palavra escrita. Progressivamente, percebeu-se que a identificação da palavra levava em conta o conhecimento lexical do leitor. O leitor passa então a ser visto como “antecipador da pala-vra que vai ler” (Kato, 1987, p. 61).

Sob a influência da teoria linguística gerativis-ta, a leitura da palavra vinculou-se ao contexto da frase em que se inseria. A leitura dava-se, então, em nível sentencial. Todavia, observou-se que não era apenas o contexto linguístico a base para a compreensão do sentido. Ao fazer antecipações, levantar hipóteses e buscar informações no texto que as confirmem ou as refutem, o leitor faz uso de conhecimento prévio sobre o assunto veiculado no texto ou de informações extratextuais advindas de estruturas cognitivas ou esquemas.

Tendo a Psicolinguística e a Teoria dos Esque-mas ampliado o escopo da leitura para além da fra-se, a Pragmática inclui o autor na relação interativa leitor-texto. A leitura constitui-se, então, na busca pelo leitor do que o autor quis dizer, de seus pro-pósitos ao fazer as afirmações constantes do texto.

Não obstante as diferentes concepções do ato de ler creditadas às diversas correntes linguísticas, a leitura compreende dois elementos essenciais à sua realização: o leitor e o texto. Com isso não se pretende excluir outro elemento tão importante neste processo – o autor -, mas entendemos que sua presença foi incorporada ao texto. Conforme apon-ta Widdowson (1979), o processo de negociação inerente à comunicação dá-se, no texto escrito, atra-vés da antecipação, pelo autor, das possíveis reações

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de seu(s) resultado(s). O autor cria suas próprias condições para a comunicação, alternando-se, no entanto, no papel de autor e leitor.

Podemos caracterizar a leitura como o proces-samento por leitores dos textos produzidos por um autor, que esteve em constante negociação com seu(s) leitor(es) no ato da produção. Este proces-samento dá-se numa relação essencialmente inte-rativa e busca a depreensão de sentidos que podem variar com a motivação, a finalidade e a bagagem linguística e cultural de cada leitor.

As várias concepções teóricas sobre leitura citadas nos instigaram a verificar como o tema é compreendido por alunos do PROEJA. E para investigar o universo simbólico desses sujeitos a teoria moscoviciana das representações sociais nos pareceu a mais adequada.

No início dos anos 60 do século XX, Moscovici (1961) retomou criticamente a noção por meio de sua obra La psychalalyse, son image et son public, publicada no Brasil em 1978 como A representação social da psicanálise (Moscovici, 1978). Nesta obra seminal, o autor analisou o impacto da penetração de uma teoria científica (a psicanálise) no pensa-mento comum e seu poder de criação da realidade social. Para ele, do mesmo modo como alguém pode pensar um conjunto de ideias que forma um conhecimento científico, pode também pensar um conjunto de ideias que forma um conhecimento do senso comum. Desde então, os estudos das representações vêm enfocando os problemas de cognição e dos grupos, bem como a difusão dos saberes, a relação pensamento/comunicação e a gênese do senso comum.

De acordo com Moscovici (1978), as repre-sentações coletivas seriam um objeto de estudo adequado num contexto de sociedades menos complexas, como as estudadas por Durkheim. Para o autor, seria necessária uma revisão deste conceito no âmbito da Psicologia Social para compreender sociedades modernas da metade do século XX, caracterizadas pelo pluralismo, pelo desenvolvi-mento científico, pela comunicação de massa e pela rapidez com que as mudanças econômicas, políticas e culturais ocorriam. Para explicar a passagem das representações coletivas às representações sociais, Moscovici (2001, p. 62) ressalta “a necessidade de

fazer da representação uma passarela entre os mun-dos individual e social, de associá-la, em seguida, à perspectiva de uma sociedade em transformação, estimula a modificação em questão”.

É neste contexto que Moscovici (1978) afirma que as representações sociais ocupam uma posição “mista”, na encruzilhada de uma série de conceitos sociológicos e de uma série de conceitos psicológi-cos, circulando, cruzando-se e se cristalizando por meio de uma fala, um gesto, um encontro no uni-verso cotidiano dos indivíduos. Para o autor, elas estão presentes na maioria das relações sociais, nos objetos produzidos ou consumidos, nas comunica-ções trocadas. Nesta perspectiva, Jodelet (1996, pp. 361-362) se refere às representações sociais como

uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. De uma maneira mais ampla, ele designa uma forma de pensamento social. As representações sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a compre-ensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tal, elas apresentam caracte-rísticas específicas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica. A marca social dos conteúdos ou dos processos se refere às condições e aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais elas circulam e às funções que elas servem na interação do sujeito com o mundo e com os outros.

Seguindo as orientações de Jodelet (2001) de que, como fenômeno, toda representação é uma representação de alguém (envolve sujeitos) e de alguma coisa (o objeto), delimitamos neste trabalho que os sujeitos são alunos do PROEJA e o objeto a aprendizagem da leitura em inglês.

Objetivo

Investigar as representações sociais que os alu-nos ingressantes no curso de Montagem e Suporte em Informática do PROEJA têm sobre a aprendi-zagem da leitura em inglês.

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Método

A pesquisa foi realizada em uma unidade de Escola Federal de Ensino Fundamental e Médio do Rio de Janeiro, o Colégio Pedro II. Nesta institui-ção, o departamento de línguas anglo-germânicas é constituído por corpo docente, em sua grande maioria, com cursos de pós-graduação latu sensu e strictu sensu (Mestrado e Doutorado) e tem como proposta enfocar o ensino de inglês como língua estrangeira na habilidade de leitura particularmente no Ensino Médio. Com a implantação do PROEJA, algumas unidades escolares do colégio tiveram di-ficuldades para atender as necessidades dos alunos ingressantes que, ao final de três anos de curso, se tornariam técnicos em Manutenção e Suporte em Informática. Esta realidade foi uma das inspirações para esse estudo.

O estudo, de caráter exploratório, foi realizado com 24 alunos da referida modalidade Monta-gem e Suporte em Informática. A coleta de dados compreendeu a aplicação de dois questionários respondidos pelos sujeitos: um com questões fe-chadas buscando traçar o perfil socioeconômico, cultural e de hábitos de leitura; e outro com ques-tões abertas abordando temas como o significado de ler, a diferença entre ler um texto em inglês e

ler um texto em português, ler textos em inglês na sua área profissional, o papel do leitor ao ler um texto e a importância de ler textos em inglês para a sua vida. Os resultados do questionário fechado foram tabulados e as questões abertas analisadas de acordo com a análise de conteúdo temática, queconforme afirma Bardin (2009, p. 44), é

Um conjunto de técnicas de análise das comuni-cações visando obter por procedimentos sistemá-ticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis in-feridas) destas mensagens.Os resultados e discussão serão apresentados a seguir.

Resultados e Discussão

Seguindo as orientações de Bardin (2009), após leitura flutuante e sistematização do material, chegou-se às seguintes categorias e comentários para as perguntas do questionário aberto. À questão “O que quer dizer ler para você?” foram fornecidos doze tipos de respostas em que foram inferidas categorias, explicitadas na Tabela 1.

Tabela 1 – O que quer dizer “ler para você?”Exemplos de respostas Categorias – Comentários“aprender” e “conhecer o mundo” Aprender de maneira geral“aprender sempre mais”, “melhorar os conhecimentos”, “ler é sempre aprender”, “ler e entender” e “crescer”

Aprender de maneira cumulativa

“aprender a escrever melhor” e “ajuda a compreender mel-hor as aulas”

Aprender associado a uma atividade ou habilidade desenvolvida no ambiente escolar

“ficar bem informada” Leitura é informação“é importante para se tornar mais independente” e “tornar-se mais importante na hora de arrumar um emprego”

Ler é garantia de autonomia e poder

ler como “é a base de tudo” associou-se a outra categoria que, a princípio, seria incoerente: “não saber ler”

Ler é saber

“é para se distrair” Distração“é sinônimo de saber”, “conhecimento” e “sabedoria” Saber, sabedoria, conhecimento, reconhecidos social-

mente, conferem valorização à leitura“comunicar-se” e “ficar comunicativo” Comunicação pode remeter a duas situações: o autor co-

munica-se com o leitor e o leitor com mais experiência em leitura teria mais recursos para se comunicar

“não ler é errar muito” (parafraseada na versão afirmativa), “é cometer falhas grandes” e “não conhecer seus direitos”

Ler em sua negação, com menção implícita ao exercício da cidadania

“é fundamental para o trabalho”, “o convívio da família” e “cooperar com a sociedade”

Ler é importante para cumprir papel social

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Quanto à diferença entre ler em L1 e em LE, destaca-se a frequente dificuldade expressa nas respostas dos sujeitos, conforme a Tabela 2.

Tabela 2 – Diferença entre ler em L1 e LE

Exemplos de respostas Categorias – Comentários“em LE tenho muitas dificuldades” e “em LE é altamente complicado”

Dificuldade na leitura em LE

“em L1 é possível saber do que se trata” e “em L1 eu entendo”

Possibilidade de entendimento em L1

“L1 não é nada fácil, não consigo assimilar verbo, substantivo”

Dificuldade na leitura em L1 de acordo com a crença de que leitura está associada a conhecimento linguístico e metalinguístico

“Ler em LE pode ser mais fácil, pois nem sempre se sabe interpretar um texto em L1”

Dificuldade na leitura em LE é relativizada comparando-a com a leitura de alguns textos em L1

“pelo título do texto, é mais fácil de identificar”, “Texto em LE e em L1 são parecidos pela forma de cabeçalho” e “Palavras transparentes, ou seja, palavras que, muitas vezes, têm o mesmo significado”

Valorização do uso de estratégias cognitivas: formulação de hipóteses com base no título, identificação do gênero textual e reconhecimento de palavras transparentes

“primeiro tem que saber muito bem a LE para depois ler em L1 e também saber o português”

A leitura em LE corresponderia à leitura em L1 e o conhecimento linguístico preponderaria sobre outros conhecimentos que são ativados no ato de ler

“Texto normal: um é em LE e o outro em L1” Resposta ingênua ou descrença na diferença entre ler em L1 e em LE

“Em LE é bem mais divertido” e “O texto em LE é mais desafiante por não saber todo o vocabulário do inglês e conhecer bastante o vocabulário em L1”

Os adjetivos “divertido” e “desafiante” podem remeter à caracterização da leitura como um jogo de adivinhação

“É a interpretação”, “muito poucas palavras têm um sentido igual ao nosso” e “Diferença muito grande não só no idioma, mas também em muitos significados”

Referência às várias palavras que não são transparentes, logo seus significados são mais difíceis de serem depreendidos

“Não tenho mania de ler bastante. LE não é o meu favorito. L1 é a minha favorita”

Revela a rejeição em relação à leitura. Ao invés de “hábito”, a palavra usada foi “mania” que remete a algo negativo, mentalmente doente

As respostas à questão relativa à leitura de textos específicos na área profissional em muito se asseme-lharam àquelas da pergunta sobre a diferença entre ler em L1 e ler em LE, suscitando as respostas descritas na Tabela 3.

Tabela 3 – Leitura de textos específicos da área profissional

Exemplos de respostas Categorias – Comentários“Desespero: sei que na nossa área profissional e realmente não entendo nada”.

Desespero

“Muita dificuldade”, “dificuldade de entender as palavras”, “encontro dificuldade” e “não entendo”

Dificuldade

“Estar no escuro: não enxergo nada” Versão extrema das crenças anteriores“Ponto essencial na vida profissional”, “O inglês está sempre nela (na minha área)”, “Tem sempre algo em inglês, então, faz diferença em ver texto em LE” e “Fundamental: ‘tudo’ na sua vida profissional dependendo da área que você trabalha”

Reconhecimento da importância de ler uma LE em sua área de atuação

“Quando isso ocorrer, eu estarei em um bom emprego”, “Bom, apesar das dificuldades”, “Tenho de saber mais o inglês (tradução)”, “Muito bom porque no estágio será de melhor compreensão dos manuais que serão quase todos em inglês” e “No proeja é necessário saber ler em inglês, pois seremos técnicos em montagem e manutenção e nessa área é necessário”

A importância do domínio desta habi-lidade evidencia-se ainda em respostas mais esperançosas e com crenças pas-síveis de se concretizarem com algum investimento

“Não sei ler” Pode-se atribuir esta fala à crença de que leitura é sinônimo de ler em voz alta

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2112

À questão sobre o papel do leitor na interação com o texto foram dadas respostas que, majorita-riamente, evidenciam a crença de que cabe ao leitor interpretar e entender ou tentar entender o que lê, conforme exemplificado na Tabela 4.

Tabela 4 – Papel do leitor ao ler um textoExemplos de respostas Categorias –

Comentários“entender e interpretá-lo”, “saber interpretá-lo muito bem” e “expor mais claramente possível o que o texto quer transmitir”

Necessidade de entender o texto

“se interagir” Conscientização da necessidade de haver interação entre leitor e texto

“sem o leitor, quem iria ler o texto” e “todo, pois sem o leitor não existiria o texto”.

Reconhecimento da importância do leitor no processo de leitura, visto que ele constitui o alvo pretendido pelo autor

Para analisar esses resultados retomaremos a Teoria das Representações Sociais, em sua abor-dagem processual. Moscovici (1978, p.61) descreve a formação da representação de um objeto social por meio de dois processos sócio-cognitivos fun-damentais: a objetivação e a ancoragem. Ancorar é transformar “algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o comparar com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada”. O processo de objetivação remete à união da ideia de não-fami-liaridade com a de realidade. A objetivação está relacionada a uma característica do pensamento social, a saber, a de tornar concreto o abstrato, de materializar a palavra. Objetivar “é descobrir a qualidade icônica de uma ideia, ou ser impreciso, é reproduzir um conceito em uma imagem” (idem, p. 71-72). De acordo com o autor, os processos de ancoragem e objetivação não ocorrem isoladamen-te. Eles estão vinculados à cristalização de uma representação em torno de um núcleo figurativo e a um sistema de interpretação da realidade e determinação de comportamentos.

Embora Moscovici enfatize a importância da linguagem, o tema não foi suficientemente desen-volvido nos estudos de representações sociais, o

que revelou uma lacuna na teoria que outros auto-res vêm tentando aprofundar, entre eles Mazzotti (1998) por meio da análise retórica. Para este autor, os núcleos figurativos das representações sociais são constituídos por metáforas, que incluem os processos de objetivação e ancoragem. De acordo com ele, na investigação das representações sociais as metáforas têm papel organizador das práticas de um grupo social.

Segundo Mazzotti e Alves-Mazzotti (2011), a análise retórica não considera os discursos descon-textualizados, mas marcados pelo contexto de sua enunciação, explicitando significados partilhados pelos membros de um grupo.

A Figura 1 sintetiza a análise proposta.

Figura 1 – Esquema figurativo da representação social dos alunos do PROEJA sobre aprendizagem da leitura em inglês.

A metáfora que condensa o significado da aprendizagem da leitura em inglês – “Escuridão” – evidencia as dificuldades, tanto de ordem cognitiva (“dificuldade de aprender) quanto afetiva (“desespe-ro”) e social (“importância para a atividade profis-sional”). Ou seja, “estão cegos” para a proposta de leitura em inglês como LEFE contida nos materiais propostos na formação.

Seguindo as orientações de análise propostas por Mazzotti (1998), observa-se uma dicotomia em relação à metáfora do que seria ler – ampliar o horizonte, deixar a claridade penetrar – e ler textos específicos da área profissional – estar no escuro.

Conclusões

Neste estudo observou-se um núcleo figurativo da representação social investigada que condensa os significados expressos pelo grupo: os alunos

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 113

se sentem “no escuro”. Esta metáfora “escuridão” aparece associada a vários aspectos, como: dificul-dades de aprendizagem prévias durante a trajetória escolar, dificuldades em adquirir conhecimentos necessários ao mercado de trabalho competitivo, desespero, inquietação, resistência à leitura em inglês. Esses dados mostram a fragilidade da in-teração entre leitor e texto, pois o leitor tende a interpretar o texto sem participação ativa na leitura.

Embora este estudo tenha enfocado a aprendiza-gem de inglês no curso de Montagem e Suporte em Informática do PROEJA, é importante, tanto para o sucesso do Programa como política educacional quanto para gestores e docentes, que a escola co-nheça melhor os alunos e trabalhe em prol de mu-dar as práticas pedagógicas vigentes. Os resultados indicam alguns aspectos a serem considerados no âmbito de propostas pedagógicas dirigidas a este segmento, área em que estudos sobre representa-ções sociais parecem ser promissores.

Referências

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Brasil. Ministério da Educação. Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996.

Brasil. Ministério da Educação. Plano Curricular Nacional do Ensino Médio. 1998.

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Brasil. Ministério da Educação. Documento Base. Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Brasília, 2007.

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Mazzotti, T. (1998). Investigando os núcleos figurativos como metáforas. In Jornada Internacional sobre Representações Sociais. Anais da I Jornada Inter-nacional sobre Representações Sociais. Natal/RN.

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA LEITURA – SISTEMA CENTRAL E PERIFÉRICO DESSA REPRESENTAÇÃO ENTRE PROFESSORES

Leila Cleuri Pryjma1

Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin

de professores e, por exemplo, demonstrar o cará-ter multideterminado das pluriaprendizagens que acontecem em contextos escolares.

Justifica-se, ainda, a escolha do referencial teó-rico-metodológico das representações sociais, pois as representações “são uma forma de conhecimento social elaborada e partilhada tendo uma visão prá-tica e concorrendo para a construção de uma reali-dade comum a um conjunto social” (Jodelet, 2001, p. 22), portanto expressam o comportamento dos indivíduos no contexto social de que fazem parte.

As representações sociais são caracterizadas como “fenômenos complexos que dizem respeito ao processo pelo qual o sentido de um objeto é es-truturado pelo sujeito, no contexto de suas relações (Madeira, 2001, p. 127). Assim, na interação entre sujeitos é que se constrói o sentido com o objeto, da mesma forma que se é construído por ele.

Em suma, no campo das representações sociais, a definição do objeto de pesquisa não fica auto-maticamente estabelecida com ou pela seleção do fenômeno que o pesquisador pretende conhecer. Como explica Sá (1998, p. 21) “A passagem da apreensão intuitiva da existência de um fenômeno para a prática de sua investigação envolve uma transformação, que estamos chamando aqui de construção do objeto de pesquisa” (Grifo do autor). Para tal, há que o pesquisador indique o fenômeno e o grupo no qual ele pretende investigar a repre-sentação, visto que “[...] um objeto não existe em si mesmo, ele existe para um indivíduo ou um grupo e em relação a eles” (Abric, 1994, p. 12), como uma forma de conhecimento (Grize, 2001).

Entendemos que as representações sociais de leitura de professores de Ensino Fundamental, no caso específico deste trabalho, são uma construção

Introdução

Os modos como cada sujeito constitui sua rea-lidade afetam seu agir. Quando o indivíduo é pro-fissionalmente responsável pela formação de outros e trabalha em instituições escolares, independente do nível de ensino que atue, as concepções que ele foi adquirindo ao longo de sua vida orientam as atividades, formais e informais que realiza junto aos demais, sejam estes alunos ou não. Por isso, a produção de pesquisas em educação, desde as de caráter pragmático – centradas na tentativa de vislumbrar indicadores da eficácia dos professores – às que reforçam o caráter multideterminado da aprendizagem na escola têm sido foco de várias pesquisas (Delandsher & Arens, 2001, Saujat, 2004). Outro fator que deve ser destacado é o de que qual-quer mudança que se queira alcançar pela educação escolar “exige que se compreendam os processos simbólicos que ocorrem na interação educativa, e esta não ocorre num vazio social” (Alves-Mazzotti, 1994, p. 60).

Por corroborarmos com as ideias acima apre-sentadas, assumimos, também, os pressupostos da Teoria das representações sociais, sabendo que as representações, sob esta teoria, devem ser com-preendidas como variáveis independentes, como explica e recomenda Moscovici (2010), e que não devem ser tomadas como autoexplicativas, mas precisam ser “explicadas pelas condições sociais” (Moscovici, 1993, p, 2) que as engendram. Dessa forma, conhecer as representações sociais compar-tilhadas por professores acerca da leitura torna-se importante não só para quem investiga como para educadores, na medida em que uns e outros bus-quem compreender o trabalho desses profissionais, ou o desempenho dos alunos, bem como para pesquisadores, os quais pelos resultados obtidos, mesmo em estudos exploratórios como o presente, pretendam contribuir para a formação continuada 1 Universidade Estadual de Londrina

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social, histórica e situada, que foram construídas nas múltiplas relações que esses sujeitos mantive-ram e mantêm com outros, porque expressam os efeitos dos diálogos entre os mundos internos e externos, entre indivíduos e coletividades às quais eles pertencem (Jovchelovitch, 2008).

Objetivo

Este estudo teve por objetivo investigar as representações sociais de professores do Ensino Fundamental acerca de leitura.

Metodologia

A pesquisa de campo foi realizada no ano de 2009 em uma rede municipal de ensino, numa cidade do interior do Paraná. À época da coleta de dados, a rede contava com 8.868 alunos, 37 escolas com oferta de Educação Integral e 627 professores, todos contratados por concurso público o qual exigia magistério, em nível médio, ou Pedagogia, em nível superior.

ParticipantesA amostra foi constituída com docentes de to-

das as escolas, dos 627 professores dessa rede, 445 aceitaram participar da pesquisa.

InstrumentosNa medida em que as representações são de

alguém situado e com uma história de vida pessoal, escolar e profissional utilizamos um questionário para a identificação dos participantes a fim de ob-ter informações pessoais e profissionais. Uma das formas de obter informações que possibilitam de-terminar as representações sociais de um indivíduo ou grupo quanto aos seus aspectos estruturais foi sugerida por Abric (1993, 2000), e por ele cunha-da como Teste de Associação Livre de Palavras. A estrutura desse teste viabiliza a obtenção de infor-mações que configuram o possível Núcleo Central e o Sistema Periférico das representações sociais de interesse do pesquisador. No Brasil, essa técnica foi utilizada com sucesso por Alvez-Mazzotti (2007), Menandro e Souza (2010), Pereira (1997),, entre outros.

No caso da presente pesquisa, a estrutura do teste utilizado para a identificação do conteúdo semântico teve como indutor: “Leitura é...”. Em um primeiro momento, o protocolo usado solicita ao respondente informar seu nome, a data de apli-cação e a escola. Logo em seguida, uma instrução antecedia a apresentação do indutor. A instrução dada foi a seguinte: “Você deverá completar a oração ‘Leitura é...’ com cinco termos que vierem à sua mente, tão logo eles lhe surjam. Após a escrita das cinco palavras, você elencará, dentre as que escreveu, a mais importante e colocará o número 1, dando sequência assim até o número 5”. Logo após, seguia o indutor (“Leitura é...”) e cinco linhas para que o participante registrasse as palavras associadas a esse indutor. Com os dados assim recolhidos, as planilhas necessárias para a execução dos progra-mas disponibilizados pelo software EVOC foram confeccionadas e rodadas nesse software.

ProcedimentosInicialmente, a pesquisa foi submetida à aprecia-

ção com vistas ao aceite do secretário responsável pela pasta junto à qual os prováveis participantes trabalhavam. Após sua concordância, percorremos os ambientes de trabalho dos possíveis participan-tes informando sobre a pesquisa e seus objetivos, esta ocorreu, por conseguinte no ambiente de tra-balho dos participantes. Entregamos aos presentes, os protocolos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os que concordaram e assinaram-no permaneciam e os demais foram dispensados. A coleta dos dados iniciou-se com uma explicação geral demonstrativa sobre como o instrumento era distribuído e como deveria ser respondido. Os par-ticipantes foram sendo dispensados após a entrega desse instrumento respondido.

Resultados

A análise de dados, segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2000, p.170), “se faz através de um processo continuado em que se procura iden-tificar dimensões, categorias, tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado”. Nesse sentido, traçaremos de modo sucinto as questões de caráter pessoal e profissional dos participantes,

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descrevendo os contornos desses perfis para melhor situar a amostra dos professores participantes, visto que o objeto de qualquer representação social se define a partir do fenômeno e do grupo escolhido, conforme ponderações de Abric (1994) e Sá (1998). Em seguida, serão apresentados os resultados obti-dos pela aplicação do Teste de Associação Livre de Palavras, com o quadro de quatro casas proposto por Vergès, Tyszka e Vergès (1994) gerado pelo sof-tware EVOC (versão 2000, 3.0) e por fim, o diálogo que mantivemos tendo por foco o conjunto desses resultados.

Neste estudo, levamos em consideração, tanto a ordem natural das evocações, as quais em termos de média denominamos de OME’s, como a hierarqui-zação efetuada pelos professores participantes no momento da coleta de dados, isto é, as ordens mé-dias de importância atribuídas à palavra evocada, a qual chamamos de OMI’s. A opção de trabalhar com as duas ordens médias, definida quando da montagem do instrumento, deve-se ao fato de que além da análise prototípica que caracteriza a estru-tura da representação, obtida pelas OME’s, a iden-tificação de possíveis mascaramentos, provocados por pressões normativas (Wachelke & Wolter, 2011) poderem ser desvelados pela análise das OMI’s.

Em termos de gênero, os participantes são do sexo feminino, com exceção de um. Quanto à idade ficaram distribuídos no intervalo de 20 a 79 anos. A maioria (80,2%) com idades variando entre 30 e 39 anos. Quanto ao início da carreira profissional quase metade (44,9%) começou a trabalhar entre 1991 a 2000, 18,6% contando, desse modo, com mais de 10 anos de experiência profissional. Em relação à formação acadêmica 6,3% contava ape-nas com o Magistério, em nível médio. Os demais contavam com formação no Ensino Superior em: Pedagogia (35,7%); Ciências Biológicas (11,7%); Normal Superior (10,8%); Matemática (5,8%); Geografia (5,2%); Educação Física (2,9%); Química (0,9%); História (0,7%); Ciências Sociais (0,7%); Administração de Empresas (3,8%); Ciências Contábeis (0,4%); Direito (0,4%); Serviço Social (0,4%); Enfermagem (0,2%); Comércio Exterior (0,2%). Mais da metade dos participantes (66,7%) concluiu especialização, sendo 63% na área de Edu-cação e os demais em outras áreas. A maioria dos

participantes (82,7%) iniciou profissionalmente em escolas da rede pública. Traçado o perfil geral dos participantes, abordaremos agora a leitura e as re-presentações sociais que dela têm esses professores.

Sendo a leitura “...um processo de desvelamento e de construção de sentidos por um sujeito deter-minado, circunscrito a determinadas condições sócio-históricas” (Ferreira, 1998, p. 208) e por concordarmos com Bauer (2008, p.229) quando afirma: “as RS são a produção cultural de uma comunidade, que tem como um dos seus objetivos resistir a conceitos, conhecimentos e atividades que ameaçam destruir sua identidade”, a seguir apresentamos as análises dos dados relativos às representações sociais de leitura dos professores participantes deste estudo.

Um total de 2225 palavras foi emitido, dada a semelhança lexical algumas palavras para serem processadas pelo programa EVOC foram submeti-das ao trato de palavras, o procedimento utilizado foi o seguimento destes critérios: uso de uma única palavra e da quantidade de palavras evocadas, pre-valecendo a de maior frequência; plural alterado para singular, excetuando-se o termo “ideias” (por ter número alto de evocação); adjetivos e substan-tivos foram transformados em verbos no infinitivo. Embora o software EVOC tenha sido criado visan-do identificar como prováveis elementos centrais os componentes mais frequentes e prontamente evocados, para a realização deste estudo foram criadas duas planilhas em Excel, uma com a ordem natural das evocações e outra com a hierarquização das evocações, sendo que em ambas as planilhas foi utilizado o mesmo trato de palavras. O software EVOC propicia verificar a organização das palavras em função da hierarquia implícita de cada uma, gerada pela combinação entre a sua frequência e a ordem de sua respectiva evocação, além de possibi-litar a obtenção de outros resultados estatísticos que servem de apoio para rodar o programa Randgraf que gera o quadro de quatro casas proposto por Vergès (2001). A decisão de assim procedermos, teve por base a soma de uma dupla vantagem para a análise dos dados: a de dispor dos termos mais acessíveis à consciência dos participantes (Vergès, Tyzska & Vergès, 1994) e a de colher o resultado do trabalho cognitivo dos participantes sobre as

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palavras que evocou. Para rodar o Evoc, os parâ-metros adotados foram: frequência média – pelos menos 10% dos participantes, metade desta para a frequência mínima, e rang moyen =3.0. Vergès (2001, p. 346-347) apresenta ponderações que regularam esta apresentação, o autor distingue três processos cognitivos responsáveis pela escolha das palavras que o indivíduo emite quando provocado a falar sobre um objeto de representação: a) a seleção dos elementos organizadores que decorre da im-portância que o sujeito atribui aos elementos, fato que possibilita identificar quais são os elementos mais pertinentes e periféricos de um determinado objeto; b) as dimensões conotativas que o indiví-

duo associa a um determinado domínio, pela série de atributos, avaliações e práticas, ou seja, como qualifica os elementos selecionados e lhes atribui umas e não outras propriedades; c) a esquematiza-ção, “organiza o conteúdo da representação numa rede da qual cada elemento retira sua significação apenas do conjunto dos outros elementos aos quais está vinculado.

Após o tratamento dado às palavras evocadas, um total de 254 termos diferentes foi observado, sendo que a frequência dessas palavras distribui--se no intervalo de 1 a 276 vezes. Considerando a ordem de evocação o Quadro 1 sumariza os resul-tados obtidos.

Quadro 1 – Distribuição por quadrante dos vocábulos prontamente evocados (N=445)Possíveis Elementos do Núcleo Central

Frequência ≥ 45 com média < 3,0Elementos da 1ª periferia

Frequência ≥ 45 com média ≥ 3,0Evocação F OME Evocação F OMEaprender 140 2,907 descobrir 46 3,283compreensão 48 2,771 divertir 67 3,493conhecimento 276 2,333 imaginar 49 3,122cultura 141 2,972 interpretação 62 3,065informação 146 2,575 lazer 68 3,118prazer 240 2,758 sabedoria 58 3,069viajar 64 2,906

Elementos de contrasteFrequência <45 com média <3,0

Elementos da 2ª periferiaFrequência <45 com média ≥ 3,00

Evocação F OME Evocação F OMEdecodificar 24 2,875 emocionar 25 3,760essencial 25 2,360 entretenimento 22 3,727

Obs: Frequência mínima = 22.

Levando em conta os elementos do provável núcleo central, destacamos “conhecimento”, evo-cada por 62% dos participantes e com um alto valor simbólico, visto que sua média de evocação foi igual a 2,333. O termo “prazer”, também, me-rece destaque por ter sido evocado por 53,9% dos participantes, mas, demonstra um valor simbólico mais baixo do que “conhecimento” visto que sua OME foi de 2,758.

Os resultados, tendo por foco a importância atribuída pelos participantes aos termos que evocou permitem constatar que “aprender”, “compreensão”, “conhecimento”, “cultura” e “informação” perma-necem como elementos do possível núcleo central. Entretanto, apesar de prontamente evocados e com

alta frequência sofreram alteração quanto à ordem média, conforme demonstrado na Tabela 1.

Tabela 1 – Posições ocupadas pelas palavras co-muns na OME e OMI (N=445)Núcleo Central Palavra OME OMI

Frequência ≥ 45 com média < 3,0

Aprender 2,907 2,600Compreensão 2,771 2,708Conhecimento 2,333 1,870Cultura 2,972 2,567Informação 2,575 2,459

Os dados do Quadro 2 permitem visualizar os quadrantes obtidos, considerada a ordem de hierar-quização atribuída pelos participantes às palavras que prontamente evocaram.

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Quadro 2 – OMI:Distribuição dos vocábulos ao indutor “Leitura é...” (N=445)Possíveis Elementos do Núcleo Central

Frequência ≥ 45 com média < 3,0Elementos da 1ª Periferia

Frequência ≥ 45 com média ≥ 3,0Evocação F OMI Evocação F OMIaprender 140 2,600 divertir 67 4,045compreensão 48 2,708 imaginar 49 3,327conhecimento 276 1,870 lazer 67 3,970cultura 141 2,567 prazer 240 3,249descobrir 46 2,978 viajar 64 3,703informação 146 2,459interpretação 62 2,968sabedoria 58 2,914

Elementos de ContrasteFrequência <45 com média <3,0

Elementos da 2ª PeriferiaFrequência <45 com média ≥ 3,00

Evocação F OMI Evocação F OMIdecodificar 24 2,875 emocionar 25 4,038essencial 25 2,160 entretenimento 22 4,045Obs.: Frequência mínima = 22.

Os resultados apresentados remetem para al-gumas dimensões do que consideramos metas de leitura para os participantes. Contudo, informam a ausência das palavras “prazer” e “viajar”, pronta-mente evocadas na situação de evocação livre (vide respectivas OMEs, no Quadro 1) Possivelmente, devido aos efeitos dos processos cognitivos, de análise, comparação e hierarquização, essas pala-vras passaram a constituir a segunda periferia. Isso demonstra que apesar de apresentarem frequências altas (F=240; F=64), a ordem de importância a elas atribuída passou a ser menor (OMI’s=3,249;3,703, respectivamente). O conjunto desses resultados, viabiliza a indicação não só de quais dos elementos produzidos apontam para a centralidade da repre-sentação (Oliveira, Marques, Gomes & Teixeira, 2005), quanto reiteram o sentido e a importância da realização da leitura, atribuídos pelos participantes, para a aquisição de conhecimento.

É importante que se assinale que um dos termos da 2ª periferia sofreu alteração de posição: “essen-cial” ocupava uma posição menor quando da evo-cação livre (OME=2,386) e passou a ocupar uma posição mais valorizada, (OMI=2,186). Registrou--se, ainda, que “decodificar” manteve a mesma po-sição em ambas as situações (OME=OMI=2,875). Segundo Abric (1993, citado por Sá, 2002) estes elementos podem indicar subgrupos emergentes representacionais.

O fato do termo “decodificar” não ter mudado de posição instigou a lembrança das palavras de Cabral (1986, p. 16). “No processo de leitura, ocor-rem, pelo menos, quatro etapas, segundo uma visão psicolinguística: decodificação, compreensão, inter-pretação e retenção”. Sendo assim, as habilidades de leitura vão muito além de uma simples decodi-ficação. Se essa é necessária, não é suficiente para a produção da leitura. Levando em consideração que este trabalho foi desenvolvido junto a educadores, verifica-se que para alguns (5,39%), mesmo após o trabalho cognitivo exigido para a hierarquização dos termos, reconhece-se a mesma importância dessa habilidade sobre outras.

Observando a 2ª periferia, percebe-se que a leitura por prazer, na ordem de importância foi pre-terida por termos que induzem ao conhecimento.

Discussão

Entendendo-se que a história de vida e de tra-balho de professores vai sendo consolidada paulati-namente por sua prática pedagógica (Nóvoa, 1992, Silva, 1999), e pela síntese dialética responsável pelas representações acerca do mundo, dos sabe-res, valores, das atitudes e das práticas que devem ensinar, e, levando em conta, que esse profissional no exercício de suas funções, “não só informa, mas também forma aqueles com quem convive” (Silva,

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 119

1999, p. 22), pesquisas no campo da Educação, tendo por referencial a Teoria das representações sociais são importantes, como já assinalado por Alves-Mazzoti (1994) e Madeira (2003).

O sentido primeiro de leitura, compartilhado pelos participantes deste estudo, configura essa ação como instrumental. Para eles, a leitura serve como instrumento essencial para a obtenção de conhecimento e de informação, e viabiliza que esses sejam aprendidos e, assim, quem lê adquire cultura, sabedoria e pode compreender os distintos textos que tecem seu mundo. Para alguns desses parti-cipantes, esse sentido não impede que ao lerem o façam por diversão, lazer e com prazer. Esse sentido decorre, a nosso ver, de um contexto que inclui uma série de fatores histórico-culturais que instigam para essa apropriação, nos quais predomina o en-tendimento, por exemplo, de que o conhecimento e o saber restringem-se ao que está escrito.

Cientes de que as representações devem ser vistas “como condição das práticas” (Abric, 1998, p. 45), e de que nosso estudo, apenas situa a organiza-ção do provável núcleo central e dos elementos do sistema periférico da representação de leitura, não podemos cair na armadilha de propor inferências deterministas tendo por base unicamente o que constatamos. Esses resultados são indícios, reite-ramos como prováveis das “práticas representadas e não das práticas efetivas” (Alves-Mazzotti, 2002, p. 24) dos participantes.

Em face das diretrizes teóricas que fundamen-tam este trabalho, isto é, da abordagem estrutural, limitada pela análise prototípica realizada, estamos cientes de que necessitamos, ainda, com o corpo de resultados e da interpretação realizada, “ressituar [...] em seu contexto e compreender suas ligações com o conjunto de fatores psicológicos, cognitivos e sociais” (Alves-Mazzotti, 2002, p. 26), visto que “... pedir a alguém uma definição abstrata – abstração feita de todo uso imediato – não significa ter acesso a suas representações, mas, no máximo ao modo como ele se representa, conforme a conveniência de ‘cientifizar’ a noção” (Grize, 2001, p.135. Destaque do autor).

Por este trabalho nos foi dado conhecer unica-mente o conteúdo dessa representação, sua estrutu-ra interna e seu provável núcleo central. Resta-nos,

ter a segurança de que esses elementos são de fato os “inegociáveis, isto é, se retirados da representação, ela perde seu significado” (Alves-Mazzotti, 2002, p. 25), bem como refletir e construir uma interpre-tação sobre como esses elementos, que constituem essa representação de leitura, para entendermos como eles “se relacionam ao contexto e às atitudes, aos valores, às referências dos sujeitos” (p. 25).

Abric (1994) refere o quanto as representações são difusas, fugidias, multifacetadas, e, por isso, di-ficultam sua captura. Não podemos esquecer, então, da “hipótese da polifasia cognitiva” formulada por Moscovici (2010) como uma estratégia que nos auxilia a compreender como “as pessoas são capa-zes [...] de usar diferentes modos de pensamento e diferentes representações, de acordo com o grupo específico ao qual pertencem, ao contexto em que estão no momento, etc.” (Moscovici, 2010, p. 328).

Além disso, a sugestão e a advertência de Alves--Mazzotti (1994) são necessárias e precisam ser levadas em conta, tanto por quem realiza pesquisas como por parte de quem as lê. Não se pode supor saber o que é bom para os outros, por exemplo, para as práticas de professores e de alunos, tendo por base apenas resultados como os obtidos neste estudo, ou as nossas representações sem que te-nhamos realizado sobre elas uma análise exaustiva e crítica.

Referências

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 121

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA LEITURA ENTRE PROFESSORES: UM ENSAIO ALÉM DA ANÁLISE PROTOTÍPICA

Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin1

Leila Cleuri Pryjma2

Leitura: uma prática cultural

Proposições teóricas da Sociologia (Arendt, 2008, Chartier, 1991), da Antropologia (Rockwell, 2006, Geertz, 2007) e da Psicologia Social, especi-ficamente, a defendida por Moscovici (1978; 1993; 2001; 2010) e por seus seguidores, informam e documentam a natureza cultural dos sentidos que atribuímos a nós mesmos, ao que nos rodeia e a nossos fazeres, isto é, a trama de significações construída a partir dos distintos efeitos, muitas vezes concorrentes, da ação social e da própria experiência sobre cada um e sua vida cotidiana.

Pensar a leitura como uma produção que acontece em função de entendimentos partilhados implica em compreendê-la como uma atividade situada e para a qual os indivíduos de um dado grupo, em determinado espaço e tempo, atribuem alguns e não outros significados aos suportes e a essa produção. Ao longo da história, a importância, os gestos e os modos de ler foram sendo legiti-mados socialmente, construídos/desconstruídos, evidenciando a natureza cultural dessa prática (Chartier,1991; 1998; 2001; Rockwell, 2006). Inte-ressa para este estudo investigar como a leitura é entendida por professores, visto que aquele que a ensina formalmente e os que com ele aprendem, de um modo ou outro, são instigados a compartilhar com os demais um dado contexto cultural, por conseguinte de sentidos. Ademais, a experiência de se comportar em função de tais partilhas permite a cada um perceber, sentir e avaliar o quanto está ou não integrado (Nóvoa, 2010).

Sendo a leitura socialmente valorizada e sentida desde a infância como imprescindível para aten-dimento às necessidades básicas de sobrevivência (Carelli, 2002) e a escola uma das instituições que

Introdução

Tendo por suporte os princípios da abordagem estrutural das representações sociais (RS), este estudo objetiva caracterizar o universo simbólico das RS de leitura de professores que atuavam no Ensino Fundamental em uma rede municipal no interior do Paraná. Para tanto foi realizada uma releitura dos dados colhidos por Pryjma (2011) e selecionada parte da amostra desse estudo, com o intento de focalizar a análise naqueles que dispu-nham da certificação profissional mínima para o exercício da docência nesse nível de ensino.

A importância de estudos no campo das RS procede da possibilidade do pesquisador perceber o que os sujeitos pensam, sentem e valorizam sobre um determinado fenômeno, bem como identificar as funções do conteúdo de uma determinada RS.

Na medida em que “os comportamentos individuais ou de grupo são diretamente deter-minados pelas representações elaboradas em e sobre a situação e o conjunto de elementos que a constituem”Abric (2001, p.168) e, visto que “nossas representações internas, que herdamos da socieda-de, ou que nós fabricamos, podem mudar nossa atitude em relação a algo fora de nós mesmos” (Moscovici, 2010 p.102), decidimos tomar como objeto de pesquisa as RS de leitura de professores de escolas públicas que compartilham espaços--tempo em um nível de escolarização tida como obrigatória, em nosso país.

O relato prossegue com a caracterização da re-levância social e acadêmica do objeto selecionado, isto é, da leitura, seguida das justificativas quanto às opções teóricas e metodológicas que dirigiram o desenvolvimento do trabalho, antes de apresen-tados os resultados e a discussão que antecedem as conclusões que nos foram possíveis.

1 Universidade Estadual de Londrina – UEL2 Universidade Estadual de Londrina – UEL

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2122

contribui para que os alunos sintam-se ou não incluídos (Musis & Carvalho, 2009), uma das ques-tões que exige resposta, pelas consequências que gera para os indivíduos, como pessoas, cidadãs e profissionais: o que essa instituição deve fazer para que os alunos se sintam incluídos como cidadãos leitores? Por entendermos que as concepções a partir das quais cada indivíduo constitui a realidade afetam seu agir, por exemplo, suas práticas educa-tivas de leitura como professores, a nosso ver há que se conhecer o universo simbólico do conteúdo das RS por eles compartilhado sobre leitura, caso se queira modificar o panorama atual desenhado pela exclusão de alunos e dos cidadãos frente às avaliações e exigências que enfrentam.

Teoria das Representações Sociais

Serge Mocovici propôs em 1976 a noção de RS e a teoria que a sustenta, isto é, a Teoria das Re-presentações Sociais (TRS), que oferece “[...] um enfoque unificado para uma série de problemas situados no ponto de intersecção da psicologia e outras ciências sociais” (Moñivas, 1994, p. 409). Para o campo da Educação, Gilly (2001) indica que a TRS é importante para a compreensão dos seus fatos, visto que “orienta a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo” (p.321), auxiliando a análise de fenômenos macroscópicos, como os das “relações entre a pertença a um determinado grupo social e as atitudes e comportamentos diante da escola [..., como] os relativos à comunicação pedagógica na turma e à construção de saberes” (Gilly, 2001, p.322).

Apesar do ingresso da mulher como leitora e produtora de textos ter sido historicamente pos-terior ao dos homens (Manguel, 1997, Chartier, 2001), são elas que, na maioria das escolas, ensinam a ler, como informa a série histórica de estudos do INEP (Brasil, 2009; 2011). Neste sentido, o que elas pensam, associam e valorizam acerca da leitura é sumamente importante e de relevância social, face aos efeitos de suas práticas junto aos mais jovens, no caso das suas ações educativas em sala de aula.

No campo da TRS, a abordagem estrutural pro-posta por Jean-Claude Abric assenta-se na premissa

de que as RS estão organizadas em torno de um núcleo que determina a significação e organização interna da RS. Os trabalhos desenvolvidos sob essa abordagem retomam a noção de representação social apresentada em 1961 por Serge Moscovici em sua obra seminal, por entenderem que a “iden-tificação da ‘visão de mundo’ que os indivíduos ou os grupos têm e utilizam para agir e tomar posição, é indispensável para compreender a dinâmica das interações sociais e clarificar os determinantes das práticas sociais” (Abric, 2000, p.27). Para este pesquisador:

Qualquer representação social é constituída por um núcleo central e um conjunto de elementos periféricos. O núcleo central é o elemento princi-pal não só determina o significado da representa-ção como um todo (sua função geradora), como também determina a sua estrutura (sua função organizadora), o sistema periférico ocupa um pa-pel importante no funcionamento e na dinâmica das representações” (Abric, 1996, p.79).

Apesar do valor heurístico da TRS, o estudo e análise das RS não são uma tarefa fácil, posto que para sua constituição concorrem duas lógicas: “a lógica cognitiva e a lógica social” (Abric, 1994, p.14). As RS não se restringem a aspectos cognitivos individuais, elas são sociais, desde sempre.

Diversas são as formas de conduzir pesquisas no campo das RS (Abric, 2008, 2003; Guimelli, 1994; Moliner, Rateau & Cohen-Scali, 2002; Flament & Rouquette, 2003). As técnicas de análise dos dados são numerosas e variadas, porém “não existe uma que seja particularmente melhor do que outra” (Moliner et al, 2002, p.141). Ensina Abric (2008, p.66) que a “associação livre é provavelmente uma técnica melhor para recolher os elementos consti-tutivos do conteúdo da representação”.

Método

Este estudo de natureza quali-quantitativa procurou evidenciar o universo simbólico do con-teúdo da RS de leitura de professores de escolas públicas das séries iniciais do Ensino Fundamental que atuavam em uma rede municipal, pioneira na

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 123

implantação da educação em tempo integral no estado do Paraná.

Os dados coletados por Pryjma (2011) e alguns dos resultados por ela obtidos subsidiaram este estudo. Nesse trabalho, a autora desenhou a con-figuração estrutural das representações sociais de leitura de 445 professores de uma rede municipal de ensino que dispunham de tempo de exercício e formação profissional diferentes. Tendo por base as planilhas geradas pelo software Ensemble de programmes permettant l’analyse des evocations (EVOC), versão3 de 2000, desenvolvido por Pierre Vergès, Pryjma (2011) realizou análises protípicas. Tais análises têm “por objetivo estudar a maneira

pela qual se estruturam as associações livre e, por-tanto, identificar os elementos relevantes do núcleo central e aqueles que fazem parte da periferia da representação” (Moliner et al, 2002, pp.141-142). A técnica é aplicada diretamente ao corpus de pala-vras que os sujeitos apresentaram em relação a um indutor, ou seja, não necessita de análise prévia de conteúdo, visto que o investigador trabalha direta-mente com as associações que recolheu.

Pryjma (2011), ao rodar o Randgraf, constatou 254 palavras diferentes espontaneamente emitidas ao indutor <Leitura é...>, tendo por critério 22 para a frequência mínima, conforme sumarizado na Tabela 1.

Tabela 1 – Palavras comuns ao possível Núcleo Central e respectivas OME e OMI (N=445)

Frequência ≥ 45Média < 3,0

Palavra Freq. OME OMIAprender 140 2,907 2,600Compreensão 48 2,771 2,708Conhecimento 276 2,333 1,870Cultura 141 2,972 2,567Informação 146 2,575 2,459

Fonte: Pryjma (2011, p.81)

Como se pode verificar, as ordens médias das palavras para a situação de evocação livre (OME) são diferentes das obtidas quando o Randgraf foi rodado tendo por foco a hierarquização atribuída

pelos sujeitos às evocadas em situação livre (OMI).A Figura 1 apresenta os quadrantes obtidos pelo

EVOC, quando selecionadas as palavras hierarqui-zadas.

Figura 1 – Distribuição dos vocábulos ao indutor “Leitura é...” (N=445)Possíveis Elementos do Núcleo Central

Frequência ≥ 45 com média < 3,0Elementos da 1ª Periferia

Frequência ≥ 45 com média ≥ 3,0Evocação F OMI Evocação F OMIAprender 140 2,600 Divertir 67 4,045Compreensão 48 2,708 Imaginar 49 3,327Conhecimento 276 1,870 Lazer 67 3,970Cultura 141 2,567 Prazer 240 3,249Descobrir 46 2,978 Viajar 64 3,703Informação 146 2,459  Interpretação 62 2,968Sabedoria 58 2,914

Elementos de ContrasteFrequência < 45 com média < 3,0

Elementos da 2ª PeriferiaFrequência < 45 com média ≥ 3,00

Evocação F OMI Evocação F OMIDecodificar 24 2,875 Emocionar 25 4,038Essencial 25 2,160 Entretenimento 22 4,045

Fonte: Pryjma (2011, p.81)

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2124

Como pode ser constatado na Tabela e Figu-ra anteriores, a palavra conhecimento foi a única valorizada pelos participantes nas duas primeiras posições, com OMI= 1,870. Pode-se afirmar, ainda, que para mais da metade dos 445 participantes, isto é, para 62%, conhecimento éa palavra de maior valor simbólico associado à leitura.

Uma vez que a palavra conhecimento foi a que apresentou maior valor simbólico para os parti-cipantes na investigação de Pryjma (2011), neste estudo, decidimos examinar as redes de associação tecidas com as demais respostas hierarquizadas. Para tanto, analisamos quais palavras nas duas posições subsequentes (3 e 4) foram associadas a co-nhecimento quando esta ocupou a posição 1 e 2 nos subgrupos constituídos a partir do tempo de exer-cício e da formação acadêmica mínima atualmente exigida para ser professor no Ensino Fundamental. Para tanto, foram formados três grupos, em função de intervalos por tempo de exercício profissional: de 30 anos a 49 anos – G1 (n=77); de 20 anos a 29 anos – G2 (n=145); de um ano a 19 anos – G3 (n=169).

Em seguida, subdividimos em subgrupos os participantes tendo como critério a sua formação acadêmica, os quais para efeito de análise recebe-ram as seguintes identificações: GPNS (n=207) com os participantes formados em Pedagogia ou Normal Superior; GOLic (n=184) com os formados em outras licenciaturas, a saber: Ciências Biológicas (52); Ciências Sociais (3); Educação Física (13); Le-tras (60); Geografia (23); História (3); Matemática (29) e Química (4).

As respostas dos formados em outros cursos de graduação (n=25), assim como dos que não possuíam Ensino Superior, formados em Magis-tério (n=29), não foram analisadas neste estudo. Interessa-nos, em suma, evidenciar o universo sim-bólico das RS configurado pelas palavras evocadas no teste de associação utilizado por Pryjma (2011) dos participantes que obtiveram a certificação mí-nima atualmente exigida por lei para o desempenho da função de professores do Ensino Fundamental.

Resultados e Discussão

Em face das políticas educacionais brasileiras, é relativamente comum se verificar em escolas públi-

cas a presença de trabalhadores sem a certificação profissional mínima exigida para o exercício da docência.

Dados oficiais relativos a 2009 (Brasil, 2011) informam que nesse ano dos 960.428 professores que regiam classes na Educação Básica 923.352 dispunham de formação em alguma licenciatura, sendo que 2.544 não tinham concluído qualquer curso de licenciatura. No estado do Paraná, nesse ano, o índice dessa relação foi similar: dos 65.943 professores que atenderam alunos desse nível de en-sino, 12,4% não haviam concluído curso superior. Conforme esse relatório do INEP, a participação das redes municipais no atendimento às séries/anos iniciais, em 2010, foi responsável pelo atendimento de 54,6% das matrículas (Brasil, 2011).

Tais considerações situam, pelo menos em parte, as condições de formação dos participantes deste estudo, visto que apenas 67 dos 445 participantes não dispunham da formação acadêmica mínima exigida para o exercício profissional nas séries ini-ciais do Ensino Fundamental.

Uma vez situado o perfil profissional dos parti-cipantes em termos macro, passaremos a analisar os universos simbólicos que abrigam as palavras evocadas ao indutor <Leitura é...>. Para o grupo geral (N=445), leitura, aprender, conhecimento, cultura, informação e prazer estão, como diria Jodelet (1969, p. 137), “integradas num esquema operatório de comportamento verbal”. Seguindo o proposto por essa autora, é admissível supor que a estrutura hierárquica das ligações associativas ao indutor utilizado possa ser considerada a partir de esquemas pré-discursivos atualizados no teste, estrutura essa que informa “uma implicação mútua dos esquemas pré-discursivos e uma organização destes, baseada no domínio de alguns em relação a outros, quando se considera o conjunto de seu sistema num estado de equilíbrio sincrônico” (Jo-delet, 1969, p.137).

Apesar de prontamente evocadas e com alta frequência, as palavras aprender, compreensão, conhecimento, cultura e informação sofreram alte-ração quando hierarquizadas (ver Tabela 1).

Nesse grupo (N=445), que incluía participan-tes que não dispunham da formação acadêmica mínima para atuar nas séries iniciais do Ensino

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 125

Fundamental, 111 evocaram em primeiro lugar conhecimento. Porém, quando tiveram que hie-rarquizar as palavras prontamente evocadas que registraram, 144 indicaram essa palavra como a mais importante. Examinada a presença dessa palavra na segunda posição, quando da condição de evocação espontânea, constatou-se que 54 par-

ticipantes assim procederam. Mais uma vez, o total de participantes ao hierarquizarem suas respostas foi maior (62 atribuírem o posto 2 aconhecimento).

A Tabela 2 apresenta as palavras associadas a conhecimento que no grupo geral obtiveram maior frequência na condição de evocação livre e após a hierarquização.

Tabela 2 – Palavras Associadas a Conhecimento por posição e condição de coletaCondição/Posição Palavras Associadas

Diferentes Com > FrequênciaPalavra F Palavra F Palavra F

Conhecimento na Posição 1EV (n=111) 98 Prazer 63 Cultura 41 Informação 37AH (n=144) 77 Prazer 90 Cultura 52 Informação 51Conhecimento na Posição 2EV (n=54) 39 Prazer 25 Informação 13 Aprender 12AH (n= 62) 75 Informação 23 Cultura

Prazer21

Conhecimento na Posição 340 Prazer 14 Informação 10 Aprender

Cultura8

28 Prazer 12 Informação 9 Cultura 6Códigos: EV = Evocação Livre; AH = Após a Hierarquização

Dos que dispunham de formação acadêmica em Pedagogia, Normal Superior ou em outra licen-ciatura (n=391), 144 atribuíram à palavra conhe-cimento a maior importância e 62 a posicionaram em segundo lugar.

Tendo por foco o tempo de experiência dos participantes que atenderam ao critério de forma-ção profissional mínima, ao serem analisadas as palavras hierarquizadas por importância, isto é, nas posições 1 e 2, associadas a conhecimento, registra-mos os resultados expressos na Tabela 3.

Tabela 3 – Participantes com Licenciatura: distribuição das respostas associadas a Conhecimento

GruposConhecimento Total de palavras

diferentes emitidasTotal de respostas

nas 4 posições1ª posição 2ª posição 2ª posição 3ª posição Emitidas Diferentes

G1 (n=77) 25 0 13 18 100 37G2 (n=145) 50 1 21 28 129 68G3 (n=169) 40 4 20 25 161 64

A leitura da Tabela 3 permite que se conclua que foram os participantes que dispunham de mais tempo de exercício que ao responderem ao indu-tor <Leitura é...> atribuíram a maior importância à palavra conhecimento (G1=32,5%, G2=34,5%, G3=23,7%), bem como os que apresentam menor

dispersão de palavras entre si (G1=37%, G2=52,7%, G3=39,7).

A Tabela 4 apresenta por posição as palavras com maior frequência associadas a conhecimento pelos participantes de cada um desses grupos. No parêntese as frequências registradas.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2126

Tabela 4 – Palavras associadas a conhecimento por grupo

GRUPOCONHECIMENTO NA 1ª POSIÇÃO TOTAIS DE

PALAVRASPALAVRAS POR POSIÇÃO E RESPECTIVAS FREQUÊNCIAS2ª 3ª 4ª 5ª Emitidas Diferentes

G1

(25

de 7

7 pa

rtic

ipan

tes)

Cultura (5) Prazer (4) Cultura (5) Aprender (2) 100 37Informação (4) Aprender (2) Desenvolvimento (3) Cultura (2)Aprender (3) Cultura (2) Diversão (3) Viajar (2)

Entretenimento (2) Prazer (3)Interpretação (2) Lazer (2)

Viajar (2)

G2

(52

de 1

45

part

icip

ante

s)

Informação (9) Informação (11) Prazer (6) Prazer (13) 208 106Prazer (8) Cultura (6) Cultura (4) Lazer (6)Aprender (6) Lazer (3) Aprender (3) Aprender (3)

Prazer (3) Diversão (3) Informação (3)Sabedoria (3) Interpretação (3)

Viajar (3)

G3

(40

de 1

69pa

rtic

ipan

tes)

Prazer (9) Conhecer (6) Conhecer (3) Prazer (7) 164 106Conhecer (4) Diversão (4) Compreensão (2) Conhecer (4)Cultura (4) Aprender (3) Descobrir (2) Imaginar (2)Descobrir (3) Cultura (3) Informação (2) Informação (2)

Interação (2)Interpretação (2)Lazer (2)Prazer (2)Sabedoria (2)

Como se pode constatar na Tabela 4, apenas 23,7% dos participantes do G3 atribuíram a posição de maior importância a conhecimento, enquanto que 35,9% do G2 e 32,5% do G1 assim procederam. Quando examinadas as palavras mais evocadas, independente da posição associada a conhecimento, destacaram-se, com as respectivas frequências, os seguintes termos: prazer (55), cultura (35), infor-mação (31) e aprender (22).

Dos participantes que dispunham de formação mínima em Pedagogia e Normal Superior (GPNS),

na hierarquização das palavras que evocaram ao indutor proposto, 72 indicaram a palavra conheci-mento como a mais importante. Entre os demais, na 1ª posição, as palavras com maior frequência foram: aprender (21), prazer (19), informação (15) e cultura (14).

Dos que atribuíram a 1ª posição à palavra conhecimento (n=72), constatou-se o uso de 76 palavras diferentes nas demais quatro posições. A distribuição e a participação dessas palavras nas demais posições podem ser verificadas na Tabela 5.

Tabela 5 – Distribuição das palavras associadas a conhecimento no GPNS (conhecimento na 1ª posição – n=72)

Palavras mais evocadas Frequência por Posição Totais2ª 3ª 4ª 5ªAprender 8 1 7 3 19Cultura 7 9 6 6 28Informação 10 10 - 5 25Prazer 16 3 7 16 42Total 41 23 20 30 114

A dispersão vocabular foi pequena (26,4%) no conjunto das evocações associadas pelos partici-pantes de GPNS quando atribuíram a 1ª posição a

conhecimento. Constata-se, ainda, que as palavras aprender, cultura, informação e prazer correspon-dem a 56,9% das evocações situadas na 2ª posição,

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 127

por 31,9% das da 3ª posição, por 27,8% das da 4ª posição e por 41,7% das informadas na 5ª posição.

Apenas 26 participantes do GPNS (n=207) atribuíram a 2ª posição a conhecimento. Desses, as palavras prazer (9), informar (6), cultura (6) e lazer (5) foram as mais evocadas nas demais posições. A única palavra evocada em todas essas posições, isto é, na 1ª, 3ª, 4ª e 5ª, foi prazer (193).

Entre os participantes que dispunham de outras

licenciaturas (GOLic), 57 dos 184participantes desse grupo atribuíram a posição 1 aconhecimento e 23 situaram essa palavra na 2ª posição. As palavras que foram mais evocadas associadas a conhecimento na 1ª posição, inclusive em todas as posições, foram: prazer (38), cultura (20), informação (14) e aprender (13).

A Tabela 6 sumariza a frequência da distribuição dessas palavras, por posição.

Tabela 6 – Distribuição das palavras associadas a conhecimento no GOLic (conhecimento na 1ª posição – n=57)

Palavras mais evocadas Frequência por Posição Totais2ª 3ª 4ª 5ªAprender 5 6 1 1 13Cultura 12 2 2 4 20Informação 5 6 2 1 14Prazer 5 9 10 14 38Total 27 23 15 20 85

Das 73 palavras diferentes associadas a conheci-mento na 1ª posição, os participantes relacionaram-na nas demais posições às seguintes palavras, que respondem pela incidência que as seguem em termos do total de evocações diferentes: prazer (52%), cultura (27,4%), informação (19,2%) e aprender (17,8%). Apenas 23 participantes do

GOLIC (n=184) indicaram conhecimento na 2ª posição. A dispersão vocabular foi grande: 39 palavras diferentes foram utilizadas pelos participantes nas demais posições (3ª, 4ª e 5ª).

A frequência das palavras mais evocadas nessa condição pode ser conferida na Tabela 7.

Tabela 7 – Distribuição das palavras associadas a conhecimento no GOLic (conhecimento na 2ª posição – n=23)

Palavras mais evocadas por Posição3ª 4ª 5ª

Palavra F Palavra F Palavra FPrazer 6 Lazer 3 Viajar 3Aprender 3 Imaginar 2 Cultura 2Crescimento 2 Sabedoria 2 Lazer 2

Das evocações dos participantes do GOLic que não colocaram conhecimento na 1ª posição (n=127), a palavra cultura foi a mais evocada (18), seguida por informação (15), prazer (14), aprender e essencial, com frequência 11, cada uma.

Conclusões

Como demonstrado, o conteúdo das RS dos participantes com formação acadêmica mínima para atuar no Ensino Fundamental (GPNS; GOLic)

inscreve-se em um universo simbólico no qual conhecimento, cultura e informação se entrelaçam com prazer e aprendizagem. O fato do tempo de experiência e da formação acadêmica evidenciarem pouca diferença na força desses sentidos, por si evidencia a pertença desses grupos a uma cultura na qual os valores instrumentais da leitura são le-gitimados. Esses resultados indicam a necessidade de produção de mais pesquisas neste campo, caso queiramos subsidiar a proposição de sugestões para a formação desses docentes.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 129

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ESTUDANTES SOBRE A PÓS-GRADUAÇÃO

Julia Carolina Rafalski1

Andréa dos Santos Nascimento2

Mariane Ranzani Ciscon-Evangelista2

Atualmente, no Brasil, a CAPES divide os programas de Pós-Graduação em grandes áreas, a saber: Ciências Agrárias; Ciências da Saúde; Ciên-cias Biológicas; Ciências Exatas e da Terra; Ciências Humanas; Ciências Sociais Aplicadas; Engenharias; Linguística, Letras e Artes; e Multidisciplinares. O Brasil possui, com dados atualizados em junho de 2011 (CAPES, 2011a), 4719 cursos de Pós-Gradu-ação, divididos em suas áreas de atuação e especi-ficidade de grau (Mestrado Profissional, Mestrado Acadêmico, Doutorado). No Espírito Santo, exis-tem atualmente 72 cursos de Pós-Graduação stricto sensu, sendo estes distribuídos em 48 de Mestrado Acadêmico, nove de Mestrado Profissional e os demais de Doutorado (CAPES, 2011b).

A educação de Pós-Graduação era concebida, em toda a América Latina, como anexa e não en-trelaçada ao Ensino Superior (Manzo Rodriguez et al., 2006). Após 1951, com a promulgação da CAPES, foi possível ocorrer a expansão e conso-lidação efetiva da Pós-Graduação Stricto Sensu no Brasil (CAPES, 2011c). Criada em 11 de julho de 1951, a CAPES objetivava garantir a existência de pessoal especializado em número e qualidade de atuação, a fim de atender as demandas do País. É somente no ano de 1965 que o Brasil credencia seus primeiros cursos de Pós-Graduação, sendo estes 27 de Mestrado e 11 de Doutorado em toda a Federação. Em 1964, a CAPES passa a ser um órgão central superior, recebendo do Governo autonomia financeira e administrativa. Em 2007, foi instituída a Nova CAPES, que busca, em adicional, fomentar a formação continuada dos professores da educação básica.

A CAPES, como órgão fomentador de Ensino, postula que a vinculação da educação ao ambiente profissional e social, bem como as instituições em

Introdução

A Pós-Graduação consiste em estender o perí-odo de estudos para além da Graduação, podendo ser delimitada como Lato Sensu, que são as especia-lizações e na qual se inclui o MBA, e Stricto Sensu, que engloba os cursos de Mestrado e Doutorado. A Pós-Graduação pode ser compreendida como um conjunto de aprendizados e ensinos que visam complementar, aprofundar e atualizar os conheci-mentos e habilidades dos graduados, conhecimen-tos esses vinculados ao exercício profissional, aos avanços técnico-científicos e às instituições/organi-zações em que estes trabalham (Manzo Rodrigues, Rivera Michelena & Rodriguez Orozco, 2006).

Por ser necessária para a habilitação ao magis-tério para Nível Superior de Ensino (artigo 66 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – nº 9.394, de 20/12/96), atualmente se proliferam cur-sos desta gradação. Os cursos são fiscalizados pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que desempenham papel fundamental na solidificação e expansão da Pós-Graduação no Brasil.

A CAPES e o Conselho Nacional de Desenvol-vimento Científico e Técnológico (CNPq) foram criadas em 1951 (Tourinho & Bastos, 2010). Para os autores a criação das universidades no Brasil já foi tardia, e os cursos de Pós-Graduação são ainda mais recentes. Tourinho e Bastos citam o Parecer Newton Sucupira nº 977, de 03/12/1965, do Con-selho Federal de Educação, que diz que a pós-gra-duação stricto sensu “é de natureza acadêmica e de pesquisa e mesmo atuando em setores profissionais tem objetivo essencialmente científico, enquanto a especialização, via de regra, tem sentido eminente-mente prático-profissional; [a pós-graduação stricto sensu] confere grau acadêmico e a especialização confere certificado” (p. 36).

1 Graduanda em Psicologia – Universidade Federal do Espírito Santo.2 Doutoranda em Psicologia – Universidade Federal do Espírito Santo.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2130

que serão ministrados os cursos, devem ter em consideração as diferenças regionais e culturais. Para Manzo Rodriguez et al. (2006), esta ligação é produzida com a intenção de aprimorar a qualida-de, eficiência e produtividade do trabalho.

Leite Filho e Rodriguez, (2006) conduziram um estudo em uma Universidade Pública em Brasília com o objetivo de identificar atitudes e opiniões dos estudantes de Graduação em Administração sobre a Pós-Graduação. Obtiveram como resultado o interesse da amostra para ingresso na área acadê-mica, porém sem que a maioria soubesse identificar a diferença entre os cursos Lato e Stricto Sensu. Puderam perceber, também, que os participantes identificam benefícios pessoais e profissionais ao cursarem uma Pós-Graduação, percebendo o Curso como fonte de retorno garantido após sua conclusão. Martins e do Monte (2010), pesquisando egressos do curso de Pós-Graduação em Ciências Contábeis em um Programa Multi-institucional, identificaram na amostra que a motivação central para que cursassem a Pós-Graduação seria a ob-tenção de maiores conhecimentos, a diferenciação profissional e a ampliação das oportunidades de emprego. Obtiveram também dentre as respostas os principais fatores que influenciaram na busca pela obtenção do título, sendo estes o amadurecimento profissional, o reconhecimento e a respeitabilidade acadêmica/profissional e o espírito acadêmico.

A partir das discussões levantadas nas pesquisas de Leite Filho e Rodriguez, (2006) e de Martins e do Monte (2010), era preciso investigar, por meio de uma perspectiva que considera a dimensão prática das representações sociais e procura compreender como as pessoas se relacionam a partir destas, como agem as representações sociais de um grupo acerca dele mesmo como objeto, a saber: estudantes de Pós-Graduação sobre o “ser estudante de pós” e sobre “possuir o título” para o qual estão se prepa-rando. É importante enfatizar que se trata de um estudo exploratório e temático, no qual o conceito de representações sociais é utilizado, sem a preo-cupação inicial de contribuições à teoria, mas sim da utilização desta como possibilidade de compre-ensão e explicação dos dados obtidos.

A teoria das representações sociais, utilizada como aporte teórico por diversas áreas do conhe-

cimento nas últimas décadas como possibilidade de análise para os mais diferentes objetos, foi inaugurada por Moscovici ao final dos anos 1950, e completou, em 2011, 50 anos (Almeida, Santos & Trindade, 2011). Almeida (2009) conta que a teoria das representações sociais chegou ao Brasil por volta da década de 1980, fora da produção acadêmica dos Estados do Rio de Janeiro (RJ) e de São Paulo (SP) e em meio ao que ela denomina de crise da Psicologia Social. Duas vertentes dentro da Psicologia Social são destacadas por Almeida (2009) à época como opositoras a TRS no Brasil: uma mais alinhada com as teorias norte-america-nas centradas nos processos intra e interpessoais e outra linha, que ultrapassava as questões pessoais e avançava no sentido do entendimento das questões sociais. Mesmo com essa resistência, o número de pesquisas e publicações em TRS cresce no Brasil, até que em 1994 foi realizado, na cidade do Rio de Janeiro, a 2ª Conferência Internacional em Re-presentações Sociais, mostrando que não apenas a Psicologia, mas outras áreas do conhecimento, tais como a Saúde, Serviço Social, Educação, também desenvolviam estudos, reflexões e análise por meio deste referencial teórico.

Para Almeida, Santos & Trindade (2011) as re-presentações sociais são conhecimentos elaborados e compartilhados socialmente e dizem respeito a algum objeto que tenha relevância a determinado grupo social. As representações sociais deste objeto orientarão a prática e justificarão escolhas deste grupo.

Desta forma, pode-se entender que permanecer em um curso de pós-graduação, apesar de todas as intercorrências apresentadas neste trajeto (Dubs, 2005), parece ser justificada pelos benefícios espe-rados tanto em decorrência da obtenção do título quanto em termos de capacitação para o desen-volvimento do trabalho atual/futuro, no caso da especialização (Maciel et al., 2010).

Procedimentos metodológicos

Participaram do estudo 35 alunos de um curso de Pós-Graduação (lato e strictosensu) em Institui-ção de Ensino Superior, localizada em Vitória – ES, totalizando 25% dos alunos da instituição, matri-

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 131

culados em 2010. Os participantes responderam a um questionário online, enviado a todos os alunos de Pós-Graduação, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As questões versavam sobre: seus dados sócio-demográficos; expectativas e processos de escolha relacionados à Pós-Graduação; possibilidades de representações relacionadas ao cotidiano do estudante; e expec-tativas e motivações de um estudante para investir em estudos posteriores à graduação.

Ainda que o número de participantes seja pe-queno, os resultados foram apresentados em forma de porcentagem, visando enfatizar a expressividade das respostas, uma vez que o número é representa-tivo dos alunos da instituição.

Resultados e Discussão

Uma importante questão a ser enfatizada é a de que o questionário foi respondido por alunos de Pós-Graduação lato e stricto sensu. Estes dois tipos de curso são diferentes em seus objetivos, finalidades e conteúdos, independente da área de conhecimento. Assim, espera-se encontrar respostas diferenciadas quando se trata de alunos de especialização e de mestrado/doutorado. No entanto, por acontecerem todos em uma mesma instituição, privada e com um considerável valor de mensalidade, as respostas foram uniformes e apresentam na questão financeira uma centralidade importante, bem como no mercado de trabalho e no reconhecimento, a partir deste, da titulação.

Os resultados apontam para influência da vonta-de de adquirir novos conhecimentos e necessidade de renovar os já existentes, sendo estas as respostas da maioria dos participantes, com 93,9% e 90,9% das respostas, respectivamente, quando questiona-dos sobre a decisão de cursar uma Pós-Graduação. No estudo realizado por Leite Filho e Rodrigues (2006), os pesquisadores puderam observar que 75,38% da amostra de estudantes de Graduação em Administração identificava a Pós-Graduação como algo que, independente dos ganhos profissionais, possibilitaria satisfação pessoal, tendo este fato como uma motivação para cursá-la. Em Martins e do Monte (2010), 88,54% da amostra de estudantes egressos do curso de Pós-Graduação em Ciências

Contábeis identificaram o interesse em adquirir maiores conhecimentos como motivação para continuarem seus estudos e em Maciel et al. (2010) esses conhecimentos foram alcançados e possibili-taram a realização do trabalho de forma mais obje-tiva e satisfatória. É possível perceber, portanto, que existem alguns elementos representacionais tanto para estudantes de graduação quanto para os que já estão na Pós-Graduação ou recentemente a fina-lizaram, que se referem à ideia de que continuar os estudos após a graduação seria satisfatório partindo de um ponto de vista pessoal e geraria benefícios ao indivíduo enquanto profissional mais capacitado.

O aumento da network, rede de relacionamen-tos profissionais, também figura como motivação para o ingresso na Pós-Graduação (82,25%). A realização do curso, contudo, não aparece como sendo motivada por pressão dos parentes e amigos ou do próprio chefe, uma vez que os participantes discordaram das afirmativas relativas a esse tópico com 71,43% e 80%. Tal dado corrobora a percep-ção da Pós-Graduação como sendo um modo de satisfação pessoal.

Para os participantes, a afirmação “quem tra-balha e cursa pós simultaneamente possui mais chances de abandonar o curso” foi afastada em 88,2% dos respondentes, dado este que dialoga com a porcentagem de participantes que trabalham e estudam (85,3%). Pode-se pensar que a aceitação da afirmação anterior pelos participantes, levando em consideração que a conciliação do trabalho com os estudos é vista como custosa ao indivíduo, apontaria para a previsão de um fracasso colocada pelo menor tempo disponível para dedicação aos estudos. Em sua pesquisa, Leite Filho e Rodriguez (2006) obtiveram como resultado que 83,71% concordam com a assertiva que postula que a Pós--Graduação exige sacrifícios pessoais, demonstran-do consciência das adversidades que enfrentarão em seu cotidiano de estudo.

Houve acordo quanto à afirmação de que a Pós-Graduação “abre portas” no mercado de trabalho (85,3%) e que possibilita “status social” (67,7%), embora para 79,4% dos participantes cursar uma Pós-Graduação não significa “vencer na vida”. Foi possível perceber que os alunos compartilham uma representação que define a Pós-Graduação

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2132

como um local de possibilidades: ascensão social, aumento salarial, rede de contatos, entre outros. Entretanto, ser pós-graduando não se configura como algo indispensável, mas como um somatório nas capacidades e investimento pessoal. Leite Filho e Rodriguez (2006) conferiram que 84,62% dos participantes de sua pesquisa consideram que, naquele momento, seria mais importante ganhar dinheiro e iniciar a carreira profissional, o que pode indicar o caráter adicional do curso de Pós-Graduação. Já em Martins e do Monte (2010), a Pós-Graduação é vista como geradora de oportunidades na carreira e favorecedora da empregabilidade, com 68,85% e 68.25% respectivamente, podendo ser entendida como um modo de somar à vida profissional, porém que configura um degrau superior aos profissionais que não possuem tal título.

O aumento do salário, com 88,2% de concor-dância pela amostra, aparece com uma das variáveis influenciadas pela realização da Pós-Graduação, sendo também um fator motivador do ingresso no curso. Em Martins e do Monte (2010), o au-mento da remuneração figura na 13ª posição em relação às motivações que incitaram a realização e obtenção do título de Mestre, com 60,21% de influência. Contudo, apesar de 60% da presente amostra concordar com a afirmação de que se faz Pós-Graduação com o objetivo de trabalhar me-nos e ganhar mais futuramente, 51,25% também concordam que a obtenção de melhorias em renda não é o único fator almejado ao se iniciar o curso.

A Pós-Graduação se identifica, para 62,25% dos participantes, como um investimento a longo pra-zo, o que pode ocorrer devido ao tempo dispendido e ao trabalho demandado. Porém, para 82,85%, fa-zer Pós-Graduação é um investimento pessoal em si mesmo e em seu próprio crescimento, pensamento tal que pode ser visto como um facilitador da passa-gem pelo caminho do curso. Em adicional, Leite Fi-lho e Rodriguez (2006) verificaram que 81,54% dos participantes acreditam que a Pós-Graduação tem retorno garantido após sua execução, dado este que pode representar um sentimento de segurança em face do trabalho e do tempo dispendido. Já Louzada e Silva Filho (2005) afirmam que, dentre os estu-dantes de Pós-Graduação stricto sensu, o caminho é longo entre a realização, e mesmo a conclusão do

curso, e uma contratação tal como almejada pelos estudantes que visam à área acadêmica.

Leite Filho e Rodriguez (2006) verificaram em sua pesquisa que a afirmação “Só voltaria a estudar se a empresa arcasse com os custos” obteve 90,77% de discordância, dado que se diferencia do obtido por este trabalho, com suas porcentagens divididas entre a afirmação e a negação, porém partindo de questões diferentes. Foi questionado aos partici-pantes se concordavam com a afirmação “Algumas pessoas só fazem Pós porque a empresa paga”. A amostra, apesar de se focar na discordância da afirmação, também sinalizou a existência de funcio-nários que se encaixariam em tal descrição, o que pode indicar ainda haver a presença do incentivo financeiro por parte das empresas como modo de incitar a realização de cursos para o desenvolvi-mento profissional, provavelmente mais ligados à Pós-Graduação lato sensu.

O curso de Pós-Graduação, inicialmente ligado à academia, assume a representação, provavel-mente também mais ligada à lato sensu, de ligação ao mercado profissional e não ao acadêmico; foi possível verificar que 62,85% da amostra discorda da afirmação de que quem faz Pós-Graduação atu-almente almeja ser professor. Tal dado, contudo, se confronta com o obtido por Leite Filho e Rodriguez (2006), que obteve 67,89% de seus respondentes de acordo com a afirmativa que estabelece que o inte-resse em fazer Pós se vale da vontade de ingressar na carreira acadêmica.

A obtenção de conhecimentos também figura como ponto de influência para a realização de uma Pós-Graduação. Para a amostra de Martins e do Monte (2010), as Habilidades Cognitivas constam para 70,31% dos participantes como motivo para o ingresso no curso. Em nossos dados, foi possível verificar que a Pós-Graduação é vista como um modo de legitimar conhecimentos já existentes e assegurar a obtenção de novos conhecimentos (com 74,48% de concordância com a afirmativa). Percebeu-se, também, a visão da Pós-Graduação enquanto modo de aprofundamento de conheci-mentos, uma busca por saberes mais específicos e direcionados (82,85% da amostra). Leite Filho e Rodriguez (2006) puderam observar em sua pes-quisa a discordância da afirmação que postulava

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que os conhecimentos adquiridos na graduação eram o suficiente para o exercício profissional (92,31% da amostra), invalidando a necessidade de cursos complementares, dado que aponta a im-portância da Pós-Graduação enquanto promotora de conhecimentos.

A amostra concordou, em 82,85%, que as pes-soas que ingressam em uma Pós-Graduação pen-sam primeiramente em seu crescimento pessoal e profissional de forma individual, ou seja, sem relação com o futuro impacto desse curso em seu futuro. Apesar de os dados indicarem, com uma pequena diferença entre concordo e discordo, que os participantes consideram que para crescer pro-fissionalmente é necessário fazer Pós-Graduação, houve consenso quanto à importância do título em seus currículos, com aceitação da maioria da amostra. Assim como apresentando por Martins e Do Monte (2010), a Pós-Graduação influencia diretamente na empregabilidade dos trabalhadores, como pode ser visto nos dados que indicam que os participantes concordam em quase totalidade que a Pós-Graduação é uma forma de crescimento profis-sional, que possibilitará maiores salários e maiores oportunidades no mercado de trabalho.

Considerações finais

É possível considerar que a vinculação institu-cional caracteriza as representações sociais deste público acerca de seus cursos com maior relevância do que a própria caracterização dos cursos, ou seja, a diferença que se poderia esperar entre cursos de Pós-Graduação lato e stricto sensu aparece diluída em meio a uma questão mais relevante a esses es-tudantes, que diz respeito às condições financeiras que envolvem o processo de realização do curso e as expectativas relacionadas ao término deste. Mesmo para os estudantes de mestrado e doutorado existe a expectativa de retorno rápido, seja pela titulação, seja por alguma contratação/aumento de salário de-correntes desta, e portanto as representações acerca dos cursos se apresentam sem diferenciações.

As expectativas dos alunos em relação à me-lhoria nas condições de trabalhos e de salário é o fator motivacional para a dedicação ao curso, considerando-se que a maior parte dos alunos

conta com uma carga horária semanal de trabalho pesada e ainda precisa se dividir entre as exigên-cias da Pós-Graduação e as demandas pessoais envolvendo família, amigos e tempo de descanso e lazer. Assim, a representação do grupo de estu-dantes envolvendo a Pós é a de que ela representa um período de sacrifícios, mas com prazo para o término; ao final desse prazo se espera desfrutar de todos os benefícios almejados, como a conquista de um emprego melhor, de um salário melhor, ou a possibilidade de uma mudança de área, quando esse é o objetivo. Faz-se necessário colocar que apesar de fazer parte do imaginário social que o aumento na escolaridade nem sempre é indicativo de melhores colocações e/ou salários, ou seja, em alguns momentos, e para alguns estudantes, suas expectativas não se concretizarão. Assim, estudos que acompanhem estes estudantes após o término de suas Pós-Graduações são importantes, bem como a investigação de grupos de estudantes de instituições públicas para comparação das respostas e confrontação das semelhanças e diferenças entre entre grupos.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 135

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FAMÍLIA PARA HOMENS DE DIFERENTES GERAÇÕES

Thaís Caus Wanderley1, Maria Cristina Smith Menandro2

épocas na intenção de melhor entender a inserção masculina na família ao longo da história. Portanto, o presente estudo buscou averiguar as represen-tações sociais e vivências inerentes à interface da família e do universo masculino.

Representações Sociais

Considerando o homem como construído sócio-historicamente, verifica-se a necessidade de teorias que permitam conhecer esse homem e o mundo no qual ele está inserido também de uma forma que considera as condições sócio-históricas produzidas e produtoras de realidades.

A Teoria das Representações Sociais vem, nesse sentido, propor um olhar sobre como os indivíduos e os grupos constroem seu conhecimento a partir de uma inscrição social, como a sociedade se dá a conhecer e também produz conhecimento. E é no espaço da psicologia que a Teoria das Representações Sociais ganha uma teorização, com Moscovici e, posteriormente, com Jodelet, mostrando-se como um conceito que trabalha o pensamento social na sua diversidade e no seu dinamismo (Arruda, 2002).

Assim, essa teoria vem resgatar o saber do senso comum e a consciência coletiva, com um caráter de acesso a todos, mas também de variabilidade, con-siderando que essas construções não são estanques e sim estão em constante movimento. Como diz Arruda (2002), “a realidade é socialmente constru-ída e o saber é uma construção do sujeito, mas não desligada de sua construção social” (p.131).

Por representações sociais entendem-se, então, formas de pensar o senso comum e de destrinchar seus significados sociais, o que ajuda a compreender como um objeto social é significado

Introdução

Família e o universo masculinoO estudo da família tem se mostrado de rele-

vância e vem chamando a atenção da Psicologia e de outras ciências para suas riquezas e nuances, já que a instância familiar parece ocupar um espaço social de importância na sociedade. Apesar de não se poder falar em família, mas, sim, em famílias (Diniz & Coelho, 2005), já que se notam estruturas familiares diferenciadas na sociedade brasileira e ao longo do tempo, a história mostra que um modelo predominante de família se configurou e ganhou destaque na sociedade: o modelo nuclear, constitu-ído por pai, mãe e filhos (Romanelli, 2003).

Com relação ao espaço familiar, também se mostram adequadas algumas discussões sobre gênero e papéis de homens e mulheres na família. Vários são os estudos sobre a mulher e a materni-dade (Torres, 2000; Coutinho, 2008; Souza, 1995; Dias & Lopes, 2003; Scavone, 2001). E apesar da masculinidade e da paternidade também estar ga-nhando espaço na literatura pertinente (Cechetto, 2004; Vaitsman, 1994; Trindade & Menandro, 2002; Trindade, 1993), ainda nota-se a necessidade de se buscar entender as relações do universo masculino com o da família.

A masculinidade, assim como outros construtos sociais, permeia-se por uma constante construção e, assim, entende-se que sua vivência no seio da família também sofra modificações. Por exemplo, de acordo com Vaitsman (1994), no início do século XX tinha-se em vigor a concepção de um homem viril e que era responsável pela moralidade e manu-tenção material da família; já em estudos recentes, como o de Balancho (2004), aparece um homem mais afetuoso com sua família e que divide tarefas afetivas, sociais e materiais com a mulher. Percebe--se, então, a necessidade de se verificar as vivências e significações de família para homens de diferentes

1 UFES/UNIVIX2 UFES

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pelos grupos e quais as relações que podem ser construídas entre os indivíduos a partir destas significações (Jodelet, 1998).

A experiência vivida é encarada como substrato para a construção de saberes e de diversas raciona-lidades, de acordo com a diversidade de sociedades e de formas de conhecer e pensar o mundo. Um mesmo objeto, por exemplo, pode ter significações diferentes para diferentes sociedades. E esse caráter de especificidade de cada sociedade deve ser enten-dido em sua diferença para compreender seu valor e suas verdadeiras significações. Assim, a Teoria das Representações Sociais no campo da Psicologia vai além do estudo dos fenômenos psicológicos como aspectos isolados e passa a olhá-los em sua interação com a sociedade e a cultura em que são produzidos.

A teoria das Representações Sociais colabora para a visualização dos indivíduos junto às influ-ências de seus contextos sociais e à construção de seu meio social. Ela nos permite pensar a realidade social, acessando conhecimentos como o senso comum. Assim, dar escuta às informações e aos conhecimentos partilhados socialmente permite uma melhor apreensão da realidade social vigente.

Por exemplo, partindo desse pressuposto, Me-nandro, Trindade e Almeida (2003) estudaram as representações sociais de adolescência e juventude em matérias jornalísticas em dois períodos de tem-po distintos: de 1968 a 1974 e de 1996 a 2002. Com esse trabalho, foi possível perceber algumas formas comuns de se pensar esta juventude em conformi-dade com as épocas em que as coletas foram feitas. Assim também o presente estudou buscou estudar as vivências e significações de família para homens que viveram em diferentes gerações, no intuito de melhor entender as relações estabelecidas ao longo do tempo entre o masculino e o universo familiar.

Objetivo

Considerando a relevância do estudo do uni-verso masculino e também do da família, a pre-sente pesquisa buscou identificar as representações sociais de família para homens que vivenciaram diferentes épocas do século XX.

Ao conjunto de pessoas de idades próximas e que vivenciaram a mesma época, com mesmo con-

texto histórico, político, social e econômico, deu-se neste estudo a denominação de geração.

A escolha por um estudo intergeracional se justifica por ser uma forma de entender as seme-lhanças e as diferenças nas representações sociais de um mesmo objeto de estudo ao longo do tempo. O estudo das gerações, de acordo com Saraceno e Naldini (2003), possibilita a identificação de fenô-menos que permanecem no tempo, mas também daqueles que se diferenciam nas experiências dos interesses. Assim, a proposta de um estudo inter-geracional se mostrou coerente com o objetivo de estudar as representações sociais de família para homens no decorrer do tempo.

Método

Foram entrevistados 9 homens de 3 famílias di-ferentes: 3 avôs, 3 pais e 3 filhos. A geração dos avôs compreendeu homens que nasceram nas décadas de 1920 e 1930, a geração de pais foi representada por homens que nasceram entre os anos de 1950 e 1960 e a geração dos filhos foi caracterizada por jovens que nasceram nos anos 90 do século XX.

Foi utilizada uma entrevista com roteiro semi-estruturado como instrumento de coleta de dados. Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. Os dados foram tratados por meio da Análise de Conteúdo (Bardin, 2002) até que se chegasse às representações sociais de famílias para homens das três gerações indicadas do século XX. Para tanto, foram seguidas as seguintes etapas: em um primeiro momento, foi feita uma pré-análise, caracterizada por um contato com os dados por meio de leitura flutuante; logo após, foi feita a exploração do material, caracterizada pela codificação dos dados obtidos e, por último, os dados foram tratados e distribuídos em categorias ilustrativas das representações sociais estudadas (Bardin, 2002).

Resultados

O tratamento dos dados indicou que a família foi representada como espaço de formação do indi-víduo pelas três diferentes gerações, ou seja, essa foi uma representação que permaneceu forte ao longo dos anos do século XX.

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Porém, nas três gerações estudadas também foram encontradas representações sociais particulares de família. Na geração mais velha, família foi entendida como autoafirmação perante a sociedade, o que significa que a família é tida pelos avôs como um estandarte exibido para a sociedade como forma de afirmação de um cidadão de respeito. Essa geração também entende família como união, ou seja, como um conjunto de membros fortemente ligados; como vínculo, isto é, como pessoas que estão unidas por um ligame denso, não facilmente vulnerável; e, ainda nesse sentido, família é entendida por essa geração como fuga da solidão, o que aponta a família como oportunidade de companhia, de relacionamentos.

Na geração intermediária, as representações sociais de família foram: refúgio, o que se entende por família como espaço de segurança e proteção do indivíduo; tudo na vida, o que mostra a forte relevância da família na vida de seus partícipes; e conjunto de pessoas próximas, o que se entende como um grupo de pessoas que possuem uma im-portante ligação entre elas, mas ao mesmo tempo essa ligação parece ser percebida de maneira mais tênue em relação à representação de família como vínculo da geração mais velha, pois aqui o destaque se dá pela proximidade dos membros da família e não pela força de um vínculo íntimo e forte.

Na geração mais nova, a representação social de família como tudo na vida permaneceu, assim como na geração intermediária. As outras signifi-cações de família para essa geração foram: apoio, que significa a família como suporte ao sujeito, especialmente suporte afetivo e emocional; e porto seguro, entendido como um refúgio de alta segu-rança para esses jovens.

Discussão

Foi possível perceber que as representações sociais de família para homens de diferentes gera-ções ganharam nuances diferenciadas ao longo do tempo. Contudo, é importante destacar que a repre-sentação social de família como espaço de formação permaneceu forte e central nas três gerações, de forma a demarcar um espaço de muita importância, por se mostrar uma significação firme e resistente

de família ao longo do tempo para os homens. Isso parece mostrar que, para os homens, a família é em primeiro lugar o espaço responsável pela educação e adequação social dos indivíduos. O seio familiar é o recinto onde as crianças devem ser geradas, educadas, moldadas e geridas, ou seja, ao mesmo tempo em que a família é enxergada como espaço de formação, é ambiente de educação dos infantes e também é um espaço de expressão de poder dos pais dirigido aos filhos, por meio do qual os pais podem moldá-los e submetê-los a sua autoridade.

A partir dessa concepção de família, outras pu-deram ser levantadas e configuraram o caráter pe-culiar de cada geração. Na geração mais velha, por exemplo, a representação social de família como autoafirmação perante a sociedade marca como essa geração valoriza a maneira como o homem vai ser visto pela sociedade e a família se mostra como uma solução acertada para que o sujeito seja aceito como adequado socialmente.

Ser um homem de família parece ser sinônimo de homem de respeito – aquele com valores mo-rais, sociais e afetivos adequados, respaldados por um conjunto de pessoas, a família. Para os homens dessa geração, essa autoafirmação parece ser ainda mais relevante, quando se pensa a afirmação da virilidade desses homens por meio da família.

Ao pensar a masculinidade, o que se percebe é que existe um modelo hegemônico que permeia grande parte das relações no mundo ocidental. Esse modelo passa em primeiro lugar pela definição do masculino por meio da sexualidade e do seu comportamento diante dela. A questão de ser “ativo” ou “passivo” é o que determina a relação de submissão ou dominação no universo masculino: homem que é macho deve ser ativo nas relações sexuais (Cechetto, 2004) e a procriação é prova disso.

Formar família, então, parece ser tido como uma capacidade exclusiva de homens viris (Vaitsman, 1994; Hutchinson, 1959; Woortmann, 1987; Borges, 1986 citados por Souza, 1995), aqueles capazes de procriar e formar um nicho de pessoas submetidas a sua autoridade. O exibicionismo da virilidade, por sua vez, segundo Cechetto (2004), junto a outros fa-tores como expressão de autonomia, agressividade, ligação com instrumentos de poder, autocontrole,

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compõe um ideal de masculinidade, revestido de naturalidade, que parece ser nessa geração o mo-delo partilhado.

Ainda para a geração mais velha, a família também é representada como união, vínculo e fuga da solidão, ou seja, família parece aqui ser um conjunto coeso de pessoas fortemente unidas. Essas representações mostram como a família para homens é entendida como um espaço de conforto, no qual as pessoas que nela estão são vinculadas umas às outras; estão, assim, fortemente unidas, de forma que, fazendo parte desse nicho, o homem está protegido da solidão. Aqui, alguns participan-tes chegam a relatar que um homem sem família é um homem sozinho e também mais vulnerável às mazelas da vida, como vícios e doenças – situações entendidas como consequências da falta de uma família que cuide, dê suporte a esse homem.

A reiteração do cuidado, do amparo familiar, parece se justificar como ainda mais presente nes-sa geração, devido ao fato de ser uma geração de pessoas já idosas, que requerem cuidados e auxílio nas diversas esferas da vida cotidiana. Assim, parece coerente para os homens dessa geração o destaque das representações de família como união, vínculo e fuga da solidão.

Na geração intermediária, o entendimento de família como refúgio também traz a ideia de segu-rança e proteção para o homem dela pertencente. Porém, nessa geração, a proteção aqui levantada por essa representação social traz uma conotação mais voltada para a afetividade, ou seja, aqui a fa-mília é enxergada como um núcleo de intimidade e afetividade (Rocha-Coutinho, 1994). Na geração mais velha, família parece ser uma rede social de segurança e cuidado para os homens idosos, já na geração intermediária, a família é apresentada como espaço de conforto afetivo, um espaço onde se ama e se é amado. O refúgio aqui representado diz respeito à oportunidade de acolhimento cer-teiro por parte da família para com esses homens. Revela-se aqui uma família que é mais do que um núcleo social, é também um núcleo afetivo, no qual os pais aqui estudados têm a oportunidade de acolhimento de que precisam.

Essa ideia de refúgio parece ser complementada pela concepção de família como conjunto de pessoas

próximas, que configura o espaço protetor e acolhe-dor do homem. Porém, em relação à geração ante-rior, os sujeitos integrantes da geração intermediária parecem mais autônomos. A família ainda apresenta uma forte ligação entre seus membros, até mesmo por causa da destacada ligação afetiva, entretanto seus integrantes já possuem planos e direcionamen-tos mais autônomos do que aqueles apenas voltados para os ideais familiares. Por exemplo, nessa geração já foi possível encontrar relatos sobre mulheres que trabalhavam fora de casa e que tinham curso supe-rior, o que mostra a escolha de uma profissão por parte dessas mulheres, paralelamente à constituição da família, da qual elas ainda fazem parte com gran-de relevância (Torres, 2000; Coutinho, 2008; Souza, 1995; Dias & Lopes, 2003; Scavone, 2001). Ou seja, o espaço familiar na concepção dos homens é vi-venciado por eles como espaço de segurança, mas essa proteção emanada da família se dá de maneira diferenciada da geração mais velha.

Para a geração intermediária, família também é representada como tudo na vida. Tal represen-tação social levanta a importância da família para os homens dessa geração ao trazer a ideia de que sem a família, nada resta – a família é tudo, ou seja, todas as possibilidades de conforto, proteção, afeto, realização estão colocadas na família. A represen-tação social de família como tudo na vida coloca também os riscos e as dificuldades pelas quais os homens podem passar se vierem a ficar sem família, isto é, se a família é tudo na vida, a vida fica vazia e vulnerável sem ela, na concepção dos homens da geração intermediária.

Esse papel fundamental da família na vida dos homens permanece também na concepção da ge-ração mais nova, ou seja, também entre os homens jovens a família é representada como tudo na vida e assume esse papel de grande relevância na vida deles. É curioso que mesmo tendo mudado nessas duas gerações os papéis dos homens na família – na geração intermediária, os homens eram pais; na geração mais nova, eles já estão ocupando o lugar de filhos, como aqueles que ainda moram com seus pais e pretendem no futuro formarem novas famílias por meio do casamento – o significado de família como “tudo” permanece, apesar dos dife-rentes pontos de vista.

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Na geração mais nova, também aparece “apoio” como representação social de família. Esse apoio, quando levantado pelos jovens, traz a ideia de que a família é uma base de sustento para a construção da vida, que em muitas situações, ainda se pauta na vida acadêmica e na construção de um futuro profissional. Na família, parece se encontrar o apoio necessário para as demandas da vida do jovem homem.

É na família também que surge mais uma vez o sentimento de segurança, o que justifica a represen-tação social de família por parte desses jovens como porto seguro. Novamente, a família é significada como proteção ao homem, mas nessa geração isso parece ganhar um caráter ainda mais intenso, sendo o porto seguro para os jovens, ou seja, não apenas um lugar de segurança, mas de alta segurança, o qual se pode buscar nos diversos momentos, in-clusive nos de ameaça. Essa concepção parece estar de acordo com os estudos de juventude, quando revelam o ímpeto que parece existir no jovem de desbravar o mundo. Isso muitas vezes pode colocá--lo em risco e a família seria o lugar de alta proteção necessário nessas situações. Além disso, segundo Menandro, Trindade e Almeida (2003), a famí-lia funciona como um alicerce para o desafio de desenvolver-se vivenciado pelo jovem, o que mais uma vez a coloca como um espaço de segurança.

Conclusões

Percebe-se, então, que para homens de dife-rentes gerações do século XX, a família tem como representação social espaço de formação do indi-víduo. Essa representação permeia as três gerações estudadas e ganha destaque pela sua relevância e permanência ao longo do tempo. Nota-se que, ape-sar das diferentes nuances em cada geração, existe uma linha mestra de significação de família para os homens ao longo do tempo.

Porém, algumas diferenças se destacaram, como a representação social de família como afirmação de si na geração mais velha, que se mostra também como uma forma de confirmar a masculinidade desses homens mais velhos por meio da afirmação da virilidade, constatada pelo fato de fazerem filhos. Isso se mostra forte na

geração mais velha, mas vem perdendo força nas gerações seguintes, nas quais o destaque passa ao afeto e à cumplicidade vivenciados no seio familiar, somados à experiência de família como espaço de segurança e proteção.

Conclui-se que as representações sociais de fa-mília para homens de diferentes gerações do século XX possuem conteúdos fortemente enraizados na vivência de homem do século XX, que permane-cem ao longo do tempo, mas também cada geração apresenta características privadas, como formas particulares de representarem a família em cada contexto histórico, econômico, social e político. Todas essas representações ajudam a entender me-lhor a experiência de família para esses homens que viveram em diferentes épocas, mas que ainda assim experienciam de certa forma de maneira próxima o que é o arcabouço da família.

Referências

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2140

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 141

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE HOMENS E MULHERES SOBRE RELAÇÃO AMOROSA, INFIDELIDADE E FAMÍLIA

Simone Ferreira Alvim1, Maria Margarida Pereira Rodrigues2,Paulo Rogério Meira Menandro2, Vitor Silva Mendonça3

2001; Rocha-Coutinho, 2000). Provavelmente, ao mesmo tempo em que as pessoas querem construir relacionamentos duradouros, (paradoxalmente!) não conseguem fazê-lo. Este aumento do número de divórcios e sua maior aceitação possibilitaram novos tipos de família, situações e papéis sociais, outras formas de mediação entre os indivíduos e o Estado, bem como uma nova legislação (Torres, 2000): como o Código Civil e a Lei Maria da Penha4, por exemplo.

Outros aspectos da vida pessoal dos indivídu-os, inclusive a liberdade de escolha do parceiro e a menor importância à virgindade (Amaral & Fonseca, 2006; Gubert & Madureira, 2008; Paiva, Aranha & Bastos, 2008) também influenciam na formação dos pares amorosos. O casamento se impõe a ambos os gêneros como um destino e deve ser mantido, seja por alargamento ou manutenção do patrimônio (burgueses), ou pela necessidade de sobrevivência econômica e lógica das respon-sabilidades contraídas (Torres, 2000). Algumas pesquisas demonstram que o motivo legítimo para o casamento tem sido, realmente, o amor, como se isso também fosse a solução para todos os proble-mas, como os desentendimentos conjugais devido à estranheza entre os cônjuges (Alvim & Souza, 2005; Torres, 2000). “Defende-se o amor como suspensão do tempo e do espaço, como ‘estado’ que vence todos os obstáculos e supera todas as

1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPGP da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

2 Professor(a) do Programa de Pós-Graduação em Psicologia – PPGP da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

3 Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano – Universidade de São Paulo – USP

4 Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; além disso, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

Introdução

A família vem sendo estudada por diversas áreas das ciências humanas e sociais. Como objeto transdisciplinar, a sua análise tem sido orientada por múltiplas abordagens teóricas e tem focado diferentes níveis de aproximação (Bastos, Alcân-tara & Ferreira-Santos, 2002). A multiplicidade de arranjos familiares no Brasil já se dava desde a colonização, efeito dos tipos de indivíduos que vinham morar na colônia, em sua maioria homens, solteiros ou desacompanhados. Esses fatores são apontados como influências para/da miscigenação do povo brasileiro (Campos, 2003; Silva, 1998).

Atualmente, diversos são os arranjos familiares brasileiros, mostrando que não houve grandes transformações estruturais, embora possamos citar algumas mudanças de valores e comportamentos prescritos para cada gênero, como a entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho e nas universidades (Berquó, 1998; Biasoli-Alves, 2000; Féres-Carneiro, 2003). No Brasil, o número de mulheres matriculadas no ensino superior já é maior que o de homens, embora, geralmente, seja

a mulher quem tem que abdicar de seus interesses pessoais em favor dos planos do cônjuge ou das necessidades do grupo familiar. Essas diferenças na forma de conciliar família e trabalho, vividas por homens e mulheres, podem afetar a satisfa-ção no casamento, a satisfação no trabalho – ou mesmo o desempenho em diferentes áreas da vida (Perlin & Diniz, 2005, p.17-18).

Observamos, no Censo de 2000 (IBGE, 2003), uma diminuição do número de casamentos e um aumento do número de divórcios e, ainda assim, as pessoas pretendem ou desejam se casar, ao menos uma vez: a maioria dos homens e mulheres deseja constituir uma família (Jablonski,

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2142

dificuldades. Mas o romance acaba quando a vida conjugal começa” (Torres, 2000, p. 154). A visão romântica do casamento nos discursos dos parti-cipantes da pesquisa de Torres (2000) diminuiu à medida que aumentaram a idade dos cônjuges e a duração do casamento, dando lugar a valores como solidariedade e companheirismo.

Dados de outros estudos revelaram que ho-mens, ao se engajarem em um relacionamento conjugal, tendem a adotar uma postura de aco-modação caracterizada por padrões comporta-mentais baseados em modelos mais tradicionais de casamento. Enquanto isso, as mulheres estão, constantemente, em busca de mudanças quali-tativas em seus relacionamentos (Biasoli-Alves, 2000; Féres-Carneiro, 2003), justificando também o aumento de pedidos de divórcio provenientes das mulheres (IBGE, 2003). Os temas infidelida-de, relacionamento amoroso e família carregam representações sociais dos sujeitos envolvidos em uma rede de relações íntimas que alteram/são alteradas por suas concepções, sentimentos e re-presentações, e foram os evocadores selecionados para esse trabalho.

Objetivo

Esse trabalho pretendeu conhecer elementos das representações sociais sobre família, casamento e infidelidade de 60 homens e 60 mulheres casados/descasados e/ou que tenham filhos, que circulam no contexto social desses sujeitos.

Método

ParticipantesSessenta (60) homens e sessenta (60) mulheres

que já constituíram uma nova família, ou seja, casados ou descasados, ou que têm ao menos um filho. A amostra feminina era formada, em sua maioria (36 sujeitos, 60%), por mulheres de 26 a 35 anos, enquanto a masculina era 70% mais concentrada entre 26 a 45 anos (26-35, 53% e 36-45, 27%), caracterizando a amostra masculina como mais velha do que a feminina.

InstrumentoFoi utilizado um questionário com questões

sobre caracterização da amostra e três termos para evocação livre (relação amorosa, traição, família).

ProcedimentoForam aplicados questionários, presencial-

mente, a 20 sujeitos (15 mulheres e 5 homens) e enviados mais 200 questionários por e-mail do mailing list da pesquisadora, 100 para cada gênero. A decisão de enviar por e-mail foi tomada dado o constrangimento demonstrado pelos homens para responder ao instrumento. No dia seguinte ao envio, 97% das mulheres (97 de 100) já tinham devolvido o instrumento preenchido; enquanto apenas 11% dos homens devolveram (11 de 100 questionários enviados). Ao final da coleta pos-suíamos 173 questionários, 112 de mulheres e 61 de homens, gerando uma taxa de instrumentos de coleta “perdidos” de 13,5%, no total (3 de mu-lheres e 39 de homens). O critério de seleção dos sujeitos válidos para a amostra, além dos requisi-tos já explicitados, foi a ordem de recebimento dos questionários respondidos, ou seja, os primeiros 60 homens e 60 mulheres que responderam foram aceitos como sujeitos. Realizou-se download dos questionários sem identificação, para garantir o anonimato acordado com os participantes nesta mesma comunicação.

Análise de Dados

Os dados foram analisados com o auxílio do software Evoc (Vergés, 2000), o qual nos possibi-lita conhecer alguns elementos das representações sociais dos sujeitos pesquisados, oferecendo-nos uma divisão destes elementos em quadrantes assim definidos (Oliveira, Fischer, Amaral, Sá & Teixeira, 2005; Oliveira, Marques, Gomes & Teixeira, 2005; Vergès, 2000):

• Quadrante superior esquerdo: apresenta os elementos com maior frequência e ordem de evocação (mais próxima do 1), onde en-contraremos os elementos do núcleo central (N.C.) das representações sociais, a partir da palavra evocadora.

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• Quadrante superior direito: corresponde aos elementos periféricos mais próximos (E.P.P.) ao núcleo central, aqueles que es-tabelecem uma interface entre o núcleo e a realidade concreta na qual são elaboradas e funcionam as representações. Também podem contextualizar, na prática, o objeto a ser representado.

• Quadrante inferior esquerdo: compreende os elementos contrastantes (E.C.) das repre-sentações que circulam entre os elementos periféricos.

• Quadrante inferior direito: apresenta elementos com baixa frequência e ordem de evocação mais longe do 1 (ou seja, últi-mas a serem lembradas), correspondendo aos elementos periféricos mais distantes (E.P.D.) do núcleo central das representa-

ções. Devido à “pouca força” de associação ao núcleo, provavelmente, serão os ele-mentos mais passíveis de mudança ou de reconfiguração.

Os elementos periféricos (próximos, distantes ou contrastantes) podem, ou não, coincidir com o núcleo central, por isso mesmo, refletem a diver-sidade de elementos de representações circulantes no contexto social ou indicam quais elementos po-dem até modificar o núcleo. Isto significa que “cir-culam” numa esfera estrutural das representações que comporta contradições, ao mesmo tempo em que mantém/reproduz a centralidade do núcleo. Nesta análise, foi considerada a ordem natural da produção das evocações e o produto destas cons-tituiu um dicionário com 1.820 palavras, em 446 ocorrências (Tabela 1).

Tabela 1 – DICIONÁRIO DE OCORRÊNCIAS

RELAÇÃO AMOROSA INFIDELIDADE FAMÍLIAPal./oc./méd.* pal./oc./méd.* pal./oc./méd.*

MULHERES 330/60/3,3 286/82/2,9 314/78/3,2HOMENS 310/71/3,2 286/82/2,9 294/73/3,0

TOTAL 640/131 572/164 608/151* Nº total de palavras/ocorrências/média geral

Resultados

Entre as 60 mulheres participantes desta pes-quisa, 50 delas têm um relacionamento amoroso (83%). Entre os 60 participantes do sexo masculi-no, 50 deles têm um relacionamento. Em relação à infidelidade, 32 (53%) mulheres entre as 60, afirmaram já terem sido traídas e 18 (30%) afirma-ram terem traído algum parceiro conjugal. Quanto

aos homens, dentre os 60 entrevistados, 26 (43%) afirmaram terem sido traídos, enquanto 42 (70%) afirmaram já terem sido infiéis a alguma parceira. Ou seja, enquanto a minoria dos homens disse que não traiu, o mesmo número de mulheres (18) afirmou ter traído, demonstrando que, nesta amos-tra, os homens traíram mais do que as mulheres. Enquanto as mulheres se declararam mais traídas do que eles (32 contra 26).

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1 – Relação Amorosa

Tabela 2 – RELAÇÃO AMOROSA

RELAÇÃO AMOROSA (MULHERES) *ELEMENTOS CENTRAIS ELEMENTOS PERIFÉRICOS PRÓXIMOS

Freq. > = 8 Rang < = 3,3 Freq. > = 8 Rang > = 3,3FREQ MÉD FREQ MÉD

Amor 38 2,6 Fidelidade 16 3,5Sexo 30 3,0 Amizade 14 3,8Carinho 28 2,5 Cumplicidade 12 4,8Companheirismo 22 2,4 Compromisso 8 4,0Respeito 18 2,4Confiança 16 2,8

ELEMENTOS DE CONTRASTE ELEMENTOS PERIFÉRICOS DISTANTESFreq. < 8 Rang < 3,3 Freq. < 8 Rang > 3,3

FREQ MÉD FREQ MÉDCuidado 4 2,0 Compartilhar 6 4,3Família 4 3,0 Lealdade 4 3,5Infidelidade 4 2,0 Paixão 4 4,5

Responsabilidade 4 3,5Troca 4 4,0

** Corte na frequência mínima 4 e na máxima 8, e média geral Rang Moyen < 3,35

RELAÇÃO AMOROSA (HOMENS) *ELEMENTOS CENTRAIS ELEMENTOS PERIFÉRICOS PRÓXIMOS

Freq. > = 8 Rang < = 3,2 Freq. > = 8 Rang > = 3,2FREQ MÉD FREQ MÉD

Sexo 34 2,7 Felicidade 14 4,2Amor 32 2,2 Amizade 12 4,5Companheirismo 26 3,0 Carinho 12 4,1Cumplicidade 20 2,6Paixão 12 3,1Bom 10 1,0Respeito 8 2,2

ELEMENTOS DE CONTRASTE ELEMENTOS PERIFÉRICOS DISTANTESFreq. < 8 Rang < 3,2 Freq. < 8 Rang > 3,2

FREQ MÉD FREQ MÉDComplicado 4 3,0 Momento 4 4,0Complemento 4 2,5 Paciência 4 4,0Confiança 4 2,0 Lazer 4 3,5** Corte na frequência mínima 4 e na máxima 8, e média geral Rang Moyen < 3,21

Os elementos centrais da representação sobre relação amorosa, citados pelos homens e pelas mulheres, foram amor, sexo, carinho, compa-nheirismo e respeito (Tabela 2). Alguns elementos centrais não foram comuns a ambos, como carinho e confiança para as mulheres, e paixão e cumplici-dade, para os homens. O carinho foi considerado, no caso dos homens, um elemento periférico e a confiança foi classificada como elemento periférico de contraste. Sentimentos e atitudes com valoração positiva, para as mulheres, também foram relacio-nados aos elementos periféricos, enfatizando ainda

mais representações positivas de amor romântico: fidelidade, amizade, cumplicidade, compromisso, lealdade, responsabilidade, troca e paixão.

Os sentimentos e atitudes necessários para o relacionamento amoroso, que surgiram como pe-riféricos para eles, foram: a felicidade, a amizade, o carinho (central para as mulheres), o momento, a paciência e o lazer, os quais continuam a indicar representações sobre o ideal do amor romântico, dada a valoração positiva.

Os poucos elementos negativos que apareceram no quadrante inferior esquerdo – os elementos

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de contraste que revelam muito da diversidade social, pois, abarcam semelhanças e contradições – resumiram-se a apenas um, em cada grupo (infidelidade, para mulheres, e, complicado para os homens), relacionados a pontos negativos que

podem surgir em uma relação amorosa. O único verbo que surge, relacionado ao termo de evocação livre, é compartilhar (mulheres), que poderia nos mostrar algumas noções práticas da realidade.

2 – Infidelidade

Tabela 3 – INFIDELIDADEINFIDELIDADE (MULHERES) *

ELEMENTOS CENTRAIS ELEMENTOS PERIFÉRICOS PRÓXIMOSFreq. > = 10 Rang < = 2,9 Freq. > = 10 Rang > = 2,9

FREQ MÉD FREQ MÉDFalta 20 2,7 Sexo 18 3,7Desrespeito 12 2,6 Lugares 14 4,0Mentira 10 2,2Infidelidade 10 1,6

ELEMENTOS DE CONTRASTE ELEMENTOS PERIFÉRICOS DISTANTESFreq. < 10 Rang < 2,9 Freq. < 10 Rang > 2,9

FREQ MÉD FREQ MÉDDesamor 6 2,0 Falsidade 8 3,5Ódio 8 2,2 Fraqueza 8 3,0Fim 6 2,3 Quebra 8 3,0Impulso 6 2,3 Desnecessário 6 3,6Vingança 6 2,0Insegurança 4 2,5Necessidade 4 2,5Dor 4 2,0Tristeza 4 2,0** Corte na frequência mínima 4 e na máxima 8, e média geral Rang Moyen < 2,96

INFIDELIDADE (HOMENS) *ELEMENTOS CENTRAIS ELEMENTOS PERIFÉRICOS PRÓXIMOS

Freq. > = 8 Rang < = 2,9 Freq. > = 8 Rang > = 2,9FREQ MÉD FREQ MÉD

Sexo 30 2,3 Fim 8 4,2Aventura 14 2,7 Curiosidade 8 3,2Dor 8 1,7Ruim 8 1,7

ELEMENTOS DE CONTRASTE ELEMENTOS PERIFÉRICOS DISTANTESFreq. < 8 Rang < 2,9 Freq. < 8 Rang > 2,9

FREQ MÉD FREQ MÉDFraqueza 6 2,6 Virilidade 4 6,0Consequência 4 2,5 Tristeza 4 5,5Diversão 4 2,5 Vingança 4 4,5Carência 4 2,0 Safadeza 4 4,0Ódio 4 2,0 Culpa 4 4,0Risco 4 1,5 Medo 4 3,5Sacanagem 4 1,5 Insegurança 4 3,5

Experiência 4 3,5Insatisfação 4 3,0Falsidade 4 3,0Desrespeito 4 3,0Angústia 4 3,0Amor 4 3,0

** Corte na frequência mínima 4 e na máxima 8, e média geral Rang Moyen < 2,96

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2146

Em relação à infidelidade, encontramos elemen-tos de núcleo central diferentes para os dois grupos: enquanto as mulheres evocaram falta – termo que se relacionou à confiança, amor, honestidade, sexo -, desrespeito, mentira e infidelidade; os homens evocaram as palavras sexo, aventura, dor e ruim (Tabela 3). No caso do grupo masculino, apareceram palavras com valoração positiva como elementos centrais, periféricos próximos, de con-traste e distantes, tais como: sexo e aventura (NC);

curiosidade (EPP), diversão (EC), virilidade e amor (EPD). Para as mulheres, tanto nos próximos como nos distantes, não aparecem palavras com valo-ração positiva. Entretanto, as mulheres evocaram as palavras sexo e lugares, que se localizam na periferia mais próxima ao núcleo central. O termo lugares refere-se ao local em que ocorreu (ou po-deria ocorrer) a infidelidade, sendo os mais citados: motel, carro, praia, mato.

3 – Família

Tabela 4 – FAMÍLIAFAMÍLIA (MULHERES) *

ELEMENTOS CENTRAIS ELEMENTOS PERIFÉRICOS PRÓXIMOSFreq. > = 8 Rang < = 3,2 Freq. > = 8 Rang > = 3,2

FREQ MÉD FREQ MÉDAmor 36 1,9 Apoio 24 3,2União 14 2,0 Filhos 14 3,4Respeito 10 3,0 Amizade 8 4,7Companheirismo 8 3,0 Parentes 8 4,2Felicidade 8 2,5 Compreensão 8 3,7

Carinho 8 3,5ELEMENTOS DE CONTRASTE ELEMENTOS PERIFÉRICOS DISTANTES

Freq. < 8 Rang < 3,2 Freq. < 8 Rang > 3,2FREQ MÉD FREQ MÉD

Confiança 6 3,0 Educação 6 4,3Cumplicidade 6 2,3 Aconchego 6 3,3Afeto 6 1,6 Paciência 4 4,0Compartilhar 4 3,0 Responsabilidade 4 3,5Conforto 4 2,5Cuidado 4 2,5Parceria 4 2,0Segurança 4 2,0** Corte na frequência mínima 4 e na máxima 8, e média geral Rang Moyen < 3,21

FAMÍLIA (HOMENS) *ELEMENTOS CENTRAIS ELEMENTOS PERIFÉRICOS PRÓXIMOS

Freq. > = 8 Rang < = 3,0 Freq. > = 8 Rang > = 3,0FREQ MÉD FREQ MÉD

Amor 26 1,9 Segurança 34 3,4União 16 2,0 Amizade 10 3,2Tudo 12 2,1Filhos 8 2,2

ELEMENTOS DE CONTRASTE ELEMENTOS PERIFÉRICOS DISTANTESFreq. < 8 Rang < 3,0 Freq. < 8 Rang > 3,0

FREQ MÉD FREQ MÉDAconchego 6 2,0 Crescimento 6 4,6Felicidade 6 1,3 Alegria 6 3,6Responsabilidade 4 2,5 Carinho 6 3,3Estabilidade 4 2,0 Confiança 6 3,3Tranquilidade 4 2,0 Continuidade 6 3,3Instituição 4 1,5 Proteção 6 3,0Bom 4 1,0 Realização 4 4,5

Completo 4 4,0Cotidiano 4 3,5Paz 4 3,5Cumplicidade 4 3,0

** Corte na frequência mínima 4 e na máxima 8, e média geral Rang Moyen < 3,04.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 147

Amor e união foram as palavras mais evocadas na constituição do núcleo central da representação sobre família, em ambos os grupos investigados; além de outras, todas com valoração positiva: res-peito, companheirismo, felicidade (mulheres), tudo e filhos (homens) (Tabela 4). Em nenhuma das es-truturas (centrais ou periféricas) das representações surgiu algum elemento negativamente valorado; o único verbo que aparece é compartilhar. A famí-lia, para ambos os grupos, foi uma representação com todos os elementos valorados positivamente, garantindo uma consistência maior ao núcleo central. Outra hipótese é que tenha acontecido de os elementos negativos estarem situados na zona muda das representações sociais, a qual não foi possível captar com o instrumento utilizado. A úni-ca diferença que merece destaque, em relação aos dois núcleos centrais, é que os homens incluíram os filhos e, para as mulheres, os filhos e parentes entra-ram na esfera dos elementos periféricos próximos. Não obstante, para ambos, a família foi concebida como uma instituição que oferece segurança, apoio, amizade, confiança, aconchego, lealdade, responsa-bilidade, cuidado, felicidade, entre outros atributos valorizados como positivos socialmente (Tabela 4).

Discussão

Em se tratando de relação amorosa, observou-se que homens e mulheres mantiveram um discurso, no qual prevaleceram as concepções de amor ro-mântico, pois os sujeitos não se remeteram, signi-ficativamente, aos problemas que podem surgir em um relacionamento. Estes só apareceram quando evocaram palavras a partir do termo “traição”, os quais revelaram a zona muda das representações sobre relação amorosa (Abric, 2005). O mesmo ocorreu quando se remeteram à família, que foi evocada totalmente perfeita e sem problemas, como núcleo seguro e fonte de amor. Aparentemente, nem se poderia dizer que tais sujeitos tenham al-gum problema familiar: nenhum termo valorado negativamente foi evocado significativamente.

A maioria das evocações (exceto uma em cada grupo) selecionadas pelo Evoc (Vergès, 2000), na co-relação frequência/ocorrência/média para o termo evocador “relação amorosa”, foi valorada

positivamente ou representa regras de conduta po-liticamente corretas, corroborando outros estudos que enfatizam a tendência dos homens de se aco-modar, quando entram em uma relação conjugal, reproduzindo padrões tradicionais de casamento e não discutindo sobre ela (Féres-Carneiro, 2003; Torres, 2000).

Quanto às mulheres, embora valorizem, pri-meiramente, o amor, elas também consideraram o sexo e o carinho importantes. Provavelmente, isso se deve à maior aceitação da prática sexual antes do casamento (Paiva; Aranha & Bastos, 2008), além de elas estarem cada dia mais exigentes em relação à qualidade da relação amorosa (Biasoli-Alves, 2000). Féres-Carneiro (2003) descreve que um dos moti-vos para os divórcios foi a valorização muito idea-lizada do casamento pelos cônjuges, incapazes de aceitar que a relação conjugal não correspondesse às suas expectativas: “portanto, longe de significar uma desvalorização do casamento, o divórcio refle-te uma exacerbada exigência dos cônjuges” (p.368). Observa-se, ainda, segundo os resultados para o termo evocador “traição”, que a principal palavra associada foi falta, ou seja: idealizam um amor ro-mântico, difícil ou quase impossível de ser atingido e quem não o consegue, pode recorrer à infidelida-de. Ancoraram na falta proporcionada pelo outro, uma possível traição. As mulheres desta amostra representaram a infidelidade como compensação de uma expectativa não cumprida pelo parceiro.

Os homens citaram que têm estabelecido suas relações baseando-se, principalmente, no sexo, embora o amor também tenha sido um elemento de alta frequência. Pesquisas têm apontado para a necessidade de estudos sobre os envolvimentos amorosos dos homens adolescentes, por exemplo, bem como sobre os aspectos da contracepção e prevenção, pois um duplo padrão tem sido encon-trado: tanto a ideia de necessidade e de instinto (masculinidade hegemônica), mas também a de vínculo afetivo, como condição para que ocorra a primeira experiência sexual, característica mais associada à sexualidade feminina (Almeida, 2003; Gubert & Madureira, 2008).

Talvez, a valorização do amor romântico pelos homens e a diminuição da separação afeto/sexo sejam alguns indícios de mudanças na masculi-

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2148

nidade hegemônica, ou que a literatura tem con-cebido como masculinidades (Arilha, 2000). Há a percepção de que, embora haja uma masculinidade hegemônica, outras masculinidades se constroem diariamente na/pela relação com outras femini-lidades e homossexualidades, no contexto social (Altmann, 2007; Gubert & Madureira, 2008).

No grupo dos homens, quanto à infidelidade, a coexistência de elementos valorizados positiva e negativamente, compondo o núcleo central das representações, revela uma prescrição bem arrai-gada da masculinidade hegemônica: a multipar-ceria. Além disto, outro elemento não comum aos gêneros no que se refere à centralidade do termo “relação amorosa” e comprova esta hipótese, foi a confiança que, para eles, surge como periférico de contraste. Não é de se estranhar, pois os homens estão “autorizados” socialmente a terem diversas parceiras; já o contrário, a mulher ser infiel ou ter vários parceiros sexuais, não é tão bem aceito (Féres-Carneiro, 2003). Basta analisarmos quantas prescrições para a relação amorosa surgiram nos elementos periféricos positivos (mais relaciona-dos a sentimentos e atitudes) e quantos negativos para o termo “traição”, enquanto nos deles, ambos também estiveram associados à diversão. A quan-tidade de elementos positivos e negativos reflete toda a contradição de ser homem em contextos sociais que valorizam a masculinidade hegemô-nica: embora eles reconheçam as consequências e os prejuízos da infidelidade, também a consideram uma aventura sexual.

Em relação ao termo evocador “família”, pode--se observar algumas semelhanças com o funcio-namento de idealização ocorrido com a palavra--estímulo “relação amorosa”. Nenhuma palavra de valoração negativa, significativamente forte, surgiu em ambos os grupos. Inclusive, se compararmos as palavras evocadas para estes dois termos rela-taremos diversas semelhanças. Confirmando: a família continua sendo uma instituição valorizada e almejada, reconhecidamente necessária para a transmissão intergeracional de normas e valores so-ciais (Biasoli-Alves, 1997). “Enquanto contexto pri-mário de desenvolvimento, a família corresponde ao espaço em que se constroem muito significados e práticas que orientam e influenciam as trajetórias

desenvolvimentais dos indivíduos” (Bastos, Gomes, Gomes & Rego, 2007, p. 164-165). Ainda que não apareçam as dificuldades da família, sabe-se, a par-tir da literatura na área, que a função de satisfação das necessidades básicas do indivíduo e de trans-missão cultural envolve as famílias numa rotina de convivência, onde os mais variados modos de enfrentamento (conflituosos ou não) são constru-ídos, recorrendo a recursos próprios e externos a ela (Bastos et al., 2007; Berquó, 1998; Biasoli-Alves, 2000; Féres-Carneiro, 2003; Jablonski, 2003).

Referências

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 149

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2150

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE LICENCIANDOS DE PEDAGOGIA E QUÍMICA SOBRE TRABALHO DOCENTE

Márcia Cristina Dantas Leite Braz1, Maria do Rosário de Fátima de Carvalho1,Rita de Cássia Pereira Lima2, Natalina Aparecida Laguna Sicca3, Alessandra David3

possui um conhecimento estruturado do mundo no qual ele está inserido. O que caracteriza cada estrutura ou categoria é a relação conceitual entre os elementos pertencentes a ela. Isso porque os sujeitos elaboram um sistema de conceitualizações, enfatizando uma construção ativa da realidade, atribuindo-lhe significados. Compreender como ocorre essa conceitualização de categorias é fundamental para entendermos o comportamento humano e suas formas de visão de mundo.

Em seus estudos, Roazzi (1995) e Roazzi, Fa-dericci e Carvalho (2002) aprofundam a questão da verificação empírica indicando o PCM como referencial teórico-metodológico possibilitador de apreensão dos sentidos atribuídos aos objetos simbólicos pelas pessoas, a partir de suas práticas e de suas relações. Por ser um procedimento que privilegia aspectos qualitativos inerentes à natureza dos objetos simbólicos e, no caso deste estudo, so-bre trabalho docente, foi adotado por centralizar-se nas formas como os grupos de licenciandos pen-savam, sentiam, e se comportavam com relação às diferentes situações e experiências intrínsecas aos seus percursos formativos.

As formas de ação e conceituação foram refletidas nos sistemas de classificação e categorização manifestos nos momentos de realização dos PCM. As categorizações que fizeram e o como atribuíram sentido a estas, possibilitou a compreensão sobre a natureza destes, e como os organizavam nas relações estabelecidas com a prática docente e com a formação. Isso porque o processo de sua aplicação, independentemente da pesquisa a ser desenvolvida, permite ao participante utilizar seus próprios constructos e expressar seus pensamentos sobre o objeto, minimizando a interferência do pesquisador.

A explicitação dos pressupostos teóricos que norteiam qualquer pesquisa científica é uma exigência, pois serão balizadores para delimitar o objeto, as vias metodológicas mais pertinentes para sua apreensão, o estabelecimento do universo e dos sujeitos com os quais se processará a investigação, como destaca Madeira (2005). Ao se tratar de de-finições acerca dos caminhos metodológicos em estudos e apreensões de objetos simbólicos especi-ficamente, não se dá de forma aleatória, neutra ou apriorística, mas busca-se coerência com a teoria e pertinência aos seus pressupostos, garantindo consistência ao processo investigativo.

Tais considerações introdutórias serão tomadas como base neste texto ao propor como objetivo apresentar como proposta metodológica aos estudos em Representação Social (RS), o Procedimento de Classificações Múltiplas (PCM) a partir da descrição e análise das RS de dois grupos de licenciandos so-bre Trabalho Docente. Um grupo de 10 licenciandos do curso de Pedagogia do CUML, em parceria com a Estácio de Sá, e outro grupo, de 10 licenciandos em Química da UFRN. Vale destacar que esta pesquisa se insere em amplo projeto que investiga “RS de licenciandos sobre Trabalho Docente” vinculado ao Centro Internacional de Estudos em Representações Sociais, Subjetividade e Educação – CIERS-Ed, co-ordenado pela Fundação Carlos Chagas – SP.

O Procedimento de Classificações Múltiplas – PCM

Um dos procedimentos para explorar a forma como as pessoas categorizam e elaboram sistemas de classificação é o PCM, apresentado por Roazzi (1995). Sua relação com as pesquisas em RS se deve ao fato de que, para analisá-las, se faz necessário entender como os sujeitos classificam e categorizam em sistemas de constructos o que apreendem da realidade. O PCM pressupõe que o sujeito

1 Universidade Federal do Rio Grande do Norte2 Universidade Estácio de Sá/ RJ3 Centro Universitário Moura Lacerda (CUML) – Ribeirão Preto/ SP

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 151

A realização do PCM

O PCM geralmente é composto por dois tipos de classificação: Classificação Livre (CL) e Classifica-ção Dirigida (CD). De acordo com Roazzi (1995), para a CL: “o sujeito é convidado a considerar uma série de itens ‘pode ser desenhos, palavras, foto-grafias’, relevantes para o objetivo da investigação, e a classificá-los ou categorizá-los de acordo com algum critério que possua um significado para ele” (p. 12). Depois de ter formado os grupos, pede-se ao entrevistado explicar por que aqueles itens foram agrupados, como também, descrever as categorias e justificar os critérios e conceitos utilizados. O pesquisador anota em protocolo os agrupamentos e toda a justificativa do entrevistado para futuras análises. No caso desta pesquisa, os itens referem-se às palavras que emergiram da técnica de associação livre, primeira etapa da pesquisa.

Foram 25 fichas contendo as palavras seleciona-das dos resultados da etapa anterior, extraídas da análise feita pelo programa informático EVOC4. As palavras foram: ajudar, alegria, aluno, amor, angús-tia, aprendizado, atenção, capacitado, companheiro, compreensão, compromisso, dedicação, diálogo, disciplina, educação, educador, ensinar, estudo, paciência, profissão, respeito, responsabilidade, sabedoria, sala de aula, vocação.

Depois de organizadas as fichas, o licenciando estava livre para alocar cinco fichas que quisesse em cada grupo, no caso da CL, só a partir de então, perguntávamos a ele se estava realmente de acordo com a sua proposição. Pedíamos, em seguida, que desse um título para cada agrupamento e que ex-plicasse o critério norteador de cada classificação e os comentários relevantes do significado de cada agrupamento. Em protocolo, tudo foi registrado, desde a configuração construída pelo licenciando, até os registros em gravador das suas justificativas. Todo o instrumental desta pesquisa foi construído no seio do projeto coordenado pelo CIERS-ed, a partir de decisões fundadas em etapas sucessivas de discussão, elaboração e testagem.

Roazzi (1995) afirma que a CD “é realizada quando o pesquisador deseja verificar uma hipótese sobre um aspecto específico das conceptualizações dos indivíduos” (p. 14). Tal classificação é extrema-

mente útil para a comprovação de categorias do cri-tério de classificação livre, sustentando ou não sua validade. Neste caso, a classificação corresponderá ao critério estabelecido pelo pesquisador.

Os mesmos 10 licenciandos de cada grupo após realizarem as CL dos PCM, submeteram-se indivi-dualmente ao procedimento da CD5. Solicitamos ao licenciando que fizesse 5 agrupamentos com as 25 palavras de acordo com a seguinte proposição: as 5 que mais têm a ver com o trabalho docente, as 5 que menos têm a ver com o trabalho docente, as 5 que ainda se relacionam com o trabalho docente, as 5 que ainda se relacionam mais ou que menos se relacionam com o trabalho docente e, finalmente, com as 5 palavras restantes.

Agrupadas de acordo com essa correspon-dência era solicitada uma verificação por parte do licenciando se concordava com a classificação construída. Só então pedíamos que explicasse o porquê da forma como organizaram as fichas de acordo com a hierarquia da escala de pertinência. As justificativas, tanto da CL, quanto da CD foram gravadas e registradas em protocolos individuais para análises posteriores.

Estratégias de análise dos dados: a análise de conteúdo e as análisesmultidimensionais

A Análise de Conteúdo, segundo Bardin (1977), é empregada no tratamento das falas dos entrevista-dos, gravadas e transcritas, suscitadas nos momen-tos de explicação e justificativas ao realizarem suas categorizações nas CL e CD do PCM. A necessidade desse tipo de análise deriva do fato de que, apesar de os entrevistados poderem utilizar diferentes rótulos para suas categorias ou diferentes nomes para seus critérios de classificação, eles podem estar se refe-rindo a um mesmo tema. Como a análise cuidadosa do material verbal é desvendar, decodificar o objeto

4 Software EVOC (Ensemble de Programmes Permettant l’Analysedes Évocations), permite reconhecer a estrutura das representações, seus elementos centrais e periféricos, organizando as palavras evocadas por ordem de frequência e média de evocação (Vergès, 1999).

5 Apresentamos a CL e a CD do grupo de Pedagogia para uma visão geral do PCM. Apresentamos somente a CD do grupo de Química, pela configuração gráfica diferenciada que adquire no mapa perceptual, permitindo explorações dos sistemas de categorias e classes de categorias entre os alunos dos dois cursos.

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Apresentação de resultados dapesquisa das classificações livres

A seguir está o gráfico, conhecido como ‘mapa perceptual’ que apresenta os resultados da classifica-ção livre. As linhas de separação do espaço do mapa em regiões, desenhadas pelos pesquisadores, neces-sariamente preservam a localização dos pontos e servem apenas para dar visibilidade às demarcações entre as regiões e à coesão-dispersão entre os itens (palavras) que formam as categorias dentro de cada região do mapa.

Figura 1 – Classificação Livre das palavras asso-ciadas ao trabalho docente pelos licenciandos em Pedagogia da IES privada de Ribeirão Preto/ SP.

A partição resultante da MSA aponta para uma região confluente de onde emanam os demais itens (palavras) estabelecendo uma fronteira partilhada (por isso as linhas estão pontilhadas). A descrição a seguir, na qual se comentam as proximidades e distâncias entre os elementos e as palavras postas aos sujeitos para a classificação livre.

O MSA nos possibilita observar os itens no plano euclidiano: as regiões emanam de um ponto confluente e são demarcadas por uma fronteira partilhada (por isso as linhas estão pontilhadas). A leitura perceptual mostra que as palavras “vocação”; “disciplina”; “alegria” são as mais distantes. Nota--se, no trecho a seguir, na fala de uma participante, que “vocação” aparece associada a “dom”, “talento”, não tendo o significado originário de “chamado para”, missão frequentemente religiosa em que o

de estudo subjacente à comunicação linguística, o que é importante não é a capacidade verbal do indivíduo, mas, ao contrário, o conteúdo das cate-gorias utilizadas pelo entrevistado, a estrutura e o significado profundo das comunicações cifradas.

As análises multidimensionais

O PCM nos permite compreender como são construídas as RS nas suas diversas dimensões, trabalhando numa perspectiva multidimensional de análise dos conteúdos que emergem das suas entrevistas. A análise dos dados implica no julga-mento de similaridades, necessitando de técnicas de escalagem multidimensionais – os procedimentos MDS. Esses procedimentos permitem converter as distâncias e similaridades de na-tureza psicológica em distâncias de tipo euclidianas, possibilitando a apresentação de estruturas mentais complexas através de representações geométricas.

Duas técnicas de análise multidi-mensional são apropriadas – a aná-lise escalonar multidimensional – o MSA– (multidimensional scalogram analysis) e a análise dos menores espaços – SSA – (Similarity Structure Analysis).

O procedimento MSA é utilizado para analisar o conteúdo das CL. O pressuposto dessa técnica estatística é a interpretação dos dados como medidas de (dis)similaridade, separando no plano euclidiano os itens não semelhantes e apro-ximando os semelhantes. Essa técnica de análise não soma as variáveis, mas as compara, levando em consideração todo o perfil apresentado. Assim, o programa MSA organiza os itens classificados de acordo com uma mesma categoria, representando--os em uma região identificável, obedecendo ao princípio de contiguidade, cada um sendo desig-nado por um ponto. Dessa forma, o MSA faz uma comparação dos sujeitos por intermédio dos itens, quanto mais próximas aparecerem na projeção, mais similares estarão as categorias usadas para a classificação, evidenciando a relação conceitual existente entre os itens.

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professor seria um sacerdote. A noção de “vocação” surge como “modelo”, algo aprendido antes, que a aluna não tem consciência. É possível também observar várias metáforas no discurso de S2, todas vinculadas à visão, à luz. A aluna parece dizer que “inconsciente é não ver, não ver o que está fazendo, atirar no escuro”.

Eu reagi contra vocação e essas outras palavras... eu acho que não é só a vocação, não é só dom, não é só nessa visão inatista... é tudo que você tenha, eu acho que você precisa sistematizar essa vocação, senão você vai apenas reproduzir na sua sala um modelo que você já traz, às vezes você não tem consciência disso... ou então você vai ser aquele professor que é como se você desse tiro no escuro, você faz a sua parte e reza para que o outro faça a dele... é como brincar de cabra cega também, você não saber olhar, e você acaba jogando o aluno à própria sorte porque quando você não traz o compromisso, aí você não se responsabiliza por ele, fica só preocupada com você, só na sua visão... (fala de S2).

Percebemos também, uma classificação cons-truída em torno das palavras “ensinar” com “edu-cador”, “sabedoria”, “dedicação”, ilustrada com a en-trevista de S2, atribuindo o título “Compromisso”:

Aqui tem educador, educação... eu acho que edu-cação é muito amplo... então, para você chegar a ser educador, não basta só o diploma, não é só estar na sala de aula...é necessário um aprendiza-do permanente, dedicação, pensar na qualidade do seu ensino, na ajuda que você dá ou que você recebe também, quando você vê que você não é o detentor de todo o conhecimento... na verdade, a relação de ensino e aprendizagem é uma troca, você é um mediador naquele momento, mas você também está ali para aprender com o seu aluno. É o compromisso de você ter ciência disso, tomada de posição, consciente... (fala de S2).

Outra associação que nos chamou a atenção foi “capacitado” com “compromisso”, apresentada por seis alunas. Continuamos com o exemplo de S2, que classificou “compreensão”, “compromisso”, “capaci-tado”, “vocação”, “estudo”, “responsabilidade” com o

título “Conscientização”: Embora com diferenças e nuanças, a entrevista de S2 é representativa desse grupo de alunas.

Observam-se indícios de que a representação social sobre o trabalho docente, nesta fase do cur-so, é a relação ensino-aprendizagem, com ênfase na importância da formação para melhor ensinar. Talvez, por influência do curso, evitou-se destacar elementos afetivos. Mesmo quando são mencio-nadas palavras como “amor”, “ajudar” e “vocação”, é a importância da docência, como profissão, que parece ser mais valorizada. Percebe-se que o “dever ser” é o quadro de valores que essas alunas defen-dem. Embora haja nos discursos uma preocupação maior com a relação ensino-aprendizagem, a noção de “cuidar” parece também estar presente no pen-samento das alunas, indicando elementos novos e anteriores nas representações que estão construin-do sobre o trabalho docente.

Com o objetivo de estudar as facetas do fenô-meno representacional acerca do trabalho docente para os alunos licenciandos em Pedagogia e em Química das referidas Universidades, a seguir pas-saremos a tratar sobre as classificações dirigidas.

O SSA é uma técnica usada para analisar as classificações dirigidas, no qual o princípio funda-mental é o de proximidade, e parte do pressuposto de que existe uma diferença quantitativa de mais para menos, entre os diferentes itens analisados. Calcula o coeficiente de correlação entre as vari-áveis, transformando os dados brutos. Com base na ordenação destes coeficientes, é calculada a localização das distâncias entre as variáveis em um espaço n-dimensional.

A contribuição essencial da análise SSA diz respeito à forma das partições pela ordenação das facetas representadas na projeção da figura. Essas correspondem à classificação de objetos e observa-ções empíricas (variáveis) em categorias exclusivas e abrangentes com relação a um aspecto temático distinto estudado pelo pesquisador.

As facetas, segundo Bilsky (2003), representam componentes conceituais não coincidentes do universo de interesse, de modo que se pode caracterizar cada variável por um elemento de cada faceta. Diferenciam-se 3 tipos de facetas: o primeiro refere-se à população dos sujeitos da pesquisa,

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o segundo concerne ao conteúdo das variáveis pesquisadas (estímulo, itens, perguntas) e o terceiro consiste na amplitude das respostas admissíveis. Quando colocamos tais informações no software e analisamos pela SSA, por razões de economia, a SSA buscará pelo menor espaço, determinando as coordenadas para localizar as variáveis como pontos no espaço multidimensional. A Teoria das Facetas parte da suposição de que as facetas têm um papel específico na estruturação do espaço multidimensional. Essas regiões tomam formas muito específicas, como configurações circulares, cuneiformes ou faixas paralelas. Bilsky (2003) afirma que é muito frequente que se encontrem três protótipos de partição conhecidos na literatura como axial, modular e polar.

Dependendo da natureza dos dados, se qualitativa ou quantitativamente diferentes, as regiões serão apresentadas espacialmente diferentes devido à ordenação de suas facetas. Identificada uma partição de facetas não ordenadas, será do tipo polar, pois cada elemento da faceta corresponderá a diferentes direções na projeção, emanando de um ponto de origem comum. No caso de uma faceta parcialmente ordenada, ela pode desempenhar um papel modular, em que os elementos são projetados em regiões concêntricas em volta de um ponto de origem comum, indicando uma ordem a partir dos elementos da área central para as áreas concêntricas mais periféricas. Já umafaceta com ordem simples desempenha um papel axial, pois pela noção de

ordem esta faceta não está relacionada com as outras, seu espaço de projeção é dividido por uma série de linhas paralelas entre si, refletindo uma ordem gradual de seus elementos.

Apresentação de resultados da pesquisa das classificações dirigidas

A Teoria das Facetas, explicada por Bilsky (2003), é um marco de referência como aplicativo a análises da estrutura de similaridades, esquematizando os diversos papéis que as facetas desempenham na análise multidimensional. Sua contribuição para esse estudo se destaca por facilitar expressões de suposições teóricas, isto é, hipóteses, podendo ser examinadas empiricamente suas validades.

Segundo Buschini (2005), a base lógica dessa teoria para as várias estruturas regionais é funda-mentada em considerações sobre ordenação-não ordenação entre os elementos de cada faceta. Uma faceta ordenada representa os atributos quantitati-vos do universo contido: cada elemento sucessivo na ordenação denota maior grau do atributo que o elemento precedente.

Uma faceta não ordenada, por sua vez, de-sempenha um papel polar: os elementos da faceta representam uma propriedade semântica não orde-nada – aspectos qualitativos do universo contido, como no mapa perceptual dos licenciandos em Pedagogia.

Figura 2 – Classificação Dirigida das Palavras Associadas ao trabalho docente pelos licenciandos em Pedagogia da IES privada de Ribeirão Preto/SP.

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Diferentemente da classificação livre, a dirigida obedece a outro status. O pesquisador fornece o critério de classificação como dito anteriormente. Com o objetivo de estudar as facetas do fenômeno representacional acerca do trabalho docente para licenciandos das referidas Universidades, percebe-mos via o estudo da ordenação das partições que a figura 2 é do tipo Polar. Não ordenada, seus ele-mentos qualitativamente distintos, correspondem a diferentes direções na projeção dos mesmos, po-rém, com um ponto de origem comum aos campos demarcados “Aluno” embora haja outras palavras organizadas dispersamente por todo o mapa. Observa-se que as regionalizações resultantes da SSA são as mesmas da MSA, polarizada a partir de um ponto central, o aluno.

Essa região central e polarizante formada por aluno, sabedoria e educação, indica uma faceta que emerge com força aglutinadora dentro do objeto de

pesquisa, confirmando a potencialidade da Teoria das Facetas para revelar dimensões não previsíveis do objeto de estudo antes das articulações estatísti-cas entre elementos teóricos, empíricos e hipóteses da pesquisa. O estudo das regionalizações relacio-nadas pela SSA em áreas identifica como as facetas do fenômeno estudado se apresentam. A figura 3 como faceta ordenada segundo Bilsky (2003), seus agrupamentos compreendem elementos in-terconectados entre si, de tal forma que, para cada elemento seguinte, é mantida a respectiva caracte-rística de modo progressivo, dando-nos condições de prognosticar a hierarquia de correlações entre intra campos, como observamos nas facetas: “Dar aula”; “Qualidades Perfil-professor”; “Aluno”. De-vido à noção de ordem ser a mesma em mais de uma faceta, seu tipo de ordenação é associado, de maneira parcelada, axial.

Figura 3 – Classificação Dirigida das Palavras Associadas ao trabalho docente pelos licenciandos em Química da UFRN.

Constituindo-se de uma esquematização da es-querda para a direita, as escolhas dos licenciandos em Química, ao serem solicitados que categorizas-sem “trabalho docente” a partir do direcionamento do pesquisador, demonstram inter-correlações de sentidos manifestos em seus discursos. Eles pen-

sam sobre o contexto dos seus fazeres, indicado na faceta “Dar aula”, as exigências preceptivas para tal exercício, e as “Qualidades-Perfil do professor”, na relação com seus alunos, faceta “Aluno”. Quando assim o fazem, falam dos seus futuros alunos e deles mesmos numa relação especular.

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Não tem mais a ver... eu coloquei a sala de aula, como ambiente de trabalho. Dentro dele o educador e o aprendizado do aluno, e é necessário que o professor seja capacitado para isso... é o modo como as matérias... por exemplo: o engenheiro químico e um professor de química. O engenheiro químico, ele é... na hora de explicar ele é diferente, que nós temos o foco pra pedagogia, o modo como passamos a compreender a mente do adolescente, antes de jogarmos o conhecimento (fala de S3).

As qualidades-perfil do professor são demons-tradas nos trechos abaixo:

No caso vi o educador com essas qualidades, o educador deve ter respeito, vocação para ser um educador ou professor, tem que ter sabedoria e dedicação ao estudo. Vocação no sentido de quando você mistura a habilidade com a sua vontade de fazer. Aí no caso, ele tem que se dedicar para ser um educador, depois ele vai pensar na vocação dele, vê se ele tem habilidade para fazer aquilo (fala de S5).

A faceta “Aluno” reveste-se de característica afetivo-relacional entre os próprios licenciandos, ainda “alunos” de Química, e seus futuros alunos do ensino fundamental e médio. Mas também, destacam os atributos que precisam ter para serem professores.

Para que haja sabedoria, tem que investir no estudo, nesse estudo tem que ter paciência, amor pelo que faz, pelo estudo, pelo objetivo, disciplina, uma meta e paciência. Estou falando em relação a um modo em particular... ao professor, ao aluno. A relação que há entre professor e aluno... companheirismo, alegria e onde o professor capacitado pra ajudar (fala de S3).

Considerações sobre osresultados apresentados

Tomadas em seu conjunto, as análises apontam, à luz do referencial da Teoria das Representações

Sociais segundo Moscovici (1978, 2003), diferen-tes formas de classificação das categorias, entre as licenciaturas, como se observa nos mapas percep-tuais: as classificações dos alunos de pedagogia resultaram em mapas de configuração polar, sem ordenação entre as regiões, enquanto as classifi-cações dos licenciandos em química produziram mapa axial, numa ordenação crescente da esquer-da para a direita. Com fundamento na teoria das facetas podemos dizer que esses mapas refletem estruturas sócio-cognitivas específicas, ainda que não se tenha verificado diferenças estruturais no interior das categorias.

As razões para essas diferenças merecem análises profundas e novas investigações. Uma primeira hipótese seria com relação à experiência formativa, pois entendemos que a formação do licenciando em química se estrutura em torno de uma área do conhecimento e de conteúdos muito específicos, cujo domínio é requerido para o exercício da docência. Por outro lado, não se verifica esse foco na formação do pedagogo, diluída pelo requisito da ‘polivalência’ no exercício docente desses profissionais, na Educação Infantil e no Ensino Fundamental Menor.

Essas dinâmicas formativas têm origem institu-cional e estão contidas, tanto nas bases legais e nor-mas vigentes para a educação nacional, como nos currículos, projetos e planos pedagógicos. A partir desse aparato institucional, são exercidas práticas sociais docentes e suas respectivas representações. O discurso que daí emana e passa a circular alimen-ta a si mesmo e às práticas, potencializando e atu-alizando as representações sobre trabalho docente, no meio social em geral, em diferentes níveis de institucionalização.

A partir desse pressuposto sóciogenético po-demos perceber nos grupos pesquisados duas diferentes objetivações, que se materializam nos mapas, explicitando formas específicas de externar suas estratégias de classificação: para o subgrupo de pedagogia, todos os elementos sob análise pos-suem idêntico valor, organizando-se em campos de natureza semântica; para o subgrupo de química os elementos representacionais organizam-se em categorias hierárquicas entre si. Com relação às ancoragens, o movimento dos dois grupos de

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licenciandos conserva a mesma dinâmica, pois se constata em ambos a presença das mesmas ca-tegorias, aglutinadoras dos principais elementos, expressas por pequenas variações nas distâncias dos pontos entre si, nos mapas perceptuais.

Referências

Bardin, L. (1977). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70.Bilsky, W. (2003). A Teoria das Facetas: noções básicas.

Estudos de Psicologia, 8(3), 357-365.Buschini, F. (2005). Análise das facetas: uma técnica para

reunificar a estrutura e o conteúdo no estudo das representações sociais. In A. S. P. Moreira (Org.). Perspectivas teórico-metodológicas em represen-tações sociais (pp. 159-187). João Pessoa: UFPB/Editora Universitária.

Madeira, M. C. (2005). Representações Sociais e Pro-cesso Discursivo. In A. S. P. Moreira (Org.). Pers-pectivas teórico-metodológicas em representações sociais (pp. 459-470). João Pessoa: UFPB/ Editora Universitária.

Moscovici, S. (1978). A representação social da psicaná-lise. Rio de Janeiro: Zahar.

Moscovici, S. (2003). Representações Sociais: investigando a psicologia social. (P. A. Guareschi, trad.). Petrópo-lis, Rio de Janeiro: Vozes.

Roazzi, A. (1995). Categorização, formação de conceitos e processos de construção de mundo: procedimen-to de classificações múltiplas para o estudo de sis-temas conceituais e sua forma de análise através de métodos de análise multidimensionais. Cadernos de Psicologia,1, 1-27.

Roazzi, A., Federicci, F. C. B., & Carvalho, M. R. F. (2002). A questão do Consenso nas Representações Sociais: Um Estudo do Medo Entre Adultos. Psico-logia: Teoria e Pesquisa, 18(2), 179-192.

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE SOBRE DOR E MORTE

Alexandre Sant’ana de Brito1

Lídio de Souza1

Partindo da lógica de que o tempo cronológico e o social não são necessariamente sincrônicos, ao contrário, sendo uma das marcas do pensamento social contemporâneo a efemeridade de suas pro-duções – notadamente pela intensa participação das mídias na difusão de toda sorte de informações e das constantes re-significações dos conteúdos científicos no e pelo tecido social, coexiste uma multiplicidade de arranjos e práticas sociais (Vala, 1997; Oliveira, 2011).

O trato da saúde, dos corpos e dos sepultamen-tos, que costumeiramente vinculava-se ao domínio familiar e comunitário, passa à incumbência dos “especialistas da vida”, médicos e enfermeiros, e aos da “morte”, agentes funerários e coveiros (Bradbury, 1999; Despelder & Strickland, 2002). Paulatina-mente, o lugar ideal para se cuidar e morrer foi sen-do transferido do “lar” para os hospitais, nos quais o timing da morte é perdido devido às tecnologias aplicadas à saúde, podendo ser: postergado (dista-násia); adiantado (eutanásia); e ao “tempo certo” (ortotanásia) cada vez mais difícil de ser definido (Kovács, 2003). Igualmente, a mesma tecnologia que altera o tempo da morte, provoca o aumento da expectativa de vida e a diminuição da taxa de mortalidade ainda que, contemporaneamente, tam-bém provoque o incremento das mortes por crime e miséria. Nesse intermezzo de ascensão tecnológica e instrumentalização dos estudos epidemiológicos há a remodelação representacional da morte e do mor-rer que para os jovens tem se tornado algo quiçá a ser considerado na velhice e aos idosos uma reali-dade passível de ser postergada. Outrora, a morte era psico-socioculturalmente compreensível de ser experimentada por todos e a qualquer tempo, não havendo a sua comum associação a grupos etários e/ou sócio-econômicos.

Introdução

Contemporaneamente, nota-se a tendência de desfamiliarização com a morte e de dificuldades para lidar com a perda (Jucá et al., 2007; Nascimen-to & Roazzi, 2007), o que não significa que no pas-sado o morrer não infligisse dor e/ou provocasse alguma desestruturação psicológica dos sujeitos na experiência, muito menos que estes fossem sem-pre zelosos e pacientes com os seus moribundos. Entendemos que a principal diferença entre as so-ciedades pré-industriais, de natureza comunitária, e as avançadas, de natureza individualista, é que naquelas o envelhecimento e a morte são suporta-dos coletivamente e, por isso são eventos públicos, envolvem familiares, parentes e vizinhos; e nestas, com maior desenvolvimento urbano, industrial e mercantil, o Estado e as suas agências interferem mais competentemente na mediação das relações inter e intragrupais e, por conseguinte, na equa-lização dos assuntos de proteção e suporte à vida (Elias, 2001; Despelder & Strickland, 2002), ao mesmo tempo em que o capital imprime maior for-ça à sua própria manutenção e desenvolvimento, intensificando a especialização e a terceirização de ofícios e a produção, circulação e comercialização de bens e serviços (Catani & Spindel, 1980). Visto que arrancos e recuos, prós e contras são comuns no processo civilizatório – por nós entendido como a natureza organizacional do Estado e das mediações exercidas por suas instituições na so-ciedade – não se justifica idealizar o passado em detrimento do presente: há que se analisar o que mudou, como mudou e como essas mudanças afe-tam os grupos (Elias, 2001); na presente pesquisa será estudado uma coletividade de “profissionais da saúde” constituída por médicos e enfermeiros trabalhadores da saúde pública e privada da Região da Grande Vitória (GV), principal área urbana do Estado do Espírito Santo (ES). 1 Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

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Mesmo que postulemos, por um lado, que a desfamiliarização e a desnaturalização da morte sejam tão intensas quanto forem as modificações que o capital exerce nas estruturas essenciais das sociedades (economia, comércio, educação, segu-rança, política, etc), por outro, entendemos que há de se ponderar que, mesmo em uma sociedade moderna, a sobrevida de costumes e religião pode amainar a tendência de esvaziamento social da morte: a cultura é capaz de sofrer alterações e de se adaptar (Fulghum, 1995). Considerar que a intensidade dos processos de urbanização e indus-trialização são possíveis explicações às mudanças no tecido social sobre a morte e o morrer (Ariès, 2003), não autoriza tomá-los como uma equação fechada. É na história de cada sociedade, e nas res-postas que elas apresentam às questões que se lhes fazem relevantes, que presumimos estar a chave ao entendimento das dinâmicas sociais. Ressaltando esta reflexão, assinalamos que constituem o objeto deste estudo a análise de representações sociais (RS) de práticas e intervenções em saúde, no âm-bito da Psicologia Social e tendo a Teoria das Re-presentações Sociais (TRS) como arsenal teórico.

Oliveira (2011) observa que nas últimas duas décadas tem havido um crescente interesse das ciências não-médicas no emprego da TRS, com destaque para a Enfermagem, o que parece fundar--se no fato de a Teoria já contemplar em suas premissas epistemológicas que as análises sobre as necessidades humanas nunca prescindem da relação entre sujeitos e grupos que as geram. Nesse sentido, como fundamento filosófico-conceitual e como ferramenta teórica à compreensão e ao es-tudo do pensamento social, a TRS, a priori, instila os germes da crítica e da revisão de ortodoxias organicistas, rumo a um novo entendimento em saúde que apreenda as díades saúde/doença e clientes/profissionais de saúde de modo complexo. De acordo com a autora,

Dessa teia de relações simbólicas e comunicati-vas no campo da saúde participam tanto o saber reificado, quanto o saber do senso comum. [...] Esse saber prático, construído pelos profissionais da saúde, é do tipo híbrido, apoiado, ao mesmo tempo, nas representações comuns por eles

constituídas ao longo da sua história de vida e, ao mesmo tempo, em um conhecimento reifica-do fragmentado, em conteúdos que podem ser utilizados na resolução de problemas cotidianos, de tipo menos rígido do que o conhecimento reificado e com maior capacidade de adaptação às exigências do cotidiano profissional [grifos nossos] (p.614).

As RS são “[...] uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, tendo uma orientação prática para a construção de uma reali-dade comum a um conjunto social” (Jodelet citada por Abric, 1998, p. 28). São produções sociais de natureza essencialmente heterogênea, pois são “específicas”, isto é, pertencentes a um momento histórico em que a ciência, ou universo reificado, emerge como destacada fonte de explicações da realidade, da qual o senso comum, ou universo consensual, nutre-se ativamente; e “geral”, pois o fluxo de (re)significações científicas e ordinárias ancoram-se nas produções historicamente elabo-radas e acumuladas, e que ofertam ao presente das sociedades construtos que são recrutados segundo as premissas do tempo social, ou episteme (Vala, 1997). Conforme Abric (1998), as RS são compos-tas de um duplo sistema, central e periférico, que atua como uma entidade, desempenhando fun-ções específicas e complementares, quais sejam: o núcleo central, mais estável e de essência sócio--histórica, que contém a identidade e a coalizão social; e o periférico, mais flexível, que admite contradições e operacionaliza os saberes e as prá-ticas sociais, ao mesmo tempo em que protege o núcleo central.

Considerando-se as inúmeras atribuições e responsabilidades dos profissionais de saúde, e tomando-se em conta o cenário social maior no qual se insere essa área institucional e profissional, questionamo-nos: que representações sociais os profissionais da saúde têm elaborado sobre a morte e a dor? Justificamos a investigação com base no pressuposto de que o conhecimento dessas repre-sentações sociais fornecer-nos-á relevantes infe-rências sobre as tomadas de posição técnicas e de enfrentamento dos desafios psico-sócio-cognitivos impostos pelo cotidiano de trabalho.

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Objetivo

O presente estudo teve como objetivo identifi-car representações sociais sobre dor e morte para profissionais da saúde de instituições públicas e privadas da Região da Grande Vitória/ES.

Método

Participaram do estudo 70 (setenta) sujeitos – 35 (trinta e cinco) enfermeiros e 35 (trinta e cinco) médicos – trabalhadores dos serviços de emer-gência, pronto atendimento, internação e perícias (Departamento Médico Legal do Espírito Santo, DML/ES), de ambos os sexos, independentemente da idade, especialidade e antiguidade.

Foram aplicados questionários de evocação durante as rotinas de trabalho, sendo solicitada a listagem de cinco evocações aos termos indutores “dor” e “morte”, bem como a sua reorganização se-gundo a ordem de importância e a justificativa para aquela considerada a mais relevante. Para efeito de análise, os dados das duas categorias profissionais foram considerados em conjunto, devido à forte conexão entre elas (Nascimento & Roazzi, 2007), e também porque coletamos informações no âmbito do serviço, quando diálogos sobre os atos da pro-fissão são corriqueiros, fomentando-se normas e conceitos característicos das instituições e equipes, ou seja, representações sobre as experiências dire-

tamente vivenciadas, e que exercem forte poder norteador das tomadas de posição dos sujeitos.

Os dados foram organizados em duas etapas. A primeira compreendeu a aglutinação das evoca-ções segundo o conteúdo semântico, utilizando-se como estratégias: as justificativas às evocações consideradas mais relevantes; os sentidos deno-tativos e conotativos dos termos e/ou expressões evocadas, considerando-se os contextos de sen-tido (conjunto de evocações fornecido por cada sujeito); e a participação de “juízes neutros” para a avaliação de termos e/ou expressões ambíguas. Na segunda etapa, os dados foram processados pelo software EVOC (Oliveira et al., 2005), que combina os critérios de frequência (freq.) e ordem média de importância (O.M.I), e indica os elementos considerados centrais e periféricos de uma repre-sentação social pela construção de um quadro de quatro quadrantes/casas (vide abaixo, Figura 1 e Figura 2): o primeiro quadrante (superior esquer-do) contém os elementos centrais; o segundo qua-drante (superior direito) os da primeira periferia; o primeiro quadrante inferior (esquerdo) os da zona de contraste; e segundo quadrante inferior (direito) os da segunda periferia. A zona de contraste, de acordo com Abric (citado por Oliveira et al., 2005), pode indicar a presença de um grupo minoritário (originando uma distinta representação social) ou reforçar as noções da primeira periferia.

Resultados

Representações sociais da dor

Figura 1 – Quadro de quatro casas das evocações livres sobre o tema “dor” para profissionais de saúde.Freq. Med O.M.I < 3 Freq. O.M.I. O.M.I ≥ 3 Freq. O.M.I.≥ 15 Angústia 29 2,966

Doença 34 2,559Sofrimento 58 2,241

Ajuda 22 3,409Desespero 25 3,120Limitação 17 3,235Remédio 35 3,286Tratamento 15 3,267

< 15 Aprendizado 13 2,923Deus 3 1,667Medo 14 2,786

Choro 9 3,000Morte 8 3,500Natural 13 3,154Perda 14 3,429Sentimento 6 3,167Solidão 10 3,800Tristeza 14 3,357

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O núcleo central da representação da dor teve como constituintes dois componentes de caráter afetivo-descritivo, “angústia” e “sofrimento”, e um físico-explicativo, a “doença”. Visto que “angústia” (um aperto) e “sofrimento” (dor física) possuem uma forte significação material – tanto em relação ao conjunto das evocações (sentido conotativo) quanto ao vernáculo (sentido denotativo) – combi-nados ao componente “doença”, parecem indicar a expressiva natureza física do objeto: sofre-se inten-samente “na carne”, pois o “corpo está enfermo”. O núcleo descreve a dor como um sofrer que se subs-tancia na doença, sugerindo a sua medicalização.

A primeira periferia revela que a dor “desespera” (desestabiliza) quem a sente, dada a fragilidade e dependência (ajuda) provocadas pela “limitação” física. Sem embargo, em sendo uma “doença do corpo”, terapias medicamentosas (remédio e

tratamento) podem ser implementadas.Na zona de contraste nota-se a oposição entre os

reveses afetivo e físico do “medo” e o caráter positi-vo, psico-afetivo, do “aprendizado”: a dor “ensina”. Destacamos a baixa expressividade da dimensão afetivo-metafísica (deus), o que não inviabiliza a possível conectividade com o componente “ajuda”; entretanto, as características sócio-intervencionis-tas da “ajuda” (cuidado, necessidade, socorro, com-paixão, solidariedade, família, companheirismo) se sobrepuseram à significação metafísica.

A segunda periferia mantém a coexistência en-tre os caracteres afetivo e físico: “perda”, “tristeza”, “solidão” e “morte”, “choro” e “natural”. “Natural”, além de reforçar o caráter material do objeto, indicou, mais abertamente, as contribuições dos conteúdos reificados da formação profissional à composição da representação.

Representações sociais da morte

Figura 2 – Quadro de quatro casas das evocações livres sobre o tema “morte” para profissionais de saúde.

Freq. Med O.M.I < 3 Freq. O.M.I. O.M.I ≥ 3 Freq. O.M.I.≥ 13 Deus 36 2,889

Natural 36 2,833Perda 40 2,575Saudade 25 2,960Sofrimento 22 2,773Tristeza 42 2,738

Descanso 21 3,333Dor 27 3,148

< 13 Família 9 2,000Medo 12 2,750

Angústia 9 3,333Choro 10 3,400Desconhecido 5 3,000Desespero 10 3,600Imprevisível 3 3,667Luto 10 4,400Ritos 8 4,000

O núcleo central da representação social da morte é composto por uma ampla gama de compo-nentes, desvelando a complexa natureza do objeto, que implica variados entendimentos, desdobra-mentos e (re)ações. A morte foi associada à intensa “tristeza” (despotencialização), “sofrimento” (dor) e “saudade” (por privação) pela “perda” (a própria privação) de um ente querido. Notadamente cons-tituída por um elenco de componentes negativos, afetivo-descritivos, a representação também se substanciou no componente físico-explicativo, de

natureza ambígua (físico/afetivo) “perda”. Muito possivelmente devido à complexidade do objeto morte, o núcleo central de sua representação arre-gimentou os elementos considerados cruciaispara se lidar com ela: a “dimensão metafísica” (céu, via-gem, passagem, fé), representada pelo componente “deus”, e a físico-explicativa, “natural” (evolução, ciclo da vida, ciência, inevitável). Similarmente à representação social da dor, a da morte tem uma forte natureza física, isto é, real (perda por morte, e não simbólica), no entanto se diferenciando da-

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quela dado o seu caráter irreversível: quem vai, não volta! Tal fatalismo pode justificar o porquê de as dimensões metafísica e físico-explicativa terem o mesmo peso em frequência e praticamente a mes-ma relevância em ordem média (deus e natural, respectivamente): airreversibilidade da perda pode provocar tamanho desalento que cria a necessidade de um grande investimento em manobras lógico--metafísico-explicativas para mitigar os efeitos constrangedores (fracasso profissional) e deletérios (instabilidade psico-afetiva do profissional) co-muns à experiência, mesclando-se, ao mesmo tem-po, justificativas de ordem científica e metafísica.

Na primeira periferia, a intensa “dor” (sofrimen-to) é mitigada pelo componente físico-explicativo, “descanso”. “Descanso” (paz, serenidade e alívio), para os juízes neutros, teve forte conotação física, contudo era sempre considerado em combina-ção com o componente “paz” (o termo “paz” foi incluído na categoria “descanso” por apresentar menor frequência), sempre originando a expressão ambígua, “descanse em paz”, de conotação lógico--metafísico-explicativa.

Similarmente à representação da dor, a zona de contraste da representação da morte mantém a oposição do componente negativo, afetivo-descri-tivo, “medo”, ao positivo, físico-intervencionista, “família”, ambos com baixa frequência.

A segunda periferia segue a tendência nuclear de oposições físico-afetivas (ritos: cadáver, cemité-rio e cal; e angústia, choro, luto, respectivamente).

Discussão

Enquanto a representação social da dor evoca a participação social num forte viés organicista – cuidar é medicar – a da morte evoca o seu oposto. O caráter individualizante da representação da morte pode ser notado na baixa frequência do componente “família” (9), e o de forte participação social da representação da dor na alta frequência do componente “ajuda” (22). Considerando-se que estamos tratando de um ambiente institucional, o caráter “social” da representação da dor pode signi-ficar a “ajuda”, o “suporte” e o “apoio” que o paciente ainda pode receber, notadamente de modo técnico (medicamentoso), mas também afetivo, quer pelas

equipes multidisciplinares, quer pelos familiares. No tocante à representação da morte, em havendo a consumação da perda, mesmo que haja tristeza e sentimento de fracasso nas equipes, não lhes cabe mais nada, pois a morte é o fim, “faz parte da vida” e/ou “é a vontade de Deus”, não mais sendo atribuição das instituições o trato do corpo e a lida com os familiares.

Conforme Bradbury (1999), o tradicional dis-curso médico e/ou organicista da área de saúde traduz a morte e a dor como “doenças” que, me-dicamentosamente, devem ser tratadas. A força dessa lógica é mantida pela constante veiculação do discurso dos profissionais da saúde no âmbito institucional, pela contínua difusão midiática dos discursos científicos e pelo senso comum que se apropria de ambas as linguagens. A fidelidade à medicalização da morte e da dor, de fato, segundo a autora, viabiliza aos profissionais da saúde e aos clientes um suposto controle sobre essas experi-ências, com base na crença de que se a doença for devidamente tratada o paciente poderá desfrutar da “boa morte”, que é associada ao “morrer sem sentir dor”. Lago et al. (2007) observam que o emprego da limitação terapêutica (LT) – praticada em 60% (sessenta por cento) dos casos nos Estados Unidos da América (EUA) e entre 30-40% (trinta e quarenta por cento) na América Latina – é ain-da bastante limitado no Brasil, a despeito do seu crescimento de 6% para 40% (quarenta por cento) na última década. No Brasil, a LT basicamente se reduz à não-reanimação do paciente, e o nível de participação das famílias nas decisões terapêuticas é considerado baixo. Mesmo que os nossos avanços em saúde não possam ser desconsiderados, como a valorização dos cuidados paliativos e do homecare (Kovács, 2003), esta investigação ratifica o que tem sido indicado noutras pesquisas (Nascimento & Roazzi, 2007; Kovács, 2003; Oliveira, 2011): o forte enraizamento do modelo tradicional em saúde. Os resultados endossaram aqueles enunciados por Nascimento e Roazzi (2007) e Jucá et al. (2007) que informam que os saberes científicos em saúde, quando confrontados com um objeto de natureza físico-afetiva e limítrofe, a morte, perdem vigor, dando claros indícios de impregnação e/ou subs-tituição por RS, do que se pode deduzir que as RS

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não são meramente geradas pela apreensão dos conteúdos do universo científico pelo consensual, mas também quando os postulados do universo reificado são operados por variáveis do universo consensual, incluindo-se as representações sociais, como preconizado por Sá (2000).

Nascimento e Roazzi (2007) assomam a relevân-cia de estudos sobre as implicações do pensamento ordinário sobre o científico, evidenciando que ele é passível de modismos e refratariedade, e das consequências negativas para a ciência em saúde, o que estendemos às demais áreas de conheci-mento. Ao não serem consideradas, nem técnico--cientificamente e/ou teoricamente, as necessidades reais e simbólicas dos clientes e a habilidade dos mesmos ante a morte e o morrer, incorre-se no grave erro de não potenciar as estratégias em saú-de, o que contribuiria à melhora da qualidade da vivência (principalmente durante os tratamentos duradouros e invasivos) pela democratização das tomadas de decisões, humanização da atmosfera de trabalho e aumento da confiança entre os envolvi-dos no processo (stakeholders), aplacando o apelo organicista reinante. Nesses termos, ganharia a ciência na forma de suas produções e intervenções, pois estaria mais sensível à evolução dos modos e necessidades sociais, e também o atendimento às demandas técnico-científicas e psico-cognitivas dos profissionais, haja em vista atuarem na interface entre a ciência e a tecnologia social. Para os autores,

Levantar cientificamente num programa conti-nuado de investigação as religiosidades e formas de espiritualidade [...] do pessoal hospitalar em geral, e das equipes multiprofissionais de saúde em particular, que tratam de pacientes próximos à morte, é um passo importante na construção de um atendimento integral em que se incorporem preocupações não apenas procedimentais e me-dicamentosas, mas também questões de natureza ôntica e espiritual [grifos nossos] (p.442).

Considerações finais

Tomando-se em conta a forte relação entre os objetos abordados, conclui-se que as representações da morte e da dor são marcadamente imbuídas da

tradição organicista da saúde, o que pode promover consequências desastrosas. Outrossim, parece-nos que estamos diante de uma fecunda reflexão e crítica sobre práticas técnico-científicas (saúde), e também de avanços metateóricos a serem operados na TRS: quer como tecnologia social, quer como fundamentação teórica, antes que uma antinomia, morte e dor deveriam ser compreendidas como ex-periências humanas concorrentes, complementares e decorrentes de vivências reais e simbólicas.

Mesmo que os profissionais da saúde e clien-tes sejam capazes de tirar proveito da orientação reinante, perde-se de vista que todos os atores da trama são sujeitos humanos e sócio-históricos. O enlace entre morte/dor, ciência/senso comum e profissional da saúde/cliente promoveria uma virada paradigmáticada abordagem em saúde: não somente aprimoraria a eficácia dos procedimentos terapêuticos, por exemplo, motivando a adesão dos usuários aos tratamentos por se perceberem imbuídos das decisões, mas também ampliaria o suporte operacional e ontológico aos profissionais pela democratização dos meios, clareza dos atos e parceria entre os envolvidos.

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE VIOLÊNCIA ESCOLAR PARA PROFESSORES/TÉCNICOS DE ESCOLAS PARTICULARES EM PETROLINA/PE

Larissa dos Santos Alves1, Suzyelaine Tamarindo Marques da Cruz1, Daniel Henrique P. Espíndula1, Lauriston de Araujo Carvalho1,

Marianna Barbosa Almeida1, Thayline Oliveira1

Neste cenário, utilizar mão da teoria das re-presentações sociais (TRS) como uma ferramenta teórico-conceitual para o entendimento e proposi-ção do enfrentamento das relações entre os diver-sos atores que fazem parte da escola a respeito da representação de violência escolar e o modo como articulam com suas práticas cotidianas nesse am-biente seria mais apropriada.

O termo Representações sociais engloba os fe-nômenos estudados e seus conceitos. Além disso, engloba também a teoria construída para explicar tais fenômenos e como o homem se relaciona com a realidade e a compreende, ou seja, como o indi-víduo dá sentido ao mundo em que vive. Esses fe-nômenos são entendidos como práticas conceituais de uma determinada sociedade. Foi para explicar como essas representações surgem e a forma como elas influenciam nos comportamentos individuais e coletivos dos atores pertencentes aos mais di-versos grupos sociais que se desenvolveu o estudo de representações sociais. Para Moscovici (1978), as representações sociais são “uma modalidade específica de conhecimento que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunica-ção entre indivíduos”, os indivíduos não apenas processam ou são receptores de informações, mas (re)constroem e comunicam suas representações aos demais indivíduos da sociedade. Para Jodelet (1984, citado em Sá, 2003):

O conceito de representação social designa uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. Mais amplamente, uma forma de pensamento social. As representações sociais são modalidades de pensamento prático orientadas para a comunicação, a compreensão

Introdução

Nos últimos tempos, a temática da violência no ambiente escolar vem tomando espaços nos prin-cipais jornais e conversas cotidianas. No contexto educacional a violência é discutida enquanto tema transversal, perpassando os conteúdos escolares básicos, de modo a possibilitar aos estudantes uma compreensão crítica da realidade, conforme os pressupostos da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional.

Lobato e Placco (2007) fazem uma distinção entre a violência na escola, violência à escola e vio-lência da escola. Segundo estes autores, a violência na escola seria aquela produzida no espaço escolar sem que hajarelação com as atividades da instituição escolar. A escola seria apenas o cenário de violência quepoderia ter ocorrido em qualquer lugar. Um exemplo disso seria quando um bando entra na es-colapara acertar contas e/ou disputas com outrem. A segunda, violência à escola ocorre quando osalunos depredam a escola, insultam professores e funcio-nários. Junto com essa violência contra ainstituição escolar, deve ser analisada a violência da escola, uma violência institucional,simbólica, advinda das relações assimétricas de poder entre professores e demais profissionais da instituição e alunos. Aqui entra em cena o conceito trazido por Chauí (1980). Para esta autora, a violência seria constituída por uma relação de assujeitamento em que o sujeito, a partir das relações de poder é retirado da sua con-dição de pessoa e passa a ser visto como uma coisa.

Em se tratando das ações que devem ser desen-volvidas pelas instituições educacionais visando minorar e/ou inibir a violência na escola, Lobato e Placco (2007) defendem a ideia de que esse tipo de trabalho requer ações sistemáticas e cuidadosamen-te planejadas com o objetivo de formação do aluno e do cidadão e que estejam ancoradas no projeto político pedagógico da escola. 1 Univasf

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e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características espe-cíficas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica. A marcação social dos conteúdos ou dos processos de representação refere-se às condições e aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais elas circulam, às funções que elas servem na interação com o mundo e com os outros. (p.32).

Os estudos das representações sociais permi-tem a compreensão e explicação aprofundada dos fenômenos sociais. A TRS concentra-se na região limítrofe entre psicologia e sociologia. Enquanto modalidade de conhecimento, as representações têm como funções: a) função de saber – a partir dos conhecimentos já existentes, podem-se cons-truir outros novos, atrelando-os aos já existentes; b) função identitária – permite ao indivíduo se si-tuar em determinado grupo social, possibilitando a construção de uma identidade pessoal e social; c) função de orientação – prescreve comporta-mentos e práticas que são aceitáveis, esperadas e obrigatórias em determinado contexto social; e d) função justificadora – após a ocorrência de uma determinada ação.

Podemos deduzir do que foi dito até aqui que o estudo de uma representação social pressupõe investigar o que pensam os indivíduos acerca de um determinado objeto (a natureza ou o próprio conteúdo da representação) e porque pensam (que funções o conteúdo de uma representação assume no universo cognitivo e social dos indi-víduos). Ao nos debruçarmos sobre a teoria das representações sociais passaremos a enfocar a forma como pensam os indivíduos (quais são os processos ou mecanismos psicológicos e sociais que possibilitam a construção ou a gênese deste conteúdo). (Almeida, 2001, p.133)

Este estudo buscou vislumbraroutros atores que compõem o quadro e atuam em conjunto no sistema educacional, os professores e técnicos, representados pelos funcionários da coordenação, secretaria, inspetores de pátio, porteiros, funcio-nários da cantina e auxiliares de serviços gerais. A escolha desses profissionais deu-se por entender

que estestambém estão imbricados tanto nas rela-ções educativas, quanto nas relações de violência.

A escolha desse universo amostral ocorreu ain-da por entendermos que o processo formativo do aluno não ocorre somente em sala de aula, mas no contexto educacional como um todo.Desse modo, tal pesquisa propôs investigar as representações sociais de violência escolar para profissionais de escolas particulares de ensino médio do município de Petrolina-PE e as práticas preventivas/protetivas desenvolvidas para o enfrentamento da questão.

Método

Participaram da pesquisa 28 professores de ensino médio e técnicos de escolas particulares do município de Petrolina, localizado no sertão per-nambucano. Inicialmente pensou-se em analisar os professores e técnicos separadamente, pois acredi-távamos que o grau de instrução pudesse interferir nas representações. Porém, no decorrer do estudo observamos que não havia muitas diferenças. O ins-trumento utilizado para a coleta foi constituído por um questionário semi-estruturado com questões abertas sobre a temática da violência escolar, envol-vendo eixos como: representação da violência escolar, principais agressores/vítimas; estratégias protetivas dos profissionais e as estratégias preventivas das ins-tituições. O instrumento continha questões abertas e de associação livre sobre os temas mencionados. No presente estudo apresentaremos os resultados referentes às questões abertas. A coleta foi realizada nas próprias escolas, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos participantes em dias e horários combinados pelos mesmos. Após a coleta, os dados foram digitados na íntegra e as questões abertas foram tratadas segundo a Análise de Conteúdo de Bardin (1979).

Resultados e Discussões

Para os participantes da pesquisa, a represen-tação social de violência escolar está centrada em torno das ideias de: agressão física; desrespeito/intolerância para com o outro; agressão verbal e/ou psicológica; além da violação dos direitos e; bullying, conforme pode ser visto no gráfico 01, a seguir:

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Gráfico 1 – Representação social de violência escolar para professores e técnicos de escolas par-ticulares de Petrolina-PE

Tomar a violência como agressão física e psico-lógica corrobora a concepção de violência proposta por Michaud (1989). Para este autor:

Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais (Michaud, 1989, p.11).

A violência no contexto escolar para estes pro-fissionais aborda não apenas os elementos físicos da violência física, exemplificadas por brigas, em-purrões, socos e chutes entre os estudantes. O que para Abramovay e Rua (2002, citados por Lobato & Placco, 2007), as brigas representam uma das mo-dalidades de violência mais frequentes nas escolas, seja na forma de sociabilidade juvenil, seja na forma de condutas brutais. Estes atores elencam ainda o desrespeito e intolerância para com o outro como elementos de violência, frutos de uma demarcação identitária. Estes atos acontecem através do precon-ceito e discriminação sofridos pelos alunos repre-sentados como diferentes. Os estudantes diferentes são objetivados na figura dos mais gordos, baixos, altos demais, e no caso das escolas pesquisadas, alunos novatos e provenientes de outras cidades menores do sertão pernambucano. A intolerância é reverberada no deboche ao sotaque, modo de falar e a cidade natal, por exemplo. Os profissionais re-latam ainda o desrespeito dos estudantes para com os profissionais e instituição e em menor grau, dos

profissionais para com os estudantes. Mais adiante, discutiremos essas questões no item que trata das vítimas e agressores no ambiente escolar.

A agressão verbal/psicológica é outra moda-lidade de violência apontada pelos profissionais. Insultos, xingamentos e piadas de mau gosto são frequentes nas escolas pesquisadas. Durante a apli-cação dos questionários vários profissionais relata-ram que brigas eram quase inexistentes naquelas escolas e que o havia de fato eram agressões físicas motivadas por empurrões, tropeções e socos, onde a a violência verbal era a mais comum. Esta por sua vez está intimamente ligada à categoria desrespeito e intolerância, podendo ser entendidos aqui como expressões da violência verbal.

A violação dos direitos é o quarto elemento da representação de violência escolar elencado pelos profissionais. Os participantes saem do tradicional discurso de violência física e verbal, ancorado em diversos conhecimentos sociais para trazer à tona uma discussão ancorada no debate dos direitos humanos. Este tipo de resposta salta aos olhos em um momento em que a escola é chamada a discutir a intolerância e desrespeito ao próximo. Os professores e técnicos consideram que quando o direito do outro é violado ou cerceado, temos um caso de violência. Entretanto, mesmo estando presente enquanto elemento de representação, estes profissionais não citaram durante a aplicação do instrumento como isto ocorre no ambiente escolar.

O bullying também foi outro elemento encon-trado na representação da violência escolar. Por ser um tema atual de grande debate na mídia impressa, televisiva e eletrônica, percebemos que o assunto suscita interesse e discussão, podendo constituir-se então em objeto de representação (Sá, 1998). Os exemplos trazidos pelos participantes estão nova-mente em brincadeiras de mau gosto, conforme os relatos abaixo:

Vamos supor, um aluno passa e o outro coloca o pé, aí começa a brigar, eu mesmo sou acostumada a separar briga até levar tapa eu levo. Já arranca-ram até minha unha. (participante 05).

Ao investigarmos as maiores vítimas e agressores no ambiente escolar observamos que os principais

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agressores apontados pelos participantes seriam os alunos, seguidos de homens/meninos/jovens. Isto remete a uma representação ancorada em uma lógica de gênero em que a figura masculina é cultu-ralmente representada como fundamental agressor. Foi colocado ainda em menor número como figura de agressor os professores e as meninas.

Gráfico 2 – Principais agressores na escola

Os alunos surgem como os maiores agressores no ambiente escolar. Os professores aparecem com uma parcela muito baixa. A relação professor-aluno parece que não foi considerada como uma relação de violência. Em outro estudo desenvolvido por Espíndula et al. (2011) ouvindo os estudantes, estes relatam constantes abusos por parte dos pro-fessores, tais como pôr para fora da sala, obrigar o aluno a fazer tarefas como estratégia de punição pelo fato dele estar de boné em sala ou conversar com o colega.

Os agressores são alunos. Porque praticam vio-lência em forma de desrespeito. (participante 26)

Durante a resposta ao instrumento, os parti-cipantes objetivaram os estudantes agressores na figura do mais forte veteranos. A prática do desres-peito ocorre por brincadeiras de empurra-empurra, atirar objetos no outro, colocar apelidos que deni-grem a imagem da vítima e debochar do sotaque.

Quando comparadas a relação entre gênero e violência na escola, percebemos que não há gran-de diferença entre os agressores serem homens ou mulheres na compreensão dos profissionais. O que difere segundo estes não é quem pratica, mas a

modalidade de violência praticada entre os gêneros. Enquanto os meninos usam mais da violência físi-ca, as meninas fazem uso da violência verbal, com insultos e xingamentos.

Buscamos investigar ainda junto aos profissio-nais quem estes consideravam como as maiores vítimas da violência escolar, os profissionais relatam ser os estudantes, professores e técnicos.

Gráfico 3 – Principais Vítimas na escola

Se tomarmos a violência como um fenômeno relacional, em que há a presença do agente agressor de um lado e, a vítima, do outro, temos que para os contextos escolares pesquisados, os casos de violência seriam preponderantemente aluno-aluno e aluno-professor. Em menor frequência, segundo a resposta dos participantes teríamos a violência praticada pelos professores dirigida aos estudantes.

Ao investigar quais os estudantes estariam mais susceptíveis a serem vítimas de violência, encontra-mos que estes seriam conforme dito anteriormente, os novatos e os provenientes de cidades menores do sertão, próximas à Petrolina-PE e Juazeiro-BA. As práticas educativas desenvolvidas pelos profissio-nais e instituição para minorar a violência entre os estudantes estaria no diálogo e promover debates e palestras.

Caso passemos a avaliar com mais atenção quem são as vítimas de violência na escola, pode-remos perceber que todos os atores envolvidos no processo estão envolvidos (estudantes, professores e técnicos). Desse modo, todos aqueles sujeitos que compõem o universo escolar são concebidos como

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alvos potenciais de violência. Por outro lado, se rea-lizarmos uma análise em conjunto entre os técnicos e professores veremos que a frequência de respostas é quase a mesma dos estudantes. Estes resultados evidenciam que os profissionais que compõem o espaço acadêmico se sentem ameaçados e se colo-cam em posição de vítimas frente às ameaças que podem vir de outros grupos, como os estudantes, por exemplo.

Quando questionados sobre as estratégias pro-tetivas desenvolvidas por eles visando à prevenção da violência, os profissionais apontaram que procu-ravam ser tranquilos, pacíficos e evitar discussões; dialogavam, ofereciam palestras e conscientização; buscavam ter uma boa convivência e respeito; iam à coordenação e outros; não faziam nada.

Gráfico 4 – Práticas protetivas/preventivas de violência escolar desenvolvida pelos técnicos e professores.

Alguns trechos selecionados dos questionários são capazes de exemplificar o modo como os pro-fessores de técnicos desenvolvem suas práticas:

Fico na minha, tranquilo para evitar. Sim, ficar tranquilo e não se envolver em problemas. (parti-cipante 01)Conversando, descontraindo com os alunos. Até agora ta funcionando. (participante 14)Eu respeito a todos, aí ninguém faz nada comigo. (participante 10)

Todas as estratégias preventivas elencadas pelos participantes dizem respeito a ações individuais e não esforços coletivos. O comportamento de evi-

tar envolver-se em atos considerados violentos é preponderante. Ao que nos parece, diante ou após uma situação de violência no ambiente escolar, os profissionais utilizam mão de conversas e diálogos com os envolvidos. Buscar ajuda da coordenação é outra prática também elencada pelos participantes, mas em menor proporção. Isso pode ocorrer pelo fato de que na maioria das vezes os professores e técnicos buscarem resolver de imediato a situação sem precisar recorrer a instâncias superiores, como a coordenação e direção da escola e pelo grau de gravidade do ato violento praticado pelos atores.

Sobre as estratégias preventivas e protetivas de violência desenvolvida pela instituição, os partici-pantes narram que as práticas desenvolvidas pela instituição consistem principalmente em diálogo/debates e vigilância. Em menor proporção en-contramos: chamar a direção; educação religiosa; chamar a família e esportes/lazer.

Reuniões pedagógicas que foquem a relação de harmonia entre os agentes escolares: professo-res, alunos e corpo de funcionários, exaltando a necessidade de relação afetiva entre os citados. (participante 27)

Gráfico 5 – Práticas protetivas/preventivas de vio-lência escolar desenvolvida pela instituição.

Novamente durante a aplicação dos questio-nários, os professores e técnicos narraram que quando há algum episódio violento, a coordenação costuma chamar os envolvidos e tem uma conversa com as partes, sendo este ato o mais frequente. A vigilância surge como uma prática preventiva dos atos violentos no ambiente escolar. A concepção de

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violência adotada pela escola é a mesma ancorada em Foucault em Vigiar e Punir (2010). A prática da vigilância e controle dos corpos é adotada pelas instituições pesquisadas. A presença de um ins-petor também foi referenciada pelos profissionais participantes da pesquisa.

Apesar de o diálogo estar presente e ser elencado como a principal estratégia protetiva/preventiva adotada pela instituição, vários outros elementos estão ancorados em antigas crenças e modelos pedagógicos tradicionais. A prática da vigilância, da educação religiosa e chamar a direção, que são práticas tradicionais, quase que se igualam a prática do diálogo e debates. O que estes resultados podem estar indicando é que apesar das escolas apresen-tarem em seus projetos político-pedagógicos um discurso libertário e inovador, quando analisadas suas práticas, aqui no caso, relativas à violência, es-tas ainda são conservadoras e tradicionais, visando o controle e contenção através dos valores morais e religiosos, por exemplo.

Conclusão

Após este estudo foi possível verificar que a re-presentação dos professores e técnicos das escolas particulares sobre a violência é composta pelas agressões, de ordem física e psicológica, as quais podem desembocar no desrespeito e intolerância. A violação dos direitos e o bullying, temas mais atuais que compõem a agenda das discussões so-ciais, também foram elencados nas representações desses profissionais.

A respeito dos principais agressores no ambiente escolar, os participantes atribuíram ao outgroup os motivos e atos violentos. Para eles, os estudantes são os maiores agentes de violência na escola e que qualquer pessoa está sujeita a ser alvo de violência na escola. Entretanto, certas pessoas, segundo os profissionais estão mais susceptíveis a se tornarem alvo – os alunos novatos e os estudantes provenien-tes de cidades menores. A violência contra estas pessoas é motivada pela intolerância e desrespeito, sendo expressas por insultos, xingamentos e agres-sões físicas, como socos, chutes e empurrões.

As práticas preventivas desenvolvidas tanto pelos

profissionais quanto pela instituição consistem em dialogar com os estudantes envolvidos em atos de violência. Durante a coleta dos dados não investigamos mais a fundo que conteúdos são discutidos durante as conversas e nem o modo como estes diálogos são conduzidos, se realmente seria um diálogo um sermão, por exemplo. Mas em relação às outras práticas, percebemos que estas ainda estão baseadas em antigas concepções e modelos pedagógicos, sendo preconizadas punições e a pregação de valores morais cristãos.

Do ponto de vista teórico foi possível observar a articulação entre as representações e práticas so-ciais e o modo como as práticas em determinados espaços e instituições podem ser transformadoras, mas por vezes, conforme apontado aqui podem ser mantenedoras. Diante do que foi exposto, faz-se necessário que o profissional que atue em espaços educacionais e que tenha um referencial psicosso-cial esteja atento para o modo como os diversos atores significam os fenômenos a sua volta e como que estas representações podem ser prescritoras de comportamentos sociais.

Uma intervenção psicossocial no espaço educa-cional nos parece ser mais eficaz quando abordadas em conjunto e na relação entre as representações e práticas. Por fim, sugerimos que mais estudos dessa ordem possam ser realizados visando o aprimoramento da teoria e novas proposições de intervenções psicossociais.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2172

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO BULLYING POR ESTUDANTES DO ENSINO MÉDIO

Rosane de Sousa Miranda1, Maria da Penha de Lima Coutinho1, Luciene da Costa Araújo1, Marcelo Xavier de Oliveira1

etc. (outras definições são encontradas na revisão de Lisboa, Braga, & Ebert, 2009).

O presente trabalho tem como objetivo apre-ender a representação social do bullying por estu-dantes do ensino médio. Neste intento, adota-se a concepção fornecida pela Associação Americana de Psicologia ([APA], 2010), que define bullying como uma forma de comportamento agressivo em que alguém, intencionalmente e repetidamente, faz com que outra pessoa seja constrangida, através de contato físico, palavras ou ações mais sutis.

Cunha, Weber e Steiner (2009) apresentam a dinâmica de agressão/vitimização entre pares composta por quatro dimensões. Agressão direta agrupa comportamentos ofensivos, tanto físicos quanto verbais infligidos diretamente ao sujeito. Já a agressão relacional é caracterizada por compor-tamentos que prejudicam o relacionamento da vítima com outros pares. A agressão física indireta contempla ações que visam causar dano a bens materiais da vítima. Por fim, a vitimização inclui todos os comportamentos agressivos dos quais o aluno tenha sido alvo. Tais dimensões foram estabelecidas através da validação da Escala de Agressão e Vitimização entre Pares (EVAP), realizada por Cunha et al. (2009). Este instrumento foi utilizado no presente estudo por entender-se que permite a operacionalização de bullying adotada.

Os estudantes podem desempenhar diferentes papeis em relação ao bullying, estando comumente presentes quatro tipos básicos: agressor, vítima, vítima-agressor e testemunhas (Cunha et al., 2009, Fante, 2005, Olweus, 1993). A utilização destes perfis pode ser útil para dar indícios de pontos a serem observados nos atores do bullying, no entanto, devem ser analisados de forma crítica para que os indivíduos não sejam vistos

Introdução

A violência no contexto escolar traz em seu bojo a especificidade de romper com a ideia da escola como lugar de conhecimento, de aprendizado da cidadania, da ética e da comunicação por diálogo e, portanto, “antítese da violência” (Abromovay & Rua, 2003).

Sposito (2001) faz um apanhado dos principais fatores investigados nos estudos sobre a violência escolar, realizados nas décadas de 80 e 90 do século XX. Nas observações realizadas na década de 1980 prevalecia a preocupação com a depredação do patrimônio. Já nos anos 1990, outras questões começam a comparecer e o foco passa a ser a prática de agressões interpessoais, principalmente entre os estudantes, prevalecendo as agressões verbais e ameaças. De acordo com a autora o fenômeno não é “privilégio” das metrópoles apenas, alcançando as cidades médias e regiões menos industrializadas e não é evitado a partir de medidas de segurança interna aos estabelecimentos.

É neste panorama que começam a surgir publicações a respeito do bullying, que pode ser encarado como um fenômeno novo e velho ao mesmo tempo (Fante, 2005). O caráter de novidade se deveria a atenção recente que tem despertado enquanto objeto de investigação de pesquisas, apesar de manifestar-se há muito tempo no cotidiano escolar, sendo tão antigo quanto à própria escola. A sistematização de estudos na área foi iniciada por Dan Olweus (1993) que define o bullying como exposição de um estudante, de modo repetitivo, às ações negativas por parte de um estudante ou um grupo de estudantes (na maioria das vezes grupo). Tais ações negativas teriam um sentido próximo ao do comportamento agressivo, ou seja, infligir ou incomodar intencionalmente o outro, podendo ocorrer por palavras, contatos físicos, caretas, gestos obscenos, exclusão social 1 Universidade Federal da Paraíba

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 173

isoladamente como causadores da violência, o que nos levaria a desconsiderar seu caráter essencialmente social.

Nesta tela, o presente trabalho tem o objetivo de contribuir com os estudos sobre o tema, a partir da perspectiva da Psicologia Social, em sua vertente psicossociológica. Optou-se por utilizar a perspectiva teórica das representações sociais proposta por Moscovici (2011), abordagem que favorece estudar o bullying enquanto elaboração de um conhecimento prático e compartilhado por grupos sociais de pertença (Jodelet, 2001). A Representação Social é uma forma de saber prático que liga um sujeito a um objeto, no caso do presente trabalho, alunos (sujeito) em relação à sua participação no bullying (objeto): não envolvido, agressor, vítima e vítima-agressor.

De acordo com Moscovici (2011, p. 49), as representações sociais “são fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar – modo que cria tanto a realidade como o senso comum”. Desta forma, as representações sociais diferem de uma sociedade para outra, assim como em determi-nados períodos históricos. Esta característica da teoria das representações sociais fornece espaço para que os grupos sociais expressem sua apreen-são sobre dada realidade. Saraiva (2010) destaca a capacidade da teoria das representações sociais de abordar um objeto dentro de um grupo de pertença. É nesta perspectiva que a presente disser-tação pretende investigar as representações sociais elaboradas acerca do bullying por estudantes que vivenciam o contexto em que este ocorre.

Método

Trata-se de uma pesquisa descritiva de cunho qualitativo fundamentado nos aportes teóricos e metodológicos da Teoria das Representações So-ciais. (Moscovici, 2011). O lócus da pesquisa foi uma escola pública de ensino médio, localizada na cidade de João Pessoa-PB.

A amostra foi composta por 31 alunos sele-cionados por meio da técnica de amostragem por conveniência. A inclusão dos estudantes na amostra atendeu aos seguintes requisitos: (i) cursar do 1º ao

3º ano do ensino médio; (ii) ter autorização dos pais e (iii) aceitar participar da pesquisa.

Foi utilizada a entrevista semiestruturada com questões a respeito do que os estudantes sabem e pensam acerca do bullying, do envolvimento nesta violência e detalhamento sobre como ocorre no meio escolar. Para a caracterização da amostra foi empregado um questionário biosociodemográfi-co e para avaliar o envolvimento com o bullying recorreu-se a Escala de Agressão e Vitimização entre Pares (EVAP) – (para informações sobre validação do instrumento e critérios de análise ver Cunha et al., 2009).

Antes da coleta de dados foi feito contato prévio com a direção da escola para breve apresentação dos objetivos e da dinâmica da pesquisa. A partir da obtenção do consentimento livre e esclarecido dos responsáveis pelos participantes, o questionário bio-sóciodemográfico e a EVAP foram aplicados coletivamente em sala de aula. Em um segundo momento da pesquisa, foi realizada a entrevista individualmente, em local reservado.

Os dados do questionário bio-sociodemográfico e de vivências escolares e da EVAP foram analisa-dos através de estatísticas descritivas. A entrevista semiestruturada foi analisada por meio da análise lexical de conteúdo, através do software Análise Lexical Contextual de um Conjunto de Segmentos de Texto (ALCESTE, 2010; Reinert, 1993).

O projeto de pesquisa, protocolo no 334/10, foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética. Durante todas as etapas foram respeitados os pressupostos da Resolução CNS/Ministério da Saúde, no 196, de 10 de outubro de 1996 (Brasil, 1996).

Resultados

Caracterização da amostraParticiparam da pesquisa 31 estudantes com

idade média de 16 anos, dos quais 13 eram do sexo masculino e 17 feminino. Os participantes de cor de pele parda foram maioria, 18. Quanto à satisfação com o corpo, houve predomínio de pessoas satis-feitas, 20. A distribuição por tipo de envolvimento, avaliado a partir da Escala de Agressão e Vitimiza-ção entre Pares (EVAP) foi a seguinte: agressor (9), vítima (2), vítima-agressor (8) e não envolvidos (11).

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2174

A seguir são apresentados os dados resultantes da análise de conteúdo lexical realizadas com as entrevistas.

Análise de conteúdo lexical através dotratamento padrão do software AlcesteAo processar o discurso dos participantes da

pesquisa, acessado por meio da entrevista, o tra-tamento padrão do programa Alceste identificou um corpus constituído de 31 Unidades de Contex-to Inicial (UCI), totalizando 24.093 ocorrências, sendo 2.432 palavras diferentes, com uma média de 10 ocorrências por palavra. Para a análise que

se seguiu, o programa considerou as palavras com frequência igual ou superior a 4 e com χ2≥3,84. Após a redução do vocabulário às suas raízes, fo-ram encontradas 427 radicais e 3.207 Unidades de Contexto Elementar (UCE).

A Classificação Hierárquica Descendente resul-tou em três classes (Figura 1). Foi possível localizar a partir da Classificação Hierárquica Ascendente gerada pelo programa, duas subclasses para cada uma das classes, separadas por uma linha ponti-lhada na Figura 1. As variáveis-atributo que mais se associaram a cada uma das classes também são expostas ao final de cada classe em itálico.

Figura 1 – Dendrograma com a Classificação Hierárquica Descendente – Entrevistas (n=31)

CLASSE 11.170 UCE

36,85%

CLASSE 31.118 UCE

35,21%

CLASSE 2887 UCE27,94%

Referências de preconceito Culpabilização da vítima e banalização da violência

Ausência de suporte escolar e familiar

χ2 Palavra/Atributo χ2 Palavra/Atributo χ2 Palavra/Atributo

56 Grupo (s) 92 Pessoa 126 Escola28 Todo mundo 39 Tipo 34 Nas aulas25 Fala 31 Coisa 30 Bullying17 Separado 30 Vão 28 Providência16 Grupinho 20 Sabe 26 Diretor15 Afastando 18 Pode 24 Tomar36 Menino (a)s 15 Rir 23 Alunos17 Conversar 37 Leva 20 Vi17 Fica(m) 34 Brincadeira 18 Violento16 Onda 29 Gosta 18 Hora16 Bagunça 26 Diferente 18 Sair16 Amigo 20 Brincar 48 Educação15 Sai 19 Vejo 34 Falta15 Gay 18 Pode 27 Mãe20 Agressor 17 Ponto 26 Ocorre17 16-17 anos 64 Sexo feminino 20 Violência

30 Não satisfeitos com o corpo

18 Série16 Psicóloga16 Família

148 Sexo masculino48 Satisfeito com o corpo20 Vítima-agressor

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 175

CLASSE 1 - Referências de preconceitoComo pode ser observado na Figura anterior, a

Classe 1, referências de preconceito, foi composta por palavras e radicais no intervalo entre χ2 = 56 (grupo) e χ2 = 15 (gay, sai). As variáveis-atributo que mais contribuíram com esta classe foram os estudantes: envolvidos no bullying como agressores e os que têm entre 16 e 17 anos. Salientaram-se duas subclasses, separadas, na Figura 1, pela linha pontilhada: a primeira trata das relações de bullying entre grupos; e a segunda aborda “as minorias como alvos”. Eis algumas falas representativas da subclasse 1:

(...) você faz parte daquele grupo, mas você vê que aquele grupo, às vezes todos lhe apelidam e aí você fica procurando um entre esses grupos para apelidar (...) tem aquele grupinho que manda e aquele que não manda. É assim, na minha sala é muito grupinho (...).

Para ilustrar a segunda subclasse, a seguir en-contram-se listadas algumas falas representativas, sobre minorias como alvo:

(...) acho que é porque são os únicos gays que têm lá na sala, aí eles ficam tirando onda (...) eu me lembro, na outra escola, tinha um menino moreno, aí o povo chamava ele de Zulu e ficava tirando onda com ele.

CLASSE 3 – Culpabilização da vítima ebanalização da violênciaEsta classe foi composta por palavras e radicais

no intervalo entre χ2 = 92 (pessoa) e χ2 = 15 (rir), identificadas principalmente na fala dos estudantes do sexo feminino ou dos não satisfeitos com o cor-po. Pode-se observar o agrupamento de palavras que denotam duas subclasses: a primeira pode ser denominada de “culpabilização da vítima”; a segun-da trata da “banalização da violência”.

Sobre a subclasse que trata da culpabilização da vítima, eis os recortes elucidativos:(...) acho que é por destino, vê que a pessoa é frágil, tímida aí eles atacam mesmo (...) acontece, mas depende da pessoa, não sei, elas (vítimas) se

sentem fragilizadas, acho que é uma pessoa frá-gil, não consegue conviver com o defeito com a doença, fica frágil, a pessoa, emocionalmente (...).

A segunda subclasse trata da “banalização da violência”, conforme as temáticas exemplificadas a seguir:

(...) esse negócio de magro, gordo, negro, a gente leva tudo na esportiva, tudo na brincadeira ei, “che-ga aí negão (...) eu acho isso humano, bem humano, não vejo com uma coisa absurda, eu acho bem natural, aliás, querer excluir as outras pessoas (...)

CLASSE 2 – Ausência de suporteescolar e familiarA Classe 2, ausência de suporte escolar e fami-

liar, foi composta por palavras e radicais no inter-valo entre χ2 = 126 (escola) e χ2 = 16 (família). Os estudantes que mais contribuíram com esta classe eram: do sexo masculino, satisfeito com o corpo ou vítima-agressor. Conforme o dendrograma e como resultado da Classificação Hierárquica Ascendente, pode-se constatar duas subclasses. A primeira delas “ausência de suporte escolar”, como ilustram as falas a seguir:

Acho que não tem jeito não, porque se ocorre xin-gamento a escola vai fazer o quê? (...) a direção ter mais atitudes, mais regra (...) foi na escola mesmo, eu fui pedir providência ao diretor da escola, (...) aí foram, passaram mais ou menos uns três dias legais e depois começou tudo de novo, aí não adiantou de nada (...).

A segunda subclasse foi nomeada “ausência de suporte familiar”, tem seus discursos caraterísticos expostos a seguir: “Falta de educação, primeira-mente, falta de respeito e falta de autoridade dos pais (...) a mãe dele, a família dele não deu uma educação boa aí ele traz esse educação para escola.”

Discussão

Foi evidenciado nas falas ilustrativas da Classe 1, Referências de preconceito, que os estudantes considerados agressores e aqueles situados na fai-

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2176

xa etária entre 16 e 17 anos perceberam o bullying como resultado de relações intergrupais pautadas no preconceito e discriminação contra minorias, como os negros e homossexuais. Os achados corro-boraram as descobertas de Antunes e Zuin (2008) nas quais os estudantes apontaram a prática do bullying como idêntica a de preconceito. Estão de acordo ainda com Thornberg (2010) que demons-trou que o bullying é desencadeado nas relações intergrupais através dos processos de categorização e diferenciação social.

O preconceito contra grupos minoritários é resultado de representações que os grupos majo-ritários criaram sobre a natureza (positiva) de seu grupo e (negativa) do grupo alvo do preconceito (Pereira, Torres, & Almeida, 2003). Neste sentido, as representações sociais, através de suas funções identitária e justificadora, atuam enquanto conhe-cimento socialmente partilhado pelo grupo de per-tença (Abric, 1994). No presente estudo, observou--se que as representações sociais forjadas trazem as vítimas de bullying caracterizadas por alguma diferença, que as tornariam alvos da violência.

Percebeu-se, desta forma, um discurso justifi-cador por parte do agressor, tipo de envolvimento que mais contribuiu com a classe. O bullying acon-teceria com estudantes que pertencem a minorias como os gays. Em relação aos agressores, figuras associadas à intimidação e violência, os gays po-dem ser considerados um grupo com caracterís-ticas opostas, uma vez que são atrelados à figura feminina, frágil (Pereira, 2004). Neste sentido, os agressores elegeriam os gays, dentre outros grupos minoritários numa tentativa de diferenciar-se.

A classe 3 demonstrou a ancoragem do bullying na culpabilização da vítima, através da objetivação em palavras como “pessoa” e “tipo”. As caracte-rísticas da pessoa seriam determinantes para o mau-trato, ou seja, reduz-se a causa da violência ao perfil da própria vítima. Constatou-se ainda a ancoragem na naturalização da violência, onde o bullying é objetivado como uma “brincadeira”, por parte do agressor.

Vaillancourt et al. (2008) ao analisarem como estudantes definiam o bullying encontraram re-sultados semelhantes ao do presente trabalho. Segundo os autores, boa parte dos alunos, espe-

cialmente as meninas, realçaram características de personalidade da vítima em suas definições para este tipo de agressão. Os achados aqui expostos corroboram ainda Thornberg (2010) que encontrou “reação ao diferente” como a representação social mais evocada por alunos para a causa do bullying. O signo “brincadeira”, forma de divertimento dos agressores, compareceu dentre as representações sociais utilizadas pelos estudantes investigados por este autor.

Estudantes, especialmente as meninas ou aque-les não satisfeitos com o corpo, construíram sua própria teoria social prática que passa a orientar suas comunicações e condutas. Assim associam às situações de bullying estratégias ligadas à agressão relacional, através de brincadeiras, chacotas que evocam risos.

Percebe-se aqui a proximidade apontada no dendrograma entre as classes 1, referência e 3, cul-pabilização da vítima e banalização da violência. O bullying faz-se valer do preconceito, expresso em suas formas mais sutis (Lima, 2011, Pereira et al., 2003) em que os estudantes considerados diferen-tes, fora do padrão, são alvo de brincadeiras que são minimizadas por quem as pratica. As represen-tações sociais do bullying comparecem, portanto, enquanto preconceito, permeadas pela banalização da violência e culpabilização da vítima.

Já na Classe 2, que se destacou das demais no dendrograma, a representação social do bullying é ancorada na ausência de suporte escolar e familiar, onde a escola é objetivada na figura do “diretor” e a família no signo “mãe”. A lacuna deixada pela escola e pela família é objetivada em “providências” ineficazes para combater o problema. Os alunos passam a desacreditar no efeito das medidas to-madas e muitas vezes deixam de procurar ajuda. É importante observar que as intervenções reque-ridas pelos alunos, estabelecimento de regras, vão além daquelas que os professores propõem, em que o foco costuma ser principalmente a punição do agressor por meio de suspensões ou expulsões (Bernardini, 2008).

O discurso dos alunos aponta que não apenas a escola, mas também a família tem implicações no bullying, à medida que creditam a esta formação de valores como o respeito ao próximo e às autorida-

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 177

des (Schofield & Eurich-Fulcer, 2003). Portanto, ao incluir ambas as instituições na trama do bullying, os estudantes sinalizam que as providências não se restringem apenas a casa ou à escola, mas trata-se de uma tarefa conjunta.

Os estudantes do sexo masculino, satisfeitos com o corpo e os envolvidos tanto em situações de vitimização como de agressão foram os que mais se associaram a representação social do bullying ligada à ausência de suporte escolar e familiar. A associação significativa do grupo de estudantes vítimas-agressores é particularmente relevante no contexto do presente trabalho, ao sinalizarem a necessidade de providências por parte das instituições escolar e familiar, reforçam os prejuízos duplamente sofridos por vivenciarem a dinâmica de agressão e vitimização. Assim, estes alunos solicitam medidas em relação ao bullying, ainda que não percebam sua eficácia.

Pelo anteriormente exposto, demonstrou-se que os alunos representam o bullying através de elementos que se entrelaçam como preconceito, banalização da violência e culpabilização da vítima. Evidenciou-se ainda que, apesar do vocábulo e da apropriação específica do constructo pela área aca-dêmica serem recentes em nosso país, os estudantes apresentam demandas formuladas a respeito de tal violência, como pôde ser observado na classe 2, cujo discurso destacou-se das demais classes.

Considerações finais

Situações de exclusão e a percepção do rela-cionamento entre colegas compareceram como aspectos de destaque em relação ao bullying. A dinâmica de exclusão é uma das facetas do bullying, mostrando-se recorrente entre alunos mais velhos, em contrapartida ao declínio da ocorrência de violência física (Lisboa et al., 2009). Considerar as particularidades do bullying para cada etapa escolar é importante para realização de intervenções mais adequadas ao cotidiano dos alunos.

Os estudantes lançaram mão da representação social do bullying enquanto preconceito. Portanto, no processo de ancoragem deste constructo que tem sua história recente no contexto brasileiro, a representação socialmente elaborada pelo grupo

de alunos pesquisados parece ter sido forjada a partir de um processo de generalização (Mos-covici, 1981), onde o objeto novo foi ajustado ao protótipo pré-estabelecido de preconceito, reduzindo as diferenças entre os mesmos. Neste sentido, os achados deste trabalho trouxeram o bullying em estreita relação com o preconceito o que foi evidenciado também por Antunes e Zuin (2008). Esta constatação situa-o no contexto das relações intergrupais, assim como observado em Thornberg (2010).

A presente pesquisa tem dentre as suas limitações, a especificidade dos achados que não devem ser generalizados, visto que caracterizam a amostra em questão. Apesar disto, arrisca-se inferir que no contexto do ensino médio, que concentra estudantes na segunda metade da adolescência, a sexualidade demonstrou ser uma questão relevante para o entendimento do bullying. Este assumiu características homofóbicas nas falas dos estudantes pesquisados, o que aponta para a necessidade de investigações que abordem diretamente as relações entre homofobia e bullying. O tema da sexualidade já é contemplado no currículo escolar através dos Parâmetros Curriculares Nacionais, portanto, o mecanismo para abordar o assunto já existe, cabe contextualizá-lo com a homofobia.

Diante do exposto, é importante considerar que “o problema não é punir os agressores, mas sim evitar a existência de vítimas” (Blaya & Debarbieux, 2002). O bullying que demonstrou ser tão perme-ado pelo preconceito pode ser melhor explicitado no contexto escolar, através de discussões e debates acerca da hostilização de minorias numa tentativa de descontruir estereótipos para que enfim, possam não existir mais vítimas.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 179

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO HOMEM PANTANEIRO, CULTURA E EDUCAÇÃO NA MÍDIA IMPRESSA: REVISTAS

Milton Valençuela1

Sonia da Cunha Urt1

Fundamentação teórica e metodológica da pesquisa

Os pressupostos teóricos e metodológicos que fundamentaram a pesquisa estão pautados na Teo-ria Histórico-Cultural de Vigotski (1991) e Leontiev (2004) e na Teoria das Representações Sociais de Moscovici (2001, 2003) e Jodelet (2001).

A abordagem metodológica proposta por Vi-gotski (1991) é baseada no materialismo dialético de análise da história humana. Para o autor, o com-portamento do homem difere qualitativamente do comportamento animal. Vigotski (1991) afirma que:

O desenvolvimento psicológico dos homens é parte do desenvolvimento histórico geral de nossa espécie e assim deve ser entendido. A aceitação dessa proposição significa termos que encontrar uma nova metodologia para a experimentação psicológica (p. 69).

Vigotski (1991) considera que a abordagem dialética admite a influência da natureza sobre o homem e que o homem, por sua vez, age sobre a natureza, cria e provoca transformações.

Conforme Leontiev (2004) a origem do homem é profundamente distinta dos seus antepassados. A hominização do homem resultou da passagem à vida numa sociedade organizada com base no trabalho. Conforme o autor, essa passagem modi-ficou e marcou o início de um desenvolvimento, diferentemente do desenvolvimento dos animais, submetido não às leis biológicas, mas às leis sócio--históricas.

A forma de fixação e transmissão às gerações seguintes da aquisição e evolução difere substan-cialmente dos animais e dos homens pelo fato de

1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS

Introdução

Este trabalho objetiva socializar parte de um projeto de pesquisa que procurou compreender as representações sociais da cultura e educação do homem pantaneiro expressos nas revistas: Nova Escola, MS Cultura, Conexão Cidade 2001, Me-trópole, Aguapé, Arandu e Pantaneira. O projeto maior ao qual se insere este trabalho intitula-se “A educação no processo de constituição de sujeitos: o dito nas produções e o feito no cotidiano”. Foi um projeto desenvolvido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Educação – GEPPE, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS.

Os indícios de que os índios já habitavam a re-gião do pantanal do estado de Mato Grosso do Sul são apontados pela literatura regional por autores como: Souza (1973), Nogueira (1990), Proença (1997) e Barros (1998).

O aspecto da constituição do sujeito pantaneiro passa pela formação histórica dos nativos que ha-bitavam a região do Pantanal. Os bandeirantes, em busca de braços fortes para a escravidão no litoral e atraídos pelas riquezas naturais, como o ouro, en-contraram o Pantanal habitado por diversas tribos indígenas, cada uma com seus hábitos, costumes, culturas e traços linguísticos próprios.

Conforme Nogueira (1990), Proença (1997) e Barros (1998), o índio regionalmente chamado de bugre, foi o senhor absoluto das terras pantaneiras, do pantanal brasileiro até os chacos latinos. Antes das buscas dos metais preciosos, os bandeirantes paulistas tinham como o objetivo a caça ao índio para a escravização rentável na época. Entre rios, capões e cordilheiras esses indígenas resistiram bravamente às investidas dos brancos europeus colonizados em terras brasileiras.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2180

que somente o homem é capaz de refletir e realizar uma atividade criadora e produtiva humana, que é o trabalho.

Leontiev (2004) assegura que por meio da atividade humana, o homem não se adapta à natureza, e sim a modifica para satisfazer as suas necessidades. Criam objetos, instrumentos, cons-troem habitações, produzem seus bens materiais acompanhados pelo desenvolvimento da cultura humana, enriquecem o seu conhecimento sobre o mundo circundante e desenvolvem ciências e artes.

Portanto, a natureza social do homem tem ligação com o desenvolvimento da cultura e da sociedade. Dessa forma, o mundo da indústria, das ciências e da arte é uma expressão histórica de natureza humana. É um processo sempre ativo.

O processo de apropriação é considerado por Leontiev (2004) como: “[...] resultado de uma ati-vidade efetiva do indivíduo em relação aos objetos e fenômenos do mundo circundante criados pelo desenvolvimento da cultura humana” (p. 290). Essa relação é possível por intermédio da relação do ho-mem com os outros seres humanos e se concretiza por meio da comunicação.

O autor considera que a comunicação é uma condição essencial para o desenvolvimento do ho-mem em sociedade e tem um papel fundamental nesse processo.

Segundo Moscovici (2001) é impossível explicar os fatos sociais como um conjunto de crenças e de ideias a partir do pensamento individual, pois o indivíduo sofre a pressão das representações sociais, logo, é nesse meio que ele pensa e exprime suas emoções e seus sentimentos. Essas representações aparecerão de acordo com o tipo de sociedade em que o indivíduo nasce e se desenvolve, influenciadas pelas instituições e práticas inerentes a sua realidade.

Para Moscovici (2003), a ancoragem e objetiva-ção são dois processos que geram as representações sociais. Estamos falando da ciência e do senso co-mum, pois a ciência e as representações sociais são diferentes entre si, mas uma complementa a outra. Acreditou-se no século passado que era possível separar dois mundos distintos, o mundo da ciência e o mundo do senso comum.

De modo geral compreende-se que as ciências geram tais representações, como por exemplo, as

ideologias. A ancoragem e a objetivação são dois mecanismos essenciais para compreender a produ-ção das representações sociais. Ao se referir a esses mecanismos, Moscovici (2003) afirma que ancorar é classificar e dar nome a alguma coisa. Dessa ma-neira, aquilo que não pode ser classificado ou não possui nome, é considerado estranho e ao mesmo tempo ameaçador. Assim, a representação social é: “[...] fundamentalmente, um sistema de classifi-cação e de denotação, de alocação de categorias e nomes” (Moscovici, 2003, p. 62).

Jodelet (2001) apresenta a noção de representa-ções sociais: “como fenômenos complexos sempre ativados e em ação na vida social” (p. 21). Para ela, a riqueza dos estudos desses fenômenos está na des-coberta de alguns elementos, às vezes estudados de forma isolada tais como: informativos cognitivos, ideológicos, normativos, crenças, valores, atitudes, opiniões, imagens, etc.

A autora caracteriza a representação social como uma forma de conhecimento elaborada so-cialmente e partilhada de forma a construir uma realidade comum a um conjunto social. Reconhece as representações sociais como um sistema de in-terpretação da relação do homem com o mundo e do homem com o próprio homem, de modo que orientam e organizam os comportamentos e as comunicações sociais.

O estudo das representações sociais é multidi-mensional. A representação se caracteriza como uma forma de saber prático ligando um sujeito a um objeto. O objeto nas representações sociais está na relação de simbolização e de interpretação resultante de uma atividade que faz da representa-ção uma expressão do sujeito. Integra à análise dos processos a pertença e participação dos sujeitos nas relações sociais e culturais.

Procedimentos de coleta e discussão dos dados

Em relação aos procedimentos de pesquisa, optamos pela análise de conteúdo pelo modo como se configuram os dados obtidos a partir de matérias das revistas: Nova Escola, MS Cultura, Conexão Cidade 2001, Metrópole, Aguapé, Arandu e Pantaneira.

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De acordo com Bardin (2008), a análise de conteúdo possui duas funções que podem ou não se dissociar: a primeira função é heurística, enriquece a tentativa exploratória, aumentando a magnitude para a descoberta; a segunda função é de administração da prova, no sentido de confirmar ou não uma hipótese sob a forma de questões ou de afirmações provisórias que servirão de diretrizes para análise sistemática de um trabalho científico. Essas duas funções podem coexistir de maneira complementar.

Bardin (2008) define análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análises das comunica-ções e inclui nessas análises as mensagens linguísti-cas em forma de ícones até comunicações em três dimensões, isto é, quanto mais o código se torna complexo maior será o esforço do pesquisador na elaboração e inovação de novas técnicas.

Para Franco (2005), o ponto de partida de uma análise de conteúdo é a mensagem, seja escrita ou oral. A análise de conteúdo assenta-se numa con-cepção dinâmica e crítica da linguagem, sendo um procedimento de pesquisa situado na mais ampla teoria da comunicação e que tem a mensagem como o seu ponto de partida.

Toda comunicação, segundo Franco (2005), é composta por cinco elementos básicos: a fonte, o processo decodificador, a mensagem, o receptor e processo decodificador. A inferência é procedimento fundamental na análise de conteúdo, pois permite a passagem explícita e controlada da descrição à interpretação. Segundo a autora, por meio dos objetivos da pesquisa, os resultados da análise de conteúdo devem ser refletidos com indícios manifestos e capturáveis das comunicações emitidas.

Assim, os dados obtidos pela análise de conteú-do podem produzir inferências bastante explícitas, que pressupõem a comparação de dados obtidos mediante discursos e símbolos com pressupostos teóricos bem apresentados e com diferentes con-cepções de mundo, homem e sociedade.

As discussões realizadas tiveram como base as matérias publicadas nas revistas, o que nos pro-porcionou compreender as representações sociais da cultura e educação do homem pantaneiro. As matérias escolhidas foram apenas aquelas que

atendessem à tríade: educação, homem e cultura pantaneira, como descritores da pesquisa. En-controu-se nessas revistas as seguintes alusões às diversas etnias que confirmam a presença do índio pantaneiro como habitante nativo no pantanal: a) A primeira matéria da revista Nova Escola foi do mês de setembro de 1992, ano VII, n. 60, autoria de Luis Donisete Grupioni com o título: Era uma vez: O Dia do Índio; b) A segunda revista analisada foi a MS Cultura com duas matérias descritas a seguir: b.1) Ano III – Nº 7 – Março de 1987, autoria de Mario Ramires, com o título A volta de Maguató o frango d’água pantaneiro; b.2) Ano V – Nº 9 – 2º Semestre de 1996, autoria de Henrique Splengler, com o título Os Guaicuru na História de Mato Grosso do Sul; c) A revista Conexão Cidade 2001 – Novembro/Dezembro – 2000 – Nº 13 apresenta uma matéria de autoria de Mônica Thereza Soares Pechincha, com o título Kadiwéu Sociedade Ances-tral; d) A revista Metrópole – Ano III. 34 – Campo Grande – MS apresenta a matéria de autoria de Helena Rojas Franco, com o título: Aquidauana – A chave do futuro- escola pantaneira uma inovação do município; e) A revista Aguape – Ano I – Nº 01, fevereiro de 2003 apresenta a matéria Uma escola diferente para o Pantanal; f) A revista Arandu – Ano 6 – Nº 22 – Nov/2002-Jan/2003, traz a matéria de autoria de Jorge Vieira, com o título Artesanato indígena na aldeia cachoeirinha: cultura e desen-volvimento local; g) A revista Pantaneira – Ano I – Edição 01 – Março/ 2010 apresenta a matéria É a sina do pantaneiro em época de cheia tem que nadar com a boiada, sem autoria.

O conjunto temático agrupado como artesanato, tradição, jogo e cerâmica apresentou a presença do indígena na constituição do homem pantaneiro. O tema encontrado na matéria da revista Nova Escola é o dia 19 de abril como comemoração ao dia do índio, o qual exalta a cultura dos indígenas Kadiwéu, assim como seus hábitos e costumes (exemplo: “As mulheres Kadiwéu são exímias ceramistas. Confeccionam vasos, potes e tigelas que são pintados, decorados e vendidos nas cidades.”); (exemplo: “Foram convidados os índios Terenas, que também moram no Mato Grosso do Sul, lá perto do pantanal, para jogarem contra os Kadiwéu”).

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O conjunto temático resistência, donos do Pantanal e aculturação foi identificado na revista MS Cultura com o tema povo Guató como pacíficos e ordeiros, não foram índios de briga e malvadeza, mas quando desrespeitados, os Guatós sabiam se defender, considerados os legítimos pantaneiros (exemplo: “Os guatós [...] com coragem e inteligência, para que fossem novamente reconhecidos pelas leis do governo dos brancos os verdadeiros índios d’água, senhores legítimos do Pantanal.”); (exemplo: “Os Guatós encontrados no dia 26 de dezembro de 1825, numa região chamada Dourados, a beira do rio Paraguai, já estavam particularmente aculturados, falando português e desenvolvendo um pequeno comércio com o chamado mundo civilizado”); (exemplo: “Ao contrário dos Mbaya-guaycurus e dos payaguás, os guató não constituíram obstáculos para a ocupação econômica e militar da região pantaneira”); (exemplo: “[...] os guatós não são pretensiosos. Eles eram os donos do Pantanal, e hoje não pretendem mais que uma ilha”); (exemplo: “Estanilaou Pryjemski foi provavelmente o estudioso que mais tempo conviveu com os guató – mesmo não sendo o principal objetivo de seu trabalho nos 25 anos que passou dentro do pantanal, entre as décadas de 30 e 50”); (exemplo: “ [...] no fundo do Pantanal, as últimas famílias de guató podem viver sua vida primitiva e livre”).

O conjunto temático domínio, cavaleiros e guer-reiros foi encontrado na matéria da revista Cultura MS com o tema dos guaicurus na história de Mato Grosso do Sul; a existência dessa etnia tem mais de dois mil anos e se desdobrou em muitas tribos. Os Guaicurus se fixaram nas beiras dos rios do Mato Grosso do Sul, desenvolveram comunidades e manifestações culturais, crenças, línguas, arte e artesanatos próprios (exemplo: “[...] os Guarani, os Arwake e os Macro-Gê que também ocupam espaços em outras regiões brasileiras), além dos Mbayá, povos originários dos Chaco-Pantanal que durante muito tempo exerceram domínio senhorial sobre todo o centro do continente.”); (exemplo: “[...] os Kadiwéu-Mbaya tornaram-se grandes cavalei-ros, e, guerreiros que eram, submeteram todas as tribos do Pantanal tornando-se senhores absolutos da região.”).

O conjunto temático índios cavaleiros e monta-ria demonstram a característica peculiar da etnia Kadiwéu do pantanal sul mato-grossense encon-trando na matéria revista Conexão Cidade 2001. Os Kadiwéu pertencem à família linguística dos Guaicurus, a qual inclui outros povos indígenas. São considerados por historiadores como exímios cavaleiros e um marco na história nacional foi a participação dos Kadiwéu na Guerra do Paraguai (exemplo: “Os Kadiwéu, que a literatura histórica uma vez chamou de “os índios cavaleiros”, por sua condição de possuidores de um vasto rebanho equi-no e sua admirável destreza na montaria vivem hoje em território localizado no Estado do Mato Grosso do Sul, em terras em parte incidentes no Pantanal mato-grossense”).

O conjunto temático escola bilíngue, cultura re-gional e indígena foi localizado na revista Metrópo-le, com o tema escola pantaneira e a valorização da cultura regional (exemplo: “Cinco distritos e nove aldeias do município contam com uma atuação mais efetiva da pasta, que implantou a Escola Panta-neira (para valorizar a cultura regional), equipadas com Kits tecnológicos [...] e a educação bilíngue com os indígenas”).

O conjunto temático o cotidiano e a cultura esta-va configurado na matéria da revista Aguape. Tem como temas a escola pantaneira e a adoção de um calendário escolar diferente das escolas tradicionais para garantir o ensino às crianças do Pantanal, e o respeito aos ciclos das cheias e seca das águas do pantanal é questão de educação (exemplo: “Além do conteúdo tradicional, tem aula embaixo da mangueira, horta e as crianças praticam atividades típicas do Pantanal como tramar couro e resgatar a cantiga de roda”), (exemplo: “Para não perder as tradições e costumes, não basta fixar o pantaneiro na região. Eles têm que reconhecer o valor e a im-portância de sua cultura”).

O conjunto temático artesanato, cultura, ocu-pação e aliança estava presente na revista Arandu. Tem como tema central o artesanato indígena, cultura e desenvolvimento local dos povos Terenas (exemplo: “[...] o Terena apontam que é povo origi-nário das planícies colombianas e venezuelanas ou dos varjões equatorianos. Desenvolve a produção de cerâmica, instrumentos musicais e objetos de

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 183

cipó e palha de palmeira. Pertence ao tronco lin-guístico Aruak”), (exemplo: “Os terenas no Mato Grosso do Sul têm em suas vidas vários momentos marcantes. Começou com a saída do Êxiva no século XVIII e ocupação no vasto território sul--matogrossense, onde firmaram alianças com o Guaicuru e portugueses”).

O conjunto temático valentia, tradição, lide de campear com gados incluiu ascaracterísticas dos nativos pantaneiros associados às características geográficas da região, como as cheias e vazantes, e foi representado na matéria da revista Pantaneira (exemplo: “Peão também tem que saber nadar para encarar essas aventuras que são rotineiras neste lugar onde todo ano tem seca e todo ano tem, cheias”); (exemplo: “ Passa de pai para filho, é cul-tural da região e nunca vai acabar. O pantaneiro é homem de raça, não tem medo, enfrenta os desafios e cuida o gado melhor do que ninguém. Raça Pura é a Raça Pantaneira”).

Considerações finais

As matérias das revistas consultadas revelaram as representações sociais da cultura e educação do homem pantaneiro com a presença dos indígenas como os primeiro habitantes da região do pantanal sul mato-grossense. A literatura da história regio-nal assinala os indígenas como os primeiros povos originários do Pantanal e o índio como senhor absoluto das terras pantaneiras.

As características de cada tribo indígena nos conteúdos das revistas são bastante acentuadas, como por exemplo, os Guatós, os Kadiwéus, os Terenas, os Paiaguás e os Guaicurus eram ex-tremamente corajosos guerreiros, dominaram absolutamente a floresta e resistiram bravamente aos invasores europeus espanhóis e portugueses; a tribo dos Terenas era mais pacífica, sem muita resistência se submeteu ao regime de exploração escravidão dos estrangeiros que se aventuraram em solos do Pantanal.

Os textos das revistas: Nova Escola, MS Cultura, Conexão Cidade 2001, Metrópole, Aguapé, Arandu e Pantaneira confirmam alusões à existência das diversas etnias indígenas em terras pantaneiras e como habitantes ribeirinhos das margens do rio

Paraguai, referendando, por exemplo, as mulheres Kadiwéu como exímias ceramistas; os Guató como verdadeiros índios d’água, senhores legítimos do pantanal, assim como os Kadiwéu-Mbaya torna-ram-se grandes cavaleiros e guerreiros pantaneiros. Uma das matérias analisadas faz menção ao homem pantaneiro como homem de raça, ilustrado nessa afirmação, Raça pura é a Raça Pantaneira.

Concluímos que a cultura e educação do ho-mem pantaneiro são únicas e diferenciadas. A forte presença das nações indígenas na região pantaneira produz e reproduz historicamente a cultura das ge-rações. Por fim, não existe um homem pantaneiro, e sim a mescla de povos como os ameríndios, negros e brancos denominados de gente pantaneira.

Referências

Bardin, L. (2008). Análise de Conteúdo.Lisboa: Edições 70.Barros, A. L. de. (1998). Gente Pantaneira (Crônicas da

sua História). Rio de Janeiro: Lacerda Editores.Franco, M. L. P. B. (2005). Análise de Conteúdo (2ª edi-

ção). Brasília: Líber, Livro Editora.Jodelet, D. (2001). Representações Sociais: um domínio

em expansão. In: D. Jodelet (Org.). As Representa-ções Sociais (1ª edição). Rio de Janeiro: EDUERJ.

Leontiev, A. (2004). O desenvolvimento do psiquismo (2ª edição). São Paulo: Editora Centauro.

Moscovici, S. (2001) Das representações coletivas às re-presentações sociais: elementos para uma história. In: D. Jodelet (Org.). As Representações Sociais (1ª edição). Rio de Janeiro: EDUERJ.

Moscovici, S. (2003). Representações sociais: investigação em psicologia social (4ª edição). Petrópolis: Editora Vozes.

Nogueira, A. X. (1990). O que é Pantanal. São Paulo: Editora Brasiliense.

Proença, A. C. (1997). Pantanal: gente, tradição e histó-ria. Campo Grande, MS: Editora UFMS.

Souza, L. G. (1973). Historia de uma região: Pantanal e Corumbá. São Paulo: Editora Resenha Tributária LTDA.

Vigotski, L. S. (1991). A formação social da mente. São Paulo: Ed. Martins Fontes.

Revistas Selecionadas

É a sina do pantaneiro em época de cheia tem que nadar com a boiada. (2010). Revista Pantaneira. Ano I – Edição 01 – Mar.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2184

Franco, H. R. (s/d). Aquidauana – A chave do futuro- escola pantaneira uma inovação do município. Re-vista Metrópole. Ano III. 34 – Campo Grande – MS.

Grupioni, L. D. (1992). Era uma vez: O Dia do Índio. Revista Nova Escola. São Paulo, ano VII, n. 60. (p. 24-25) Set.

Pechincha, M. T. S. (2000). Kadiwéu Sociedade Ances-tral. Revista Conexão Cidade 2001. Campo Grande, MS, Nº 13. Nov/Dez.

Ramires, M. (1987). A volta de Maguató o frango d’água pantaneiro. Revista MS Cultura. Campo Grande, MS: Ano III – Nº 7 – Mar.

Splengler, H. (1996). Os Guaicuru na História de Mato Grosso do Sul. Revista MS Cultura. Campo Grande, MS: Ano V – Nº 9 – 2º Semestre.

Vieira, J. (2002 e 2003). Artesanato indígena na aldeia cachoeirinha: cultura e desenvolvimento local. A Revista Arandu. Ano 6 – Nº 22 – Nov/Jan.

Uma escola diferente para o Pantanal. (2003). Revista Aguapé. Ano I – Nº 01, Fev.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 185

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O ALCOOLISMO: HISTÓRIAS DE VIDA DE ADOLESCENTES1

Sílvio Éder Dias da Silva2

Maria Itayra Padilha3

no Brasil, 5,2% dos adolescentes (12 a 17 anos de idade) eram usuários e dependentes do álcool. No Norte e Nordeste, essa porcentagem ficou próxima dos 9%. Outro elemento advindo desse levantamento domiciliar foi o uso de uma ou duas doses de bebidas alcoólicas por semana, considerado um risco grave para a saúde por 26,7% dos respondentes (Galduroz & Caetano, 2004).

O uso de bebidas alcoólicas pelos adolescentes pode ser percebido como um grave problema de saúde pública no Brasil. É necessário estudar essa parcela da população para desvelar suas representa-ções sociais sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Dessa forma se poderá entender suas atitudes e comportamentos pertinentes ao uso de álcool.

A representação social pode ser entendida como uma forma de conhecimento, elaborada no meio social e compartilhada nele, tendo como objetivo contribuir para a construção da realidade comum a um determinado grupo social. Ela é denominada como saber do senso comum ou saber ingênuo, na-tural, diferenciando-se do conhecimento reificado ou erudito, mas é tida como um objeto de estudo igualmente legítimo devido à sua importância na vida social e à elucidação que possibilita dos pro-cessos cognitivos e das interações sociais (Jodelet, 2001).

Introdução

O ato de consumir drogas é uma prática cul-tural do ser humano no transcorrer da história da humanidade, sendo que a maioria dos grupos sociais tem convivido com as drogas ao longo do tempo. A partir da década de 1960, o consumo abusivo de substâncias psicoativas tornou-se um problema de saúde pública devido ao aumento do consumo entre os adolescentes e os riscos danosos à saúde do usuário, além dos problemas sociais a elas associados. As primeiras experiências com drogas ocorrem geralmente na adolescência, visto que, nesta fase, o indivíduo é vulnerável do ponto de vista psicológico e social (Dezontinel, Nascimento, Menezes, Godoy & Antonialli, 2007).

Os sentidos conferidos ao uso e abuso de drogas não se devem tanto às suas características químicas, mas, sim, aos seus atributos simbólicos, ao imagi-nário social e ao seu aspecto cultural. As drogas permitem que se demarquem domínios sociais, que se constituam distintas realidades em torno de certas normas (Martini & Furegato, 2008).

Os números demonstrados pelo último Relató-rio Mundial sobre Drogas (2005) da Organização das Nações Unidas (ONU) assinalam, aproxima-damente, 200 milhões de dependentes de drogas legais no mundo, com o predomínio de adolescen-tes. Esta disposição de aumento do consumo de álcool e de outras drogas já surgia nos resultados de um estudo exposto no livro “Drogas nas Escolas”, difundido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, ao término de 2002 (Zalaf & Fonseca, 2009).

A prevalência da dependência de álcool no Brasil foi de 11,2%, sendo de 17,1% para o sexo masculino e 5,7% para o feminino. A prevalência de dependentes foi mais alta nas regiões Norte e Nordeste, com porcentagens acima dos 16%. Fato mais inquietante é a comprovação de que,

1 Este texto é parte da Tese de Doutorado intitulada “Historia de Vida e alcoolismo: representações sociais sobre o alcoolismo” defendida em 27 de julho de 2010 no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC.

2 Professor Assistente da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal do Pará (UFPa). Doutorando do DINTER/UFPa/UFSC/CAPES. Mestre em Enfermagem pela EEAN/UFRJ. Membro do Grupo de Estudos de História do Conhecimento de Enfermagem e Saúde (GEHCES) e do Grupo de Pesquisa Educação, Políticas e Tecnologia em Enfermagem da Amazônia (EPOTENA). End. Av. 25 de setembro, 1965, Bairro do marco - CEP: 66093-005, Belém-PA. Fone (91) 3277-2638/(91) 8159-0148. E-mail: [email protected]/[email protected]

3 Doutora em Enfermagem. Professora Associada do Departamento de Enfermagem e da Pós- Graduação em Enfermagem da UFSC. Pesquisadora do CNPq. Santa Catarina, Brasil. E-mail: [email protected]

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A compreensão das representações sociais dos adolescentes sobre a questão das bebidas alcoólicas e, mais precisamente, sobre o alcoolismo favorece conhecer o entendimento que eles têm sobre esse objeto psicossocial no seu cotidiano, e por sua vez como elas influenciam suas práticas. Estas podem ser identificadas como uma atitude e um compor-tamento que o adolescente adotará quando estiver frente ao objeto aqui mencionado. A partir desta contextualização, destaca-se a necessidade de se desvelar o universo do alcoolismo centrando-se na história de vida dos adolescentes, para poder com-preender suas atitudes e comportamentos adotados frente à droga.

Objetivo

Esta pesquisa tem como objetivos: Descrever as representações sociais dos adolescentes sobre o alcoolismo a partir da sua história de vida e analisar as atitudes dos adolescentes diante da ingestão de bebidas alcoólicas.

Método

Este estudo é descritivo-exploratório, com abor-dagem qualitativa, e utiliza o método de história de vida para captar as representações sociais dos sujeitos do estudo acerca do tema. Este método configura-se como uma vertente da história oral, sendo um autêntico e eficiente instrumento de investigação quando o pesquisador atribui um as-pecto científico a seu estudo (Bertaux, 2005).

A história de vida consiste na narrativa contada pelo sujeito, servindo como ponte de interação entre o indivíduo e o meio social, tendo como sua principal característica a preocupação com o vínculo entre pesquisador e sujeito. Assim, ocorre uma produção de sentido tanto para o pesquisador quanto para o pesquisado. A abordagem qualitativa foi selecionada porque permite investigar o objeto de estudo por meio da apreensão do universo sub-jetivo de um determinado grupo de indivíduos. Esta modalidade de estudo tem como fundamento uma relação dinâmica, uma interdependência viva entre o indivíduo e o objeto, um vínculo indisso-ciável entre o mundo objetivo e a subjetividade do

sujeito (Chizzotti, 2003). Sendo assim, por meio da captação dos relatos da população estudada, sabe--se a realidade objetiva que a circunda. O método histórico possibilita a compreensão do universo do adolescente a partir de seu passado, com a construção de suas representações sociais sobre o alcoolismo, que serão primordiais para sua tomada de atitude frente à prática social de consumo de bebidas alcoólicas.

O campo de pesquisa foi o Projeto Tribos Urbanas, um programa da Prefeitura Municipal de Belém, criado há dois anos, com o objetivo de atender jovens e adolescentes que se envolvem com gangues. A iniciativa visa retirá-los das ruas e inse-ri-los em atividades socioeducativas. Os sujeitos do estudo foram 40 adolescentes de ambos os sexos, sendo 30 do sexo masculino e 10 do sexo feminino. Os critérios de inclusão foram: estar na faixa etária entre 12 e 20 anos; fazer parte do programa; e ter a permissão dos adolescentes e de seus responsáveis legais para a participação no estudo. O período da coleta de dados foi de março a julho de 2009.

A técnica de coleta das narrativas para produção de fontes orais foi a entrevista semiestruturada, técnica fundamental para captação de dados, pois a fala que emerge, a partir de sua realização, é re-veladora de categorias estruturais, de princípios, valores, normas e símbolos e ao mesmo tempo tem a magia de transmitir, por meio de um porta-voz, as representações de grupos determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas (Padilha, Guerreiro & Coelho, 2007). Nos trabalhos de representações sociais, é neces-sário trabalhar com um grupo social, pois somente nele é elaborado o conhecimento consensual. Por esse motivo, o quantitativo de sujeitos da pesquisa precisa ser representativo de um grupo.

Utilizou-se a técnica de saturação de dados, que diz respeito à repetição dos discursos como forma de delimitar a amostragem deste estudo (Minayo, 2007). A pesquisa foi orientada pela Portaria nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e aprova-da pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Pará, recebendo o protocolo 004/08 CEP-ICS/UFPA. Ao término das entrevistas, foi realizada a transcrição. Para trabalhar as informações, optou--se pela análise temática, que consiste na signifi-

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 187

cação que se desprende do texto, permitindo sua interpretação sob o enfoque da teoria que guia o estudo. Essa técnica de análise propicia conhecer uma realidade por meio das comunicações de in-divíduos que sejam vinculados a ela (Bardin, 2008).

Buscou-se desdobrar a análise temática em três etapas: a 1ª é a pré-análise, que consistiu na seleção e organização do material, quando realizamos a leitura flutuante e a constituição do corpus; a 2ª é a exploração do material; e a 3ª, o tratamento dos dados (Bardin, 2008). Ao final da análise, chegou-se à seguinte categoria temática: Atitudes e comportamentos em relação à ingestão de bebidas alcoólicas,que se desdobrou em duas subcategorias: O consumo do álcool em suas diversas formas e situações e Álcool: um caminho para outras drogas.

Resultados e Discussão

1. Atitudes e comportamentos em relação à ingestão de bebidas alcoólicas

A atitude é um mecanismo psicológico estuda-do, principalmente em seu desenrolar, em relação ao mundo social e em conjunção de valores sociais, ou seja, trata-se de uma posição específica que o indivíduo ocupa em uma ou várias dimensões pertinentes para avaliação de uma entidade so-cial determinada. Um tipo de medida de atitude refere-se à avaliação do comportamento. Este tipo de indicador possibilita superar a falta de sinceri-dade nas medidas de autodescrição, produzindo observações em meio natural, impossível por meio de medidas corporais. Desse modo, as técnicas comportamentais mais importantes neste domínio referem-se à observação de comportamentos reve-ladores de atitudes que passam despercebidas pelos sujeitos (Lima, 2006). Em outras palavras, a atitude é o pensar e o comportamento, sua concretização.

Esta categoria evidencia as atitudes e os compor-tamentos dos adolescentes frente ao uso do álcool e se desdobra em duas subcategorias: o consumo nas suas diversas formas e situações, na qual se observa que entre as bebidas alcoólicas mais consumidas pelos adolescentes está a cerveja, empregada em situações de lazer e diversão; e álcool: um caminho para outras drogas, em que foi possível notar que os efeitos de prazer produzidos pela alta ingestão

etílica propiciaram o acesso dos jovens ao uso de outras drogas psicoativas ilícitas, tais como: maco-nha, cocaína e tinner.

1.1 – O consumo do álcool em suas diversas formas e situações

O álcool presente em bebidas alcoólicas é o eta-nol, proveniente da fermentação de vegetais, frutas e grãos. No Brasil há uma diversidade de bebidas alcoólicas, entre elas a cerveja, esta, talvez, a mais utilizada nacionalmente. É também a de menor teor alcoólico, porém seu consumo está associado a grandes quantidades. Parte dos entrevistados relatou ingerir somente cerveja, quanto ao tipo de bebidas alcoólicas utilizadas, como observado nos relatos a seguir.

Eu tomo somente cerveja, eu tomo sempre quan-do eu saio para ir para festa todo final de semana. Eu bebo para não ficar de porre, um dia desse eu fui para uma festa e tinha um menino que pediu que secasse um copo, eu disse que não era tão alcoólatra assim para secar um copo. Na festa eu só bebo para brincar e me divertir, se divertir mesmo! Até porque tem gente que bebe para fazer confusão, pois sou eu não, eu fico quieta e não mexo com ninguém. E entro na festa meia-noite e saio por volta das três horas da madrugada, eu só tomo duas latinhas, assim eu não fico de porre. Depois que eu bebo a festa melhora. (E1)

O consumo de bebida alcoólica entre os adoles-centes entrevistados está associado, em sua maioria, à diversão, à alegria, mas também, para alguns, significa um modo de não pensar nos problemas. Identificou-se também que o fato da ingestão somente de cerveja, em relação às demais, infere no indivíduo não ser alcoolista, uma vez que na concepção dos entrevistados o indivíduo, para ser considerado “alcoólatra,” não consome somente uma singularidade de bebidas e, sim, um conjunto diversificado delas.

Cabe ressaltar que qualquer bebida alcoólica consumida inadequadamente pode acarretar de-pendência química e, consequentemente, sua toxi-cidade pode provocar sérios danos à saúde, com o surgimento e/ou agravamento de doenças e maior

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incidência de traumatismos e/ou ferimentos; pro-blemas psicológicos e psiquiátricos, que incluem agressi vidade, depressão, doenças de ansiedade e crises psicóticas relacionadas ao álcool; problemas sociais e interpessoais, os conflitos familiares rela-cionados à violência doméstica, resultados de uma variedade de efeitos físicos e /ou psicológicos trau-máticos, tanto a curto quanto a longo prazo entre os membros da família do consumidor irresponsável (Ministério da Saúde, 2004).

Outro ponto a se destacar diz respeito ao consu-mo de bebida alcoólica estar intimamente ligado a interações sociais. Em muitos momentos, o uso in-discriminado cresce devido à grande facilidade de acesso, em outros, este processo ocorre devido ao ambiente favorecer maiores condições de consumo, como é o caso das festas de “aparelhagens”, muito comuns no estado do Pará, onde o adolescente depara-se facilmente com a bebida. Esta possui importante significado na inserção dos grupos ali presentes. As ideias expostas a seguir afirmam tais colocações.

Eu bebo álcool, cerveja, vinho, às vezes cachaça, mas é mais vinho mesmo. Bebo mais em festa, eu vou uma ou duas vezes no mês, não direto, vou na festa de aparelhagem, a melhor é do Superpop. Já bebi em casa, na escola, já fiquei foi é muito porre na escola. Era aniversário de um colega meu, aí a gente comprou um vinho e uma cachaça e ficou bebendo lá, aí quando chegou ao final da festa estava todo mundo porre e todo mundo foi pra diretoria. A gente estava bebendo atrás do colégio, ele era muito grande e tinha uma mata lá e a gente foi beber lá. (E12)

Percebe-se que o repertório de bebidas alcoóli-cas consumidas pelos adolescentes está centrado na ingesta de cerveja, porém existe o uso de bebidas destiladas, como o uísque e a cachaça, que são in-geridas posteriormente ao uso da cerveja, devido ao seu teor alcoólico mais acentuado. É possível notar que os adolescentes ingerem álcool mais nos finais de semana, durante a realização de festas chamadas de “aparelhagens”, que consistem em caixas enormes de alto-falantes, distribuídas em um local fechado onde ocorrem festas regidas por sons

regionais, entre eles, o tecnobrega, modalidade de música típica do Pará.

Tomando como aporte os relatos, pode-se infe-rir que a interação social para os adolescentes im-plica no consumo de bebidas alcoólicas, visto que para a inserção do adolescente em um determinado grupo social é necessário, em dados momentos, a experimentação de novas sensações e, entre elas, a ingestão da bebida alcoólica. O simples participar de uma festa implicou no consumo de álcool por parte dos adolescentes, fato este identificado na maioria das ideias.

O adolescente, com seus modos específicos de se comportar, agir e sentir, só pode ser entendido a partir da relação que se estabelece entre ele e os adultos. Essa interação se institui de acordo com as condições objetivas da cultura na qual se insere. Condições históricas, políticas e culturais diferentes produzem transformações, não só na representação social do adolescente, mas também na sua interio-ridade.

O adolescente deve ser compreendido no contexto da sociedade na qual está inserido, pois indivíduo e sociedade são entrelaçados. Em muitos momentos, a relação indivíduo e sociedade apare-ce como interação entre elementos separados. Às vezes, o indivíduo é caracterizado como mera re-produção da sociedade e, em outras, independente dela, como se existisse um paralelismo entre eles. A subjetividade, porém, é construída na organização social e cultural na qual os indivíduos estão inse-ridos. Entretanto, nem sempre foi entendido dessa forma, pois o privado era percebido como subjeti-vo, no sentido de independente da sociedade. Os elementos básicos que constituem o psiquismo – os afetos, os desejos, as emoções e a vontade – eram vistos como independentes da sociedade e como inerentes ao eu (Salles, 2005).

A capacidade de interagir com as pessoas se relaciona com as habilidades sociais do indivíduo, que, por sua vez, facilitam o estabelecimento de relações mais próximas com as pessoas. Assim, a falta de habilidade social pode prejudicar a adapta-ção do indivíduo ao meio, trazendo consequências que transitam desde dificuldades em fazer amigos até o desenvolvimento de condutas antissociais e de risco. Os adolescentes que são socialmente aceitos

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por seus pares recebem reforço, melhorando, as-sim, sua adaptação, não apenas na área social, mas também na área pessoal e escolar. Percebe-se que a conduta sociável entre os adolescentes muitas vezes está centrada no consumo de bebidas alcoólicas com seus pares.

Nesta subcategoria, destacam-se o consumo de bebidas alcoólicas com predomínio da cerveja e como o adolescente não condiciona esse tipo de bebida como uma forma de ingesta diária. Observa--se, também, que o adolescente acredita que este tipo de bebida não propicia a dependência química, porém, como contém álcool, o consumo de cerveja pode ocasionar problemas quando feito de forma abusiva, inclusive a dependência química.

1.2 – Álcool: um caminho para outras drogasMesmo não sendo considerado pela maioria

da sociedade, o álcool é uma droga, apesar de seu consumo ser considerado legal em determinadas situações e proibido ou não-recomendado quando representa perigo para o consumidor e à ordem pública. Neste contexto, nota-se ainda que o álcool é a primeira droga com a qual crianças e adolescentes entram em contato e, dependendo das formas de consumo, pode abrir portas para as demais drogas. Isso pode ser confirmado pelos relatos a seguir.

Em casa não bebo porque a vovó não deixa, e na escola também eu bebia com os amigos. Eu tenho muitos amigos que consomem álcool no colégio. Às vezes a gente fumava uma maconha ou cocaína em pasta. Há pouco tempo que eu criei um pouco de vergonha na cara e já fiquei um pouco mais sem ir pra festas. Antigamente eu ia muito e era muita droga que rolava por lá, tipo pasta, pó. (E7)

De acordo com os depoimentos acima, cons-tatou-se algo já esperado, pois esta é a realidade de muitos países subdesenvolvidos. O fato é de que muitos jovens iniciaram o consumo de álcool, entre eles os mais citados, cerveja e vinho, e, após o contato com o etanol, utilizaram as drogas ilícitas, geralmente a cocaína nas apresentações em pasta e em pó. Além dos tipos de drogas citados, em muitos relatos os adolescentes mencionaram, também, a inalação do tíner, substância utilizada como sol-

vente de tinta e vernizes, geralmente encontrado em oficinas de automóveis, que, quando inalado, possui efeitos similares à cola de sapateiro, como letargia e alucinações.

Fato importante a ser ressaltado nas falas dos entrevistados foi que muitos mencionaram a uti-lização de outros tipos de drogas, porém referem ter parado com as drogas ilícitas, mas permane-ceram com as bebidas alcoólicas, sendo a cerveja e o vinho mais frequentes. Esta concepção reforça que no imaginário popular a bebida alcoólica não representa um tipo de droga, seja pelo seu caráter lícito ou por seu consumo histórico.

A adolescência é a faixa etária de maior vulne-rabilidade para experimentação e uso abusivo de substâncias psicoativas (SPA), tanto as lícitas – be-bidas alcoólicas e cigarros – como a associação com outras SPAs, consideradas ilícitas (Garcia & Costa Junior, 2008). A vulnerabilidade dos adolescentes (experimentação e uso precoces), em geral, está relacionada a diversos fatores, inerentes à juven-tude – onipotência, busca de novas experiências, ser aceito pelo grupo, independência, desafio da estrutura familiar e social, conflitos psicossociais e existenciais –, assim como aspectos relacionados à família – estrutura, apoio, presença de drogadição (Costa et al., 2007).

O uso das drogas é fonte de socialização e uma linguagem do adolescer, mas, quando acontece de forma abusiva, constitui-se num problema que pode repercutir em todo o processo posterior de vida do jovem. Embora a atenção do adolescente esteja voltada para fora do lar e centrada nos grupos de colegas e amigos, para compreendê-lo, torna--se necessário inseri-lo no contexto sociocultural integrado à cultura que fornece as bases para o seu desenvolvimento (Schenker, & Minayo, 2003).

Quando eu tinha 14 anos, uns amigos me oferece-ram maconha, eu não queria, mas eles insistiram até eu fumar, que foi o que aconteceu. Depois da maconha, eu consumi com os colegas a cocaína em pó e em pasta. (E34)

Os fatores de risco e proteção dos adolescentes, em relação a álcool e drogas, podem ser identifica-dos em todos os campos da vida: nos indivíduos

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em si, nas suas famílias, em seu grupo de amigos, na sua instituição escolar e nas comunidades. Tais fatores não se apresentam de forma isolada, ha-vendo entre eles considerável valor de influência social. Por esse motivo, afirma-se que o risco é maior em indivíduos que estão insatisfeitos com a qualidade de vida, apresentam saúde deficiente, não detêm informações minimamente adequadas sobre a questão de drogas, têm fácil acesso às subs-tâncias e integração comunitária deficiente (Ballani & Oliveira, 2007).

Nesta subcategoria, foi possível compreender como as bebidas alcoólicas são consumidas pelos adolescentes e como estas favorecem que o adoles-cente comece a consumir outros tipos de drogas, como a maconha, a cocaína e o tíner. É preciso elaborar diversas estratégias para prevenção do uso de álcool e outras drogas ilícitas.

Conclusão

O emprego do método de história de vida centrada na Teoria das Representações Sociais mostrou-se relevante para compreender o universo do consumo de bebidas alcoólicas por parte dos adolescentes, assim como a relação com estas no seu cotidiano.

Este estudo possibilitou compreender as atitu-des e os comportamentos dos adolescentes frente às bebidas alcoólicas, como elas são responsáveis pela socialização e como propiciam, no imaginário social, um prazer. Contudo, evidencia-se que o con-sumo de bebidas alcoólicas pode se tornar abusivo ou mesmo acarretar a dependência química.

Percebe-se que as bebidas alcoólicas são usadas pelos adolescentes de forma abusiva e que este uso ocasiona um prazer que o jovem busca intensificar com o uso de drogas mais pesadas, sendo que as que foram consumidas pelos depoentes do estudo foram a maconha, a cocaína e o tíner. Por isso, evidencia-se que as bebidas alcoólicas serviram como droga de acesso às drogas ilícitas.

O uso de álcool entre adolescentes é, naturalmente, um tema controverso na sociedade e no meio acadêmico brasileiro. Ao mesmo tempo em que a legislação define como proibida a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos, a

ingestão é uma prática comum entre os jovens, seja no ambiente domiciliar, em festividades ou mesmo em ambientes públicos. A sociedade como um todo adota atitudes paradoxais frente ao tema, por um lado condena o abuso de álcool pelos jovens, mas é tipicamente permissiva ao estímulo do consumo por meio da propaganda.

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE O TRABALHO DOCENTE: TRAJETÓRIAS DE FORMAÇÃO DE ESTUDANTES DE LICENCIATURAS E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL

Maria de Fátima Barbosa Abdalla1, Ângela Maria Martins2, Maria Angélica Rodrigues Martins1

estudantes sobre o trabalho docente e a constitui-ção de suas identidades profissionais, este texto se estrutura em três partes. Na primeira, delineamos alguns elementos para se compreender os conceitos de representações sociais e identidade social/pro-fissional. Em seguida, descrevemos os caminhos da pesquisa, explicitando as opções e os procedi-mentos metodológicos. E, por último, buscamos identificar alguns resultados, que, embora parciais, configuram espaços diferenciados de sentidos, que estruturam as representações sociais de estudantes da Licenciatura, imersos sob as diversas manifesta-ções do contexto, das condições de formação e da influência social como um todo.

Dos conceitos em relação: representaçãosocial e identidade social/profissionalTomamos, primeiro, o conceito de representação

social, compreendendo-o como “uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos” (Moscovici, 1978, p.26), e que é, alternativamente, “o sinal e a reprodução de um objeto socialmente valorizado” (p.27). Considera-mos, também, os dois processos fundamentais da representação social: a objetivação e a ancoragem. A objetivação “faz com que se torne real um esque-ma conceitual” (p.111). E a ancoragem se dá quan-do se reduz a “defasagem entre a massa de palavras que circulam e os objetos que os acompanham (tenta-se acoplar a palavra à coisa)” (p.112). Como afirma Moscovici (1978), “a objetivação transfere a ciência para o domínio do ser e a amarração (ou ancoragem) a delimita ao domínio do fazer, a fim de contornar o interdito de comunicação” (p. 174).

Introdução

Este texto pretende, fundamentando-se em Moscovici (1978, 1985, 2001), Doise (1985), Dubar (1997, 2003) e Bourdieu (1996, 1997, 1998a, 1998b), abordar o processo de formação e de construção identitária de estudantes de Licenciatura, com foco na análise de possíveis influências constituídas em suas trajetórias de formação. Discute-se, assim, a construção da identidade profissional nas trajetó-rias de formação de estudantes de Licenciaturas.

Partimos da noção de que a vida cotidiana – repleta de significação cultural -, é constituída por estruturas relevantes a grupos e comunidades no bojo das quais os sujeitos constroem suas trajetórias de vida e profissionais, pois é por meio do processo comunicativo (social) que os sujeitos revelam o que pensam ou dissimulam o que pensam, sentem e acreditam, conforme afirma Moscovici (2001). No sentido de ampliar o entendimento em torno dessas questões, recorremos a Doise (1985) e a Doise e Moscovici (1985), para estabelecer relações entre os diferentes grupos no interior dos cursos de licenciatura, analisando diversos processos de construção de identidade profissional.

Dubar (1997) contribui na medida em que se compreende a identidade como “produto de sucessivas socializações” (p. 13), e lançando mão também do pensamento de Bourdieu (1996, 1997, 1998a), entendemos que uma trajetória de for-mação é constituída em função de possibilidades transitórias. Nessa perspectiva, dentre outras, uma questão central se coloca: em que medida o con-texto e as condições de formação influenciam as representações sociais desses estudantes a respeito da profissão que escolheram e do trabalho docente, tendo em vista a trajetória de formação vivenciada e a constituição de suas identidades?

Para dar conta de desvendar quais elementos es-tariam influenciando as representações sociais dos

1 Universidade Católica de Santos/UNISANTOS2 Fundação Carlos Chagas/FCC

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Na (re)construção desses materiais que entram na composição de determinada representação, ou seja, o “mapa de relações”, que aqui está sendo proposto, segue um pouco o caminho de aborda-gem do objeto estudado, destacando as “figuras” a serem (re)apresentadas, delineando o “campo” e os “sentidos” que foram possíveis “consolidar”. Buscamos compreender, ainda, que estes “senti-dos”, constituídos por “universos de opinião”, diria Moscovici (1978), poderiam estar assumindo, tam-bém, as mesmas três dimensões descritas por ele: a atitude, a informação e o campo de representação ou a imagem.

A atitude constitui, segundo o autor, a dimen-são mais duradoura presente nas representações e apresenta-se como uma dimensão avaliativa prévia, ou seja, antecedendo as outras duas. A informação diz respeito aos conhecimentos do sujeito sobre o objeto representado, e é variável conforme os gru-pos sociais e os meios de acesso que se tem para alcançá-la. E o campo de representação ou imagem constitui a organização hierárquica dos elementos que compõem a representação social, e nele inte-gram-se as coordenadas sociais, o espaço e o tempo.

Procuramos, assim, colocar o foco no “grau de coerência” da informação, do campo de repre-sentação e da atitude, conforme afirma Moscovici (1978), levando também em consideração que “uma pessoa se informa e se representa alguma coisa unicamente depois de ter adotado uma po-sição, e em função da posição tomada” (p. 74). O que nos levou a considerar, assim, o pensamento de Bourdieu (1996), quando revela que “o sentido dos movimentos que levam os sujeitos de uma posição a outra (...) define-se na relação objetiva entre o sentido dessas posições no momento considerado, no interior de um espaço orientado” (p. 82).

Para a compreensão do conceito de identidade social/profissional, recorremos a Dubar (1997), quando afirma que existem dois processos identitá-rios heterogêneos: o processo biográfico (identidade para si) e o processo relacional, sistemático, comu-nicacional (identidade para outro). A identidade para si e a identidade para o outro são inseparáveis na construção da identidade social/profissional e coexistem de forma complexa, uma vez que depen-dem de transações objetivas e subjetivas. Marcada

pela dualidade, a identidade é, ao mesmo tempo, um processo biográfico (de continuidade ou de ruptura com o passado) e um processo relacional (a identidade reconhecida ou não reconhecida pelos outros).

Consideramos, ainda, importante compreender as representações sociais constituídas por meio das “lógicas de conformidade e/ou de confrontação” que desvendam, como afirma Abdalla (2008), este “caráter estruturante” das identidades sociais e/ou profissionais. E, nessa direção, utilizamos, também, a mesma definição de conformidade simulada, in-troduzida por Kelman (1961, citado por Paicheler & Moscovici, 1985), que diferencia três tipos de conformidade:

- A interiorização (grifos do autor) é a mais perma-nente e a mais enraizada das respostas à influência social. Assim mesmo é a forma de conformidade mais tenaz e sutil: o sujeito assume como seus o sis-tema de valores e os atos que adota até o ponto que já não está em posição de perceber que tem sido objeto de uma influência. Esta interiorização faz com que o sistema de valores ou o comportamento adotado sejam muitos resistentes à mudança(...).- A identificação (idem) já é um comportamento mais duvidoso porque se refere a sua perenidade. Trata-se da resposta à influência social de um indivíduo que deseja, prioritariamente, ser seme-lhante ao influenciador. O que se leva em conta não é o comportamento mesmo que resulta da influência, mas o que permite uma definição de si mesmo e que implica uma relação satisfatória com as pessoas com as quais o sujeito se identifica. Trata-se de adotar o comportamento, as atitudes e as opiniões daquelas pessoas que o sujeito gosta ou quer com elas parecer (...).- A conformidade simulada (idem) consiste em aceitar de forma pública um comportamento ou um sistema de valores sem aderir a eles de forma privada. Na aparência, os indivíduos ou os grupos se submetem a fim de evitar certos desagravos: avaliação, rechaço, repressão. Mas conservam suas crenças e estão dispostos a mudar seu comporta-mento desde o momento em que as circunstâncias já não os empolgam (Kelman, 1961, citado por Paicheler & Moscovici, 1985, p. 177-178).

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Verificamos, também, a amplitude do fenômeno de conformidade ou, como apontam Doise e Mos-covici (1985), os “efeitos de normalização”, a fim de compreender o “fenômeno de polarização” nas falas de nossos interlocutores. Importa saber aqui como e por que os estudantes de Licenciatura “aceitam” ou se acomodam à lógica da conformidade ou “resis-tem” a ela, (re)construindo, assim, suas identidades sociais e profissionais.

Do campo da pesquisaDestacamos, aqui, que o estudo desenvolvido

enquadra-se em um paradigma qualitativo de pesquisa, destacado por autores como Lüdcke e André (1986) e Bogdan e Biklen (1994), pois leva em consideração a experiência vivida pelos atores sociais, buscando a “criação de significado” que dão aos fenômenos sociais. Privilegiamos, assim, a percepção e a interpretação dos sujeitos que cons-tituíram a amostra deste estudo.

Com isso, pensamos relacionalmente, junto com Bourdieu (1998b), que não “é possível dispensar, neste caso menos que em qualquer outro, uma análise da relação entre a lógica da ciência e a lógica da prática” (p.111). E refletimos dimensionalmente, com Moscovici (1978), que “os pontos de vista dos indivíduos e grupos são encarados, tanto pelo seu caráter de comunicação quanto pelo seu caráter de expressão” (p.49).

Foi, então, a partir dessas questões que traçamos uma síntese esquemática do percurso metodo-lógico, que constou de duas etapas: a) um grupo focal – com dez estudantes das licenciaturas de uma universidade confessional e comunitária da baixada santista: (4) Letras; (2) Ciências Biológi-cas; (2) Matemática; (1) Filosofia; (1) História -, e outro com dez alunas da Pedagogia; e b) entrevistas semi-estruturadas com dez desses estudantes (um representante de cada curso e cinco estudantes da Pedagogia).

As entrevistas possibilitaram entrecruzar e aprofundar os diferentes pontos de vista, a partir do Grupo Focal. Tomamos, como pressuposto, que os depoimentos poderiam, conforme Moscovici (1985), desvendar “aqueles modos de pensamento que a vida cotidiana sustenta e que são historica-mente mantidos por mais ou menos longos perío-

dos” (p. 211).Dessa forma, o exercício de desfrag-mentação e de reconstituição das falas foi possível pelo uso do software de análise de conteúdo deno-minado ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d’un Ensemrl de Segments de Texte), programa computacional criado por M. Reinert (1993).

Optamos, também, por fazer a análise do conteúdo (Bardin, 2007) do material coletado. Desenvolvemos uma “leitura flutuante” (p. 90), estabelecendo a relação entre os referenciais teóri-cos e os dados coletados; e organizamos os dados, de forma a constituir o corpus deste trabalho. Sob todos esses ângulos, traduzidos no mapa de rela-ções que foi possível apresentar até o momento, e mediante este processo de “amarração”, ancoramos as representações dos estudantes da Licenciatura sobre o trabalho docente nas seguintes dimensões de análise: nas relações normativas e nas relações de pertença.

Das relações normativas às relações depertença: um campo de representaçõesA primeira dimensão – as relações normativas

– busca colocar em relevo alguns elementos que traduzem um pouco das tensões e intenções que estão no bojo das lógicas da conformidade e/ou resistência e seus efeitos de normalização e/ou polarização, conforme já anunciamos. Para alguns estudantes, existe, por exemplo, uma influência muito marcante da Instituição em sua formação, re-forçando o efeito de normalização na universidade, como destacamos nos registros a seguir:

Gosto da instituição, porque tudo o que aprendi foi aqui dentro. As aulas de laboratório, estágios, saídas de campo, documentários... (S 3 – Ciências Biológicas)No início foi muito difícil, pois vim transferido de outra Universidade. Após muito esforço, consegui adaptar-me ao novo regime e meu rendimento foi bem satisfatório e meu crescimento foi ótimo (S9 – Matemática)Por ser um curso que não está me agradando mui-to, penso que estou deixando um pouco a desejar no meu empenho (S 10 – Matemática)Sempre me relacionei muito bem com os meus professores e isto foi muito bom, pois sempre

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que tinha dúvidas em relação à disciplina ou ao meu trabalho como docente, procurava-os para receber orientações e em todas as vezes fui bem atendida (S 11 – Pedagogia)

Essas falas reforçam, de certa maneira, o “efeito de normalização” que a universidade imprime em seu corpo discente por meio de normas e regras de “rendimento”, de “relação com os professores”, da possibilidade de participação em inúmeras ativi-dades, do reconhecimento dos cursos; enfim das condições e do contexto de formação. Por exemplo, mesmo quando alguns alunos expressam que deter-minado curso não está “agradando muito”, colocam o problema do desempenho, em si mesmos, como é o caso do professor de Matemática.

Relembrando o que nos dizem Paicheler e Mos-covici (1985) em relação à aceitação e à resistência, percebemos que, nas “representações”, os estudantes “aceitam” as “normas” e/ou “regras” que estão no interior deste “jogo”. Se quiséssemos analisar essas falas sob a perspectiva da “atitude” dos sujeitos em questão, é preciso destacar os “tipos de conformi-dade” que assumem frente à instituição, revisitando conforme Kelman (citado por Paicheler & Mosco-vici, 1985), os três tipos de conformidade: a interio-rização, a identificação e a conformidade simulada.

Há, nas falas, a proximidade com a “interioriza-ção”, na medida em que os estudantes se sujeitam aos sistemas de valores da instituição e se confor-mam a eles, a tal ponto, que não percebem que são objetos dessa influência. Há, também, certa “identi-ficação” de alguns com as pretensões da instituição em questão. O que reforça um “processo relacional (identidade para outro)” (Dubar, 1997).

A segunda dimensão – as relações de pertença – procura traduzir o tipo de formação, de saberes e a imagem profissional que os estudantes identifi-cam quando revelam suas representações sociais a respeito do trabalho docente e da constituição da identidade profissional. Aqui, é o processo biográ-fico (identidade para si) que se reafirma.

Nessa direção destacamos dois aspectos en-fatizados pelos estudantes em formação, quando anunciam algumas “relações de pertença”: 1º a im-portância (ou não) do tipo de formação que tiveram durante a trajetória na Universidade, que os fizeram

escolher a profissão e/ou continuar nela; e 2º os saberes da profissão que puderam adquirir e que possibilitaram compreender o sentido do trabalho docente, impregnando uma relação mais intensa de pertencimento (ou não) a este status profissional.

Em relação ao tipo de formação (1º aspecto), entendemos, junto com Dubar (2003), que a “for-mação é essencial na construção das identidades profissionais porque facilita a incorporação de saberes que estruturam, simultaneamente, a relação com o trabalho e a carreira profissional” (p. 51). Esse “tipo de formação” também é uma dimensão muito significativa, pois remete ao “sentido do trabalho vivido” (Dubar, 2003, p. 47), na medida em que evidencia não só a formação que está sen-do concretizada, mas também o caráter reflexivo que se tem face à realidade sócio-profissional e ao trabalho docente. Então, vejamos o que dizem os estudantes a respeito do tipo de formação que tiveram durante suas trajetórias na Universidade:

Foi uma transição frustrante e erótica. Contudo, quero dizer que frustrante pelo dia-a-dia e alguns professores, e erótica pelo exercício de pensar e re-fletir as coisas e o sentido da vida. (S 1 – Filosofia)As aulas poderiam ser mais dinâmicas, os profes-sores mais atualizados (S3 – Ciências Biológicas)Além de ser um curso que alcança as minhas ex-pectativas, há outro fator, que agrega certo peso ao curso: é uma faculdade (Letras), que dá ao aluno além de conhecimento pedagógico, grande cultura geral (S 7-Letras)Eu sempre gostei do curso, participando das aulas e me esforçando para aprender (S 12 – Pedagogia)

Podemos depreender que os sujeitos da pesquisa apresentam apreciações diferentes em relação ao tipo de formação que tiveram, apresentando alguns “efeitos de “polarização”, tal como apontam Doise e Moscovici (1985, p. 265-270), e/ou mascarando uma resistência privada, dentro de uma “confor-midade simulada” (Paicheler & Moscovici, 1985, p. 177-178). Como é o caso, por exemplo, da estu-dante de Filosofia, quando diz que sua trajetória na Universidade foi “frustrante e erótica”.

Outro aspecto identificado como “relação de pertença” diz respeito ao tipo de saberes (2º aspecto)

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que receberam durante a trajetória de formação. Eis aqui o que os estudantes falam a respeito do tipo de saberes que adquiriram durante sua trajetória de formação e quais os que mais privilegiaram, relacionando-os como necessários à profissão e para efetivar o trabalho docente:

Considero muito importante as experiências vivas de ensino para que possa aproveitá-las no cotidiano da escola (S6- Letras)Penso que o curso me deu muito conhecimento básico, ou seja, conteúdo específico de História. Mas faltou um pouco de articulação com a práti-ca. (S5 – História)Aprendi muito com o curso de Matemática, mas sinto falta de exercícios mais práticos, em que eu possa trabalhar com meus alunos. Fico às vezes muito perdida, mas terei que dar conta da reali-dade. (S9- Matemática)(...) Ou seja, temos que dar valor aos saberes peda-gógicos e da experiência, mas não nos esquecer-mos dos saberes específicos dos conhecimentos que pretendemos trabalhar. Penso que foi este o caminho de formação que tive na Universidade (S13 – Pedagogia)

Como pudemos apreender das falas acima, a prática e/ou o saber relativo à prática representa um potencial reestruturador para o campo da formação acadêmica e profissional. Mas o que significa esse saber para o estudante das Licencia-turas? Tal como Tardif, Lessard e Lahaye (1991) afirmam, esse tipo de saber que o estudante pri-vilegia em sua formação pode ser chamando de saberes de formação profissional, pois se referem aos elementos da prática docente e que, trans-formados em objeto científico, produzem uma prática cultivada e não espontânea. Para nós, os saberes pedagógicos, conforme o depoimento desses alunos, se traduzem, também, nos saberes da formação profissional, assim como os saberes científicos e os experienciais. Entretanto, o que apreendemos das falas coletadas é que, para os estudantes, os saberes da experiência são muito mais valorizados, na medida em que são eles que alicerçam os demais e dão sentido, segundo eles, ao trabalho docente.

As falas sobre o tipo de formação e os tipos de saberes que os estudantes revelam ter tido em suas trajetórias de formação apresentam indica-dores de uma imagem profissional, de relações de pertença a um grupo social e profissional. No-tamos certo consenso nos elementos apontados anteriormente: a questão que envolve os tipos de saberes, o tipo de formação e como lidam com o contexto de formação e de produção docente. Esses aspectos orientam, para os sujeitos de pes-quisa, o sentido/significado de sua constituição identitária, ao mesmo tempo em que configuram uma imagem profissional – o habitus. No entendi-mento de Bourdieu (1997), esse habitus seria “um corpo socializado, um corpo estruturado, um cor-po que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação nesse mundo” (p. 144).

Considerações finais

O resultado mais importante dessa re-construção de abstrações em realidades é que elas se tornam separadas da subjetividade do grupo, das vicissi-tudes de suas interações e, consequentemente, do tempo, e adquirem, portanto, permanência e esta-bilidade. Isoladas do fluxo de comunicações que a produziu, elas se tornam tão independentes delas como uma construção se torna independente do plano do arquiteto ou dos andaimes empregados em uma construção (Moscovici, 2003, p. 90).

Concluímos este texto, traçando um esboço dos aspectos que consideramos mais essenciais na análise realizada, dando a eles certa “estabilidade” e “permanência”. Esses aspectos têm a ver, também, com a análise dimensional, conforme Moscovici (1978), e/ou com a relacional, como nos ensina Bourdieu (1998b). No entrecruzamento dessas aná-lises, as categorias aqui propostas constituem um “espaço de possibilidades”, que buscamos organizar.

Diante dessa possível “estruturação”, apreende-mos, primeiro, os aspectos expressivos e cognitivos das representações sociais dos estudantes sobre sua formação e a constituição da identidade pro-fissional. Segundo, analisamos o modo como as

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informações, o campo de representações/imagens e as atitudes desses estudantes são revelados, ao definirem sua identidade social/profissional, assim como as lógicas de “conformidade” e de “resistên-cia”, norteando efeitos de “normalização” e/ou de “polarização”, que dão suporte ao que denomina-mos como habitus profissional. Nessa direção, foi possível distinguir, pelo menos, duas dimensões de análise:

1ª as relações normativas – identificando fatores informacionais e institucionais, que, aqui, pode-riam ser traduzidos como as condições de formação e do contexto de formação e/ou produção docente, que influenciam este grupo de estudantes na ela-boração de representações sociais que denotam um “processo relacional (identidade para outro)” (Dubar, 1997). Nesse caso, analisamos as relações de força deste campo de produção, no dizer de Bourdieu (1997), e/ou as informações e o campo de representação e/ou imagens que constroem um espaço figurativo articulado, gerando, como vimos, “efeitos de normalização”, segundo Doise e Mosco-vici (1985), e conduzindo a tomadas de posições mais “objetivas”; e

2º as relações de pertença – que gestam, como afirma Dubar (1997), um processo biográfico (identidade para si). Destacamos, assim, como elementos-chave dessa dimensão: 1º o tipo de formação que os estudantes vivenciaram, acen-tuando o modo como esta formação influenciou ou influencia as diferentes maneiras de ser e estar na profissão (Abdalla, 2006); e 2º o tipo de saberes que consideraram como os mais essenciais para se efetivar o trabalho docente.

Ou seja, enquanto a primeira dimensão enfa-tiza as informações e o campo de representações; a segunda coloca o acento na tomada de posição do sujeito e “nas disposições constitutivas de seus habitus (relativamente autônomos em relação à posição)”, como afirma Bourdieu (1997, p. 64).

De qualquer modo, foi possível ainda compre-ender, neste estudo, o que Bourdieu (1998b) dizia quando se referiu aos trabalhos científicos, que “são parecidos com uma música que fosse feita não para ser mais ou menos passivamente escutada, ou mesmo executada, mas sim para fornecer princípios de composição” (p.63). Talvez, esteja aí, a pretensão

deste trabalho: apreender as representações sociais/profissionais dos estudantes sobre o trabalho do-cente e a constituição de sua identidade profissional não só para desvendá-las, configurando-as em um “mapa de relações”, tal como buscamos fazer, mas para compreender o quanto elas produzem o próprio contexto de formação e de ação destes estudantes (e de seus professores). E, se entender-mos, aqui, que “produzir” o contexto de trabalho é “criar” condições para agir e superar os desafios que nele existem, esperamos que este estudo possa contribuir para o repensar de nossa prática docente, oferecendo, como nos diz Bourdieu (1998b), alguns destes “princípios de composição”.

Referências

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2198

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REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: UM ESTUDO SOBRE A RELAÇÃO SAÚDE, DOENÇA E AMBIENTE1

Dalila Castelliano de Vasconcelos2

Angela Elizabeth Lapa Coêlho2

natureza, é que se torna possível aplicar ao processo de adoecimento os métodos das ciências naturais.

Stroebe e Stroebe (1995) afirmam que, durante muito tempo, o modelo biomédico foi o que dominou na compreensão da saúde e da doença. Em tal modelo os fatores comportamentais não são considerados como causas potenciais do adoecimento, pois considera que toda doença tem uma causa objetiva, primária e identificável. Assim, os aspectos psicossociais da saúde e da doença não são considerados, o que implica em uma limitada contribuição para a prevenção das doenças, uma vez que o estilo de vida das pessoas não é considerado como um fator que influencia esse processo.

A dificuldade no campo da epistemologia para definir saúde é antiga, e tal dificuldade pode estar relacionada à influência da indústria farmacêutica e de certa cultura da doença que define a saúde como a ausência de doença. Segundo Pessini e Barchi-fontaine (2002): “Os seres humanos tomam cons-ciência da saúde por meio da doença. Daí a saúde foi definida de modo negativo, como a ausência de enfermidade, silêncio dos órgãos, etc” (p.112). Para Medeiros, Bernardes e Guareschi (2005), a saúde não deve ser entendida como um objeto estático, mas como algo que está em constante movimento e, como tal, produz outros movimentos.

Ao se situar o processo saúde e doença em uma dimensão psicossocial, esses processos se apresen-tam com um campo de estudo e atuação da Psico-logia para contribuir na melhoria das condições de saúde e bem estar da população.

Para Spink (2003), a Psicologia da Saúde preten-de superar uma perspectiva intraindividual e adotar um enfoque que compreenda a saúde e a doença de

A escassez de estudos na área de Psicologia que articulem as temáticas saúde, doença e ambiente fomentou o desenvolvimento desta pesquisa, que faz parte de uma dissertação de mestrado, que bus-ca analisar como moradores da cidade de Campo Grande/MS compreendem a relação entre proces-so saúde-doença e ambiente. Essa população vivia à margem de um córrego onde suas habitações corriam risco de desmoronamento, e foi removida, por meio de projeto habitacional, para uma área urbana com infra-estrutura. Esse grupo foi esco-lhido por ter mudado de ambiente, o que poderia interferir na compreensão de como ambientes diferentes interferem na saúde. Aqui, portanto, reuniram-se algumas breves contribuições teóricas da Psicologia da Saúde, Psicologia Ambiental e da Teoria das Representações Sociais.

Considerações sobre a Articulação da Psicologia com a Saúde e o Ambiente

Pessini e Barchifontaine (2002) afirmam que a formacomo as pessoas definem o que é saúde e doença foi mudando ao longo da história e destacam três momentos históricos distintos na compreensão desses conceitos. O primeiro momento é o da cultura primitiva, que compreende o estado de saúde como “graça”, e o de doença, como “desgraça”, entendimento que estava relacionado à noção de pecado. O segundo momento, o da cultura antiga, corresponde à compreensão da saúdecomo “ordem”, e da doença, como “desordem”, que estão respectivamente embasadas em uma cultura grega que interpreta a realidade em termos de “natural” e “antinatural”. A partir do entendimento de que a desordem também é natural, é que, na cultura moderna, a saúde passa a ser entendida como “felicidade”, e a doença, como “infelicidade”. Embasado no entendimento de que a natureza não é sinônimo de ordem, já que desordem faz parte da

1 Esta pesquisa foi desenvolvida com o apoio de Bolsa de Mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

2 Universidade Católica Dom Bosco - UCDB

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forma globalizante, dinâmica e comoumprocesso-histórico, que apresenta múltiplas causas. Como as pessoas não vivenciam o processo saúde-doença em um vazio espacial, e também considerando que o ambiente pode interferir nas condições de saúde da população e nas formas de cuidado com a própria saúde, é que se torna interessante comentar sobre o ambiente.

De acordo com Gunther (2008), é recente o entendimento que a Psicologia tem de que o ambiente físico interfere na vida das pessoas. A Psicologia nem sempre teve a preocupação em estudar a pessoa em seu contexto. O modelo predominante na Psicologia do Desenvolvimento do século XX foi a genética, que desconsiderava as variáveis relacionadas ao ambiente. Segundo o autor, entre 1920 e 1960, o ambiente foi incorporado na Psicologia a partir do Behaviorismo e da Teoria da Aprendizagem Social. No período entre 1960 e 1980, iniciou-se um processo que visava compreender a constante interação entre fatores internos ou naturais com os fatores externos e culturais. Paralelamente a esse processo, a Psicologia do Desenvolvimento, que se restringia aos estudos da infância, passou a considerar que o desenvolvimento ocorre durante toda a vida das pessoas e envolve ganhos e perdas, estabilidade e mudança. Foram tais considerações que possibilitaram o entendimento de que o desenvolvimento das pessoas interfere na sua relação com o ambiente.

Teoria das representações sociais

De acordo com Jodelet (2001), as pessoas criam representações para se ajustarem ao mundo. A partir da necessidade de se manter informada sobre o que acontece a sua volta, a pessoa necessita dominá-lo física ou intelectualmente, para poder lidar com os sucessivos acontecimentos da sua vida.

As Representações Sociais (RS) relacionam-se com pensamentos ideológicos e culturais, com conhecimentos científicos, condição social das pessoas e suas experiências particulares e afetivas. Além disso, as RS possuem diversos elementos, como crenças, valores, atitudes, imagens, normas, etc., que são organizados sob a aparência de um saber dirigido para o estado de realidade (Jodelet,

2001). Não existe interação humana sem RS, pois, se não as considerar nessas relações, o que irá restar são apenas trocas vazias, em que se apresentam ações e reações. As RS, presentes no cotidiano das pessoas, controlam e dão sentido às informações recebidas e aos significados a elas atribuídos (Moscovici, 2003).

O processo saúde-doença se constitui como objeto privilegiado no estudo das representações sociais por serem passíveis de metáforas. A doença é o objeto de estudo da Medicina, porém ela é um fenômeno que a ultrapassa. Por ser um fenômeno que interfere, às vezes, de forma irremediável na vida individual, na inserção social e, em um aspecto mais amplo, no equilíbrio coletivo, a doença se con-figura como um elemento presente no discurso e emana interpretação contínua e complexa de toda a sociedade. Nesse contexto, estão presentes as visões do biológico e do social (Herzlich, 2005).

As RS de saúde, mesmo em períodos curtos e em sociedades industriais, tendem a apresentar estabi-lidade. Isso possibilita que se encontrem resultados semelhantes em grupos sociais diferentes, mas que compartilham o mesmo momento histórico e cul-tural. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, a saúde é considerada um bem simbólico inques-tionável, e seu valor positivo é almejado por dife-rentes classes sociais, etnias e gerações (Noronha, Barreto, Silva & Souza, 1995). Cromack, Bursztyn e Tura (2009) comentam que a saúde se torna cada vez mais um objeto de estudo de interesse das RS. Muitos estudos apresentam como objeto de estudo a representação social da saúde (Cromack et al., 2009; Teixeira, Schulze & Camargo, 2002).

Teixeira et al. (2002) estudaram a representação social da saúde na terceira idade. Para isso, foram entrevistados quatro grupos de pessoas: 40 idosos saudáveis; 40 idosos doentes; 40 trabalhadores de um centro de saúde municipal e um grupo de 20 cuidadores de idosos. Duas categorias de resposta se destacaram entre os idosos. A primeira refere-se ao entendimento do idoso saudável como sendo devido a fatores psicológicos, comentados por ido-sos que, no momento da pesquisa, estavam doentes; infere-se que se trata de expectativas relacionadas a necessidades próprias desses idosos. Tal representa-ção sobre a saúde indica que ela não é definida pela ausência de doença física, pelo menos em termos

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de conhecimento desse grupo. A segunda categoria de respostas, bem menos compartilhada entre eles, foi a do idoso saudável de acordo com sua autono-mia, desenvolvendo-se na sociedade como deseja. Nessa pesquisa o que se destaca é a necessidade de escutar não apenas pessoas doentes, mas também saudáveis, e escutar o idoso que, apesar de não ter o conhecimento científico sobre a saúde, é capaz de reconhecer quando está doente e quais as formas de se manter saudável (Teixeira et al. 2002).

Já Silva, Gomes e Santos (2005) destacam a necessidade de estudo das RS da natureza, pois essa teoria possibilita a identificação de conhecimentos e práticas sociais que permeiam a relação humano-natureza. De acordo com os autores, é intrínseco ao estudo das RS o caráter relacional da pessoa com tal objeto.

Miranda, Schall e Modena (2007) realizaram uma pesquisa com o objetivo de conhecer as re-presentações sociais dos idosos acerca da temática ambiental. Foram entrevistados 20 idosos de dois grupos da terceira idade, residentes na região me-tropolitana de Minas Gerais. Os dados foram ana-lisados a partir da perspectiva da análise de conte-údo. Os idosos concordaram sobre o estado atual de degradação da natureza, e que isso é provocado pelo ser humano que criou um modelo de desen-volvimento e um contexto ao qual ele próprio não pertence. Porém, o discurso entre os dois grupos foi diferente. Os participantes revelaram, em suas falas, uma associação entre a degradação ambiental e saúde, o que ocorre devido a um entendimento mais amplo do que é saúde, pois a relaciona com o ambiente físico e social (Miranda et al. 2007).

Para Souza e Zioni (2003), a degradação am-biental com seus consequentes agravos para a saúde da população foi influenciada pelos acon-tecimentos do século XIX, marcado pela elevada concentração de populações em áreas restritas e por um padrão de desenvolvimento urbano ado-tado, que desencadeou a institucionalização de algumas práticas de apropriação de espaço e dos recursos naturais.

Assim, ao situar o processo saúde-doença em um contexto social e, ao compreender que a forma de se relacionar com o ambiente interfere na saúde, gera-se o interesse de pesquisar como as pessoas

percebem a relação entre saúde e ambiente. A partir disso, considera-se importante pesquisar sobre as representações sociais de saúde e doença para um grupo de moradores da cidade de Campo Grande.

Método

A pesquisa foi realizada no Centro de Referência e Apoio Social (CRAS) e na residência dos partici-pantes, localizados no bairro Jardim Aeroporto, na cidade de Campo Grande/MS.

O instrumento utilizado foi uma entrevista com roteiro estruturado, construído pelas pesquisadoras e composto por questões sobre dados sociodemo-gráficos, mudança de local de moradia e processo saúde-doença. Para o registro das entrevistas foi utilizado um gravador. A pesquisa foi realizada em conformidade com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, de acordo com o que é preconizado para pesquisas com seres humanos, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco e protocolado sob o n° 055/2008B. No presente artigo, serão dis-cutidos alguns aspectos relativos à vivência desses moradores em seu antigo local de moradia.

Participaram da pesquisa todas as pessoas que frequentam o grupo de idosos do Centro de Referência e Apoio Social (CRAS) e que eram moradores beneficiados pelo projeto “Mudando para Melhor Imbirussu-Serradinho”, desenvolvido pela Unidade Executora Municipal, coordenada pela Empresa Municipal de Habitação (EMHA). Inicialmente, essa população morava de forma irregular em áreas em torno dos córregos Imbi-russu e Serradinho, estava exposta aos problemas ocasionados pelas enchentes dos córregos e, por meio do Projeto, foram transferidas para a área urbana da região.

Resultados e Discussão

Participaram da pesquisa 19 moradores, sendo 16 mulheres e três homens, com idades que variaram entre 49 e 85 anos, com média de idade de 63 anos. A maioria dos participantes vivia à beira do córrego há 20 anos e tinha baixo grau de escolaridade ou nunca havia estudado. Quanto à

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ocupação, a maioria afirmou realizar atividades domésticas (11 participantes), quatro não respon-deram, três afirmaram que já trabalharam e que atualmente recebem aposentadoria, e uma trabalha de diarista.

A saúde foi considerada como um bem muito valorizado pelos participantes e estava relacionada com a possibilidade de realizar certas atividades como correr, pular corda, trabalhar e poder passe-ar. Essa representação social da saúde por idosos vai ao encontro dos resultados encontrados por Teixeira et al. (2002), que, ao entrevistar idosos, cuidadores e profissionais da saúde, encontraram, como elementos estáveis da representação social do idoso saudável, sua autonomia e independência.

A representação social de saúde para os partici-pantes também incluía os seguintes elementos: ser saudável; bem-estar; bem que Deus deu para todos; viver em paz com todos e consigo; dormir e comer bem e poder ter acesso a serviço de saúde.

O que é saúde pra mim? Ah! Saúde pra mim é viver bem. É a gente viver bem, com paz com todo mundo. E, eu acho assim (P9 – F, 65 anos).

Tais descrições de saúde estão relacionadas à vivência do antigo local de moradia onde, por causa do temor das enchentes, os moradores não podiam usufruir de um sono tranquilo e ter fácil acesso aos serviços de saúde.

Scliar (2002) comenta sobre uma parte da defi-nição de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), que descreve que ela não se refere apenas à ausência de enfermidade, afirmando que se refere, provavelmente, a um entendimento anterior da população a respeito do que é saúde. Porém, tal compreensão ainda está presente atualmente nos relatos da população que participou da presente pesquisa.

A representação social de saúde para os par-ticipantes também foi a ausência de sintomas no âmbito geral ou em um âmbito mais específico, como não sentir certos sintomas como dores e “abafamentos”.

Pra mim que é num senti nada, né não? [sic] (P14 – F, 58 anos)

Coelho e Filho (2002) comentam sobre a influ-ência da indústria farmacêutica e de certa cultura da doença na definição de saúde como a ausência de doença. Tais influências não estão presentes apenas no campo epistemológico, mas também no cotidiano das pessoas.

É porque eu tava, tô tratando de câncer né? Então, graças a Deus eu sarei. Sarei assim, porque acho que já não tenho mais aquele pobrema sério sabe? Mas tô tratando ainda, entende? E, oia, é isso aí, minha felicidade é essa, sabe? [sic] (P15 - F, 57 anos)

Esse é um exemplo de dificuldade de se conside-rar a saúde como a ausência de sintoma, pois nesse caso não fica claro se a participante realmente se curou do câncer ou se ela está apenas em uma fase assintomática. Essa dificuldade está relacionada ao entendimento da saúde como ausência de doença o que, de acordo com Júnior, Souza e Brochier (2004), indica uma compreensão imediatista da saúde, que pode dificultar que a população adote comporta-mentos preventivos.

O estar doente foi relacionado a sentir uma dor, à impossibilidade física, que limita a capacidade de trabalhar e participar das atividades e até mesmo ficar sem se mover. Muitos, por não se encontrarem nesse estado, naquele momento, afirmavam que não tinham doenças.

Pra mim num tem doença nenhuma. Eu não, num sinto nada né? Num tem doença nenhuma [sic] (P12 – F, 62 anos).

Considerando a doença dentro dessa mesma lógica de explicá-la a partir do que vivenciam atual-mente é que outros participantes definiram doença como sendo a presença de patologias específicas ou sintomas como pressão alta, pneumonia, dor de cabeça, diabetes, não conseguir dormir, cansaço, indisposição, problemas relacionados às vivências particulares de cada um. Isso gera, segundo os par-ticipantes, uma falta de perspectiva futura.

A doença é um órgão muito ruim que a pessoa perde tudo. Todo o futuro da vida. Né? [sic] (P7 – M, 67 anos)

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Esse entendimento sobre a doença se assemelha à descrição do modelo biomédico, que, segundo Matta e Camargo Jr (2007), limita o processo saúde/doença a descrições anátomo-fisiológicas, descrevendo tal processo a partir das Ciências Biológicas, que destacam os aspectos anátomo-patológicos e microbiológicos.

Diferentes aspectos psicológicos foram citados pelos participantes como parte do processo de adoecimento, tais como ficar nervoso; se magoar com ofensas ditas por outras pessoas; em estado de nervos; atribulações do cotidiano; ter desgos-tos; não participar de atividades como o grupo de idosos; etc. Além disso, tais aspectos também foram lembrados como forma de se proteger con-tra possíveis doenças como: a capacidade de não se entregar a uma doença, não se acomodar, etc.

Porque a doença, a pessoa doente não tem gosto para nada né? Assim. Agora quando a pessoa tem saúde, cê anda, cê brinca. Eu tenho pobrema, mas não me entrego dizendo sou doente. Eu tenho pobrema, todo mundo tem né? Mas se a gente for se entregar fica pior. A gente tem que fazer de tudo para se sentir bem, é o que eu tô fazendo [sic] (P2 – F, 75 anos).

Essas falas se assemelham às de outros idosos que participaram da pesquisa de Teixeira et al. (2002), os quais estudaram a representação social da saúde na terceira idade. A categoria de respostas que mais se destacou entre os idosos refere-se ao entendimento do idoso saudável como sendo devido a fatores psicológicos, comentados por idosos que, no momento daquela pesquisa, estavam doentes. Os autores inferem que se trata de expectativas relacionadas a necessidades próprias desses idosos, pois tais conteúdos representacionais podem estar refletindo a necessidade de estarem em equilíbrio emocional consigo mesmo, independentemente da doença que tenham. Na presente pesquisa, os idosos não estavam necessariamente doentes e referiam-se a essas mesmas necessidades, o que revela a importância do equilíbrio emocional para o bem-estar dos idosos. Como afirmam Teixeira et al. (2002), essa representação da saúde indica que os idosos das duas pesquisas não definem saúde apenas pela ausência de doença física.

De acordo com o entendimento do processo

saúde-doença dos idosos, existe uma relação entre mente e corpo, porém não são consideradas as rela-ções sociais, políticas, etc. inseridas nesse contexto.

Paralelamente a essa situação, muitas vezes os comentários vinham carregados de um sentimento de falta de controle sobre o processo de adoecer, que aparece em comentários que afirmam “quando vêm, vêm”. Esse entendimento da doença com o algo que ocorre ao acaso pode dificultar o envolvi-mento da pessoa no cuidado com sua saúde, assim como limitar o processo de reivindicações por melhores condições de vida que favoreçam a saúde.

A maioria dos participantes, ao serem ques-tionados sobre o que mais valorizavam na vida, respondeu a saúde, e em seguida a casa foi o ele-mento mais citado. E quando questionados sobre o que poderiam valorizar tanto quanto aquilo que já haviam respondido, aqueles participantes que responderam primeiramente a casa responderam a saúde e aqueles que haviam respondido a saúde responderam a casa. Algumas variações ocorreram, tanto na primeira, quanto na segunda pergunta, aparecendo também: paz, cuidar dos netos, ajudar aos outros, etc. Apesar de as temáticas saúde e ha-bitação serem de grande importância para o grupo, os participantes não fazem relação entre ambas.

Mesmo considerando a saúde e a casa como os valores mais importantes da vida, a dimensão física e emocional da casa não parece ser consi-derada pelos participantes como um fator que interfere na saúde das pessoas. Isso pode estar relacionado ao entendimento de que o ambiente não interfere na saúde.

Os participantes, ao responderem à pergunta “Como você acha que o ambiente interfere na saú-de?”, comentaram tanto de aspectos físicos quanto sociais do ambiente. Palavras como limpeza, baru-lho, poluição, esgoto, fossa, postopolicial, sujeira, mosquito da dengue, poeira, que representam aspectos mais físicos do ambiente, foram citadas junto a aspectos sociais, tais como pessoas que expressam amor, paz, violência e vizinhos.

Entretanto, nessa questão, o ambiente também foi considerado como um fator que não interfere na saúde.

Não. O ambiente num, o ambiente num tem cur-pa, de eu, da minha saúde, as vez é, o problema da minha saúde é eu mesmo que tem que, que tem

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2204

que caprichar, e cuidar né? Que cada um tem que cuidar de sua saúde né? [sic] (P7 – M, 67 anos)

Essa noção está relacionada à RS do processo saúde-doença como algo estático, que provém de causas biológicas internas, desconsiderando-se a importância do ambiente nesse processo. Esse entendimento revela uma dissociação entre o local de moradia e a saúde como se fossem dois fatores distintos e limita o entendimento de que o processo migratório vivenciado pelo grupo interfere na sua condição de saúde. Pode-se inferir que, se o local de moradia, a migração e a saúde fossem conside-rados como interdependentes pelos moradores, o grupo poderia aderir mais facilmente ao projeto de remanejamento, já que o que mais valorizam na vida é a saúde.

Considerações finais

Identificar as representações sociais de saúde e doença da população pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias de prevenção de doenças e promoção da saúde que busquem esta-belecer parcerias entre sociedade civil e política. Trabalhar com a temática saúde, doença e ambien-te pode contribuir para a otimização de futuros projetos que envolvam o processo de migração de populações (remanejamentos, acampamentos e assentamentos), visto que pode indicar maneiras de maximizar a adesão da população a esses proje-tos. Dessa forma, considera-se que compreender a relação entre o ambiente e a saúde com migrantes facilitará o processo de criação de estratégias de prevenção de doenças e promoção à saúde articu-ladas à conscientização ambiental.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 205

RESSIGNIFICAÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE ATIVIDADE DOCENTE POR UMA PROFESSORA DO ENSINO BÁSICO

Camila Motta Carreiro1

Monica Rabello de Castro1

que possibilite construir um código de classificação das partes do seu mundo, da sua história individual e coletiva (Nóbrega, 2001).

As RS são construídas na relação entre sujeitos e objeto, sendo sempre representação de algo e de alguém. O reconhecimento do dinamismo existente nesta relação possibilita que as RS deem conta das interações significativas oriundas desta relação e consequentemente da compreensão dos significados atribuídos pelo sujeito a sua atividade (Alves-Mazzotti, 1994; Jodelet, 1990, Madeira, 2001).

As RS correspondem ao conhecimento espontâ-neo, ao “pensamento natural”, ao saber do senso co-mum e entendem que estes saberes produzidos pela massa, possuem legitimidade, estrutura e natureza próprias (Nóbrega, 2001). Serve de referência para o grupo e o indivíduo, que a partir deste sistema de referência concebe os objetos sociais e os res-significa (Carreiro, 2011), sendo a ressignificação o processo de construção dos sentidos atribuídos aos objetos a partir da partilha e da negociação de significados (Leal, 2008).

Este entendimento alinha-se a nossa compre-ensão de saberes docente, uma vez que os consi-deramos como um produto social engendrado na interação com diversas fontes sociais como: a vida pessoal, a sociedade, a instituição escolar, a forma-ção etc. O saber docente é algo compartilhado por um grupo (os professores), que o legitima e orienta sua definição e utilização; que possui um objeto social e que possui uma relação indissociável com o trabalho (Tardif, 2008).

Esses aspectos vão ao encontro das teorias adota-das nesta pesquisa, a teoria das RS articulada à Aná-lise Argumentativa, e a Psicologia Sócio-histórica articulada à análise ergonômica do trabalho, uma vez que ambas consideram o homem como um

Introdução

O campo de discussão sobre o trabalho docente se solidificou no meio educacional, há cerca de 30 anos, impulsionado pela associação da imagem do professor como aquele que, ao formar as gerações do século XXI, permitiria o enfrentamento dos desafios do futuro e dos recursos necessários ao desenvolvimento econômico. Apesar do reconhe-cimento da importância dos professores para a melhoria da qualidade do ensino e do consequente progresso social e cultural, caiu sobre eles a respon-sabilidade do evidente fracasso escolar, fazendo com que fossem vistos com desconfiança em de-corrência de uma formação considerada medíocre e deficiente (Nóvoa, 1999).

As falhas na formação docente foram evidencia-das em pesquisas que apontam a atividade docente como produto da intuição do professor e de uma abordagem de ensino feita por tentativas e erro, não fundamentada em teorias de ensino. Estes estudos constataram que no exercício da docência há uma dissociação entre teoria e prática. Alves (2006) em pesquisa realizada com professoras da educação infantil observou que em seus discursos elasvalorizavam a formação e o aperfeiçoamen-to, mas atribuíam como cerne do seu trabalho o amor às crianças. Alves-Mazzotti et al. (2009) encontraram resultados similares ao investigarem as representações sociais (RS) de trabalho docente por professores dos anos iniciais, ou seja, o pen-samento compartilhado, construído e legitimado pelo grupo dos professores sobre o seu trabalho. Este grupo apontou como essência da função do professor, a dedicação, a afetividade, o sentimento de maternidade e o dom.

Estudos fundamentados na teoria das RS permi-tem apreender os sistemas de crenças e valores que os indivíduos utilizam para se orientarem no meio social e material, estabelecendo uma comunicação 1 UNESA

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2206

ser “histórico e socialmente construído, constituí-do nas e constituinte das relações sociais.” (Davis, Aguiar & Alves-Mazzotti, 2010, p.10). Essas teorias privilegiam o espaço de atuação e de interação do professor, a sala de aula e a escola, pois são nesses espaços que emergem as situações que exigem dos professores tomadas de decisão e que vão pôr em conflito os significados e sentidos atribuídos a sua prática, aos seus saberes e ao seu trabalho. É na escola e, principalmente, na sala de aula que poderemos observar a atividade do professor que prevaleceu sobre as demais, resultante do conflito que se estabeleceu entre elas.

Objetivo

O objetivo deste trabalho foi analisar o proces-so de ressignificação de uma professora dos anos iniciais para as Representações Sociais de saberes docentes e de atividade docente, elaboradas por seus colegas do ensino fundamental, focalizando aspectos do real da atividade. Ou seja, tudo aquilo que foi feito, o que poderia ter sido feito, o que se tentou fazer, o que se queria ter feito, o que ainda se pretende fazer e especialmente, o que se faz para não se fazer o que deve ser feito.

Metodologia

De acordo com a proposta da análise ergonô-mica do trabalho, o sujeito observado durante suas atividades deve ter a chance de se observar e explicar as razões pela qual teve determinado tipo de comportamento (Lima, citado porMurta, 2008), sendo assim utilizamos a imagem como principal recurso metodológico da pesquisa.

Antes das filmagens foi realizada uma entrevista semiestruturada, que subsidiou a construção das ferramentas argumentativas utilizadas nas autocon-frontações. Técnica em que o sujeito se observa e interage com a imagem e o pesquisador, autocon-frontação simples, e com a imagem, o pesquisador e o professor-colaborador, autoconfrontação cruzada.

As filmagens foram realizadas em três dias intei-ros de trabalho da professora-sujeito, (equivalente a uma semana de aula), dos quais foram editados três episódios para serem submetidos à técnica de au-

toconfrontação simples,em que num primeiro mo-mento a professora-sujeito pode abordar qualquer aspecto da sua atividade e depois respondeu um roteiro de perguntas comum a todos os episódios. Além disso, o pesquisador fez intervenções, base-ados na observação dos detalhes da atividade real, em trechos específicos dos episódios considerados como motivadores de reflexão. Após a realização da autoconfrontação simples, dois dos três episódios foram selecionados pela professora-colaboradora, para realização da autoconfrontação cruzada. Os resultados apresentados aqui são frutos da análise da entrevista e das autoconfrontações.

Como técnica de análise dos dados, utilizamos o Modelo da Estratégia Argumentativa (MEA) que consiste em um trabalho de reconstrução de argu-mentos. Este se baseia na teoria da argumentação e busca compreender como a intenção do falante determina suas escolhas (Castro et al., 2010). O MEA prevê o desenvolvimento de um esquema que apresente os argumentos utilizados pelo orador por meio de enunciados simples que o sintetizem. Destacando-se dois processos de montagem desses esquemas: um produzido pelos sujeitos da pesquisa e outro pela interpretação da fala dos entrevistados, já que não é possível dizer o que outro disse apenas reproduzindo o que foi dito. No MEA, destacam-se as teses, as premissas que as sustentam e a maneira que cada premissa se vincula às teses. Sendo o resul-tado efetivado somente após um trabalho complexo de idas e vindas ao material analisado.

A tarefa da estratégia argumentativa é o de reorganizar os argumentos, destacando a tese, des-crevendo resumidamente através de um esquema o argumento utilizado, relacionando-o a outros, classificando-o, explicando a sua existência e posi-ção na composição de um discurso coerente (Castro et al., 2010).

Resultados

A pesquisa foi desenvolvida no município de Mesquita, região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, numa escola da rede municipal de ensi-no. A professora-sujeito, Ester, era regente de uma turma, com 15 alunos entre 9 e 13 anos, pertencente ao programa de correção de fluxo do município,

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denominado GEEMPA2. Este era oferecido em parceria com o Ministério de Educação e Cultura.

Durante a entrevista, Ester disse ter se inte-ressado em trabalhar no GEEMPA, por se tratar de uma proposta metodológica de alfabetização nova, diferente. Para conhecer essa nova metodo-logia, pós-construtivista, adotada pelo projeto, ela participou de uma série de assessorias realizadas pelos coordenadores do programa. Apesar disso, admitiu não entender muito bem a proposta do GEEMPA e nem mesmo o construtivismo. Isto fez com que Ester defendesse a tese central: o trabalho é realizado de acordo com o que é estabelecido pela metodologia nova. Por não possuir respostas às indagações feitas durante as autoconfrontações dos três episódios, Ester utiliza o compromisso em seguir a metodologia como principal justificativa para suas ações durante a sua atividade docente.

No primeiro episódio, denominado Separando Cartas, somente quatro alunos da turma estavam presentes. A princípio a atividade desenvolvida por Ester deveria ter sido realizada pelos grupos da turma, no entanto, pela baixa frequência neste dia e pela coincidência de cada aluno ser de um grupo diferente, fez com que Ester decidisse mantê-los sozinhos para realizarem a atividade. O objetivo da atividade era separar no baralho pedagógico de cartas de letras, o alfabeto das letras do tipo bastão maiúscula, para saber se não estava faltando nenhuma deste tipo, para que posteriormente fosse realizado um jogo.

O segundo episódio, História do Dinomir e aula entrevista, originou-se de uma aula em que um dos textos do livro do Dinomir foi lido pela primeira vez.Simultaneamente a leitura do texto, Ester re-alizava a aula-entrevista3 com dois alunos. Dos 11 alunos presentes neste dia, poucos acompanhavam a leitura, cerca de 3 ou 4. Ester parece não perceber ou não se incomodar com esta situação, mesmo que tentasse interagir com a turma. No fim da leitura, foi distribuída uma folhinha de atividades referente ao texto, exceto para os que estavam na aula-entrevista. Ester diz que para os alunos que eles deveriam pedir ajuda uns aos outros, dentro do seu grupo, para fazerem os exercícios da folhinha, no entanto eles fazem sozinhos.

O terceiro episódio – Brincadeiras – como o

próprio nome já diz, reúne várias brincadeiras realizadas ao longo dos três dias de filmagens. Bus-cando focar os objetivos, as regras, os conflitos e o funcionamento de cada uma delas.

A tese, O trabalho é realizado de acordo com o que é estabelecido pela metodologia nova, foi sus-tentada por uma dissociação de noções, presente nos três episódios descritos anteriormente, na qual se atribuí sentido negativo ao termo I, neste caso, metodologia velha (que está associado a metodolo-gia tradicional), enquanto o termo II, metodologia nova, possui valor positivo, somente por se opor ao termo I, sendo associada ao construtivismo (Alves--Mazzotti; Mazzotti, 2010). Esta positividade leva Ester a justificar suas atitudes somente pelo fato de seguir a metodologia nova, que pelo fato de não ser tradicional seria melhor.

Ester evoca a metáfora do “bolo assando”, que é bastante corriqueira no meio educacional e compõe o núcleo figurativo de RS da atividade pedagógica no discurso dos professores (Castro et al., 2010). Esta metáfora consolida o slogan4 educacional “al-fabetizar não tem receita”, utilizado pelos docentes e também por Ester e que está relacionado ao ter-mo II, metodologia nova. Desta forma o que teria receita estaria atrelado ao termo I, metodologia velha. A questão para Ester é que a metodologia pós-construtivista proposta pelo GEEMPA é con-siderada uma metodologia nova e sendo assim não poderia “ter receita”, atributos da metodologia velha. Ao contrário disto, a proposta do GEEMPA prevê uma série de procedimentos e estabelecidos, que os professores do projeto devem seguir. Esta “confu-são” leva Ester a evocar uma segunda metáfora: “as minhas concepções de ensino são concretas”. O que segundo ela mesma seria necessário para aceitar o

2 Grupo de estudos sobre educação, metodologia de pesquisa e ação (GEEMPA)

3 A aula-entrevista é uma aula realizada de tempos em tempos, que visa identificar e acompanhar o nível de desenvolvimento o aluno está. As primeiras aulas-entrevistas ocorreram antes do inicio das aulas, de maneira individual, só com a professora e o aluno, em horários pré-agendados. Após o início das aulas, a orientação durante as assessorias, foi de que as aulas-entrevistas acontecessem simultaneamente às aulas do projeto, diferenciando-se as atividades.

4 Reboul (citado por Mazzotti, 2009) chamou de retórica abreviada ou sumária, os slogans, as palavras impactantes e os clichês. Este tipo de retórica é utilizada quando a intenção é organizar a ação de um número extenso de pessoas. A evocação de um slogan, não subtende a sua explicação, uma vez que cada indivíduo tem a compreensão do seu significado.

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novo proposto. Ou seja, ela precisaria desconstruir a noção de que alfabetizar “não tem receita”, para admitir que uma metodologia possa ser nova e boa, “tendo receita”. Somente destruindo as suas

concepções antigas seria possível entender o novo que estava sendo posto para ela e assim agir com segurança e clareza das suas ações. Oesquema da figura 1 ilustra a tese central do discurso da Ester.

Figura 1 – Esquema argumentativo de Ester

Fonte: Carreiro (2011)

Neste esquema são destacadas a dissociação de noções existente no discurso de Ester, as metáforas evocadas por ela e os elementos que colocam em oposição os termos I e II. A utilização da metáfora do bolo sendo assado se relaciona à dissociação de noções e é o centro da contradição imposta por ela própria na sua atividade real. Este dilema é tão re-presentativo, que em certo momento, Ester atribui o seu desejo de juntar os alunos, num único grupo, como fruto de sua intuição, e não de um possível conhecimento ou saber adquirido ao longo da sua vida. Ela questiona o seu próprio saber, ao optar em seguir a proposta do GEEMPA, pois tem certeza de que isto é novo e que o novo é o bom, e não deve ser questionado.

A tese central foi sustentada por outras quatro teses, a saber: o trabalho foi individual porque seguiu o que foi estabelecido; o professor não pode dar a res-posta porque senão o aluno não constrói o conheci-mento; qualquer interação aluno-aluno é melhor que aluno-professor; interação entre alunos não acontece

naturalmente. Em comum, estas teses se apoiam na dissociação de noções apresentada, em que tudo o que é relacionado ao Termo I, “metodologia velha”, é negado e considerado como algo prejudicial à educação, enquanto tudo o que está relacionado ao Termo II, “metodologia nova” é valorizado, e por isso seguido mesmo que não se entenda o que está fazendo. Por não compreender a metodologia nova, Ester utiliza argumentos quase-lógicos e que fun-dam o real na tentativa de naturalizar as suas ações e convencer o seu auditório, de que as suas decisões, durante a sua atividade real, foram acertadas.

O fato de a metodologia ser considerada efi-ciente e fundamentada em uma teoria que Ester não domina o conteúdo justifica a maior parte do que faz, embora ela se mostre insegura por não saber explicar porque faz do jeito que faz. Para ela, a metodologia funciona como um escudo para sua argumentação: toda vez que não tem justificativa para sua atividade, ela meramente evoca a metodo-logia, acreditando ser suficiente. Nos momentos de

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controvérsia, quando questionada, ela não julgou necessário buscar outros argumentos para sustentar suas ações, além da metodologia.

Na pesquisa-piloto desenvolvida pela equipe do Programa de Cooperação Acadêmica (PROCAD5) da Universidade Estácio de Sá, que este estudo tam-bém integra, identificou os termos compromisso e planejamento como núcleo central das RS de ativi-dade docente, elaboradas pelo grupo de professores dos anos iniciais do ensino básico e como elemen-tos periféricos criatividade, leitura e avaliação.

A presença dos termos planejamento e com-promisso no centro da RS de atividade docente atribui seriedade à atividade do professor, levando ao entendimento de que a atividade é algo que de-pende de uma postura menos livre, em que tudo se passa como se o importante fosse fazer o que deve ser feito. O que está prescrito, a tarefa, é defendi-da, mesmo que não faça sentido para o próprio professor. No entanto, a prática dos professores deve responder aos frequentes conflitos a que são submetidos e isso requer criatividade.

A rigidez imposta pela própria professora, para seguir o estabelecido pela metodologia, observada nos diálogos analisados, vão ao encontro das RS de atividade docente do grupo. Ou seja, seguir o plane-jado, mesmo que em determinados momentos não se concorde com ele, demonstra que Ester compar-tilha das mesmas Representações que o seu grupo.

A dificuldade demonstrada pela Ester era ter o “jogo de cintura” para agir em determinadas situ-ações que ocorriam durante a sua atividade real. Para Ester quase sempre é tudo ou nada. Isto se dava, principalmente por não conhecer a metodo-logia e não conseguir enxergar em que momentos a mudança de conduta poderia ser positiva e em que momentos não. Para Ester não era permitido criar porque o novo é estabelecido e rígido, tão rígido que ela tem que quebrar aquilo que ela traz para concretar o novo. O esquema a seguir mostra a relação das teses defendidas pela Ester com as RS de atividade docente elaboradas pelo seu grupo e ratificadas por ela própria, explicitando a homoge-neidade desta.

5 Edital nº 01/2007.

Figura 2 – Representações Sociais de atividade docente x Teses

Fonte: Carreiro (2011)

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Neste esquema podemos perceber que os ele-mentos do NC são compartilhados por Ester que coloca a questão do compromisso e planejamento como intocáveis. Os periféricos aparecem também. No entanto, a questão da criatividade é problemáti-ca para ela, pois sair do estabelecido é incompatível ao planejamento e ao compromisso.

Considerações finais

Ester considera ser normal que algo que deva ser desenvolvido não seja efetivamente feito, pois existem concepções antigas dela, que devem ser “quebradas”, e que ela não pode resolver de ime-diato. Para Ester o fato de seguir a metodologia a isentaria desta culpa, já que não poderia estar erra-da, por tentar seguir o proposto. Ao se deparar com um conflito decorrente da sua atividade, se apoia na metodologia e segue fielmente o que foi estabeleci-do, mesmo que este estabelecido necessite de ajustes para se atingir o objetivo proposto inicialmente.

Há um processo de supervalorização de todos os aspectos atrelados à metodologia do GEEMPA, e consequente desvalorização de todo o restante. Agindo desta maneira, as decisões tomadas na sua prática ratificam as RS de atividade docente elabo-radas pelos professores dos anos iniciais do ensino básico, já que estas atribuem à atividade docente um caráter rígido por conta da presença dos termos compromisso e planejamento no núcleo central.

Para Ester o prescrito é o que importa e que deve ser seguido. Ele é o seu “porto-seguro”, sen-do assim, uma vez que esteja diante de conflitos comuns à atividade docente, ela mantém-se firme e continua com o previsto. Quando ela age dessa maneira e ainda assim a atividade não sai confor-me o esperado, ela atribui a responsabilidade pelo insucesso aos aspectos já citados anteriormente. A inflexibilidade das ações de Ester diante do que é posto para ela durante a sua prática, relaciona-se ao desconforto causado pela sua insegurança, fruto do desconhecimento da metodologia.

A utilização da técnica de autoconfrontação foi fundamental para desvelarmos os impedimentos e conflitos vivenciados por Ester durante sua prática. Ela nos permitiu ver como Ester adaptou o prescri-to, recorreu ao gênero e imprimiu seu estilo. Desta

forma, acreditamos que a utilização da autoconfron-tação na área da educação permite que o professor reflita sobre sua própria atividade, acessando o real da atividade, ajudando-o a largar estratégias de en-sino não funcionais, modificar outras e sustentar as que tiveram o efeito desejado (Perez, 2011).

Esta pesquisa pode ajudar a (re)pensar a for-mação do profissional de ensino, principalmente a continuada, a desenvolver uma abordagem que através de uma reflexão integre o trabalho docente, os saberes da prática e a teoria. Sem que cada um de-les seja supervalorizado em detrimento dos demais.

Devemos ressaltar também a validade das RS nos processos de formação de professores, pois elas revelam atitudes e ideias veladas, possibilitam co-locá-las em debate, permitindo reestruturar novas posturas (Lima, 2009). As RS permitem identificar o papel de conjuntos organizados de significações sociais que afetam o processo educativo e oferecer novos caminhos para a compreensão dos mecanis-mos pelos quais os fatores sociais influenciam os resultados (Gilly citado porAlves-Mazzotti, 2005).

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2212

SOBRE A MEMÓRIA SOCIAL DOS ANOS DOURADOS: FUTEBOL E COPA DO MUNDO

Renata Vetere1, Celso Pereira de Sá1, Rafael Pecly Wolter1, Felipe Jardim da Silva1

psicossocial, tais comemorações, pela repercussão midiática que ensejam, funcionam como importan-tes fatores sociais contemporâneos na “atualização da memória social” (Sá & Vala, 2000).

As memórias do Governo de Juscelino Ku-bitschek e da construção de Brasília, do Fusca, da Bossa Nova e dos Concursos de Miss Brasil dos anos 50 serão focalizadas em outros relatos. Neste trabalho, após a explicitação da fundamentação teórica e do método utilizado na pesquisa, são apresentados e discutidos os resultados relativos à Copa do Mundo de 58.

Objetivos

O objetivo da pesquisa consistiu em analisar, em termos psicossociais e sob uma ótica comparativa, a memória histórica dos Anos Dourados como construída por diferentes gerações de habitantes da cidade do Rio de Janeiro. No presente recorte, o foco das memórias pesquisadas foi relativo à Copa do Mundo de 58.

Fundamentação teórica

A fundamentação conceitual e teórica que in-formou a elaboração do projeto de pesquisa, bem como, consequentemente, a interpretação dos seus resultados, consistiu no sistema de análise psicos-social da memória proposto por Sá (2005, 2007a, 2007b, 2008, no prelo 1, no prelo 2), cujas origens e principais proposições são a seguir apresentadas.

Como resultado da seleção, exploração e arti-culação de contribuições teórico-conceituais de diferentes origens disciplinares, com ênfase nas perspectivas pioneiras de Halbwachs, (1925/1994 e

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Introdução

O presente trabalho faz parte de um projeto mais abrangente sobre a memória social dos fatos históricos mais importantes da década de 1950 no Brasil. A rigor, o auspicioso clima político, econô-mico e cultural que se seguiu à Segunda Guerra Mundial caracterizou, segundo Hobsbawm (2004), os anos 50 em boa parte do mundo, os quais, por isso mesmo, puderam ser retrospectivamente sintetizados sob o rótulo de “Anos Dourados”. No Brasil, este período apresentou um caráter intei-ramente diverso tanto daquele que o antecedeu, a Era Vargas, quanto daquele que o seguiu, o Regime Militar, em termos de normalidade democrática e, guarda uma relevância intrínseca, pelo interregno que representou de confiança e otimismo genera-lizado quanto ao futuro do país por parte dos seus cidadãos.

Os Anos Dourados brasileiros presenciaram a realização de projetos ousados, como o desen-volvimento da indústria automobilística, do qual emergiu como símbolo a fabricação do Fusca, e a construção da nova capital, Brasília, no governo de Juscelino Kubitschek. Em termos culturais, foi também nesse período que surgiu a Bossa Nova na música popular brasileira e, recuperando o or-gulho nacional ferido em 1950, o Brasil se tornou pela primeira vez, em 1958, campeão mundial de futebol. Foi ainda uma época de culto à beleza e ao “glamour”, dentre cujas manifestações mais populares estavam os concursos de Miss Brasil e Miss Universo.

Esta pesquisa sobre os Anos Dourados incidiu sobre todas as dimensões acima listadas e, tendo sido conduzida durante os anos de 2008 e 2009, beneficiou-se das iniciativas de comemoração dos cinquentenários da inauguração de Brasília, do advento da Bossa Nova, da conquista da primeira Copa do Mundo, e assim por diante. Na perspectiva

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 213

1950/1997), e de Bartlett, (1932/1995), estabelece-ram-se três orientações para a caracterização do do-mínio de estudos psicossociais da memória: (1) uso da “memória social” como “termo guarda-chuva”, para designar o inteiro conjunto dos fenômenos psicossociais da memória; (2) definição de cinco princípios unificadores do campo da memória social, da forma como se acredita que o psicólogo social deva vê-lo; (3) mapeamento do campo nas sete diferentesinstâncias da memória com as quais se acredita que o psicólogo social deva lidar.

Quanto à primeira orientação, considerou-se que, se um domínio de fenômenos ou de estu-dos existe, ele deve ser identificado por alguma designação genérica e abrangente. Tal escolha recaiu sobre o termo“memória social”, porque ele já vem recebendo essa preferência na literatura sobre a memória em sociedade, por uma questão de economia verbal ou quando não parece preciso explicitar as circunstâncias específicas de produção e mobilização do fenômeno. Assim, ao se falar em memória social, se está falando de diversas coisas, não muito diferentes entre si, mas, até certo ponto, distinguíveis.

Em termos da segunda orientação, foram sele-cionados, a partir de variadas fontes, cinco princí-pios que parecem capazes de unificar o campo de estudo psicossocial da memória, os quais podem ser descritos da seguinte forma: (1) a memória tem um caráter socialmente construtivo, não sendo uma mera reprodução das experiências individuais passadas; (2) são as pessoas que se lembram e se esquecem, embora o conteúdo e a forma do que se lembram e se esquecem seja determinado pela sociedade, pela cultura e, em especial, pela lingua-gem; (3) a construção da memória não se produz senão através da interação e da comunicação so-ciais; (4) lembranças e pensamentos estão sempre e intrinsecamente associados nos fenômenos de memória social; (5) motivação, afeto e sentimento desempenham um papel importante na construção da memória social.

Não se trata de proposições novas, pois todas elas se encontram presentes, de uma forma ou de outra, nas obras de Halbwachs (1994, 1997) e de Bartlett (1995), assim como nas de diversos auto-res contemporâneos, como Bosi (1979), Namer

(1987, 2000), Le Goff (1988), Fentress e Wickham (1992), Nora (1992), Jodelet (1992), Connerton (1993), Ricoeur (1998) e Jedlowski (2000, 2001). O que importa é que elas dão conta de importantes aspectos próprios a uma perspectiva psicossocial: os primeiros dois princípios se complementam numa rejeição simultânea do psicologismo e do sociologismo; o terceiro confere à interação social, variável privilegiada na psicologia social, um poder explicativo máximo na construção da memória; o quarto e o quinto sustentam que, à diferença das distinções frequentemente estabelecidas na psicologia, há, não só entre os processos cogniti-vos do pensamento e da memória, mas também entre estes e os processos afetivos, uma estreita interdependência na produção dos fenômenos psicossociais na vida cotidiana.

A terceira orientação consistiu num mape-amento conceitual das “memórias da memória social” (Sá, 2005). Tomando-se denominações clás-sicas e outras emergentes – e mantendo, alterando ou adaptando os seus sentidos originais –, foram descritas inicialmente três principais instâncias es-pecíficas da memória social, a saber: as “memórias pessoais”, que têm como referência básica o passa-do da própria pessoa que se lembra; as “memórias comuns”, que são o conjunto das lembranças de muitas pessoas, não necessariamente reunidas, acerca de eventos que elas tenham, de uma forma ou outra – através da mídia, por exemplo –, pre-senciado em comum; as “memórias coletivas”, que resultam da elaboração cognitiva do significado e das características descritivas de eventos ou de épocas passadas pelos membros de um dado grupo social. Embora as memórias pessoais e as memó-rias comuns possam se transformar em memórias coletivas, estas três instâncias constituem catego-rias mutuamente excludentes e correspondem à matéria prima da construção das demais classes de fenômenos psicossociais da memória.

Incorporaram-se em seguida ao mapa três outras instâncias, que não cumprem os requisitos estritos de uma taxonomia, mas consubstanciam campos relevantes de estudo da memória. Trata--se das “memórias históricas”, que têm por objeto fatos, processos ou períodos históricos, ou ainda a própria história, em duas modalidades, a saber:

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as “memórias históricas documentais”, que mo-bilizam alguma forma de registro deixado pelo passado; e as “memórias históricas orais”, que se valem apenas de recursos internos, como a fala interativa e a rememoração privada; às quais se acrescentam as “memórias públicas”, que envolvem a exploração do passado histórico nas discussões políticas contemporâneas que caracterizam a “es-fera pública”. Impuseram-se ainda à consideração, sem se incluírem em nenhum dos blocos acima, aquelas designadas como “memórias práticas”, que correspondem às experiências passadas que não se encontram inscritas em documentos ou em práticas narrativas, mas estão sim incorporadas às próprias pessoas, manifestando-se nas disciplinas corporais, nas performances ou nos rituais.

Acolheu-se ainda no sistema algumas contri-buições do âmbito da psicologia cognitiva que, embora não reivindiquem o rótulo de psicologia social, são de fato psicossociais, pelas implicações do método observacional, ecológico, naturalístico que utilizam (Neisser, 1996). Nesse sentido, explorou-se a perspectiva da pesquisa ex-post-facto pela qual se tem evidenciado a existência de um período etário crítico de melhor retenção de fatos históricos presenciados (Conway, 1995; Pennebaker & Basanick, 1998). Em continuidade à exploração da hipótese da “idade crítica”, passou-se a dar atenção à consideração das diferentes memórias geracionais que se fazem presentes na memória histórica de uma dada população (Sá, no prelo 1).

Concluindo, no que se refere à pesquisa dos Anos Dourados, as memórias históricas que se procurou identificar e descrever são entendidas como constituídas pelas memórias coletivas (ela-boradas no âmbito de grupos sociais), pelas memó-rias comuns (devidas ao testemunho dos mesmos fatos e informações por um número de pessoas, sem elaboração grupal posterior) e pelas memó-rias pessoais (referidas ao passado de cada um) construídas pelos membros de diferentes coortes geracionais, a partir das vivências próprias a cada coorte e com apoio documental (livros, manuais escolares, jornais, filmes, televisão, etc) diversifi-cado em função dos níveis de escolaridade e das orientações políticas.

Método

Os participantes da pesquisa foram 450 mora-dores das diferentes zonas urbanas do Rio de Ja-neiro, distribuídos igualmente entre “idosos” (faixa etária de 65 a 80 anos), que viveram a década de 50 quando eram jovens, “adultos” (40 a 55 anos), que nasceram ao final dos anos 50, mas deles podem ter recebido “ecos” no ambiente familiar, e “jovens” (15 a 30 anos), que só conhecem os fatos dos Anos Dourados pela educação formal e pela mídia. As três amostras foram subdivididas igualmente entre os sexos e entre os níveis de escolaridade funda-mental, médio e superior.

Os dados foram coletados através da aplicação assistida de um questionário padronizado, com 42 perguntas, das quais 3 se referiam ao aspecto dos Anos Dourados focalizados neste artigo: a Copa do Mundo.

A análise dos dados consistiu, após a catego-rização das respostas às perguntas abertas, num tratamento estatístico descritivo de distribuição de frequências, envolvendo a comparação entre os três conjuntos etários e, em cada um deles, entre os subconjuntos de diferentes níveis de escolaridade e orientações políticas.

Resultados e Discussão

Os resultados apresentados e discutidos a se-guir contemplam as memórias manifestadas pelas distintas coortes geracionais em relação a Copa do Mundo. Por carência de espaço, não são abordadas as comparações entre os níveis de escolaridade e as orientações políticas, as quais, de resto, no que se refere a estes aspectos, mostraram-se pouco significativas.

A memória da copa do mundoNos anos 50, foram realizadas três Copas do

Mundo, em 1950, 1954 e 1958. A copa de 1950 foi a primeira em solo brasileiro. Havia uma grande expectativa de que o Brasil conquistasse, finalmen-te, seu primeiro campeonato. A seleção estava bem, vencendo a maioria dos adversários com ampla vantagem, mas, na final contra o Uruguai, mesmo jogando pelo empate, deixou escapar o título. Para decepção de mais de 200 mil torcedores que lota-

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ram o Maracanã, a seleção uruguaia venceu o Brasil por 2 a 1. Já na copa de 1954, o Brasil teve uma campanha apagada e não passou das quartas de final, quando foi derrotado pela Hungria por 4 a 2.

O Brasil compareceu à copa de 1958 como o único país a estar presente em todos os mundiais disputados até então, mas ainda sem ter conquista-do nenhum. Nesse campeonato, o mundo conheceu dois gênios do futebol e uma seleção imbatível. Com Garrincha, o “anjo de pernas tortas”, conforme o definiu Vinícius de Moraes, e Pelé, considerado o maior jogador de futebol de todos os tempos, a seleção brasileira derrotou os anfitriões suecos por 5 a 2 e conquistou seu primeiro título de campeão da Copa do Mundo de Futebol. Duas perguntas do questionário buscavam identificar os jogadores daquela seleção que conquistaram maior preemi-nência na construção da memória do futebol de 50 anos atrás.

Nas respostas à essas questões, constata-se que os seis jogadores mais lembrados pelos sujeitos, representando um total de 84,3% das respostas, correspondem àqueles que fizeram parte da seleção de 58, dentre os quais estão Pelé (36,2%), Garrincha (29,1%), Didi (7,1%) e Zagallo (4,7%). Mas foram ainda citados jogadores das copas de 62 e 70, oca-siões nas quais o Brasil também foi campeão, e que, por isso mesmo, também se tornaram muito queridos do público aficionado pelo futebol. Vale ainda ressaltar que os idolatrados Pelé e Garrincha, juntos, receberam quase dois terços das lembranças dos participantes.

A história do futebol registra que, enquanto Garrincha e Pelé jogaram juntos, o Brasil nunca perdeu uma partida sequer. Garrincha, o maior driblador da história do futebol, encantava com seu jogo alegre e criativo, mas se desgastou preco-cemente, devido ao consumo excessivo de álcool e a outros problemas, e faleceu aos 50 anos de idade. Pelé, eleito, em 1999, pelo Comitê Olímpico Inter-nacional, o “Atleta do Século XX”, marcou mais de mil gols em partidas de futebol e, mesmo depois de terminada a sua carreira ainda é uma das pessoas mais conhecidas e reconhecidas do mundo.

Nesta pesquisa, a justa hegemonia da dupla Gar-rincha e Pelé foi objeto de uma segunda questão, de caráter comparativo, ou seja, indagava-se aos

entrevistados qual dos dois, na opinião deles, teria sido o melhor jogador daquela época. Garrincha foi apontado como o melhor jogador dos Anos Dou-rados por 47,3% dos participantes, enquanto 41,1% deles escolheram Pelé. Ainda nessa questão, 8,5% consideraram que os dois “foram iguais” e 3,1% não souberam dizer qual deles teria sido o melhor.

Mesmo que a diferença entre os dois tivesse se mostrado estatisticamente significativa, o que não ocorreu, caberia observar que tais resultados foram obtidos no Rio de Janeiro, onde Garrincha fez toda a sua carreira, jogando no Botafogo, um dos clubes mais prestigiosos de então. O futebol não é apenas uma paixão nacional, mas também regional ou bairrista, o que pode, por certo, influir nos julga-mentos e na construção das memórias coletivas.

Além disso, na amostra dos participantes jovens, Pelé ficou com 48% das preferências e Garrincha com 40,7%, posicionando-se de forma diferente dos idosos e dos adultos. A construção desta memória pode ter recebido o aporte do destaque midiático dado a Pelé durante meio século, alcançando não apenas o período de constituição da identidade ge-racional dos jovens, mas até hoje, em 2010, quando o seu aniversário de 70 anos é assunto da TV e de diversos jornais e revistas.

Considerações finais

O Fusca, a Copa do Mundo de 58, a Bossa Nova e os Concursos de Miss Brasil constituem marcos simbólicos importantes dos Anos Dourados. Ape-nas a geração mais antiga os testemunhou de fato, mas as gerações mais recentes também os conhece-ram, embora de outras formas. Nesse sentido, a me-mória social contemporânea acerca daquela época é entendida como o resultado de uma construção que tem como matéria prima tanto as lembranças quanto os conhecimentos dos três conjuntos gera-cionais pesquisados.

O principal resultado da presente pesquisa é justamente o de que os participantes das três gera-ções se lembram ou guardam o conhecimento de informações relevantes sobre a Copa do Mundo. Um segundo resultado a assinalar é, por outro lado, o de que as lembranças ou conhecimentos de cada uma das gerações sobre tais marcos diferem

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2216

no que se refere ao processo de construção social da memória.

Dentre os princípios teóricos de construção da memória, dois se destacam na interpretação das diferenças entre as três distintas memórias geracio-nais. De fato, mormente em relação às memórias da Copa do Mundo, várias das diferenças se devem ao fato de que as gerações mais antigas testemunha-ram esse evento ou dele tiveram informações por ocasião da sua ocorrência, enquanto as gerações mais recentes deles apenas receberam os “ecos” produzidos pela mídia.

Finalmente, é bastante provável que as me-mórias manifestadas pelos jovens e pelos adultos tenham se constituído principalmente de memórias comuns, resultantes da sua exposição às mesmas informações, proporcionadas pela mídia e pela educação formal. Já as respostas dos idosos podem ter tido origem também em memórias pessoais, referidas a experiências próprias e em memórias coletivas, ou seja, construídas no seio dos grupos familiares ou de pares. Pela proximidade temporal que guardam entre si, é possível ainda que a geração dos idosos tenha transmitido à dos adultos algumas das memórias coletivas que construiu.

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ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2 217

SOBRE A MEMÓRIA SOCIAL DOS “ANOS DOURADOS”: O ADVENTO DA BOSSA NOVA

Aline Passeri Dias1, Celso Pereira de Sá1, Rafael Moura Coelho Pecly Wolter1, Renata Vetere1

advento da Bossa Nova, da conquista da primeira Copa do Mundo, e assim por diante. Na perspectiva psicossocial, tais comemorações, pela repercussão midiática que ensejam, funcionam como importan-tes fatores sociais contemporâneos na “atualização da memória social” (Sá & Vala, 2000).

As memórias do Governo de Juscelino Kubits-chek e da construção de Brasília, do Fusca, da Copa do Mundo e dos Concursos de Miss Brasil dos anos 50 serão focalizadas em outros relatos. Neste traba-lho, após a explicitação da fundamentação teórica e do método utilizado na pesquisa, são apresentados e discutidos os resultados relativos à Bossa Nova e à música popular brasileira do período.

Objetivos

O objetivo da pesquisa consistiu em analisar, em termos psicossociais e sob uma ótica comparativa, a memória histórica dos Anos Dourados como construída por diferentes gerações de habitantes da cidade do Rio de Janeiro. No presente recorte, o foco das memórias pesquisadas foi relativo ao advento da Bossa Nova na década de 50 e à música popular brasileira do mesmo período.

Fundamentação teórica

A fundamentação conceitual e teórica que in-formou a elaboração do projeto de pesquisa, bem como, consequentemente, a interpretação dos seus resultados, consistiu no sistema de análise psicos-social da memória proposto por Sá (2005, 2007a, 2007b, 2008, no prelo 1, no prelo 2), cujas origens e principais proposições são a seguir apresentadas.

Como resultado da seleção, exploração e arti-culação de contribuições teórico-conceituais de

Introdução

O presente trabalho faz parte de um projeto mais abrangente sobre a memória social dos fatos históricos mais importantes da década de 1950 no Brasil, intitulado “Análise psicossocial da memória histórica dos ‘Anos Dourados’: política, cultura e cotidiano”. A rigor, o auspicioso clima político, eco-nômico e cultural, que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, caracterizou, segundo Hobsbawm (2004), os anos 50 em boa parte do mundo, os quais, por isso mesmo, puderam ser retrospectivamente sintetizados sob o rótulo de “Anos Dourados”. No Brasil, este período apresentou um caráter intei-ramente diverso tanto daquele que o antecedeu, a Era Vargas, quanto daquele que o seguiu, o Regime Militar, em termos de normalidade democrática, e guarda uma relevância intrínseca, pelo interregno que representou de confiança e otimismo genera-lizado quanto ao futuro do país por parte dos seus cidadãos.

Os Anos Dourados brasileiros presenciaram a realização de projetos ousados, como o desen-volvimento da indústria automobilística, do qual emergiu como símbolo a fabricação do Fusca, e a construção da nova capital, Brasília, no governo de Juscelino Kubitschek. Em termos culturais, foi também nesse período que surgiu a Bossa Nova na música popular brasileira e, recuperando o or-gulho nacional ferido em 1950, o Brasil se tornou pela primeira vez, em 1958, campeão mundial de futebol. Foi ainda uma época de culto à beleza e ao “glamour”, dentre cujas manifestações mais populares estavam os concursos de Miss Brasil e Miss Universo.

Esta pesquisa sobre os Anos Dourados incidiu sobre todas as dimensões acima listadas e, tendo sido conduzida durante os anos de 2008 e 2009, beneficiou-se das iniciativas de comemoração dos cinquentenários da inauguração de Brasília, do 1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

Page 218: Ers 2012 Volume 2 Completo

ESTUDOS EM REPRESENTAÇÕES SOCIAIS - Volume 2218

diferentes origens disciplinares, com ênfase nas perspectivas pioneiras de Halbwachs, de 1925 e 1950, e de Bartlett, de 1932, estabeleceram-se três orientações para a caracterização do domínio de estudos psicossociais da memória: (1) uso da “memória social” como “termo guarda-chuva”, para designar o inteiro conjunto dos fenômenos psicossociais da memória; (2) definição de cinco princípios unificadores do campo da memória social, da forma como se acredita que o psicólogo social deva vê-lo; (3) mapeamento do campo nas sete diferentesinstâncias da memória com as quais se acredita que o psicólogo social deva lidar.

Quanto à primeira orientação, considerou-se que, se um domínio de fenômenos ou de estu-dos existe, ele deve ser identificado por alguma designação genérica e abrangente. Tal escolha recaiu sobre o termo“memória social”, porque ele já vem recebendo essa preferência na literatura sobre a memória em sociedade, por uma questão de economia verbal ou quando não parece preciso explicitar as circunstâncias específicas de produção e mobilização do fenômeno. Assim, ao se falar em memória social, se está falando de diversas coisas, não muito diferentes entre si, mas, até certo ponto, distinguíveis.

Em termos da segunda orientação, foram sele-cionados, a partir de variadas fontes, cinco princí-pios que parecem capazes de unificar o campo de estudo psicossocial da memória, os quais podem ser descritos da seguinte forma: (1) a memória tem um caráter socialmente construtivo, não sendo uma mera reprodução das experiências individuais passadas; (2) são as pessoas que se lembram e se esquecem, embora o conteúdo e a forma do que se lembram e se esquecem seja determinado pela sociedade, pela cultura e, em especial, pela lingua-gem; (3) a construção da memória não se produz senão através da interação e da comunicação so-ciais; (4) lembranças e pensamentos estão sempre e intrinsecamente associados nos fenômenos de memória social; (5) motivação, afeto e sentimento desempenham um papel importante na construção da memória social.

Não se trata de proposições novas, pois todas elas se encontram presentes, de uma forma ou de outra, nas obras de Halbwachs (1994, 1997) e de

Bartlett (1995), assim como nas de diversos autores contemporâneos, como Bosi (1979), Namer (1987, 2000), Le Goff (1988), Fentress e Wickham (1992), Nora (1992), Jodelet (1992), Connerton (1993), Ricoeur (1998) e Jedlowski (2000, 2001). O que importa é que elas dão conta de importantes as-pectos próprios a uma perspectiva psicossocial: os primeiros dois princípios se complementam numa rejeição simultânea do psicologismo e do sociolo-gismo; o terceiro confere à interação social, variável privilegiada na psicologia social, um poder explica-tivo máximo na construção da memória; o quarto e o quinto sustentam que, à diferença das distinções frequentemente estabelecidas na psicologia, há, não só entre os processos cognitivos do pensamento e da memória, mas também entre estes e os processos afetivos, uma estreita interdependência na produ-ção dos fenômenos psicossociais na vida cotidiana.

A terceira orientação consistiu num mapeamen-to conceitual das “memórias da memória social” (Sá, 2005). Tomando-se denominações clássicas e outras emergentes – e mantendo, alterando ou adaptando os seus sentidos originais –, foram descritas inicialmente três principais instâncias es-pecíficas da memória social, a saber: as “memórias pessoais”, que têm como referência básica o passado da própria pessoa que se lembra; as “memórias comuns”, que são o conjunto das lembranças de muitas pessoas, não necessariamente reunidas, acerca de eventos que elas tenham, de uma forma ou outra – através da mídia, por exemplo –, pre-senciado em comum; as “memórias coletivas”, que resultam da elaboração cognitiva do significado e das características descritivas de eventos ou de épocas passadas pelos membros de um dado grupo social. Embora as memórias pessoais e as memórias comuns possam se transformar em memórias co-letivas, estas três instâncias constituem categorias mutuamente excludentes e correspondem à matéria prima da construção das demais classes de fenôme-nos psicossociais da memória.

Incorporaram-se em seguida ao mapa três outras instâncias, que não cumprem os requisitos estritos de uma taxonomia, mas consubstanciam campos relevantes de estudo da memória. Trata-se das “memórias históricas”, que têm por objeto fatos, processos ou períodos históricos, ou ainda a

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própria história, em duas modalidades, a saber: as “memórias históricas documentais”, que mobilizam alguma forma de registro deixado pelo passado; e as “memórias históricas orais”, que se valem apenas de recursos internos, como a fala interativa e a rememoração privada; às quais se acrescentam as “memórias públicas”, que envolvem a exploração do passado histórico nas discussões políticas contemporâneas que caracterizam a “esfera pública”. Impuseram-se ainda à consideração, sem se incluírem em nenhum dos blocos acima, aquelas designadas como “memórias práticas”, que correspondem às experiências passadas que não se encontram inscritas em documentos ou em práticas narrativas, mas estão sim incorporadas às próprias pessoas, manifestando-se nas disciplinas corporais, nas performances ou nos rituais.

Acolheu-se ainda no sistema algumas contribui-ções do âmbito da psicologia cognitiva que, embora não reivindiquem o rótulo de psicologia social, são de fato psicossociais, pelas implicações do método observacional, ecológico, naturalístico que utili-zam (Neisser, 1996). Nesse sentido, explorou-se a perspectiva da pesquisa ex-post-facto pela qual se tem evidenciado a existência de um período etário crítico de melhor retenção de fatos históricos pre-senciados (Conway, 1995; Pennebaker & Basanick, 1998). Em continuidade à exploração da hipótese da “idade crítica”, passou-se a dar atenção à consi-deração das diferentes memórias geracionais que se fazem presentes na memória histórica de uma dada população (Sá, no prelo 1).

Concluindo, no que se refere à pesquisa dos Anos Dourados, as memórias históricas que se procurou identificar e descrever são entendidas como constituídas pelas memórias coletivas (ela-boradas no âmbito de grupos sociais), pelas memó-rias comuns (devidas ao testemunho dos mesmos fatos e informações por um número de pessoas, sem elaboração grupal posterior) e pelas memó-rias pessoais (referidas ao passado de cada um) construídas pelos membros de diferentes coortes geracionais, a partir das vivências próprias a cada coorte e com apoio documental (livros, manuais escolares, jornais, filmes, televisão, etc) diversifi-cado em função dos níveis de escolaridade e das orientações políticas.

Método

Os participantes da pesquisa foram 450 mora-dores das diferentes zonas urbanas do Rio de Ja-neiro, distribuídos igualmente entre “idosos” (faixa etária de 65 a 80 anos), que viveram a década de 50 quando eram jovens, “adultos” (40 a 55 anos), que nasceram ao final dos anos 50, mas deles podem ter recebido “ecos” no ambiente familiar, e “jovens” (15 a 30 anos), que só conhecem os fatos dos Anos Dourados pela educação formal e pela mídia. As três amostras foram subdivididas igualmente entre os sexos e entre os níveis de escolaridade funda-mental, médio e superior.

Os dados foram coletados através da aplicação assistida de um questionário padronizado, com 18 perguntas fechadas e 24 perguntas abertas, das quais 6 se referiam à Bossa Nova e à Música Popular Brasileira do período.

A análise dos dados consistiu, após a catego-rização das respostas às perguntas abertas, num tratamento estatístico descritivo de distribuição de frequências, envolvendo a comparação entre os três conjuntos etários e, em cada um deles, entre os subconjuntos de diferentes níveis de escolaridade e orientações políticas.

Resultados e Discussão

Os resultados a seguir apresentados e discutidos referem-se às memórias manifestadas pelas distin-tas coortes geracionais em relação à Bossa Nova e à musicalidade do período. Por falta de espaço, não serão abordadas aqui as comparações entre os níveis de escolaridade e as orientações políticas, as quais, de resto, no que se refere a estes aspectos, mostraram-se pouco significativas.

A memória da Bossa Nova

A musicalidade foi um dos aspectos mais lembrados pelos participantes da pesquisa para caracterizar os Anos Dourados. De fato, nesse período, diferentes gêneros musicais – como o Bo-lero, o Samba, a Marchinha e o Baião – eram muito cantados e dançados nos bailes e nas festas, cuja lembrança contribui bastante para a representação

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dos Anos Dourados como uma época alegre, feliz e de glamour. Ao final dos anos 50 a Bossa Nova e o Rock’n roll entraram na composição da música popular brasileira.

De fato, a Bossa Nova teve seu lançamento “ofi-cial” em 1958, com o lançamento do disco Canção do Amor Demais, reunindo músicas de Tom Jobim e letras de Vinicius de Moraes, interpretadas por Elizete Cardoso e acompanhada por João Gilberto ao violão. Não obstante, sua “gestação” se deu ao longo dos anos 50, na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, onde compositores, instrumentistas e can-tores intelectualizados se reuniam e compunham letras e melodias de músicas, originais e diferentes do que se conhecia até então e que acabariam por se tornar mundialmente famosas. O Rock foi outro estilo musical que marcou época no mundo inteiro e no Brasil, principalmente a partir de 1956, quando surgiu o “fenômeno Elvis Presley”. O sucesso mun-dial do Rock influenciou cantores e compositores brasileiros, fazendo surgir a chamada Jovem Guar-da, que viria a conquistar o país na década de 60.

A memória do advento desses dois gêneros na música popular brasileira foi investigada, na presente pesquisa, através de um pedido aos par-ticipantes de que indicassem os tipos de música que eles se lembravam de terem surgido nos anos 50. A Bossa Nova recebeu 35,7% das respostas dos entrevistados, seguida pelo Rock (26,3%), a Mar-chinha (16,4%), o Bolero (9,4%), o Samba (8%) e o Baião (3,1%). Apenas 0,8% dos participantes não se recordaram de nenhum tipo de música.

Foi pedido, em seguida, aos entrevistados que apontassem qual desses tipos de música tinha mais a “cara” ou o “jeito” dos Anos Dourados no Brasil. Pouco menos da metade dos participantes (49,8%) elegeu a Bossa Nova, que foi seguida pelo Rock, escolhido por pouco mais de um quarto deles (27,8%).

Através dos resultados comparativos, parece bem evidente o princípio que concebe a memória não como uma reprodução exata do passado, mas sim como o resultado de um processo de constru-ção social subsequente. De fato, o gênero musical predominante nos bailes, como os de formatura ou de debutantes, responsáveis pelo glamour dos anos 50, era o Bolero, enquanto nos bailes de carnaval

predominava a Marchinha e, nas festas populares em geral, o Samba e o Baião. A Bossa Nova, por seu turno, que não se fazia presente em tais eventos, pode ser melhor entendida como uma decorrência daquele período, retratando na composição das suas músicas a criatividade e a ousadia dos Anos Dourados brasileiros e, nas suas letras, a felici-dade, o otimismo e a relativa ingenuidade que os caracterizava. A Bossa Nova foi criada à imagem e semelhança dos Anos Dourados e, assim, se tornou um dos mais importantes símbolos na construção da sua memória. É, inclusive, interessante notar que o maior percentual de escolha da Bossa Nova se deu na geração dos adultos (58,7%), que não viveu nos anos 50, mas foi grandemente afetada pelas suas repercussões.

Por outro lado, o Rock parece continuar a ser uma marca da juventude, tendo talvez passado da geração anterior para a dos jovens quando aquela se tornou adulta e o substituiu pela Bossa Nova na construção da sua memória dos anos 50. De fato, foram os jovens de hoje, em comparação com os adultos e idosos, que apresentaram o maior percen-tual de escolha do Rock como tendo mais a “cara” dos Anos Dourados no Brasil.

Quanto à lembrança dos compositores e/ou intérpretes da Bossa Nova, a grande maioria dos en-trevistados (73,6%) declarou se lembrar do nome de pelo menos um deles. Aqueles citados com maior frequência eram de fato grandes representantes do gênero – Tom Jobim (28,7%), Vinícius de Moraes (16,4%) e João Gilberto (11,3%) –, mas, além de outros menos votados – Nara Leão, Toquinho e Carlinhos Lyra –, algumas lembranças incidiram sobre autores como Chico Buarque e representan-tes da Jovem Guarda e da Tropicália. Já quanto às músicas de Bossa Nova de maior sucesso, metade dos participantes disse se lembrar de alguma delas, citando principalmente aquelas bastante marcantes – “Garota de Ipanema” (35,4%), “hino” da Bossa Nova mundialmente conhecido, “O barquinho” (8,8%) e “Chega de Saudade” (8,5%) –, mas in-cluindo também, como nos caso dos compositores, composições que não se enquadram nesse gênero musical. A Bossa Nova que se encontra na memória das pessoas, cinquenta anos após o seu advento, é também uma construção social, pela qual ele-

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mentos estranhos à sua caracterização inicial são acrescentados perifericamente a um núcleo mais permanente que assegura a sua identidade básica.

Finalmente, perguntou-se aos participantes como eles se posicionavam afetivamente em relação à Bossa Nova numa escala de cinco níveis, que ia de “adorava” a “detestava”. Somando as avaliações positivas, 66,3% dos participantes da pesquisa disseram adorar ou gostar da Bossa Nova. Apenas 7,6% afirmaram que não gostam dela ou a detestam. Confirmando o princípio teórico da estreita relação entre memória e afetividade, observa-se que os adultos, que mais associaram os Anos Dourados à Bossa Nova, como tendo a sua “cara”, são também os que mais declararam que gostam ou a adoram (78,6%), seguidos de perto pelos idosos (72,7%), mas de forma bastante discrepante em relação aos jovens (47,3%).

Para os jovens, portanto, a Bossa Nova parece não ter tanto impacto como tem para os adultos e idosos. Embora a reconheçam como um estilo mu-sical que marcou a época, a sua relação com a Bossa Nova é muito mais descritiva, não tendo a mesma afetividade presente nas memórias dos adultos e idosos. Tal indiferença é evidente no percentual que os jovens exibiram de respostas neutras “não gosto nem desgosto” (44,7%), nitidamente superior àqueles encontrados entre os idosos (18,7%) e entre os adultos (15,3%).

Conclusões

A música popular brasileira, e mais especifica-mente, a Bossa Nova, constituem marcos simbó-licos importantes dos Anos Dourados. Apenas a geração mais antiga os testemunhou de fato, mas as gerações mais recentes também os conheceram, embora de outras formas. Nesse sentido, a memó-ria social contemporânea acerca daquela época é entendida como o resultado de uma construção que tem como matéria prima tanto as lembranças quanto os conhecimentos dos três conjuntos gera-cionais pesquisados.

O principal resultado da presente pesquisa é justamente o de que os participantes das três ge-rações se lembram ou guardam o conhecimento de informações relevantes sobre marcos populares

dos Anos Dourados. Um segundo resultado a assi-nalar é, por outro lado, o de que as lembranças ou conhecimentos de cada uma das gerações sobre tais marcos diferem entre o que se refere ao processo de construção social da memória.

Finalmente, é bastante provável que as memó-rias manifestadas pelos jovens e pelos adultos te-nham se constituído principalmente de memórias comuns, resultantes da sua exposição às mesmas informações, proporcionadas pela mídia e pela educação formal. Já as respostas dos idosos podem ter tido origem também em memórias pessoais, referidas a experiências próprias – como os bailes e festas dos quais participavam naquela época – e em memórias coletivas, ou seja, construídas no seio dos grupos familiares ou de pares. Pela proxi-midade temporal que guardam entre si, é possível ainda que a geração dos idosos tenha transmitido à dos adultos algumas das memórias coletivas que construiu.

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VIOLÊNCIA DE GÊNERO: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA VIOLÊNCIA EM MULHERES AGREDIDAS

Zaira de Andrade Lopes1

e mulheres, articulando-se com a atribuição de características fundadas pelo sexo biológico. Ela constrói-se e manifesta-se no contexto da lingua-gem, da cultura e das representações sociais, sendo envolvida pelas questões da política e das relações de poder. O conceito evidencia-se nas relações de produção e de troca, sob as formas ideológicas e filosóficas, em torno, ou por meio das quais as so-ciedades organizam suas normas e valores.

Para Lopes (2000) gênero deve ser compre-endido em uma dimensão ampla, no plano das relações sociais. Estas, sob o enfoque de gênero, são compreendidas como construção histórica e social. Identifica-se, para tanto, o caráter cultural e sócio-histórico do referido conceito. É importante salientar ainda que, para Scott (1991), gênero é uma forma primordial de significar as relações de poder, aspecto também identificado no âmbito da violência.

Gênero, como constructo social, coloca em relevo a perspectiva da desnaturalização dos atributos conferidos às diferenças sexuais e revela a autonomia da cultura frente aos impositivos biológicos, negando-se o determinismo biológico como explicação das diferenças entre os sexos. Saffioti (1999) assinala que esse conceito não se limita apenas a uma disposição de análise, mas que se afirma como categoria histórica, definindo-o como um conjunto de normas que modelam os seres humanos em homens e mulheres. Para ela, a desigualdade é estabelecida “pela tradição cultural, pelas estruturas de poder, pelos agentes envolvidos na trama de relações sociais.” (p. 82-83).

Neste estudo, sustenta-se a tese de que o fenô-meno da violência perpetrada contra as mulheres é legitimado por representações sociais (RS) de gênero, produzidas na sociedade e pelas próprias

1 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS

Introdução

Este artigo trata da violência, complexo fenô-meno psicossocial que tem sido alvo de inúmeros estudos e debates nas últimas décadas do século XX e início do XXI, contudo, a cada dia, se revela com uma marcante e assustadora ascensão. Quando se reporta à agressão dirigida à mulher envolvendo a perspectiva de gênero, essa temática torna-se uma tarefa ainda mais difícil, intricada e emergente.

É comum entre os(as) pesquisadores(as) con-siderar a violência como um objeto multifacetado, de conceituação complexa, polissêmica resultante de ações ou omissões humanas. Contudo, contro-vérsias se apresentam, teorias defendem seu caráter natural, universal e a-histórico; outras apontam para a formação cultural; outras, como resultante da divisão social das classes, enfocando o compo-nente ideológico; outras, ainda, a entende como fenômeno individual.

Concorda-se com Minayo e Souza (1998) que compreendem violência como toda ação realizada por indivíduos, grupos, classes ou nações que oca-sionam a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade física, moral, mental ou es-piritual. Sugerem que se deve falar em “violências”, como diferenciações específicas e múltiplas. Nesse contexto, existem aquelas cometidas por homens contra mulheres, analisadas sob o recorte de gênero, eixo aqui delimitado.

Para tanto, neste estudo, compreende-se que a violência é um fenômeno psicossocial, complexo, de caráter não biológico e que se expressa na dia-lética da vida em sociedade, espaço dinâmico no qual é produzida e se desenvolve, tal como aponta a pesquisadora Minayo (1994), bem como o conceito apresentado no Relatório Mundial sobre a Violên-cia (Krug, Dahlberg, Mercy, Zwi & Lozano, 2002).

A categoria gênero, segundo Scott (1991), é construída na diferenciação social entre homens

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vítimas, que associam o masculino a um poder, cuja imposição ocorre por ações de força e cruel-dade. Salienta-se ainda, que as RS de gênero sejam construídas histórica e socialmente e as mulheres, envoltas em tais representações, mantêm-se em condições de violência de gênero.

Deduz-se que, orientadas por suas represen-tações sociais, as mulheres não imaginam uma ruptura completa e definitiva com as condições opressoras de violência, uma vez que internaliza-ram concepções da ideologia patriarcal, que se in-terpõem às definições do masculino e do feminino e de suas atribuições nos diferentes espaços sociais, corroborando para a não eliminação da violência de gênero na sociedade.

Assim sendo, a violência de gênero é uma con-sequência do processo de subjetivação de homens e mulheres que legitimam a dominação masculina e a submissão feminina, base na qual se ancora o objeto deste estudo. A socialização é estabelecida por ações educativas formais e informais, conforme o contexto sócio-histórico e cultural.

Compreende-se que a violência de gênero, em sua essência, está diretamente vinculada às questões concernentes às relações hierarquizadas do poder estabelecido entre homens e mulheres. Tal como a violência, a categoria poder apresenta-se como um fenômeno que gerou inúmeros debates, sob as mais diversas perspectivas, fato que leva a reconhecer sua polissemia conceitual.

Apesar dos inúmeros teóricos que vêm discu-tindo e apresentando importantes contribuições para a compreensão e repercussões da categoria poder, Foucault (1999) identifica que múltiplas relações o perpassam, caracterizam e constituem o corpo social.

A perspectiva foucaultiana defende que esse objeto permeia os sujeitos, contudo ele não é de domínio ou de posse do sujeito. Foucault (1986) salienta que o poder é uma “coisa tão enigmática, ao mesmo tempo visível e invisível, presente e oculta, investida em toda parte” (p. 75), considerando-o “um feixe de relações, mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado” (p. 248). O poder conforme esse es-tudioso se exerce por si, não existindo um titular que o detém, porém o poder sempre se apresenta

em uma determinada direção, evidenciando quem não o possui. O poder é exercido em rede; isto é, o indivíduo pode tanto ser submetido ao poder, como também exercê-lo. O poder não apenas se aplica aos indivíduos, mas transita por entre os mesmos.

Poder é compreendido, ainda, como capacida-de, possibilidade ou competência que o indivíduo possui para suas realizações, implica a ação e o saber do sujeito para gerir suas necessidades. Essa capacidade pode ser cerceada, bloqueada por ou-trem ou, mais precisamente, por aquela “instância” de onde o poder provém. No caso da violência de gênero, pode-se concluir que o poder está vincula-do ao polo masculino e direciona-se ao controle ou domínio do feminino. Enfim, o poder transita entre o feminino e o masculino, exerce controle sobre os corpos e a prática de cada um dos polos da relação.

A violência de gênero é definida como aquela exercida no embate entre o feminino e o mascu-lino, na qual “o gênero do agressor e o da vítima estão intimamente unidos à explicação desta vio-lência. Dessa forma, afeta as mulheres pelo simples fato de serem deste sexo, ou seja, é a violência perpetrada pelos homens mantendo o controle e o domínio sobre as mulheres” (Casique & Furegato, 2006, p. 138).

Na violência de gênero, a questão da dominação é o ponto nodal do processo. A ação violenta de homens contra mulheres é a própria objetivação do poder que a sociedade atribui à dimensão masculina. Para tanto o estudo tem como objetivo investigar as representações sociais (RS) referentes à violência de gênero por meio da análise das prá-ticas discursivas de mulheres agredidas e egressas de Casa Abrigo.

Percurso metodológico

Este estudo preocupa-se em explicar os pro-cessos que envolvem as representações sociais de violência de gênero, para tanto, a compreensão do sujeito da pesquisa orienta-se na perspectiva sócio-histórica. Parte-se da premissa de que a for-mação do indivíduo está diretamente conectada às inter-relações que este estabelece com o contexto histórico e cultural no qual está inserido. Nesse ponto, situam-se as representações sociais que vão

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mediar a configuração do discurso, das ações e dos modos do sujeito frente à realidade.

A abordagem de caráter qualitativo é indi-cada para identificação dos processos culturais, históricos e sociais que envolvem a dinâmica do particular e do universal na constituição do sujeito e de suas representações sociais em uma perspec-tiva integrada e dialética. Os processos cognitivos elaborados pelo sujeito vão determinar seu modo de agir, sua comunicação e suas atitudes frente à realidade. Conforme Moscovici (1978), “[...] a re-presentação social constitui uma das vias de apre-ensão do mundo concreto [...]” pelo ser humano da atualidade (p. 44).

Para apreender a realidade e identificar o modo como cada indivíduo a compreende, a representa-ção é o elemento mais adequado, “tanto na medida em que ela possui uma contextura psicológica autô-noma, como na medida em que é própria de nossa realidade e de nossa cultura” (Moscovici, 1978, p. 45). O autor aponta que as representações sociais são uma organização psicológica, uma forma de conhecimento particular de nossa sociedade não redutível a nenhuma outra.

Para tanto as representações sociais proporcio-nam um caráter dinâmico à relação do sujeito na compreensão e na construção do real e situam-se na fronteira entre o social e o psicológico. Para Jo-delet (1989), elas “são abordadas ao mesmo tempo como produto e processo de uma atividade de apro-priação da realidade exterior ao pensamento e da elaboração psicológica e social dessa realidade” (p. 37). Para Moscovici (2003), na assimilação ou in-corporação da realidade é que se percebe a ação das representações sociais na constituição do indivíduo.

Doise e Palmonari (1986) destacaram as articu-lações entre o processo de formação da identidade e as representações sociais presentes no contexto no qual as pessoas estão inseridas. Nesse sentido, este estudo traz a correlação entre o processo de cons-trução social do ser humano, suas representações e a existência e legitimação da violência de gênero.

Para coleta de dados, realizou-se entrevista individual com as mulheres vítimas de violên-cia, utilizando um roteiro semiestruturado com os pontos: dados de identificação das mulheres; informações sobre como e quando ocorreram os

episódios de violência; tipos de violência sofrida; condições de vida e saúde antes, durante e após as agressões sofridas; as representações sociais de vio-lência, mulher, homem e seus papéis na sociedade; perspectivas futuras no âmbito do trabalho, família e relação afetiva.

As entrevistas foram transcritas integralmente para a identificação dos conteúdos simbólicos e das marcas discursivas que indicariam as representa-ções sociais de violência das mulheres agredidas. O material coletado foi organizado em categorias temáticas que reuniram as marcas discursivas evi-denciadas nos relatos das participantes, seguindo como orientação os procedimentos para a análise de conteúdo, proposta por Bardin (1977), de modo que permitisse a análise qualitativa e a identificação dos elementos comuns e/ou divergentes em cada um dos discursos das mulheres entrevistadas.

A organização dos dados pautou-se em captar todos os elementos que compunham os discursos das participantes, identificar aqueles que eram comuns e que evidenciassem indicativos das repre-sentações sociais sobre os aspectos que envolvem a violência de gênero. Uma vez que se considera a representação social como um produto das ativida-des mentais de um conjunto de pessoas, tais meca-nismos demonstram a construção que as pessoas realizam sobre a realidade sociocultural, bem como os valores e ideias que a compõem.

Histórias vividas e a construção de representações sociais de violência de gênero: resultados e discussões

Os significados revelados pelas práticas dis-cursivas das mulheres agredidas possibilitam compreender os pontos cruciais que envolvem as representações sociais acerca da violência de gêne-ro e, ao mesmo tempo, elucidar as razões para seu padrão recorrente. Os sentidos que as entrevistadas conferiram a suas experiências de vitimização indi-caram não só o caráter histórico-cultural e o social que permeia os processos de subjetivação humana, como também delimitaram o campo representacio-nal da sociedade ou grupo social.

Para corroborar a tese de que o fenômeno da violência praticada contra as mulheres é legitimado

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por representações sociais de gênero, produzidas na sociedade e pelas próprias vítimas – e impostas por ações de força que associam o poder ao masculino – ressaltam-se as evidências identificadas na análise das categorias temáticas extraídas dos discursos e selecionadas para apresentar neste artigo: família, relações de poder, violência sofrida e as concepções de mulher e homem.

A primeira categoria que se apresenta de modo significativo nas narrativas é a de família. Para as mulheres participantes, as representações que a caracterizam envolvem aspectos como sentimen-tos do “amor romântico” e do “amor maternal”, idealizados em um espaço privado, seguro, onde se estabelecem relações de afeto. Para elas, o nú-cleo familiar é concebido, também, como base dos comportamentos; assim, a fragilização em qualquer desses elementos contribui para a sua desorganiza-ção e, consequentemente, para a gênese de homens violentos.

Essas ponderações equiparam-se às análises de Cardia (1998), Flake (2005) e Heise (1998), entre outros, ao assinalarem que as relações familiares exercem influência direta sobre a constituição das características dos indivíduos. Ter vivido violência doméstica na infância, abusos, negligência, bem como presenciado agressões do pai dirigidas à mãe, são históricos recorrentes dos agressores nas narrativas. Nestas, sem exceção, todos os agressores apresentavam experiências familiares pontuadas por episódios de violência.

Percebe-se, em suas falas, que o núcleo familiar configura-se como um fator relevante que se inter-põe nas relações sociais e, principalmente, na defi-nição das ações e papéis, evidenciando as tramas do poder que envolvem seus membros. Ainda que as vítimas de agressão questionem e lancem críticas às relações de dominação masculina, ao idealizarem a família, suas representações ancoram-se em ima-gens do chefe provedor e da esposa companheira, acolhedora e cuidadora, que zela para garantir o afeto e a união.

Quanto à segunda categoria – relações de poder –, as mulheres participantes manifestam sinais de compreensão de que o poder permeia as relações sociais, e que a origem da violência vivida é pautada pelos processos de dominação. Percebem, também,

que esses processos podem ser desenvolvidos tanto por homens quanto por mulheres. No entanto, para elas, embora de utilização recente e por minoria, o domínio exercido pelo feminino também leva à violência.

Em contrapartida, parte das entrevistadas revela o desenvolvimento de estratégias para manipular ou controlar as ações de dominação de seus par-ceiros – os chamados micropoderes, descritos por Saffioti (1999) – que, mesmo não produzindo alte-rações na macroestrutura, subvertem as relações de dominação e as desestabilizam. Assim, estas estratégias podem levar à tomada de consciência da condição de submissão e, de certa forma, desen-cadear mecanismos objetivos de proteção contra a violência.

Observa-se nas análises desenvolvidas neste es-tudo que violência de gênero tem sua gênese e con-trole como expressão do processo de socialização promovido pela ação educativa e da subjetivação de homens e mulheres. Ou seja, o processo de cristali-zação das relações de poder ancora-se na educação pautada em uma ideologia patriarcal. Assim, essa violência constituiu-se em representações sociais de que o homem, primeiramente o pai, eventualmente o irmão, exerce poder sobre a mulher; posterior-mente, o casamento, ou equivalente, transfere essa autoridade ao esposo (ou equivalente).

Adotando a questão da violência como fruto das relações hierarquizadas acredita-se que o poder permeia toda e qualquer relação. Na violência de gênero, percebe-se que o agressor detém o poder e o utiliza. Ocorre a manifestação unilateral do poder levando à sujeição e à submissão feminina.

O processo de dominação masculina configu-rou-se histórica e coletivamente, passando a ser in-corporado e naturalizado nas relações sociais. Para tanto, ao homem é permitido exercer poder sobre a mulher e, na resistência desta, simbolicamente lhe é concedido o direito ao emprego da força e da brutalidade.

Nesse sentido, o modelo de masculinidade cons-truído, e ainda presente na sociedade, tem o poder como elemento central, desencadeando um padrão de comportamento no qual é aceitável que o forte subjugue o fraco, uma vez que a força, a coragem, assim como a potência, entre outros atributos,

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caracterizam-se como estereótipos valorizados no homem. As mulheres entrevistadas demonstram em seus discursos a incorporação de tal paradigma, o que dificulta a tomada de decisão sobre suas vidas, legitimando a dominação e a submissão feminina, fatores que levam à violência de gênero e referen-dam os elementos que configuram representações sociais existentes.

Lembrando, Bourdieu (2002), as mulheres en-trevistadas empregam um discurso, construído sob o ponto de vista do dominante, no qual naturalizam a dominação masculina e a ausência de poder fe-minino. Dessa forma, estabelece-se a cumplicidade em um esquema de relação entre o masculino e o feminino, no qual este legitima o poder daquele, contribuindo para sua perpetuação e aumento da violência de gênero.

Quanto à terceira categoria analisada – a vio-lência vivida –, observam-se nos elementos cons-titutivos do campo representacional a demarcação, a compreensão e a configuração daquilo que as participantes construíram acerca da definição da violência de gênero. Referindo-se a suas causas, elas intuem que esta é multifacetada, ainda que não consigam verbalizá-la objetivamente. Ao serem questionadas acerca desse fenômeno, reportam--se aos episódios de agressão e seus elementos de sofrimento, dor, medo e vergonha, pois, para elas, a violência configura-se em processos que deixam marcas e cicatrizes no corpo e na alma.

Na caracterização dos abusos sofridos, os resultados reafirmam que a violência de gênero, fenômeno derivado da organização estrutural da sociedade, manifesta-se concretamente em várias modalidades – física, psicológica e sexual. As mu-lheres participantes da pesquisa, com muita tristeza e sofrimento, relatam todas as formas de crueldade vividas, corroborando outros resultados descritos em pesquisas por Garcia-Moreno et al. (2005) e Krug et al. (2002).

Ressalta-se que a violência sexual analisada sob a perspectiva de gênero revela a essência da ordem social da ideologia patriarcal. Dantas-Berger e Giffin (2005) assinalam que por longo tempo uma ordem social de tradição patriarcal “consentiu” cer-to padrão de violência contra a mulher, designando ao homem o papel “ativo” na relação social e sexual,

ao mesmo tempo em que restringiu a sexualidade feminina à passividade e à reprodução.

Desse modo, a compreensão do homem como provedor e líder na relação conjugal coloca-o, também, no papel de direcionador e como “mere-cedor” do prazer sexual; por outro lado, à mulher, entre suas obrigações conjugais, inclui-se o “ser-viço sexual”, para tanto ela deve estar à disposição do marido no momento e lugar em que ele assim desejar. Percebe-se que este comportamento marca as agressões sexuais dirigidas às mulheres entre-vistadas.

Quanto às representações sociais relativas a ho-mens e mulheres, quarta categoria temática analisa-da neste artigo, as participantes apresentam indícios de transformações, contudo, observa-se, ainda, atribuição de sentidos sinalizados por estereótipos, como grade de interpretação dos significados do masculino e feminino. O homem forte, violento, provedor e a mulher envolta pela naturalização da fragilidade, condição de vítima, sempre atenciosa e responsável pela família.

Apesar disso, paradoxalmente, as participan-tes deste estudo revelam outras características suscitadas pela condição de violência. Estas, ao sobreviverem às agressões e brutalidades, passam a desenvolver características e serem reconhecidas enquanto guerreiras e fortes. Esses novos sentidos ressignificam sua subjetividade. E essa nova mulher, por sua vez, confere novos significados às represen-tações sociais do feminino e masculino.

As participantes, mesmo com significativas alte-rações, ainda se mantêm envolvidas por represen-tações sociais de gênero e violência que perpetuam a subjugação feminina e a dominação masculina. Tais representações são ancoradas e objetivadas na busca de um parceiro ideal, que possa suprir carências afetivas, na necessidade da solidez de rela-cionamentos afetuosos e na constituição da família.

Por outro lado, ainda que as mulheres parti-cipantes do estudo se mantenham em condições submissas, suas representações se encontram em processo de mudança. A crueldade e a brutalidade dirigidas às participantes da pesquisa provocaram perturbações nos sentidos atribuídos aos signifi-cados de casamento e relacionamentos afetivos, compreendidos agora como um processo ao qual

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precisam estar atentas, para não sofrer novos epi-sódios de violência.

Elas apresentam certa apreensão quanto à ini-ciativa de investir em novos relacionamentos, de-monstrando indícios de fragmentações nas repre-sentações de casamento como “sonho encantado” das mulheres. Parte das entrevistadas, sem deixar de manifestar que a sexualidade é um aspecto rele-vante no desenvolvimento da pessoa, passa a refletir sobre novos modelos de relacionamentos, que não o matrimonial.

As mulheres, de posse das novas características, como guerreiras e fortes e significados construídos para suas vidas, empreendem a retomada dos estu-dos, a organização do lar para crescimento e desen-volvimento dos filhos. Confiam que com empenho e estudos podem retomar o curso de sua existência.

Considerações finais

Para efeito de conclusão deste estudo, percebe-se que as participantes entreveem o caráter multifa-cetado do objeto aqui estudado. Mas, para com-preendê-lo, necessário se faz identificar o processo de sua formação e, principalmente, seu percurso histórico. Assim, a intervenção deve ser precedida pela “escuta” e acolhimento das mulheres, com suas histórias, seus motivos de permanecer ou mudar o rumo de sua história, conforme estudado por D’Oliveira (2000).

Para tanto, é preciso compreender os significa-dos e os sentidos atribuídos à violência sofrida por mulheres; sem tal discernimento, não é possível a superação da condição de gênero imposta pelas relações hierarquizadas de poder na sociedade. É preciso identificar as representações sociais, pois, como afirma Schulze (1993), estas podem ser um valioso instrumento de diagnóstico psicossocial e das relações intergrupais, bem como uma forma de identificar o lócus da intervenção psicossocial.

O caráter repetitivo e crônico, bem como a acomodação naturalizada do fenômeno estudado, é legitimado por seus próprios alvos. Tais contradições levam à compreensão de que as mulheres ainda se encontram envolvidas com representações sociais de gênero objetivadas nas ideologias do patriarcado, permeadas por imagens representativas

disseminadas pelas instituições religiosas, familiares, entre outras, qual seja: a superioridade masculina e a inferioridade feminina, prevalecendo que o primeiro seja aquele que domina e a segunda restam a submissão e a sujeição.

A análise dos resultados leva à percepção de que as representações sociais vão se constituindo de conteúdos paradoxais, que provocarão rupturas nas estruturas de antigas representações, possibilitando a construção de novos significados, processo que pode desencadear novas formas de compreender a realidade. Considerando as questões teóricas apontadas, concluem-se que a violência de gênero e a dominação são compreendidas como exercício do poder e, na sociedade, estas são exercidas pela dimensão masculina.

Referências

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INFORMAÇÕES SOBRE OS ORGANIZADORES

Priscilla de Oliveira Martins-SilvaProfessora adjunto do Departamento de Administração e Professora Colaboradora do Programa de

Pós-Graduação em Administração e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Doutora, mestre e graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social, atuando principalmente nos seguintes temas: Psicologia Organizacional e do Trabalho e Teoria das Representações Sociais.

Zeidi Araujo TrindadeProfessora Titular da Universidade Federal do Espírito Santo, vinculada ao Departamento de Psicologia

Social e do Desenvolvimento e ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia, com doutorado e pós-doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Psicologia Social e é coordenadora da Rede de Estudos e Pesquisas em Psicologia Social (RedePso). Tem como temas de interesse: práticas sociais e cultura, gênero, juventude, paternidade/maternidade e saúde reprodutiva.

Eduardo Coelho CeottoProfessor e Coordenador do Curso de Psicologia da Faculdade Brasileira - UNIVIX. Possui graduação

e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo e cursa o programa de Doutorado em Psicologia na UFES. Tem experiência na área de Psicologia, atuando principalmente nos seguintes temas: representação social, masculinidade, saúde, adolescência, formação profissional e psicologia médica.

Renata Danielle Moreira SilvaGraduada em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Mestre em Psicologia

pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia-UFES, Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia-UFES, atua principalmente nos seguintes temas: adolescência, inserção laboral e gênero. Participa do Grupo de pesquisa Representações, práticas socioculturais e processos de exclusão do CNPQ.

Milena Bertollo-NardiGraduada e mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo, atualmente cursando

o doutorado na mesma instituição. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Estudos em Representações Sociais, atuando principalmente nos seguintes temas: juventude, participação política, violência, exclusão social e direitos de crianças e adolescentes.