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Page 1: Erosão costeira e opções para a proteção do litoral: intervenções e ilusões no litoral de Ovar

Erosão costeira e opções para a proteção do litoral: intervenções e ilusões no litoral de Ovar

Passaram quase dois anos desde que, em Janeiro e Fevereiro de 2014, uma sequência

extraordinária de tempestades inundou e destruiu várias zonas do litoral ocidental de

Portugal Continental. Vários concelhos do litoral centro e norte do país viram praias

desaparecer quase por completo, estruturas de proteção costeira danificadas,

infraestruturas de apoio ao uso balnear e explorações comerciais destruídas pela força do

mar.

O concelho de Ovar esteve entre os mais afectados, e noticiados também, uma vez

que três dos seus aglomerados urbanos (Esmoriz, Cortegaça e Furadouro) estão

particularmente expostos a tempestades marítimas. Evidência desta exposição são as

variadas obras de defesa costeira construídas no litoral ovarense nas últimas décadas.

Desde esporões ou quebra-mares transversais a paredões ou enrocamentos, passando

por paliçadas ou estacas cravadas e mais recentemente sacos ou tubos de areia em

material geotêxtil. Várias foram as intervenções no litoral ovarense, muitas delas descritas

como inovadoras ou empreendedoras, mas que nunca procuraram responder à principal

causa dos problemas de erosão, a falta de areia. Como amplamente investigado pela

comunidade científica nacional, e confirmado pelo Grupo de Trabalho do Litoral, criado

por iniciativa governamental em Maio de 2014, os problemas de erosão crónica no litoral

ocidental português resultam, em grande parte, da redução drástica do volume de areia

que é transportado pelos rios até ao litoral. Sem “nova” areia a chegar às praias para

substituir a que é naturalmente transportada por ação das ondas e correntes marinhas, o

destino das praias é desparecer.

As praias de Ovar não são exceção a este cenário. Tanto em Esmoriz, como em

Cortegaça, como no Furadouro, existem já secções da frente de mar em que a praia

desapareceu, independentemente de dezenas de milhões de euros investidos em

estruturas de proteção costeira. Nestas zonas resta uma estreita faixa de areia, apenas

acessível em maré baixa e quando o mar está calmo, envolvida por verdadeiras muralhas

de pedra. Estas “muralhas” são o testemunho mais que evidente do fracasso de uma

resposta à erosão costeira que, para proteger a todo o custo edifícios e infraestruturas,

negligenciou as praias que permitem o modo de vida das comunidades piscatórias e que

sustentam a atividade económica nos sectores do turismo e restauração no litoral

ovarense.

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O que foi então feito desde o início de 2014 até agora para tentar solucionar ou minimizar

os problemas de erosão costeira em Ovar? Maioritariamente promovidas pela Agência

Portuguesa do Ambiente (APA), mas também por iniciativa da Câmara Municipal de Ovar,

cinco diferentes tipos de intervenção foram realizadas.

O principal tipo de intervenção, tanto pelo investimento como pela extensão de litoral

afectado, foi a recuperação de estruturas de proteção aderente (enrocamentos ou

paredões) promovida pela APA. Em todos os aglomerados urbanos do concelho de Ovar

(Esmoriz, Cortegaça e Furadouro) foram realizadas obras de recuperação de

enrocamentos, uma vez que em alguns sectores as estruturas estavam já parcialmente

desmoronadas, ou apresentavam elevada probabilidade de desmoronamento. Em alguns

casos foi efectuado o aumento da cota de coronamento, ou seja, aumento da altura do

topo da estrutura, numa tentativa de impedir ou minimizar a ocorrência de eventos em que

o mar galga os paredões. Para além da recuperação dos enrocamentos já existentes

nestas três localidades, foi ainda construído um novo enrocamento em Cortegaça, com o

objectivo de proteger o Parque de Campismo de Cortegaça. Contudo, pouco mais de um

ano após a construção desta nova estrutura, são já evidentes os sinais de colapso

(figura 1).

Figura 1 - Secção terminal do novo enrocamento em frente ao Parque de Campismo de Cortegaça – colapso da estrutura e erosão acentuada da duna (11/02/2016)

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Também por iniciativa da APA foram recuperados vários esporões, ou quebra-mares

transversais, existentes no concelho de Ovar. Tal como no caso dos enrocamentos, estas

intervenções visaram a manutenção das estruturas que se encontravam debilitadas à já

vários anos, e por isso mesmo estavam incluídas nos planos de intervenção do ministério

que tutela o Ambiente desde 2007.

Por iniciativa da Câmara Municipal de Ovar e aproveitando as obras em curso no esporão

de Cortegaça, foi também construída uma pequena estrutura paralela à praia entre o

esporão e o enrocamento a norte. Esta estrutura, apenas visível em maré baixa, tinha

como objectivo promover a acumulação de areia neste sector e, como tal, foi designada

como “armadilha de sedimentos”. Contudo, a armadilha de sedimentos não teve os

resultados esperados e a zona em questão continua a sofrer de um défice crónico

de areia, comprovado pelo facto de continuar a ser necessário proceder à colocação

artificial de areia neste sector.

Em articulação com empresas locais e com autorização da APA, a Câmara Municipal de

Ovar promoveu a instalação experimental de geotêxteis, sob a forma de dois tubos de

grandes dimensões, preenchidos com areia. Estes tubos foram colocados na praia

imediatamente a norte do esporão entre Cortegaça e a Praia de São Pedro de Maceda.

Este projeto experimental tinha como objectivo principal avaliar o potencial dos tubos de

geotêxtil na promoção da acumulação de areia na zona envolvente aos tubos, assim

como na redução da erosão das dunas. Apesar de não serem ainda conhecidos dados

oficiais da monitorização desta instalação experimental, uma avaliação preliminar indica

que os tubos não tiveram efeitos significativos tanto no aumento da acumulação de

areia como na proteção das dunas. Fotografias recolhidas imediatamente após a

instalação em Dezembro de 2014, em Março de 2015 , e mais recentemente, em

Fevereiro de 2016 (figura 2), demonstram que os tubos se mantêm na mesma posição, o

que seria de esperar considerando a dimensão e peso das estruturas. Contudo, e no que

diz respeito a um aumento da acumulação de areia na sua envolvente, verifica-se que as

estruturas não permitiram alcançar o objectivo pretendido. Na zona da praia onde foram

colocados os tubos, apesar de localizada imediatamente a norte de um esporão e, por

isso mesmo, ser já uma zona de acumulação preferencial de areia, as variações na

quantidade de areia estão dentro daquilo que são as mudanças naturais, com alguma

acumulação no verão e erosão com os temporais de inverno. Nada mais do que isso. De

igual forma, não foi atingido o objectivo de proteção das dunas junto aos tubos, tendo

estas continuado a recuar e perder areia, tal como as dunas na parte da praia que não

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estava protegida por estas estruturas. A continuação da erosão da duna é evidente nas

fotografias de Fevereiro de 2016, onde se vê que a areia continua a cair da duna para a

praia e se percebe que as ondas continuam a atingir a duna em maré alta. Fica assim

demonstrado que os tubos de geotêxtil, apesar das expectativas elevadas na promoção

da acumulação de areia e proteção da costa, não conseguiram atingir os objectivos

propostos.

Figura 2 - Tubos de geotêxtil experimentais colocados no litoral de Ovar – fotografias de Dezembro de 2014, Março de 2015 e Fevereiro de 2016.

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O quinto tipo de intervenção realizado no litoral de Ovar, promovido pela APA, foi a

colocação de estacas cravadas na duna da praia de São Pedro de Maceda (figura 3).

Esta intervenção, concluída em Dezembro de 2013 e com um custo total de

aproximadamente 180.000 €, não teve como objectivo responder aos efeitos dos

temporais do início de 2014, pois é anterior aos mesmos. Foi, contudo, efectuada para

avaliar a eficácia da colocação de estacas cravadas na proteção de dunas. Tratou-se

assim de uma estrutura experimental, que imediatamente após instalação foi sujeita aos

impactos excepcionais dos temporais de Janeiro e Fevereiro de 2014. O impacto destes

temporais foi particularmente gravoso, com continuação da erosão e recuo das dunas

levando a que uma parte significativa das estacas tenha sido rapidamente removida por

ação do mar logo nas semanas seguintes à colocação. Passados pouco mais de dois

anos, quase nada resta desta estrutura experimental, tendo a totalidade das estacas

sido removidas pelo mar. A duna da praia de São Pedro de Maceda continua assim a

recuar de forma acelerada, o que demonstra que esta intervenção experimental não

atingiu os resultados pretendidos.

Figura 3 - Estrutura de estacas cravadas na Praia de São Pedro de Maceda – fotografias de 29 de Dezembro de 2013 (imediatamente após instalação), 7 de Janeiro de 2014 (após os primeiros temporais) e 11 de Fevereiro de 2016 (atualmente).

Intervenções e ilusões no litoral de Ovar

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Dois anos e cinco tipos de intervenções depois. Algumas experimentais, outras pouco

mais que a necessária manutenção periódica de estruturas de proteção costeira. O

resultado final é pouco animador, mas não surpreendente. Num litoral onde o

problema é a falta crónica de areia, intervenções que não sejam direcionadas de forma

mais direta a este problema têm naturalmente um impacto muito reduzido ou inexistente.

É naturalmente importante romper com o ciclo de criação de mais estruturas em pedra. O

litoral de Ovar, bem como de grande parte da costa Ocidental de Portugal, tem já

demasiados esporões e enrocamentos, e os resultados estão à vista. Colapsos e

centenas de milhões de euros para manutenção das estruturas é o que o futuro reserva.

Por outro lado, é necessário avaliar de forma rigorosa a instalação de estruturas

experimentais, pois por mais inovadoras ou revolucionárias que sejam, os seus

resultados efetivos são frequentemente nulos ou irrelevantes. No caso de Ovar, a

criação de uma armadilha de sedimentos e a instalação de tubos de geotêxtil não

produziu os resultados esperados. Não se verificou aumento na acumulação de areia ou

proteção das dunas nas áreas onde foram instaladas estas estruturas experimentais. Por

isso mesmo não faz sentido considerar a instalação em larga escala de estruturas

semelhantes, com gastos de vários milhões de euros, e sem quaisquer garantias de que

estas estruturas protejam de forma efetiva o litoral. No mesmo sentido, a colocação de

estacas para tentar travar o recuo das dunas demonstrou ter resultados muito pouco

relevantes para o investimento realizado.

Tal como propõe o Grupo de Trabalho do Litoral é necessário mudar de paradigma na

gestão e proteção da costa. O que falta é areia e algum bom senso. No primeiro caso

vai ser preciso investir vários milhões de euros de forma sustentada ao longo do tempo,

no segundo caso vai ser preciso que as autoridades locais, regionais e nacionais, bem

como as populações, pensem no litoral como um espaço dinâmico e não como uma

fronteira rígida.

Carlos Loureiro Geógrafo. Investigador Marie Skłodowska-Curie