erika campanharo de moraes incubadora social: um estudo da … · 2017-02-22 · ingresso na...
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Erika Campanharo de Moraes
Incubadora Social: Um Estudo da Escola Empreendedora de Corte e Costura da
Fundação Jari
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Erika Campanharo de Moraes
Incubadora Social: Um Estudo da Escola Empreendedora de Corte e Costura da
Fundação Jari
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título de
Mestre em Administração, sob a orientação do
Prof. Dr. Arnaldo Jose França Mazzei Nogueira.
SÃO PAULO
2015
Banca Examinadora
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
Dedico este trabalho aos meus filhos, Guilherme e Laura,
para que busquem um mundo melhor para todos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Capes e à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pela concessão
da bolsa de estudos que viabilizou a minha permanência no mestrado.
Ao meu orientador, professor doutor Arnaldo Jose França Mazzei Nogueira, pelo
conhecimento transmitido, orientação, apoio, parceria na publicação de artigo e,
especialmente, por aceitar que eu direcionasse o meu trabalho, mesmo não sendo a sua linha
de pesquisa, para um tema que descobri e com o qual me encantei durante a realização do
mestrado: os negócios privados com objetivos sociais.
Ao professor doutor Arnoldo de Hoyos Guevara pelas aulas, pelo incentivo à
participação no Congresso ICIM e à publicação do meu primeiro artigo sobre os bancos
comunitários, cujo tema influenciou esta dissertação.
Ao professor doutor Luciano Antônio Prates Junqueira pelo incentivo e parceria na
elaboração de artigos acadêmicos durante o curso, pela indicação de referências bibliográficas
sobre negócios sociais e por todo o apoio durante o mestrado.
Ao professor doutor e coordenador do Mestrado em Administração Belmiro
Nascimento João e aos professores doutores Ladislau Dowbor e Onésimo Cardoso pelo
conhecimento compartilhado durante as aulas.
À minha prima Joyce Reissler que, mesmo em fase de conclusão de sua pesquisa de
mestrado, leu inúmeras vezes meu trabalho e colaborou com sugestões e correções na minha
redação.
À minha mãe, Maria Helena Russo Campanharo, e à minha tia Lucy Helena Russo por
cuidarem dos meus filhos todas as vezes que precisei assistir a uma aula, participar de alguma
atividade relacionada ao mestrado ou me dedicar à escrita do trabalho fora do período em que
as crianças estavam na escola.
Ao meu pai, Antonio Carlos Campanharo, por ter me acompanhado até a cidade de
Suzano para que eu pudesse realizar a pesquisa empírica.
Aos meus filhos, Guilherme e Laura, pela paciência e parceria em todas as vezes que
precisaram me acompanhar em congressos, aulas e visitas à biblioteca, mesmo sendo tão
pequenininhos.
Ao meu marido, Jose Alexandre de Moraes, pelo apoio para a realização do mestrado.
A todos os colegas de curso, que deixavam o ambiente agradável, interessante e
divertido. Especialmente à Francine Suescun, que, em um momento em que pensei que não
conseguiria concluir os créditos e estava um pouco “desesperada”, me disse palavras das
quais vou me lembrar sempre: Calma, tudo isso é vida!
Ao coordenador da incubadora Escola Empreendedora da Fundação Jari, que
prontamente concordou em participar da pesquisa e se mostrou muito acessível e disposto a
colaborar com este trabalho, além das empreendedoras das empresas graduadas, que foram
muito receptivas e compartilharam informações comigo mesmo estando em horário de
trabalho e cheias de tarefas.
A Deus, por iluminar o meu caminho e permitir que eu pudesse cursar o mestrado.
Deixo o curso com muito aprendizado e muito feliz.
RESUMO
Os micros e pequenos negócios, bem como os microempreendedores individuais, são
importantes para a geração de emprego e o dinamismo da economia. Estudos comprovam que
esses negócios, quando criados e/ou desenvolvidos em incubadoras de empresas, sobrevivem
mais no mercado em relação àqueles que foram criados e desenvolvidos sozinhos. Nesse
contexto, as incubadoras de empresa se destacam como uma importante organização para toda
a sociedade. Há diversas modalidades de atuação, e uma delas inclui o desenvolvimento de
negócios chamados de inclusivos, sociais e/ou de impacto social.
Este trabalho teve como objetivo geral analisar a atuação de uma incubadora social de
negócio inclusivo considerando suas atividades, resultados e impactos sociais conforme são
percebidos pelo coordenador da incubadora e pelos empreendedores que passaram pelo
processo de incubação.
Para atingir esse objetivo, foi realizada uma pesquisa empírica qualitativa com a
incubadora social da Escola Empreendedora da Fundação Jari. A partir do estudo de caso
deste trabalho, foi possível identificar que incubadoras sociais possuem práticas semelhantes
às incubadoras de empresas de base tecnológica e tradicional, porém adotam outras para
melhor atingir as necessidades de seu público-alvo. Dentre as outras práticas, pode-se
destacar: a fase da pré-incubação, que corresponde a um treinamento e preparo prévio para o
ingresso na incubadora, e a geração de renda na fase da incubação, uma vez que a renda se faz
necessária para manter os participantes no projeto, pois é utilizada para necessidades básicas.
A incubadora social da Escola Empreendedora de Corte e Costura se mostrou como
uma importante organização para a inserção de pessoas em condições menos favorecidas na
cadeia produtiva. O primeiro ciclo de incubação tornou possível que quatro mulheres
empreendessem seus próprios negócios, e uma delas deixou de ser dependente de um
programa assistencialista do governo. Além disso, a incubadora também pôde ser reconhecida
por facilitar a entrada de pessoas no mercado de trabalho, na fase de capacitação da pré-
incubação e até mesmo durante a incubação, na qual as profissionais tiveram a oportunidade
de adquirir experiência nos moldes de um estágio corporativo. Portanto, a incubadora
desenvolveu empresas e também mão de obra experiente para trabalho assalariado.
Assim, este estudo mostra-se relevante por contribuir com o debate a respeito da
atuação das incubadoras sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Incubadora de empresa; incubadora social; negócio inclusivo.
ABSTRACT
Micro and small businesses as well as individual micro-entrepreneurs are important
for job creation and economic dynamism. Studies show that these businesses, when created
and/or developed in business incubators, survive longer in the market than those that are
created and developed alone. In this context, the company incubators stand out as important
organizations for the whole society. There are several modes of operation, and one of them
includes the development of businesses called inclusive, social and/or with social impact.
The aim of this study was to analyze the performance of a social incubator that
develops inclusive business through its activities, results and social impacts, by means of the
perception of the incubator coordinator and entrepreneurs that have been incubated.
To achieve this objective, a qualitative empirical research was made with a social
incubator called Escola Empreendedora da Fundação Jari.
From the case study of this work, it was found that social incubators have similar
practices of technology and traditional base companies´ incubators, but also adopt other
practices to better meet the needs of your target audience. Among other practices, can be
highlighted: the phase of pre-incubation, corresponding to a training and preparation prior to
entry into the incubator, and income generation at the beginning stage of incubation, since the
income is needed to keep participants in the project by providing basic needs.
The Social Incubator of Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
has shown itself to be an important organization for the integration of people in disadvantaged
conditions in the production chain. The first incubation cycle enabled four women to
undertake their own businesses, and one of them is no longer dependent on a government
welfare program. In addition, the incubator could also be recognized for facilitating the entry
of people into the labor market, during the training phase of pre-incubation and even during
incubation, in which the professionals had the opportunity to gain experience by means of a
corporate internship. Therefore, the incubator developed business and attracted experienced
workers to the labor market.
Therefore, this study is relevant as contributing to the debate about the role of social
incubators.
KEYWORDS: Business incubator, social incubator, inclusive business.
LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANPROTEC Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores
BOP Base da Pirâmide
CEO Chief Executive Officer
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico
COEP Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida
ESPM Escola Superior de Propaganda e Marketing
FAAP Fundação Armando Álvares Penteado
FAPESP Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FBES Fórum Brasileiro de Economia Solidária
FIESP Federação da Indústria do Estado de São Paulo
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
FPC Flexible Purpose Corporation
ITCP Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares
ITCP/COPPE Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares
L3C Low Profit Limited Liability Company
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
MPE Micro e Pequena Empresa
NBIA National Business Incubation Association
ONG Organização não governamental
ONU Organização das Nações Unidas
PRONINC Programa Nacional de Cooperativas Populares
RELAPI Rede Latino-Americana de Associações de Parques Tecnológicos e Incubadoras
de Empresas
RIDI Rede de Incubadoras de Desenvolvimento Inclusivo
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária
SIES Sistema de Informação da Economia Solidária
UFC Universidade Federal do Ceará
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UNEB Universidade do Estado da Bahia
USP Universidade de São Paulo
YSB Yunus Social Business
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
1. INCUBADORA DE EMPRESAS 13
1.1. Histórico 13
1.2. Definições e objetivos 16
1.3. Atuação no Brasil 18
1.4. Etapas de um processo de incubação de empresas 20
1.5. A efetividade: práticas, resultados e impactos 22
2. UM PANORAMA SOBRE ORGANIZAÇÕES PRIVADAS COM 27
OBJETIVOS SOCIAIS
2.1. Negócio inclusivo 32
2.2. Negócio social na concepção de Muhammad Yunus 34
2.3. Negócio social na concepção de Prahalad - Oportunidades na base da pirâmide 38
2.4. A certificação do B lab e outras iniciativas dos Estados Unidos 41
2.5. As empresas sociais da economia solidária 42
2.6. Análise sobre as diferentes concepções de organizações privadas com objetivos sociais 46
3. MÉTODO E PROCEDIMENTOS 48
3.1. Estratégia de investigação da pesquisa empírica 49
3.2. Método para coleta de dados 50
3.3 Procedimento de transcrição das entrevistas e apresentação e análise dos dados 51
4. O ESTUDO DE CASO: A INCUBADORA DA ESCOLA 53
EMPREENDEDORA DE CORTE E COSTURA DA FUNDAÇÃO JARI
4.1. A Fundação Jari 53
4.2. A cidade de Suzano 54
4.3. A incubadora da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari 54
4.4. Empresa graduada 1 63
4.5. Empresa graduada 2 68
4.6. Análise dos dados da pesquisa 70
CONCLUSÕES 75
REFERÊNCIAS 79
ANEXOS 85
10
INTRODUÇÃO
Segundo dados de 2011 da Associação Nacional de Entidades Promotoras de
Empreendimentos Inovadores (ANPROTEC), havia no Brasil 384 incubadoras de empresas,
sendo que 40% delas atuavam com empresas ligadas à tecnologia, 18% incubavam empresas
ligadas a setores considerados tradicionais e 18% trabalhavam com ambos os segmentos,
sendo consideradas de atuação mista. Em relação à incubação de empresas de prestação de
serviços, 8% das incubadoras brasileiras atuavam com esse tipo de empresa. As demais
incubadoras, que representavam 16% da totalidade brasileira, atuavam com empresas ligadas
à cultura (7%), ao social (7%) e ao agronegócio (2%) (ANPROTEC; MCTI, 2012). Já um
estudo da Fundação Avina identificou 60 incubadoras sociais em todo o Brasil. Essas
incubadoras sociais trabalham para criar e/ou desenvolver empreendimentos cujo objetivo é
uma melhora nas condições sociais de uma pessoa, de uma comunidade ou mesmo de toda a
sociedade. Esse tipo de negócio pode receber diferentes denominações: negócio inclusivo,
negócio social, empresa social ou negócio com impacto social.
Um estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE)
aponta que, em 2010, a taxa de mortalidade média das micro e pequenas empresas no Brasil,
nos dois primeiros anos de existência, atingiu 27% (FIESP, 2012), e as principais causas de
fechamento do negócio são a falta de (ou pouco) planejamento prévio; dificuldade com a
gestão do negócio, especialmente com a aquisição de clientes; e o comportamento
empreendedor (SEBRAE-SP, 2014). Em contrapartida, quando esses empreendimentos
passam por uma incubadora de empresas, a taxa de mortalidade média das empresas cai para
20% (BOAS..., 2008). Dessa maneira, as incubadoras de empresas possuem importância
relevante para a criação e o desenvolvimento de negócios que, se bem-sucedidos, contribuirão
para dinamizar a economia e gerar empregos.
No âmbito acadêmico, é possível encontrar estudos que apresentam análises de
pesquisas realizadas com incubadoras de empresas, especialmente as de base tecnológica. No
caso dessas incubadoras de base tecnológica, há ainda estudos que identificam e analisam a
percepção de empreendedores incubados em relação à infraestrutura e aos serviços oferecidos
pelas incubadoras. São encontrados também estudos sobre incubadoras sociais de
empreendimentos da economia solidária que abordam, entre outras questões, as práticas
dessas incubadoras.
Porém, não se encontrou nenhum estudo a respeito das práticas ou da percepção de
empreendedores de incubadoras sociais que desenvolvem negócios inclusivos não ligados à
11
economia solidária, sendo escasso o material acadêmico disponível aos profissionais e
acadêmicos que atuam nesse tipo de organização. Assim, a realização de estudos sobre
incubadoras sociais se torna relevante para demonstrar a atuação desse tipo de
empreendimento, de modo que o modelo possa ser verificado e possivelmente considerado
por outras organizações que se propõem a desenvolver esses negócios.
Sabendo-se que há incubadoras sociais trabalhando para alavancar negócios
inclusivos, o presente trabalho teve como pergunta de partida: como se dá a atuação de
incubadoras sociais de negócios inclusivos?
Com base nessa pergunta, definiu-se o objetivo geral deste trabalho: analisar a
atuação de uma incubadora social de negócio inclusivo por meio de suas atividades,
resultados e impactos sociais a partir da percepção do coordenador da incubadora e dos
empreendedores que já foram incubados.
Os objetivos específicos são:
caracterizar a incubadora e sua metodologia de trabalho;
explorar o processo de incubação das empresas (infraestrutura e serviços oferecidos,
tempo de incubação e apoio pós-incubação);
verificar a quantidade de empresas incubadas, suas atividades e o tempo de atuação no
mercado;
analisar como a incubadora acompanha o desempenho das empresas graduadas
(sobrevivência, sustentabilidade financeira e impacto social);
explorar a percepção das empresas incubadas em relação às ações da incubadora
(infraestrutura e serviços oferecidos, tempo de incubação e apoio pós-incubação).
O presente estudo trabalha ainda com a seguinte proposição: as práticas das
incubadoras de empresas de base tecnológica e tradicional não são suficientes para as
necessidades de uma incubadora social.
Com base nos objetivos da pesquisa e na proposição, o trabalho está assim
estruturado:
capítulo 1, “Incubadora de empresas”: apresenta a concepção de incubadora de
empresas e um breve panorama da teoria existente sobre a atuação desse tipo de
empreendimento.
capítulo 2, “Um panorama sobre organizações privadas com objetivos sociais”:
discute as concepções de organizações que buscam impactar de maneira positiva a sociedade
12
e o meio ambiente, aí englobados os negócios inclusivos, a fim de se apresentar uma
discussão sobre diferentes nomenclaturas e perspectivas desses negócios.
capítulo 3, “Métodos e procedimentos”: apresenta os procedimentos e as técnicas para
coleta e análise dos dados.
capítulo 4, “O estudo de caso: a incubadora da Escola Empreendedora de Corte e
Costura da Fundação Jari”: apresenta os dados obtidos na pesquisa empírica e uma análise
desses dados.
O estudo de caso mostra como atua uma incubadora social que desenvolve negócios
que incluem pessoas em condições vulneráveis na cadeia produtiva. O estudo também mostra
porque as práticas das incubadoras de empresas de base tecnológica ou tradicional não
atendem à totalidade das necessidades de uma incubadora social, especialmente as de negócio
inclusivo.
13
1. INCUBADORA DE EMPRESAS
O presente capítulo tem como objetivo construir uma lente teórica sobre incubadoras
de empresas por meio da apresentação de dados históricos, definição, objetivos, etapas,
atuação e efetividade de incubadoras de empresas. Como o objeto de estudo empírico é uma
incubadora social, se dará mais ênfase a essa modalidade.
1.1. Histórico
Em 1959, o fechamento de uma fábrica na cidade de Batavia, em Nova York, nos
Estados Unidos, resultou em um galpão de 80 mil m2 vazio e uma taxa de desemprego de
20% entre os habitantes da cidade (DIAS, 2002, apud ARANHA, 2008). A área da fábrica foi
vendida, e o comprador das instalações, Joseph Mancuso, sublocou o espaço para empresas
iniciantes, que utilizavam equipamentos e serviços em conjunto, além de contarem com
serviços fornecidos no próprio local, como secretaria, contabilidade, marketing, etc., o que
contribuiu para a redução dos custos operacionais e o aumento da competitividade dessas
empresas. Esse local foi chamado de Centro Industrial de Batavia, porém ficou conhecido
pelo apelido de incubadora por causa de um aviário que havia no prédio (ARANHA, 2008)1.
Também na década de 1950 surgiram na região do Vale do Silício as incubadoras de
novas empresas de tecnologia (ARANHA, 2008), com o objetivo de incentivar os estudantes
recém-graduados da Universidade de Stanford a “disseminar suas inovações tecnológicas e a
criar espírito empreendedor”. A universidade oferecia espaço físico e assessoria gerencial,
jurídica, de comunicação, administrativa e tecnológica, o que viabilizou o surgimento de
novas empresas2. Os estudantes e a universidade criaram um parque industrial e depois um
parque tecnológico para transferir o conhecimento tecnológico desenvolvido na universidade
para as novas empresas, especialmente de eletrônicos (ARANHA, 2008).
À expansão do movimento de incubadoras, a partir da década de 1970, podem ser
atribuídas três razões, de acordo com Meeder (1993, apud DORNELAS, 2002): motivação
para encontrar finalidade de uso para prédios abandonados; criação de fundos de
investimento de apoio à inovação nas maiores universidades dos Estados Unidos;
engajamento de empreendedores em transferir conhecimento e experiência para novas
empresas.
1 Ver também informações sobre esse histórico no site da ANPROTEC. Disponível em: <http://www.anprotec.org.br/publicacaoconhecas2.php?idpublicacao=80>. Acesso em: 5 jan. 2015. 2 Disponível em: <http://www.anprotec.org.br/publicacaoconhecas2.php?idpublicacao=80>. Acesso em: 5 jan. 2015.
14
Um estudo realizado pela Anprotec em parceria com o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (MCTI) (ANPROTEC; MCTI, 2012) comparou a atuação de
incubadoras de empresas localizadas em dez países – Portugal, Bélgica, França, Alemanha,
Itália, Espanha, Reino Unido, Coreia do Sul, Israel e Argentina – e constatou que nesses
países as incubadoras se desenvolveram mais rapidamente após 1980, devido a políticas
públicas de fomento para empreendimentos inovadores e a fontes de receitas governamentais,
que passaram a considerar as pequenas e médias empresas na geração de emprego e renda. A
partir dos anos 1990, o crescimento é acelerado e atua na transformação da cultura
disseminando a ideia de que empreender é tão bom quanto estar empregado.
No Brasil, as incubadoras de empresas surgiram da iniciativa do presidente do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), o professor
Lynaldo Cavalcanti, que, na década de 1980, implantou o primeiro Programa de Parques
Tecnológicos do país abrangendo cinco fundações tecnológicas: em Campina Grande
(Paraíba), São Carlos (São Paulo), Porto Alegre (Rio Grande do Sul), Manaus (Amazonas) e
Florianópolis (Santa Catariana). O programa tinha como objetivo transferir conhecimento das
universidades para as empresas, e dele surgiu, em 1984, a primeira incubadora de empresas,
no parque tecnológico de São Carlos (ARANHA, 2008). Essa iniciativa deu início ao
empreendedorismo inovador no Brasil e esteve na base do surgimento de “um dos maiores
sistemas mundiais de incubação de empresa” (ANPROTEC; MCTI, 2012). Em relação ao
avanço das incubadoras, esse se dá com a estabilização da macroeconomia brasileira, após o
Plano Real, em 1994, além de contar com a própria capacidade de empreender de seus
gestores (PLONSKY, 2002).
Dois fatores importantes estão relacionados ao movimento de incubação. O primeiro
envolve a “capacidade da organização solidária” (PLONSKI, 2002, p. 5), que resultou na
criação da ANPROTEC, em 1987, com a finalidade de atuar por meio da promoção de
atividades de capacitação, da articulação de políticas públicas e da geração e disseminação de
conhecimentos entre seus associados e demais interessados (PLONSKY, 2002; ANPROTEC;
MCTI, 2012). Atualmente a ANPROTEC conta com 280 associados, entre as 384
incubadoras em operação e aproximadamente 90 parques tecnológicos (ANPROTEC; MCTI,
2012). O segundo constitui-se no apoio de entidades do governo, como do então Ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT) e suas agências CNPq e Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) (PLONSKI, 2002).
15
A primeira incubadora de empresas do setor tradicional surgiu em 1991 na cidade de
Itu, com a adesão da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) à Anprotec e em
parceria com a Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) (ARANHA, 2008).
Já as incubadoras de tecnologia social surgiram de uma proposta apresentada pela
Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP/COPPE), em 5 de janeiro de 1995,
de que as experiências das incubadoras de base tecnológica fossem utilizadas para a inclusão
socioeconômica (ARANHA, 2008) – em um contexto histórico, social e econômico de um
país que se libertara do regime militar na década anterior, convivia com vários problemas
sociais como a miséria, o desemprego e a fome (presentes até a atualidade) e observava o
surgimento de diversos movimentos populares, que buscavam igualdade de oportunidades e
inclusão social (VECHIA et al., 2011).
Nesse movimento, o papel das universidades também começou a ser questionado,
uma vez que, apesar de serem detentoras do conhecimento, não estavam gerando ferramentas
sociais que pudessem combater esses problemas de maneira eficaz. Um desafio lançado pelo
Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (COEP) – que dirigia, entre outras
iniciativas, a Campanha Contra a Fome, de Herbert de Souza, o Betinho – à Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) deu início ao projeto da incubadora tecnológica de
cooperativas populares, que visava a transferência de tecnologias inspirada nas incubadoras
de base tecnológica dos Estados Unidos (VECHIA et al., 2011).
Esse projeto recebeu financiamento do governo federal por meio da Finep, para
difusão da metodologia da incubadora (VECHIA et al., 2011). Inspiradas no trabalho da
UFRJ em 1995, ao final de 1998 foi criada a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas
de Cooperativas Populares, a Rede de ITCPs, com seis incubadoras originadas nas seguintes
universidades: UFRJ, Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade de São Paulo
(USP), Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) (REDE DE ITCPs, 2009).
Em 1999, a Rede de ITCPs foi convidada a participar de outra rede mais ampla, a
Unitrabalho, fundada em 1996, uma rede nacional de universidades que apoia os
trabalhadores na sua luta por melhores condições de vida e trabalho e incentiva e apoia a
criação de incubadoras sociais de empreendimentos solidários nas dependências das
universidades filiadas3. Por divergências no modelo administrativo, em 2001, as duas redes se
separaram (VECHIA et al., 2011).
3 Disponível em: <http://www.unitrabalho.org.br/spip.php?article6>. Acesso em: 5 jan. 2015.
16
Outro fator importante para a difusão das incubadoras foi o surgimento do Programa
Nacional de Cooperativas Populares (PRONINC), que financiou as primeiras incubadoras e
cuja verba era proveniente da Fundação do Banco do Brasil e da FINEP (VECHIA et al.,
2011).
No âmbito da ANPROTEC, em 2008, foi criada a Rede de Incubadoras de
Desenvolvimento Inclusivo (RIDI), que integra a Rede Latino-Americana de Associações de
Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas (RELAPI), com o objetivo de trocar
informações e experiências, gerar e compartilhar conhecimento e desenvolver políticas
voltadas para esse tipo de incubadora. Atualmente seis incubadoras fazem parte da RIDI.
Para este trabalho não foi localizado pela autora nenhum estudo acadêmico derivado ou
atrelado à RIDI sobre incubadora social ou desenvolvimento inclusivo.
1.2. Definições e objetivos
Para a ANPROTEC, uma incubadora de empresa:
é uma entidade que tem por objetivo oferecer suporte a empreendedores para que
eles possam desenvolver ideias inovadoras e transformá-las em empreendimentos
de sucesso. Para isso, oferece infraestrutura, capacitação e suporte gerencial,
orientando os empreendedores sobre aspectos administrativos, comerciais,
financeiros e jurídicos, entre outras questões essenciais ao desenvolvimento de uma
empresa.4
As incubadoras possuem um caráter único de atuação, diferindo de qualquer outro modelo de
empreendimento, e, conforme definido por Plonski (2002), são:
entidades heterodoxas, que contestam os modelos arcaicos puristas estabelecidos de
dissociação entre as esferas acadêmica, empresarial e governamental. Incubadoras são, deliciosamente, entidades ambíguas – ao mesmo tempo empresa e
universidade, concomitantemente espaço privado e público, esgrimindo as armas da
competição e, simultaneamente, praticando ações de cooperação.
Essa definição de Plonski evidencia a atuação multissetorial por trás de uma
incubadora, que interliga diversos agentes da sociedade em busca do desenvolvimento de um
negócio. O setor público pode identificar na incubadora uma oportunidade para direcionar
verbas para o desenvolvimento de empreendimentos que dinamizam a economia local e
geram empregos para uma região. As universidades têm a possibilidade de compartilhar suas
4 Disponível em: <http://anprotec.org.br/site/pt/incubadoras-e-parques/perguntas-frequentes/>. Acesso em: 5 jan.
2015.
17
pesquisas com os empreendedores das empresas incubadas, dando utilidade prática aos seus
estudos. Além disso, as incubadoras são espaços privados, porém de utilidade pública, pois
cedem às empresas incubadas, em muitos casos, até mesmo a chave da porta de entrada do
espaço físico, para que as empresas se instalem e utilizem a infraestrutura como se fossem
proprietárias do local. Durante o período de incubação, seus gestores e coordenadores
possuem uma atitude de orientação, atendimento, cooperação e capacitação em relação aos
empreendedores incubados, ao mesmo tempo que ensinam a eles estratégias para competir
com outras empresas.
Dornelas, de maneira similar a Plonski e acrescentando a necessidade de orientação
prática e sustentabilidade após o período de incubação, define incubadora de empresas como:
um mecanismo – mantido por entidades governamentais, universidades, grupos
comunitários etc. – de aceleração do desenvolvimento de empreendimentos
(incubados ou associados), mediante um regime de negócios, serviços e suporte
técnico compartilhado, além de orientação prática e profissional (DORNELAS,
2002, p. 14).
O autor acrescenta que se deve buscar empresas capazes de competir no mercado e
que sejam financeiramente viáveis, mesmo após o período de incubação (DORNELAS,
2002).
O SEBRAE, assim como a ANPROTEC, define as incubadoras como
desenvolvedoras de empresas inovadoras, entre outras características, conforme segue:
um ambiente que promove a transferência de tecnologia e é especialmente
planejada para apoiar e estimular a criação e/ou desenvolvimento de micro e
pequenas empresas industriais, de prestação de serviços, de base tecnológica ou de manufatura leves, voltadas à produção de bens ou serviços inovadores. Para isso
disponibiliza uma infraestrutura diferenciada, serviços e consultorias especializadas
que contribuem para a formação complementar do empreendedor em seus aspectos
técnicos e gerenciais.5
Para Aranha (2008), a incubadora é considerada além das instalações físicas, sendo
que:
uma incubadora consiste num processo, num mecanismo (e não numa organização
ou localidade) dos mais eficientes para a criação de empresas e de transformação de
conhecimento em processos, produtos e serviços.
Diante das concepções apresentadas, é possível identificar que a incubadora de
empresas é uma organização que estabelece conexões entre diversos agentes da sociedade –
5 Disponível em: <http://www.sebrae-sc.com.br/leis/default.asp?vcdtexto=423&%5E%5E>. Acesso em: 5 jan.
2015.
18
como governo, universidades, empresas privadas – e qualquer outro agente que possa
contribuir com o objetivo de auxiliar empreendedores a criar e desenvolver seus negócios,
inovadores ou não. Desse modo, as empresas incubadas são apoiadas por meio dessas
conexões e da disponibilização de recursos, como infraestrutura física para a instalação da
empresa e suporte administrativo do negócio em todas as suas etapas, o que significa uma
transferência de conhecimento. Além de serem criados e desenvolvidos dentro da incubadora,
os negócios devem ser preparados para sobreviver no mercado após o período de incubação,
o que representará a efetividade da incubadora.
Em relação às incubadoras sociais, de maneira geral, suas ambições são as mesmas
das incubadoras de empresa de base tecnológica ou tradicional, porém a finalidade das
empresas incubadas é diferente: elas devem ser criadas e desenvolvidas para solucionar um
problema social. Essas empresas podem ser da economia solidária ou constituir um negócio
social e/ou inclusivo (a distinção entre esses negócios é apresentada no capítulo 2).
As incubadoras sociais vinculadas às universidades desenvolvem principalmente
empreendimentos da economia solidária. Para Culti (2002), essa é uma maneira que as
universidades têm para resgatar o compromisso com a sociedade que a mantém.
1.3. Atuação no Brasil
Dados da ANPROTEC de 2012 apontam que as 384 incubadoras existentes no Brasil
abrigam 2.640 empresas, geram 16.940 postos de trabalho (uma média de 6,20 postos por
empresa) e juntas faturam 533 milhões de reais por ano. Além disso, 2.509 empreendimentos
já graduaram, ou seja, já atuam de maneira independente da incubadora, gerando atualmente
29.205 empregos e faturando 4,1 bilhões de reais anualmente (ANPROTEC; MCTI, 2012).
No país, existem diversas modalidades de incubadoras: a de base tecnológica, nas
quais a tecnologia nos produtos e serviços gerados representa um alto valor agregado; a
tradicional, que abriga empreendimentos considerados tradicionais na economia; a mista, que
abriga empreendimentos de base tecnológica e tradicional; a social, que desenvolve
empreendimentos resultantes de projetos sociais; a de cooperativa, que abriga
empreendimentos associativos, além de incubadoras específicas de determinada atividade
como as culturais, de agronegócio, etc. (INCUBADORAS..., 2012).
Em 2011, 40% das incubadoras brasileiras atuavam com empresas ligadas à
tecnologia, 18% incubavam empresas ligadas a setores considerados tradicionais e 18%
trabalhavam com ambos os segmentos, sendo consideradas de atuação mista. Em relação à
19
incubação de empresas de prestação de serviços, 8% das incubadoras brasileiras atuavam
com esse tipo de empresa. As demais incubadoras, que representavam 16% da totalidade
brasileira, atuavam com empresas ligadas à cultura (7%), ao social (7%) e ao agronegócio
(2%), conforme ilustrado no Gráfico 1 abaixo.
Gráfico 1. Setores de atuação das incubadoras brasileiras
Fonte: ANPROTEC; MCTI, 2012
Em relação às incubadoras sociais vinculadas à Unitrabalho, atualmente há 45
associadas, nove na região Norte, dezesseis na região Nordeste, seis na região Centro-Oeste,
oito na região Sudeste e seis na região Sul. Sobre a Rede de ITCPs, em 2010 já havia 42
incubadoras de universidades vinculadas à rede6.
Há também organizações não governamentais (ONGs) e organizações da sociedade
civil de interesse público (OSCIP) que atuam como incubadoras sociais. Um estudo
coordenado pela Fundação AVINA, Ande Polo Brasil e Potencia Ventures identificou que,
em 2011, havia no Brasil 60 incubadoras de negócios sociais e negócios inclusivos, e destas
20 eram de base tecnológica que abrangiam também os negócios sociais e inclusivos (ANDE
POLO BRASIL; FUNDAÇÃO AVINA; POTENCIA VENTURES, 2011).
No Brasil, o tempo médio de incubação de um negócio é de três anos, e esse tempo
pode variar dependendo do segmento de atuação. Além disso, há duas possibilidades para
incubar uma empresa (ANPROTEC; MCTI, 2012):
Incubação residente: na qual o negócio incubado permanece nas instalações da
incubadora.
Incubação não residente: na qual o negócio permanece em sua própria sede mesmo
recebendo apoio e orientação da incubadora.
20
1.4. Etapas de um processo de incubação de empresas
Em relação ao processo de incubação, Aranha (2008) afirma que há uma etapa
anterior à seleção dos participantes, muito importante, que requer iniciativas do potencial
empreendedor. Essa etapa é chamada de pré-incubação, e as iniciativas correspondem, por
exemplo, à procura de outros empreendedores para a realização de uma empresa em conjunto
e à pesquisa de mercado para a elaboração do plano de negócios. Depois de verificada a
viabilidade do plano de negócios, o empreendedor está apto a participar da etapa de seleção
dos potenciais empreendimentos.
A etapa de seleção corresponde ao período em que a incubadora avalia os planos de
negócios e os empreendedores para participar da incubadora. Para Aranha (2008), o período
de seleção é o mais crítico e é nele que se inicia a possibilidade de se gerar empreendimentos
de qualidade. Essa seleção deve ser realizada a partir de critérios claros e buscando atingir o
objetivo final, que pode ser inovar e gerar novas tecnologias, gerar postos de trabalho,
diminuir desigualdade, incluir na cadeia produtiva pessoas marginalizadas, dinamizar a
economia, etc. Acima de tudo, Aranha afirma ser necessário verificar a possibilidade da
sustentabilidade dos empreendimentos.
Depois de selecionados, os empreendimentos passam para a etapa da incubação e são
chamados de “incubados”. Nessa etapa os empreendedores utilizam a infraestrutura e os
serviços oferecidos pela incubadora e devem ser capazes de se desenvolver e atuar de
maneira sustentável para passar para a próxima etapa, que é a etapa da graduação
(ARANHA, 2008).
Na etapa da graduação os empreendimentos passam a se chamar “graduados” e estão
aptos a deixar a infraestrutura e os serviços oferecidos pela incubadora e a competir no
mercado. Aranha (2008) ressalta que isso pode acontecer antes ou depois de um período
médio de dois anos, dependendo de cada empreendimento, e que a empresa graduada pode
manter contato com a incubadora e utilizar seus serviços, porém de maneira associada, desde
que não gere conflito com os demais parceiros. O processo de graduação deve ser iniciado
com pelo menos seis meses de antecedência e deve conter a elaboração de um novo plano de
negócio e a previsão de todos os possíveis gastos (ARANHA, 2008).
6 Disponível em: <http://antares.ucpel.tche.br/nesic/redeitcps.php>. Acesso em: 5 jan. 2015
21
Em seguida vem a etapa chamada de pós-incubação, na qual o principal objetivo é
inserir os empreendimentos graduados em redes de parcerias para o crescimento e
consolidação do negócio (ARANHA, 2008).
Embora as incubadoras sociais tenham sido originadas a partir das incubadoras
tecnológicas, as do tipo social realizaram adaptações em suas etapas e práticas, uma vez que
o público, principalmente no caso dos empreendimentos solidários e dos negócios inclusivos,
apresenta maior vulnerabilidade social e econômica, muitas vezes associada à baixa
escolaridade e à pobreza.
Para Vechia et al. (2011), no que diz respeito às incubadoras vinculadas às
universidades e aos membros da Rede de ITCPs, há quatro etapas: a “pré-incubação”, na qual
há o conhecimento entre as partes; a “incubação”, na qual há formação, assessoria e
consultoria dos grupos solidários; a “desincubação” e a “pós-incubação”, nas quais os grupos
podem recorrer a determinada ação da incubadora.
A ITCP/COPPE, por exemplo, incuba as empresas por três anos e meio seguindo
quatro fases, que serão vistas a seguir, porém é necessária a chamada “Fase 0” anterior à
primeira etapa. Essa fase compreende a seleção e a sensibilização dos candidatos, além da
difusão da proposta e do processo da incubação.
Na primeira etapa, ou “Fase 1”, é elaborado o projeto do empreendimento para os três
anos subsequentes, e essa etapa é concluída quando os participantes: demonstrarem na prática
comportamentos e conhecimentos cooperativistas; tiverem o próprio estatuto social;
conhecerem o foco da própria produção; e possuírem conhecimento sobre precificação e
organização da produção. A ITCP/COPPE afirma ser importante um ritual de passagem entre
a primeira e a segunda etapa como um reconhecimento e valorização das atividades
concluídas na primeira.
A segunda etapa, ou “Fase 2”, compreende o desenvolvimento do projeto; nela, os
membros têm a oportunidade de identificar forças e fraquezas e rever o projeto, caso
necessário. A passagem para a terceira etapa também deve contemplar um ritual de passagem
e deve acontecer após o alcance da viabilidade econômica e cooperativa.
A terceira etapa, ou “Fase 3”, busca uma expansão do empreendimento com menos
intervenção da incubadora e, consequentemente, mais autonomia dos membros da empresa.
A última etapa, a “Fase 4”, corresponde ao período de graduação e autonomia da
cooperativa, na qual é realizada uma análise das ações do empreendimento e das perspectivas
para o futuro (ITCP/COPPE).
22
1.5. A efetividade: práticas, resultados e impactos
A discussão sobre a efetividade das incubadoras está presente em estudos acadêmicos,
além de estudos de organizações que atuam em parceria com as incubadoras. Para a National
Business Incubation Association (NBIA), organização localizada nos Estados Unidos que
conta com mais de 2 mil membros distribuídos em 60 países, há dois princípios que
caracterizam a efetividade de uma incubadora:
a incubadora deve buscar um impacto positivo na saúde econômica da comunidade
por meio da maximização do sucesso das empresas emergentes e a incubadora deve
ser um modelo dinâmico de sustentabilidade e eficiente na operação do negócio7
(tradução nossa) .
Em relação ao impacto positivo na economia, no Brasil, as incubadoras de empresas
desenvolvem principalmente micro e pequenas empresas (MPEs), com maior índice de
sobrevivência no mercado em relação àqueles empreendimentos que não passaram pelas
incubadoras. Junto com os microempreendimentos individuais, são reconhecidos por
dinamizar a economia e pela geração de empregos, incluindo pessoas em condições
vulneráveis, como aquelas acima de 40 anos, portadores de necessidades especiais, jovens que
buscam o primeiro emprego, desempregados de longa data, entre outros, além de desenvolver
novas tecnologias, que resultam em produtos e serviços melhores e/ou mais baratos (SOUZA;
SOUZA; BONILHA, 2008).
Um estudo do SEBRAE aponta que, no Brasil, em 2010, a taxa de mortalidade média
das MPEs nos dois primeiros anos de existência atingiu 27% (FIESP, 2012) e as principais
causas para o fechamento do negócio são: falta de (ou pouco) planejamento prévio;
dificuldade com a gestão do negócio, especialmente com a aquisição de clientes; e
comportamento empreendedor (SEBRAE-SP, 2014). Em contrapartida, quando esses
empreendimentos passam por uma incubadora de empresas, a taxa de mortalidade média das
empresas cai para 20% (BOAS..., 2008). Sendo uma média, há incubadoras que atingem um
número maior de empresas sobreviventes. A taxa de sobrevivência é calculada pela relação do
número de empresas que entram na incubadora e que continuam operando após cinco anos do
início da graduação (ARANHA, 2008).
Para Aranha (2008), as incubadoras devem mesmo buscar uma taxa maior de
sobrevivência das empresas incubadas em relação àquelas que não passam por incubadora e
7 Disponível em: <http://www.nbia.org/resource_library/best_practices/index.php>. Acesso em: 5 jan. 2015.
23
no menor tempo possível. O menor tempo possível de incubação pode ser atingido pela
capacitação do candidato antes do período de incubação, o que pode ocorrer por meio de
parcerias para treinamento, por exemplo.
Para ser efetiva, a NBIA definiu que uma incubadora deve:
• comprometer-se com os dois princípios da incubação de negócios (descritos no
início deste item 1.5); • obter consenso na missão que define a responsabilidade da incubadora na
comunidade e desenvolver um plano estratégico que contenha objetivos
quantificáveis para atingir a missão do programa;
• garantir estrutura para a sustentabilidade financeira por meio do desenvolvimento
e implementação de um plano de negócios realista;
• recrutar e compensar apropriadamente a gerência capaz de atingir a missão da
incubadora e que possua habilidades para fazer empresas crescerem;
• construir um conselho eficaz de administração comprometido com a missão da
incubadora e que maximize o papel da gestão no desenvolvimento de empresas de
sucesso;
• priorizar o tempo dos gestores para colocar a ênfase maior no atendimento ao cliente, incluindo assessoria proativa e orientação que resulte em sucesso da
empresa e criação de riqueza;
• desenvolver instalações, recursos, métodos e ferramentas que efetivamente
contribuam com as empresas incubadas e que atendam às necessidades de
desenvolvimento de cada negócio;
• procurar integrar programas e atividades da incubadora na construção da
comunidade, bem como em seus objetivos de desenvolvimento econômico e
estratégias;
• manter um sistema de gerenciamento de informação e coletar estatísticas e outras
informações necessárias para avaliações do programa em curso, melhorando assim
a eficácia do programa e permitindo que esse evolua de acordo com as necessidades dos clientes8 (tradução nossa).
Embora definidos em 1995, os princípios, bem como as orientações aos dirigentes,
ainda estão disponíveis no site da NBIA, o que faz com que sejam considerados atuais.
Em relação à estrutura e aos serviços que uma incubadora deve fornecer aos
empreendimentos incubados, Dornelas (2002), com base em estudos que levam em
consideração diversos autores e instituições ligadas a atividades das incubadoras, destaca que
é necessário:
promover expertise em relação à administração de negócios, pois muitas vezes os
empreendedores possuem a ideia e a empolgação para abrir e gerir um empreendimento,
porém não possuem formação suficiente em gestão financeira, de recursos humanos, entre
outros;
facilitar o acesso a financiamentos e investimentos;
oferecer suporte e assessoria financeira aos gerentes das empresas incubadas;
8 Disponível em: <http://www.nbia.org/resource_library/best_practices/index.php>. Acesso em: 5 jan. 2015.
24
conquistar o apoio da comunidade para o próprio crescimento da incubadora. Isso pode
acontecer com a divulgação dos resultados das empresas incubadas ou pela inserção de
membros da comunidade no conselho de administração;
estabelecer redes de relacionamento com atores que promovem a atividade
empreendedora, como universidades e organizações que forneçam suporte, como
associações de empreendedorismo, empresas de contabilidade, marketing, assessoria
jurídica, entre outros, além de fornecedores e clientes, para que as empresas incubadas
sejam beneficiadas com essas relações;
estabelecer redes e parcerias com universidades e/ou centros de pesquisas para que a
incubadora possa se tornar um meio de transferência de tecnologia entre as universidades
e o mercado e a universidade possa prover tecnologia e novos empreendimentos à
incubadora;
ensinar empreendedorismo;
selecionar com base em critérios claros as empresas que serão incubadas;
estabelecer um programa de metas com procedimentos e metas da incubadora e das
empresas incubadas. É necessário que a incubadora preste contas sobre sua atuação e que
as empresas incubadas saibam como serão avaliadas;
criar a percepção de sucesso da incubadora, para garantir mais financiamentos e parcerias
e para facilitar a inserção das empresas graduadas no mercado.
Segundo Dornelas (2002), essa percepção de sucesso pode ser medida pelas
instalações da incubadora; pela capacidade de estabelecer parcerias com entidades públicas e
privadas; pela atuação de um gerente experiente e efetivo; pela diretoria engajada no sucesso
da incubadora; por um conselho consultivo composto de pessoas reconhecidas na área de
atuação; pelo sucesso das empresas graduadas; pela alta possibilidade de sucesso das
empresas incubadas; pela exposição na mídia como um referencial de sucesso; pelo período
de incubação dentro da média, de 2 a 3 anos; pela baixa mortalidade das empresas incubadas;
pelo estágio de desenvolvimento da incubadora compatível com o tempo de existência e o
ensino de empreendedorismo. Esse autor afirma ainda que uma incubadora não deve se
prender ao sucesso de um ciclo concluído e deve buscar inovar nas suas práticas
(DORNELAS, 2002).
De acordo com o SEBRAE, é necessário prover também um “espaço físico individual
com um endereço conhecido e respeitado”, a “formação de parcerias entre as empresas” e o
“acesso facilitado e subsidiado às orientações financeiras, tecnológicas e gerenciais”. Além
25
disso, a implantação de uma incubadora deve identificar a vocação da localidade e as
possíveis deficiências nas cadeias produtivas. Em relação à seleção criteriosa das empresas
que serão incubadas, conforme identificado por Dornelas e descrito anteriormente, o
SEBRAE solicita aos candidatos que apresentem um plano de negócio9.
Já Aranha (2008) afirma que, entre outras iniciativas já apresentadas, o gestor da
incubadora é peça fundamental na criação e no desenvolvimento de novos empreendimentos,
atuando desde a seleção criteriosa dos empreendedores até a capacidade de transferir
conhecimento, além de introduzir novas competências como gestão dos relacionamentos e
ambientes colaborativos (ARANHA, 2008).
Em um estudo realizado em 2007, com empresas incubadas no estado de São Paulo,
Souza, Souza e Bonilha (2008) identificaram que, de maneira geral, os empreendedores estão
satisfeitos com a estrutura física das incubadoras, porém muito ainda deve ser realizado em
relação aos apoios técnico e gerencial em recursos humanos, estratégia, contabilidade,
planejamento, finanças, produção, marketing e operação. Já um estudo realizado em 2011,
com empresas do MIDI tecnológico, uma incubadora que apoia empresas de base tecnológica
localizada em Florianópolis, concluiu que os empreendedores estavam satisfeitos tanto com a
infraestrutura como com os serviços oferecidos pela incubadora (SOUSA; BEUREN, 2011).
Outro estudo realizado em 2013, com empreendimentos da incubadora de base tecnológica da
Universidade de Brasília, identificou que a infraestrutura é percebida como importante pelos
empreendedores, mas passa a ser secundária após a instalação dos empreendimentos. O que
se torna de grande importância é a rede de relacionamentos entre as empresas (BARBOSA;
HOFFMANN, 2013).
Segundo Vechia et al. (2011), em relação às incubadoras vinculadas às universidades
e membros da Rede de ITCP, não há uma metodologia única – cada incubadora desenvolve a
sua própria metodologia de acordo com sua realidade. Porém, para a Rede de ITCPs, há
princípios éticos-políticos que as unificam como: a defesa dos princípios da economia
solidária; a “articulação plena entre ensino, pesquisa e extensão”; o comprometimento da
universidade com setores populares; a autogestão dentro da própria incubadora; a
interdisciplinaridade e a participação nos fóruns da economia social e solidária (VECHIA et
al., 2011, p. 127-8).
Ainda de acordo com Vechia et al. (2011), algumas incubadoras atendem apenas a
demandas já organizadas e outras sensibilizam a população para a economia solidária. Em
9 Disponível em: <http://www.sebrae-sc.com.br/leis/default.asp?vcdtexto=423&%5E%5E>. Acesso em: 5 jan.
2015.
26
relação às equipes de trabalho, esses autores afirmam que há incubadoras em que a
distribuição do trabalho entre professores e estudantes é equilibrada, enquanto em outras os
estudantes predominam e seu trabalho pode ser remunerado por meio de bolsas de extensão
ou de pesquisa ou mesmo realizado de maneira voluntária, este último característico
principalmente das universidades privadas. Além disso, algumas incubadoras realizam cursos
de formação básica para os empreendedores que irão participar da incubadora, iniciativa mais
comum em incubadoras em que o trabalho dos professores tem maior importância (VECHIA
et al., 2011). Ainda para esses autores, a mensuração dos resultados da própria incubadora
também é variável.
Em relação ao processo de seleção, algumas incubadoras não possuem um método
para tal e há polêmica sobre se devem incubar empreendimentos não populares, embora a
maioria das incubadoras trabalhe com populações de baixa renda e baixa escolaridade
(VECHIA et al., 2011).
Para Vechia et al. (2001), a incubação social nas universidades é um processo de troca
constante caracterizado por pedagogias participativas. Além disso, exige intervenção
interdisciplinar especialmente nas áreas de direito, economia, administração, contabilidade,
pedagogia, serviço social, psicologia, além das áreas relacionadas ao próprio negócio. O
tempo de incubação não é predeterminado e, em geral, dura de dois a três anos (VECHIA et
al., 2011).
Com base nas informações apresentadas sobre as incubadoras de empresas, pode-se
dizer que essas são relevantes para a construção e a consolidação de empreendimentos,
incluindo os sociais, e a consequente geração de emprego e dinamização da economia. Faz-se
necessário, então, definir o que é empreendimento solidário, negócio inclusivo, negócio
social e negócio com impacto social. As concepções que embasam esses empreendimentos
são apresentadas no capítulo 2.
27
2. UM PANORAMA SOBRE ORGANIZAÇÕES PRIVADAS COM OBJETIVOS
SOCIAIS
Antes de abordar as diferentes concepções que embasam as organizações que se
propõem a resolver um problema social, será feita uma breve apresentação do contexto em
que essas organizações estão se desenvolvendo.
Atualmente, há mais de 7 bilhões de pessoas em nosso planeta. Embora muito tenha
sido alcançado em termos de desenvolvimento no século XX, grande parte da população
sofre com a pobreza e a miséria, que podem ser atreladas à fome, à desnutrição, à falta de
saneamento básico e de água potável, à falta de acesso à educação, entre outras necessidades
básicas. A pobreza e a miséria estão diretamente ligadas à exclusão social, condição na qual
as pessoas são privadas do acesso a produtos e serviços básicos para a satisfação das
necessidades do ser humano e da sua própria liberdade (SEN, 2000). Além disso, há ainda
grupos de pessoas marginalizadas por causa de sua etnia, de seu gênero, de suas
características físicas ou mentais, entre outros.
O atual modelo econômico compõe-se, principalmente, de empresas privadas
tradicionais, que buscam essencialmente a maximização dos lucros para seus acionistas,
muitas vezes em detrimento do bem-estar coletivo e ambiental. Compõe-se também dos
Estados, que foram concebidos para fiscalizar e regular a ação das empresas privadas e para
garantir o suprimento de necessidades básicas da população, mas que, por si sós, em diversas
partes do mundo, apresentam-se como insuficientes e, muitas vezes, ineficazes na solução
desses problemas.
Segundo Dowbor (2007), os mecanismos de mercado atuais não são capazes de
reverter o processo de destruição de nosso ecossistema, que é a base para a subsistência e a
prosperidade da espécie humana. As empresas visam benefícios em curto prazo para seus
próprios acionistas e não enfrentam oposição alguma dos principais prejudicados por essas
ações, que são as gerações futuras e a natureza.
A produção global de alimentos, por exemplo, é suficiente para combater a fome de
todos os habitantes do planeta, porém há ainda, segundo dados da Organização das Nações
Unidas (ONU), aproximadamente 925 milhões de pessoas passando fome em todo o globo
terrestre, resultado de políticas que enxergam os alimentos como produtos de interesse
econômico para os governos e para as empresas privadas, que buscam lucros cada vez
maiores, em vez de considerá-los uma necessidade básica do ser humano, cuja produção e
consumo devem ser inseridos em políticas públicas (KLIASS, 2011).
28
Além disso, segundo a ONU, 1% da população mundial possui riqueza equivalente à
soma da riqueza de 50% da população do globo terrestre. O secretário-geral da ONU, Ban
Ki-moon, afirmou que a desigualdade de renda entre ricos e pobres está aumentando entre os
países e também dentro dos países. Já Guy Ryder afirmou que “atualmente toda uma geração
de jovens enfrenta a perspectiva de um futuro mais incerto e menos próspero do que o que
teve a geração anterior. A situação de muitos é tão desesperadora que parece difícil acreditar
que pode piorar”10
.
Aktouf (2004) condena a ordem econômica atual, que nos é apresentada como algo
contra o qual nada se pode fazer, como se estivesse ligada à natureza humana ou dominada
por leis e fenômenos invencíveis, ou como uma etapa de um processo que conduziria a uma
ordem necessária e boa, sendo preciso eliminar barreiras que criam empecilhos para a sua
instalação. O autor ainda destaca a prática crematística da economia atual, principalmente das
grandes organizações, que lucram bilhões de dólares e, ao mesmo tempo, provocam
desemprego em massa.
O relatório Inequality Matter, Report on the World Social Situation 2013 (ONU,
2013) evidencia que o crescimento da economia, tal como está, não é suficiente para reduzir a
pobreza e os problemas de desigualdade. Como já evidenciado na Rio+20, uma
transformação nos modelos e uma abordagem inclusiva são necessárias nos setores da
economia, da sociedade e do meio ambiente – grupos marginalizados e desfavorecidos devem
receber atenção especial de líderes globais para o combate da desigualdade. Além disso, o
relatório também demonstra que, embora não percebido pela camada mais privilegiada da
sociedade, a desigualdade atinge de maneira negativa a todos, pois gera desperdício e
subaproveitamento de mão de obra.
Stiglitz (2014) ressalta a crescente desigualdade econômica e social nos Estados
Unidos e defende a concorrência justa entre empresas com geração de lucros zero. No
entanto, o que se observa são cada vez mais monopólios e oligopólios, que maximizam os
resultados financeiros dessas empresas, além da brusca diferença salarial entre um Chief
Executive Officer (CEO) e um funcionário da mesma empresa (diferença que chega a ser de
295 vezes, sem que o CEO possa ter uma produtividade 295 vezes maior que a do
funcionário). A constatação de Stiglitz é fruto de políticas empresariais que visam à
centralização do poder econômico no topo da pirâmide, em detrimento de uma maior
igualdade econômica e social em todos os segmentos. O conceito de crescimento econômico
10 Disponível em: <http://unicrio.org.br/oit-cerca-de-1-da-populacao-mundial-possui-a-mesma-riqueza-que-35-
bilhoes-de-pessoas>. Acesso em: 5 jan. 2015.
29
vem considerando que não somente medidas econômicas, mas também sociais e ambientais
contribuem para o desenvolvimento de nossa economia.
A desigualdade de renda também é parte da realidade do Brasil, que possui
aproximadamente 200 milhões de habitantes e ocupa o 7o lugar no ranking das maiores
economias do mundo, ranking que considera o produto interno bruto (PIB) do país, que em
2013 foi de 4,8 trilhões de reais (IBGE, 2014). O país possui um índice de desenvolvimento
humano (IDH) de 0,744 (em uma escala que vai de 0 a 1), ocupando a 79a posição em uma
lista de 187 países (PNUD, 2014). Essa disparidade entre a posição do Brasil segundo o PIB
e sua posição segundo o IDH evidencia que o que está sendo produzido no Brasil não
beneficia da mesma maneira todo o povo brasileiro.
O PIB pode ser considerado um indicador insuficiente de progresso de um país, pois
mede a quantidade de recursos que está sendo utilizada sem avaliar se esses recursos
representam um resultado positivo para a sociedade e o meio ambiente. Por exemplo, pode
ocorrer um aumento do PIB por causa do maior consumo de grades e portões – decorrente da
falta de segurança –, ou ele pode diminuir como consequência do investimento em saúde –
que resulta em redução no consumo de remédios e em gastos hospitalares (DOWBOR, 2014).
Para Dowbor (2013, p. 31), “temos olhado para a economia apenas do ponto de vista do ritmo
do crescimento, esquecendo-nos de pensar o que está crescendo, para quem, e com que
impactos ambientais”.
Já o IDH é composto de três pilares: saúde, medida por meio da expectativa de vida
da população; educação, medida por meio do cálculo de anos de estudo e expectativa de anos
de estudo das pessoas; e renda, considerada a renda per capita da população. A pontuação do
Brasil, 0,744, está em uma faixa considerada índice de desenvolvimento humano alto. Há
também as faixas “baixo”, “médio” e “muito alto” (BORGES; CALGARO, 2014). Esse
índice tende a refletir melhor a realidade de todos os brasileiros, mas também é insuficiente
por ser calculado considerando o resultado médio da população, o que, em uma sociedade
muito desigual, não permite uma correta interpretação do que ocorre no país.
Já se constatou que o Brasil vem apresentando melhores resultados sociais há duas
décadas, e muito se deve a políticas econômicas e programas sociais adotados pelos governos
desse período, porém há ainda um longo caminho a percorrer, pois a concentração de renda e
a consequente desigualdade social estão fortemente presentes no cenário brasileiro. Um
estudo publicado pelo Washington Post destaca o Brasil como um dos países de maior
desigualdade de renda no mundo todo, conforme ilustrado na Figura 1.
30
Figura 1. Desigualdade de renda
Fonte: Fisher, 2013
Os países em vermelho indicam maior desigualdade na distribuição de renda e os
países em azul uma maior igualdade, de acordo com o índice Palma, que calcula a diferença
de renda entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres. Esse mapa da desigualdade também
mostra que apenas a igualdade de renda não é suficiente para garantir as necessidades básicas
do ser humano. Países podem ter igualdade de renda, e todos os seus habitantes serem muito
pobres (FISHER, 2013).
Dinis e Mendes (2004) procuraram retratar a desigualdade por meio de uma situação
concreta. Em Santana de Parnaíba, cidade da Grande São Paulo, há um condomínio de luxo,
chamado Alphaville, cercado por muros e, assim, com as residências separadas das demais
casas da cidade. Distante cerca de cinco quilômetros do condomínio, se localiza o Jardim São
Vicente de Paula, no qual a população vive até em casas de papelão e chão de terra batida e
sem emprego formal. Em 2010, o IDH de Santana de Parnaíba foi de 0,81, considerado muito
alto11
. Certamente esse IDH não reflete a expectativa de vida, o tempo de estudo e a renda
per capita da população do Jardim São Vicente de Paula, no qual o índice cairia muito.
Em 2010, com o objetivo de “descontar” do resultado do IDH os valores que
representam a desigualdade, surgiu o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à
Desigualdade (IDHAD). A partir de então, o IDH pode ser visto como um índice potencial e
11 Disponível em: <http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/perfil/santana-de-parnaiba_sp>. Acesso em: 5 jan.
2015.
31
o IDHAD como um índice mais real12
. No caso do IDHAD, o Brasil recebe nota 0,54, insere-
se na faixa “baixa” e cai 16 posições no ranking mundial. O fator que mais contribuiu para a
queda foi o da renda per capita (desconto de 39,7% na nota), seguido pela educação
(desconto de 24,7% na nota) e pela saúde (desconto de 14,5% na nota) (FORMENTI;
NOSSA, 2014).
Direitos sociais à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à
segurança, à previdência social, à proteção da maternidade e da infância e à assistência aos
desamparados são aspectos garantidos pela Carta Magna brasileira, a Constituição Federal de
1988 (BRASIL, 1988). Ela traz como objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais,
bem como promover o bem de todos. No entanto, ainda há no país um longo caminho a ser
trilhado entre a declaração e a efetiva prestação dos direitos fundamentais sociais aos
cidadãos. A desigualdade social ainda é um fator determinante na qualidade de vida de todos
e é diretamente influenciada pelo sistema econômico-financeiro adotado no país.
Portanto, há a necessidade de atuação tanto do Estado como das demais organizações
para a construção de uma sociedade mais justa. Com o objetivo de solucionar problemas
sociais, surgem organizações privadas que atuam com mecanismos de mercado e buscam
benefícios sociais. Diversas são as iniciativas e os modelos organizacionais existentes. É
possível encontrar iniciativas de organizações sem fins lucrativos, de empresas tradicionais e
também de novos modelos emergentes chamados de negócio inclusivo, negócio social,
empresa social e negócio com impacto social.
Não há uma definição clara e única, tampouco um consenso quanto à utilização
desses termos, o que gera certa imprecisão nos estudos sobre o assunto, pois muitas vezes o
mesmo termo é utilizado para nomear iniciativas com premissas e resultados diferentes.
O que esses novos modelos emergentes têm em comum são os seguintes elementos:
que a organização seja privada, atue sob mecanismos de mercado e gere impacto social
positivo, especialmente entre pessoas que vivem em condições de maior vulnerabilidade
social e econômica. Esse novo modelo de negócio é emergente e vem despertando o interesse
de diversos atores da sociedade ao redor do mundo, inclusive no Brasil, sendo visto como
uma solução alternativa na geração de uma maior inclusão social. Essa possibilidade
despertou atenção também de membros das incubadoras de empresas, que atuam para
12 Disponível em: <http://www.pnud.org.br/IDH/IDH.aspx?indiceAccordion=0&li=li_IDH>. Acesso em: 5 jan.
2015.
32
oferecer infraestrutura e suporte aos empreendimentos até que esses negócios tenham
condições de “sobreviver” no mercado.
A seguir são apresentadas concepções presentes na literatura acadêmica e que, juntas,
compõem um panorama das organizações privadas com objetivos sociais.
2.1. Negócio inclusivo
O termo negócio inclusivo tem origem nas organizações de países em
desenvolvimento da América Latina, incluindo o Brasil, e é encontrado em estudos realizados
por pesquisadores da Social Enterprise Network (SEKN), rede formada em 2001 por diversas
e importantes escolas de administração de empresas da América Latina.
Segundo o Consejo Empresarial Colombiano para el Desarrollo Sostenible
(CECODES), negócios inclusivos podem ser considerados empreendimentos que fazem com
que seus beneficiários sejam inseridos no mercado como sócios, fornecedores, distribuidores
de produtos ou também como consumidores13
.
Para Teodósio e Comini (2012, p. 410), negócio inclusivo é um “termo adotado para
explicar as organizações que visam solucionar problemas sociais com eficiência e
sustentabilidade financeira” e que podem ser definidos como:
aqueles voltados à geração de oportunidades de emprego e renda para grupos com
baixa mobilidade no mercado de trabalho, dentro dos padrões do chamado “trabalho
decente” e de forma autossustentável, estabelecendo relações com organizações
empresariais privadas tradicionais na condição de fornecedores ou distribuidores de
seus produtos ou serviços (TEODOSIO; COMINI, 2012, p. 410).
Embora no Brasil o termo seja mais conhecido para se referir à inclusão de portadores
de necessidades especiais no mercado de trabalho, negócios inclusivos abrangem mais do que
essa população e incluem:
mulheres e homens com mais de 40 anos de idade, pobres e com pouca educação
formal, comunidades locais com fortes laços étnicos e educação precária (indígenas,
descendentes de vilarejos de escravos fugitivos, etc.), jovens sem experiência
profissional que vivem em áreas com alta vulnerabilidade social, portadores de necessidades especiais e outros grupos similares (TEODÓSIO; COMINI, 2012, p.
411).
13 Disponível em: <http://www.cecodes.org.co/negocios.html>. Acesso em: 5 jan. 2015.
33
Para ser considerado inclusivo não basta o acesso ao consumo, é necessária uma
mudança no statu quo (MÁRQUEZ; REFICCO; BERGER, 2009). Esses negócios incluem
diversos tipos de empreendimento, incluindo as grandes corporações, que permitem uma
inserção das pessoas em condição vulnerável em uma já consolidada rede de clientes,
fornecedores e demais parceiros do negócio (MÁRQUEZ; REFICCO; BERGER, 2009). Para
Márquez, Reficco e Berger (2009), a ideia de Prahalad (que é vista com mais detalhe no item
2.3) de buscar a riqueza na base da pirâmide conseguiu capturar a atenção do setor privado,
que mobilizou recursos e mão de obra em escalas não atingidas anteriormente por fundações
ou outras entidades sociais.
Os autores apontam ainda uma mudança de paradigma na concepção de valor dos
produtos e serviços desenvolvidos por esse negócio. Para eles, o valor deve ser percebido e
determinado pelo público que consome, e não decidido por quem está produzindo. Isso
significa também novas culturas organizacionais, nas quais “os segmentos pobres deixam de
ser invisíveis como atores econômicos” (MÁRQUEZ; REFICCO; BERGER, 2009, p. 32,
tradução nossa). Sobre a mudança de paradigma sobre o que é valor para os excluídos,
segundo esses autores, é comum a crença de que produtos e serviços devem ser de baixo
custo ou baixa qualidade. Por outro lado, constata-se que os pobres da América Latina
preferem produtos de marcas líderes ou intermediárias, com a segurança de minimizar os
riscos da compra de um produto de baixa qualidade. Como exemplo, os autores citam o fato
de que, na Argentina, consumidores pobres preferem comprar um modelo de celular mais
caro do que o preferido por consumidores de classe média. Isso porque o celular mais caro
também oferece acesso a outros recursos, como ouvir e armazenar música, tirar fotos, acessar
a internet, etc. Os consumidores de classe média preferiam acessar esses recursos em outros
equipamentos destinados a fins específicos (MÁRQUEZ; REFICCO; BERGER, 2009).
O envolvimento e o apoio do ecossistema são também importantes para os negócios
inclusivos, que devem englobar em sua cadeia de valor os fornecedores, os produtores e os
consumidores, além de agentes não comerciais como as agências reguladoras. Essa rede
contribui para “reduzir as incertezas” sobre esses negócios, “legitimar o negócio” e
“capitalizar a infraestrutura social existente”, além de propiciar a aquisição de inteligência de
mercado e a captação de recursos financeiros para financiar os negócios, por meio de fundos
da própria comunidade (MÁRQUEZ; REFICCO; BERGER, 2009, p. 34-35).
Para desenvolver um negócio inclusivo, é necessário que o empreendedor busque
objetivos sociais, porém ele deve apresentar competências de empreendedores de negócios
tradicionais. Sem empreendedores “capazes de conceber o setor privado como parte da
34
solução, será difícil estabelecer a conexão entre mercado e progresso social” (MÁRQUEZ;
REFICCO; BERGER, 2009, p. 35, tradução nossa).
Em muitos estudos, o termo negócio inclusivo é encontrado com o termo negócio
social.
2.2. Negócio social na concepção de Muhammad Yunus
Muhammad Yunus pode ser chamado de pai dos negócios sociais (YUNUS
NEGÓCIOS SOCIAIS, 2014). Nascido em Bangladesh, em 1940, Yunus formou-se em
Economia pela Universidade de Dhaka em 1960 e obteve seu PhD na mesma área em 1969,
pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos. Retornando a seu país, no início da
década de 1970, identificou que as teorias aprendidas na universidade não refletiam as
necessidades de seu povo, que sofria com a fome, a desnutrição, a falta de acesso à água
potável, entre outras necessidades humanas básicas.
Ao conhecer uma mulher, Sufia Begum, que vivia com menos de dois centavos de
dólar por dia, Yunus descobriu que ela dependia do crédito de agiotas para conseguir bambu,
matéria-prima para produzir tamboretes, e que, devido a essa relação, precisava vender seu
produto ao próprio credor a um custo inferior ao do mercado. Ela e seus companheiros da
comunidade estavam inseridos em um ciclo vicioso gerador de pobreza, do qual não tinham
meios para se libertar. Yunus pediu então que uma de suas alunas fizesse uma pesquisa na
aldeia para levantar de qual quantia em dinheiro a comunidade precisava para pagar as
dívidas com os agiotas e poder começar a comprar a matéria-prima de seus produtos com o
próprio dinheiro. O valor, que beneficiaria 42 pessoas, era de 27 dólares. Yunus emprestou
essa quantia e a partir dessa experiência, em 1976, nasceu o Banco Grameen, formalmente
reconhecido como banco em 1983, o primeiro negócio social.
Yunus afirma ter certeza de que a pobreza e as condições precárias em que vivem
uma pessoa são resultado da falta de oportunidades, e não da capacidade do indivíduo, e, para
definir os procedimentos do Banco Grameen, disse que fez o oposto do que faz qualquer
outro banco (YUNUS, 2011).
Logo após o Banco Grameen, vieram outros negócios sociais, resultados de joint
ventures com grandes multinacionais, como o Grameen Danone, Grameen Adidas, Grameen
Veolia Waters, entre outros, conforme informações do Quadro 1 a seguir (YUNUS, 2010;
YUNUS, 2011).
35
Quadro 1. Empresas Grameen
Problema endereçado Solução oferecida
Grameen Danone
Foods
Desnutrição infantil; redução da
pobreza.
Iogurte fortificado com
micronutrientes acessível; geração de
renda para comunidade local (desde
2007).
Grameen Veolia
Water
Água contaminada com arsênico nas
zonas rurais.
Água limpa por meio de pontos de
torneiras nas aldeias (desde 2008).
BASF Grameen Risco de malária em algumas partes de
Bangladesh.
Tela duradoura e acessível para
proteção contra o mosquito (desde 2009).
Grameen Intel Social
Business
Uso ineficiente de fertilizantes; falta de cuidados adequados à saúde
materna.
Soluções tecnológicas fáceis de usar
(desde 2009).
Grameen Yukiguni
Maitake Pobreza e desemprego.
Empregos para a camada pobre pelo
cultivo de feijão mung.
Grameen GC Eye
Care Hospital
Acesso limitado para tratamento
especializado dos olhos para os
pobres.
Exame acessível de cuidados dos
olhos e cirurgias para os pobres das
zonas rurais.
Grameen Caledonian
College of Nursing
Escassez de enfermeiros e falta de
acesso a cuidados médicos entre pobres e comunidades rurais.
Ensino de enfermagem para meninas
carentes (desde 2010).
Grameen Shakti Falta de eletricidade; ambiente
domiciliar insalubre.
Energia limpa (desde 2006) com:
energia domiciliar solar; fogões de
cozinha; unidades de biogás.
Grameen
Distribution
Falta de acesso a produtos básicos nas
zonas rurais.
Produtos sociais e de consumo
distribuídos porta a porta em áreas
rurais (desde 2011).
Grameen Fabrics &
Fashions Pobreza e desemprego.
Emprego para os pobres por meio de
produção local de itens como as telas
para mosquitos (desde 2012).
Fonte: Social Business Pedia, 2013, tradução nossa
Para Yunus (2010), o negócio social tem como objetivo a superação da pobreza ou a
busca de solução para um ou mais problemas ligados à educação, à saúde, à habitação, ao
acesso a tecnologia ou a qualquer outro tipo de bem ou de serviço que ameacem as pessoas e
a sociedade. Esse tipo de negócio deve ser sustentável e o lucro reinvestido na própria
empresa, para sua expansão ou melhoria de serviços ou produtos oferecidos. Além disso, a
empresa deve ser ambientalmente responsável, e os seus funcionários devem ter salários de
36
mercado e condições de trabalho melhores do que as empresas tradicionais. A distribuição de
dividendos aos investidores não é permitida, uma vez que eles podem receber de volta apenas
a quantia investida.
A principal diferença entre um negócio social e um tradicional é a razão da sua
existência. No primeiro, o objetivo é atender a uma demanda da população, especialmente de
pessoas de baixa renda ou de baixo acesso a determinado serviço ou produto. Em um negócio
tradicional, a razão da existência é o lucro, mesmo que o produto ou o serviço oferecido seja
benéfico para a população, sendo ela de baixa renda ou não, ou que o motivo de sua
existência traga algum tipo de benefício profissional e pessoal para seu dono.
A ideia de Yunus difere das demais perspectivas de negócios com impacto social ou
de empresa social (são vistos mais detalhes sobre negócios com impacto social no item 2.3. e
empresas sociais no item 2.5.) ao redor do mundo principalmente por não ser permitido
distribuir dividendos aos investidores. O autor defende esse ponto baseado em três
argumentos:
“moral: é imoral lucrar à custa dos pobres” (YUNUS, 2010, p. 31);
“pragmático: o lucro sempre prevalece sobre as outras prioridades” (YUNUS, 2010, p.
32);
“sistêmico: é necessário criar negócios sociais como uma alternativa claramente definida,
separada dos mundos dos negócios e da caridade, a fim de mudar mentalidades,
remodelar estruturas econômicas e encorajar novas formas de pensar” (YUNUS, 2010, p.
33).
Yunus afirma ser muito difícil equilibrar a balança da busca pelo benefício social e
pelo lucro. Lucrar significa que um montante que poderia ser reinvestido para expandir o
negócio ou para melhorar bens e serviços oferecidos às pessoas pobres está sendo alocado
apenas em benefício dos próprios investidores, e o critério para definir o montante do lucro
prejudica o próprio objetivo do negócio social. Além disso, ao passar por uma dificuldade
financeira, a empresa arrisca a qualidade do serviço ou do produto oferecido à população com
o objetivo de manter o lucro, mesmo que ele seja mínimo. Muhammad Yunus afirma que, em
época de crise, um CEO pode se confrontar com estratégias contraditórias e deparar-se com
condições difíceis para manter uma empresa lucrativa aos seus acionistas e que, além disso,
gere bem-estar social. O impacto social não deve ser comprometido, e, na busca do lucro,
provavelmente a qualidade ou custo do produto serão alterados para manter a lucratividade.
Yunus definiu que os sete princípios para iniciar um negócio social são:
37
1. O objetivo do negócio é a superação da pobreza ou de um ou mais problemas em
áreas como educação, saúde, acesso a tecnologia, meio ambiente, etc., que ameaçam as pessoas e a sociedade – e não a maximização dos lucros.
2. A empresa alcançará a sustentabilidade econômica e financeira.
3. Os investidores recebem de volta apenas o montante investido. Não se paga
nenhum dividendo além do retorno do investimento inicial.
4. Quando o montante do investimento é recuperado, o lucro fica com a empresa
para cobrir expansões e melhorias.
5. A empresa será ambientalmente consciente.
6. A força de trabalho recebe salários de mercado e desfruta de condições de
trabalho melhores que as usuais.
7. Faça-o com alegria!14 (tradução nossa).
Figura 2. Sete princípios básicos para iniciar um negócio social
Fonte: Yunus Centre
Os negócios sociais no modelo de Yunus prezam por salários competitivos e por
melhores condições de trabalho em comparação com as empresas tradicionais, pois um
negócio social não pode ser gerido com o risco de causar um problema social.
Todos esses elementos caracterizam o negócio social do tipo I (YUNUS, 2010). Há
também o negócio social do tipo II (YUNUS, 2010), representado por empresas comuns
14 Disponível em: <http://muhammadyunus.org/index.php/social-business/seven-principles>. Acesso em: 5 jan.
2015.
38
desde que os proprietários estejam em condições vulneráveis. Nesse caso, o lucro gerado
apoia essas pessoas e as ajuda a se livrar da pobreza e/ou exclusão social. Os produtos ou
serviços oferecidos por essas empresas disputam igualmente com empresas tradicionais a
produção ou execução de qualquer produto ou serviço disponível. De acordo com Yunus, no
negócio social do tipo II, “os bens e serviços produzidos poderiam ou não criar um benefício
social. Na realidade, o benefício social por esse tipo de empresa emana de sua propriedade” e
“qualquer benefício financeiro gerado pelas operações da empresa ajudará os necessitados”
(YUNUS, 2008, p. 42).
No Brasil, em outubro de 2013, a cidade do Rio de Janeiro foi certificada como a
primeira capital de negócios sociais da América Latina, com a presença de membros do
governo e do Yunus Social Business (YSB). Como resultado dessa certificação, foram
criados uma plataforma para atrair investidores e, em fevereiro de 2014, um fundo de
investimento para microempreendedores de favelas pacificadas, com estimativa de cinco
milhões de reais em três anos (PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO, 2013).
Em relação à academia, em 2013, em parceria com a Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM), localizada em São Paulo, foi fundado o Yunus ESPM Social Business
Centre, com o objetivo de estimular empresas e indivíduos a adotar o conceito e as
oportunidades de negócio social, tendo como princípios:
Missão: estimular empresas, indivíduos e estudantes a promover negócios que
atuem na resolução de problemas sociais.
Visão: fomentar negócios vinculados ao desenvolvimento social.
Valores: unir o espírito empreendedor ao compromisso social; dar igualdade de
oportunidade para todos; apoiar a liberdade de mercado e a livre iniciativa
empresarial; estimular o uso consciente de recursos naturais (ESPM).
2.3. Negócio social na concepção de Prahalad - oportunidades na base da pirâmide
Outra abordagem para negócio social foi concebida por pesquisadores da
Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, embasados nas ideias de Prahalad.
Coimbatore Krishnarao Prahalad era indiano e professor da Universidade de
Michigan, nos Estados Unidos. Entre seus estudos e livros publicados, a obra A riqueza na
base da pirâmide – Erradicando a pobreza com o lucro obteve grande repercussão entre
administradores de empresa. Nessa obra, Prahalad (2008) aponta a oportunidade de se obter
lucro e combater a miséria por meio da produção e da venda de produtos e serviços para as
39
pessoas mais pobres, classificadas como “a base da pirâmide” (BOP), incentivando as
empresas a direcionarem suas ações para esse segmento.
Prahalad e outros pesquisadores da Universidade de Harvard podem ser
considerados grandes influenciadores do modelo de gestão de empresas não só nos Estados
Unidos, mas ao redor do mundo. Um estudo realizado pelos também pesquisadores de
Harvard Rangan, Chu e Petkoski (2011) sugere uma divisão em três partes dos 4 bilhões de
pessoas consideradas a base da pirâmide: um grupo de 1 bilhão de pessoas que ganham até 1
dólar por dia; outro com 1,6 bilhão de pessoas que vivem com cerca de 1 a 3 dólares por dia;
e um terceiro grupo com 1,4 bilhão de pessoas que vivem com cerca de 3 a 5 dólares por dia.
O estudo aponta produtos e serviços que cada um dos grupos consome e/ou tem potencial
para consumir e destaca que as pessoas que ganham menos de 1 dólar por dia vivem em
condições muito precárias e são excluídas do mercado tanto como produtores como
consumidores, o que faz com que precisem de trabalhos remunerados e produtos baratos para
o dia a dia. Os autores apontam também as vantagens de se produzir para esses grupos da
base da pirâmide a custo baixo, porém com melhor qualidade, o que deve gerar um processo
de inovação nos processos e uma transformação na produtividade. Eles consideram o
potencial de consumo das populações mais pobres, do segmento de subsistência, mesmo que
modesto.
Em relação à participação da comunidade no processo de produção, Rangan, Chu e
Petkoski (2011) apontam a oportunidade de moradores locais serem treinados e atuarem
como trabalhadores na produção, no transporte e na venda de produtos de grandes empresas;
desse modo, a renda do trabalho poderia melhorar sua capacidade de consumo.
Contudo, eles alertam para o risco de as empresas acreditarem que fornecer produtos
e serviços para os pobres e integrar a população local ao trabalho seja suficiente para o
negócio ser considerado social, sendo que, muitas vezes, essas mesmas empresas são alvos de
protestos da própria população. Para unir valor comercial e social, Rangan, Chu e Petkoski
sugerem que as empresas simplifiquem suas operações para se tornarem economicamente
viáveis, de modo que criem incentivos para atrair as pessoas para a organização e
desenvolvam canais de distribuição para informar a população sobre o benefício do produto.
Os autores afirmam também que produzir e fornecer para a base da pirâmide
representa um risco para as empresas e que até os bem-intencionados e bem financiados
podem falhar; assim, são incentivadas parcerias com ONGs. Além disso, como serviços e
produtos para a base da pirâmide, como fornecimento de água potável, saneamento básico,
entre outros, requerem grandes investimentos, para que essas atividades garantam o lucro no
40
longo prazo, é necessário também que se estabeleçam parcerias com o setor público, a fim de
se obter garantias para a recuperação dos custos, além de subsídios e exclusividade de
atuação no mercado.
Rangan, Chu e Petkoski (2011) apontam como pontos de sucesso a busca pelo valor
social em conjunto com o valor comercial e colocam a produção em grande escala como um
importante fator para lidar com os obstáculos da base da pirâmide.
Sob a influência da perspectiva de Prahalad, projetos de empresas tradicionais
voltados para a base da pirâmide estão presentes nas organizações brasileiras. Diversas
empresas passaram a olhar para o potencial de consumo das pessoas da base da pirâmide,
também chamadas no Brasil de classes C, D e E. A Escola de Administração da Fundação
Getúlio Vargas entrou como parceira nesse modelo de negócio e sedia o laboratório BOP no
país, com o objetivo de pesquisar e divulgar esse modelo de negócio no Brasil (HART,
2013). Uma reportagem da revista IstoÉ Dinheiro listou 50 empresas no Brasil que atuam sob
essa perspectiva, nacionais ou não, entre elas empresas de telefonia, bancos, fabricantes de
produtos de higiene e limpeza, supermercados, etc. (CAETANO; FREIRE, 2013).
Como estratégia para uma ação bem-sucedida das empresas que querem atuar com a
BOP, Barki e Parente (2010 apud BARKI, 2013) definiram os três “Rs” que o administrador
deve considerar: Reach (alcance), canais de distribuição e meios de acesso são necessários
para que o produto ou o serviço chegue até as pessoas da BOP; Relantioship
(relacionamento), se faz necessário criar uma relação de confiança com o consumidor; e
Relevance (relevância), o produto deve ser útil para o consumidor e não apenas barato.
Segundo Torres e Izzo (2013), esse modelo de negócio atua sobre os pilares do triple
win, no qual as empresas ganham por meio do lucro, os consumidores ganham por meio do
acesso aos produtos e serviços e a sociedade ganha por meio do processo de inclusão social
das pessoas da BOP.
Em relação à utilização do lucro, essa abordagem afirma que é possível a
distribuição de dividendos aos acionistas, o que faria com que mais investidores se sentissem
atraídos pelo modelo, e, portanto, os impactos sociais seriam mais rapidamente atingidos e
em maior escala.
No Brasil, os pesquisadores brasileiros Comini, Barki e Aguiar (2013) utilizam o
termo negócio com impacto social. Nessa categoria, segmentam em: “negócio social com
maior ênfase no social” para denominar organizações que atuam de maneira similar à
proposta por Muhammad Yunus, cujo principal objetivo é a redução da pobreza, sendo o
lucro reinvestido na própria organização, entre outras características; e “negócio social com
41
maior ênfase no mercado” para denominar organizações que buscam acesso ao mercado da
base da pirâmide e nas quais a geração de valor social é relevante, mas não necessariamente o
principal objetivo, entre outras características. Essa segunda abordagem corrobora as ideias
de Prahalad.
2.4. A certificação do B lab e outras iniciativas dos Estados Unidos
Outra abordagem para a organização privada com objetivo social é representada pela
chamada B Corporation (Corporação B), uma certificação que surgiu em 2007, resultado da
iniciativa de três amigos, Jay Coen Gilbert, Bart Houlahan, e Andrew Kassoy, que estudaram
juntos na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, no final dos anos 1980 (MARQUIS,
KLABER; THOMASON, 2011).
Qualquer empresa privada ao redor do mundo pode receber a certificação concedida
por uma instituição sem fins lucrativos, chamada de B lab (laboratório B), desde que atenda
aos critérios por eles definidos de responsabilidade social e ambiental, de contabilidade e de
transparência. Até setembro de 2014, havia 1.116 empresas certificadas como B Corporation
em 121 segmentos de atuação, em 35 países.
O B lab pretende redefinir o que é considerado modelo de sucesso e tem como lema
que uma empresa deve ser “melhor para o mundo”, em vez de ser “melhor do mundo” (B
CORPORATION, 2014). Além disso, tem como objetivo que a empresa certificada direcione
parte ou todo o lucro obtido para causas sociais (YUNUS, 2010). A ideia é fazer da
certificação B uma marca valiosa e reconhecida pela sociedade, que identifique empresas
responsáveis (YUNUS, 2010).
Algumas organizações brasileiras começaram a aderir ao movimento da B
Corporation; até setembro de 2014, já havia vinte empresas certificadas no Brasil (B
CORPORATION).
Outra iniciativa do B lab é a chamada benefit corporation. Essa é uma estrutura
interessante de empresa, que deve ser criada e gerida de acordo com princípios de
sustentabilidade e de impacto social definidos pelo B lab; assim, ela não precisa da
certificação B Corporation, uma vez que sua criação e estrutura seguem necessariamente os
pré-requisitos da certificação. Até setembro de 2014, 27 estados dos Estados Unidos já
adotaram essa estrutura legal e 17 estão analisando a proposta. O objetivo da benefit
corporation é amparar gestores para que consigam priorizar impactos sociais positivos e
42
também permitir que a comunidade tenha condições de identificar e de patrocinar as
empresas15
.
Há também a chamada Flexible Purpose Corporation (FPC), reconhecida como
estrutura legal apenas no estado da Califórnia. A diferença entre a FPC e a benefit corporation
é que o objetivo social da FPC pode estar representado em uma única atividade claramente
definida, e não em diversas e indeterminadas como na benefit corporation (FIELD, 2012).
Ainda sob forma legal, há também as chamadas L3Cs, Low Profit Limited Liability
Company, empresas híbridas, pois têm um objetivo social e também buscam o lucro. Entre os
principais objetivos da empresa não estão a geração de renda, embora não haja um valor
máximo determinado para os dividendos ou um órgão fiscalizador para verificar se a
distribuição de lucros está sendo abusiva (YUNUS, 2010). Até agosto de 2014, dez estados
norte-americanos já incluíram as L3Cs como uma forma legal de empresa, que já somam
1.072 organizações nos Estados Unidos16
.
As L3Cs devem ter como objetivo atividades filantrópicas ou educacionais e
correspondem a uma forma simples para que uma empresa com objetivo social receba
doações de fundações por meio do Program Related Investments (FIELD, 2012).
2.5. As empresas sociais da economia solidária
Outra perspectiva para organizações privadas com objetivos sociais são as chamadas
empresas sociais da economia solidária. Esse termo surgiu pela primeira vez na Itália, nos
anos 1980, para nomear organizações que preenchem um espaço não ocupado pelos governos
e pelas empresas privadas no fornecimento de bens de consumo e de serviços de interesse
geral. Em vez de reclamar dos governantes, a comunidade organiza-se para criar empresas e
solucionar os problemas, contando em seu início com trabalhos voluntários (BORZAGA;
DEPEDRI; GALERA, 2012).
Essas empresas, no contexto europeu, atuam principalmente na inserção de pessoas
em condições desfavoráveis no mercado de trabalho, no desenvolvimento social e local da
economia e na produção de bens e serviços para consumo que geram benefício social ou são
orientados por interesses coletivos (TRAVAGLINI; BANDINI; MANCINONE, 2010).
Oferecem também serviços diversos, como saúde, educação, cultura etc., sem custo ou a um
custo baixo para quem não pode pagar pelos produtos e serviços tradicionais.
15 Disponível em: <http://www.bcorporation.net/>. Acesso em: 18 jun. 2014. 16 Disponível em: <http://www.intersectorl3c.com/l3c_tally.html>. Acesso em: 27 set. 2014.
43
Em relação à gestão, geralmente as empresas sociais possuem um gerenciamento
coletivo, que deriva de associações e de cooperativas, tendo como objetivo assegurar: a) a
participação dos stakeholders, incluindo a comunidade que se beneficia dos produtos ou
serviços; b) a identificação das necessidades dessa comunidade; c) o cumprimento dos
objetivos sociais; d) a distribuição justa dos lucros, de maneira a beneficiar todos os
envolvidos; e) o bem-estar dos funcionários; f) o compartilhamento da missão da empresa
entre todos os stakeholders, a fim de envolvê-los na motivação no trabalho, além da
motivação monetária; g) a distribuição da informação em vez de centralizá-la em estruturas
mais formais de gestão (BORZAGA; DEPEDRI; GALERA, 2012).
Esse modelo é contrário à hierarquia rígida e ao controle e à utilização de poder
monetário como motivação. Com a restrição de distribuição de lucros nessas empresas, é
estimulado o envolvimento de stakeholders que estejam alinhados com os objetivos da
empresa, de funcionários que sejam comprometidos com o objetivo social dela e que aceitem
baixa remuneração, quando comparada às das empresas tradicionais, bem como de
financiadores que aceitem receber retorno abaixo do custo de mercado de capitais. Atendem-
se, em geral, pessoas que não conseguem comprar produtos ou contratar serviços de empresas
privadas e que não são consideradas carentes para receber apoio do governo.
Nas empresas tradicionais, o relacionamento com os stakeholders é baseado em
transações de mercado, enquanto nas empresas sociais o relacionamento se baseia em
confiança, em conhecimento e em parceria, fazendo com que a empresa tenha boa reputação
na comunidade em que atua. Esses stakeholders são membros da comunidade com
conhecimentos diversos, alguns são contratados como funcionários e outros atuam como
voluntários (BORZAGA; DEPEDRI; GALERA, 2012), com grande envolvimento nos
processos de decisão, que não são baseados no capital e, sim, no “um voto por membro”
(TRAVAGLINI; BANDINI; MANCINONE, 2010).
Empresas sociais tendem a enfrentar algumas das dificuldades de organizações sem
fins lucrativos por adotarem modelos similares de captação de recursos financeiros, contando
com doações e investidores externos e também com a gestão de seus funcionários, que
recebem salários abaixo do mercado. Na visão de Borzaga, Depedri e Galera (2012), essa
característica exclui funcionários que não estejam alinhados com os objetivos sociais da
empresa.
Por outro lado, e conforme relatado por esses autores, as empresas sociais:
44
promovem trabalho voluntário, melhoram a divulgação de conhecimentos e de
normas sociais dentro da comunidade, aumentam a confiança e a cooperação e
reforçam relações e coesão social. Finalmente, as relações com a comunidade local
fortalecem os princípios de equidade, as ações coletivas, o comportamento altruísta
e causam um impacto sobre a marginalização social de usuários e dos trabalhadores
desfavorecidos de empresas sociais (BORZAGA; DEPEDRI; GALERA, 2012, p.
407).
As empresas sociais estão evoluindo de acordo com a habilidade de seus gestores em
interagir com os governantes. Em países que possuem uma gestão mais descentralizada dos
serviços públicos é mais comum o surgimento dessas empresas como resposta eficaz diante
de dificuldades governamentais, como a crise fiscal (BORZAGA; DEPEDRI; GALERA,
2012).
Em relação à legislação, diversos países estão criando suas próprias leis para
formalizar as empresas sociais. Com o objetivo de identificar modelos de governança de
empresas sociais na Europa e afirmando que a legislação interfere no modelo das empresas,
os pesquisadores Travaglini, Bandini e Mancinone (2010) identificaram que doze países
possuem uma lei específica para empresa social e dividiram os países em dois grupos: o
primeiro por França, Grécia, Polônia, Portugal e Espanha, devido às cooperativas sociais; e o
segundo pela Bélgica, Finlândia, Itália, Letônia, Lituânia, Espanha e Reino Unido, devido às
empresas sociais. As principais características dessas leis estão descritas nos quadros dos
anexos 1 a 6.
No Brasil, organizações com objetivos e atuações similares são chamadas de
empreendimentos solidários, e compõem o movimento da Economia Solidária. Esses
empreendimentos se opõem a qualquer modelo de empresa definido pelas teorias dominantes
por contar (não como opção, mas por falta de alternativa) com mão de obra considerada
desqualificada, apresentar pouca escala de produção e baixa produtividade de bens e serviços.
O lucro não é o objetivo principal, mas a satisfação de necessidades cotidianas de maneira
autossustentável, sem filantropia (RÊGO, 2013).
Esses chamados empreendimentos solidários tiveram origem em grupos de
trabalhadores que se uniam para tentar sair do desemprego e, com o apoio de outras
instituições como Igreja, ONG e sindicato, começaram a formar associações e cooperativas
(VECHIA et al., 2011). O movimento faz parte de uma economia substantiva e vem
ganhando força e destaque a cada ano, demonstrando uma nova possibilidade de mercado que
valoriza as relações entre as pessoas em vez do dinheiro apenas. Esses empreendimentos
existem em zonas rurais e urbanas e em diversos setores, como bancos solidários, feiras de
troca, produção de alimentos, prestação de serviços diversos, e são de autogestão,
45
fortalecidos pelos laços comunitários. Eles atuam sob um ambiente constitucional e tributário
desfavorável, muitas vezes sob a lei das cooperativas, que não é suficiente para endereçar as
necessidades e as diversidades do setor. Como a economia solidária ainda é desconhecida por
muitas pessoas na sociedade brasileira, é possível que existam muitas outras organizações
que seguem os mesmos critérios, mas ainda não se juntaram ao movimento (RÊGO, 2013, p.
45).
Rêgo (2013) identificou como oportunidade para os empreendimentos de economia
solidária a relação direta entre produtor e consumidor. Ao se eliminar intermediadores, é
possível remunerar melhor os produtores e cobrar um menor valor dos consumidores,
contribuindo com um consumo mais responsável por meio da eliminação da concentração de
poder nas mãos dos “atravessadores”. Além disso, esse autor aponta a importância de
construção e da gestão de redes sociais entre os empreendimentos para facilitar a compra de
matéria-prima, acesso ao crédito, entre outros, além da articulação entre produtores e
consumidores, a fim de se conseguir uma relação mais justa e mais participativa para todos.
Em 2003, foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária no Brasil, a
SENAES, sob a coordenação de Paul Singer, com o objetivo de “viabilizar e de coordenar
atividades de apoio à Economia Solidária em todo o território nacional, visando à geração de
trabalho e de renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo e solidário”17
.
Para o Sistema de Informação da Economia Solidária (SIES), desenvolvido pela
SENAES e pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), um empreendimento
solidário tem as seguintes características:
coletivas – serão consideradas as organizações suprafamiliares, singulares e
complexas, tais como: associações, cooperativas, empresas autogestionárias,
grupos de produção, clubes de trocas, redes etc.;
cujos participantes ou sócios(as) são trabalhadores(as) dos meios urbano e rural
que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação
dos resultados;
permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em funcionamento e
aqueles que estão em processo de implantação, com o grupo de participantes
constituído e as atividades econômicas definidas;
que disponham ou não de registro legal, prevalecendo a existência real; e
que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de
serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos
populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e
serviços) e de consumo solidário (SENAES, 2013).
Em relação à legislação, atualmente há uma tentativa de se apresentar um projeto de
lei para garantir o reconhecimento dos empreendimentos solidários, sem ainda formalizar ou
46
legalizar os próprios empreendimentos. É necessário que 1% do eleitorado brasileiro assine o
pedido para que ele seja considerado de iniciativa popular18
.
No documento resultante da II Conferência Nacional de Economia Solidária (2010),
que debateu o tema “O direito às formas de organização econômica baseadas no trabalho
associado, na propriedade coletiva, na cooperativa e na autogestão”, é reafirmada a
necessidade de reconhecimento da economia solidária como estratégia e política de
desenvolvimento sustentável e como um direito de cidadania, cujo objetivo é a redução da
desigualdade de renda e de riqueza, contrário às práticas do capitalismo. No modelo de
autogestão, os trabalhadores contam com a inteligência um dos outros; são responsáveis pelo
território onde atuam e os ganhos da produção são repartidos entre todos os envolvidos nesse
processo. Além disso, a produção deve atender a necessidade do grupo, e não há produção e
consumo em massa (CONFERÊNCIA NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2010).
Esse reconhecimento deve viabilizar maior informação e maior educação sobre os
empreendimentos, acesso ao crédito, ampliação de instrumentos de comercialização dos
produtos e dos serviços e sua compra também por órgãos governamentais (CONFERÊNCIA
NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2010). Os empreendimentos solidários no
Brasil ainda estão se consolidando como um modelo econômico, e seus empreendedores e
demais envolvidos no processo estão lutando para que oportunidades e incentivos sejam
oferecidos a esses negócios.
2.6. Análise sobre as diferentes concepções de organizações privadas com objetivos
sociais
As organizações com objetivos sociais surgem como uma resposta da sociedade para
solucionar problemas sociais e abrangem diversos atores da sociedade, como ONGs,
fundações, entidades governamentais e empresas tradicionais. Em relação às empresas
tradicionais, algumas já nascem com esse propósito e recebem novas denominações como
inclusivas e sociais, outras estão se adaptando, seja por causa de exigência legal (destinação
de cotas para trabalhadores com necessidades especiais nas grandes empresas, por exemplo),
seja pela pressão de uma nova geração mais engajada na busca pelo desenvolvimento social.
17 Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/ecosolidaria/apresentacao-1.htm>. Acesso em: 5 jan. 2015. 18 Disponível em: <http://cirandas.net/leidaecosol/por-que-uma-lei-da-economia-solidaria>. Acesso em: 5 jan.
2015.
47
Do ponto de vista do impacto social, é possível considerar que há uma multiplicidade
de concepções e ações que, juntas, interferem de maneira positiva na redução da pobreza, na
inclusão social e na melhora da condição de vida de toda a sociedade. A principal diferença
percebida entre os diferentes modelos de negócios sociais e inclusivos se dá na utilização do
lucro, que pode ser reinvestido integralmente na melhoria ou expansão do próprio negócio,
ou apropriado pelos acionistas. Ainda não há estudos comparativos que indiquem qual das
concepções tende a gerar mais impacto social positivo.
Do ponto de vista dos estudos administrativos, é interessante segmentar as atuações
para melhor definir as possíveis estratégias de gestão de cada concepção, uma vez que os
objetivos, impactos, modelos de gestão e público-alvo envolvidos na gestão e mão de obra do
negócio, bem como os stakeholders, podem ser distintos.
48
3. MÉTODO E PROCEDIMENTOS
Neste capítulo serão apresentados o método e os procedimentos adotados nesta
pesquisa para atingir o objetivo geral e os objetivos específicos propostos para este trabalho,
que podem ser divididos em duas etapas.
Na primeira etapa, foi realizada uma pesquisa exploratória sobre o tema negócio
social a partir do conhecimento da existência de bancos comunitários no Brasil e do Banco
Grameen e também, por meio desse estudo, pela descoberta de um modelo de negócio cuja
existência é benéfica especialmente para pessoas em condições vulneráveis.
Devido ao interesse nesse novo modelo de negócio, foi possível identificar uma das
concepções de negócio social, a de Muhammad Yunus, e em seguida a outras perspectivas ao
redor do mundo, além da constatação da imprecisão nas denominações dos negócios – o
mesmo termo pode ser utilizado para se referir a negócios com características diferentes, e
negócios com características iguais podem receber mais de um nome. Além disso, foi
possível identificar, por meio de pesquisa em sites e artigos acadêmicos que abordam o tema
do negócio social, que incubadoras de empresas no Brasil também criam seus próprios
conceitos de negócio social e trabalham para desenvolver iniciativas sociais. São as chamadas
incubadoras sociais.
Foi então iniciado um trabalho de levantamento de informações sobre as incubadoras
de empresas. Com a exploração desses dois temas, surgiu a pergunta de partida: como se dá a
atuação de incubadoras sociais de negócios inclusivos?
A partir dessas constatações e da pergunta de partida, delimitou-se a pesquisa
bibliográfica e documental para a elaboração de um capítulo teórico sobre negócios
inclusivos (e variações do termo) e de um capítulo sobre incubadoras de empresas, para
serem utilizados como uma lente teórica para a condução do estudo empírico, conforme
indicado por Creswell (2007 apud CRESWELL, 2010). Em seguida, estabeleceu-se a
proposição da pesquisa: as práticas das incubadoras de empresas de base tecnológica e
tradicional não são suficientes para as necessidades de uma incubadora social.
Na segunda etapa, foi realizada uma pesquisa empírica com a incubadora social da
Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari, localizada no município de
Suzano, em São Paulo, e duas empresas graduadas do primeiro ciclo de incubação, com a
finalidade de analisar a atuação de uma incubadora social de negócio inclusivo por meio de
suas atividades, resultados e impactos sociais, a partir da comparação da percepção do
49
coordenador da incubadora e dos gestores das duas empresas incubadas (o que corresponde
ao objetivo geral deste trabalho).
Para isso, optou-se por uma abordagem “qualitativa” (Severino, 2007, p. 119), que,
segundo Flick (2000 apud Günter, 2006, p. 202), aponta “a primazia da compreensão como
principio do conhecimento, que prefere estudar relações complexas ao invés de explicá-las
por meio do isolamento de variáveis”. Segundo Creswell (2007 apud Creswell, 2010), a
pesquisa qualitativa possui as seguintes características, entre outras, que são importantes e
consideradas para o presente estudo:
é utilizada uma lente teórica para conduzir o estudo (no caso do presente trabalho, essa
lente corresponde aos capítulos sobre negócios inclusivos e incubadoras de empresas);
o pesquisador é um instrumento fundamental para coletar os dados, por meio da consulta
a documentos e da entrevista direta com os participantes;
o pesquisador elabora seu próprio roteiro de entrevista;
o plano da pesquisa pode ser alterado durante o processo, caso seja adequado para melhor
coletar os dados;
deve-se identificar o significado que os participantes dão ao tema estudado, e não apenas
considerar o significado que os pesquisadores expressam sobre o assunto;
os dados são examinados e deles são extraídos os sentidos;
a análise dos dados é interpretativa e não pode ser desvinculada da origem, história e
conhecimentos anteriores do pesquisador.
3.1. Estratégia de investigação da pesquisa empírica
O método adotado para a pesquisa qualitativa é o estudo de caso, pois:
A essência de um estudo de caso, a tendência central entre todos os tipos de estudo
de caso, é que ele tenta iluminar uma decisão ou conjunto de decisões: por que elas
são tomadas, como elas são implementadas e com que resultado (SCHRAMM, 1971
apud YIN, 2010, p. 38).
De acordo com Yin (2010), esta pesquisa é um estudo de caso único integrado. É
único, pois trata da análise de uma única incubadora, a Escola Empreendedora de Corte e
Costura da Fundação Jari, e integrado, pois também analisa, além da incubadora, outras duas
empresas que nasceram por meio dela. Para Yin, admite-se o estudo de caso único quando se
trata de um estudo revelador. Incluir as empresas graduadas no estudo de caso da incubadora
50
é relevante pois o estudo integrado “permite que seja desenvolvido um projeto mais
complexo” (YIN, 2010, p. 76).
Para a seleção do estudo de caso, a autora utilizou a ferramenta de busca do Google
com as palavras-chave “incubadora social”, “incubadora negócio social” e “incubadora
negócio inclusivo”. Em seguida foram realizados contatos telefônicos com as incubadoras
localizadas na cidade de São Paulo para identificar o tipo ou modelo de negócio social
desenvolvido por elas. A busca estava centrada em uma incubadora que incluísse pessoas em
condição vulnerável no sistema produtivo e não pertencesse à economia solidária. Nesse
processo, as próprias incubadoras contatadas indicaram outras incubadoras. Porém, o objeto
de estudo desta pesquisa, a incubadora da Escola Empreendedora de Corte e Costura da
Fundação Jari, foi identificado durante uma visita informal a outra incubadora de negócio
social (do tipo I de Yunus), na qual a incubadora estudada participava de um processo de
incubação.
A incubadora da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari foi
selecionada por caracterizar-se como uma incubadora social que desenvolve
empreendimentos cujos proprietários são prioritariamente pessoas que estavam em condições
de vulnerabilidade social. Além disso, a incubadora já concluiu um ciclo de incubação, e as
empresas graduadas estão no mercado há nove meses, sendo assim possível analisar as
práticas da incubadora, bem como os resultados do ciclo e os impactos até o momento, da
perspectiva da incubadora e de duas empresas já graduadas. Outro fator de seleção dessa
incubadora foi a pronta disponibilidade de um dos coordenadores em participar da pesquisa,
além da facilitar o contato com as empresas graduadas, que serão chamadas neste trabalho de
empresa 1 e empresa 2.
3.2. Método para coleta de dados
Para a coleta dos dados, trabalhou-se com dados primários e secundários. Os dados
secundários da incubadora foram obtidos por meio do site da organização, no qual foi possível
identificar o ano de fundação, os princípios, os objetivos, a abrangência, uma breve descrição
da implantação de uma nova incubadora e o projeto que serviu de referência ao projeto que é
objeto de estudo desse trabalho.
Os dados primários da incubadora foram obtidos por meio da realização de uma
entrevista com um roteiro semiestruturado (Anexo 7), com 12 questões previamente definidas
com base no referencial teórico, no conhecimento prévio da autora e nos objetivos geral e
51
específico deste trabalho; algumas questões foram modificadas e outras foram inseridas
durante o processo, de modo a não se interromper a fala do entrevistado e facilitar a obtenção
das informações desejadas. A entrevista com o coordenador da incubadora foi realizada em 19
de novembro de 2014 e teve duração de aproximadamente 50 minutos, em um local na cidade
de São Paulo não vinculado à incubadora, pois aproveitou-se a oportunidade de o coordenador
estar na cidade de São Paulo (local de residência da autora). Durante a entrevista foram
coletados os dados relativos às etapas do processo de incubação, às práticas da incubadora nas
etapas e ao número de empresas graduadas. Ainda sobre a incubadora, uma visita foi realizada
pela autora no dia 9 de dezembro de 2014, para verificar e fotografar sua infraestrutura
(Anexos 9 a 13).
Em relação aos dados das empresas graduadas, todos são primários. Por meio da
realização de entrevistas também feitas pela autora deste trabalho, foi possível obter as
informações sobre as empresas, bem como as percepções de suas gestoras em relação à
incubadora.
As entrevistas com as gestoras das empresas graduadas foram realizadas nas próprias
empresas 1 e 2, também com base no referencial teórico deste trabalho, no conhecimento
prévio da autora, nos objetivos geral e específico e nas respostas obtidas na entrevista com o
coordenador da incubadora sobre as práticas, resultados e impactos da incubadora. A
entrevista com a empresa 1 foi realizada em 29 de novembro de 2014, com duração
aproximada de 40 minutos, e a entrevista com a empresa 2, em 9 de dezembro de 2014, com
duração aproximada de 30 minutos. Em ambos os casos foi utilizado um roteiro
semiestruturado com 24 perguntas (Anexo 8) para guiar a conversa, porém ele foi utilizado
apenas para garantir que nenhum ponto que se pretendia cobrir estava sendo esquecido. Pode-
se dizer que a entrevista ocorreu mais como uma conversa informal.
Antes da realização das entrevistas, as pessoas entrevistadas foram avisadas de que os
dados coletados seriam utilizados neste trabalho e foram colhidas pela autora autorizações
assinadas pelos participantes para a utilização dos dados.
3.3. Procedimento de transcrição das entrevistas e apresentação e análise dos dados
As entrevistas foram transcritas de maneira a representar a fala dos entrevistados, e
somente após a transcrição foram realizadas correções ortográficas e gramaticais a fim de
facilitar a leitura e o entendimento dos dados. Nomes próprios de empresas citadas foram
substituídos pelos termos “a empresa” ou “essa empresa”. Após a transcrição, a autora
52
eliminou as informações repetidas que foram apresentadas ao longo das entrevistas e agrupou
as informações de acordo com categorias criadas com base no referencial teórico e nos
objetivos geral e específico, são elas: infraestrutura, etapas do processo de incubação e as
práticas dessas etapas, resultados da incubadora e impactos da incubadora. Essas categorias
serviram de base também para a análise dos dados.
As informações obtidas pelo coordenador da incubadora foram confrontadas com as
recebidas dos participantes das empresas graduadas, por categorias, de modo a verificar se a
percepção do coordenador da incubadora correspondia à percepção das gestoras das empresas
graduadas. Além disso, as concepções teóricas apresentadas no capítulo 1, sobre incubadoras
de empresas, e no capítulo 2, sobre concepções de organizações privadas com objetivos
sociais e, especialmente, as melhores práticas, infraestrutura e serviços esperados, foram
confrontadas com os dados obtidos para analisar a própria ação da incubadora e os resultados
e impactos obtidos.
Para analisar os dados, optou-se pela estratégia analítica, que considera a proposição
teórica, uma vez que a proposição ajuda “a focar a atenção em determinados dados e a ignorar
outros” (YIN, 2010, p. 159).
53
4. O ESTUDO DE CASO: A INCUBADORA DA ESCOLA EMPREENDEDORA DE
CORTE E COSTURA DA FUNDAÇÃO JARI
Com o objetivo de contextualizar o ambiente no qual atua a incubadora de empresa
Escola Empreendedora da Fundação Jari, breves informações socioeconômicas sobre a
Fundação Jari e sua atuação e sobre a cidade de Suzano, no estado de São Paulo, na qual a
incubadora está instalada, são apresentadas a seguir, antes dos dados obtidos durante a
pesquisa empírica.
4.1. A Fundação Jari
Fundada em 1994, a Fundação Jari é uma instituição sem fins lucrativos do Grupo
Jari, que atua nos segmentos de madeira certificada, celulose, minerais e produtos não
madeireiros e que anualmente contribui com 1% de seu faturamento bruto para a fundação –
até 2009, esses investimentos somaram 150 milhões de reais. A fundação tem como princípio
atuar em rede para ampliar o alcance de suas ações, estabelecendo parcerias com diversos
atores da sociedade como governo, empresas tradicionais, institutos, ONGs, entre outros, nas
áreas de educação, saúde, garantia de direitos humanos, meio ambiente, cultura e geração de
emprego e renda. O objetivo da fundação é disseminar modelos de tecnologias sociais que
possam ser adotados e multiplicados pelos parceiros. A Fundação Jari está presente
atualmente nos estados brasileiros do Pará, Amapá, Goiás e São Paulo.
Na prática, a Fundação Jari inicia um trabalho com a delimitação de um território. Em
seguida, diversos atores dessa localidade são envolvidos para elaborar um Plano de
Desenvolvimento Local, que contém propostas de crescimento social, econômico e financeiro
para a localidade. Durante esse processo, a fundação atua na sensibilização dos atores sociais,
no estudo da viabilidade social e também na realização de monitoramento e avaliação de tudo
o que está sendo elaborado.
Depois de concluída a etapa de elaboração do Plano de Desenvolvimento Local, por
meio da Promoção do Desenvolvimento Local, são implantados os projetos definidos para o
território19
.
19 Informações obtidas no site da fundação. Disponível em: <http://www.fundacaojari.org.br/pt/historia.aspx>.
Acesso em: 11 dez. 2014.
54
4.2. A cidade de Suzano
A cidade de Suzano foi fundada em 1948 em uma área de 205.865 km2. Desde antes
da fundação da cidade, a localidade atraiu e atrai indústrias e empresas principalmente por ser
uma localidade de fácil acesso a rodovias que conduzem ao litoral e ao interior do estado de
São Paulo. Embora seja referência industrial e comercial e possua o maior Produto Interno
Bruto (PIB) da região, é considerado o quarto município mais pobre da localidade e o décimo
sexto de todo o estado de São Paulo (com base no PIB per capita). Isso ocorre porque a
riqueza está concentrada nas mãos de poucos, o que gera uma grande desigualdade social20
.
4.3. A incubadora da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
Um dos projetos desenvolvidos pela Fundação Jari e que serviu de referência para a
incubadora aqui analisada é o projeto Agulhas Versáteis, idealizado em 2003, que atua na
região do Vale do Jari, nos estados do Pará e Amapá. Por meio dele, estimula-se o
empreendedorismo em mulheres do local para incluí-las no sistema produtivo, o que garante a
profissionalização, a conscientização sobre cidadania e direitos humanos e a geração de renda
para essas mulheres. Em 2009, essas empreendedoras produziram aproximadamente 10 mil
unidades de vestuário por ano para prestadores de serviços do Grupo Jari e outras empresas da
região e cada empreendedora pôde ter uma renda por volta de dois salários mínimos.
Em 2012, foi implantado um projeto similar na cidade de Suzano, chamado de Escola
Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari, objeto de estudo deste trabalho.
A incubadora da Escola Empreendedora é 100% social. É uma incubadora de corte e
costura realizada em parceria com a Petrobras e a prefeitura da cidade de Suzano. Atualmente
tem um processo de incubação já concluído e um segundo processo em andamento.
Infraestrutura: a Escola Empreendedora está instalada em um sobrado emprestado
pela prefeitura de Suzano e localizado no bairro Palmeiras (Anexos 9 e 10). No andar térreo,
em duas salas (Anexos 11 e 12), estão instaladas as máquinas de costura, um banheiro
feminino e um banheiro masculino, uma copa e um depósito. No andar superior, há mais uma
sala com máquinas de costura (Anexo 13), a sala dos coordenadores, um banheiro masculino
e um banheiro feminino e uma sala com computadores para a Escola Empreendedora de
20 Disponível em: < http://www.encontrasuzano.com.br/suzano/>. Acesso em: 11 dez. 2014.
55
Tecnologia da Informação, que treina e capacita jovens para entrar no mercado de trabalho ou
abrir seu próprio negócio.
Recrutamento: para o recrutamento de participantes, são realizados anúncios nas
mídias locais, que avisam que será realizada uma seleção para o curso de corte e costura. A
participação no curso gera a oportunidade de incubação. Para o primeiro processo, que teve
início em 2012 e terminou no início de 2014, 500 pessoas se inscreveram para um total de 80
vagas.
Processo seletivo: o processo seletivo é rigoroso e segue alguns critérios. O primeiro
critério é que a participante deve estar em condição de vulnerabilidade alta. Segundo o
coordenador, por vulnerabilidade alta se entende, por exemplo, pessoas que estão na linha da
miséria, ou que sofrem algum tipo de violência doméstica, ou que possuem renda per capita
de R$ 30,00 por mês. Esse é o público prioritário, e não exclusivo.
A avaliação do perfil do participante é realizada por meio de um questionário online
disponível no site da incubadora. A partir dele, uma assistente social realiza uma entrevista
para investigar a situação social em que a pessoa se encontra. Nas palavras do coordenador,
“chega gente lá de carro importado querendo fazer o curso. Então essa pessoa tem condição
de pagar o curso de corte e costura”; “tem muitas pessoas que querem ir lá para passar o
tempo e pensam: ah, então vou costurar. Lá não é o lugar, então a gente consegue identificar
essas pessoas também”.
Prioritariamente, as pessoas devem estar em condições de vulnerabilidade alta, embora
haja outros casos, conforme palavras do coordenador: “Não tem ninguém que tenha um
salário de R$ 5.000,00 e que está fazendo o curso lá, isso não. A gente tem um processo que a
gente pergunta se tem água encanada, se já sofreu algum tipo de violência, enfim, é um
questionário muito extenso, se tem esgoto, como que é a casa, se é alugada, se é invadida,
enfim, a gente traça um perfil”. Mesmo assim é possível ter falhas, pois, de acordo com o
coordenador, “tem pessoas que sabem mentir muito bem. Então assim acaba fazendo (o
curso)”.
Pré-incubação: o curso de corte e costura é conduzido por uma professora do SENAI,
resultado de uma parceria dessa instituição com a Fundação Jari. O curso é pago pela
fundação e segue a metodologia do SENAI, mas com algumas adaptações feitas pela
fundação, para adequar o método empresarial e a linguagem empregada ao público do curso.
56
A infraestrutura oferecida para o curso contempla: espaço físico; máquinas de costura,
incluindo sua regulagem e conserto quando necessário; material; lanche (o curso tem um
intervalo depois de duas horas de aula); água, luz e telefone.
Nos seis primeiros meses, período correspondente ao curso, o trabalho de pré-
incubação tem foco na formação dos participantes em técnicas de costura, ensino que é
totalmente voltado para a prática. O público é formado geralmente por mulheres.
Nesses seis meses de treinamento em técnicas de corte e costura, a metodologia da
incubadora permite que, na 18a semana, em geral, podendo variar para menos ou para mais, as
participantes já comecem a gerar renda para elas. Isso é permitido porque as participantes
precisam garantir suas necessidades básicas, como alimentação, e não podem aguardar um
período muito grande para começar a obter renda, caso contrário elas podem desistir de
participar do treinamento, buscando outras oportunidades remuneradas fora da incubadora.
A renda é originada da própria produção das participantes. A incubadora ensina as
técnicas e faz a conexão entre as participantes e o mercado, essencialmente no início. Para
isso, ela já conta com alguns clientes parceiros nessa primeira etapa. Como a incubadora não
tem fins lucrativos e não cobra nada para a utilização da infraestrutura e dos demais serviços,
incluindo material e treinamento, 100% do lucro é destinado às participantes produtoras.
Quando as participantes optam por passar para a próxima etapa, que corresponde a um
período de um ano e meio de incubação, os custos de matéria-prima e serviços, como água,
luz, telefone, etc., são precificados no valor da venda da mercadoria.
O curso foi realizado às segundas e quartas-feiras ou às terças e quintas-feiras, com
duração de 4 horas por dia, ou às sextas-feiras, com duração de 8 horas. É realizado dessa
maneira, com aulas duas vezes na semana ou em um único dia inteiro, para que as
participantes tenham tempo para poder gerar negócio e renda. Para isso, elas utilizam as
máquinas da incubadora. Se a Escola Empreendedora utilizar as máquinas em tempo integral,
oferecendo outros períodos para o curso, as participantes irão conseguir gerar negócio e renda
somente a partir do sexto mês.
Após os seis meses do processo de aprendizado, a participante já sabe costurar, porém
não com muita eficiência. Há mais de 18 modelos de máquinas, e não é possível aprender a
utilizar todas com destreza, porém as participantes adquirem ao menos uma noção de como
manusear essas máquinas. Pode-se dizer que terminam o curso sabendo costurar, mas não
com tanta precisão e velocidade. Nesse momento há dois caminhos: a participante pode optar
por ir para a incubadora e participar dos grupos produtivos ou trabalhar no mercado, a opção é
pessoal. A incubadora é sempre procurada por empresas da região e pelo sindicato de
57
vestuário e de tecidos em busca de mão de obra, dado que costureiras estão em falta no
mercado de trabalho, sendo esse, aliás, um dos fatores na abertura dessa escola
empreendedora. Quando uma incubadora vai iniciar qualquer tipo de atividade, deve ser
verificada a viabilidade do próprio negócio, conforme retratado na própria fala do
coordenador: “quando a gente vai fazer qualquer tipo de incubadora a gente vê a viabilidade
do negócio, não é: ah, vamos abrir costura porque a gente acha que é bonitinho costurar, não,
a gente faz um estudo de viabilidade para ver qual é o mercado hoje que está crescendo. No
caso de Suzano é escola de confecção, por isso que a gente focou na confecção”.
Geralmente, nos seis primeiros meses, as participantes já realizam seu cadastro como
microempreendedora individual, com CNPJ e e-mail, porque precisam gerar nota fiscal para
conseguir vender os produtos. Os clientes não aceitam qualquer recibo, e a fundação não gera
nota fiscal para elas. É fornecida às participantes toda a assessoria jurídica e contábil
necessária, pelos próprios coordenadores.
Portanto, algumas participantes vão para o mercado de trabalho e outras optam por
empreender e ser donas do próprio negócio. A partir daí, tem início o primeiro ciclo de
incubação. No primeiro processo, das 80 participantes do curso, aproximadamente 25 optaram
pelo ingresso na incubadora.
Primeiro ciclo de incubação: No primeiro ciclo de incubação, que tem duração de
seis meses, as participantes continuam produzindo, e, do lucro obtido, 10% do valor é
guardado pela incubadora, para que possa ser resgatado pela agora empreendedora ao final da
incubação.
Nesse período, as participantes continuam aprendendo a costurar, além de terem
também um treinamento de empreendedorismo na prática, no qual aprendem a acessar o
mercado, a lidar com o fornecedor, a formar preço de venda, enfim, aprendem toda a parte
administrativa do negócio. Nesse momento, embora não sejam cobrados itens de
infraestrutura, como água, luz, telefone e combustível, os valores gastos com esses recursos
são precificados. Essa precificação ocorre para que as empreendedoras tenham noção de
quanto irão gastar com essa estrutura após a saída da incubadora, já que, uma vez graduadas,
o negócio passa a ser por conta e risco delas. Esse processo é realizado dessa maneira porque,
nas palavras do coordenador, “se ela aprende na teoria tudo é maravilhoso, mas na hora que
vai pôr na prática ela vai se perder”.
O carro-chefe da produção é a confecção de uniformes industriais. De acordo com o
coordenador, “a gente não tá preocupado em fazer modinha, que não dá dinheiro”, além de ter
58
sido constatado pela fundação que a China não atua no mercado de roupas industriais no
Brasil. As empreendedoras, porém, sabem produzir outras peças – por exemplo, um dos
clientes não compra uniforme industrial, e, assim, para essa empresa, elas confeccionam jogos
americanos de patchwork.
Elas aprendem também a negociar com os clientes. Quando foi oferecido para essa
empresa, o modelo original do jogo americano tinha um custo de produção muito alto e teria
que ser vendido, a unidade, a R$ 46,00. O cliente afirmou que não tinha público para isso.
Então, foi realizado um trabalho inverso: determinou-se o preço de venda e foram verificadas
as possibilidades de produção para se atingir esse valor. Atualmente é fornecido um kit com
dois jogos americanos ao preço de venda de R$ 23,60.
As empresas entram no mercado para competir. A venda pelo apelo social não é
realizada, conforme as falas do coordenador: “A gente entrou no mercado para competir e é o
nosso diferencial também, não é porque é projeto social que tem que ter sobrepreço, de
maneira nenhuma, isso não dá certo, a empresa [cliente] pode até pagar sobrepreço porque é
projeto social só que a hora que ela [a empresa incubada] sai do projeto ela deixou de ser
social, ela é uma empresa normal como outra qualquer que paga impostos. Então quando a
gente vai para dentro do mercado que a gente cria essas pontes, é preço de igual para igual, é
preço de mercado. Elas vão concorrer com grandes empresas”; “Tem que ser bom e preço
justo”; “Nosso diferencial é assim, quando se tem o mesmo preço, igual à de uma empresa [já
no mercado] e o nosso, a empresa [cliente] acaba optando pela gente porque é um projeto
social. Porque aí entre aspas elas estão ganhando um selo: estou contribuindo para projetos
sociais”.
A busca pela qualidade é parte do processo de produção, e o coordenador afirma ter
recebido opinião de que a qualidade da produção dos grupos produtivos é superior à de
grandes empresas. Nas palavras dele: “isso a gente não abre mão, qualidade e velocidade, que
é onde elas vão ganhar dinheiro. Isso é fundamental”.
Quando as participantes estão incubadas, a mesma infraestrutura física é oferecida –
maquinário, incluindo regulagem e conserto; material; água, luz e telefone –, porém todos os
recursos passam a ser precificados e considerados no valor de venda do produto. No período
de incubação não é oferecido o lanche.
Em relação ao tempo de permanência na incubadora, o período de dois anos é
considerado alto, porém é necessário para que elas ganhem velocidade e prática e sejam
capazes de realizar uma costura mais fina.
59
A fundação constrói “pontes” entre os clientes e as participantes, pois elas não
possuem habilidade ou condições de ir até o cliente inicialmente. O coordenador da fundação
visita os clientes e oferta os produtos. Em um momento futuro, as participantes são levadas
para as visitas para negociar com os clientes e com os fornecedores, para saber quem são eles
e como lidar nas negociações. Nas palavras do coordenador, “não é eu faço e depois vocês se
viram, não, eles nos acompanham”.
No período de incubação, quando surge um novo pedido de um cliente, os
coordenadores da incubadora se reúnem com as participantes, compartilham a descrição e
qual será o lucro em cada etapa do produto, e a decisão é tomada em conjunto com elas. Se as
participantes concordarem com o serviço, os coordenadores confirmam o pedido. Os
coordenadores alertam, então, sobre o prazo e a importância de cumpri-lo. Muitas vezes, para
cumprir o prazo, elas optam por trabalhar no sábado e no domingo. A chave da incubadora
fica com elas, tudo é de responsabilidade delas, inclusive o espaço. Até porque a incubadora
não trabalha nos fins de semana. Quando há necessidade de conserto de alguma máquina ou
compra de matéria-prima, por exemplo, no período de incubação, todo o custo é das
participantes. Elas não precisam pagar nada em dinheiro: a fundação antecipa o pagamento
das despesas e, quando o pagamento do pedido é recebido, retira quanto gastou como se fosse
uma despesa real delas.
O pagamento pelos produtos vendidos é feito de acordo com o desempenho de cada
participante. Não se considera uma produção coletiva, e a renda não é dividida igualmente
entre elas. O mesmo ocorre com o fundo de 10%, que é proporcional ao produzido. O
processo de produção sempre corresponde a mais de uma etapa. Por exemplo, há produtos que
requerem 50 etapas. Cada participante executa uma ou mais etapas do produto, e nunca
confecciona um produto sozinha. Dessa maneira, cada etapa é precificada separadamente, e
por isso o valor ganho por participante é diferente. Além disso, a fundação não exige nenhum
tipo de compromisso das participantes com o horário de trabalho. Há algumas que não
trabalham todos os dias, há outras que só podem ir no período da tarde, por exemplo. Nas
palavras do coordenador: “Tranquilo, você vai ganhar de acordo com a sua produção”. Ao
final desse período de seis meses, que é chamado de “carga de empreendedorismo”, tem
início o segundo ciclo de incubação, ou terceiro e último ciclo (considerado o curso).
Segundo ciclo de incubação: o segundo ciclo de incubação tem duração de um ano, e
nele a participante permanece produzindo com os equipamentos da incubadora. Nesse
período, as participantes continuam visitando fornecedores e clientes com os coordenadores
60
da incubadora, para aprender como se negocia na prática. Todo pedido feito para a fundação é
oportunidade de produção e renda para elas. Para o segundo processo, que está acontecendo
atualmente, a fundação está para fechar um contrato com uma rede de supermercados, no
valor de R$ 450.000,00. Só na compra de matéria-prima foram investidos R$ 150.000,00.
Até esta etapa o período total do processo dura dois anos. A incubação é realizada em
um ano e meio e pode ser antecipada para a 18a semana do treinamento, caso as participantes
já formem os grupos produtivos. Em relação aos serviços, são oferecidos consultoria jurídica,
contábil, de recursos humanos, financeira, administrativa, de gestão do negócio, de
estabelecimento de redes com fornecedores e de redes com clientes e relacionamento
interpessoal.
Algumas participantes desistem porque mudam para outro estado ou arrumam
emprego em outros empreendimentos, pois as empresas da região continuam em contato com
a incubadora oferecendo vagas de trabalho no mercado, por exemplo. Os motivos da
desistência são diversos, o que é considerado normal. Quem não optou pelo mercado de
trabalho no período após o curso, pode optar por esse caminho a qualquer momento, mesmo
estando na incubadora. Das participantes que não foram para a incubadora, há algumas que
também não foram para o mercado de trabalho, ainda que o processo seletivo para participar
do curso seja rigoroso. Ninguém saiu por falta de capacidade ou de habilidade para continuar.
Há desistência natural também porque há muitos conflitos de relacionamento entre as
participantes. Para solucionar essa questão, a Escola Empreendedora tem um código de ética,
um código de convivência para minimizar esse tipo de problema.
De maneira geral a metodologia é muito simples, é falada a linguagem dos
participantes, é oferecido todo o suporte técnico e não há cobrança por nada disso, são tudo
100% gratuito. Apenas após o momento da incubação é que os recursos passam a ser
precificados, de modo seja conhecido o que é necessário para gerar o produto embora os
participantes não precisem aportar recursos. Ao final do ciclo completo de dois anos, todas as
participantes automaticamente deixam a incubadora da Escola Empreendedora de corte e
costura.
Graduação: as empresas são graduadas porque novos grupos devem entrar. Ninguém
estende o período porque dois anos são suficientes, e as participantes já estão com as
empresas formadas. Ao final da incubação, todos os clientes conquistados nesse período de
dois anos passam para as empresas incubadas. A Escola Empreendedora não fica com
nenhum cliente. Portanto, as empresas saem da incubadora com clientes e gerando negócios,
61
conforme se pode perceber pela fala do coordenador: “a gente tem uma empreendedora que a
gente abriu um cliente. Hoje o cliente é dela. Só [esse cliente] para ela gera R$ 60.000,00
mais ou menos de pedidos por ano”; “Hoje elas têm produtos em mais de 150 supermercados
da rede desse cliente. Então o cliente vai pra elas, não é nosso”. Com o início da próxima
turma, a Escola Empreendedora começa a trabalhar para conquistar outros clientes para as
participantes do próximo ciclo.
O tempo de incubação de dois anos é considerado adequado, pois observou-se que,
nesse período, o produto confeccionado pelas participantes atinge uma melhor qualidade e,
assim, elas passam a obter mais renda pela escala de produção. Nesse período, elas estão aptas
a deixar a incubadora trabalhando com a velocidade e a qualidade que são exigidas pelo
mercado. É possível obter renda com a costura com a produção em escala.
Em relação ao resgate do fundo de 10% acumulado durante todo o período de
incubação, houve uma empresa, composta de duas mulheres, que resgatou R$ 7.000,00 de
uma participante e R$ 6.000,00 da outra. Com isso, elas compraram as próprias máquinas, e é
exatamente por isso que existe esse fundo de 10%. Nas palavras do coordenador: “se eu desse
100% (do fundo), eu poderia dar 100% para elas, só que assim eu sei que não teriam dinheiro
para comprar o maquinário, teriam que fazer um empréstimo e aí é superdifícil... então por
isso que a gente retém os 10% que no final ela sai [com o valor]. Aí é uma opção dela, a gente
não interfere, mas, geralmente, não teve nenhum caso que eu me lembre de alguém que falou:
ah, vou pegar o dinheiro e não vou comprar nada, vou ficar para mim, todas investiram no seu
próprio negócio. A gente já sabe se a gente desse os 100% para elas [antes da graduação] elas
não construiriam a própria empresa, gastariam, é natural, estou com dinheiro na mão então
vou gastar”.
Pós-incubação: a Escola Empreendedora não abandona as participantes, oferecendo a
chamada assistência técnica, também gratuita, para sanar dúvidas. Quanto a esse apoio, há
poucas solicitações de ajuda, em geral relacionadas ao preenchimento de uma planilha Excel
criada pela fundação para o cálculo do preço de venda do produto com base no custo
operacional, da matéria-prima, etc. A planilha automaticamente gera o preço de venda e o
valor de lucro.
Algumas vezes, foi também necessária a interferência da fundação na resolução de
brigas entre sócias, devidas à carga de trabalho de cada uma. Segundo o coordenador, esse é
um problema que elas precisam resolver entre elas, porém a fundação acaba colaborando. Não
foi necessária a interferência na gestão dessas novas empresas. De acordo com o coordenador,
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elas já “saem prontas”. O software para precificar os produtos também é passado para as
empreendedoras. As máquinas ficam na incubadora, as participantes compram as delas.
A fundação também já foi procurada para auxiliar em um caso em que o cliente não
pagou pelos produtos vendidos. As participantes perguntaram quem ficaria com o prejuízo.
Nas palavras do coordenador: “Para vocês [participantes], ué, tem que correr atrás como
qualquer empresa. A gente não gostaria que vivenciasse, mas às vezes acontece, demora para
pagar, enfim, acontece para elas [participantes] também, deixou de receber, vai ter que ir
atrás, é negócio. Não é um negócio em que nunca vai acontecer nada, acontece como outra
empresa qualquer”.
Resultado: como resultado do primeiro processo de incubação, realizado de 2012 a
2014, foram formadas duas empresas, cada uma composta de duas participantes do processo,
porque a ideia é montar empresas em conjunto, todas com CNPJ. O primeiro processo de
incubação está graduado há oito meses e, nesse período, nenhum cliente ou fornecedor foi
perdido. Nas palavras do coordenador: “a gente costuma falar que a gente não perde negócio,
isso é fundamental. A gente só vai perder negócio, lógico, quando o preço está incoerente
com o mercado…”. Nenhuma das empresas parou de funcionar.
A metodologia foi validada, porque participantes que tinham uma renda de R$ 100,00
ou R$ 150,00 por mês passaram a obter R$ 800,00 a R$ 2.000,00 por mês. Isso depende da
produção de cada participante. Houve mulheres que, no final do ciclo, conseguiram tirar R$
7.000,00 ou R$ 8.000 por mês. Nas palavras do coordenador: “Se cada uma tirou R$
7.000,00, R$ 8.000,00 significa que cada mulher gerou R$ 70.000 de faturamento naquele
ano. Tem dado resultado. A cada dia que passa a gente melhora a metodologia. Hoje a gente
está escrevendo um manual que está praticamente pronto, para que a gente não erre no
processo. Ou seja, também no processo a gente acaba errando, então, tem dado resultado esse
tipo de metodologia que a gente adotou. Então esse é o diferencial, que tem dado certo e que
agora a gente está validando na escola de tecnologia da informação, que é uma parceria com
uma grande empresa. Essa escola de TI tem em Campinas, estamos começando lá e estamos
começando também em Suzano, com o objetivo de treinar jovens em tecnologia da
informação, para colocar esses jovens no mercado de trabalho ou para terem seus próprios
negócios. Hoje essa grande empresa tem um déficit de 18.500 funcionários e não acha esses
funcionários; então, existe a possibilidade de colocar esses garotos que estão se formando no
mercado de trabalho, dentro dessa empresa”.
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Durante o período de incubação, o acompanhamento do faturamento de cada
participante é realizado por meio dos pedidos gerados e registrados no software da fundação.
Na pós-incubação, faz-se um acompanhamento superficial, pois a empresa é das participantes.
É sabido que a empresa continua operando porque há conversas informais entre a fundação e
as empreendedoras e também porque a fundação continua repassando clientes para elas,
porque em geral há muitos clientes e a produção na incubadora não dá conta de todos os
pedidos. Por exemplo, se em uma semana é necessário confeccionar 2 mil camisetas, a
fundação reparte o pedido entre as empresas que já passaram pela incubadora e pelo grupo
produtivo atual. Não se sabe efetivamente quanto as empresas graduadas faturam, mas é
sabido que estão faturando.
Quando não estão faturando, elas procuram a incubadora. O acompanhamento é
realizado de maneira informal porque, se for diferente, a fundação pode assumir uma postura
paternalista, numa relação sem prazo para acabar. Nas palavras do coordenador: “elas sabem
que, em qualquer momento que surgir um problema, a gente está lá para resolver, e não é essa
a ideia. Ela teve os dois anos, a gente presta a assistência técnica e a gente não a abandona,
mas a gente não acaba fazendo [um acompanhamento formal] porque é uma empresa dela,
mas a gente sabe porque a gente conhece, está ao nosso redor e a gente também imputa mais
clientes para ela, mais pedidos, e a gente sabe quanto elas estão faturando também, mas não
com o compromisso de falar assim: geramos tanto. Do grupo produtivo a gente tem esse
controle, controle total”.
4.4. Empresa graduada 1
A empresa 1 é uma oficina de costura composta pela sociedade de duas participantes
da incubadora da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari.
Infraestrutura da Escola Empreendedora da Fundação Jari: Nas palavras da sócia
A: “Vou te dizer uma coisa, não tem lugar, estrutura, com todas as máquinas, como tem na
fundação aqui nessa região. As máquinas são de primeira, tem todo tipo de máquina”.
A localidade também foi considerada adequada pela proximidade da residência da
sócia A, que podia se deslocar a pé. Nas palavras dela, “se fosse mais distante, a condução até
a fundação seria difícil, pelo custo da passagem de ônibus. Porém se é parte de um objetivo a
gente não deixa”. A localização foi considerada adequada também pela sócia B, que podia se
deslocar com uma condução de ônibus.
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Recrutamento e seleção: Ambas já realizavam outros cursos na Fundação Jari e
foram convidadas a participar da Escola Empreendedora de Corte e Costura. A sócia A
iniciou a participação nos cursos da fundação por uma requisição do programa federal Bolsa
Família, do qual era beneficiária por causa de uma das filhas. Já a sócia B estava
desempregada e optou por conhecer os projetos da fundação.
Pré-incubação: O treinamento de corte e costura foi considerado ótimo e a percepção
foi de que resultou em um grande aprendizado. Na fala da sócia A: “geralmente, quando você
vai para um curso, você só aprende o básico... você só vai aprender a peça, e para se
aprimorar precisa da prática... e isso eles estão dando... de você fazer a prática... o
desempenho depende só da pessoa querer crescer mesmo”. O curso foi realizado às segundas
e quartas e já nesse período as sócias trabalhavam na incubadora todos os dias da semana. Nas
palavras da sócia A: “o espaço já estava em nossas mãos. O grupo produtivo da incubadora
veio acontecer em função dos grupos já organizados nos cursos anteriores”; “Havia as
máquinas, que ficavam paradas por períodos, e a gente trabalhava”. A sócia A era responsável
por algumas máquinas e pelo espaço.
Em relação à decisão de permanecer na incubadora ou entrar no mercado de trabalho,
houve pessoas que fizeram a segunda opção. A sócia A disse que decidiu participar da
incubadora por acreditar que seria possível construir a própria empresa. Nas palavras dela:
“Eu acreditei que podia chegar a outro objetivo, que era esse que eu queria. As oportunidades
para emprego fixo estão mais na cidade de São Paulo ou em algum outro local muito longe”.
A sócia A tem família e preferiu abrir o próprio negócio para ficar mais perto do local de
residência.
Primeiro e segundo ciclo de incubação: durante o período de incubação, foi recebido
apoio em relação ao cadastro de microempreendedor individual, assessoria contábil e tudo o
que foi necessário para a abertura do negócio.
A planilha do Excel usada para precificar os produtos foi considerada boa, pois nela é
possível visualizar todas as despesas, como custos com energia elétrica, aluguel e material.
Ao final, com todos os dados preenchidos, a planilha apresenta o preço pelo qual a peça deve
ser vendida.
Em relação às visitas aos fornecedores e clientes, as sócias acompanharam os
coordenadores da fundação em algumas delas, pois havia um revezamento do grupo. Essa
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prática foi considerada boa por elas, pois recebiam orientações de como vender e negociar um
produto.
A remuneração era dada por produção, cada costureira realizava uma etapa do trabalho
e então era calculado o preço. Quem trabalhava mais ganhava mais, quem ficava menos
tempo ganhava menos. Não havia uma regra da incubadora em relação ao tempo de trabalho,
o horário era flexível. A sócia A coordenava o grupo e distribuía cada etapa do serviço e qual
a remuneração. Nas palavras dela: “Mas a gente tem que saber lidar com todas essas
dificuldades. A fundação ajudava a resolver os conflitos, intermediava. Os atritos aconteciam
mais em relação à remuneração, quanto cada um vai ganhar... quem ganha mais, menos. Eu
descrevia toda a etapa, fazia o cronograma, quantos minutos eram necessários para fazer cada
etapa por peça, todo o planejamento da produção. Fazia uma média para saber quanto cada
uma ia ganhar”.
As sócias formaram sua parceria por afinidade e pelo local de residência delas. O
grupo ao qual pertenciam era composto de sete pessoas, que combinavam horário de trabalho,
que normalmente era das 8h às 17h, exceto em alguns dias, em que uma ou outra não podia
comparecer à incubadora. Estabelecer horário para o grupo viabilizava uma produção maior.
Quando é possível, criar um grupo em que ocorre uma boa interação é um grande facilitador,
pois durante o trabalho podem acontecer muitos atritos.
Em relação ao fundo de 10%, era realizado um caixa, que às vezes podia ser utilizado
pela fundação para comprar material, sendo logo reposto. Como foi dito, esse valor é
resgatado ao final da incubação. Toda a manutenção do espaço era realizada pela fundação, e
isso estava incluído no preço de venda dos produtos.
Em relação às orientações e aos serviços prestados pela incubadora, no geral, as sócias
consideraram ter aprendido grande parte do que é necessário saber para empreender e
afirmaram que, enquanto se está dentro da incubadora, pode-se contar com a fundação sempre
que houver qualquer coisa para aprender, como tempo para entregar um produto, realização
de um produto em parceria com outras pessoas, negociação de novo prazo de entrega com os
clientes, entre outros.
Como sugestão para melhorar o processo, elas acham necessário haver mais
orientação sobre o trabalho em grupo. Nas palavras da sócia A: “Mesmo que o horário seja
flexível, a pessoa tem que ter uma responsabilidade, que aquele horário ela tem que cumprir,
porque com aquilo a gente faz um cronograma de entrega”. A sócia B sugeriu que houvesse
uma regra a ser seguida em relação ao horário, para não comprometer a produção geral. Nas
palavras dela: “Se você tem um produto para entregar, você tem que entregar. Se a pessoa
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começa a não vir no horário certo, compromete o cronograma. Isso sim, cada vez mais tem
que trabalhar. Deixar o horário flexível prejudica o trabalho do grupo como um todo”.
De maneira geral, o forte da incubadora são as máquinas de primeira, a localização
próxima à residência das participantes e as atitudes dos coordenadores para com as
participantes. Nas palavras da sócia B: “A assistência deles é em tudo, em todas as etapas,
desde a mão de obra, a parte jurídica, não deixam sem informação, é assistência mesmo”.
Em relação ao atendimento das expectativas anteriores à incubação, nas palavras da
sócia A: “para mim foi até mais porque eu não fui lá por causa disso, mas para sair de dentro
de casa mesmo. Eu não tinha o objetivo de chegar aqui. Meu objetivo era cumprir o que o
Bolsa Família tinha mandado. Fui mudando minhas ideias, meu comportamento, fui criando”.
Sobre a permanência na incubadora, diz a sócia A: “É difícil chegar e precisa de
persistência. No total foram cinco anos de fundação, desde os primeiros cursos na fundação.
O apoio da família é necessário para conseguir concluir o ciclo de incubação. Porque na
incubadora se ganha conforme a própria produção. Não é um salário fixo, às vezes em um
mês se ganha bem, e em outro mês não. E aí você tem que ter persistência de estar lá dentro,
se não... e o objetivo. É necessário ter objetivo e confiança nas pessoas que trabalham para a
confecção do mesmo produto. O grupo [tem que] se formar com um objetivo inteiro. Cada
uma fazer só sua própria produção não dá certo”.
Graduação: Na graduação, o fundo acumulado de 10% do valor das vendas durante o
período de incubação foi utilizado para comprar máquinas e deixar um capital de giro para a
empresa, que foi instalada em um espaço alugado. Sobre o tempo incubado, nas palavras da
sócia A: “Foi o tempo necessário. Ou você se acomoda lá, para ficar sempre lá, e não vai
querer sair, ou você enfrenta. É o tempo necessário para você aprender. Ou você vai para o
ramo de trabalhar fixo na firma ou você monta o seu [negócio]. É o tempo certo. Para mim
foi. Eu sai com uma carga boa”.
Pós-incubação: O contato com a incubadora permaneceu após a graduação. Muitas
empresas clientes do atual processo da incubadora fazem pedidos de um mesmo produto em
grande quantidade. Por esse motivo, as sócias operam, em alguns casos, em parceria com a
fundação. Os pedidos são compartilhados com elas por causa do volume e por já terem
empresa aberta, o que viabiliza a emissão de nota fiscal. O relacionamento se dá por meio do
encaminhamento do pedido de produtos e da ajuda nas negociações com clientes e
fornecedores, como na determinação do preço de venda do produto, na contabilidade e em
67
assistências relacionadas à parte administrativa. Não é necessária mais a assistência em
relação às técnicas de costura. Nas palavras da sócia A: “A gente ainda tá aprendendo. A
gente deu o primeiro passo. Não faz nem um ano que saímos da incubadora, faz 10 meses.
Quando a gente tem dúvida, a fundação ajuda. Quando precisa, pode utilizar as máquinas da
fundação, sem custo”.
Resultado: O primeiro processo de incubação foi mais difícil, pois teve de conquistar
a confiança dos clientes. Era um grupo que estava começando, sem nota fiscal e sem empresa.
Nas palavras da sócia A: “Agora já tem a porta aberta, o pessoal já acredita no projeto.
Através do que a gente fez chegou a Petrobras para financiar o projeto de Corte e Costura. O
nosso foi o mais difícil para entrar no mercado. Quando o primeiro jogo americano foi para o
mercado, o pessoal acreditou que o projeto estava dando certo”.
Sobre o andamento do negócio atualmente, nas palavras da sócia A: “Agora eu
negocio direto com a firma, já faço negócio direto com o fornecedor. Com o cliente também,
diretamente... Não é fácil, não... eu não tinha muitas habilidades com as palavras, mas agora...
aprendi muito na fundação. Eu era calada, agora que estou mudando aos poucos, aprendendo
mesmo... Quando eu entrei, para eu falar uma palavra era difícil. Aí fui acostumando, ele foi
levando a gente para falar, a gente aprende um pouquinho, vai gaguejando, mas aprende
[risos]”.
Ambas as sócias são cadastradas como microempreendedor individual, e os produtos
confeccionados são jogos americanos e uniformes industriais. O jogo americano foi estudado
e trabalhado durante um ano para se chegar ao modelo comercializado atualmente. Nesse
período foi verificado que o produto poderia chegar ao preço de venda e com tempo de
produção possível para cumprir o prazo de entrega solicitado pelo cliente. A primeira estampa
foi utilizada nos dois primeiros anos de produção e atualmente há outra estampa sendo
utilizada. As vendas para os clientes acontecem mensalmente.
Nas palavras da sócia A: “No fim eu fiquei sem o Bolsa Família, mas não fiquei sem
emprego [risos]. Aprendi e progredi. Através do Bolsa Família eu cheguei ao meu
empreendimento”. Nas palavras da sócia B: “Hoje o negócio vai bem, tem as dificuldades,
mas vai continuar, a gente vai trabalhando conforme a demanda. Tem cinco clientes e três
fornecedores. A incubadora foi fundamental, a incubadora nos orientou muito em todas as
partes, as etapas”.
Impacto: Nas palavras da sócia B: “eu sempre trabalhei para outras pessoas, sempre
fui funcionária. O meu conhecimento está valendo hoje porque eu abri o meu próprio negócio.
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Eu tenho alguns conhecimentos e posso botar em prática dentro da minha empresa”. A renda
da sócia B não melhorou em relação ao seu último emprego. O motivo de sua entrada na
incubadora foi o desejo de conhecer o projeto e realizar o curso. Nessa época, ela estava
desempregada.
Nas palavras da sócia A: “a renda mudou, melhorou. Primeiro eu não ajudava na
família, o Bolsa Família é só um... Agora eu já tenho um salário. Esse ano a gente já está
conseguindo tirar um salário todo mês. Isso já ajuda para dividir, comprar alimentação, pagar
uma conta, comprar um vestido, uma roupa, um calçado para o filho, ajuda. A sensação de ter
o próprio negócio é de ter muita dúvida, mas a sensação de ver que estamos conseguindo é
boa. A família está começando a entender que eu estou ganhando, porque no início era difícil
entender. Agora que eu estou ajudando, estão vendo que está progredindo. Estão entendendo
que é uma firma, não é um bico”.
4.5. Empresa graduada 2
A empresa graduada 2 é composta de duas participantes, mãe e filha, que foram
chamadas de sócia C e sócia D, respectivamente, da incubadora da Escola Empreendedora de
Corte e Costura da Fundação Jari. Atualmente, produzem capas para máquinas de lavar roupa.
Já produziram bolsas de TNT para campanhas promocionais de lojas, porém não receberam
mais pedidos dessas bolsas. A sócia C trabalhava como empregada doméstica e a sócia D
estava desempregada (anteriormente, era atendente de uma empresa que fornecia serviço de
guincho para automóveis). A sócia C concluiu o ensino fundamental II em 2014 e iniciará o
ensino médio neste ano. A sócia D concluiu o ensino médio.
Infraestrutura da Escola Empreendedora da Fundação Jari: a infraestrutura
oferecida durante o curso foi considerada positiva pelas sócias. Durante o período de
incubação, as sócias não ficavam com a chave da incubadora, pois havia outra pessoa no
grupo responsável por isso. O deslocamento até o local da incubadora era realizado por meio
de ônibus, uma forma de transporte rápida mas que não era de fácil acesso para as sócias, que
precisavam caminhar até uma rodovia para pegar o ônibus. Ainda assim, as sócias afirmaram
que, se a incubadora fosse em um local mais distante, teriam participado de todo o processo,
pela oportunidade do aprendizado.
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Recrutamento e seleção: as sócias tomaram conhecimento do curso de corte e costura
por meio da leitura de um anúncio publicado em um jornal local. Elas se inscreveram,
participaram de uma palestra explicativa sobre o curso e o possível processo de incubação e
foram selecionadas para participar uma semana após o início do curso, devido à desistência de
pessoas selecionadas primeiramente.
Pré-incubação: no curso de corte e costura as sócias aprenderam a manusear
diferentes tipos de máquinas de costura, uma vez que já possuíam conhecimento básico de
costura. Durante o curso, muitos participantes conseguiram emprego em empresas locais e
optaram por trabalhar como assalariado. As duas sócias optaram pela entrada no processo de
incubação, porque já tinham a ideia de montar a própria empresa.
Primeiro e segundo ciclo de incubação: durante o período de produção na
incubadora, as sócias não possuíam cadastro de microempreendedor individual e recebiam o
pagamento pela sua produção através de outra participante da incubadora que já possuía o
cadastro. Durante o processo de incubação, por diversas vezes, receberam orientação dos
profissionais da incubadora para regularizar o cadastro. Essa orientação foi considerada boa e
bem explicativa e não restou dúvida sobre o processo de regularização do empreendimento.
Todos os serviços recebidos foram considerados satisfatórios pelas participantes, e o fundo de
10% considerado bom. A sócia C acompanhou o gerente da incubadora em uma visita a um
cliente e achou a oportunidade boa. A planilha de precificação também foi considerada um
bom instrumento para definir o valor de venda do produto.
O conflito entre as participantes da incubadora foi citado como um ponto de
observação, que deve ser melhorado em um processo futuro. Conflitos ocorriam devido à
divisão do trabalho, que era sempre realizado em conjunto, e à carga horária escolhida pelas
participantes, o que impactava a produção de todo o grupo. As reclamações atrapalhavam o
ambiente de trabalho e a própria produtividade do grupo.
As sócias afirmaram que muitos participantes da incubadora saíram no meio do
processo por terem recebido convites de empresas locais para trabalhar como assalariado.
Graduação: As sócias ainda não resgataram o fundo de 10% por decisão própria, e
sabem que o valor está guardado e disponível para resgate quando quiserem. Elas já possuíam
três máquinas e adquiriram outras duas com a renda de um seguro recebido pela sócia C,
devido a um acidente ocorrido com um dos filhos.
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Pós-incubação: As sócias não utilizam a planilha para precificação do produto
produzida pois não a consideram necessária no momento; o cálculo do valor de venda é
realizado de maneira manual. Em relação à demanda, também recebem pedidos de trabalho da
incubadora. O relacionamento com ela se mantém ativo, e, quando não há serviço, as sócias
entram em contato com a incubadora para verificar se há pedidos que podem ser passados
para elas.
Resultado: As sócias, atualmente, possuem três clientes. Um deles é a própria
incubadora, que compartilha com elas pedidos de seus atuais clientes; outro cliente solicita
capas para máquinas de lavar roupa; e o terceiro ainda é potencial, estão em fase de
negociação. As sócias ainda não fizeram cadastro como microempreendedor individual, pois
possuem mais de três máquinas e têm de regularizar a empresa como microempresa. Porém,
essa regularização implica obrigatoriamente a contratação de um contador, e os altos custos
desse serviço fazem com que ainda estejam trabalhando na informalidade. Por diversas vezes,
receberam a orientação dos profissionais da incubadora para regularizar o cadastro da
empresa.
A demanda é considerada fraca e às vezes passam um mês sem que um único pedido
seja feito. Mas as sócias consideram que costurar é um serviço que não falta e é uma opção
para pessoas com mais de 40 anos de idade. O objetivo das sócias é consolidar a empresa, e
não fechá-la.
Impacto: A renda obtida com a confecção de produtos é superior à renda que a sócia
C obtinha anteriormente como empregada doméstica. O horário flexível de trabalho foi
considerado vantajoso pelas duas sócias, que afirmaram que, por terem o próprio negócio, a
sócia C pode programar uma consulta médica, o que não era possível quando trabalhava como
empregada doméstica. Para a sócia D, a renda também melhorou bastante.
4.6. Análise dos dados da pesquisa
Confrontando as informações obtidas na teoria e os dados da pesquisa empírica,
constatou-se que a incubadora da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
é uma incubadora social de negócio inclusivo que desenvolve empreendimentos que são
propriedade de pessoas de maior vulnerabilidade social. Esse dado é confirmado pelas
próprias gestoras das empresas graduadas – entre as quatro, antes de participar do processo de
71
incubação, três estavam sem emprego, sendo uma beneficiária do programa do governo
federal Bolsa Família, e a quarta trabalhava como funcionária doméstica. Portanto, essas
empresas podem ser classificadas como negócio social do tipo II, pela perspectiva de
Muhammad Yunus (2010), ou como negócio inclusivo, conforme concepção de Teodósio e
Comini (2012) e Márquez, Reficco e Berger (2009), pois inserem no sistema produtivo
pessoas em condições de vulnerabilidade, que passam a obter renda a partir da existência da
empresa.
Analisando os dados obtidos por meio das entrevistas com o coordenador da
incubadora e com as sócias das duas empresas graduadas, foi possível identificar uma
coerência entre o que o coordenador afirma que oferece às empresas incubadas e o que as
empreendedoras participantes da incubadora percebem que receberam da incubadora.
Por meio da pesquisa, foi possível identificar que a incubadora da Escola
Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari possui uma metodologia de dois anos de
duração, composta de quatro etapas:
a pré-incubação, que corresponde ao período do curso de corte e costura, com duração de
seis meses e considerada pré-requisito para participar da incubação;
a incubação, que corresponde ao período de aperfeiçoamento das técnicas de costura
aprendidas durante o curso de corte e costura e à aprendizagem na prática de
empreendedorismo, com duração de um ano e meio;
a graduação, na qual as empresas consolidadas na etapa de incubação estão aptas a deixar
a incubadora e a competir no mercado sem o suporte direto da incubadora, o que ocorre
obrigatoriamente ao final de dois anos (incluindo o período do curso);
a pós-incubação, na qual as empresas graduadas podem contar com o apoio da incubadora
para resolução de conflitos e definição do preço do produto de venda, por exemplo, e
também podem contar com a parceria para o recebimento de pedidos de trabalho.
A maneira de atuar da incubadora pesquisada concorda com muitas das concepções
de incubadoras de empresas definidas por Plonski (2002), Dornelas (2002), Aranha (2008),
ANPROTEC e SEBRAE. Apenas no caso de uma característica apontada pela Anprotec, em
relação ao incentivo para o desenvolvimento de ideias inovadoras, não a observamos na
incubadora social da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari, uma vez
que os participantes não desenvolvem as próprias ideias de negócios, pois o segmento já é
predefinido pela própria incubadora. A decisão em relação ao segmento do negócio é baseada
em estudos desenvolvidos pela incubadora, para verificar potenciais negócios na região em
que atua.
72
Em relação às práticas da incubadora da Escola Empreendedora de Corte e Costura da
Fundação Jari, estas contemplam algumas das melhores práticas definidas pela NBIA e por
Dornelas (2002), como: a articulação de diversos atores da sociedade para a realização de seu
processo, que inclui o governo e empresas privadas (exceto pela parceria com a
universidade); a criação de redes com diversos atores da sociedade que podem contribuir com
a incubadora por meio de patrocínio, serviços e compra e venda dos produtos produzidos; e a
atuação da incubadora como um modelo para os empreendimentos incubados em relação à
negociação com clientes e fornecedores.
A fase de incubação e pós-incubação é similar ao definido por Aranha (2008), que
afirma que, durante a incubação, os empreendimentos utilizam a infraestrutura da incubadora
e se desenvolvem para buscar a sustentabilidade, especialmente para a etapa da graduação, e,
no período pós-incubação, as empresas incubadas podem manter contato com a incubadora.
Em relação às incubadoras vinculadas às universidades que desenvolvem
empreendimentos da economia solidária, conforme Vechia et al. (2011), as etapas são
similares às identificadas na incubadora social estudada.
Pode-se atrelar como prática de uma incubadora social de negócio inclusivo a
localização estratégica. Ao contrário de uma incubadora de base tecnológica ou tradicional,
por exemplo, a social não se instala em endereços próximos aos potenciais clientes e
fornecedores de seus empreendimentos incubados ou próximos às universidades para usufruir
de seus conhecimentos, mas sim em um local de fácil acesso para os empreendedores, visto
que a proximidade pode ser considerada um fator condicionante de participação para a
população-alvo. O processo de seleção também é diferenciado. No caso da incubadora social,
o critério para ingressar no processo não é um bom plano de negócio, e sim possuir um perfil
social e econômico considerado de vulnerabilidade alta. Na incubadora social pesquisada, o
processo seletivo ocorre antes da pré-incubação, e a pré-incubação não corresponde à
elaboração de plano de negócio, e sim a um treinamento prático que será necessário para a
operação da empresa. Além disso, é considerado fundamental que os participantes possam
gerar renda desde quase o início de todo o processo, de modo a não desistirem do treinamento
e da incubação pela necessidade de obter renda trabalhando em outros lugares, já que a renda
obtida no processo de incubação é utilizada para necessidades básicas.
Portanto, a proposição deste trabalho é confirmada, uma vez que as práticas das
incubadoras de empresas de base tecnológica e tradicional não são suficientes para satisfazer
as necessidades de uma incubadora social.
73
O processo de incubação se mostrou fundamental na criação da empresa para a sócia
A da empresa 1, que já havia participado por três anos seguidos de outros cursos da fundação,
porém abriu o próprio negócio apenas após a participação na incubação da Escola
Empreendedora de Corte e Costura.
Foi possível identificar uma percepção positiva das empreendedoras em relação a
infraestrutura, serviços, tempo de incubação e quase todas as práticas da incubadora. Uma
percepção negativa foi observada em relação à flexibilidade de horário de trabalho do grupo
produtivo. Uma dificuldade apontada pelo coordenador da incubadora, e por todas as
mulheres empreendedoras, foi o relacionamento interpessoal entre os participantes durante o
processo de incubação. Conflitos relacionados a diferenças de agenda, à disponibilidade para
o trabalho, ao comprometimento e aos objetivos da produção coletiva dos vestuários e demais
peças foram constantes e foram necessárias intervenções dos coordenadores da incubadora
para solucionar as questões. Essas interferências foram consideradas satisfatórias para ambas
as partes. Na teoria, a necessidade de uma gestão que inclui novas competências de gestão de
relacionamento interpessoal foi apontada por Aranha (2008), que considera essa competência
inovadora.
Como resultados e impactos, a participação na incubadora viabilizou que quatro
mulheres pudessem empreender seus próprios negócios, e uma delas deixou de ser dependente
de um programa assistencialista do governo. Importante ressaltar que, embora o objetivo de
todo o processo seja gerar empresas, a incubadora também pode ser reconhecida por facilitar a
entrada de pessoas no mercado de trabalho, por meio da fase de capacitação da pré-incubação
e até mesmo durante a incubação, na qual as profissionais têm a oportunidade de adquirir
experiência nos moldes de um estágio corporativo. Portanto, a incubadora desenvolve
empresas e também mão de obra experiente para trabalho assalariado. As sócias que atuam
como microempreendedoras individuais parecem obter vantagens sobre aquelas que estão
trabalhando na informalidade em relação ao número de clientes, à demanda para a confecção
de produtos e à autonomia em relação à incubadora.
Como oportunidade, a incubadora pesquisada poderia “manter um sistema de
gerenciamento de informação e coletar estatísticas e outras informações necessárias para
avaliações do programa em curso, melhorando assim a eficácia do programa e permitindo
que esse evolua de acordo com as necessidades dos clientes”, conforme definido pela NBIA21
(tradução nossa), e desenvolver indicadores de desempenho como, por exemplo, número de
21 Disponível em: <http://www.nbia.org/resource_library/best_practices/index.php>. Acesso em: 5 jan. 2015.
74
pessoas inseridas na cadeia produtiva, seja pela inserção no mercado de trabalho como
assalariado ou como empreendedor do próprio negócio; e quantidade de participantes que
passam a não depender mais de programas assistencialistas do governo para obter renda.
75
CONCLUSÕES
A partir da pesquisa exploratória, foi possível identificar que uma incubadora de
empresas é uma organização que estabelece conexões entre diversos agentes da sociedade –
como governo, universidades, empresas privadas – e qualquer outro agente que possa
contribuir com o objetivo de auxiliar empreendedores a criar e desenvolver seus negócios,
inovadores ou não. Desse modo, as empresas incubadas são apoiadas por meio dessas
conexões e da disponibilização de recursos, como infraestrutura física para a instalação da
empresa e suporte administrativo do negócio em todas as suas etapas, o que significa uma
transferência de conhecimento. Além de serem criados e desenvolvidos dentro da incubadora,
os negócios devem ser preparados para sobreviver no mercado após o período de incubação,
o que representará a efetividade da incubadora.
Em relação às incubadoras sociais, de maneira geral, suas ambições são as mesmas
das incubadoras de empresa de base tecnológica ou tradicional, porém a finalidade das
empresas incubadas é diferente: elas devem ser criadas e desenvolvidas para solucionar um
problema social. Essas empresas podem ser da economia solidária ou constituir um negócio
social e/ou inclusivo.
Pode-se também afirmar que as incubadoras de empresas são relevantes para a
construção e a consolidação de empreendimentos, incluindo os sociais, e a consequente
geração de emprego e dinamização da economia.
Com base na pesquisa exploratória sobre negócios sociais ou inclusivos, pode-se dizer
que eles surgem como uma resposta da sociedade para solucionar problemas sociais e
abrangem diversos atores da sociedade, como ONGs, fundações, entidades governamentais e
empresas tradicionais. Em relação às empresas tradicionais, algumas já nascem com esse
propósito e recebem novas denominações como inclusivas e sociais, outras estão se
adaptando, seja por causa de exigência legal (destinação de cotas para trabalhadores com
necessidades especiais nas grandes empresas, por exemplo), seja pela pressão de uma nova
geração mais engajada na busca pelo desenvolvimento social.
Do ponto de vista do impacto social, é possível considerar que há uma multiplicidade
de concepções e ações que, juntas, interferem de maneira positiva na redução da pobreza, na
inclusão social e na melhora da condição de vida de toda a sociedade. A principal diferença
percebida entre os diferentes modelos de negócios sociais e inclusivos se dá na utilização do
lucro, que pode ser reinvestido integralmente na melhoria ou expansão do próprio negócio,
ou apropriado pelos acionistas, e também na motivação para a existência do negócio, que
76
pode se dar inicialmente pela busca de uma melhora social ou pela oportunidade de se fazer
negócio com populações até então não atendidas por outros tipos de empreendimentos. Esta
segunda motivação deve ser vista com cautela, pois se trata da inclusão social pelo consumo,
o que atualmente se mostra inviável ambientalmente, uma vez que estamos inseridos em um
movimento global no qual o padrão de consumo das pessoas mais privilegiadas também deve
ser revisto. Ainda não há estudos comparativos que indiquem qual das concepções tende a
gerar mais impacto social positivo.
Do ponto de vista dos estudos administrativos, é interessante segmentar as atuações
para melhor definir as possíveis estratégias de gestão de cada concepção, uma vez que os
objetivos, impactos, modelos de gestão e público-alvo envolvidos na gestão e mão de obra do
negócio, bem como os stakeholders, podem ser distintos.
O tipo de negócio desenvolvido pela incubadora social da Escola Empreendedora de
Corte e Costura da Fundação Jari, objeto de estudo deste trabalho, dialoga com os chamados
negócios inclusivos na concepção de pesquisadores da SEKN e também com os negócios
sociais do tipo II, na definição de Muhammad Yunus, na qual se entende que, apesar de os
negócios serem tradicionais, o fato de serem propriedade de pessoas menos favorecidas os
torna inclusivos.
A partir do estudo de caso deste trabalho, foi possível identificar que incubadoras
sociais possuem práticas semelhantes às das incubadoras de empresas de base tecnológica e
tradicional, porém elas adotam outras para melhor atingir as necessidades de seu público-
alvo. Dentre as outras práticas, pode-se destacar: a fase da pré-incubação, que corresponde a
um treinamento e preparo prévio para o ingresso na incubadora, e a geração de renda na fase
da incubação, pois a renda se faz necessária para manter os participantes no projeto, uma vez
que é utilizada para necessidades básicas.
Na incubadora analisada, a graduação necessariamente se dá após dois anos no
projeto, uma vez que esse período é considerado adequado para que os participantes
desenvolvam as competências adquiridas no período de incubação e adquiram velocidade nas
técnicas de costura. O período pós-incubação é representado por uma constante parceria da
incubadora com os empreendedores incubados, seja pela chamada assistência técnica, seja
pelo encaminhamento de novos pedidos de produção.
O coordenador da incubadora se mostrou peça fundamental para o sucesso de todo o
processo, uma vez que ele participa ativamente de todas as etapas: na adaptação da
linguagem do curso na fase da pré-incubação; na articulação de diversos atores da sociedade
na busca de parcerias para o projeto, incluindo fornecedores e clientes; na atuação ativa para
77
a resolução de conflitos interpessoais entre as participantes; e na geração de novos pedidos de
trabalho mesmo no período de pós-incubação.
As sócias que atuam como microempreendedoras individuais parecem obter vantagens
sobre aquelas que estão trabalhando na informalidade, em relação ao número de clientes, à
demanda para a confecção de produtos e à autonomia em relação à incubadora.
A incubadora social da Escola Empreendedora de Corte e Costura se mostrou como
uma importante organização para a inserção de pessoas em condições menos favorecidas na
cadeia produtiva. O processo de incubação permitiu que quatro mulheres pudessem
empreender seus próprios negócios, e uma delas deixou de ser dependente de um programa
assistencialista do governo. É importante ressaltar que, embora o objetivo de todo o processo
seja gerar empresas, a incubadora também pode ser reconhecida por facilitar a entrada de
pessoas no mercado de trabalho, por meio da fase de capacitação da pré-incubação e até
mesmo durante a incubação, na qual as profissionais têm a oportunidade de adquirir
experiência nos moldes de um estágio corporativo. Portanto, a incubadora desenvolve
empresas e também mão de obra experiente para trabalho assalariado.
Como oportunidade, a incubadora pesquisada poderia “manter um sistema de
gerenciamento de informação e coletar estatísticas e outras informações necessárias para
avaliações do programa em curso, melhorando assim a eficácia do programa e permitindo
que esse evolua de acordo com as necessidades dos clientes”, conforme definido pela NBIA22
(tradução nossa), e desenvolver indicadores de desempenho como, por exemplo, número de
pessoas inseridas na cadeia produtiva, pela inserção no mercado de trabalho como assalariado
ou como empreendedor do próprio negócio, e quantidade de participantes que passam a não
depender mais de programas assistencialistas do governo para obter renda.
O presente estudo espera ter contribuído para o debate da atuação das incubadoras
sociais, especialmente as de negócios inclusivos. Nesse sentido, esta pesquisa é um estudo de
caso único que pode ser uma unidade de análise de um futuro estudo de casos múltiplos, o
que possibilitaria, com maior confiabilidade, a lógica da replicação definida por Yin (2010) e
uma maior credibilidade para uma generalização dos resultados, para a construção de uma
nova teoria sobre as práticas de incubadoras sociais que têm por objetivo incluir pessoas em
condições vulneráveis na cadeia produtiva.
Para estudos futuros, sugere-se estudar as competências do coordenador da
incubadora social, uma vez que este se mostrou fundamental para o sucesso da instituição,
22 Disponível em: <http://www.nbia.org/resource_library/best_practices/index.php>. Acesso em: 5 jan. 2015.
78
atuando na adequação da linguagem do treinamento do Senai para o público-alvo, na
conquista de clientes e no estabelecimento de parcerias locais que viabilizaram a entrada e a
aceitação no mercado dos produtos feitos pelos participantes da Escola Empreendedora de
Corte e Costura, na transmissão dos conhecimentos sobre empreendedorismo e na gestão de
conflitos e de relacionamento interpessoal entre os participantes.
79
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84
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<http://www.yunusnegociossociais.com/quem-somos>. Acesso em: 6 out. 2014.
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______. Um mundo sem pobreza: a empresa social e o futuro do capitalismo. São Paulo:
Ática, 2008. 272 p.
85
ANEXO 1
Quadro 2. Base legal das empresas sociais - Itália e Letônia
Atividade Missão Força de trabalho
Formas legais e
sistemas de
governança
Envolvimento de
membros e
stakeholders
Prestação de contas Distribuição de
lucros
Empresa
Social
Lei
155/2006
(Itália)
Organizações
principalmente
atuando de um modo
empresarial estável de produção ou troca de
benefício social, bens
e serviços. 70% da
renda total devem ser
atingidas por meio da
atividade principal.
Benefício social
guiando as metas das
atividades de interesse
geral
Quantidade mínima
de trabalho pago
(max. 50% de
trabalhadores voluntários). Se
houver integração ao
trabalho, trabalhador
em desvantagem deve
ser de no mínimo 30%
do total.
Organizações
privadas. Controle e
direção dependem da
forma legal: se uma organização pública:
conselho e assembleia
geral e supervisão de
comitê. Se sociedade
de responsabilidade
limitada: gestores são
indicados por
assembleia geral.
Envolvimento do
consumidor e do
trabalhador tem que
ser fornecido pelos artigos ou
regulamento interno.
Através da
previdência de
informação,
consultoria e
participação eles
podem influenciar o
processo de tomada de
decisão. Organizações
cujas atividades estão diretamente ligadas
somente entorno de
seus membros estão
excluídas.
Uma planilha de
balanço social é
mandatória e a
principal informação é fornecida pela lei.
Não é permitida a
distribuição de lucros
direta ou
indiretamente aos acionistas ou gestores.
Há a possibilidade de
se assumir a forma de
companhia pública
(com repartição).
Empresa
Social Lei
(Letônia)
O objetivo é criar
benefício social.
Presença de
voluntários e
trabalhadores pagos
no caso de
associações; o
primeiro deve
elaborar um acordo
estabelecendo horas
de trabalho e deveres
As formas admitidas
são: Associações,
Fundações (Lei de
Associação e
Fundação), Entidades
religiosas. O comitê
executivo e outros
governantes tem que
ser estabelecidos como provedores pelo
regulamento.
Associação: reuniões
gerais como força
principal, e a presença
de um conselho.
Fundação: conselho e
"mordomias" dados a
outros organismos.
Não permitido.
Fonte: Travaglini, Bandini e Mancinone, 2010, tradução nossa
86
ANEXO 2
Quadro 3. Base legal das empresas sociais - Finlândia e Bélgica
Atividade Missão Força de trabalho
Formas legais e
sistemas de
governança
Envolvimento de
membros e
stakeholders
Prestação de contas Distribuição de
lucros
Empresa
Social
Ato
1351/2003
(Finlândia)
Produção comercial
de bens e serviços.
Integração ao trabalho No mínimo 30% do
total dos
trabalhadores tem que
estar em desvantagem
(deficiência ou
desempregado por um
longo tempo).
Isso depende da
forma legal assumida
(formas previstas são
corporações,
fundações ou outra
empresa registrada).
Filiação não é
mandatória, o foco é
no contrato da lei e
sua relação com a
administração pública
(subsídios são
fornecidos).
Não tem limite, mas a
missão deve ser
respeitada.
Companhia
com
finalidade
social
Reforma do
código das
companhias
13/4/1995
(Bélgica)
Produção e venda de
bens e/ou serviços
Finalidade social deve
ser qualificada nos
Artigos da companhia.
Isso depende da
forma assumida
(qualquer tipo de
companhia fornecida
pelo Código da
Companhia). Direitos
de votação: não mais que 10% do capital
por acionista e isso é
menor em caso de um
acionista trabalhador
(5%). Restrições
estritas em termos de
sanções e controles
por parte dos
tribunais.
Trabalhadores podem
se tornar membros
depois de um ano de
comprometimento. O
estatuto tem que
fornecer
procedimentos que permita que cada
funcionário participe
da governança.
Uma planilha de
balanço social é
requerida anualmente.
Limitado (dividendos
com limite). Uma
política de alocação
do lucro de acordo
com o objetivo social.
Fonte: Travaglini, Bandini e Mancinone, 2010, tradução nossa
87
ANEXO 3
Quadro 4. Base legal das empresas sociais – Reino Unido e Lituânia
Atividade Missão Força de trabalho
Formas legais e
sistemas de
governança
Envolvimento de
membros e
stakeholders
Prestação de contas Distribuição de
lucros
Companhias
de Interesse
comunitário
(CIC)
Ato das
companhias
2004/2005
(Reino
Unido)
Produção e venda de
bens e/ou serviços
Finalidade social
dirigida para a
comunidade ou
objetivo de interesse geral.
O formato legal da
companhia é:
companhia limitada
por divisão (CLS) ou por garantia (um
membro, um voto
regra). O regulador
da CIC supervisiona
as decisões da
governança e
monitora o conselho
(ajudado pelos
membros do conselho
de diretores indicados
por membros somente).
É requerido um teste
comunitário para se
tornar uma CIC e para
verificar primeiro os objetivos da
companhia. A
comunidade é o maior
stakeholder.
Beneficiários podem
representar um setor
da comunidade.
Um relatório anual de
interesse comunitário
é requerido
fornecendo indicadores sobre o
envolvimento dos
stakeholders.
Regra de bloqueio de
ativos. Uma limitada
distribuição de lucro
pode ser fornecida (remuneração de
dívida, capital
próprio).
Empresa
Social Lei
1/6/2004
(Lituânia)
Pequenas ou médias
empresas (lei de
SME). A renda de atividades não
suportadas pelas
empresas devem ser
de no máximo 20% da
renda total.
Desenvolvimento das
habilidades sociais e
do trabalho do trabalhador e
integração social.
No mínimo 40% dos
empregados devem
estar classificados como grupo alvo e
pelo menos 4 dos
empregados.
Condições
particulares são
estabilizadas para
empresas sociais para
pessoas com
deficiência.
Qualquer pessoa com
registro legal ou
qualquer outra forma legal; esse é um
status que pode ser
concedido de acordo
com as leis previstas.
Um relatório sobre o
uso dos subsídios a
cada quatro meses e ao final do ano.
Fonte: Travaglini, Bandini e Mancinone, 2010, tradução nossa
88
ANEXO 4
Quadro 5. Base legal das cooperativas sociais - França e Espanha
Atividade
Relação com a
Administração
Pública
Força de trabalho Missão
Formas legais e
sistemas de
governança
Envolvimento de
membros e
stakeholders
Prestação de contas Distribuição de
lucros
Cooperativa de
Interesse Geral
Lei 2001-624
(França)
Produção ou suprimento de bens
e serviços
O departamento da prefeitura deve dar 5 anos de aprovação. 20% das divisões
podem ser de propriedade de
organizações públicas locais,
conforme estabelecido nos
Artigos.
Trabalhadores devem ser incluídos como stakeholder primário pela lei.
Interesse coletivo, atividades de
benefício social. Satisfaz
necessidades emergentes e ajuda
inclusão e coesão.
Se Sarl (sociedade de responsabilidade limitada): gerentes
designados por assembleia geral; Se
Sa (sociedade
anônima): conselho e comitê de
fiscalização. "Um membro, um voto",
mas há a possibilidade de
membros colegiados que podem ter de 10% a 50% dos
votos. Fornecimento de
certificado de cooperativa "não
votante" para uma contribuição financeira.
Pelo menos três categorias de
membros devem ser de trabalhadores e
usuários.
50% dos lucros devem ir para um
reserva indivisível, então a distribuição limitada de lucro é
permitida (não
incluindo subsídios públicos para o
cálculo de juros).
Cooperativa de
Iniciativa Social
Lei 27/1999,
Art. 106
(Espanha)
Produção ou provisão de bens e
serviços
Organizações privadas, mas há a possibilidade de ter entidades públicas como membros (se estabelecido pelos
estatutos).
É possível ter atividades que
forneçam integração laboral de pessoas
socialmente excluídas.
Fornecido pela lei segmentos especiais de atividades (saúde, educação, cultura ou qualquer atividade de natureza social)
ou qualquer atividade para a
integração ao trabalho de pessoas em desvantagens.
Um conselho de administração é requerido. Se
providenciado, membros
voluntários podem participar do conselho sem
direitos a voto.
Entidades públicas podem ser membros,
dependendo das clausulas do
estatuto, membros voluntários podem
ser aceitos.
Não permitido, 100% dos superávits
vão para reserva.
Fonte: Travaglini, Bandini e Mancinone, 2010, tradução nossa
89
ANEXO 5
Quadro 6. Base legal das cooperativas sociais - Portugal e Grécia
Atividade
Relação com a
Administração
Pública
Força de trabalho Missão
Formas legais e
sistemas de
governança
Envolvimento de
membros e
stakeholders
Prestação de
contas
Distribuição de
lucros
Cooperativa
Social Solidária
Lei 22/12/1998
(Portugal)
Produção ou provisão de bens e
serviços
Satisfação de necessidades sociais,
promoção e integração de pessoas em
desvantagem e outros públicos-
alvo, de acordo com a população portuguesa.
Distinção entre efetivo
(beneficiários e trabalhadores) e
membros
honorários: o primeiro pode ser
parte do corpo diretivo e tem o direito a voto. Conselho de
diretores e conselho de fiscalização
devem ser providenciados.
Provisão de um Conselho Geral composto por
representantes de ambos os membros
efetivos e honorários.
Um balanço social é mandatório em caso de 100 membros ou
mais.
Não permitido, todo o superávit vai para
atividades institucionais.
Cooperativa
Social com
responsabilidade
limitada
Lei 2716/99
(Grécia)
Qualquer atividade econômica ou comercial em
qualquer segmento
Unidades de Saúde Mental dirigida e monitorada pelo departamento de Saúde Mental do
Ministério da Saúde
Inclusão socioeconômica e
integração profissional de indivíduos com
problemas
psicológicos.
Dois tipos de divisão: uma
compulsória, igual e indivisível para
todos os membros, e outra opcional.
Membros: min. 35% (ou numericamente 15) pacientes; Max.
45% de trabalhadores de
hospital psiquiátrico
e 20% privado e institucional.
Fonte: Travaglini, Bandini e Mancinone, 2010, tradução nossa
90
ANEXO 6
Quadro 7. Base legal das cooperativas sociais - Polônia
Atividade
Relação com a
Administração
Pública
Força de trabalho Missão
Formas legais e
sistemas de
governança
Envolvimento de
membros e
stakeholders
Prestação de contas Distribuição de
lucros
Cooperativa
Social Lei
27/04/2006
(Polônia)
Atividades qualificadas como
não econômicas
Inscrições para o cadastro de conselho
nacional de cooperativas.
Cooperativas de trabalhadores,
estabelecida por desempregados ou
pessoas em desvantagens.
Reintegração social e/ou profissional de
seus membros.
80% dos membros devem ser de
desempregados e pessoas em
desvantagem. Os outros 20% devem
ser encontrados entre pessoas que
possuam competências que
faltam na cooperativa. Em cooperativas com
mais de 15 membros há um conselho de fiscalização; caso
contrário os membros controlam
diretamente.
Mínimo 5 e máximo 50 membros. ONGs
podem ser membros também se previsto
nos Artigos.
Contabilidade separada relativa às
atividades estatutárias.
Não permitido. Em caso de liquidação,
20% pode ser dividido entre os
membros.
Fonte: Travaglini, Bandini e Mancinone, 2010, tradução nossa
91
ANEXO 7
Questionário com a incubadora
1. Qual é o público-alvo da incubadora?
2. Quais as atividades das empresas que passaram e passam pela incubadora?
3. Quais são as etapas do processo de incubação?
4. Como as etapas são realizadas?
5. Há financiamento? Em caso positivo de onde provém a verba e como funciona o processo?
6. Por quanto tempo os negócios ficam incubados?
7. Quais são os critérios para graduar um negócio social?
8. Há apoio pós-graduação?
9. Quantos negócios já passaram pela incubadora?
10. Quantos negócios já graduaram?
11. O que falta nos negócios que não graduaram?
12. Qual é o desempenho dos negócios graduados em relação à sobrevivência, à
sustentabilidade financeira e ao impacto social?
92
ANEXO 8
Questionário com as empresas graduadas
1. Como você ficou sabendo da escola de corte e costura?
2. Por qual motivo você procurou a escola?
3. Por que decidiu participar da incubadora?
4. Como você avalia a infraestrutura oferecida pela incubadora (localização, máquinas)?
5. Como você avalia os serviços prestados pela incubadora (treinamento de corte e costura,
recursos oferecidos durante o treinamento como lanche, aulas sobre empreendedorismo,
assessoria jurídica para abertura de CNPJ como microempreendedor individual, assessoria
contábil, software para precificação, visita a fornecedores, visita a clientes, assistência
técnica) depois que você saiu da incubadora?
6. Depois de quanto tempo você começou a ganhar dinheiro? O que achou desse tempo?
7. Você pensou em desistir? Por que?
8. O que você acha dos 10% que são retidos todos os meses e resgatados ao final da
incubação?
9. O que você fez com esse dinheiro?
10. Você recebeu apoio financeiro? Como foi esse processo?
11. Por quanto tempo você ficou incubado? O que achou desse período?
12. Como foi o seu processo de graduação? Você estava pronta para sair? Quando foi isso?
13. E o período pós-graduação?
14. Você conheceu a sua sócia na incubadora?
15. Como você avalia a orientação que você recebeu em relação à gestão de seu negócio?
16. A incubadora atingiu suas expectativas?
17. O seu negócio vai bem?
18. O que você produz?
19. Quantos clientes você tem hoje?
20. Quantos fornecedores você tem hoje?
21. Como você avalia a importância da incubadora para o sucesso de seu negócio?
22. O que mudou em sua vida depois que você participou da incubadora?
23. Você mantém relação com a incubadora? Em caso positivo, como é essa relação? Em
caso negativo, por que não?
24. A sua condição socioeconômica mudou?
93
ANEXO 9
Foto1: Fachada da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
Fonte: autoria própria
94
ANEXO 10
Foto 2: Identificação da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
Fonte: autoria própria
95
ANEXO 11
Foto 3: Sala 1 da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
Fonte: autoria própria
96
ANEXO 12
Foto 4: Sala 2 da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
Fonte: autoria própria
97
ANEXO 13
Foto 5: Sala 3 da Escola Empreendedora de Corte e Costura da Fundação Jari
Fonte: autoria própria