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EQUAÇÃO/FUNÇÃO EXPONENCIAL EM DOIS LIVROS DIDÁTICOS
ANTES E DURANTE O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
Rogeria Teixeira Urzêdo Queiroz
Elenice de Souza Lodron Zuin
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Resumo
A função exponencial é um dos conteúdos do atual Ensino Básico e tem grande
importância pelas suas aplicações em diversas áreas do conhecimento. A equação
exponencial estava presente em livros didáticos de Álgebra publicados no século XIX.
A função exponencial passa a constar dos programas para o ensino da Matemática no
nível secundário, em âmbito nacional, a partir da Reforma Francisco Campos, em 1931.
Sob a perspectiva da História das Disciplinas Escolares (CHERVEL, 1990), realizamos
uma investigação buscando verificar se e como a equação exponencial e a função
exponencial eram retratadas em livros didáticos de Matemática editados entre as
décadas de 30 e 80 do século XX no Brasil. Para este trabalho, trazemos um recorte do
nosso estudo apresentando duas obras nacionais: a primeira, dos Irmãos Maristas,
intitulada Matemática, Primeira Série Colegial, publicada em 1959 e, a segunda, de
Scipione Di Pierro Netto e Célia Contin Góes, Matemática na Escola Renovada,
primeira série do 2o grau, publicada em 1972. Averiguamos que, na obra dos Irmãos
Maristas, não há referência à função exponencial. Os autores incluem as equações
exponenciais em cinco páginas, iniciando com a definição de equação exponencial,
classificando-as em primeira, segunda, terceira e quarta ordem. Há exercícios
resolvidos com o emprego de logaritmos e outros resolvidos por “artifícios”. Não é
descrita nenhuma referência histórica. Os exercícios são propostos no final do capítulo
sob o enunciado “Resolver as equações seguintes”. Não há nenhum exercício de
aplicação em outras áreas. Na segunda obra, percebe-se a influência do Movimento da
Matemática Moderna. Num primeiro momento, em relação às questões gráficas de
impressão, tais como a utilização de cores e recursos visuais. É realizada uma exposição
da função exponencial, através da utilização da linguagem dos conjuntos, privilegiando
a estrutura da álgebra abstrata sem nenhuma abordagem histórica. As equações
exponenciais são apresentadas no capítulo posterior denominado Equações
exponenciais e logarítmicas. O conteúdo é desenvolvido em um total de dezenove
páginas. Os exercícios propostos são dispostos no final do capítulo, sendo exigidos
traçados e análise de gráficos. Os exercícios relativos às equações exponenciais são
semelhantes aos propostos pela primeira obra citada, porém o enunciado difere, dando
ênfase às soluções indicadas na forma de conjunto verdade. Não são encontradas
aplicações da função exponencial em outras áreas do conhecimento. Pode-se concluir, a
partir das nossas análises, centradas nesses dois livros, que a abordagem relativa às
exponenciais experimentou mudanças significativas com o surgimento do Movimento
da Matemática Moderna.
Palavras-chave: Livros didáticos, Educação Matemática, Função Exponencial
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Introdução
A história do ensino da Matemática pode ser acompanhada através dos livros
didáticos, publicados ao longo dos anos. É possível citar vários professores que se
valeram da sua competência em ensinar, para escrever e tornar materializado, pelas
publicações, o desenvolvimento de formas didáticas de transmitir os conhecimentos que
nortearam, ou não, as exigências das reformas de ensino que se fizeram presentes.
Percorrendo a linha do tempo, podemos verificar que, em relação aos vários conteúdos
ministrados, alguns foram destacados pela sua importância, enquanto outros não foram
mais mencionados. Como exemplo, podemos citar o Cálculo Vetorial, que foi destinado
a ser ministrado nos cursos superiores, permanecendo apenas como suporte aos
conhecimentos de trigonometria, conforme exigência da reforma Gustavo Capanema.
Em razão desse princípio, foram vários os pesquisadores (VALENTE, 2003;
VALENTE, 2004; DASSIE, 2008) que se ocuparam em estudar os livros didáticos e
apresentar razões de propostas de ensino que também se interligaram com movimentos
que surgiram a partir de ideias e questionamentos de vários matemáticos do Brasil e de
outros países. O livro didático se constitui em um símbolo da escola (CHOPPIN, 2001).
É o instrumento de trabalho mais importante do professor, pois muitas vezes é a
principal, senão a única, fonte que o docente possui para preparar suas aulas. Além de
ser um meio facilitador para a complementação de conhecimentos, torna-se um vetor de
conteúdos que, no decorrer das décadas, foram experimentando formas diferentes de
apresentação.
Em nossas investigações, procuramos verificar de que forma a equação e função
exponencial eram retratadas em obras didáticas de Matemática editadas, entre as
décadas de 30 e 80 do Novecentos, no Brasil. Para o presente trabalho, trazemos um
recorte do nosso estudo, focalizando dois livros didáticos. A escolha dos livros foi
norteada pelo conhecimento das mudanças nas apresentações dos conteúdos dos livros
de Matemática que surgiram com o Movimento da Matemática Moderna (MMM).
Dessa forma, justifica-se a atenção para duas obras: a primeira, dos Irmãos Maristas,
intitulada Matemática, Primeira Série Colegial, publicada em 1959 – que antecede o
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MMM – e, a segunda, de Scipione Di Pierro Netto e Célia Contin Góes, Matemática na
Escola Renovada, primeira série do 2o grau, publicada em 1972.
Trazemos como referência Chervel (1990), que cita em seu texto as “finalidades
do ensino escolar”, identificando finalidades religiosas, finalidades sócio-políticas,
finalidades de ordem psicológica e finalidades culturais diversas, sendo que estas
mantêm uma estreita correlação. Conforme afirmação de Zuin (2007, p.12), “nos livros
didáticos, estão embutidos valores a serem transmitidos num determinado momento
histórico”. Chervel (1990) ainda sinaliza que:
A instituição escolar é, em cada época, tributária de um complexo de
objetivos que se entrelaçam e se combinam numa delicada arquitetura
da qual alguns tentaram fazer um modelo. É aqui que intervém a
oposição entre educação e instrução. O conjunto dessas finalidades
consigna à escola sua função educativa. Uma parte somente entre elas
obriga-a a dar uma instrução. Mas essa instrução está inteiramente
integrada ao esquema educacional que governa o sistema escolar, ou o
ramo estudado. As disciplinas escolares estão no centro desse
dispositivo. Sua função consiste em cada caso em colocar um
conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa.
(CHERVEL, 1990, p. 188).
Quando se lê, na citação acima, que a função da disciplina escolar é “colocar um
conteúdo de instrução a serviço de uma finalidade educativa”, entendemos que os
conteúdos realmente podem sofrer transformações, atendendo determinadas correntes
pedagógicas e/ou imposições da legislação escolar. Dentro desse último aspecto,
descrevemos, de forma sucinta, nos parágrafos seguintes, alguns aspectos da legislação
educacional e do Movimento da Matemática Moderna que trouxeram mudanças
significativas na abordagem dos conteúdos e, em especial, da função/equação
exponencial.
Reformas de Ensino que antecederam o Movimento da Matemática Moderna
Uma reforma que dá início a um ensino secundário, com outras características, é
a Reforma Francisco Campos, do ano de 1931. Sua grande relevância se centra no fato
de estabelecer, para todo o país, novas diretrizes relativas à organização do ensino
secundário, sendo este dividido em dois ciclos: fundamental e complementar, com
duração de cinco e dois anos, respectivamente. Outra alteração importante é a fusão da
Aritmética, Álgebra e Geometria em uma única disciplina: a Matemática – tendo “o
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conceito de função como fator de integração das partes da matemática” (MARQUES,
2005, p. 29).
A equação exponencial já estava presente em livros didáticos de Álgebra
publicados no século XIX. No entanto, a função exponencial passa a constar dos
programas para o ensino da Matemática no nível secundário, em âmbito nacional, a
partir da Portaria Ministerial n. 70, de 30 de junho de 1931 – que estabeleceu os
programas e as instruções metodológicas para as disciplinas do curso fundamental do
ensino secundário. Para a quarta série, ficava prescrita a introdução da função
exponencial. Foi a primeira vez que este conteúdo apareceu indicado na legislação.
A 9 de abril de 1942, por iniciativa de Gustavo Capanema, ministro da
Educação, durante o governo de Getúlio Vargas, era promulgada a denominada Lei
Orgânica do Ensino Secundário, mediante o decreto-lei número 4244. Na exposição de
motivos para que fosse sancionado um projeto de lei orgânica do ensino secundário,
incluindo o texto do projeto, Gustavo Capanema assim se pronunciou:
É que o ensino secundário se destina à preparação das
individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão assumir
as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos
homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso
infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. Ele
deve ser, por isto, um ensino patriótico por excelência, e patriótico no
sentido mais alto da palavra, isto é, um ensino capaz dar aos
adolescentes a compreensão da continuidade histórica da pátria, a
compreensão dos problemas e das necessidades, da missão e dos
ideais da nação, e bem assim dos perigos que a acompanhem, cerquem
ou ameacem, um ensino capaz, além disto, de criar, no espírito das
gerações novas, a consciência da responsabilidade diante dos valores
maiores da pátria, a sua independência, a sua ordem, o seu destino.
(CAPANEMA, 1942).
Para o ensino de Matemática, Capanema justificava:
No curso ginasial, a matemática e as ciências naturais serão estudadas
de modo elementar. Seria antipedagógico sobrecarregar os alunos,
nessa primeira fase dos estudos secundários, com estudos científicos
aprofundados.
Posteriormente, no curso clássico e no curso científico, far-se-á das
ciências estudo mais acurado. Terá o estudo da matemática, da física,
da química e da biologia, no curso científico, maior desenvolvimento
e profundidade do que no curso clássico. Não deverá, porém, êsse
estudo ser tão abundante e minucioso no curso científico que possa
tornar-se inconveniente demasia, nem de tal modo reduzido no curso
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clássico, que não baste à formação de uma cultura científica adequada
aos fins do ensino secundário. (CAPANEMA, 1942).
Com a promulgação do Decreto-lei 4244, em 1942, fica estabelecido no Título
primeiro, pelo artigo 2o, do capítulo II, que o ensino secundário passaria a ser
ministrado em dois ciclos. O primeiro compreenderia um só curso: o ginasial, enquanto,
o segundo, seria subdividido em dois cursos paralelos: clássico e científico. Para
Romanelli (1980), os cursos clássico e científico não apresentavam nenhum caráter de
especialização, sendo evidente o caráter de cultura geral e humanística dos currículos,
mesmo no científico. De acordo com esta autora, “sobressaiam, nos dois níveis, uma
preocupação excessivamente ideológica e ausência de distinção substancial entre os dois
cursos: o clássico e o científico” (ROMANELLI, 1980, p. 158). A lei estabeleceu as
disciplinas em cada um dos níveis de ensino, contudo, não definiu os programas
curriculares.1
A Portaria Ministerial n. 177, de 16 de março de 1943, expediu os programas de
Matemática para os cursos clássico e científico. Referente ao ensino de Álgebra, para a
segunda série do curso clássico, entre outros tópicos, após o estudo das progressões e
logaritmos, era proposta a “resolução de algumas equações exponenciais simples”. Para
o curso científico, também para a segunda série, eram indicados: “a função exponencial:
1. estudo das progressões aritméticas e geométricas; 2. noção de função exponencial e
de sua função inversa; 3. teoria dos logaritmos; uso das tábuas; aplicações; 5. resolução
de algumas equações exponenciais.” (BRASIL, 1943). Um programa mais aprofundado
para o curso científico.
Do início da década de 50, temos a Reforma Simões Filho, então ministro da
Educação. São baixadas a Portaria Ministerial no 966, de 2 de outubro de 1951, logo
depois, a Portaria Ministerial no 1045, de 14 de dezembro de 1951. Fica demarcado o
período compreendido entre 1951 e 1966, com o “Programa Mínimo” expedido pelas
referidas portarias. Estes programas procuraram simplificar e ajustar os conteúdos
1 O artigo 12º da lei 4244/1942 indicava um currículo enciclopédico para os cursos clássico e científico,
dividido em três grupos: I - Línguas (Português, Latim, Grego, Francês, Inglês, Espanhol); II - Ciências e
Filosofia (Matemática, Física, Química, Biologia, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral,
Geografia do Brasil, Filosofia) e III - Artes (Desenho). Pelo seu artigo 13º: “As disciplinas indicadas no
artigo anterior são comuns aos cursos clássico e científico, salvo o latim e o grego, que somente se
ministrarão no curso clássico, e o desenho, que se ensinará somente no curso científico” (BRASIL, 1942).
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propostos para o ensino secundário nas reformas anteriores. Na Matemática, os
conteúdos abordados para a primeira série estavam distribuídos em cinco seções assim
delimitadas: I – Noções sobre o cálculo aritmético aproximado; erros. II – Progressões.
III – Logaritmos. IV – Retas e planos; superfícies e poliedros em geral; corpos redondos
usuais; definições e propriedades; áreas e volumes. V – Secções cônicas; definições e
propriedades fundamentais. Para o estudo dos Logaritmos, especificavam-se os tópicos:
1. O cálculo logarítmico como operação inversa da potenciação. Propriedades gerais dos
logaritmos; mudança de base. Característica e mantissa. Cologaritmo; 2. Logaritmos
decimais; propriedades. Disposição e uso das tábuas de logaritmos. Aplicação ao
cálculo numérico; 3. Equações exponenciais simples; sua resolução com o emprego de
logaritmos. Este último tópico só era indicado para o Curso Científico, como alguns
outros, que não constariam do programa do Curso Clássico.
Depois da Reforma Capanema, surgiu a primeira Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira, em 1961, e recebeu o número 4024. Dez anos depois, foi
promulgada a Lei 5692, de 11 de agosto de 1971, fixando o objetivo geral da educação
de primeiro e segundo graus.
O Movimento da Matemática Moderna ocorreu em nível internacional e não se
deu através de leis e decretos no Brasil. Apesar disso, o movimento foi amplamente
difundido em todo o território nacional (SOARES, 2005). Esse movimento se
caracterizou pela proposta de renovação curricular, que se iniciou na década de 60 do
Novecentos e permaneceu como uma alternativa para o ensino da Matemática. Houve
ampla discussão, instaurada em congressos científicos que ocorreram nos anos de 1955,
1957, 1959, 1962 e 1966. A pesquisa realizada por Soares (2005) mostra que já existia
uma insatisfação em relação ao ensino, manifestada pelos professores nos primeiros
congressos. Para Soares (2001), as iniciativas para as mudanças no ensino surgiram a
partir da fundação do Grupo de Estudos de Ensino da Matemática de São Paulo, GEEM,
sob a liderança do professor Osvaldo Sangiorgi e a divulgações das ideias da
Matemática Moderna se deram por meio de livros e cursos para professores. O principal
marco do Movimento da Matemática Moderna foi a introdução, de uma forma mais
ampla, do estudo da Teoria dos Conjuntos bem como da utilização de toda a simbologia
que lhe é peculiar.
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As obras analisadas e os seus autores
A primeira obra analisada foi da Coleção Didática FTD, Matemática – primeira
série colegial, de autoria dos Irmãos Maristas, do ano de 1959, cuja capa é ilustrada na
figura 1.
A sigla FTD foi uma homenagem ao Frei Théophane Durand, que assumiu a
direção geral da Congregação Marista em 1833. No Rio de Janeiro, a FTD foi
inaugurada, em 1902, para atender a demanda “de livros europeus pelos novos colégios
católicos criados no Brasil”. A editora investe na edição de um grande número de livros
didáticos de “todas as disciplinas escolares” (VALENTE, 2002, p. 190), obtendo êxito.
Frei Théophane Durand foi um grande incentivador dos irmãos dessa
congregação para escreverem obras didáticas, apesar de que, nessa época, já havia 50
títulos publicados (BARONI, 2008). Dessa forma, as edições mais antigas e as novas
publicações compuseram o que os Irmãos Maristas denominaram “Coleção Didática
FTD” – a primeira frase impressa como título na capa do livro ora citado. Outra
particularidade dessa obra é que não há a apresentação do nome do autor. Essa é outra
característica dos livros didáticos de Matemática da Editora FTD. Com essa ação,
segundo Baroni (2009), os Maristas deixavam suas obras como obra da Congregação e
não como obra específica de um único Irmão. Por essa razão, em algumas obras,
poderemos também encontrar os impressos “Por FTD” ou “Por uma reunião de
professores”.
Figura 1 - Capa do livro da Coleção Didática FTD
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Fonte: FTD (1959)
A segunda obra analisada, Matemática na Escola Renovada, publicada em 1972,
(figura 2), tem como primeiro autor Scipione Di Pierro Netto e, como co-autora, Célia
Contin Góes.
Scipione Di Pierro Netto (1926-2005) era doutor em Educação pela
Universidade de São Paulo – USP. No início de sua carreira, foi professor de
Matemática na rede pública do Estado de São Paulo, ingressando posteriormente, por
concurso público, no Colégio de Aplicação da USP. Lecionou em diversas instituições
de Ensino Superior, entre elas a USP e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Teve participação no G.E.E.M. – Grupo de Estudos do Ensino da Matemática,
presidido por Osvaldo Sangiorgi. Di Pierro Netto foi autor de inúmeros livros didáticos
de Matemática e começou a ter destaque nesse ofício no final da década de 1960.
A co-autora, Célia Contin Góes, também foi professora do Colégio de Aplicação
da USP, tendo publicado com Di Pierro Netto os três volumes da Coleção Matemática
na Escola Renovada. O rigor, demonstrado pelos autores nessa obra, é evidenciado pela
nota “Aos Senhores Professores”, anterior ao índice, quando escrevem que: “O estudo
da função exponencial é rigoroso a êste nível e julgamos que, em muitos cursos, o
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tratamento minucioso que demos pode até ser dispensado num primeiro estudo.” (DI
PIERRO NETTO & GÓES, 1972).
Figura 2 - Capa do livro Matemática na escola Renovada.
Fonte: DI PIERRO NETTO & GÓES (1972)
Equação/ função exponencial na obra dos Irmãos Maristas
Antes da análise do conteúdo em pauta, ressaltamos que, nessa obra dos Irmãos
Maristas, existe a informação de que a mesma segue a Portaria n.o 966, de 2 de outubro
de 1951, bem como a Portaria n.o 1045, de 14 de dezembro de 1951 do Ministério da
Educação e Cultura.
A figura 3 mostra o índice geral e o índice analítico da obra. O conteúdo
equações exponenciais encontra-se no capítulo VI, após o capítulo de logaritmos e
pode-se verificar pelo denominado “Índice Analítico” que as funções exponenciais não
foram ali citadas e, de fato, a análise do livro demonstra que os autores não abordam o
referido tópico.
Figura 3- Conteúdos para a primeira série no livro Matemática dos Irmãos Maristas
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Fonte: FTD (1959)
O capítulo VI inicia na página 91 e finaliza na página 95. Todas as definições,
conceitos e exemplos, ao longo de toda a obra, são numerados em ordem crescente e,
assim procedendo, a apresentação das equações exponenciais inicia-se no tópico 74,
onde é dada uma definição simples de equação exponencial. No parágrafo seguinte do
mesmo tópico, define-se exponencial, citando três exemplos. A seguir, classificam-se as
exponenciais em: primeira ordem, quando o expoente é uma incógnita; de segunda
ordem, quando tem por expoente uma exponencial de primeira ordem; de terceira
ordem, quando tem por expoente uma exponencial de segunda ordem e, assim,
sucessivamente.
Para a resolução das equações exponenciais (tópico 75), os autores informam
que as mesmas poderão ser resolvidas por logaritmos ou, em certos casos, por artifícios.
No tópico 76, são apresentados exercícios resolvidos e, em todos os exemplos,
houve o emprego de propriedades dos logaritmos. Na figura 4, apresentamos o 2o
exemplo, disposto na página 92, no qual há a apresentação de uma mudança de variável
do tipo 𝑏𝑥 = 𝑦 que se repete nos exemplos 3 e 4.
Figura 4 - Exemplo de resolução de equação com o uso de logaritmos
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Fonte: FTD (1959, p. 92)
No tópico 77 (figura 5), os autores apresentam exemplos de resolução sem o
emprego de logaritmos. Neste caso, o método de resolução sugere o emprego do
artifício, citado no tópico 75, que é a decomposição em fatores primos. São
apresentados 5 exemplos.
No tópico 78, é apresentado um único exemplo de equação exponencial, na qual
há uma soma de exponenciais no primeiro membro da equação.
Os autores, durante o desenvolvimento do capítulo, não incluem referências
históricas e não apresentam nenhum problema de aplicação. Os exercícios propostos ao
final do capítulo, num total de 25, se concentram em: “Resolver as equações seguintes
sem os logaritmos” e “Resolver as equações seguintes pelos logaritmos”. Não há,
evidentemente, nenhuma representação gráfica, uma vez que, como citado
anteriormente, não existe nenhuma indicação de qualquer conceito ou noção de função
exponencial.
Figura 5 - Exemplo de resolução de equação sem o uso de logaritmos
Fonte: FTD (1959, p.93)
Equação/função exponencial na obra Matemática na Escola Renovada
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A obra é composta por treze capítulos, subdivididos em tópicos, dispostos em
ordem crescente, da mesma forma que na obra dos Irmãos Maristas. As páginas são de
dimensões maiores, quando comparadas com a obra dos Maristas, com capa flexível,
explorando várias cores. A função exponencial se concentra no sexto capítulo, enquanto
os logaritmos e equações, incluindo as exponenciais, estão no sétimo capítulo. A função
exponencial está disposta em quatro tópicos (57 a 60) e, as equações exponenciais, no
tópico 140.
O tópico 57 apresenta a definição de função exponencial (figura 6) com a
utilização de uma simbologia bem característica da teoria dos conjuntos, que é
apresentada no primeiro capítulo do livro – como uma forma de fornecer subsídios para
o leitor.
Figura 6 - Definição de função exponencial
Fonte: DI PIERRO NETTO & GÓES, (1972, p.98)
Após a definição, os autores propõem algumas questões “provocativas”,
indagando, por exemplo, por que não se pode ter a < 0. Parece, então, que os autores
tentam estabelecer um diálogo com os leitores, anunciando, no tópico seguinte, que
“Tais perguntas estarão respondidas quando tivermos construído a função f a partir de
sucessivas ampliações dos campos numéricos a partir de N”.
No tópico 58, apresenta-se a definição da função exponencial no conjunto dos
naturais; as cinco propriedades das potências, sendo as duas primeiras de multiplicação
e divisão de potências de mesma base; a terceira, de uma potência elevada a um
expoente e, as duas últimas, referindo-se a potência de um produto e de uma divisão. A
seguir, os casos de função crescente e decrescente e, finalmente, os gráficos relativos às
funções apresentadas.
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De forma similar, apresenta-se a função exponencial no conjunto dos inteiros, no
conjunto dos racionais e no conjunto dos reais. Em todos os tópicos, há um rigor muito
acentuado, com as demonstrações das propriedades das potências apresentadas,
incluindo, além das citadas anteriormente, potências com expoente fracionário e com
expoente negativo. Outra característica, que se evidencia da análise, é o fato de que os
autores não incluem exemplos e exercícios resolvidos, demonstrando, apenas, a
preocupação em apresentar o conteúdo; sendo que o fornecimento dos exemplos
numéricos ficaria a cargo do professor.
No tópico 62, os autores apresentam a denominada “Aplicações”, onde são
colocados dois exemplos para a verificação de que as potências dadas pertencem ou não
ao conjunto dos números reais. Como na obra dos Irmãos Maristas, Di Pierro Netto &
Góes não propõem aplicações da exponencial em outras áreas do conhecimento e, tão
pouco, incluem qualquer abordagem histórica. A utilização, quase que “exagerada” de
simbolismos, denotou à obra um grau de dificuldade muito grande para o entendimento
do conteúdo. A figura 7 pode ilustrar muito bem essa observação, quando os autores
citam que a função exponencial é bijetora no conjunto dos números reais.
Figura 7 - Função exponencial bijetora
Fonte: DI PIERRO NETTO & GÓES, (1972, p.111)
O capítulo destinado às funções é finalizado, no tópico 63, com a proposição de
exercícios, colocados em três sequências. Na sequência 1, há exercícios sobre as
propriedades das potências; na sequência 2, representação gráfica de funções, questões
onde os questionamentos teóricos deverão ser respondidos com justificativas e
determinação do domínio de algumas funções; na sequência 3, são colocados exercícios
de resolução de inequações.
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As equações exponenciais são incluídas no tópico 79 do capítulo VII, iniciando-
se na página 140 e finalizando no início da página 143. A definição de equações
exponenciais em nada difere daquela apresentada pelos Irmãos Maristas. Sem nenhuma
classificação das equações, já são apresentados dois exemplos de resolução, sendo o
primeiro de uma equação simples e, o segundo, de maior grau de complexidade. As
respostas são expressas utilizando o conjunto verdade. Os autores ressaltam que “Não
existe um processo determinado para se resolver uma equação exponencial. Todavia,
examinaremos alguns tipos mais comuns”. Feita essa observação, apresentam três tipos
de resolução:
- Primeiro tipo: equações cujos membros são redutíveis a potências de uma
mesma base.
- Segundo tipo: equações cujos membros são potências de base distintas.
- Terceiro tipo: As equações são redutíveis a um dos tipos:𝑎𝑚𝑥 + 𝑏 = 0 ou
𝑎𝑚2𝑥 + 𝑏𝑚𝑥 + 𝑐 = 0.
Após cada tipo citado, há um exemplo resolvido. Os exercícios para o aluno são
colocados no tópico 81 em duas sequências. Na primeira, os exercícios são propostos de
forma a aplicar, ou não, as propriedades dos logaritmos. Na sequência 2, as equações
propostas exigem um manuseio algébrico maior. Há 39 exercícios e, em todos, o
enunciado exige a determinação do conjunto verdade.
À guisa de considerações finais
Através da análise dos conteúdos função e equação exponencial, nas duas obras
relatadas nesse trabalho, constatamos que:
1. Não há, nas obras, nenhuma citação de caráter histórico;
2. Embora a exponencial tenha diversas aplicações, nenhum dos autores insere
exemplos da utilização desse conteúdo em outras áreas do conhecimento;
3. A função exponencial não é contemplada no livro dos Irmãos Maristas;
4. No livro Matemática na Escola Renovada, a função exponencial é tratada com
grande rigor, dentro da estrutura da álgebra abstrata, utilizando a simbologia da
Teoria dos Conjuntos, que consta do capítulo I da mesma obra;
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5. As equações exponenciais estão incluídas nos dois livros analisados. A forma de
apresentação dos tópicos teóricos não diferiu muito de uma obra para a outra.
Contudo, os exercícios apresentados por Di Pierro Netto & Góes têm maior grau
de dificuldade.
A inserção do tópico funções exponenciais, através da legislação escolar, é
seguida por Di Pierro Netto & Góes, porém, em uma época em que as funções
exponenciais já estavam incluídas em outros livros didáticos.
As obras analisadas têm relevância no cenário da História da Educação
Matemática no Brasil pela adoção de ambas em diversas escolas no país. Os livros da
FTD tiveram ampla divulgação e circulação. Os volumes da Matemática na Escola
Renovada atingiram uma venda expressiva: dois milhões de exemplares em 1971, como
indica Hallewell (2005).
Muito das metodologias praticadas em sala de aula advieram dos livros didáticos
utilizados pelos professores. As marcas da Matemática Moderna podem ser verificadas
na Matemática na Escola Renovada, indicando a apropriação dos autores das ideias
veiculadas pelo movimento naquela época.
Apenas com essas duas obras, e com o recorte para os tópicos equação/função
exponencial, é possível constatar uma mudança na cultura escolar relativamente ao
ensino da Matemática, quando a Matemática Moderna é absorvida pelos autores dos
livros didáticos e a teoria de conjuntos se torna a base de quase todos os conteúdos.
REFERÊNCIAS
BARONI, Jessica. Livros Didáticos de Matemática da Editora FTD no Cenário
Brasileiro: as Primeiras Décadas do Século XX. 2008. 101f. Dissertação (Mestrado)
– Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2008.
BRASIL. Portaria Ministerial n. 1045 de 14 de dezembro de 1951. Expede os planos de
desenvolvimento e programas mínimos do ensino secundário e respectivas instruções
metodológicas. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, Seção 1, 22 fev. 1952. p. 65-
84.
BRASIL. Portaria Ministerial n. 177, de 16 de março de 1943. Expede os programas de
Matemática dos cursos clássico e científico. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro,
Seção 1, 18 mar. 1943. p. 18-19.
16
BRASIL. Decreto-Lei 4244, de 9 de abril de 1942. Lei orgânica do ensino secundário.
Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, Seção 1, 10 abr. 1942. p. 5798.
BRASIL. Portaria Ministerial n. 70, de 30 de junho de 1931 – estabelece os programas e
as instruções metodológicas para as disciplinas do curso fundamental do ensino
secundário. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 jul. 1931. p. 12403 – 12427.
CAPANEMA, Gustavo. Exposição de motivos para um projeto de lei orgânica do
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