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Fred R. Bornschein A vida consagrada na perspectiva da diaconia e da vida comunitária como um desafio para a igreja SERVIR

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A vida consagrada na perspectiva da diaconia e da vida comunitária como um desafio para a igreja Autor: Fred R. Bornschein Enviados para servir é mais do que um título para um livro: é a síntese do ser cristão. Jesus Cristo nos dignifica como participantes da vocação divina: “Assim como meu Pai me enviou, eu vos envio”. O autor, teólogo e professor, Fred Bornschein, nos leva a uma profunda reflexão bíblica, sustentada por uma atitude de quem serve ao Senhor com alegria. A Irmandade Evangélica Betânia considera um privilégio ter, há muitos anos, o pastor Fred Bornschein fazendo parte da liderança, sendo por oito anos o presidente da entidade. Agradeço a ele por ter escrito este livro. Jesus Cristo está em busca de pessoas, independentemente de idade, profissão ou estado civil, que respondam: “eis-me aqui!”. Gabriele Kumm

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Fred R. Bornschein

A vida consagrada na perspectiva da diaconia e da vida comunitária como um desafio para a igreja

SERVIR

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Fred R. Bornschein

A vida consagrada na perspectiva da

diaconia e da vida comunitária como um desafio para a igreja

1ª edição

Curitiba 2014

SERVIR

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Fred R. BornscheinEnviados para servir

A vida consagrada na perspectiva do celibato, diaconia e vida comunitária como um desafio para a igreja evangélica

Coordenação editorial: Walter FeckinghausRevisão: Josiane Zanon MoreschiEdição: Sandro BierCapa: Sandro BierEditoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índices para catálogo sistemático:

1. Comunidade, Igreja e sociedade : Teologia social261.1

As citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Almeida Revista e Atualizada da Sociedade bíblica do Brasil (1988, 1993), salvo indicação junto ao texto.

Todos os direitos reservados.É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores.

Editora Evangélica EsperançaRua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 - Curitiba - PR

Fone: (41) 3022-3390 - Fax: (41) [email protected] - www.editoraesperanca.com.br

Bornschein, Fred R.Enviados para servir : a vida consagrada na perspectiva da diaconia e da vida comu-

nitária como um desafio para a igreja / Fred R. Bornschein. - - 1. ed. - - Curitiba, PR : Editora Esperança, 2014.

BibliografiaISBN 978-85-7839-108-9

1. Comunidade 2. Igreja e o mundo 3. Vida religiosa I. Título.

14-12152 CDD-261.1

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Sumário

Introdução........................................................................9

1. O amor na teologia de João............................................13

1.1 A relevância do amor na teologia de João...........131.2 A prática do amor na teologia de João................191.3 Orientações para a vida de consagração

a partir dos textos de João.....................................21

2. A diaconia..........................................................................25

2.1 O uso dos termos no Novo Testamento..............26 2.1.1 Servir (diakoneo, douleuo)...............................262.1.2 Serviço (diakonia)............................................292.1.3 Servo (diakonos, doulos)..................................30

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2.2 Jesus Cristo como servo..........................................342.3 A comunidade como serva.....................................412.4 Conclusão da reflexão sobre diaconia...................43

3. A koinonia...........................................................................45

3.1 O conceito bíblico de koinonia...............................46 3.2 A necessidade da vida em comunhão...................483.3 Conclusão da reflexão sobre koinonia...................57

4. O celibato...........................................................................61

4.1 A conceituação do celibato......................................614.2 A fundamentação bíblica do celibato....................63

4.2.1 O ensinamento de Jesus Cristo..................634.2.2 O ensinamento do apóstolo Paulo.............69

4.3 O celibato como carisma.........................................804.4 O propósito do celibato..........................................82

4.4.1 A consagração a Jesus Cristo.....................824.4.2 O relacionamento místico com

Jesus Cristo.....................................................834.4.3 A razão apostólica.........................................864.4.4 A razão escatológica.....................................87

4.5 O celibato e a sexualidade.....................................89 4.6 O celibato e as igrejas evangélicas.......................924.7 Conclusão da reflexão sobre o celibato...............94

5. A comunidade cristã........................................................97

5.1 Elementos essenciais para a vida da comunidade.........................................................98

5.2 A comunidade e a vida consagrada...................105

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5.2.1 Definição teológica das comunidades religiosas de vida consagrada..................106

5.2.2 A vida consagrada e a espiritualidade..........................................108

6. A Irmandade Evangélica Betânia e a vida consagrada........................................................113

6.1 O histórico da Irmandade Evangélica Betânia..................................................1146.1.1 As Casas Matrizes de Kaiserswerth........114 6.1.2. Associação Alemã de Comunidades

e Diaconia (AACD).....................................121 6.1.3. O ministério das diaconisas

no Brasil.........................................................1236.1.3.1 O envio das primeiras diaconisas

ao Brasil..........................................1236.1.3.2 A Casa Matriz brasileira..............124 6.1.3.3 Mudança de paradigmas..............1256.1.3.4 A vida fraternal na Irmandade

Evangélica Betânia........................1286.2 Conclusão da reflexão sobre a Irmandade

Evangélica Betânia..................................................128

Conclusão.............................................................................131

Bibliografia..........................................................................135

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introdução

O título deste livro foi tirado da palavra de Jesus: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20.21b). Jesus foi enviado pelo Pai ao mundo para servir, e ser-viu até as últimas consequências, dando sua vida para a salvação da humanidade. Os discípulos de Jesus são enviados por ele com o mesmo propósito: servir! Servir a Deus e servir às pessoas. Servir de multiformes ma-neiras. Servir conforme o contexto singular da vida e da vocação de cada um.

A tônica principal desta obra é o servir. Um serviço fru-to de uma experiência pessoal com o amor de Deus. Um serviço realizado no contexto de uma comunidade. Um serviço que, de acordo com o chamado e o dom de Deus,

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pode ser vivenciado na renúncia a qualquer outro compro-misso em uma dedicação integral ao propósito de Deus.

Neste livro, com uma ênfase especial nos ensinos do apóstolo João, trataremos dos seguintes assuntos vincula-dos ao tema maior do serviço:

1. A prioridade do amor na teologia de João (cap. 2);

2. A diaconia como expressão nuclear da vida cristã (cap. 3);

3. A koinonia, a comunhão, como necessidade funda-mental para a vida e o serviço cristão (cap. 4);

4. O celibato como uma possibilidade de vida para pes-soas dotadas desse carisma, visando a liberação de outros encargos para a realização de ministérios es-pecíficos (cap. 5);

5. A comunidade cristã como o lugar próprio de se vi-ver a vida cristã e realizar o ministério de servir. A igreja é a comunidade cristã básica e fundamental, mas ela encontra expressão em muitas formas e vi-vências. Uma delas são as “congregações de vida reli-giosa consagrada”, onde pessoas realizam, de forma comunitária, sua vocação comum. Uma dessas con-gregações é a Irmandade Evangélica Betânia, que é apresentada neste livro como um exemplo de vida dentro de uma dessas congregações (cap.6).

6. A Irmandade Evangélica Betânia como um exemplo, dentre outros que podem ser usados, de uma comu-nidade composta por Irmãs Diaconisas que, por tem-po limitado ou vitalício, renunciaram ao casamento para estarem livres de encargos de família para uma

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dedicação exclusiva ao ministério para o qual fo-ram chamadas e enviadas pelo Senhor. A Irmanda-de, além das diaconisas, é composta por homens e mulheres, solteiros e casados voltados para o serviço dentro da vocação ministerial da irmandade.

Este livro foi desenvolvido na expectativa de que contri-bua para que a vida de serviço em amor, especialmente na sua vertente mais controversa, que é o celibato, se torne, no âmbito das igrejas evangélicas, um ministério conhecido, reconhecido, apreciado e praticado.

Introdução

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1 o amor na teologia de João

O objetivo deste capítulo é analisar os conceitos de amor e serviço a Deus e ao próximo que constituem a essência da vida cristã. Nesta análise nos basearemos nos escritos de João devido à importância dos conceitos dentro desses textos.

1.1 a relevância do amor na teologia de João

A relevância que o amor tem nos textos do apóstolo João se percebe na frequência com que se usa as palavras “amor” (agape) e “amar” (agapao), que são as expressões usuais para se referir ao amor e ao amar em todo o NT. No NT, o amor é uma das ideias centrais que expressam o conteúdo total da fé cristã. Deus é amor e procura o amor recíproco do homem.

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O amor, especialmente no Evangelho de João, descreve o relacionamento íntimo e profundo entre Deus, o Pai, e seu Filho, Jesus: O Pai ama ao Filho (Jo 3.35); “o Pai me ama” (Jo 10.17); “eu amo o Pai” (Jo 14.31); “Como o Pai me amou” (Jo 15.9). O amor do Pai para com o Filho e do Filho para com o Pai é, portanto, o modelo essencial e a fonte original de todo o amor.

O verbo amar (agapao) descreve, também, o sentimen-to e a ação de Deus em favor da humanidade. O amor de Deus é uma realidade tão marcante que o apóstolo João afirma de forma categórica: Deus é amor (1Jo 4.8). “O amor é a realidade maior e o regente da vontade divina. É a ca-racterística fundamental em todo o querer e agir de Deus. O amor moveu Deus a criar o mundo e governa todo o seu agir. [...] Todas as palavras e obras de Deus só podem ser compreendidas a partir de seu amor”.1

Nos textos de João “amar” e “amor” assinalam igual-mente a vida de Jesus: “Novo mandamento vos dou: que vos ameis [...] assim como eu vos amei” (Jo 13.34); “Como o Pai me amou, também eu vos amei” (Jo 15.9); “Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a própria vida em favor dos seus amigos” (Jo 15.13). Nos textos de João, o sacrifício de Jesus é a maior expressão do amor do Pai, que entregou seu Filho para a salvação da humanidade2, e do Filho, que deu sua vida por amor a nós. Foi uma doação feita de forma abso-luta a favor dos seus: [...] sabendo Jesus que era chegada a sua

1 SCHLATTER, Adolf. Die Briefe und die Offenbarung des Johannes. (Stuttgart, Ale-manha: Calver Verlag, 1964): p. 90,91.

2 “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito” (Jo 3.16); Nisto consiste o amor: [...] em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados (1Jo 4.9-11).

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hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim (Jo 13.1), amou-os até as últimas consequências.

Na teologia de João a expressão maior do amor de Deus reside no sacrifício de Jesus (Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós, 1Jo 3.16). Essa importância é afirmada em vários textos. João Batista apresenta Jesus como o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo (Jo 1.29) descrevendo-o como aquele que, por seu sacrifício, cum-priu o que os sacrifícios do Antigo Testamento apontavam. O Evangelho de João menciona a serpente erguida no de-serto como prefiguração de Cristo levantado na cruz (Jo 3.14s). Jesus se apresenta como o Bom Pastor que “deu sua vida pelas ovelhas” (Jo 10.11.15). Procurado pelos gregos, sentindo que a hora de seu sacrifício se aproximava, Jesus usou a imagem do grão de trigo que, caindo na terra, tem que morrer para frutificar (Jo 12.23s).

De acordo com Brown3,4 a importância do derramamento de sangue na carreira de Jesus é salientada na passagem: “Este é o que veio pela água e pelo sangue: Jesus Cristo, não com a água somente, mas com a água e o sangue” (1Jo 5.6). Um Jesus verdadeiramente humano que foi batizado e derramou seu sangue é aquele que o autor caracteriza como “o Deus verdadeiro e a vida eterna” (1Jo 5.20).

O apóstolo João afirma que o amor é “conhecido” (no grego: ginosko) pelo fato de Cristo ter dado sua vida por nós (1Jo 3.16). O Novo Testamento (NT), no uso do termo

3 Brown (1983, p. 127) comenta que nos seguintes textos do Evangelho de João “há ligeiras referências à importância salvadora de morte de Jesus”: 6.51; 11.51s; 12.24; 18.14.

4 Cf. BROWN, 1983, p. 127.

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ginosko, segue o significado que lhe dá o Antigo Testamen-to (AT). “O Antigo Testamento encara o conhecimento como sendo alguma coisa que surge continuamente de um encontro pessoal”.5 Nos escritos joaninos o conhecimento de Deus é um conhecimento que recebemos pela revelação de Deus através da pessoa de Jesus. Desse modo, quem conhece Jesus, conhece também o Pai (cf. Jo 14.7). Na teo-logia de João não há conhecimento de Deus desligado da revelação em Jesus, pois a vida eterna é conhecer o Pai, o único Deus verdadeiro, e Jesus Cristo, enviado pelo Pai (Jo 17.3). A Filipe, Jesus pode dizer: “[...] há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14.9).

O próprio Jesus é conhecido por meio da experiência, do encontro pessoal e não apenas por um conhecimento teórico. Filipe após seu encontro com Cristo afirma: [...] Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus, o Nazareno, filho de José (Jo 1.45). Natanael, extasiado diante da pessoa do Senhor, exclama: [...] Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel! (v. 49). O apóstolo Pedro, como porta-voz dos demais e como fruto de sua vivência com Jesus, afirmou: e nós temos crido e conhe-cido (ginosko) que tu és o Santo de Deus (Jo 6.69). Conhecer Cristo é conhecer seu amor, que se mostrou no fato de ele “ter dado sua vida por nós” (1Jo 3.16). O amor tornou-se transparente, visível, concreto, na cruz de Cristo e o conhe-cimento deste amor foi uma experiência transformadora na vida dos discípulos.

5 SCHMITZ in: BROWN, 1981, p. 476.

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Nos textos de João, amor tinha uma importância nu-clear devido à sua compreensão de dois fatores.

• Em primeiro lugar, o amor é o sinal que caracteriza o ser discípulo de Cristo, é a logomarca do cristão. Jesus afirmou: “Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros” (Jo 13.35). “Esta passa-gem revela o sinal que Jesus dá para rotular um cristão [...] em todos os tempos e em todos os lugares. [...] O ponto principal é que é possível ser cristão sem mos-trar o emblema, mas se esperamos que os não cristãos saibam quem somos, é necessário que o mostremos”.6

• Em segundo lugar, porque o amor é aquilo que Schaeffer7 chama de a “apologética final”. Funda-menta-se no pedido que Jesus fez ao Pai na oração em João 17.21: “[...] a fim de que todos sejam um [...] para que o mundo creia que tu me enviaste”. Esta verda-de é sublinhada por Jesus uma segunda vez, agora usando a palavra “conhecer”: “[...] a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste” (Jo 17.23).

Em João 13 a questão era que, se um cristão não demonstra amor para com os outros cristãos, o mundo tem o direito de jul-gá-lo um não cristão. (Mas aqui, em Jo 17) Jesus está afirmando algo muito mais cortante, muito mais profundo: Não podemos esperar que o mundo creia que o Pai mandou o Filho, que as reivindicações de Jesus sejam verdadeiras e que o cristianismo seja verdadeiro, a não ser que o mundo veja alguma realidade na unidade de cristãos verdadeiros.8

6 SCHAEFFER, Francis A. A igreja no ano 2001. (Goiânia: Casa Editora APLIC, 1970): p. 168,9.

7 SCHAEFFER, 1970, p. 176.

8 SCHAFFER, 1970, p. 177.

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Por conseguinte, o amor que se expressa na união entre os cristãos é o testemunho por excelência da realidade de que Jesus é o enviado de Deus.

Como a exigência do amor perpassa todos os escri-tos joaninos, podemos perguntar se é possível exigi-lo? A resposta de João é digna de nota: nós amamos porque fomos amados. O nosso amor é sempre um ato segundo em resposta ao ato primeiro do amor de Deus e de Cristo. Antes de exigir que amemos, Deus nos ama, antes de sermos exortados a dar a vida pelos irmãos, conhecemos o amor de Cristo que deu sua vida por nós (cf. 1Jo 3.16). Pro-vavelmente essa percepção se originou na observação de que Jesus, ao dar aos seus discípulos o novo mandamento do amor, subordinou o imperativo “que vos ameis” ao in-dicativo “assim como eu vos amei”. Esse fato está sumari-zado na afirmação: Nós amamos porque ele nos amou primeiro (1Jo 4.19). Afirma a Carta Encíclica “Deus caritas est”:

Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos, agora o amor já não é apenas um “mandamento”, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro [...] Ele amou-nos primei-ro, e continua a ser o primeiro a amar-nos; por isso, também nós podemos responder com o amor. Deus não nos ordena um senti-mento que não possamos suscitar em nós próprios. Ele ama-nos, faz-nos ver e experimentar o seu amor, e desta “antecipação” de Deus pode, como resposta, despontar também em nós o amor [...] Amor a Deus e amor ao próximo são inseparáveis, constituem um único mandamento. [...] Deste modo, já não se trata de um “man-damento” que do exterior nos impõe o impossível, mas de uma experiência do amor proporcionada do interior.9

9 BENTO XVI. Carta encíclica Deus caritas est. 2005. n. 1, 17, 18. Disponível em http://goo.gl/GQI3. Acesso em: 17/10/2014.

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1.2 a prática do amor na teologia de João

Na teologia de João, o amor de Deus tem que se traduzir em ações e obras concretas e jamais deve permanecer ape-nas no campo das ideias, da teoria, da retórica. Assim o au-tor exorta a comunidade: Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade (1Jo 3.18). De acordo com Brown, é como se, para João, existisse um único man-damento que inclui todos os demais:

“Este é o meu preceito: amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15.12). “Nisto conhecerão todos que sois meus discí-pulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13.35). O autor da epístola também, embora fale de mandamentos (no plural), traduz tudo em amor fraterno (1Jo 3.22-24;4.21;5.3). O único manda-mento específico que ele pode citar é “amarmo-nos uns aos ou-tros, como ele nos deu o mandamento” (1Jo 3.23); “E este man-damento dele recebemos: aquele que ama a Deus, ame também o seu irmão” (1Jo 4.21). [...] Consequentemente, o único pecado específico que o autor menciona, quando ataca os separatistas e seu descaso em observar os mandamentos, é não amar os irmãos (1Jo 2.9-11; 3.11-18; 4.20).10

Como Jesus manifestou seu amor dando sua vida por nós, assim ninguém dá maior prova de amor do que aque-le que oferece a própria vida pelos irmãos (1Jo 3.16). Este é um fato que a Constituição Dogmática Lumen Gentium destaca:

O ato supremo de amor, a doação que Jesus Cristo fez de sua vida, é usado pelo autor como referencial para o amor que deve nortear a comunidade. Da mesma forma como “Cristo deu sua vida por nós”, nós devemos “dar a nossa vida pelos irmãos” (1Jo 3.16). A consagração da vida do cristão a Deus deve ser irrestrita, mas, tam-bém, a história da igreja e a caminhada da humanidade estão pon-tuados por atos notáveis de desprendimento e amor de pessoas

10 Cf. BROWN, 1983, p. 137.

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que, literalmente prontificaram-se a morrer e deram suas vidas, para o bem de seus irmãos e seus semelhantes.11

Todavia o exemplo usado por João para exemplificar o “dar a vida a favor dos irmãos”, não é morrer, mas ver as ne-cessidades do irmão e supri-las: [...] aquele que possuir recur-sos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? (1Jo 3.17). Colocando o texto na forma positiva, temos: “Aquele que tem recursos e vê seu irmão passar necessidade e a su-pre, nele permanece o amor de Deus”. A afirmação do autor é prática e realista. Existem os que têm “recursos” e os que têm “necessidades”. Esse contraste é uma constante e existe tanto nas comunidades cristãs quanto na sociedade em ge-ral, tanto no passado quanto em nossos dias. Mesmo que a gama das necessidades humanas seja inumerável, o texto, por seu fraseado, destaca as necessidades materiais. Os “ne-cessitados” são, preferencialmente os pobres.

De acordo com 1Jo 3.17, a ação a favor dos necessitados começa com o olhar: “Aquele que vir12 a seu irmão padecer necessidade”. Uma pessoa deve ter a visão das necessida-des dos indivíduos. Ela enxerga o Lázaro à sua porta, o assaltado à beira do caminho, o desabrigado que precisa ser amparado e atende a essas necessidades. Toda ação diacônica começa com uma visão das necessidades que re-sulta em uma ação concreta para supri-las. Essa visão ins-pirou a afirmação da Exortação Apostólica Vita Consecrata:

11 LUMEN GENTIUM, Constituição dogmática sobre a Igreja (1964). n. 42 Disponível em http://goo.gl/HbI9. Acesso em: 17/10/2014.

12 O termo grego para “ver”, theoreo, de acordo com Strong (2005, g2334), significa: ser um espectador, ver, observar, olhar atentamente, ter uma visão de, examinar, perceber com os olhos, discernir, distinguir, averiguar.

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A busca da beleza divina impele as pessoas consagradas a cuidarem da imagem divina deformada nos rostos de irmãos e irmãs: rostos desfigurados pela fome, rostos desiludidos pelas promessas políti-cas, rostos humilhados de quem vê desprezada a própria cultura, rostos assustados pela violência quotidiana e indiscriminada, rostos angustiados de menores, rostos de mulheres ofendidas e humilha-das, rostos cansados de migrantes sem um digno acolhimento, ros-tos de idosos sem as mínimas condições para uma vida digna.13

1.3 orientaçõeS para a vida de conSagração a partir doS textoS de João

A teologia dos escritos do apóstolo João em todos os textos, com destaque para 1Jo 3.16-18, com sua ênfase no amor e no serviço, é uma fonte de orientação e inspiração para os cris-tãos que têm a visão de viver uma vida de consagração e ser-viço a Deus e ao próximo. Entre essas percepções, listamos:

a. A essência do ser divino é amor: Deus é amor (1Jo 4.8). O amor de Deus é um amor irrestrito que abran-ge, envolve, o “mundo” (Jo 3.16) de forma incon-dicional. Esse amor “é manifestado à humanidade através da morte de Jesus Cristo, seu Filho, cujo sacrifício cancelou os pecados dos homens. Se quisermos saber o que é o amor, o veremos supre-mamente neste ato”.14

b. O amor precisa ser “conhecido” o que implica em uma experiência pessoal, e não em um mero conhe-cimento teórico.

13 VITA, 1996, n. 75.

14 MARSHALL, I. Howard. Teologia do Novo Testamento: diversos testemunhos um só evangelho. (São Paulo: Vida Nova, 2007): p. 466.

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c. “O amor a Deus deve ser expresso na obediência ao seu mandamento, que nos ordena amar uns aos outros”.15

d. O nosso amor é sempre uma resposta ao amor de Deus, que nos amou primeiro. A dádiva do amor de Deus nos capacita a amar ao nosso próximo.

e. O sacrifício de Cristo “dando sua vida por nós” foi o ato culminante de sua consagração a Deus. Em obe-diência à vocação divina (cf. Jo 4.32-34), renunciou à constituição uma família a fim de estar completamen-te disponível para a sua missão (cf. Jo 17.4). Desse modo, a consagração de Cristo é exemplo, inspiração e força para todos os que, respondendo ao chamado de Deus, consagram sua vida a Deus optando pela vida célibe16 por causa do Reino de Deus.

f. O apóstolo João sublinha na sua primeira carta que Cristo serviu dando sua vida na cruz e, no Evange-lho, apresenta Jesus como o Servo que lavou os pés dos discípulos (cf. Jo 13.1-17). No ensino joanino, pelo fato de Jesus ter lavado os pés dos discípulos, devemos lavar os pés uns dos outros e, assim como deu a vida por nós, devemos dar a vida pelos irmãos. Esse “dar a vida” é interpretado pelo apóstolo como ver as necessidades dos irmãos e supri-las.

g. O amor de Deus não deve ser apenas conhecido, mas deve “permanecer” (meno) no coração. Esta palavra,

15 MARSHALL, 2007, p. 466.

16 A palavra “célibe”, referindo-se àquele que não casou, que está solteiro, ou como sinônimo de “celibatário”, é usual no espanhol e não aparece nos verbetes dos dicio-nários de língua portuguesa. Todavia é usada frequentes vezes em nosso vernáculo.

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meno, é um conceito-chave para a comunidade cristã. Não se trata apenas de conhecer o amor de Cristo, mas de permanecer em Cristo (cf. Jo 15.4-7) como um ramo na videira, e permanecer no amor de Cristo (cf. Jo 15.9s) e de Deus (cf. 1Jo 3.17). Quem “fecha seu coração para o irmão em suas necessidades, nele o amor de Deus não permanece” (cf. 1Jo 3.17).

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Fred R. Born

schein

Enviados para servir é mais do que um título para um livro: é a síntese do ser cristão.

Jesus Cristo nos dignifica como participantes da vocação divina: “Assim como meu Pai me enviou, eu vos envio”.

O autor, teólogo e professor, Fred Bornschein, nos leva a uma profunda reflexão bíblica, sustentada por uma atitude de quem serve ao Senhor com alegria.

A Irmandade Evangélica Betânia considera um privilégio ter, há muitos anos, o pastor Fred Bornschein fazendo parte da liderança, sendo por oito anos o presidente da entidade. Agradeço a ele por ter escrito este livro. Jesus Cristo está em busca de pessoas, independentemente de idade, profissão ou estado civil, que respondam: “eis-me aqui!”.

Gabriele Kumm