envelhecimentos fatores psíquicos e biológicos

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  • Rev Med Minas Gerais 2010; 20(1): 67-73 67

    Artigo de reviso

    Recebido em: 10/12/2009Aprovado em: 10/02/2010

    Instituio:Ncleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da UFMG. Belo Horizonte - MG, Brasil

    Endereo para correspondncia:Faculdade de Medicina da UFMGAvenida: Prof. Alfredo Balena, 190 - 2o andarBairro: Santa EfigniaCEP: 30130100Belo Horizonte - MG, BrasilEmail: [email protected]

    resUMo

    O envelhecimento representa a consequncia ou os efeitos da passagem do tempo no organismo (envelhecimento somtico) e psiquismo (envelhecimento psquico). Apresenta-se reviso sobre envelhecimento abordando os aspectos biolgicos do desenvolvimento humano at a velhice, considerando as repercusses funcionais do envelhecimento fisiolgico e psicolgico.

    Palavras-chave: Biologia do Desenvolvimento; Processos Fisiolgicos; Envelhecimen-to; Idoso.

    ABstrACt

    Aging is the result or the effects of the passage of time on the body (somatic aging) and the psyche (mental aging). This is a review on aging addressing the biological aspects of human development to old age, considering the functional consequences of physiological and psychological aging.

    Key words: Developmental Biology; Physiological Processes; Aging; Aged.

    introdUo

    O envelhecimento representa o conjunto de consequncias ou os efeitos da passagem do tempo. Pode ser considerado biologicamente como a involuo morfofuncional que afeta todos os sistemas fisiolgicos principais, de forma vari-vel. Essa involuo no impede, entretanto, que a pessoa se mantenha ativa, inde-pendente e feliz. Representa, do ponto de vista psquico, a conquista da sabedoria e da compreenso plena do sentido da vida. A velhice bem-sucedida, fsica e psi-quicamente, constitui-se, indiscutivelmente, na grande fase da vida, onde o ser hu-mano est preparado para entrar em comunho com a grandiosidade da criao. A maioria das pessoas, entretanto, mantm-se fixada aos valores da juventude e no consegue enxergar a beleza dos anos vividos e da experincia acumulada. Beauvoir1 sustenta que o envelhecimento tem, sobretudo, dimenso existencial, como todas as situaes humanas, modifica a relao do homem com o tempo, com o mundo e com sua prpria historia, revestindo-se no s de caractersticas biopsquicas, como tambm sociais e culturais.

    Aging biological and psychological characteristics

    Edgar Nunes de Moraes1, Flvia Lanna de Moraes2, Simone de Paula Pessoa Lima3

    1 Professor Adjunto do Departamento de Clnica Mdica, da Faculdade de Medicina da UFMG. Coordenador do Ncleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medi-cina da UFMG. Coordenador do Centro de Referncia do Idoso Prof. Caio Benjamin Dias /HC-UFMG, Belo Horizonte - MG, Brasil. Especialista em Geriatria pela SBGG.2 Especialista em Geriatria pela SBGG. Especialista em Medicina de Famlia e Comunidade pela SBMFC, Membro Colaborador do Ncleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da UFMG, Belo Horizonte - MG, Brasil. Mestranda de Medicina Molecular.3 Ps-Graduao em Geriatria pelo HC-UFMG, Membro Colaborador do Ncleo de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da UFMG e Especialista em Geria-tria pela Faculdade de Cincias Mdicas de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG, Brasil.

    Caractersticas biolgicas e psicolgicas do envelhecimento

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    Caractersticas biolgicas e psicolgicas do envelhecimento

    dos neurnios revela mudanas caracterizadas por: diminuio do RNA citoplasmtico e da substncia de Nissl; acmulo de lipofuscina; depsito amiloide nos vasos sanguneos e clulas e de placa senil; e, menos frequentemente, emaranhado neurofibrilar - caracterstico da demncia de Alzheimer, que pode, entretanto, ser observado em crebros de idosos sem indcios de demncia e que resulta em atrofia neu-ronal reduzindo a quantidade de clulas nervosas. Essa perda celular no atinge as regies corticais igualmente, pois neurnios da mesma regio tm fentipos moleculares nicos e, portanto, diferentes vulnerabilidades aos processos deletrios (crtex pr-frontal mais sensvel s mudanas do enve-lhecimento). O envelhecimento normal associa-se, alm das alteraes microscpicas dos neurnios, a mudanas nos sistemas de neurotransmissores. Os sistemas dopaminrgicos e colinrgicos apresentam aes diminudas. O declnio de memria no ne-cessita, necessariamente, associar-se leso estrutu-ral, podendo ocorrer devido disfuno fisiolgica e no perda neuronal. O SNC, apesar de no ser capaz de recuperar seus neurnios, tem proprieda-des que podem diminuir o impacto das alteraes do envelhecimento, como: redundncia (existem muito mais neurnios no crebro que o necessrio); mecanismos compensadores (surgem em situaes de leso cerebral e so mais hbeis conforme o cen-tro atingido); plasticidade (habilidade de neurnios maduros, com sua rede de dendritos, desenvolverem e formarem novas sinapses, levando formao de novos circuitos sinpticos).3

    Aspectos neuropsicolgicos do envelhecimento

    O desenvolvimento de estudos de Psicologia e psi-quitricos no idoso proporcionou mudana no para-digma do envelhecer psquico. Durante a velhice, no comum o aparecimento de alteraes na funciona-lidade mental do idoso, ou seja, os idosos saudveis, sem limitaes fsicas, podem ser bastante produtivos.

    A definio de quais e como as funes psquicas se modificam no decorrer dos anos permitiu a consi-derao de que o idoso no seja tratado como um ser limitado cognitivamente, mas que requer a adapta-o de estmulos ambientais para possuir funcionali-dade comparvel de adultos jovens. O conhecimen-to sobre o envelhecimento neuropsicolgico ajuda a

    O envelhecimento dividido em biolgico e psquico

    envelhecimento biolgico

    O envelhecimento biolgico implacvel, ativo e irreversvel, causando mais vulnerabilidade do orga-nismo s agresses externas e internas. Existem evi-dncias de que o processo de envelhecimento de natureza multifatorial e dependente da programao gentica e das alteraes que ocorrem em nvel celu-lar-molecular. Pode haver, consequentemente, dimi-nuio da capacidade funcional das reas afetadas e sobrecarga dos mecanismos de controle homeost-tico, que passam a servir como substrato fisiolgico para influncia da idade na apresentao da doena, da resposta ao tratamento proposto e das complica-es que se seguem.2

    Os sinais de deficincias funcionais vo apare-cendo de maneira discreta no decorrer da vida, sen-do chamados de senescncia, sem comprometer as relaes e a gerncia de decises. Esse processo no pode ser considerado doena. Em condies basais, o idoso no apresenta alteraes no funcionamento ao ser comparado com o jovem. A diferena mani-festa-se nas situaes nas quais se torna necessria a utilizao das reservas homeostticas, que, no idoso, so mais fracas. Alm disso, todos os rgos ou siste-mas envelhecem de forma diferenciada, tornando a variabilidade cada vez maior (Figura 1).

    O sistema nervoso central (SNC), embora tenha evoludo filogeneticamente h milhes de anos, s recentemente adquiriu propriedades anatmicas e moleculares altamente especializadas. Os neurnios, unidades formadoras desse sistema, possuem estabi-lidade de estrutura, atributo este que pr-requisito para a cognio. Essa propriedade torna o SNC apto ao acmulo de informaes do presente, lembran-a do passado e formulao de novos conceitos. O SNC incapaz de realizar reparos nas alteraes morfolgicas adquiridas com o envelhecimento.

    O envelhecimento cerebral normal evidencia, a partir da segunda dcada de vida, um declnio pon-deral discreto, lento e progressivo, que culmina com a diminuio do seu volume. O estudo microscpico

    envelhecimento = vULnerABiLidAde + variabilidade + irreversibilidade

    Figura 1 - Envelhecimento

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    Caractersticas biolgicas e psicolgicas do envelhecimento

    maes recentes (memria episdica recente, por exemplo, localizao de objetos, recados, etc.). No h alterao da memria semntica.5

    Observam-se, clinicamente, lentificao no pro-cessamento cognitivo, reduo da ateno (dficit atentivo), mais dificuldade no resgate das informa-es aprendidas (memria de trabalho) e reduo da memria prospectiva (lembrar-se de lembrar) e da memria contextual (dificuldades com detalhes). As informaes estocadas (memria de longo prazo intermediria e remota) no so afetadas, e sim a anlise e comparao (memria de trabalho) das in-formaes que chegam constantemente ao crebro, com as memrias explcitas e implcitas estocadas no neocrtex posterior. Essas alteraes no trazem prejuzo significativo na execuo das tarefas do cotidiano, no promovem limitao das atividades, nem restrio da participao social. A influncia do tempo sobre a cognio tambm amplifica as dife-renas entre os sexos, isto , os homens mais velhos mostram mais facilidades nos clculos matemticos, enquanto as mulheres nas habilidades executivas.

    O processo de ateno representa grupo com-plexo de comportamentos, em que o indivduo pode selecionar informaes e ignorar outras; sustentar a concentrao em uma informao por um perodo de tempo; dividir a ateno entre dois ou mais aspectos ao mesmo tempo; e mudar o foco da ateno quando for necessrio. A capacidade do idoso de dividir aten-o entre vrios estmulos para apreender uma situa-o extremamente prejudicada. Outras funes da ateno no se modificam com o envelhecer.

    Funo executiva se refere capacidade de re-soluo de problemas, planejamento, inibio de resposta, abstrao, processamento de informaes. As capacidades cristalizadas ou os conhecimentos adquiridos no curso do processo de socializao ten-dem a permanecer estveis. As capacidades fluidas, isto , envolvidas na soluo de novos problemas, tendem a declinar gradualmente.

    A velocidade na qual a informao processada representa a alterao mais evidente do idoso. A len-tido cognitiva influencia todas as outras funes e pode ser responsvel pelo dficit cognitivo em ido-sos. A lentido no processamento de informaes observada em idosos em sua dificuldade em compre-ender textos, necessidade de explicaes mais ricas e extensas e de mais tempo para executar clculos.

    A presbiacusia prejudica a compreenso da fala, entretanto, o dficit perifrico pode ser compensado

    fundamentar as mudanas exigidas pela sociedade para que os idosos sejam adequadamente valoriza-dos em nosso meio.

    O termo cognio corresponde faixa de funcio-namento intelectual humano, incluindo percepo, ateno, memria, raciocnio, tomada de decises, soluo de problemas e formao de estruturas com-plexas do conhecimento. A grande dificuldade acer-ca do envelhecimento o limite entre alteraes cog-nitivas normais e patognicas. O desenvolvimento do conhecimento sobre os vrios tipos de demncias, o avano dos mtodos de neuroimagem e estudos cien-tficos apropriados permitiram o julgamento sobre o limite entre sade e doena no idoso. Algumas das habilidades cognitivas se modificam em relao ao tempo, enquanto outras permanecem inalteradas. O conhecimento da evoluo neuropsicolgica per-mite aferir se alguma funo cognitiva prejudicada significa doena. As habilidades que sofrem declnio com a idade so: memria de trabalho, velocidade de pensamento e habilidades visuoespaciais, enquanto as que se mantm inalteradas so: inteligncia verbal, ateno bsica, habilidade de clculo e a maioria das habilidades de linguagem.

    As repercusses funcionais do envelhecimento fisiolgico (senescncia) do SNC so controversas e no afetam significativamente as funes cognitivas. Observa-se reduo de: peso do encfalo (10%), fluxo sanguneo cerebral (15-20%), volume ventricular ex-vacuo, nmero de neurnios e depsito neuronal de liposfuscina. Surgem degenerao vascular amiloide, placas senis e degenerao neurofibrilar com com-prometimento da neurotransmisso dopaminrgica e colinrgica, e lentificao da velocidade da conduo nervosa. As regies mais sensveis s alteraes do envelhecimento localizam-se no lobo frontal e, possi-velmente, no lobo temporal medial. As alteraes dos rgos dos sentidos (viso, audio, etc.) dificultam o acesso s informaes e o aprendizado.4

    O lobo frontal no apresenta mudanas na sua poro ventro-medial, responsvel pela regulao do comportamento social e emocional. A poro dorso-lateral da regio pr-frontal, entretanto, possui alte-raes anatmicas e funcionais mais proeminentes, percebidas em sua dificuldade aumentada na reali-zao de tarefas dependentes da funo executiva e da memria de trabalho. H mais comprometimento na ateno (registro) e resgate das informaes pre-viamente estocadas, tarefas dependentes da mem-ria de trabalho e tambm na consolidao de infor-

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    Caractersticas biolgicas e psicolgicas do envelhecimento

    Com o envelhecimento psquico h, portanto, re-duo da vulnerabilidade. A pessoa idosa torna-se suficientemente sbia para aceitar a realidade, tolerar a dor ou a perda da independncia biolgica, pois seus dispositivos de segurana so cada vez mais efi-cazes na relao com o mundo. a liberdade plena ou independncia psquica, pois compreende o sen-tido da vida (para qu). Os valores que regem a sua vida (filosofia de vida) so cada vez mais elevados, racionais, inteligentes, enfim, conscientes. O idoso entrega-se existncia com a pureza das crianas, mas sem a sua ingenuidade, com o vigor do adoles-cente, mas sem a sua pugnacidade, com a sensatez do homem maduro, mas sem o seu orgulho. Torna-se cidado do Universo com a astcia da raposa e a ma-lcia da serpente, o que faz dele um sbio6.

    A vida uma grande viagem em busca da mxi-ma felicidade ou xtase mstico. Para tanto, faz-se ne-cessrio o aproveitamento de todas as fases da vida, superando-se os conflitos inerentes a cada ciclo, na busca de um equilbrio cada vez maior. (Quadro 1)

    A infncia psquica a fase inicial de preparao para a vida, na qual o indivduo comea a se criar, isto , instruir, disciplinar. Tem incio no nascimento e perdura at os 12 anos, quando, usualmente, ocorre a instalao da sexualidade genital, com a primeira menstruao da menina e a primeira ejaculao do menino. Inicialmente, o comportamento da criana regido pelo instinto (zero a nove meses), pois no se pode falar ainda em inteligncia, que a capacidade de resolver os problemas, nem em conscincia, que a compreenso do sentido da conduta (conhecimen-to da finalidade). a fase de mxima dependncia fsica e psquica do indivduo. Com o desenvolvimen-to, a criana alcana nveis mais sofisticados de per-cepo e atuao no mundo, passando pela angstia (zero a nove meses), medo (nove a 18 meses), obses-so (18 meses a trs anos), farsa (trs a seis anos) e praticidade (seis a 12 anos), quando surge a razo e a criana adquire a capacidade de reflexo. O indiv-

    pelos recursos e experincias cognitivas. O vocabul-rio e expresso verbal podem aumentar durante a vida toda. A linguagem espontnea pode se tornar menos precisa e mais repetitiva com o passar do tempo.

    A capacidade dos idosos em reconhecerem for-mas, objetos, dimenses e a distncia no prejudi-cada quando avaliada de forma simples. Os idosos, quando avaliados em testes mais complexos, entre-tanto, apresentam habilidades visuoespaciais e vi-suoperceptivas inferiores s dos de jovens.

    envelhecimento psicolgico

    O envelhecimento psquico6 ou amadurecimen-to no naturalmente progressivo nem ocorre ine-xoravelmente, como efeito da passagem de tempo. Depende tambm da passagem do tempo, mas, so-bretudo, do esforo pessoal contnuo na busca do autoconhecimento e do sentido da vida.

    O autoconhecimento, o estudo da estrutura e di-nmica do psiquismo e a superao dos conflitos do cotidiano so indispensveis para que se possa atin-gir a independncia psquica, condio indispensvel para a sabedoria. O amadurecimento conquista in-dividual e se traduz pela modificao dos valores de vida ou pela aquisio da conscincia (para que vive-mos?). S consciente a pessoa que se conhece, que conhece os reais motivos do seu viver, sua capacida-de de controle desses motivos e de organizao desse controle. a personalizao do indivduo, harmoni-zando-o consigo mesmo e com o mundo (Figura 2).

    Figura 2 - Envelhecimento psquico

    Sabedoria

    Psiquismo infantil

    Idade cronolgica

    Grau

    de am

    adurec

    imen

    to

    Humanizao: Aquisio e evoluo da conscincia(Para qu?)AUTOCONHECIMENTOAprendizado ou aprimoramentoESFORO PESSOAL

    Indivduo PESSOA

    Quadro 1 - Ciclos da vida

    Ciclos da vida

    0 a 12 anos Infncia 12 anos

    60 anos12 a 18 anos Adolescncia 6 anos

    18 a 59 anos Adultez 41 anos

    60 anos Velhice60 anos 60 anos120 anos Limite biolgico

    estimado da vida

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    Caractersticas biolgicas e psicolgicas do envelhecimento

    humano, que visa sempre a assimilar o mundo exte-rior, conquistar as coisas e a si prprio.

    O perodo seguinte o da adultez. A adultez o perodo de realizao da vida, em que o indivduo ad-quire cada vez mais equilbrio, atingindo estabilidade duradoura, propiciando o mergulho em profundidade que leva ao alargamento da conscincia de si e de si mesmo no mundo. As etapas do perodo adulto so a adultez jovem (18 aos 30 anos), a adultez propria-mente dita (30 aos 60 anos) e a adultez velha (acima de 60 anos). Adulto o ser humano que se encontra preparado para existir. O indivduo necessita, cada vez mais, para sobreviver, conhecer e se conhecer. O adulto jovem (18 aos 30 anos) aquele que completa e efetiva os seus movimentos no sentido de garantir a sua sobrevivncia e compreende as atitudes adequa-das para atingir os seus fins. Tais fins incluem, neces-sariamente, os interesses da coletividade qual est insofismavelmente ligado. Constata que no adianta tentar convencer as pessoas das suas verdades se elas no forem capazes de desenvolver conceitos prprios sobre o que se deseja que elas compreendam. inde-pendente fsica e psiquicamente, sendo, assim, capaz de amar, devotar-se, sem criar problemas, sem deixar-se levar pelos conflitos inerentes s idades anteriores. Surge o interesse fraterno, em busca do bem comum.

    O adulto propriamente dito aquele que, garanti-da sua sobrevivncia, vive com mais empenho a bus-ca pela compreenso, organizao e interiorizao, no sentido de cada vez mais personalizao. Capaz de entender o mecanismo nico que controla a en-grenagem da vida e a lei geral que rege o movimento do universo como um todo, passa a suspeitar de que as percepes so iluses que o afastam da verda-de, do mergulho na viso direta no absoluto. Com-preende a necessidade de adequar sua dependncia afetiva aos interesses da humanidade como um todo. O amor retoma o seu pice no sentido de ampliar seus benefcios alm das fronteiras dos grupos dos quais participa. Pode ele experimentar o amor huma-nstico, sabendo que, sendo compreendido ou no, recebendo retribuio ou no, sua afetividade s se satisfaz na sua devoo ao bem-estar de todos os seus semelhantes. Sabe que no o centro esttico do mundo, mas fator na sua evoluo. Percebe que o seu conhecimento no pode abarcar a verdade em si, mas apenas a do observador que . Seu estilo de vida estando definido, participa, a seu modo, do processo evolutivo, seu e dos grupos dos quais membro, sem-pre em direo integrao pessoal e coletiva.

    duo vai se tornando cada vez mais independente do adulto, capaz de atuar no mundo de forma prtica ou ponderada. capaz de compreender o que ocorreu para as coisas serem como esto sendo e o que ocor-reria se o que foi feito pudesse ser desfeito e outra con-duta tivesse tido lugar. Est, assim, preparada a base sobre a qual vai assentar-se a construo progressiva do ser humano, que visa sempre a assimilar o mun-do exterior, conquistar as coisas e a si prprio. Tem incio, ento, a adolescncia (12 a 18 anos), quando o indivduo encontra-se no auge da preparao para a existncia. Dois eventos modificam radicalmente a vida da criana, a puberdade e o raciocnio abstra-to. Aos poucos, vai-se avolumando todo um caudal de modificaes interiores, que deflagra uma srie de atitudes novas, inusitadas, trazendo perplexida-de para o indivduo e para aqueles que o rodeiam. A criana latente, aparentemente equilibrada e madura (ser prtico), torna-se um ser fisicamente despropor-cional e com atitudes psquicas desproporcionais aos eventos. A pr-adolescncia (12 aos 15 anos) vive, mais uma vez, a angstia do desconhecido, sente fo-bia do seu novo corpo, raiva da liberdade e histeria do chamamento de papis que no sabe ainda re-presentar. Capaz de abstrao, comea a questionar filosoficamente as diretrizes de vida que lhe vinham sendo impostas desde sempre. Ele retoma a dvida do obsessivo, j agora pondo em questo no apenas os hbitos culturais, mas tambm, e principalmente, posies polticas, religiosas e filosficas, em geral. Revolta-se contra a dependncia infantil primitiva. Em seguida, na adolescncia propriamente dita (15 a 18 anos), vive um perodo de acomodao e relativa acalmia. Procura considerar, sob um novo ngulo, sua sensao de angstia diante do desconhecido. Percebe que nem sempre os argumentos aguerridos levam ao resultado desejado. Percebe a sua indepen-dncia psquica, mas reconhece a sua dependncia afetiva. Buscando a soluo dos conflitos em um cli-ma de reflexo sobre a noo da existncia de uma mecnica da vida, passa a suspeitar da possibilidade de que essa mecnica tenha mais amplitude do que imaginava e obedea a um direcionamento preesta-belecido. Necessita, ainda, de muitas informaes sobre a vida, principalmente sobre as regras do amor em geral. Percebe mais claramente que o bem e o mal podem ser complementares e que h uma en-grenagem mais capaz de explicar as contradies da vida. Est, assim, consolidada a base sobre a qual se vinha assentando a construo progressiva do ser

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    Caractersticas biolgicas e psicolgicas do envelhecimento

    Robustez fsica e cristalizao psquica: o en-velhecimento somtico no est associado a alguma perda fsica limitante, mas o indivduo apresenta perturbao do seu psiquismo, que o impede de compreender o sentido da vida.

    Robustez fsica e maturidade psquica: o enve-lhecimento somtico no est associado a algu-ma perda fsica limitante e o psiquismo atinge a maturidade mental, a paz e a sabedoria.

    Fragilidade fsica e cristalizao psquica: o en-velhecimento somtico patognico, com limita-es e/ou incapacidades fsicas e seu psiquismo encontra-se cristalizado na infncia psquica.

    Fragilidade fsica e maturidade psquica: o envelhecimento somtico patognico, com li-mitaes e/ou incapacidades fsicas. Todavia, o psiquismo do indivduo evoluiu, conquistan-do a maturidade mental. O seu viver pautado na aceitao da realidade e na tolerncia dor e seus estados de equilbrio so cada vez mais flexveis, pois seus dispositivos de segurana so cada vez mais eficazes na relao com o mun-do. A felicidade pode ocorrer, caso as limitaes fsicas no sejam suficientemente graves para comprometer os mecanismos homeostticos do organismo (Figura 3).

    ConCLUso

    O ser humano pode envelhecer como um sbio ancio ou permanecer nos estgios infantis do psi-quismo. Autonomia e independncia so, portanto, resultantes do equilbrio entre o envelhecimento ps-quico e biolgico.

    A singularidade individual torna-se mais exube-rante quando se avaliam ambas as dimenses, bio-lgica e psquica, associadas ao contexto familiar e social, ou seja, a integralidade do indivduo.

    O processo de envelhecimento , portanto, abso-lutamente individual, varivel, cuja conquista se d dia aps dia, desde a infncia. A velhice bem-sucedi-da consequncia de uma vida bem-sucedida.

    A adultez velha (acima de 60 anos) ou velhice a grande fase da vida, na qual o indivduo, agora pessoa, atinge o grau mximo de compreenso do mistrio da vida (conscincia do absoluto) e do seu papel na unificao do universo. Vive a liberdade ple-na, permitindo-lhe compreender o lugar e a parte que cabem ao mal em um mundo em evoluo. O sentido tico da sua existncia permite a superao dos pre-conceitos e a participao ativa na evoluo das pes-soas e dos grupos aos quais esteja ligado. Est, assim, cumprido o destino do ser humano adulto, cuja f em si mesmo e no destino do mundo o faz viver em um permanente comungar e servir.

    Envelhecimento individual

    O envelhecimento representa a consequncia ou os efeitos da passagem do tempo no organismo (envelhecimento somtico) e psiquismo (envelheci-mento psquico). Todas as dimenses so igualmen-te importantes, na medida em que so coadjuvantes para a manuteno da estabilidade somtica e ps-quica, indispensveis para o ser humano cumprir a sua meta, que ser feliz.

    A busca pela paz e pela liberdade de esprito a meta do ser humano. necessrio que o homem se liberte dos impulsos cegos e dos preconceitos e bus-que a virtude, com equilbrio e serenidade.

    A nica batalha que traz satisfao aquela em que o indivduo conquista a si mesmo, o que inclui a necessidade de aperfeioamento moral, de uma ideia correta do bem e do mal.

    A livre procura do saber garante o clima para a reflexo, mas necessrio ter-se em mente que a vi-so do indivduo subjetiva e deve ser testada obje-tivamente, na realidade. O homem deve ter atitude crtica tambm perante as ideias tradicionais e os postulados j arraigados e iniciar a anlise do mundo pela busca de conhecimento de si prprio.

    O envelhecimento individual depende do grau de fragilidade do organismo e do psiquismo. Pode ser dividido em quatro tipos:

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    Caractersticas biolgicas e psicolgicas do envelhecimento

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    Figura 3 - Tipos de envelhecimento individual

    Robustez fsicaCristalizao psquica

    Fragilidade fsicaMaturidade psquica

    (sabedoria)

    Tipos de envelhecimento

    Fragilidade fsicaCristalizao psquica

    Robustez fsicaMaturidade psquica

    (sabedoria)

    Psiquismo

    FUNCION

    ALIDAD

    E

    Orga

    nism

    o

    Enve

    lhec

    imen

    to som

    tico fr

    gil

    Enve

    lhec

    imen

    to som

    tico robu

    sto

    INFNCIA

    Angstia Medo Obssesso Histeria Latncia

    ADOLESCNCIA

    Pr-adolescncia

    Adolescncia

    ADULTEZ

    Adultezjovem

    Adultezmadura

    Adultezvelha

    MATURIDADE