envelhecimento populacional na agenda das políticas públicas

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CAPTULO 8

O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NA AGENDA DAS POLTICAS PBLICAS

Ana Amlia CamaranoDa Diretoria de Estudos Macroeconmicos do IPEA

Maria Tereza PasinatoDa Diretoria de Estudos Macroeconmicos do IPEA

1 INTRODUO

Apesar de o envelhecimento populacional ser amplamente reconhecido como uma das principais conquistas sociais do sculo XX, reconhece-se, tambm, que este traz grandes desafios para as polticas pblicas. Um dos mais importantes o de assegurar que o processo de desenvolvimento econmico e social ocorra de forma contnua, com base em princpios capazes de garantir tanto um patamar econmico mnimo para a manuteno da dignidade humana, quanto a eqidade entre os grupos etrios na partilha dos recursos, direitos e responsabilidades sociais.1 Nos pases desenvolvidos, o envelhecimento populacional ocorreu em um cenrio socioeconmico favorvel, o que permitiu a expanso dos seus sistemas de proteo social.2 Nos pases em desenvolvimento e, especificamente, no caso brasileiro, o acelerado processo de envelhecimento est ocorrendo em meio a uma conjuntura recessiva e a uma crise fiscal que dificultam a expanso do sistema de proteo social para todos os grupos etrios e, em particular, para os idosos. Os programas sociais direcionados ao enfrentamento do processo de envelhecimento das populaes dos pases desenvolvidos comearam a ganhar expresso na dcada de 1970. Tinham por objetivo a manuteno do papel social dos idosos e/ou a sua reinsero, bem como a preveno da perda de sua autonomia. A manuteno de sua renda j havia sido equacionada pelos sistemas de seguridade social. No Brasil, como em outros pases em desenvolvimento, a questo do envelhecimento1. Na verdade, essa preocupao j vem expressa desde o Plano de Viena em 1982. 2. Atualmente, esses sistemas se deparam com restries de vrias ordens para a sua sustentabilidade financeira no longo prazo.

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populacional soma-se a uma ampla lista de questes sociais no-resolvidas, tais como a pobreza e a excluso de crescentes contingentes da populao, e aos elevados nveis de desigualdade vigentes nessas sociedades [ver Aranbar (2001)]. O presente captulo descreve a evoluo da agenda das polticas pblicas na questo do envelhecimento populacional tanto em nvel internacional quanto no plano nacional. O trabalho no tem nenhuma pretenso de avaliar as polticas descritas, em virtude, em parte, da dificuldade de dados. O trabalho est constitudo por cinco sees, sendo a primeira esta introduo. A Seo 2 discute alguns pontos da Agenda Internacional tomando como ponto de partida a primeira Assemblia Mundial sobre o Envelhecimento ocorrida, em 1982, em Viena. Na Seo 3, apresenta-se o marco legal que fundamenta as polticas brasileiras para a populao idosa. A Seo 4 trata das polticas setoriais brasileiras. E, finalmente, na Seo 5 apresentam-se alguns comentrios sobre os desafios que o envelhecimento populacional coloca na agenda s polticas pblicas brasileiras. Estamos caminhando na direo de uma sociedade para todas as idades?2 AGENDA INTERNACIONAL: DE VIENA A MADRI

Esta seo apresenta uma discusso sobre a agenda internacional de polticas pblicas para a populao idosa. Duas assemblias das Naes Unidas, uma realizada em Viena, em 1982, e outra em Madri, em 2002, influenciaram significativamente essa agenda.2.1 O Plano de Viena

Considera-se como o marco inicial para o estabelecimento de uma agenda internacional de polticas pblicas para a populao idosa a primeira Assemblia Mundial sobre o Envelhecimento ocorrida em Viena, em 1982. Essa assemblia foi o primeiro frum global intergovernamental centrado na questo do envelhecimento populacional e que resultou na aprovao de um plano global de ao. Representou um avano, pois, at ento, a questo do envelhecimento no era foco de ateno nem das assemblias gerais, nem de nenhuma agncia especializada das Naes Unidas. A questo era tratada de forma marginal pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT), pela Organizao Mundial de Sade (OMS) e pela Organizao para a Educao, Cincia e Cultura (Unesco) como parte de suas atividades especializadas. Os objetivos do plano eram garantir a segurana econmica e social dos indivduos idosos bem como identificar as oportunidades para a sua integrao ao processo de desenvolvimento dos pases. Teve como marco de referncia a

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Conferncia dos Direitos Humanos realizada em Teer em 1968. Dado o contexto poltico econmico e social, admitiu-se que, pela vulnerabilidade da populao idosa, esta deveria sofrer mais as conseqncias do colonialismo, neocolonianismo, racismo e prticas do apartheid. Quer dizer, a preocupao com a populao idosa surgiu como resultado de tendncias demogrficas bem delimitadas e de uma situao de conflito. No plano global, vivia-se um momento marcado pelas tenses da Guerra Fria e, no regional, predominavam os regimes de exceo. O Plano Internacional de Ao adotado na primeira Assemblia Mundial foi estruturado em forma de 66 recomendaes para os estados membros referentes a sete reas: sade e nutrio, proteo ao consumidor idoso, moradia e meio ambiente, famlia, bem-estar social, previdncia social, trabalho e educao. A maioria dos temas considerados era tratada pela Organizao das Naes Unidas (ONU) em comisses de natureza econmica ou poltica.3 Sintetizando, a preocupao com as implicaes sociais do processo de envelhecimento, ainda que existente, no era expressa. Na verdade, de acordo com Alves (1995), os temas sociais no ocupavam o mesmo lugar dos planos econmicos e polticos dentro das Naes Unidas. Nem os direitos humanos recebiam um tratamento adequado. Um dos principais resultados do Plano de Viena foi o de colocar na agenda internacional as questes relacionadas ao envelhecimento individual e da populao. O pano de fundo era a situao de bem-estar social dos idosos dos pases desenvolvidos. Percebia-se a necessidade da construo e, principalmente, do reconhecimento de um novo ator social o idoso com todas as suas necessidades e especificidades. Parte das recomendaes visava promover a independncia do idoso, dot-lo de meios fsicos ou financeiros para a sua autonomia. Nesse sentido, o documento apresentava, tambm, um forte vis de estruturao fundamentado em polticas associadas ao mundo do trabalho. A concepo do idoso traada no plano era a de indivduos independentes financeiramente e, portanto, com poder de compra. As recomendaes eram dirigidas, em especial, aos idosos dos pases desenvolvidos. Suas necessidades deveriam ser ouvidas, pois agregavam valor economia e permitiam o desenvolvimento de um novo nicho de mercado. Por outro lado, o plano tambm foi fortemente dotado por uma viso da medicalizao do processo de envelhecimento. Embora, naquele momento, o foco da ateno tenha sido os pases desenvolvidos, desde a assemblia a agenda poltica de pases em desenvolvimento passou a incorporar progressivamente a questo do envelhecimento. Por exemplo, vrios3. As comisses polticas so entendidas no seu sentido estrito, ou seja, dizem respeito apenas s formas de exerccio do poder estatal.

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governos da Amrica Latina modificaram suas constituies em graus diferenciados, criando leis que favoreciam a populao idosa. Citam-se Venezuela (1999), Equador (1998), Brasil (1988), Bolvia (1994) e Peru (1993). Esses pases fizeram um avano importante no sentido de polticas e programas especiais voltados s pessoas idosas [Uriona e Hakkert (2002)]. Por outro lado, o Plano de Viena consistiu em um conjunto de recomendaes, cuja implementao dependia da alocao de recursos, que no foram previstos. Por exemplo, parte das recomendaes visava promover a independncia do idoso, o que implica aumentos nos gastos pblicos, especialmente na rea social, dentre os quais a proviso de penses e aposentadorias e a assistncia sade para os idosos necessitados consistiam os seus principais componentes.2.2 Entre Viena e Madri

Os 20 anos que transcorreram entre uma assemblia e outra foram acompanhados por mudanas profundas nos planos econmico, social e poltico dos pases. Na dcada de 1990, a questo do envelhecimento entrou de forma mais expressiva na agenda dos pases em desenvolvimento. O processo de envelhecimento, nesses pases, est ocorrendo mais rapidamente do acontecido nas economias mais desenvolvidas. De maneira geral, o debate poltico e acadmico vigente considera a populao idosa como um segmento homogneo, com necessidades e experincias comuns. Essa viso simplista levou a duas perspectivas polarizadas a respeito da experincia do envelhecimento populacional [Lloyd-Sherlock (2002)]. A viso predominante foi a de associar envelhecimento a dependncia e a problemas sociais. Chega a considerar que o envelhecimento populacional pode se constituir em uma ameaa ao futuro das economias, da prpria democracia etc.4 Um exemplo disso pode ser notado no documento Averting the Old Age Crisis: Policies to Protect the Old and Promote the Growth [ver Banco Mundial (1994)], que ressalta o impacto do crescimento da populao idosa sobre as polticas pblicas:O mundo est se aproximando de uma crise do envelhecimento. Como a esperana de vida aumenta e as taxas de natalidade diminuem, a proporo da populao idosa est se expandindo rapidamente, aumentando o peso econmico sobre a populao jovem (grifo das autoras).

Em contrapartida, outro ponto de vista considera que as pessoas idosas podem contribuir significativamente para o desenvolvimento econmico e social. Muitas4. Veja, por exemplo: Petersen (1999), apud Lloyd-Sherlock (2002).

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pessoas idosas so uma fonte viva de recursos e contribuem para o bem-estar das suas famlias e comunidades [Helpage International (1999)]. Por contribuio advinda da populao idosa, entende-se a continuao na atividade econmica, mesmo quando aposentado, o trabalho voluntrio, a contribuio no oramento familiar, a proviso de acomodao, o cuidado com netos, a includos os rfos da Aids. As polticas resultantes dessa perspectiva so as que buscam reforar a capacidade das pessoas idosas e aumentar a sua oportunidade de contribuir para com a sociedade [Lloyd-Sherlock (2002) e Troisi (1995)]. No mbito das Naes Unidas, a Assemblia Geral de 1991 adotou 18 princpios em favor da populao idosa. Estes podem ser agrupados em cinco grandes temas: independncia, participao, cuidados, auto-realizao e dignidade. A promoo da independncia requer polticas pblicas que garantam a autonomia fsica e financeira, ou seja, o acesso aos direitos bsicos de todo ser humano: alimentao, habitao, sade, trabalho e educao. Por participao, busca-se a manuteno da integrao dos idosos na sociedade. Isso requer a criao de um ambiente propcio para que possam compartilhar seus conhecimentos e habilidades com geraes mais jovens e de se socializarem. Os cuidados referem-se necessidade do desfrute pelos idosos de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, atravs do cuidado familiar ou institucional. Auto-realizao significa a possibilidade de os idosos fazerem uso de oportunidades para o desenvolvimento do seu potencial, por meio do acesso a recursos educacionais, culturais, espirituais e recreativos. Por ltimo, o quesito dignidade requer que se assegure aos idosos a possibilidade de vida digna e segura, livre de toda e qualquer forma de explorao e maus-tratos. Em 1992, a Assemblia Geral da ONU aprovou a Proclamao sobre o Envelhecimento, que estabeleceu o ano de 1999 como o Ano Internacional dos Idosos e definiu os parmetros para o incio da elaborao de um marco conceitual sobre a questo do envelhecimento. O slogan do Ano Internacional do Idoso foi a promoo de uma sociedade para todas as idades. O marco conceitual foi elaborado em 1995 (Documento 50/114 da ONU) e a exemplo da Proclamao sobre o Envelhecimento conta com quatro principais dimenses para a anlise de uma sociedade para todas as idades: a situao dos idosos, o desenvolvimento individual continuado, as relaes multigeracionais e a inter-relao entre envelhecimento e desenvolvimento social. Ao longo da dcada de 1990, os idosos passaram a ser considerados, tambm, em outros fruns das Naes Unidas, como, por exemplo, as conferncias mundiais sobre populao, aspectos sociais, gnero, meio ambiente etc. Gradualmente, a

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viso de idosos como um subgrupo populacional vulnervel e dependente foi sendo substituda pela de um segmento populacional ativo e atuante que deve ser incorporado na busca do bem-estar de toda a sociedade. Em 1999, foi comemorado o Ano Internacional do Idoso. Os pases membros das Naes Unidas foram incentivados a aplicar os cinco princpios bsicos em favor dos idosos, j adotados na Assemblia Geral de 1991, a saber: independncia, participao, cuidados, auto-realizao e dignidade. Foi nesse contexto que a Declarao do Milnio de 2000, apesar de no ter feito meno explicita questo do envelhecimento, convocou toda a humanidade a participar de um esforo para a reduo da pobreza e consagrao dos direitos humanos.2.3 0 Plano de Madri

A Segunda Assemblia Mundial aconteceu em Madri, em 2002. O relatrio do conselho econmico e social da ONU para o comit preparatrio para essa assemblia chama a ateno para as mudanas sociais, culturais e tecnolgicas em curso em todo o mundo que implicam mudanas nas estruturas de valores. Cita, por exemplo, as mudanas nos cdigos de valores que regem cada uma das geraes e nas formas de transmisso dos valores, conhecimentos e responsabilidades de uma gerao para a subseqente. As geraes mais jovens adquirem boa parte de seu cdigo de valores de seus prprios companheiros. Por esse motivo, cada gerao ter perspectivas diferentes das de seus predecessores e se defrontar com opes diferentes [ONU(2001)]. A Segunda Assemblia Mundial ocorreu em um contexto bastante diferente do de Viena. Em primeiro lugar, ressalta-se a colaborao estabelecida entre o Estado e a sociedade civil. No mbito do conselho econmico e social da ONU, aproximadamente 700 instituies no-governamentais passaram a ter assento no seu conselho consultivo. Essa participao ocorreu em todos os temas. O quadro de referncia sobre os direitos humanos passou a ser a Conferncia das Naes Unidas sobre Direitos Humanos realizada, em 1993, em Viena.5 Na referida assemblia, foram aprovados uma nova declarao poltica e um novo plano de ao que dever servir de orientao adoo de medidas normativas sobre o envelhecimento no incio do sculo XXI. Espera-se que o plano de ao exera uma ampla influncia nas polticas e programas dirigidos populao idosa em todo o mundo, especialmente nos pases em desenvolvimento.

5. Nessa conferncia, os direitos humanos adquiriram importncia prpria, desvinculados da necessidade de subordinao a outros temas.

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A declarao poltica contm os principais compromissos assumidos pelos governos para executar o novo plano. Foi dedicada ateno especial aos problemas derivados do processo de envelhecimento dos pases em desenvolvimento. O plano de ao fundamenta-se em trs princpios bsicos: a) participao ativa dos idosos na sociedade, no desenvolvimento e na luta contra a pobreza; b) fomento da sade e bem-estar na velhice: promoo do envelhecimento saudvel; e c) criao de um entorno propcio e favorvel ao envelhecimento. O primeiro princpio considera que o envelhecimento populacional no um processo que, necessariamente, esgota os recursos da sociedade. Ao contrrio, ele pode significar uma acumulao de capital humano, social e econmico. Em termos de polticas, pode-se pensar na adequao das instituies para que o crescimento da populao idosa seja um elemento propulsor do bem-estar da sociedade. Nesse caso, polticas de trabalho, integrao social e seguridade social so importantes. Para o alcance do segundo princpio, so necessrias polticas que promovam melhorias na sade desde a infncia e que se prolonguem ao longo da vida. Dentre elas, citam-se a promoo sade, o acesso universal aos servios de sade pblica ao longo da vida e, em decorrncia, a considerao da importncia de fatores ambientais, econmicos, sociais, educacionais, dentre outros, no aparecimento de enfermidades e incapacidades. So necessrios, tambm, programas de capacitao de profissionais nas reas de geriatria, gerontologia e de servios sociais. Por fim, assegurar um entorno propcio e favorvel ao envelhecimento implica promover polticas voltadas para a famlia e a comunidade que assegurem um envelhecimento seguro e promovam a solidariedade intergeracional. Para tanto, necessrio que as polticas pblicas sejam concebidas com base na colaborao entre o Estado e a sociedade civil, de forma a construir um maior acesso ao entorno fsico, aos servios e recursos, a includa a ateno proteo ambiental. Assim sendo, os idosos podem contribuir para o bem-estar da sociedade e ao mesmo tempo se beneficiar dos direitos de se realizarem como cidados, de receberem ateno, serem independentes, participarem e serem tratados com dignidade [ONU (2001)]. Um dos grandes avanos do Plano de Madri diz respeito contribuio dos idosos para com a sociedade. Na declarao poltica, esse avano se faz notar principalmente em seu artigo 6:

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Quando o envelhecimento aceito como um xito, o aproveitamento da competncia, experincia e dos recursos humanos dos grupos mais velhos assumido com naturalidade, como uma vantagem para o crescimento de sociedades humanas maduras e plenamente integradas.

O Plano de Madri um documento amplo que contm 35 objetivos e 239 recomendaes para a adoo de medidas dirigidas aos governos nacionais, mas insistindo na necessidade de parcerias com membros da sociedade civil e setor privado para a sua execuo. Destaca-se, tambm, a importncia da cooperao internacional. Cabe aos governos explicitar as parcerias no processo de implementao do plano, estabelecendo as responsabilidades de cada parte e as do prprio governo. O estabelecimento de parcerias foi um avano importante do plano. A considerao da dimenso de gnero vista como outro avano. O pargrafo 8o advoga a integrao de uma perspectiva de gnero nas polticas, programas e legislao sobre envelhecimento. A esse respeito foram feitas sugestes, por exemplo, no caso da seguridade social, para que se leve em conta a igualdade entre homens e mulheres nos sistemas de proteo social. No entanto, o mesmo pargrafo 8o estabelece que a situao das mulheres idosas deve ter prioridade nas aes polticas. Isso deixa claro que a preocupao com gnero restringe-se preocupao com as mulheres. Essa viso compartilhada por Knodel e Ofstedal (2003). Esses autores encontraram no plano mais de 40 artigos que enfatizam a maior vulnerabilidade das mulheres com respeito s suas condies de bem-estar e defendem polticas e programas voltados a elas. Por outro lado, no encontraram nenhum artigo que reconhecesse que homens idosos tm necessidades especiais e, portanto, nenhuma recomendao foi feita com respeito a eles. Alguns trabalhos mostram que os homens experimentam maiores dificuldades com a aposentadoria do que as mulheres [Simes (2004)]. No se nega a importncia de se considerar as necessidades especiais de mulheres, mas uma abordagem de gnero deve considerar as necessidades diferenciadas de ambos os sexos e reconhecer que gnero no significa sempre uma marca de desvantagem [Knodel e Ofstedal (2003)]. A preocupao aqui que essa viso expressa em um documento como o Plano de Madri pode afetar a formulao de polticas dos pases em desenvolvimento. Chama-se a ateno tambm para outras limitaes do plano. Tanto as estratgias propostas pelo Plano de Madri quanto por outros documentos das Naes Unidas tendem a ser por demais vagas sem considerar as diversidades regionais.

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Na verdade, este consiste em um plano nico, geral, para uma realidade social bastante diversificada. Algumas das recomendaes parecem fundamentadas em um modelo pouco real, que seria o daqueles pases desenvolvidos que contam com um programa de bem-estar social avanado. Um outro ponto que, embora todas as medidas propostas tenham sido acertadas pelos pases signatrios, a sua implementao dever passar, necessariamente, por uma avaliao das prioridades nacionais, das polticas sociais etc. A sua implementao de direito e responsabilidade de cada Estado. Segundo as recomendaes das Naes Unidas, corresponde a cada pas desenvolver os mecanismos necessrios promoo de um nvel de bem-estar social adequado ao nmero adicional de anos de vida da populao idosa. Em alguns pases, os objetivos do Plano de Madri j esto sendo atingidos. Em outros, a sua implementao ainda ir demorar muito, isto , se for implementada. Como qualquer outra poltica, a implementao do Plano de Madri depende, fundamentalmente, da alocao de recursos. O plano no previu recursos para o cumprimento das metas, muito embora a declarao poltica tenha reconhecido a dificuldade dos pases pobres de se integrarem na economia global. Por exemplo, foi estabelecida uma meta de reduo at 2015 de 50% da proporo de pessoas que vivem na pobreza extrema. No entanto, as condies para a sua realizao no foram explicitadas. O mesmo ocorre com a meta de promoo de programas que permitam a todos os trabalhadores obter uma proteo social bsica que compreenda aposentadorias, penses, benefcios por invalidez e ateno sade. A poltica de seguridade social vigente na maioria dos pases desenvolvidos contraditria com a meta de participao ativa dos idosos na sociedade, no que diz respeito, por exemplo, sua participao no mercado de trabalho. Nos pases da Comunidade Comum Europia, os ganhos na esperana de vida ao nascer e nas condies de sade no tm sido acompanhados por um aumento na vida ativa. Entre 1950 e 1990, a esperana de vida na idade da aposentadoria aumentou em seis anos e a idade aposentadoria foi reduzida em 6,3 anos.6 A cobertura dos benefcios prxima a 100% [ILO (2001)]. Por outro lado, essa situao contrasta com a dos pases em desenvolvimento, onde em muitos deles, como os africanos, a aposentadoria parece um luxo. Em alguns pases subsaarianos e do Sul da frica, estima-se que apenas de 5% a 10% da populao trabalhadora esto cobertos pela seguridade social [ILO (2001)]. Alm de a cobertura ser baixa, o valor do benefcio tambm o . Isso leva6. Mais recentemente, alguns pases como a Itlia e a Inglaterra aumentaram a idade aposentadoria.

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continuao do idoso no mercado de trabalho, quase sempre na agricultura. Enquanto 40,5% dos africanos com 64 anos e mais de idade trabalham, nos pases desenvolvidos a proporo comparvel estava em torno de 10% [ILO (2001)]. Habilidade e vontade de trabalhar por parte da populao idosa dependem do seu estado de sade, da sua capacidade funcional, das condies do mercado de trabalho alm da legislao vigente. Aposentadoria compulsria e discriminao no ambiente de trabalho aliados baixa qualificao da mo-de-obra so obstculos maior participao da populao idosa no mercado de trabalho. Polticas de sade e de educao passam a ser importantes para o alcance dessas metas. Sintetizando, para que as polticas voltadas para o envelhecimento populacional possam ser efetivas necessrio que apresentem uma abordagem integrada em seus diversos setores especficos: sade, economia, mercado de trabalho, seguridade social e educao.2.4 Desdobramentos do Plano de Madri

Reconhecendo as diversidades regionais no processo de envelhecimento e nas condies socioeconmicas e culturais e o alto grau de generalizao do Plano de Madri, os rgos regionais vinculados s Naes Unidas7 elaboraram estratgias para a sua implementao, levando em conta as especificidades de suas regies e as necessidades dos idosos em cada uma delas. Os cinco textos regionais realam a importncia da contribuio das pessoas idosas no trabalho voluntrio, no de subsistncia e remunerado, no cuidado com os membros da famlia etc. A famlia foi vista em todos os documentos como a fonte de apoio natural para as pessoas idosas, sendo o lcus em que elas encontram segurana emocional e apoio. Isso verdade tanto para os pases que contam com um sistema de cuidados de longa durao bem estruturados, quanto os que no contam. Observam-se pequenas variaes nos textos regionais no que diz respeito solidariedade intergeracional [Tornel (2002)]. Cada um dos documentos regionais apresenta as suas nfases particulares. Por exemplo, o documento relativo Europa enfoca a necessidade de assegurar a plena integrao e participao dos idosos na sociedade. Para a Amrica Latina, a principal preocupao com a proteo dos direitos humanos e com a necessidade de proviso das necessidades bsicas da populao idosa: acesso a renda, cobertura integral dos servios de sade, educao e moradia em condies dignas.7. Comisso Econmica para a Europa, Comisso Econmica e Social para a sia e o Pacfico, Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe, Comisso Econmica para a sia Ocidental e Comisso Econmica para a frica.

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O acesso a novas tecnologias que permitam aos idosos manter a sua independncia um dos aspectos enfatizados pelo documento referente regio da sia e do Pacfico. Citam-se tambm, nesse documento, aspectos ligados a um planejamento urbano amigvel aos idosos e a necessidade de criar mecanismos de apoio para os cuidadores. A questo dos cuidadores importante em todas as regies, mas nessa regio e na frica Subsaariana ela adquire uma importncia especial, dada a crescente mortalidade feminina por Aids. Um dos resultados o aumento de famlias que no contam com a gerao do meio, ou seja, so famlias formadas por avs e netos. Uma avaliao e reviso do Plano de Madri j est em curso pelo Departamento de Assuntos Sociais e Econmicos das Naes Unidas.3 O ENVELHECIMENTO POPULACIONAL NA AGENDA DAS POLTICAS PBLICAS BRASILEIRAS 3.1 O Perodo Pr-Constituio de 1988

Pode se dizer que a incorporao, em alguma medida, da questo do envelhecimento populacional na agenda das polticas brasileiras, quer sejam pblicas ou por iniciativa da sociedade civil, no nova. Na verdade, o Brasil um dos pioneiros na Amrica Latina na implementao de uma poltica de garantia de renda para a populao trabalhadora que culminou com a universalizao da seguridade social em 1988. As origens do sistema de proteo social no Brasil remontam ao perodo colonial, com a criao de instituies de carter assistencial como a Santa Casa de Misericrdia de Santos. No perodo imperial, podem ser identificados outros antecedentes do atual sistema como os montepios civis e militares e outras sociedades beneficentes. Em 1888, foi regulamentado o direito aposentadoria dos empregados dos Correios (Decreto 9.912-A, de 26 de maro de 1888). Estes, aps 30 anos de servio e com uma idade mnima de 60 anos, poderiam usufruir de uma aposentadoria. J as primeiras polticas previdencirias de iniciativa estatal para trabalhadores do setor privado surgiram no incio do sculo XX, com as leis de criao do seguro de acidentes do trabalho em 1919 e a primeira caixa de aposentadorias e penses em 1923 (Lei Eloy Chaves) [ver Pasinato (2001) e Oliveira, Beltro e Mdici (1993)]. Nos anos 1930, o Brasil j contava com uma poltica de bem-estar social, que inclua previdncia social, sade, educao e habitao. Embora o objetivo desta seo seja o de considerar o envelhecimento populacional na agenda das polticas pblicas brasileiras, no se pode negar que estas so resultados de influncias e presses da sociedade civil, das associaes

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cientficas, dos grupos polticos etc. Assim sendo, destacam-se duas iniciativas levadas a cabo nos anos 1960 e que tiveram impacto no desenvolvimento futuro das polticas brasileiras para a populao idosa. A primeira delas foi a criao da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia em 1961. Um dos seus objetivos era o de estimular iniciativas e obras sociais de amparo velhice e cooperar com outras organizaes interessadas em atividades educacionais, assistenciais e de pesquisas relacionadas com a Geriatria e Gerontologia (acesse www.sbgg.com.br). A segunda teve incio em 1963 por iniciativa do Servio Social do Comrcio (Sesc). Consistiu de um trabalho com um pequeno grupo de comercirios na cidade de So Paulo, preocupados com o desamparo e a solido entre os idosos. A ao do Sesc revolucionou o trabalho de assistncia social ao idoso, sendo decisiva na deflagrao de uma poltica dirigida a esse segmento populacional. At ento, as instituies que cuidavam da populao idosa eram apenas voltadas para o atendimento asilar. A primeira iniciativa do governo federal na prestao de assistncia ao idoso ocorreu em 19748 e consistiu em aes preventivas realizadas em centros sociais do Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS) e da sociedade civil, bem como de internao custodial dos aposentados e pensionistas do INPS a partir de 60 anos. A admisso em instituies era feita considerando o desgaste fsico e mental dos idosos, a insuficincia de recursos prprios e familiares e a inexistncia de famlia ou abandono por ela. Outra iniciativa do governo federal em prol dos idosos carentes durante os anos 1970 foi a criao de dois tipos de benefcios no-contributivos: as aposentadorias para os trabalhadores rurais e a renda mensal vitalcia (RMV) para os necessitados urbanos e rurais. Seus valores foram estipulados em 50% do salrio mnimo, exceo da aposentadoria por invalidez do trabalhador rural que era de 75% do salrio mnimo. A previdncia rural era devida ao chefe do domiclio de mais de 65 anos que comprovasse ter trabalhado em atividades rurais. As RMVs, criadas em 1974, foram as primeiras medidas de proteo do portador de deficincia e do idoso necessitado. Estas ocorreram no mbito da poltica previdenciria. As principais condies para sua elegibilidade eram: no receber nenhum benefcio, ter contribudo por pelo menos 12 meses ou alternativamente ter trabalhado por cinco anos em atividade na poca no coberta pela previdncia e no auferir renda superior ao valor do benefcio. Em 1992, com a8. Atravs da Portaria 82, de 4 de julho de 1974, do Ministrio da Previdncia e Assistncia Social (MPAS).

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fuso dos regimes, as RMVs urbanas e rurais foram agrupadas. Em 1993, com a promulgao da Lei Orgnica da Assistncia Social (Loas), foram criados benefcios assistenciais stricto sensu os amparos assistenciais. Estes foram, tambm, derivados dos benefcios de prestao continuada. Um primeiro documento do governo federal contendo algumas diretrizes para uma poltica social para a populao idosa foi editado pelo MPAS em 1976. Baseou-se nas concluses de trs seminrios regionais realizados em So Paulo, Belo Horizonte e Fortaleza e um nacional. Os seminrios objetivaram a identificao das condies de vida do idoso brasileiro e do apoio assistencial existente para atender suas necessidades. As principais propostas contidas no documento Poltica social para o idoso: diretrizes bsicas [ver Brasil (2002)] foram: implantao de sistema de mobilizao comunitria, visando, dentre outros objetivos, manuteno do idoso na famlia; reviso de critrios para concesso de subvenes a entidades que abrigam idosos; criao de servios mdicos especializados para o idoso, incluindo atendimento domiciliar; reviso do sistema previdencirio e preparao para a aposentadoria; formao de recursos humanos para o atendimento de idosos; coleta de produo de informaes e anlises sobre a situao do idoso pelo Servio de Processamento de Dados da Previdncia e Assistncia Social (Dataprev) em parceria com a Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), dentre outras. Chama-se a ateno para o fato de que at o momento estudado as polticas do governo federal para a populao idosa brasileira consistiam no provimento de renda para a populao idosa que trabalhou de alguma forma e de assistncia social para idosos necessitados e dependentes. A viso que parece ter predominado nas polticas a de vulnerabilidade e dependncia do segmento. Mudanas paulatinas nessa viso foram tomando corpo ao longo dos anos 1980 por influncia do debate internacional.3.2 Os Anos 1980 e a Constituio de 1988

Como signatrio do Plano Internacional de Ao para o Envelhecimento de 1982, o Brasil passou a incorporar, de forma mais assertiva, esse tema na sua agenda

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poltica. O momento coincidiu com o perodo de redemocratizao do pas, o que possibilitou um amplo debate por ocasio do processo constituinte, resultando na incorporao do tema no captulo referente s questes sociais do texto constitucional de 1988.9 Uma das concluses da Assemblia de Viena foi a conscientizao dos pases da necessidade de incorporarem nos seus planos propostas de aes que garantissem um envelhecimento saudvel. A sociedade deveria ser trabalhada no sentido de adotar um conceito positivo e ativo de envelhecimento, orientado ao desenvolvimento. Isso significa uma mudana de viso do papel do idoso na sociedade. A sociedade brasileira j vinha se organizando para se estabelecer como um ator social de expresso das reivindicaes da populao idosa. Em 1977, uma primeira organizao social j havia sido criada: a Associao Cearense Pr-idosos (Acepi). Esta tem por objetivo reivindicar os direitos dos idosos, estabelecer trabalhos conjuntos com o governo federal, assim como organizar entidades de ateno a eles. Uma outra manifestao da sociedade civil foi a criao da Confederao Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) em 1984. Na verdade, esse no foi um movimento novo. Teve sua origem na dcada de 1960 com a criao da Unio dos Aposentados e Pensionistas do Brasil. Em 1985, foi criada a Associao Nacional de Gerontologia (ANG), rgo tcnico-cientfico de mbito nacional, voltado para a investigao e prtica cientfica em aes de ateno ao idoso. O seu primeiro objetivo o de desenvolver constante ao poltica e tcnica junto aos rgos pblicos, a entidades privadas e comunidade em geral, reivindicando sua ateno e audincia para que os idosos possam expressar com dignidade suas reais necessidades e reivindicando, ainda, a adoo de medidas minimizadoras de seus problemas [Machado (s.d.)]. O grande avano em polticas de proteo social aos idosos brasileiros foi dado pela Constituio de 1988, que levou em considerao algumas orientaes da Assemblia de Viena. Introduziu o conceito de seguridade social, fazendo com que a rede de proteo social deixasse de estar vinculada apenas ao contexto estritamente social-trabalhista e assistencialista e passasse a adquirir uma conotao de direito de cidadania. O texto legal estabeleceu, como princpios bsicos, a universalizao, a equivalncia de benefcios urbanos e rurais, a seletividade na concesso, a irredutibilidade do valor das prestaes previdencirias, a fixao do benefcio mnimo em um salrio mnimo, a equanimidade no custeio e a diversificao da base de financiamento, a descentralizao e a participao da comunidade,9. De acordo com Uriona e Hakkert (2002), a aluso direta a aes voltadas proteo social da populao idosa nos textos constitucionais pode ser interpretada como um indicador de reconhecimento da importncia da questo pela sociedade.

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de trabalhadores, empregadores e aposentados na gesto (artigo 194 da Constituio). Assim sendo, a seguridade social passou a ser conceituada como um contrato coletivo, integrante do prprio direito de cidadania, onde os benefcios seriam concedidos conforme a necessidade e o custeio seria feito segundo a capacidade de cada um [ver Oliveira, Beltro e Guerra(1997)]. Acesso a sade e educao tambm foi garantido pela Constituio para toda a populao, bem como assistncia social para a populao necessitada.10 O ensino fundamental passou a ser obrigatrio e gratuito, tendo sido assegurada, inclusive, a sua oferta para todos os que a ele no tiverem acesso na idade prpria. A Constituio de 1988 foi a primeira a contar com um ttulo da Ordem Social: Ttulo VIII. Neste, o Captulo VII refere-se s questes da famlia, da criana, do adolescente e do idoso. O artigo 230, por exemplo, ressalta que o apoio aos idosos de responsabilidade da famlia, da sociedade e do Estado, os quais devem assegurar a sua participao na comunidade, defender sua dignidade e bem-estar e garantir o seu direito vida. Em seu primeiro inciso, o artigo estabelece que os programas de cuidados dos idosos sero executados preferencialmente em seus lares. O segundo inciso amplia para todo o territrio nacional uma iniciativa que j vinha sendo observada em alguns municpios, desde o incio da dcada de 1980: a gratuidade dos transportes coletivos urbanos para os maiores de 65 anos.11 Embora a Constituio de 1988 tenha feito um grande avano no que diz respeito ao papel do Estado na proteo do idoso, a famlia continuou sendo a principal responsvel pelo cuidado da populao idosa, podendo ser criminalizada caso no o faa. Isso foi inclusive objeto do ttulo VII Dos Crimes contra Famlia Captulo III, artigo 244, do Cdigo Penal.Deixar, sem justa causa, de prover a subsistncia do cnjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente invlido ou maior de 60 (sessenta) anos (...).

Um outro ponto constitucional com relao proteo dos idosos, j salientado por Machado (s.d.), diz respeito ao artigo 227 do captulo VII. Este explicita a absoluta prioridade do direito vida, entre outros, das crianas e dos adolescentes. No entanto, apesar de este artigo fazer parte do captulo sobre a famlia, a criana, o adolescente e o idoso, este ltimo foi totalmente marginalizado:10. Os artigos 196 e 203 do Captulo II da Seguridade Social, ttulo Da Ordem Social, e o 208 do Captulo III do mesmo ttulo apresentam as deliberaes. 11. Os municpios de So Paulo (Lei 9.651/83) e Aracaju (Decreto 59-83), por exemplo, contavam, desde 1983, com a iseno do pagamento de tarifas nos nibus para as pessoas com mais de 65 anos.

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dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloclos a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

Outro avano da Constituio de 1988 pode ser visualizado no artigo 7o, do captulo dos Direitos Sociais, no que diz respeito proibio de diferenas de salrio, de exerccio de funes e de critrio de admisso por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. No entanto, a aposentadoria compulsria continua presente tanto nos regimes de previdncia dos servidores pblicos quanto dos privados, caracterizando uma discriminao no mercado de trabalho.3.3 Os Anos 1990 e a Poltica Nacional do Idoso

Ao longo da dcada de 1990 foram regulamentados diversos dispositivos constitucionais referentes s polticas setoriais de proteo aos idosos. Em 1991, foram aprovados os Planos de Custeio e de Benefcios da Previdncia Social. Dentre as modificaes introduzidas pela nova legislao, destacam-se o estabelecimento das regras para a manuteno do valor real dos benefcios; a uniformidade dos riscos cobertos pela previdncia, bem como o estabelecimento de valores mnimos e mximos dos benefcios concedidos para as clientelas urbana e rural; a concesso de penso tambm ao homem em caso de morte da esposa segurada; a introduo da aposentadoria por tempo de servio proporcional mulher; a reduo da idade para concesso de aposentadoria por idade do trabalhador rural (homem) de 65 anos para 60 anos; e a concesso de aposentadoria por idade mulher trabalhadora rural aos 55 anos.12 Em 1993, foram regulamentados os princpios constitucionais referentes a assistncia social, com a aprovao da Loas (Lei 8.742, de dezembro de 1993). Essa lei estabeleceu programas e projetos de ateno ao idoso, em co-responsabilidade nas trs esferas de governo, e regulamentou a concesso do benefcio de prestao continuada s pessoas maiores de 70 anos de idade pertencentes a famlias com renda mensal per capita inferior a 1/4 do salrio mnimo. Em 1998, a idade mnima para o recebimento do benefcio foi reduzida para 67 anos e em 2004 para 65 anos. Dando prosseguimento s diretrizes lanadas pela Constituio e fortemente influenciadas pelo avano dos debates internacionais sobre a questo do12. Por ocasio da aprovao dessa legislao foram levantados vrios questionamentos sobre a sua viabilidade financeira e atuarial. Em janeiro de 1992, aps grande polmica em torno do pagamento do reajuste de valor de benefcios (de 47%) aos aposentados, foi criada pela Cmara dos Deputados uma comisso especial para estudo do sistema previdencirio, visando a um diagnstico da situao e elaborao de novas propostas para discusso. No entanto, o perodo previsto coincidiu com o processo de impeachment do ento presidente da Repblica e grande instabilidade econmica, inviabilizando sua efetivao [ver Oliveira, Beltro e Guerra (1997)].

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envelhecimento, foi aprovada em 1994 (Lei 8.842) a Poltica Nacional do Idoso (PNI). Essa poltica consiste em um conjunto de aes governamentais com o objetivo de assegurar os direitos sociais dos idosos, partindo do princpio fundamental de que o idoso um sujeito de direitos e deve ser atendido de maneira diferenciada em cada uma das suas necessidades: fsicas, sociais, econmicas e polticas. Para a sua coordenao e gesto foi designada a Secretaria de Assistncia Social do ento MPAS, atualmente Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS). Foi criado, tambm, o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI), que veio a ser implementado apenas em 2002. As principais diretrizes norteadoras da PNI consistem em: incentivar e viabilizar formas alternativas de cooperao intergeracional; atuar junto s organizaes da sociedade civil representativas dos interesses dos idosos com vistas a formulao, implementao e avaliao das polticas, planos e projetos; priorizar o atendimento dos idosos em condio de vulnerabilidade por suas prprias famlias em detrimento ao atendimento asilar; promover a capacitao e reciclagem dos recursos humanos nas reas de geriatria e gerontologia; priorizar o atendimento do idoso em rgos pblicos e privados prestadores de servios; e fomentar a discusso e o desenvolvimento de estudos referentes questo do envelhecimento. A PNI tambm estabelece as competncias das entidades e rgos pblicos. A implantao dessa lei estimulou a articulao e integrao dos ministrios envolvidos13 na elaborao de um plano de ao governamental para integrao da PNI no mbito da Unio. A operacionalizao da poltica bem como das demais aes empreendidas no campo assistencial ocorre de forma descentralizada, atravs de sua articulao com as demais polticas voltadas para os idosos no mbito dos estados e municpios e na construo de parcerias com a sociedade civil. No plano da ateno sade, apenas em 1999 o Ministrio da Sade (MS) elaborou a Poltica Nacional de Sade do Idoso (Portaria 1.395/ GM do MS), no obstante a Loas ter sido promulgada em 1990 (Lei 8.080). Esta foi conseqncia do entendimento de que os altos custos envolvidos no tratamento mdico dos pacientes idosos pelo Sistema nico de Sade (SUS) no estavam resultando no real atendimento das suas necessidades especficas. A poltica apresenta dois eixos norteadores: medidas preventivas com especial destaque para a promoo da sade e atendimento multidisciplinar especfico para esse contingente.

13. Previdncia Social, Promoo, Assistncia Social e Combate a Fome, Educao, Justia, Cultura, Trabalho e Emprego, Sade, Esporte e Turismo, Planejamento, Oramento e Gesto e das Cidades.

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3.4 Sculo XXI: o Estatuto do Idoso

At recentemente, a legislao relativa ateno dos idosos permaneceu fragmentada em ordenamentos jurdicos setoriais ou em instrumentos de gesto poltica. Aps sete anos de tramitao no Congresso Nacional, em 2003, foi sancionado o Estatuto do Idoso. Este apresenta em uma nica e ampla pea legal muitas das leis e polticas j aprovadas. Incorpora novos elementos e enfoques, dando um tratamento integral e com uma viso de longo prazo ao estabelecimento de medidas que visam proporcionar o bem-estar dos idosos. A identificao do idoso como um subgrupo populacional demandante de regras especficas implica uma dupla condio em termos de direitos sociais. Como salientam Velazco e Romero (2000),14 isso representa um fator de igualdade e de diferenciao para promover a igualdade substantiva vinculada justia social, que nada mais do que a eqidade entre partes desiguais. A aprovao do Estatuto do Idoso representa um passo importante da legislao brasileira no contexto de sua adequao s orientaes do Plano de Madri. De acordo com Uriona e Hakkert (2002), uma lei geral voltada especificamente para os idosos consoante com a construo de um entorno propcio e favorvel para as pessoas de todas as idades.15 Esse novo instrumento legal conta com 118 artigos versando sobre diversas reas dos direitos fundamentais e das necessidades de proteo dos idosos, visando reforar as diretrizes contidas na PNI. O avano se d, principalmente, no que se refere previso sobre o estabelecimento de crimes e sanes administrativas para o no cumprimento dos ditames legais. No entanto, dentre as aes propostas pelo estatuto, duas apresentam um carter controverso: a proibio da discriminao do idoso nos planos de sade pela cobrana de valores diferenciados para os maiores de 60 anos (ver artigo 15, pargrafo 3o) e a excluso para fins de aferio dos critrios de elegibilidade do recebimento por parte de outros idosos membros da famlia do benefcio assistencial no cmputo da renda familiar (artigo 34, pargrafo nico). A eliminao da discriminao etria nos planos de sade tida pelos seus gestores como um fator provvel de seu encarecimento, pois os aumentos dos custos decorrentes do envelhecimento dos segurados passaro a ser compartilhados com os demais participantes dos planos. A excluso no cmputo do recebimento dos benefcios de prestao continuada da renda da famlia tida como um avano social, pois a aferio de uma renda prpria entendida como um ganho em termos de cidadania e auto-estima por parte dos idosos. Por outro lado, a nova14. Apud Uriona e Hakkert (2002). 15. Este constitui um dos trs princpios do Plano de Ao para o Envelhecimento, de Madri.

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regra vaga no sentido de no precisar quais benefcios devero ser desconsiderados do cmputo da renda familiar. Isso tem gerado interpretaes diferentes e um nmero elevado de processos judiciais na solicitao do benefcio. A reduo da idade para o requerimento do benefcio assistencial, igualando a idade requerida para esse benefcio com a idade requerida para o de aposentadoria por idade dos trabalhadores urbanos do sexo masculino, no foi muito bem aceita por uma parte dos economistas do setor pblico. Estes acreditam que ela pode agir como um fator de desincentivo para a contribuio ao sistema previdencirio, principalmente, entre os trabalhadores de baixa renda. Por outro lado, h que se reconhecer que esses trabalhadores (de baixa renda) encontram-se, em grande maioria, na informalidade, no podendo contar com uma renda estvel, sendo-lhes praticamente impossvel dispor, mensalmente, de 20% de sua renda para contriburem para o sistema previdencirio na condio de contribuinte individual. O maior desincentivo que esses indivduos tm a falta e/ou a instabilidade de renda. Por fim, a questo do envelhecimento tambm aparece articulada com aes referentes ao meio ambiente e desenvolvimento sustentvel e defesa do consumidor. A questo do meio ambiente, a partir da Agenda 21,16 passou a ser entendida de forma mais ampla, integrada com outras questes estratgicas, tais como a gerao de emprego e de renda, a diminuio das disparidades regionais e interpessoais de renda, as mudanas nos padres de produo e consumo, entre outras. Nesse contexto, os grupos socialmente vulnerveis, entre estes, os idosos, so entendidos como parceiros para o desenvolvimento sustentvel. No que se refere defesa dos consumidores idosos, alm do Cdigo de Defesa e Proteo do Consumidor, outras iniciativas foram levadas a cabo para a proteo especfica desse subgrupo. Pode-se citar, por exemplo, a Lei Federal 8.926, de 8 de agosto de 1994, que tornou obrigatria a incluso de advertncias e recomendaes nas bulas de medicamentos sobre seu uso por pessoas com mais de 65 anos de idade.4 AS POLTICAS SETORIAIS

Por polticas setoriais esto se considerando aqui, as polticas de renda (previdncia e assistncia social),17 sade, cuidados de longa permanncia e integrao social. So muitas as interfaces entre essas polticas. A ateno sade junto com o acesso16. Documento elaborado por governos e instituies da sociedade civil de 179 pases aprovado na Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad), em 1992, no Rio de Janeiro. 17. Avaliao dessas duas polticas so objeto de vrios trabalhos neste livro [ver Oliveira et alii; Beltro et alii, Delgado e Cardoso Jr. e Saboia.

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a renda atuam na promoo de maior independncia fsica, psicolgica e/ou financeira dos idosos. J os cuidados de longa permanncia so requeridos para aqueles que apresentam algum tipo de limitao fsica, mental ou econmica. As polticas de integrao social perpassam todas as demais questes. Buscam construir um entorno favorvel, onde os idosos possam desenvolver suas potencialidades e colaborar com o desenvolvimento e o crescimento da sociedade.4.1 Polticas de Renda

Um dos determinantes da qualidade de vida dos idosos o seu acesso a recursos monetrios. Como salienta Guzmn (2002), o acesso a renda permite, alm da garantia de padres mnimos de qualidade de vida, a ajuda s geraes mais jovens e a adoo de uma posio mais altrusta que lhes d um maior sentido a suas vidas, inclusive experimentando maior valorizao dentro da famlia e na sociedade. Os principais benefcios pecunirios a que os idosos brasileiros tm acesso, hoje, fazem parte da poltica de seguridade social18 delineada na Constituio de 1988. Pode se falar na existncia de trs regimes de previdncia social e um de assistncia social. O primeiro composto por benefcios de carter contributivo dirigido aos trabalhadores urbanos da iniciativa privada (RGPS)19 e outro para os servidores pblicos (RPPS). Estes, quando institudos, faziam parte de uma poltica de criao de uma carreira de Estado e na sua criao eram no-contributivos para a aposentadoria. A contribuio era devida apenas para o pagamento da penso por viuvez. A partir de 1993, esse regime passou a ser de natureza totalmente contributiva.20 Para os idosos mais necessitados, conta-se com um regime de assistncia social, mencionado neste trabalho e em outros neste livro.22 Entre os dois situam-se os benefcios da previdncia rural, cuja elegilidade est condicionada ao trabalho no meio rural. So teoricamente contributivos, mas na prtica o seu financiamento origina-se, principalmente, das contribuies urbanas.2321

Vrios trabalhos deste livro apontam para os efeitos no esperados da implementao das mudanas constitucionais relativas s polticas de renda nas18. A Constituio de 1988 tambm incluiu sade dentro da seguridade social. 19. Previdncia social, Constituio Federal, artigo 201. 20. A natureza contributiva do RPPS foi regulamentada por meio da Ementa Constitucional, 3, de 1993. Para os servidores civis da Unio, foi estabelecida uma alquota de contribuio de 11% sobre a totalidade da remunerao. Os militares, os servidores do Legislativo e do Judicirio contam com regimes especiais. 21. Assistncia social, Constituio Federal, artigo 203. 22. Ver, neste livro, Saboia. Alm deste, ver Beltro, Camarano e Melo (2004) e Pasinato (s.d.). 23. Na realidade, existe uma pequena proporo de trabalhadores rurais que contribuem diretamente para a previdncia social. Alm disso, foi estipulada uma contribuio legal que consiste em uma alquota sobre a primeira comercializao do produto agrcola (2,5%). O comprador responsvel por pag-lo. Para mais detalhes, ver Beltro, Camarano e Mello (2004).

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condies de vida dos idosos, de suas famlias, especialmente, na reduo da pobreza e do seu entorno no sentido mais amplo.24 Estima-se que aproximadamente 16,7 milhes de famlias sejam beneficiados pela seguridade social. Esse alto valor caracteriza essas aes como uma poltica social moderna, capaz de resolver, pelo menos parcialmente, a questo da pobreza entre os idosos brasileiros [ver Barros, Mendona e Santos (1999), Camarano (2003), entre outros]. Entretanto, o financiamento da seguridade social uma questo noequacionada. Perspectivas para a sua viabilidade futura tm sido objeto de intensos debates. Parece claro que as tradicionais maneiras de financi-la no sero suficientes para lidar efetivamente com a populao idosa do futuro crescendo a taxas relativamente elevadas, em um contexto de crescente informalizao do mercado de trabalho e de baixo crescimento econmico. Ao longo da dcada de 1990,25 o Estado brasileiro se empenhou em promover progressivos ajustes ao sistema de previdncia social, tendo, nos ltimos anos, redefinido alguns parmetros dos regimes, tanto no que se refere ao RGPS quanto ao RPPS, com o intuito de restringir o acesso aos benefcios, principalmente por meio de postergao da idade de requerimento do benefcio, e, tambm, de atrelar o recebimento do beneficio contribuio. A reforma previdenciria de 1998 (Emenda Constitucional, 20) modificou ambos os regimes (RGPS e RPPS) atravs da transformao da aposentadoria por tempo de servio em aposentadoria por tempo de contribuio26 e da eliminao da aposentadoria por tempo de servio proporcional com a adoo de uma regra de transio para os j participantes dos sistemas. A fixao de um limite mnimo de idade, de 55 anos para as mulheres e de 60 anos para os homens, para o requerimento da aposentadoria por tempo de contribuio, no entanto, ficou restrita ao funcionalismo pblico.27 Por outro lado, a Ementa Constitucional, 20 retirou24. Ver, neste livro, por exemplo, Saboia, Delgado e Cardoso Jr., e Beltro et alii, para uma anlise de impacto dos benefcios de previdncia rural e assistenciais na renda das famlias, e Camarano et alii, para avaliao dos demais benefcios. 25. Na verdade, ajustes ao sistema tm sido uma constante na sua histria. Um dos exemplos o aumento da alquota de contribuio paga pelos empregadores. Esta passou de 3% em 1930 para em torno de 22% (dependendo da atividade da empresa) da folha de salrios nos dias atuais. Mudanas freqentes resultam em perda da credibilidade do sistema, porque tm atingido toda a populao participante. Ajustes devem ser feitos, dadas as constantes mudanas demogrfica na estrutura de mercado de trabalho, no ritmo de crescimento da economia, mas para os futuros ingressantes. 26. No caso dos servidores pblicos, implicou a eliminao da contagem de tempo fictcio. Por exemplo, licena-prmio no gozada era contada em dobro para fins de aposentadoria. 27. O texto previu regras de transio para os participantes do sistema, que consistiu de um adicional de 20% do tempo ainda restante para a aposentadoria integral na data da promulgao da emenda ou de 40% no caso da aposentadoria proporcional. Foi tambm estabelecido um limite mnimo de idade de 48 anos para mulheres e 53 anos para homens durante a transio. Esse limite foi mantido para os trabalhadores do setor privado apenas para os benefcios proporcionais. No se estabeleceu um limite de idade para o requerimento do benefcio integral para os trabalhadores do setor privado.

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do texto constitucional a regra de clculo dos benefcios de aposentadoria por tempo de contribuio e por idade para os trabalhadores da iniciativa privada. Isso permitiu, que com a aprovao da Lei 9.876 em 1999, a regra para o clculo desses benefcios fosse alterada atravs da criao do fator previdencirio.28 De acordo com Oliveira, Guerra e Cardoso (2000), essa frmula representa um mecanismo importante redutor dos dficits do sistema previdencirio, apesar de gerar crescentes iniqidades, principalmente de gnero. Comparada com a situao vigente no momento da reforma, a nova frmula reduz os benefcios masculinos em 33,9% e os femininos em 43,9%. Alm disso, como mostrado neste livro por Beltro et alii, a reforma j conseguiu alguns resultados no sentido de postergar a idade aposentadoria. Pretendeu-se com a Ementa Constitucional, 41, de 2003, promover a eqidade entre os regimes (RGPS e RPPS). No entanto, estes ficaram ainda mais distanciados. Para o funcionalismo pblico, as principais medidas aprovadas foram: a reduo do valor da penso por morte, introduo da contribuio dos inativos para os que recebem aposentadorias superiores a R$ 2.400, reduo de 5% no valor das aposentadorias proporcionais para cada ano que o servidor deseje antecipar o requerimento do benefcio.29 Para os trabalhadores do setor privado, a alterao verificada refere-se ao aumento do teto de contribuio. Isto, por um lado, implica um incremento das receitas no curto prazo, ao aumentar a base de incidncia das contribuies.30 Por outro lado, no resolve a questo do equilbrio oramentrio no longo prazo, j que os valores dos benefcios tambm sero calculados sobre patamares mais altos. A legislao dos benefcios rurais no experimentou nenhuma mudana desde a regulamentao dos dispositivos constitucionais em 1991. Por outro lado, a implementao das diretrizes da Loas, como mencionada anteriormente, tem resultado num aumento expressivo na demanda por benefcios assistenciais. O limite de idade para esses benefcios foi reduzido de 70 anos para 67 anos em 1998. Como resultado, o nmero de benefcios assistenciais em manuteno cresceu de 88.085 para 311.177, entre 1997 e 1999. Em janeiro de 2004, a idade mnima foi reduzida para 65 anos. Isso j provocou um impacto no crescimento do fluxo de novas concesses. Comparando-se os quatro primeiros meses de 2003 com igual28. Para a aposentadoria por idade facultativa a adoo do fator previdencirio. 29. Vlida apenas para os j participantes do regime. Altera as regras de transio da emenda constitucional 20, que extinguiu o benefcio proporcional. 30. Na verdade, o aumento das receitas de contribuio no curto e mdio prazos no muito expressivo, pois se refere apenas parte do empregado. As empresas j contribuam sobre a totalidade dos salrios de seus empregados.

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perodo em 2004, nota-se um aumento de mais de trs vezes no volume das concesses de novos benefcios assistenciais [ver Beltro, Camarano e Mello (2004)]. Tem-se observado, tambm, uma concomitante tentativa de reestruturao do marco legal do regime de previdncia complementar, como forma de promover o setor e possibilitar a criao de uma cultura de previdncia privada. Assume-se ser esta necessria para o desenvolvimento e expanso dos mercados financeiros e para a criao de incentivos formao de poupana para investimentos produtivos com prazos longos de maturao. A anlise do debate sobre a crise do sistema previdencirio e as medidas dele decorrentes tm se pautado, no s no Brasil, por uma viso da crise como de natureza exclusivamente contbil, e uma insolvncia de fato ou iminente a sua nica motivao. As duas reformas em curso nos anos 1990 no levaram em conta as transformaes no mercado de trabalho, tais como a retrao do emprego, a informalizao generalizada e a precarizao em que a alternncia entre a condio de trabalhador ocupado e desocupado cada vez mais freqente, tornando impossvel para os indivduos honrarem as obrigaes em geral e, portanto, com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Algumas conseqncias j podem ser antecipadas: a no soluo da questo do financiamento e o aumento da presso sobre os benefcios assistenciais. O trabalho mencionado de Oliveira et alii, neste livro, apresenta, tambm, uma previso de necessidades adicionais de financiamento do sistema. A depender do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e dos reajustes do salrio mnimo, a proporo dessas necessidades pode variar de 1,3% a 3,9% do PIB em 2030. Considerando que o financiamento da assistncia social advm do oramento da seguridade social, pouco provvel que todos esses trabalhadores sem condio de se aposentar venham a ser cobertos pela assistncia social. Quer dizer, teme-se que as reformas contribuam para o aumento da vulnerabilidade dos idosos do futuro.31 Parece claro, portanto, que as tradicionais maneiras de financiar a seguridade social no sero suficientes para lidar efetivamente com a populao idosa do futuro em um contexto de crescente informalizao da economia. A busca de soluo para o seu financiamento deve levar em conta outras formas de captao de recursos, bem como de sua distribuio. Alm disso, sugere-se que qualquer31. A preocupao com os impactos que as reformas empreendidas em vrios pases da Amrica Latina possam vir a ter no aumento das demandas por benefcios assistenciais j foi manifestada em um documento do Banco Mundial (2004). Essa preocupao baseia-se na observao do crescimento da proporo da populao ocupada no-contribuinte para o sistema de pases com longa tradio previdenciria, como a Argentina.

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tentativa de mudana do sistema atual considere os efeitos no-esperados dos avanos da seguridade social nas condies de vida dos idosos, de suas famlias e do seu entorno no sentido mais amplo, o que est bastante documentado em vrios captulos deste livro.4.2 Polticas de Sade

Os padres de morbimortalidade da populao idosa diferem radicalmente dos observados para o restante da populao, o que requer que estes sejam alvo de polticas de sade especiais. Caracterizam-se, primordialmente, por enfermidades crnicas, que resultam em um consumo maior de consultas mdicas, internaes hospitalares (nmero e tempo de permanncia), exames peridicos, medicamentos etc.32 Por outro lado, desde 1997, a OMS tem recomendado que os programas de envelhecimento e sade considerem o envelhecimento como uma parte do ciclo vital, o que implica no considerar os idosos como um grupo esttico, separado do resto da populao [Sayeg e Mesquita (2002)]. O crescimento nas despesas com sade provocadas pelo envelhecimento e a necessidade de promoo da sade com vistas ao envelhecimento ativo coloca um desafio para as autoridades sanitrias, especialmente no que tange implantao de novos modelos e mtodos de planejamento, gerncia e prestao de cuidados [Veras (2003)]. Esta subseo est dividida em duas partes. Inicia-se com uma descrio do sistema de sade brasileiro e, na segunda, apresentam-se as principais estratgias do governo brasileiro no campo da sade do idoso.4.2.1 O sistema de sade brasileiro

O atual sistema de sade no Brasil baseia-se em trs formas de contratao de servios: a) pblico, com servios prestados pelo SUS cuja cobertura universal; b) planos de sade privados pr-pagos por empresas, famlias e indivduos (clientela fechada); e c) contratao direta dos servios pelos indivduos. A ateno sade passou a ser universal e de responsabilidade do Estado com a promulgao da Constituio de 1988. Anteriormente, o MS responsabilizava-se pelas aes do tipo preventivas para toda a populao. Os demais servios de32. Para uma anlise dos custos de sade para a populao idosa brasileira, consulte, neste livro, o captulo de Andr Nunes.

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sade (aes de natureza curativa) faziam parte dos servios oferecidos aos segurados dos planos de previdncia pelo Instituto de Assistncia Mdica da Previdncia Social (Inamps). Alguns estabelecimentos filantrpicos prestavam servios a famlias pobres e a indigentes [Marques (1999)]. De maneira geral, pode-se dizer a poltica de sade brasileira exclua os trabalhadores rurais e os do setor informal urbano, alm dos pobres e indigentes. Era dirigida, particularmente, aos trabalhadores do setor formal, o que caracterizava, segundo Santos (1979),33 a poltica social brasileira de at ento, uma poltica de cidadania regulada. O direito a um servio de sade dependia da posse de uma carteira de trabalho. A Constituio de 1988 reformou o sistema de sade por meio da criao do SUS. A sade passou a ser definida como um direito de todos e dever do Estado. Foram estabelecidos os princpios, as diretrizes e a organizao das aes e servios de sade. As principais diretrizes foram: descentralizao das aes e servios com direo nica em cada esfera do governo; integralidade no atendimento com prioridade para as atividades preventivas; e participao da comunidade como mecanismo para efetivar o controle social do sistema. De acordo com Marques (1999), no obstante a inteno do Estado brasileiro de estabelecer um nico sistema de sade, o que se tem na prtica so dois ou mais sistemas funcionando, o que resulta em uma segmentao de assistncia. Um dos resultados a institucionalizao de um modelo dual de bem-estar social, representado por dois plos: os trabalhadores dos setores econmicos de ponta cobertos pelo sistema privado de sade e os trabalhadores vinculados aos setores economicamente mais empobrecidos, os desempregados, que so os dependentes do sistema pblico de sade [Elias (1996)].34 difcil conhecer a proporo da populao brasileira que utiliza os servios de sade da rede pblica. Os suplementos especiais das pesquisas nacionais por amostra de domiclios (PNAD) de 1981 e 1998 perguntaram para as pessoas que foram hospitalizadas no ano anterior pesquisa em que rede hospitalar (pblica e privada) elas o fizeram. Reconhece-se a dificuldade da comparao temporal dessas informaes, pelo fato das mudanas no sistema de sade pblico, bem como na ampla disseminao dos planos de sade pr-pagos em curso no pas desde os anos 1980, aqui considerados como gastos privados e, ainda, pelo fato de o SUS tambm contratar servios na rede privada.35 Reis (2000) estimou que os gastos33. Apud Draibe (1989). 34. Apud Marques (1999). 35. Para uma bibliografia sobre a evoluo dos planos de sade, ver Oliveira, Beltro e Mdici (1993).

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privados dos idosos com sade so equivalentes a 8% do total de gastos privados com sade. Os avanos na poltica de sade brasileira no se ativeram apenas a sua universalizao e descentralizao. O Brasil conquistou tambm importantes avanos no campo da sade, com uma mudana do paradigma de atendimento. O modelo de atendimento passou de especializado e hospitalocntrico36 para um mais voltado para o atendimento primrio ou ateno bsica. As mudanas de paradigma expressaram-se entre outros fatores, pela adoo em 1991 do programa dos Agentes Comunitrios de Sade. Este evoluiu em 1994 para o Programa de Sade das Famlias (PSF). Incorpora agentes comunitrios e equipes compostas por mdicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem. A proposta do programa a de prestao de uma ateno a sade integral e contnua, o que possibilita a melhoria das condies de vida das famlias e a reduo das necessidades de hospitalizao e, conseqentemente, dos custos de sade. O PSF coloca a necessidade de uma ateno especial aos idosos. Essa ateno pode se efetivar atravs de medidas promocionais de proteo especfica, da identificao precoce dos agravos de sade mais freqentes e sua interveno, bem como por medidas de reabilitao voltadas para evitar a sua separao do convvio familiar e social [Silvestre e Costa Neto (2003)]. Isso representa um avano em termos de um modelo de sade, pois como salientado por Lloyd-Sherlock (2002), os idosos so normalmente associados a doenas crnicas e tratamentos dispendiosos sem que se leve em considerao as potenciais contribuies que um atendimento primrio de sade possa ter para a reduo dos custos. Os presumidos elevados custos de sade da populao idosa so, em parte, decorrentes do modelo de sade adotado. Os custos de se financiar uma populao idosa com uma alta incidncia de doenas crnico-degenerativas sero muito maiores do que o de financiar uma populao ativa e saudvel. Quer dizer, a forma como os servios de sade so organizados numa sociedade um determinante importante desses custos [Lloyd-Sherlock (2002)]. Medidas preventivas na rea da sade,37 como, por exemplo, as voltadas para o envelhecimento saudvel e para a manuteno da capacidade funcional, podem melhorar a qualidade de vida da populao idosa e postergar a demanda pelos cuidados de longa permanncia.36. Este tipo de modelo trazia poucos resultados na soluo dos problemas de sade da grande maioria da populao, dado seu alto custo, sua baixa cobertura e sua distncia do quadro nosolgico real [Oliveira, Beltro e Mdici (1993,p.52)]. 37. Estima-se, por exemplo, que a diminuio de hospitalizaes no perodo de inverno dos anos de 2000 e 2001, devido s campanhas de vacinao contra gripe, seja da ordem de 77,6% segundo os dados do MS [Brasil (2002)].

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4.2.2 A poltica nacional de sade dos idosos

Como mencionado, a Poltica Nacional de Sade do Idoso foi criada pelo MS como parte da PNI, em 1999. Essa poltica considera que o principal problema que pode afetar o idoso, como conseqncia da evoluo de suas enfermidades e de seu estilo de vida, a perda de sua capacidade funcional, isto , a perda das habilidades fsicas e mentais necessrias para a realizao de suas atividades bsicas e instrumentais da vida diria [MS (2002, p. 15)]. Levando isso em considerao, as principais diretrizes traadas foram: promoo do envelhecimento saudvel; manuteno da capacidade funcional; assistncia s necessidades de sade do idoso; reabilitao da capacidade funcional comprometida; capacitao de recursos humanos especializados; apoio ao desenvolvimento de cuidados informais; e apoio a estudos e pesquisas sobre o tema. De acordo com a PNI, cabe ao setor sade prover o acesso dos idosos aos servios e s aes voltadas a promoo, proteo e recuperao da sade; o desenvolvimento da cooperao entre as esferas de governo e entre os centros de referncia em geriatria e gerontologia; a incluso da geriatria como especialidade clnica para efeito de concurso pblico; e a realizao de estudos e pesquisas na rea.4.3 Cuidados de Longa Permanncia

Cuidados de longa permanncia dirigem-se aos idosos que perderam parte de sua autonomia fsica e mental e a famlia no possui meios financeiros, fsicos ou emocionais para a prestao dos cuidados necessrios. Em geral, so os mais idosos. As aes governamentais nessa modalidade de ateno so, quase sempre, de carter assistencial. So formuladas em nvel federal, mas executadas, na sua maioria, de forma descentralizada em parcerias que envolvem os estados, os municpios e a sociedade civil. O papel do Estado consiste em prover os servios para os idosos de baixa renda,38 regular e fiscalizar as instituies privadas que prestam esses servios. Cuidar de pessoas com necessidades especiais, como idosos dependentes, no uma tarefa nova. O que se observou ao longo do sculo XX foi uma progressiva transferncia de uma atividade tradicionalmente desenvolvida no espao privado das famlias para o espao pblico ou estatal. Isso pode ser atribudo ao aumento da participao da mulher na fora de trabalho, o que reduz as suas possibilidades de cuidadora natural; as transformaes observadas nos ncleos familiares, onde se destaca a quebra dos laos de solidariedade familiar associada ao processo de migrao e urbanizao, a reduo do tamanho das famlias e o38. Idosos com 65 anos ou mais que no possuam meios para prover sua prpria subsistncia ou de t-la provida por sua famlia.

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surgimento de grandes instituies hospitalares e/ou assistenciais para a prestao de servios de ateno integral aos idosos, tais como asilos, albergues, abrigos ou casas de repouso [Wanderley et alii (1998)]. Cuidados institucionais no constituem uma prtica generalizada nas sociedades latinas. No entanto, a demanda por esse tipo de cuidado est aumentando em todo o mundo como resultado das transformaes j citadas.39 As restries a essa prtica so de vrias ordens: custos financeiros e sociais elevados e baixa eficincia e eficcia dessa modalidade de ateno em relao aos seus benefcios. consenso entre as mais variadas especialidades cientficas que a permanncia dos idosos em seus ncleos familiares e comunitrios contribui para o seu bem-estar. O texto constitucional brasileiro de 1998 assinala como preferencial que os programas de amparo aos idosos sejam executados em seus lares.40 Ao envelhecer, os indivduos defrontam-se com vrias rupturas, tais como a aposentadoria, a viuvez, a morte de amigos e a proximidade de sua prpria morte. O quadro pode ser agravado se parte dos idosos for acometida por reduo na sua capacidade de execuo das atividades da vida diria (AVD), o que compromete a sua autonomia. No mbito da PNI, em 2001, a Secretaria de Estado de Assistncia Social estabeleceu normas de funcionamento de servios sociais de atendimento ao idoso brasileiro. Uma das propostas foi a mudana dos paradigmas nas vrias modalidades de atendimento, definindo parcerias, promovendo a integrao intersetorial e a co-responsabilidade do Estado, da sociedade e da famlia.41 As novas formas de organizao dos servios de ateno aos idosos levam em conta as necessidades dos idosos, sejam elas funcionais, financeiras e/ou sociais. Podem ser agrupadas, segundo Diogo e Duarte (2002), em trs modalidades, que variam de acordo com o local em que so operacionalizadas: a) Ambiente domiciliar Com o objetivo de estimular a permanncia do idoso com algum nvel de dependncia na sua prpria famlia42 ou em famlias que estejam dispostas a acolher idosos abandonados pela famlia natural,43 a estratgia adotada a oferta de uma39. Em alguns pases do mundo desenvolvido, polticas tm sido desenvolvidas para ampliar a cobertura dos cuidados de longa permanncia para a populao idosa. Na Alemanha (1994) e no Japo (2000), por exemplo, foram criados seguros obrigatrios [OShaughnessy (2002)]. Nos pases com sistemas de proteo social mais amplos, como os escandinavos, alm de uma tradicional maior disponibilidade de servios sociais (creches, asilos, atendimentos domiciliares), previsto um benefcio pecunirio para os cuidadores dos idosos, como forma de recompor as perdas decorrentes de seu afastamento do mercado de trabalho [Denmark (2002)]. 40. Pargrafo 1 do artigo 230, da Constituio Federal de 1988. 41. Portaria 73, de 10 de maio de 2001, da Secretaria de Estado de Assistncia Social do MPAS. 42. Modalidade residncia em famlia natural. 43. Modalidade residncia em famlia acolhedora.

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suplementao financeira famlia com recursos insuficientes para a manuteno do idoso e visitas domiciliares de cuidadores especializados. Ainda dentro dessa modalidade de cuidado no ambiente domiciliar, uma outra alternativa, vislumbrada no programa, a de residncia em repblicas. uma alternativa para idosos independentes. b) Ambiente comunitrio Nessa modalidade, so oferecidas moradias no caso de residncia em casa-lar, atendimentos prestados durante todo o dia nos centros-dia e desenvolvimento de atividades que promovam a sociabilidade em centros de convivncia. No primeiro caso, encontram-se alternativas de residncia para pequenos grupos de idosos, que esto ss ou afastados do convvio familiar e com renda insuficiente para a sua sobrevivncia. Os centros-dia so um programa de ateno integral s pessoas idosas que, por suas necessidades e/ou de seus familiares, no podem ser atendidas nos seus prprios domiclios. Possibilita pessoa idosa ser atendida durante o dia e retornar noite para sua residncia, propiciando a manuteno dos vnculos familiares, a sua socializao a custos financeiros mais baixos do que o atendimento institucional. Os centros de convivncia consistem em atividades que visam ao fortalecimento de atividades associativas, produtivas e de promoo da sociabilidade. Visam contribuir para a autonomia, o envelhecimento ativo e saudvel, a preveno do isolamento social e a gerao de renda. Em parceria com o governo federal, o Sesc implementou centros de convivncia em 25 estados brasileiros, atendendo aproximadamente a 100 mil idosos.44 c) Ambiente integral institucional So atendimentos prestados por instituies asilares, prioritariamente, aos idosos sem famlia, em situao de vulnerabilidade. So oferecidos servios de ateno biopsicossocial, em regime integral, priorizando o vnculo familiar e a integrao comunitria. So classificados em submodalidades de acordo com a forma do atendimento: Modalidade I. Destinada a idosos independentes para as atividades da vida diria, mesmo que necessitem utilizar algum equipamento de auto-ajuda. Modalidade II. Dirigida a idosos dependentes e independentes que necessitem de ajuda e cuidados especializados, com acompanhamento e controle adequado de profissionais da rea da sade.44. Acessvel em: , em 30/7/2004.

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Modalidade III. Voltada para idosos dependentes que necessitem de assistncia total em, pelo menos, uma atividade da vida diria. De acordo com o MDS (atual ministrio responsvel pelo programa) o programa de atendimento pessoa idosa descrito atendeu, em 2002, a 306.703 famlias de idosos, o que correspondeu a aproximadamente 2,5% do total de famlias com idosos. Em relao a 2001, observou-se um incremento de 5,6 mil famlias atendidas. De acordo com dados da Gerncia de Ateno Pessoa Idosa do MDS, existem, atualmente, 24.964 idosos institucionalizados nas redes conveniadas com o ministrio. A legislao brasileira relativa aos cuidados da populao idosa bastante avanada. No entanto, a prtica tem se mostrado pouco satisfatria. Em 2002, a Comisso de Direitos Humanos da Cmara dos Deputados publicou o relatrio intitulado V Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma Amostra da Realidade dos Abrigos e Asilos de Idosos no Brasil. De acordo com o relatrio, existiam aproximadamente 19 mil idosos institucionalizados em todo o pas, o que representa aproximadamente 0,14% do total de idosos brasileiros. No entanto, como salientado pelo documento, de se esperar que esse nmero seja bastante maior se se levar em conta que muitas das instituies asilares no so cadastradas e, possivelmente, grande parte delas funcione na clandestinidade. A maior ausncia do poder pblico no reside, no entanto, na insuficincia presumida do nmero de vagas existentes e sim nas pssimas condies em que se encontram essas instituies, ou seja, na falta de uma superviso adequada.45 Um avano importante do Estatuto do Idoso (artigo 35) foi o de estabelecer a obrigatoriedade de se firmar um contrato de prestao de servios entre as entidades (asilos e similares) e os idosos. Foi facultada s instituies a cobrana de contribuies por parte dos idosos, mas limitada a 70% da sua renda. Em um contexto de baixa cobertura dos programas de cuidados institucionais, como o Brasil, a preparao da famlia para o cuidado dos idosos destaca-se como uma alternativa mais vivel, principalmente, em virtude da escassez de recursos financeiros. Tanto a PNI quanto a Poltica Nacional de Sade do Idoso enfatizam a necessidade de que os cuidadores informais recebam treinamentos bsicos referentes a cuidados com a higiene pessoal, medicao de rotina etc. Alm disso, salientam a45. Ver um pargrafo da apresentao do referido relatrio de autoria do Deputado Marcos Rolim: Muitas dessas casas so, apenas, pequenos e modestos empreendimentos privados pelos quais seus proprietrios auferem renda. Para isso, apropriam-se das aposentadorias e penses e outros benefcios dos internos; muitas vezes manipulando diretamente os cartes bancrios de seus clientes e a generosidade da comunidade envolvida em campanhas beneficentes. Outras instituies manifestam o resultado de um esprito filantrpico que se imaginou auto-suficiente. Nesses casos, a boa inteno costuma ser rapidamente ultrapassada pelas carncias e dificuldades oferecidas aos prprios internos por conta da ausncia absoluta de qualquer profissionalismo, seja na administrao da Casa, seja no cuidado com os idosos. Tanto numa quanto noutra situao, o que temos so depsitos de pessoas desassistidas.

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necessidade da formao de ncleos de apoio, que permitam a troca de experincias entre os cuidadores, com vistas a evitar tanto o isolamento dos idosos quanto dos prprios cuidadores. A preparao da famlia para o cuidado dos idosos conta com a participao ativa da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), atravs da Pastoral da Terceira Idade. A Pastoral da Terceira Idade da Diocese de Cornlio Procpio, por exemplo, realiza, desde 1996, o curso de cuidador informal de idosos com o objetivo de orientar familiares de idosos dependentes. A Pastoral da Terceira Idade realiza, tambm, um servio de acompanhamento domiciliar, mensal, atravs dos lderes comunitrios, encaminhando, quando necessrio, os idosos para a rede bsica de sade ou outras entidades. O programa procura orientar os idosos sobre a importncia das atividades fsicas e cuidados bsicos com a alimentao e sade. No ltimo trimestre de 2003, o programa atendia a 1.380 comunidades, em 23 dos 27 estados brasileiros, com um acompanhamento mensal de 33.215 idosos em 25.263 famlias [CNBB (2004)]. Em relao a 2001, observou-se um acrscimo de 549 comunidades, 10 estados, 12.519 idosos e 9.348 famlias beneficiadas. Nesse ltimo ano, aproximadamente 1/3 das pessoas que trabalhavam no programa era voluntrio com mais de 60 anos de idade [Brasil (2002)]. Uma outra experincia pioneira de assistncia domiciliar no pas foi a do Hospital do Servidor Pblico Estadual de So Paulo. No incio dos anos 1990, a equipe gerontogeritrica desse hospital implantou medidas para a preparao do paciente e do familiar acompanhante durante o perodo de internao, visando alta futura e aos cuidados especiais que esta requereria. O modelo vem sendo aprimorado e implementado em diversas instituies pblicas e privadas em todo o pas [Yuaso (2002)].4.4 Integrao Social

Polticas pblicas com vistas integrao social dos idosos tambm podem ser entendidas como parte de um programa de promoo de um envelhecimento saudvel e ativo como preconizado pelos Planos de Ao para o Envelhecimento de Viena e Madri. A incorporao de estratgias de integrao social em um plano de ao para a populao idosa relativamente nova [Zunzunegui et alii (2003)]. Essas estratgias pressupem que a ltima etapa da vida deve ser desfrutada em condies de estabilidade econmica e pessoal, atravs de uma ativa participao na vida familiar e social e com uma boa avaliao da prpria sade. Essa viso contrape-se ao esteretipo de que a idade avanada apenas uma fase da vida marcada pela senescncia e preparao para a morte.

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Algumas das aes que visam a esse objetivo so as iniciativas de associativismo, que apresentam um alto grau de interao do Estado com a sociedade civil. As experincias podem ser entendidas desde a esfera das relaes de trabalho, como, por exemplo, as associaes de aposentados, at a promoo das relaes intergeracionais. Esta subseo descreve as estratgias de ao referentes integrao social dos idosos em trs reas: educao e cultura, esporte e turismo e atividades relacionadas s associaes de aposentados e pensionistas.4.4.1 Educao e cultura

As principais atividades consideradas nesta subseo so aes voltadas para a educao complementar, que visam suprir as carncias na formao dos idosos e as que buscam o seu aperfeioamento profissional e valorizao social. O primeiro espao para a realizao de atividades educativas e culturais voltadas para os idosos no Brasil surgiu no Sesc de So Paulo em 1963. A primeira escola aberta para a terceira idade ocorreu por iniciativa do corpo tcnico desse mesmo Sesc, projeto iniciado em 1977. Essa equipe j contava com a experincia de um centro de convivncia, uma iniciativa tambm pioneira do Sesc. Contou com o apoio da Universidade de Toulouse primeira universidade aberta para a terceira idade no mundo [Nunes (2000)]. Escolas e universidades abertas para a terceira idade so espaos voltados para a congregao da populao idosa. Tem por objetivos a valorizao do idoso e a criao de uma imagem positiva que resgate o seu conhecimento como fonte de saber e a abertura de possibilidades para a ampliao de sua escolaridade em um sentido amplo. Guerreiro (1993)46 ressalta que: Alm dos conhecimentos ali ministrados e a possibilidade de uma profissionalizao, a Universidade para a Terceira Idade cria o que se poderia chamar de uma cultura da terceira idade(...). O termo cultura da terceira idade um conjunto de valores e prticas voltados para a demonstrao de que possvel ser jovem em qualquer idade. Consta do registro do Ministrio da Educao a existncia, em 2002, de 85 instituies de nvel superior envolvidas com o desenvolvimento de atividades voltadas para a terceira idade no Brasil. Destas, 52 so pblicas e 33 de iniciativa privada. A maior parte est localizada na regio Sudeste [Brasil (2002)]. Oportunidades para o desenvolvimento de habilidades individuais e de gerao de renda, como, por exemplo, as atividades artesanais, so incentivadas pelas Secretarias de Assistncia Social (e congneres) dos estados e municpios da regio Nordeste.46. Apud Debert (1999).

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As atividades ldicas tambm se apresentam como importantes mecanismos de integrao da populao idosa. Em 1993, por exemplo, o Sesc desenvolveu o projeto Era uma vez..., que apresenta um carter socioeducativo de integrao intergeracional crianas, jovens e idosos tendo por fio condutor a literatura infantil. Em 2000, esse projeto j tinha sido implementado em 13 departamentos regionais do Sesc [CRE (2000)]. A internet j aparece como uma rede alternativa de integrao social para a populao idosa. Os idosos tm sido, tambm, solicitados a responder s demandas tecnolgicas e, principalmente, do mundo digital e computacional. Ainda que a percentagem da populao com acesso ao microcomputador seja pequena, especialmente nessa faixa etria, so vrios os portais de informao destinados a esse pblico. Os stios direcionados para a terceira idade prestam informaes sobre os mais variados assuntos: esttica, direito dos idosos (inclusive as especificidades legais), benefcios sociais (aposentadorias e penses), turismo, cultura e lazer, salas de bate-papo onde os idosos podem trocar suas experincias etc. Em todos os programas analisados, no entanto, verifica-se um vis de gnero. Debert (1999, p. 139), referindo-se experincia brasileira, ressalta que os programas de convivncia para a terceira idade mobilizam, sobretudo, o pblico feminino. A participao masculina raramente ultrapassa os 20% e o entusiasmo manifestado pelas mulheres na realizao das atividades propostas contrasta com a atitude de reserva e indiferena dos homens. Essa desproporo tem preocupado os estudiosos dos programas, que apontam, com razo, os limites das explicaes que se reduzem a constatar que as mulheres vivem mais do que os homens. Os idosos contam tambm com uma srie de descontos em atividades culturais e artsticas. Embora isso j fosse uma prtica em vrios municpios e estados brasileiros, o Estatuto do Idoso ampliou para todo o territrio nacional um desconto de pelo menos 50% sobre o valor dos ingressos para eventos artsticos, culturais, esportivos e de lazer, alm do acesso preferencial aos locais dos eventos (Estatuto do Idoso, artigo 23).4.4.2 Associaes de aposentados e pensionistas

O trabalho nas sociedades industriais uma das mais importantes formas de integrao social. Nesse sentido, a participao dos idosos em associaes de aposentados representa uma forma importante de manuteno de seu vnculo com o mercado de trabalho. Como salientado por Simes (2000), as manifestaes de protesto contra o arrocho dos benefcios previdencirios, ocorridas entre 1991 e 1992 (a mobilizao pelos 147%, como ficou conhecida) transformaram os idosos aposentados e pensionistas na maior categoria profissional do pas.

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As associaes de aposentados e pensionistas surgiram em funo da desagregao dos interesses dos trabalhadores ativos e inativos das categorias profissionais quando da unificao do sistema previdencirio. No entanto, a sua estrutura mantm a mesma conformao da organizao sindical brasileira, de onde grande parte dos seus dirigentes egressa. A Confederao Brasileira de Aposentados e Pensionistas (Cobap) congrega, atualmente, aproximadamente 800 entidades filiadas por todo o territrio nacional entre federaes e entidades de base. As principais atividades dessas confederaes dizem respeito prestao de informaes sobre os direitos dos aposentados e sobre o andamento dos processos na justia.47 A participao de idosos em associaes de aposentados e pensionistas e/ou por categoria profissional, ao contrrio do observado em atividades como as dos centros de convivncia, dos clubes da terceira idade e das universidades da terceira idade, predominantemente masculina. Como salientado por Debert (1999), a obteno de dados sobre a participao feminina nesses movimentos no muito freqente, o que pode ser entendido como uma herana da baixa participao das mulheres no mercado de trabalho no passado recente.4.4.3 Esportes e turismo