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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E RELAÇÕES DE GÊNERO: VELHOS DILEMAS E NOVOS DESAFIOS Adriana de Andrade Mesquita 1 Resumo: Nos últimos anos, a temática do envelhecimento ganhou visibilidade. No Brasil, segundo o IBGE, a população idosa deve passar dos 25.966.260 milhões (12,11% do total), em 2016, para aproximadamente 58,4 milhões (26,7% do total), em 2060. As idosas possuem uma expectativa de vida maior que a dos homens, fenômeno conhecido por feminização da velhice. Hoje, elas vivem, em média, até os 79,31 anos, enquanto eles, até os 72,18 anos. E, em 2060, a expectativa de vida delas será de 84,4 anos, contra 78,03. Logo, a expectativa de vida é diferenciada entre mulheres e homens. Entretanto, a sociedade brasileira não está preparada para essa mudança do perfil populacional, apesar da criação de políticas voltadas para população idosa. Esse envelhecimento vem produzindo necessidades e demandas sociais que requerem respostas políticas. Por isso, o objetivo principal deste estudo é o de analisar o processo de envelhecimento da população brasileira na cena contemporânea, dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão alcançando dentro desse processo e dos dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. Dessa forma, iniciamos o trabalho apresentando o debate teórico do processo de envelhecimento. Em seguida, analisamos dados estatísticos, dando ênfase à questão do envelhecimento e gênero. Posteriormente, discutirmos sobre o processo de feminização do envelhecimento e a importância da teoria de gênero. E, por fim, expomos algumas considerações finais. Palavras-chave: Envelhecimento Populacional, Relações de Gênero, Mulheres Idosas, dilemas e desafios. Introdução O presente artigo tem como objetivo principal analisar o processo de envelhecimento da população brasileira na cena contemporânea, dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão alcançando dentro desse processo e dos dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. O interesse pelo tema parte da experiência como docente do curso de Serviço Social. Nesse processo, reflexões diversas são realizadas a partir dos debates estabelecidos na disciplina Gerontologia Social e Serviço Social, da discussão com alunos que fazem estágios em instituições de longa permanência ou casas de convivência, de orientações de monografia sobre a temática, da participação em oficinas, palestras, seminários sobre a temática, bem como dos contatos feitos com outros professores e profissionais que trabalham, direta ou indiretamente, com o envelhecimento. 1 Assistente Social formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Política Social pela Universidade Federal Fluminense e Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto de Economia. Professora assistente da Universidade Veiga de Almeida.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),

Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

ENVELHECIMENTO POPULACIONAL E RELAÇÕES DE GÊNERO:

VELHOS DILEMAS E NOVOS DESAFIOS

Adriana de Andrade Mesquita1

Resumo: Nos últimos anos, a temática do envelhecimento ganhou visibilidade. No Brasil, segundo

o IBGE, a população idosa deve passar dos 25.966.260 milhões (12,11% do total), em 2016, para

aproximadamente 58,4 milhões (26,7% do total), em 2060. As idosas possuem uma expectativa de

vida maior que a dos homens, fenômeno conhecido por feminização da velhice. Hoje, elas vivem, em

média, até os 79,31 anos, enquanto eles, até os 72,18 anos. E, em 2060, a expectativa de vida delas

será de 84,4 anos, contra 78,03. Logo, a expectativa de vida é diferenciada entre mulheres e homens.

Entretanto, a sociedade brasileira não está preparada para essa mudança do perfil populacional, apesar

da criação de políticas voltadas para população idosa. Esse envelhecimento vem produzindo

necessidades e demandas sociais que requerem respostas políticas. Por isso, o objetivo principal deste

estudo é o de analisar o processo de envelhecimento da população brasileira na cena contemporânea,

dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão alcançando dentro desse processo e dos

dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. Dessa forma, iniciamos o trabalho

apresentando o debate teórico do processo de envelhecimento. Em seguida, analisamos dados

estatísticos, dando ênfase à questão do envelhecimento e gênero. Posteriormente, discutirmos sobre

o processo de feminização do envelhecimento e a importância da teoria de gênero. E, por fim,

expomos algumas considerações finais.

Palavras-chave: Envelhecimento Populacional, Relações de Gênero, Mulheres Idosas, dilemas e

desafios.

Introdução

O presente artigo tem como objetivo principal analisar o processo de envelhecimento da

população brasileira na cena contemporânea, dando visibilidade ao lugar que as mulheres idosas estão

alcançando dentro desse processo e dos dilemas vividos e desafios que se apresentam as mesmas. O

interesse pelo tema parte da experiência como docente do curso de Serviço Social. Nesse processo,

reflexões diversas são realizadas a partir dos debates estabelecidos na disciplina Gerontologia Social

e Serviço Social, da discussão com alunos que fazem estágios em instituições de longa permanência

ou casas de convivência, de orientações de monografia sobre a temática, da participação em oficinas,

palestras, seminários sobre a temática, bem como dos contatos feitos com outros professores e

profissionais que trabalham, direta ou indiretamente, com o envelhecimento.

1 Assistente Social formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Política Social pela Universidade

Federal Fluminense e Doutora em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto de Economia.

Professora assistente da Universidade Veiga de Almeida.

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É fato presente que nunca se falou tanto em envelhecimento como nos últimos anos. E, isso

tem ocorrido por causa do processo de envelhecimento mundial da população. No caso brasileiro, a

população idosa, de pessoas acimas de 60 anos, que representava apenas 4%, em 1940, passa dos

12%, em 2016. Ou seja, a população brasileira envelhece numa grande velocidade. Entretanto,

devemos levar em consideração as particularidades histórica, cultural e social de cada país e sua

experiência com o processo de envelhecimento.

Nesse sentindo e para fins dessa pesquisa, partimos dos seguintes questionamentos: como a

temática do envelhecimento tem sido tratada pelas principais literaturas? Quais são as

particularidades dos indicadores demográficos brasileiros quanto à questão do envelhecimento? Qual

o lugar que a mulher idosa está adquirindo na sociedade brasileira? Quais são os dilemas e desafios

que se colocam à mulher idosa?

Assim sendo, organizamos o presente artigo da seguinte forma: em primeiro lugar,

apresentaremos o debate teórico sobre o processo de envelhecimento; em seguida, analisaremos dados

estatísticos sobre o envelhecimento populacional no Brasil, dando ênfase a questão de

envelhecimento e gênero; posteriormente, discutiremos sobre o processo de feminização do

envelhecimento e a importância dos estudos de gênero. E, por fim, exporemos algumas considerações

finais.

O envelhecimento como uma etapa natural da existência humana

Os estudos sobre o envelhecimento tem relação direta com o aumento da longevidade e do

crescimento do número de pessoas idosas ocorridos nos últimos anos. Esse tema de estudo vem sendo

explorado por pesquisadores, acadêmicos, formuladores de políticas públicas, epidemiologistas,

estatísticos e outros campos do conhecimento interessados pela temática. Isso pode ser verificado a

partir da vasta produção literária nacional e internacional que existe sobre o assunto. Mas, é

importante colocar que, ao contrário do que pensamos, não estamos falando de uma temática nova de

estudo.

Ao analisar as produções existentes, podemos perceber que o processo de envelhecimento e a

velhice são temas de estudos antigos, onde estudiosos de diversas áreas de conhecimento, em uma

fase inicial, os filósofos e os médicos, demonstraram interesse pelo tema já na Antiguidade (cf.

BEAUVOIR, 1970; NETTO, 2002; BEZERRA, 2012). Todavia, para problematizar o processo de

envelhecimento é devemos levar em consideração algumas dimensões de análise para que possamos

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compreender a velhice como uma das etapas da vida e, com isso, entender que envelhecer é um

processo intrínseco a todo ser humano, uma etapa natural da existência humana.

Na obra “A Velhice” (1970), Simone de Beauvoir mostra que as condições de vida dos idosos

eram objeto de estudo de diversas sociedades antigas, sendo a velhice compreendida como um

processo dinâmico, resultado do prolongamento da vida. A autora parte de inúmeros questionamentos

sobre a velhice: “o que é envelhecer?” “Em que consiste o processo de envelhecimento?” O que a

leva a conclusão de que se trata de uma realidade que não é fácil de definir e que estamos falando de

um fenômeno que é biológico, já que o organismo do idoso apresenta singularidades, mas também

cultural onde o sujeito se modifica com o tempo, na relação com o mundo e com sua própria história.

Dentro desta perspectiva de análise, a autora vai desenvolver seu pensamento acerca da velhice

pontuando que os estudos sobre a velhice devem levar em conta tanto os aspectos biológicos quanto

os culturais, pois “a velhice não poderia ser compreendida senão em sua totalidade; ela não é somente

um fato biológico, mas também um fato cultural” (BEAUVOIR, 1990, p. 16).

Para Camarano e Pasinato (2004), a classificação do idoso com base no ciclo de vida orgânico

dos indivíduos, deixa de levar em conta o curso de vida nas esferas social, econômica, afetiva,

política, familiar, entre outras experimentadas pela pessoa idosa. Assim, apontam que o conceito

idoso “envolve mais do que a simples determinação de idades-limite biológicas” e apresentariam, no

mínimo, três limitações. Em primeiro lugar, não leva em consideração a heterogeneidade entre

indivíduos no espaço, entre grupos sociais, raça/cor e no tempo. Em segundo, enfatizariam-se a

existência das características biológicas independente de outras características, como a cultural. E,

ainda, esqueceria a finalidade social do conceito de idoso. Logo, “a definição de idoso não diz respeito

a um indivíduo isolado, mas à sociedade como um todo. Assumir que a idade cronológica é o critério

universal de classificação para a categoria idoso é correr o risco de afirmar que indivíduos de

diferentes lugares e diferentes épocas são homogêneos”.

Nessa mesma lógica, Filho e Sarmento (2012) reafirmam que o envelhecimento deve ser

analisado como processo biológico, psicológico e social. Compreender o processo de envelhecimento

como um aspecto biológico resulta em considerar as mudanças no organismo, decorrente dos efeitos

da idade avançada. Mudanças como a perda da capacidade do indivíduo de manter o equilíbrio e a

diminuição de suas funções fisiológicas. O envelhecimento psicológico tem relação com a dificuldade

de adaptação a novos papéis, falta de motivação, baixa autoestima. E, o envelhecimento social é

relativo à mudança nos papéis sociais desempenhados no contexto que o indivíduo está inserido e que

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não consegue se adaptar às novas transformações. Por fim, o envelhecimento deve ser analisado sob

diversos prismas.

De tal modo, com base nos estudos citados, o envelhecimento pode ser compreendido como

um fator natural da vida do ser humano, e deve ser caracterizado e analisado a partir de múltiplas

dimensões de análises, sendo elas as biológicas, culturais, psicológicas, sociais. Dessa forma, deve-

se compreender que o é o envelhecimento é levar em conta a complexidade deste conceito e suas

dimensões de análise. Entendendo que “envelhecer é um processo natural que caracteriza uma etapa

da vida do homem e dá-se por mudanças físicas, psicológicas e sociais que acometem de forma

particular cada indivíduo com sobrevida prolongada” (MENDES et all, 2005, p. 423).

O envelhecimento populacional no Brasil

No Brasil, nos últimos anos, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais está crescendo

rapidamente mais que os demais segmentos etários. Isso está apontando que o processo de

envelhecimento é um fato irreversível e que se desenvolve de forma progressiva e gradual. Ou seja,

envelhecer se tornou uma realidade mesmo em sociedades em desenvolvimento, como é o caso do

Brasil. O aumento da expectativa de vida tem ocasionado mudanças na estrutura demográfica e alguns

indicadores sociais apontam para essa questão.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE Projeções), em

2016, a população brasileira era de cerca de 206 milhões de pessoas, sendo composta por um pouco

mais de 101 milhões de homens (49,36%) e aproximadamente 104 milhões de mulheres (50,64%). E,

esse processo continuará ao longo dos anos. Estima-se que, em 2030, teremos cerca de 113 milhões

de mulheres (50,8%) e 109 milhões de homens (49,2%)2. Ou seja, estaremos diante de uma população

que é majoritariamente feminina.

Tabela 1 – BRASIL - População Residente em 2016 e Projeção da População em 2030

ANOS TOTAL MULHERES HOMENS

2016 206.081.432 104.355.330 101.726.102

2030 223.126.917 113.498.624 109.628.293

Fonte: IBGE Projeções (site www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/)

2 Cf. IBGE Projeções.

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Além disso, o envelhecimento também tem sido presente. A população acima dos 60 anos de

idade chegou aos 25.966.260, em 2016. Deste total, 12,6% foram de pessoas acima de 60 anos de

idade, sendo composta por 6,76% de mulheres idosas e 5,35% de homens idosos. Como se pode ver

na tabela 2, em todos os seguimentos etários acima dos 60 anos, as mulheres continuarão em maior

percentual, principalmente, entre 60 e 64 anos e 64 e 69 anos.

Tabela 2 – Percentual da População Idosa Residente no Brasil, em 2016 e 2030

2016 2030

GRUPO

ETÁRIO

Total

%

Mulheres Homens GRUPO

ETÁRIO

Total

%

Mulheres Homens

TOTAL 12,11 6,76 5,35 TOTAL 18,62 10,31 8,31

60 a 64 3,93 2,09 1,84 60 a 64 5,18 2,72 2,46

65 a 69 2,97 1,61 1,36 65 a 69 4,51 2,42 2,09

70 – 74 2,07 1,16 0,91 70 – 74 3,51 1,93 1,58

75 – 79 1,46 0,85 0,61 75 – 79 2,49 1,42 1,07

80 – 84 0,91 0,55 0,36 80 – 84 1,55 0,92 0,63

85 – 89 0,49 0,31 0,18 85 – 89 0,81 0,51 0,30

90 a mais 0,28 0,19 0,09 90 a mais 0,57 0,39 0,18

Fonte: IBGE Projeções (site www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/)

As projeções para 2030 indicam que esse processo continuará pelas próximas décadas. Em

2030, a população brasileira continuará vivenciando um aumento expressivo da população idosa e,

nesse processo, as mulheres continuarão sendo a maioria. O total de idosos passará dos 12,6%, em

2016, para 18,62%, 2030. E, deste total, 10,31% serão de mulheres idosas e 8,31% de homens idosos.

Em todos os seguimentos acima dos 60 anos, as mulheres continuarão em maior percentual,

principalmente, entre 60 e 64 anos e 64 e 69 anos.

A partir desses dados, duas questões podem ser notadas: as mulheres idosas encontram-se em

maior percentual que os homens e elas continuam a ser a maioria em todos os seguimentos etários

acima de 60 anos. Isso aponta para o processo de feminização da velhice. A feminização da velhice

é caracterizada pela predominância das mulheres na população idosa3 e isso traz diversos fatores que

podem ser positivos ou negativos. Nesse sentido, analisar a velhice sob o aspecto da feminização da

velhice nos traz especificidades para se pensar o envelhecimento.

Associada a essas questões, o crescimento da população idosa é consequência direta de dois

processos importantes: da queda da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida da

população. De um lado, no Brasil, a taxa de fecundidade tem reduzido expressivamente ao longo dos

anos passando de 6,28, em 1960, para 2,38, em 2000, e chegando a 1,69, em 2016.

3 ALMEIDA, 2015; BALDIN, 2008; CAMARANO, 2004; NERI, 2001.

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Tabela 3 – BRASIL – Taxa de Fecundidade – de 1940 a 2016

Total 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 2016 2030

Taxa de

Fecundidade 6,16 6,21 6,28 5,76 4,35 2,89 2,38 1,90 1,69 1,51

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 e IBGE Projeções

Segundo Kalache (1987), a taxa de fecundidade é considerada fator determinante do

envelhecimento em relação ao nível da população de um país. Para que uma população envelheça é

necessário que haja a queda da taxa de fecundidade resultando em um menor ingresso de crianças na

população. Alguns fatores levaram a esse declínio, tais como: a expansão da urbanização no meio

rural, o avanço da medicina, a utilização de métodos contraceptivos (preservativos, diafragma, pílula

anticoncepcional, etc.), a educação sexual, o planejamento familiar, o aumento participativo da

mulher no mercado de trabalho e o aumento da escolaridade das mulheres. São aspectos relevantes

que contribuem para redução da fecundidade no Brasil.

De outro lado, estamos presenciando o aumento da expectativa de vida no país. Esse indicador

faz relação às condições de vida e de saúde da população como um todo, expressando o número de

anos de vida que se espera de um recém-nascido viva. Podemos notar que, de 1940 a 2016, a

esperança de vida ao nascer para ambos os sexos passou de 45,5 anos para 75,7 anos, um aumento de

30,22 anos. Esse aumento pode ser observado ao longo dos anos. Isso mostra que a partir dos 60 anos

os aumentos nas expectativas de vida foram significativos.

Tabela 4 – BRASIL – Expectativa de Vida ao Nascer – de 1940 a 2016

Ano Total Homem Mulher Diferença entre os

sexos (em anos)

1940 45,5 42,9 48,3 5,4

1950 48,0 45,3 50,8 5,6

1960 52,5 49,7 55,5 5,9

1970 57,6 54,6 60,8 6,2

1980 62,5 59,6 65,7 6,1

1991 66,9 63,2 70,9 7,8

2000 69,8 66,0 73,9 7,9

2010 73,9 70,2 77,6 7,4

2014 75,2 71,6 78,8 7,2

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2016 75,72 72,18 79,31 7,13

2030 78,64 75,28 82 6,72

2060 81,2 78,03 84,4 6,37 Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010 e IBGE Projeções

Quanto à questão da redução da taxa de fecundidade e do aumento da expectativa de vida,

Camarano (2004, p. 26) coloca que se por um lado “...a queda da fecundidade modificou a distribuição

etária da população brasileira, fazendo com que a população idosa passasse a ser um componente

cada vez mais expressivo dentro da população total, resultando no envelhecimento pela base”. Por

outro, temos que levar em conta que “a redução da mortalidade trouxe como consequência o aumento

no tempo vivido pelos idosos, isto é, alargou o topo da pirâmide, provocando o seu envelhecimento”.

Em suma, de acordo com os dados apresentados, podemos notar que está acontecendo o

envelhecimento da população e as mulheres idosas se destacam nesse processo. Diversos fatores estão

contribuindo para isso como a queda da taxa de mortalidade, avanços da saúde preventiva (vacinas,

antibióticos, quimioterápicos, etc.), novas tecnologias, melhoria nutricional, higiene pessoal e

ambiental. Essas inovações e avanços foram iniciadas nos países desenvolvidos, posteriormente aos

que se encontram em desenvolvimento. Nesse sentido, é proeminente entender que a sociedade

brasileira passa por grandes transformações e o processo de envelhecimento está se dando numa

grande velocidade. E, nessa transição demográfica e etária as mulheres idosas ganham destaque e

assinalam que o envelhecimento populacional brasileiro é uma questão de gênero (MENDES et all,

2005; CAMARANO, 2004).

Envelhecimento populacional e relações de gênero

Como vimos, o processo de feminização da velhice tem mostrado que as mulheres idosas

brasileiras estão vivendo mais que os homens. E, o ato de envelhecer se tornou um assunto para as

mulheres brasileiras e uma questão de gênero. Essa particularidade do envelhecimento brasileiro deve

ser pensada numa relação direta com os estudos sobre relações de gênero, importante instrumento

teórico-metodológico para uma abordagem analítica das relações sociais do envelhecimento, visto

que “a produção social da existência, em todas as sociedades conhecidas, implica por sua vez, na

intervenção conjunta dos dois gêneros, o masculino e o feminino. Cada um dos gêneros representa

uma particular contribuição na produção e reprodução da existência” (CARLOTO, 2001, p. 201).

As relações de gênero levam em consideração a desigual distribuição das responsabilidades e

experiências vivenciadas por mulheres e homens nas esferas da produção e reprodução social das

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relações sociais. Assim, as relações de gênero contribui para se analisar a sociedade como resultado

de uma construção social, cultural e histórica. Entre os anos de 1970 e 1980, esses estudos

estabeleceram diálogos com os movimentos feministas de maior impacto na época, o europeu

(particularmente o francês) e o americano, no qual surgiu o uso da categoria analítica de gênero. No

Brasil, foi apenas nos anos de 1990 que o gênero se tornou categoria fundamental de análise. Segundo

Costa (2003, p.191), “em diferentes partes do mundo, desde então, os estudos sobre mulheres, além

de conhecerem crescimento significativo em relação aos anos anteriores, ganham sucessivos

refinamentos”. Desta forma, os estudos de gênero passaram a analisar a questão das mulheres não

mais baseadas no determinismo biológico implícito nos termos “sexo” ou “diferença sexual”, que

pensava na diferença a partir de sua fisiologia, mas a partir de uma visão relacional entre os

indivíduos, mulheres e homens.

Nesse sentido, a categoria gênero4 constitui-se como uma categoria relacional de análise. Para

se conhecer e problematizar o papel subordinado que a mulher desempenha em relação ao homem.

Partindo dessa perspectiva, gênero relaciona-se ao conjunto de construções sociais nas relações de

raça, etnia, orientação sexual, idade etc. Nesse sentido, os estudos sobre as relações de gênero são

importantes para se problematizar o lugar que as mulheres idosas desempenham na sociedade

brasileira, bem como as particularidades desse processo. As discussões sobre as relações de gênero

permitem “desnaturalizar” e “historicizar” as desigualdades que existem entre homens e mulheres. E,

no caso desse estudo, as desigualdades que existem entre idosos do sexo feminino e masculino,

principalmente num cenário de feminização da velhice.

Para Neri (2001), a feminização da velhice vem acompanhada de várias modificações

sociodemográfico, médico-social e sociopsicológico que afetam diretamente o envelhecimento das

idosas em sua vida cotidiana. A feminização da velhice vem sendo caracterizada pela maior

representatividade numérica das mulheres entre os idosos e aumento da longevidade feminina, bem

como pela presença de mulheres que vivem submetidas a riscos de vida relacionados à saúde (estilo

4 Para Scott (1990, p. 4), “Gênero (surge) como substituto de ‘mulheres’, é igualmente utilizado para sugerir que a

informação a respeito das mulheres é necessariamente informação sobre os homens, que implica no estudo do outro. Este

uso insiste na ideia de que o mundo das mulheres faz parte do mundo dos homens, que ele é criado dentro e por esse

mundo. Esse uso rejeita a validade interpretativa da ideia das esferas separadas e defende que estudar as mulheres de

forma separada perpetua o mito de que uma esfera, a experiência de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver com o outro

sexo. Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita

explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de

subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna,

aliás, uma maneira de indicar as ‘construções sociais’ – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios

aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos

homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado”.

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de vida adquirido ao longo dos anos e histórico de doenças), baixa escolaridade, isolamento social,

dificuldade em se adaptar aos novos papeis desempenhados pelos idosos na cena contemporânea. Ou

seja, a experiência da velhice vivenciada pelas mulheres pode estar associada a fatores que são

positivos ou negativos, que precisam ser melhor conhecidos e analisados.

Camarano et all (2004), ao analisarem o processo de envelhecimento populacional brasileiro,

colocam que a heterogeneidade do envelhecimento feminino apresenta especificidades às mulheres

idosas. “A heterogeneidade desse segmento extrapola a da composição etária. Dadas as diferentes

trajetórias de vida experimentadas pelos idosos, eles têm inserções distintas na vida social e

econômica do país” (2004, p. 25/26). Entre as questões sinalizadas nesse estudo, as mulheres idosas

apresentam condição socioeconômica desvantajosa, pois a maioria das idosas brasileiras de hoje não

possuíram algum tipo de trabalho remunerado durante a fase de sua vida produtiva, tornando-se mais

vulneráveis financeiramente e, consequentemente, menos autônomas.

Além disso, Baldin et all (2008) afirmam que a proporção de viúvas aumenta com a idade.

“Os diferenciais por sexo quanto ao estado conjugal devem-se à maior longevidade das mulheres e

ao fato da prevalência da cultura de os homens casarem novamente e com mulheres mais jovens”

(ibdem, p. 44). Em virtude disso, o número de mulheres viúvas e que se tornam mais vulneráveis a

situação de pobreza e isolamento social é expressivo. “Diante da perda do companheiro após longo

tempo de convívio a dois, a viuvez demarca o início de uma nova fase da vida da mulher, que, diante

do acontecimento, apresenta-se à família e à sociedade como uma pessoa envelhecida e com um novo

status: viúva” (p. 44). Para as autoras, diversas são as perdas vivenciadas na velhice, mas a perda de

um companheiro traz consigo mudanças comportamentais que podem ser inesperadas no cotidiano,

na família, na sociedade por parte da idosa viúva.

Segundo Almeida et all (2015), a percepção da velhice por parte de mulheres idosas pode

revelar aspectos positivos e negativos. Entre aspectos os positivos, a velhice pode ser vista como uma

etapa de maior participação social, já que, por causa dos filhos e das atividades desempenhadas dentro

de casa, foram inviabilizadas de realizarem outras atividades para além das domésticas. Entre os

negativos, as idosas vivenciam situações que são limitadoras por causa de sua idade, são eles o

preconceito social, a baixa escolaridade, os problemas familiares, as carências afetivas, a dependência

financeira, a solidão, a viuvez, a presença de doenças crônicas. Situações essas que, que segundo os

autores, podem estar colocando as mulheres idosas em situação de risco social.

Como se pode observar, a feminização da velhice na sociedade brasileira é fato e com ela

questões (positivas e negativas) passam a fazer parte da vida dessas mulheres. Nesse sentido, os

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estudos de gênero tornam-se importante por permitirem a desnaturalizaralização e a historicização

das desigualdades que existem entre homens e mulheres, ao longo da existência produtiva e

reprodutiva das relações sociais, que trazem particularidades e especificidades a vida das mulheres

quando se tornarem idosas. E, com isso, é relevante problematizar e analisar o impacto que o processo

da feminização da velhice traz à sociedade brasileira.

Considerações finais – Dilemas e Desafios

Ao analisar o processo de envelhecimento da população brasileira na cena contemporânea, foi

possível constatar que o processo de envelhecimento da sociedade brasileira tem sido acompanhado

pelo processo de feminização da velhice. Ou seja, a velhice brasileira tem sido caracterizada pela

predominância das mulheres na população idosa. No entanto, essa questão tem que ser

problematizada e analisada em profundidade.

Apensar dos muitos avanços conquistados para a vida das mulheres idosas como sua maior

representatividade numérica, longevidade, avanços da tecnologia, acesso ao lazer, avanços nos

medicamentos e tratamentos, maior participação das mulheres na sociedade, ainda é comum a

existência dilemas – que são velhos ou sob novas roupagens – de idosas que vivem isoladas

socialmente, possuem dependência financeira, baixa escolaridade, não são autônomas, vivem

sozinhas por serem solteiras ou viúvas, convivem com o preconceito social por causa da condição de

velha, convivem com problemas familiares, possuem carências afetivas, doenças crônicas, possuem

dificuldades em se adaptar aos novos papeis desempenhados pelos idosos na cena contemporânea.

Isso reflete a desigualdade de gênero que tem sido efetivada ao longo da experiência de vida.

Situações essas que revelam a heterogeneidade da velhice, principalmente por causa das diferentes

trajetórias de vida experimentadas pelos idosos no cenário econômico, política e social brasileiro.

Dessa forma, podemos notar que as mulheres idosas enfrentam grandes desafios em seu

cotidiano, pois, o fato das idosas viverem mais e serem a maioria não significa que vivam melhor e

com qualidade de vida. O envelhecimento tem exigido um conjunto de políticas e programas que

busquem a melhora da qualidade de vida, a participação ativa e garantia de direitos dos cidadãos

idosos brasileiro.

Nesse sentido, é imprescindível levar em consideração que a predominância da população

feminina entre os idosos demanda por políticas públicas para esse segmento. Políticas que busquem

a melhora da qualidade de vida, a participação ativa e garantia de direitos dos cidadãos idosos

brasileiro, principalmente, das idosas mulheres. Além disso, a construção de ações que minimizem

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as desigualdades sociais, culturais e econômicas existentes nas vidas dos idosos brasileiros, sejam

eles mulheres ou homens. Considerando a velhice não como algo que estar por vir, mas uma realidade

vivida por pessoas, do presente e do futuro próximo, que possuem uma história e experiência de vidas

que não pode ser ignoradas.

Finalizamos afirmando que analisar o processo de feminização da velhice, nos dias atuais, é

essencial diante do quadro graves problemas políticos, denúncias de esquemas de corrupções,

estagnação dos investimentos privados e públicos, baixo crescimento econômico, aumento dos níveis

de desemprego, aumento da inflação, entre outras questões que o Brasil passa. Fatores esses que estão

ocasionando na revisão das políticas públicas governamentais e efetivação de medidas de austeridade

fiscal das políticas públicas brasileiras, em especial, na área social.

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Population aging and gender relations: old dilemmas and new challenges

Abstract: In recent years, the theme of aging has gained visibility. In Brazil, according to the IBGE,

the elderly population should increase from 25,966,260 million (12.11% of the total) in 2016 to

approximately 58.4 million (26.7% of the total) in 2060. The elderly have a life expectancy greater

than that of men, a phenomenon known as the feminization of old age. Today, they live on average

up to 79.31 years, while they live up to 72.18 years. And in 2060, their life expectancy will be 84.4

years, against 78.03. Therefore, life expectancy is differentiated between women and men. However,

Brazilian society is not prepared for this change in the population profile, despite the creation of

policies aimed at the elderly population. This aging has produced social needs and demands that

require political responses. Therefore, the main objective of this study is to analyze the aging process

of the Brazilian population in the contemporary scene, giving visibility to the place that the elderly

women are reaching within this process and the lived dilemmas and challenges that present

themselves. Thus, we began the work presenting the theoretical debate of the aging process. We then

analyze statistical data, emphasizing the issue of aging and gender. Later, we will discuss the process

of feminization of aging and the importance of gender theory. And, finally, we present some final

considerations.

Keywords: Population Aging, Gender Relations, Older Women, dilemmas and challenges.