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ENVELHECIMENTO E GÊNERO: um relato de experiência do Serviço de Orientação à Família (SOF) campo de estágio do curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará Sara do Nascimento Martins 1 Mirian Cristina Dias do Carmo 2 Renato Soares de Aquino 3 RESUMO: Este artigo trata-se de um relato de experiência a partir do Serviço de Orientação à Família SOF do Curso de Serviço Social da UFPA, tendo como objetivo elucidar a relação de gênero e envelhecimento para o fortalecimento de uma Política de Extensão destinada à população idosa. Para isso, adotou-se uma análise qualitativa dos relatos obtidos por meio das reuniões do SOF, de conversas informais e, especialmente, do instrumental diário de campo. Nesse sentido, infere-se a importância de reflexões sobre a relação de gênero no envelhecimento, na qual é fundamentada a partir de uma lógica patriarcal e conservadora. Palavras-chave: Envelhecimento. Gênero. Campo de Estágio. Mulheres Idosas. ABSTRACT: This article is an experience report from the Service of Orientation to the Family - SOF of the Course of Social Service of UFPA, aiming to elucidate the relation of gender and aging to improving an Extension Policy for the elderly population. For this, a qualitative analysis of the reports obtained through SOF meetings, informal conversations and, especially, daily field instruments was adopted. In this sense, it is inferred the importance of reflections on the relation of gender in the aging, in which it is based on a patriarchal and conservative logic. Keywords: Aging. Genre. Field of Training. Elderly Women. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo trata-se de um relato de experiência da inserção no campo de estágio na área de envelhecimento do curso de Serviço Social da Universidade Federal do 1 Graduanda do 9º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected] 2 Graduanda do 9º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected] 3 Assistente Social. Especialista em Serviço Social e Políticas Públicas. UFPA. E-mail: [email protected]

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ENVELHECIMENTO E GÊNERO: um relato de experiência do Serviço de Orientação à

Família (SOF) campo de estágio do curso de Serviço Social da Universidade Federal do

Pará

Sara do Nascimento Martins1

Mirian Cristina Dias do Carmo2

Renato Soares de Aquino3

RESUMO: Este artigo trata-se de um relato de experiência a partir do Serviço de Orientação à Família – SOF do Curso de Serviço Social da UFPA, tendo como objetivo elucidar a relação de gênero e envelhecimento para o fortalecimento de uma Política de Extensão destinada à população idosa. Para isso, adotou-se uma análise qualitativa dos relatos obtidos por meio das reuniões do SOF, de conversas informais e, especialmente, do instrumental diário de campo. Nesse sentido, infere-se a importância de reflexões sobre a relação de gênero no envelhecimento, na qual é fundamentada a partir de uma lógica patriarcal e conservadora.

Palavras-chave: Envelhecimento. Gênero. Campo de Estágio. Mulheres Idosas.

ABSTRACT: This article is an experience report from the Service of Orientation to the Family - SOF of the Course of Social Service of UFPA, aiming to elucidate the relation of gender and aging to improving an Extension Policy for the elderly population. For this, a qualitative analysis of the reports obtained through SOF meetings, informal conversations and, especially, daily field instruments was adopted. In this sense, it is inferred the importance of reflections on the relation of gender in the aging, in which it is based on a patriarchal and conservative logic.

Keywords: Aging. Genre. Field of Training. Elderly Women.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo trata-se de um relato de experiência da inserção no campo de

estágio na área de envelhecimento do curso de Serviço Social da Universidade Federal do

1 Graduanda do 9º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected] 2 Graduanda do 9º semestre do Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Pará - UFPA. E-mail: [email protected] 3 Assistente Social. Especialista em Serviço Social e Políticas Públicas. UFPA. E-mail: [email protected]

Pará, denominado como Serviço de Orientação à Família - SOF. Os dados analisados foram

obtidos por meio da metodologia aplicada durante as reuniões do grupo que se baseia no

método de pesquisa ação, visto que esse modelo de pesquisa facilita o envolvimento entre

pesquisadores(as) e pesquisados(as). Os dados, portanto, foram coletados durante o

segundo semestre de 2018 através de conversas informais e pelo instrumental diário de

campo.

Para isso, inicialmente se faz necessário uma discussão teórica acerca dos conceitos

de envelhecimento e gênero que são essenciais para compreender os relatos coletados das

participantes do grupo. Sendo assim, o texto divide-se em três seções principais. A primeira

irá abordar as concepções de envelhecimento baseadas nos autores: Ariés (1981); Almeida

(2003); Debert (2004); Mercadante (2003); Peixoto (2000). A segunda apresentará o conceito

de gênero D'incao (2004); Beauvoir (1967); Guedes (1995); Sarti (2018); Zimerman (2000). E,

por fim, a apresentação dos relatos recolhidos no campo de estágio.

Dessa forma, o trabalho pretende contribuir com uma análise a respeito do

envelhecimento atrelada as questões de gênero. A compreensão dessa relação nos permitirá

observar a importância das ferramentas institucionais, especificamente o Serviço de

Orientação à Família - SOF, para o fortalecimento da Política de Extensão Universitária

destinada à população idosa, bem como entender as dificuldades de homens e mulheres de

se aceitarem enquanto pessoas idosas e o papel dos gêneros nas relações conjugais.

2 CONCEPÇÕES SOBRE ENVELHECIMENTO

Atualmente o envelhecimento é um fenômeno mundial que atinge tanto os países

desenvolvidos quanto os países em desenvolvimento. Segundo os dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no que diz a respeito da projeção da

população brasileira em 2019, são aproximadamente 209.794.961 de habitantes. No que se

refere a população de 60 anos ou mais, até o final do ano de 2019, chegará em 29.095.075

pessoas, sendo 16.257.338 mulheres e 12.837.737 homens, evidenciando que o quantitativo

de mulheres é superior ao dos homens. Ainda de acordo com essa projeção, o número de

idosos com 65 anos ou mais será de 9,52%, chegando a atingir o quantitativo de 25,49% do

total da população em 2060.

Por certo, nota-se que há diferenças, no que tange ao aumento da população idosa,

entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Veras (2003) afirma que nos países

desenvolvidos, o processo de envelhecimento ocorre de forma gradual e em consonância com

a economia, possibilitando que os recursos financeiros disponíveis atendam as demandas da

população idosa. Todavia, nos países em desenvolvimento, acontece o inverso, onde a

população total cresce com rapidez, ampliando os segmentos etários e modificando a

conjuntura da sociedade, porém sem que o Estado tenha os recursos suficientes para atender

satisfatoriamente a população, em especial, os idosos.

O rápido aumento do envelhecimento populacional tem sido considerado por alguns

pesquisadores um problema econômico e social. Para Clarice Peixoto (2000) essa

problemática se pauta na economia, visto que os indivíduos idosos requerem uma maior

atenção do Estado para a garantia de sua sobrevivência. Nesse sentido, a autora afirma que

O que tornou a velhice um problema social foram, sobretudo as consequências econômicas, que afetaram tanto as estruturas financeiras das empresas – e posteriormente do Estado, com o advento das aposentadorias -, quanto às estruturas familiares, que até então arcavam com os custos de seus velhos, incapacitados para sustentar a si mesmos (PEIXOTO, 2000, p. 70).

Sob o mesmo ponto de vista, Guita Debert (2000) enfatiza que a velhice não se torna

uma problemática social, necessariamente, por causa do aumento da população idosa, “a

transformação da velhice em problema social não é o resultado mecânico do aumento de

pessoas idosas, como tende a sugerir a noção de ‘envelhecimento demográfico’ ” (DEBERT,

2000, p. 62), ou seja, há outras fatores que incidem diretamente nesta questão, como mostra

Almeida (2003, p. 46) ao afirmar que a problemática está associada a “autonomização desta

etapa da vida e às consequências a ela associadas”, então é necessário considerar as

múltiplas determinações envolvidas nesse processo.

Entretanto, é inegável que o interesse de pesquisadores pela temática do

envelhecimento se deu inicialmente pelo aumento demográfico, pois foi a partir desse ponto

que foram surgindo novas demandas e a necessidade de criar políticas públicas e sociais,

programas e projetos que permitisse um envelhecimento com qualidade de vida. Com

destaque para os documentos normativos Constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da

Assistência Social (Lei Federal nº 8.742), a Política Nacional do Idoso (Lei 8842/94), o Estatuto

do Idoso (Lei 10741/2003) e a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), de 2004.

Entende-se que o envelhecimento é um processo contínuo, pois desde que o indivíduo

nasce, o corpo passa por diversas transformações biológicas, o que designamos como

envelhecer. Diante disso, a velhice é caracterizada como uma etapa deste processo, assim

como a infância, adolescência e vida adulta. Por esse motivo, a velhice segundo Mercadante

(2003) é natural e universal, visto que todos os seres humanos envelhecem, e ainda é cultural,

uma vez que cada sociedade em determinado época e lugar atribui um conteúdo simbólico

das representações desta etapa da vida.

Nessa perspectiva, durante o período industrial, a velhice passou a assumir um lugar

marginalizado na sociedade, por levar em consideração que o valor do indivíduo é medido por

sua produtividade, ou seja, está associado a relação capital/trabalho, onde há uma

valorização da força de trabalho e os idosos por estar fora desse cenário, ele passa a não ter

uma função dentro da movimentação do capital e assim a velhice acaba se tornando

sinônimo de recusa e banimento. Recusa vestida com diferentes roupagens: algumas, bastante evidentes, passam pela segregação e pelo isolamento social, pela ruptura dos laços afetivos, familiares e de amizade, pela negação do direito de pensar, propor, decidir, fazer, pela expropriação do próprio corpo; outras, mais sutis, são encontradas no tom protetor, muitas vezes cercado de cinismo, com que lidamos com nossos “velhinhos” (ALMEIDA, 2003, 41)

Na sociedade moderna, a velhice é considerada uma etapa da vida marcada pela

decadência física, incapacidade produtiva e ausência de papéis sociais. Estas características

atribuíram aos velhos estigmas pejorativos relacionados a preconceitos e empobrecimento,

bem como ressalta Peixoto (2000, p. 72) ao afirmar que “a noção de velho é, pois, fortemente

assimilada à decadência e confundida com incapacidade para o trabalho: Ser velho é

pertencer à categorização emblemática dos indivíduos idosos e pobres”.

Já no século XX, há uma mudança na percepção do envelhecimento. Uma nova

designação surge substituindo o termo “velho” para “idoso”, dando um caráter valorativo para

o tratamento desse segmento, transformando-os em sujeitos respeitados. Deste modo, a

termologia velho, que fazia alusão a decadência, declínio físico e financeiro do indivíduo, é

substituída pelo termo idoso, que incorpora um novo significado a esse sujeito, tornando-o

respeitado na sociedade.

Posteriormente, com o advento da aposentadoria ampliado para as camadas médias

desencadeará uma nova identidade para população idosa, denominada “terceira idade”. Essa

expressão denota um segmento de idosos ativos, aptos a desafios, novas experiências, e com

um poder aquisitivo que lhe permite aproveitar a vida fora de casa e arcar com um novo

mercado para seu consumo. Nesse sentido, o “processo de perdas tem sido substituída pela

consideração de que os estágios mais avançados da vida são momentos propícios para novas

conquistas, guiadas pela busca do prazer e da satisfação pessoal” (DEBERT, 2004, p. 14).

O termo “pessoa idosa” foi criado para designar as pessoas idosas enquanto sujeitos

de direitos. Este termo se baseia na ordem cronológica e é utilizado principalmente para

determinar a faixa etária que se enquadra no termo no Estatuto do Idoso (2004) em seu artigo

1º estipula a idade mínima de pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos para

serem considerados pessoas idosas.

Com isso posto, apontamos que o envelhecimento se expressa de maneira distinta

nas classes sociais e também é diferente dos homens para as mulheres. Alguns autores

consideram que para as mulheres na velhice, o preconceito e a discriminação se tornariam

maior, seja pelo fato de desvalorização do papel social da mulher (visando apenas o papel

reprodutivo) e também pelo conjunto de transformações físicas e sociais (podendo ocorrer o

abandono dos filhos e a viuvez).

Logo, o debate sobre envelhecimento atrelada as questões de gênero são importantes,

principalmente pelo fato de que as mulheres idosas no Brasil constituem a maior parte da

população acima de 60 anos, ou seja, 7,51% do total, enquanto que os homens idosos são

apenas 5,94% (IBGE, 2019). Ante ao exposto, o próximo item pretende discutir um pouco

mais as relações de gênero atreladas ao envelhecimento.

3 O DIÁLOGO ENTRE OS PAPÉIS DE GÊNERO E ENVELHECIMENTO

Historicamente as mulheres vêm sofrendo com a naturalização e a perpetuação de

uma imagem inferiorizada. No século XIX, foi criado o conceito de família patriarcal, na qual

era “comandada pelo pai detentor de enorme poder sobre seus dependentes, agregados e

escravos, habitava a casa-grande e dominava a senzala” (D'INCAO, 2004, p.187) e para a

mulher restava a função de casar, gerar filhos, cuidar da casa. Além disso, o comportamento

das mulheres passa a ser controlado não só pelos pais ou esposo, mais inclusive pela própria

sociedade fazendo com que a mulher “aprenda a se comportar” em público. A respeito disso,

D’Incao (2004) ressalta a função das mulheres como um modelo de esposa e mãe dedicada,

logo as

mulheres casadas ganham uma nova função: contribuir para o projeto familiar de mobilidade social através de sua postura nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, em geral, como esposas modelares e boas mães. Cada vez mais é reforçada a ideia de que ser mulher é ser quase integralmente mãe dedicada e atenciosa (D’INCAO, 2004, p.191).

Deste modo, reforça-se a percepção de que o masculino e o feminino são construções

históricas, pois “ninguém nasce mulher: torna-se mulher” (BEAUVOIR, 1967, p. 7). A autora

retoma a ideia de que não existe destino biológico, psicológico e econômico que decida como

a fêmea humana deve se portar na sociedade, sendo assim essa concepção é um produto

intermediário entre o macho e o que qualificam como sendo feminino por um conjunto de

fatores da civilização (BEAUVOIR, 1967).

Este fato contribui para determinar a conduta de cada ator social frente a sociedade,

moldando a forma de se relacionar com o outro, reproduzindo e legitimando esses papéis,

tanto no âmbito familiar como no social. Aos homens foram atribuídas características como a

virilidade e a força, enquanto para as mulheres está associada a feminilidade, a fragilidade e

subordinação. Portanto, isto leva a considerar que o homem não pode ter um comportamento

mais frágil ou emotivo, que será rotulado como afeminado.

Destarte, a teoria de gênero buscar entender os processos de construção das práticas

sociais que foram desenvolvidas por homens e mulheres ao longo da sociabilidade. O

conceito de gênero vem sendo desenvolvido desde a década de 1970 e, com a expansão do

Movimento Feminista, ganhou repercussão nas produções científicas com o debate sobre a

condição feminina devido a opressão, que se encontrava em estágios bem avançados

(GUEDES, 1995).

Esta discussão é importante para compreendermos como foram e como são

desenvolvidas as práticas sociais por homens e mulheres, principalmente no âmbito familiar.

Sarti (2018) destaca que houveram dois processos que causaram um grande impacto na

família: o primeiro foi a criação da pílula anticoncepcional, na década de 1960, que separou a

sexualidade feminina da maternidade; e o segundo processo foi o trabalho remunerado da

mulher. Entretanto, essas mudanças são difíceis, uma vez que a sociedade é constituída por

dispositivos simbólicos de poder que exercem influência sobre a vida coletiva e criam

“modelos” de como devem ser seguidos.

Apesar das mulheres terem conquistado o seu espaço no mercado de trabalho, cabe

salientar que, mesmo no século XXI, na maioria das situações, o “ambiente feminino” é restrito

ao lar, ao contrário dos homens, que sempre estiveram ligados à vida pública (ao mercado de

trabalho). E até mesmo quando a mulher exerce a responsabilidade econômica da casa não

é atribuído o mesmo valor moral a ela, nesse caso

O homem é considerado o chefe de família e a mulher a chefe da casa [...] Ele é a autoridade moral, responsável pela respeitabilidade familiar. À mulher cabe outra importante dimensão da autoridade: manter a unidade em grupo. Ela é quem cuida de todos e zela para que tudo esteja em seu lugar (SARTI, 2018, p. 43)

Para algumas mulheres idosas esta situação não foi diferente nas suas relações

conjugais. A participação na vida social e coletiva foram recusadas, então a área restrita do

lar foi a sua maior vinculação fazendo com que o casamento se torna-se a única forma de

manter uma estabilidade financeira mesmo que tivessem que vivenciar uma relação patriarcal

e machista. Entretanto, é evidente que as mudanças sócio-político-econômicas na

contemporaneidade têm contribuído para as transformações nos costumes da sociedade,

onde cada homem e cada mulher foram e continuam sendo protagonistas das rupturas dos

paradigmas sociais. A respeito destas transformações socialmente modificadas sobre a

família, Guite Zimerman (2000, p. 51) reitera

que a família de antigamente tinha papéis mais rígidos e definidos, com um maior grau de hierarquização, enquanto que a família de hoje é mais dinâmica e flexível, com uma hierarquização menor e papéis que mudam com mais facilidade.

É inegável que as gerações passadas vivenciaram e naturalizaram, por maior tempo,

as noções sobre papéis masculino e feminino, baseadas num modelo tradicional de relações

de gênero, assim como, as relações de poder onde havia o exercício da autoridade dos

homens sobre as mulheres e filhos no seio das famílias, isto influência diretamente na

percepção do idoso ou da idosa sobre a velhice e a forma que irão vivencia-la.

4 RELATO DE EXPERIÊNCIA DO SERVIÇO DE ORIENTAÇÃO À FAMÍLIA – SOF

A inserção dos graduandos nas disciplinas de estágio supervisionado é uma exigência

da matriz curricular da graduação em Serviço Social. É a partir dessa inserção que os alunos

passam ter o primeiro contato com o campo de atuação profissional do assistente social. O

campo de estágio é extremamente importante, pois possibilita vivenciar experiências que

relacionem à teoria adquirida academicamente atrelada à práxis.

O campo de estágio supervisionado intitulado SOF é um projeto desenvolvido dentro

do Programa de Extensão Universidade da Terceira Idade (UNITERCI) e foi criado em 2016

com a finalidade de se tornar um campo da área de Envelhecimento do Curso de serviço

Social da UFPA, cuja vinculação ao Programa se dá pelo fato de ser um espaço educacional

aberto aos homens e mulheres com idade igual ou superior a 55 anos da Região Metropolitana

de Belém.

Como já ressaltado anteriormente, a metodologia utilizada nas sessões do Serviço é

o método de pesquisa ação, pelo fato de facilitar o envolvimento entre o

pesquisador(a)/pesquisado(a). São realizados debates semanais sobre diversas temáticas

relacionadas ao envelhecimento e família, ao mesmo tempo que são realizados os debates é

possível coletar dados dos idosos por meio dos relatos. Os participantes do grupo são idosos

e idosas que estão regularmente matriculados no Programa UNITERCI.

O Programa UNITERCI surgiu em 1990 na Universidade Federal do Pará (UFPA) e

atualmente é coordenado pela Faculdade de Serviço Social. Sendo assim, a implementação

e manutenção das Universidades abertas às pessoas idosas no Brasil fazem parte de uma

política pública de educação não formal embasada no Art. 25° do Estatuto do Idoso (2003)

que estipula o apoio do poder público na criação da universidade aberta para as pessoas e o

incentivo para a publicação de livros e periódicos com padrão editorial adequado aos idosos.

Estes espaços constituem como uma forma de possibilitar à pessoa idosa um espaço

de convivência coletiva, assim promove à vivência de novas experiências e de ressignificação

da velhice. Nesse sentido, a autora Guita Debert (2004) afirma que criação dos programas

voltados aos idosos na última década encoraja,

a busca da auto-expressão e a exploração de identidades de um modo que era exclusivo da juventude, abrem espaços para que uma experiência inovadora possa ser vivida coletivamente e indicam que a sociedade brasileira é hoje mais sensível aos problemas do envelhecimento. (DEBERT, 2004, p. 15)

Portanto, as reflexões apresentadas neste trabalho pautam-se nos dados coletados

no segundo semestre de 2018 através da observação participante, conversas informais e pelo

instrumental diário de campo, com isso os relatos serão descritos de forma anônima em

consonância com o sigilo ético. Logo ao iniciar o período de inserção do estágio, observamos

nas falas dos idosos e idosas a importância dos mesmos em participar de um grupo de

convivência destinado as pessoas idosas:

Participante 1: aqui funciona também como uma terapia porque se a gente não tá aqui a gente ia tá sozinho e aqui a gente fala e escuta, ensina e apreende (...) quando eu vim pra cá foi com uma única finalidade, eu queria saber o que era ser idoso e como deveria agir; Participante 2: a UNITERCI me ensinou que estou viva, me ensinou sobre meus direitos. Participante 3: Falam que velho tem que usar saia cobrindo o joelho, usar cor e cuidar de casa, eu já fui assim, mas a UNITERCI me ensinou a lutar por meus direitos que eu devo usufruir quando eu tiver condições. (DIÁRIO DE CAMPO, 2018).

Esses espaços de vivência coletiva da velhice fortalece a concepção de direitos que

os idosos possuem, pois ao levantar debates sobre assuntos que permeiam o universo social

de suas relações desperta neles a reflexão e onde os mesmos podem se perceber como

protagonistas de suas histórias, que podem e devem ser agentes de mudanças na sociedade

viabilizando cada vez mais que o idoso seja visto como uma pessoa de direitos.

Outro ponto levantado é a dificuldade tanto dos homens quantos das mulheres de se

reconhecer enquanto pessoas idosas, principalmente pelo fato de que são atribuídos aspectos

negativos à pessoa idosa. Como observa-se nas seguintes falas:

Participante 1: eu não me sinto idoso (...) espiritualmente eu tô me preparando, eu não me aceito como idoso, mas acho que estaria melhor se eu me aceitasse; Participante 4: eu não sou idosa, tô começando a vida agora; Participante 5: eu não sei o que é ser velha, eu faço tudo sozinha rápido; Participante 6: eu entrei em depressão porque eu via os meus cabelos brancos, a cara enrugada e não me aceitava enquanto idosa, foi um período muito difícil pra mim;

Participante 7: ser idosa é mais uma fase da vida, passamos a ser diferente, nossas forças vão indo embora, mas pra mim chegou normal nem vi a velhice chegar pra mim, nunca me preocupei com isso. (Diário de Campo, 2018)

Por meio dos relatos acima, podemos notar o ponto em comum que é negação da

velhice, pois para a sociedade as pessoas idosas são aquelas dependentes, incapazes,

isoladas, mau humoradas, entre outros. A autora Zimerman (2000, p.19) explica que essas

características não exclusivas de uma faixa etária, pois cada pessoa tem sua própria

particularidade e personalidade, elas apenas se “mantém ou acentua as características que

já possuía antes”. Então, é explicável essa negação por parte dos mesmos por não se

“encaixar no modelo” que é imposto aos idosos.

Ainda sobre os relatos anteriores, vale ressaltar que há uma diferença no

envelhecimento dos homens para as mulheres. Durante as reuniões constatou-se na fala dos

homens que a principal dificuldade estava relacionada ao mercado de trabalho, pois apesar

da idade eles diziam ainda se sentirem capazes de exercer funções trabalhistas, porém se

queixavam das pessoas não quererem contratar velhos. Em relação as mulheres idosas,

alguns autores afirmam que a chegada da velhice seria mais tranquila, pois não há o

rompimento da relação de trabalho, tal como afeta os homens (DEBERT, 2004).

Porém, vale evidenciar o fato de que muitas mulheres não enfrentam o rompimento da

relação de trabalho, pois tiverem esse direito negado. Como já foi mencionado nas definições

teóricas, o papel das mulheres era restrito ao lar tendo a obrigação de cuidar da casa, do

marido e dos filhos, ressaltado no relato da participante 8 “Eu trabalhava e quando eu

engravidei passou da licença e me arrumei toda pra ir e ele falou “vai pra onde? Não! E quem

vai cuidar do bebê?’ ele já tinha ido lá pedir a minha demissão”, contatou-se isto, também, no

relato de outra participante ao se referir a relação de seus avôs “o meu avô ele dizia ‘mulher

é pra tá dentro de casa fazendo as coisas, mulher não é nem pra olhar na janela, a minha

ainda olha na janela’ (Diário de Campo, 2018). Nota-se a imposição dos homens sobre a

liberdade das mulheres.

Em vista disso, as mulheres do SOF declaram que a chegada da velhice junto com a

ruptura de suas relações conjugais tornou esta etapa da vida um novo campo de

possibilidades na medida em que elas já não tem mais “obrigações” para desenvolver no

ambiente doméstico, visto que os filhos já cresceram e não tem mais um marido ao qual

responder. As participantes descrevem que a velhice na viuvez, separação ou no divórcio

proporcionaram um sentimento de liberdade, onde elas podem realizar atividades que antes

não seria possível, posto que a maternidade e os afazeres do dia-a-dia não permitiam que

houvesse tempo para outras atividades, então quando são questionadas se ainda pretendem

casar-se novamente respondem:

Participante 9: (bateu na madeira) hoje eu só quero ficar porque se a gente casar vai ter o ciúmes, vai ter que lavar cueca; Participante 10: as minhas amigas vivem dizendo pra mim “tu é uma pessoa nova ainda, tu é bonita, tu precisa de alguém, como é que tu vive só?” eu vivo muito bem na minha companhia, muito bem mesmo porque as companhias que eu tive “oh meu deus” (rs) (DIÁRIO DE CAMPO, 2018).

Sobretudo, as narrativas mostram que essas mulheres idosas durante a sua juventude

tiveram sua liberdade restrita, tanto pela opressão dos pais, quando dos esposos e até mesmo

da própria sociedade e agora na velhice optam por não vivenciar uma relação conjugal para

usufruir de sua liberdade e independência da forma que achar necessária.

Por fim, com base nos relatos mencionados constata-se o papel ao qual a mulher vem

se submetendo ao longo dos anos que foi repassado desde o século XIX com o surgimento

da família patriarcal e até hoje têm suas bases bastantes consolidadas por uma sociedade

machista e conservadora.

3 CONCLUSÃO

Este artigo buscou a partir da experiência em campo de estágio analisar a respeito do

envelhecimento atrelada as questões de gênero, o qual permitirá observar a importância das

ferramentas institucionais, especificamente o Serviço de Orientação à Família - SOF, para o

fortalecimento da Política de Extensão Universitária destinada à população idosa, assim como

entender as dificuldades de homens e mulheres de se aceitarem enquanto pessoas idosas e

o papel dos gêneros atrelados a eles e nas relações conjugais.

Desta forma, observa-se que ao tratar do envelhecimento humano, não se pode

considera-lo como um segmento heterogêneo, ou seja, cada indivíduo vive sua velhice de

forma diferente, principalmente quando se refere a relação de gênero, pois homens e

mulheres assumem papéis sociais distintos, fundamentados a partir de uma lógica patriarcal

e conservadora, que na maioria dos casos permeiam as mulheres até o fim das suas vidas.

É o que mostra os resultados obtidos a partir do Serviço de Orientação à Família –

SOF, no qual se destaca o relato de uma participante que foi obrigada a sair do trabalho pela

imposição do esposo e teve que se restringir apenas ao cuidado do lar e a criação da filha,

enquanto que o pai se tornou o único provedor, este é apenas um dos relatos que são

vivenciados e relatados diariamente por muitas mulheres. As relações de poder analisadas

pelo conceito de gênero vão além dos fatos citados no decorrer do texto, pois o estudo vai

além de apenas definir os papéis sociais atribuídos, mas sim de que forma estas relações de

poder interferem socialmente.

Portanto, a mulher idosa culturalmente exerceu e ainda contínua exercendo papéis

sociais impostos e naturalizados por uma sociedade machista, o qual sofre duplamente

preconceitos e estigmas por ser mulher, e por ser uma velha mulher. Vale mencionar que tais

mulheres estão assumindo, papeis fundamentais em meio a sociedade, atribuições que por

muitos anos foram imposta a elas, como ser mãe, cuidar do lar, filhos e maridos, hoje já se

tornam estranhas, pois grande parte dessas mulheres buscam o que há muito lhes foram

negados, o direito de fazer o que deseja, de realizar atividades que lhes foram negadas e

principalmente poder direcionar suas vidas.

Entretanto, não se pode romantizar tal realidade, pois apesar destas mulheres

assumirem “novos” papéis sociais, ainda é uma realidade complexa, haja vista, que grande

parte desta parcela da população ainda continuam invisíveis para a sociedade, fazendo

perceber que ainda há um grande desconhecimento e ignorância da sociedade com essa

“nova” demanda, o qual por mais que tenha conquistado uma ampla legislação a seu favor,

ainda faltam a aplicabilidade e políticas públicas adequadas para a proteção e quebra de

estigmas e preconceitos atribuídos à população considerada idosa.

REFERÊNCIAS

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