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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CÂMPUS CURITBA CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA CLÁUDIA CRISTINA RODRIGUES MARTINS O PAPEL DA MULHER NA PERPETUAÇÃO DO CONFLITO DOMÉSTICO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA: REALIDADE E SUPERAÇÃO CURITIBA 2010

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Page 1: PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CÂMPUS …...Palavras Chave: Violência Doméstica, Lei 11.340/2006, Identidade Feminina, Gênero, Juizado Especializado, Abordagem Sistêmica,

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CÂMPUS CURITBA

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA JURÍDICA

CLÁUDIA CRISTINA RODRIGUES MARTINS

O PAPEL DA MULHER NA PERPETUAÇÃO DO CONFLITO DOMÉSTICO NO

ÂMBITO DA JUSTIÇA: REALIDADE E SUPERAÇÃO

CURITIBA

2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

Curso de Pós-Graduação em Psicologia Jurídica

Cláudia Cristina Rodrigues Martins

O Papel da Mulher na Perpetuação do Conflito

Doméstico no âmbito da Justiça: realidade e superação

Monografia de Pós-graduação

Monografia apresentada no Curso de Pós-

graduação em Psicologia Jurídica da PUCPR como

requisito parcial para obtenção do título de

Especialista

Orientadora: Prof.ª Ms. Maria Cristina Neiva de Carvalho

Curitiba, 26 novembro de 2010.

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CLÁUDIA CRISTINA RODRIGUES MARTINS

O PAPEL DA MULHER NA PERPETUAÇÃO DO CONFLITO DOMÉSTICO NO

ÂMBITO DA JUSTIÇA: REALIDADE E SUPERAÇÃO

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Psicologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito à obtenção de Título de Especialista

BANCA EXAMINADORA

Prof. Ms. Maria Cristina Neiva de Carvalho Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Orientadora

Prof. Ms. Ilma Lopes Soares de Meirelles Siqueira Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Examinador

Nota da monografia:

Curitiba, 26 de novembro de 2010.

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“Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e

o homem, e um princípio mau que criou o caos, as

trevas e a mulher.” PITÁGORAS

“Por debaixo do que sabes, há o que não sabes.”

PROVÉRBIO YAKI

“Todas as mágoas são suportáveis quando fazemos

delas uma história ou contamos uma história a seu

respeito.” ISAK DINESEN

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RESUMO:

A violência doméstica, considerada problema de saúde pública, é fenômeno complexo que desafia o operador jurídico. A mulher-vítima pode perpetuar o conflito, como observado na prática cotidiana, a partir de condutas motivadas por complexas relações de poder que permeiam o relacionamento íntimo, em que o homem se coloca como superior e detentor de direitos sobre aquela. As diferenças biológicas entre homem e mulher não autorizam discriminação, todavia, o discurso de gênero legitima a violência doméstica, favorece sua invisibilidade e autoriza a omissão das autoridades que deveriam combatê-la. A Lei 11.340/2006 operou a mudança de paradigmas no trato da violência referida, contendo normas de natureza punitiva, protetiva e psicossocial, favorecendo a abordagem interdisciplinar no trato do fenômeno. A mulher possui razões que abrangem o medo, a vergonha e a culpa para permanecer no relacionamento violento. Eventual co-dependência deve ser tratada, oferecendo-se àquela, pelos profissionais que se valem da legislação no seu campo de trabalho, possibilidades de reflexão e retomada de sua condição de sujeito de direitos. A abordagem sistêmica propicia o empoderamento da mulher, a adoção das medidas cabíveis ao enfrentamento prático-legal do conflito, com conseqüente superação da violência, através da elaboração de uma nova subjetividade. Palavras Chave: Violência Doméstica, Lei 11.340/2006, Identidade Feminina, Gênero, Juizado Especializado, Abordagem Sistêmica, Subjetividade.

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ABSTRACT

Domestic violence is considered a public health problem, is a complex phenomenon that defies the legal operator. The woman-victim can perpetuate conflict, as seen in everyday practice, from conduct motivated by complex power relations that permeate the intimate relationship in which man places himself as superior and rights holders about that. Biological differences between men and women do not allow discrimination, however, the gender discourse legitimates domestic violence, favors its invisibility and authorizes the omission of the authorities that they should fight it. Law 11340/2006 operated the paradigm shift in dealing with such violence, containing rules for punitive nature, and psychosocial protective, encouraging interdisciplinary approach in dealing with the phenomenon. She has reasons that include fear, shame and guilt to remain in violent relationships. Possible co-dependency should be treated, offering himself to that, the professionals who rely on the laws in their field of work, opportunities for reflection and renewal of their status as subjects of rights. The systemic approach provides the empowerment of women, taking appropriate action in addressing the practical and legal conflict, with consequent overcoming of violence, the creation of a new subjectivity.

Key-words: Domestic Violence, Law 11340/2006, Identity of Women, Gender, Juvenile Court Specialist, Systemic Approach, Subjectivity.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO................................................................................................. 8

2. A IDENTIDADE FEMININA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE.................... 14

3. GÊNERO: BREVES APONTAMENTOS........................................................ 18

4. A CONSTRUÇÃO DO FEMININO E A TEORIA JUNGUIANA..................... 25

5. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER......................................... 30

6. A EXPERIÊNCIA NA PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA...... 37

7. PROPOSTAS DE SUPERAÇÃO................................................................... 46

8. CONCLUSÃO..................................................................................................50

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 52

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho em comentou nasceu como fruto de uma profunda reflexão

precipitada por vivências obtidas no exercício da função de promotora de justiça na

Promotoria Especializada junto ao Juizado da Violência Doméstica de Curitiba (à

época de iniciação deste trabalho, aliás, o único juízo especializado na aplicação da

Lei 11.340/2006 no Estado do Paraná; atualmente, existe outra Vara em moldes

similares na cidade de Londrina).

Para efeito do título do trabalho, o Juizado Especializado, que corresponde à

13.ª Vara Criminal de Curitiba, foi denominado simplesmente “Justiça”, considerando

que o enfoque dado à mulher é a de sujeito-vítima que é atendida por integrantes

oficiais do sistema de aplicação de justiça, incluindo-se a subscritora, representante

do Ministério Público do Paraná.

No trato dos casos penais (aqui entendidos casos penais como as hipóteses

da vida fática que adquiriram viés jurídico, seja através de investigação, iniciada pela

instauração de boletim de ocorrência e/ou inquérito policial, seja pela persecução

criminal em juízo, após oferecimento de denúncia; atualmente em trâmite no Juizado

existem cerca de catorze mil e seiscentos feitos, entre inquéritos policiais, medidas

protetivas e ações penais) trazidos à apreciação, foram identificados, pela autora,

padrões de comportamento feminino que se repetiam com bastante freqüência,

padrões estes que, para uma operadora jurídica, representavam, como representam,

até hoje, um desafio de compreensão e enfrentamento.

Diz-se do desafio de compreensão e enfrentamento, pois que o escopo do

trabalho de um promotor de justiça que atua na seara criminal, é, em última análise,

no manejo da legislação penal existente, combater a criminalidade, interrompendo o

ciclo odioso com a responsabilização do infrator, possibilitando ainda à vítima o

resgate, na medida do possível, dos rumos da normalidade de sua vida.

Ora, no caso da violência doméstica, muito precocemente percebeu-se que

as interlocutoras-vítimas, em suas respectivas audiências, davam seguidas mostras

de não conseguir entender a repetição do ciclo de violência por elas vivenciado, de

sorte a tratarem as questões a ele inerentes, grosso modo, como insolúveis, como

inseridas dentro de um contexto aceitável de relacionamento, ou como algo que as

fazia se sentirem culpadas. Tratavam, assim, dos eventos em que figuravam como

vítima, como algo que devia ser rapidamente finalizado, sem a intervenção dos

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mecanismos estatais de repressão e prevenção à criminalidade, “porque queriam

seguir com a vida”. Outrossim, também tendiam a isentar o agressor de sua

responsabilidade, afirmando que assim agiam com elas não por desejo próprio

deles, mas em função de vícios ou doenças, como a drogadição e o alcoolismo.

Emergia do cotidiano da Promotoria, destarte, a percepção de que em algum

momento de sua história pessoal, tais mulheres haviam perdido o registro – se é que

em algum dia o possuíram – de que eram sujeitos de direito, estando, portanto,

privadas, dentre outras conseqüências, da possibilidade de se comprometer com um

projeto pessoal de felicidade, abandonando ou modificando situação o vínculo

violento. Mais, ao recusarem autorização para as providências oficiais de

responsabilização do agressor, permaneciam à mercê do conflito instaurado,

perpetuando os vínculos afetivos indelevelmente marcados pela violência, muitas

vezes ainda transferindo suas mágoas e dores, em especial através de palavras,

para as profissionais da equipe interdisciplinar vinculada ao Juizado, ou mesmo às

profissionais do direito que com ela entabulavam contato nas audiências e durante o

atendimento ao público.

Por conseguinte, das percepções delineadas a partir da prática cotidiana,

surgiu a necessidade de compreensão de outros elementos que se situavam fora do

universo jurídico, abrangendo o discurso relativo ao gênero, de suas conseqüências

no espectro da construção do feminino, no âmbito da Psicologia, e, a partir de então,

iniciar a busca de respostas mais efetivas para os conflitos trazidos à baila, muito

mais complexos, insiste-se, do que as demandas jurídicas usuais das varas

criminais não-especializadas na matéria da violência doméstica.

O método selecionado para a realização da pesquisa foi o da revisão

bibliográfica, lançando-se mão de títulos outros além daqueles relativos ao Direito e

à Psicologia, exatamente no intuito de permitir várias luzes sobre o mesmo tema.

Nesta esteira, no que diz respeito às questões imanentes à identidade

feminina e ao gênero, objeto dos capítulos 2 e 3, constatou-se que permeiam todo o

arcabouço de motivos invocados ou absorvidos pelas vítimas para permanecerem

no ciclo abusivo (a elas, como é do senso comum, atribui-se a histórica

responsabilidade de edificação e manutenção do eixo familiar, como a “rainha do

lar”). Dentre as mais freqüentes motivações, ARAÚJO, MARTINS e SANTOS (2004,

p. 31), apontam “a dependência emocional e econômica, a valorização da família, a

idealização do amor e do casamento, a preocupação com os filhos, o medo da perda

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e do desamparo diante da necessidade de enfrentar a vida sozinha, a ausência de

apoio social e familiar”.

Enfrentou-se, ainda que de maneira não-aprofundada, a tarefa de examinar o

conceito de patriarcado, e as indeléveis conseqüências da capilaridade de sua

abrangência no meio social, e, com destaque, no âmbito doméstico. Afinal, é a

legitimação da violência doméstica pelo discurso de gênero, secularmente

institucionalizado, que confere à mulher a imposição de uma vida de subjugação.

Igualmente se trouxe à lume a questão de que aquele – o gênero - é relacional e,

conseguintemente, não se torna cabível, no contexto das relações por ele

entremeadas, um poder masculino absoluto. Por isto afirmam ARAÚJO, MARTINS e

SANTOS (2004, p. 19):

As mulheres também detêm parcelas de poder, embora nem sempre suficientes para sustar a dominação ou a violência que sofrem. Dessa forma, é possível pensarmos na possibilidade de diferentes processos de subjetivação e singularização vivenciados por homens e mulheres.

No capítulo subseqüente, lançou-se mão dos fundamentos da teoria

junguiana para subsidiar o entendimento da construção do feminino. Constituíram

premissas do raciocínio desenvolvido a compreensão das figuras arquetípicas da

psique, a anima e o animus, “personalidades subjetivas que representam um nível

do inconsciente mais profundo do que a sombra. Para melhor ou para pior, elas

revelam as características da alma e conduzem para os domínios do inconsciente

coletivo” (STEIN, 2009, P. 116).

Não se perdeu de vista, ainda, que parece ser o desequilíbrio no

desenvolvimento do animus e da anima, por parte de ambos os sexos, que

supedaneia e perpetua o patriarcado.

Outrossim, focando-se na temática da violência doméstica contra a mulher, no

capítulo 5, registrou-se a tratativa de caso específico, nos meandros do Juizado

Especializado de Curitiba, a partir de uma abordagem que pode ser considerada

sistêmica. Neste tópico, tratou-se da concepção sistêmica como uma observação do

mundo a partir da teia de variadas conexões entre as diversas partes que compõem

um sistema vivo (HOLZMANN, GRASSANO, 2002, p. 31). A complexidade daí

resultante influencia o agir do profissional envolvido no problema, mobilizando suas

tendências integrativas e auto-afirmativas, propiciando a formulação de novas

propostas de superação do conflito doméstico.

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Sublinha-se, ainda, que a despeito dos questionamentos acerca da

constitucionalidade da Lei 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, ainda

sustentarem acalorados debates na seara jurídica, não houve maiores

aprofundamentos acerca deste tópico, bem assim da vertente material do princípio

constitucional da igualdade (principal sustentáculo do estatuto legal referido), por

extrapolarem do objeto do presente trabalho. Registra-se, tão-somente, que os

argumentos dos detratores de tal norma legal emergem, via de regra, maculados

pelo sentido negativo da ótica sexista1.

Foram lançados, seqüencialmente, os fundamentos das propostas que

poderiam levar à superação do papel da mulher como perpetuadora (enquanto

remanesce omissa e/ou co-dependente), dos laços violentos de afetividade e

relacionamento, focando-se, principalmente, no desenvolvimento da resiliência

feminina e na sua paulatina conscientização, promovendo possibilidades de

cessação da violência e de construção de uma nova subjetividade, esta

positivamente estruturada pelo resgate da condição de sujeito de sua própria

história.

O vetor de direcionamento de tais propostas foi a convicção de que a

condição de vítima, não obstante arraigada no íntimo destas mulheres, não é

insuperável, ou ainda, como apontam FERRAZ e ARAÚJO (2004, p. 57) , “se o

saber construído sobre a diferença sexual engendra práticas, discursos e instituições

que fundamentam e perpetuam a distribuição hierárquica e desigual do poder, isso

não implica uma cristalização dessa condição”.

Nesta perspectiva, foram consideradas delineadas, histórica e culturalmente,

as bases para compreensão da complexidade do tema da violência doméstica,

tentando-se, neste diapasão, retirar o véu da imparcialidade do discurso jurídico (tal

imparcialidade, tida como tecnicismo jurídico, muitas vezes é o que possibilita

aplicações tendenciosas e desvirtuadas da Lei 11.340/2006, pelos profissionais do

Direito2).

1 Assim, REALE JR. E PASCHOAL (Forense, 2007, p. 3), ao afirmarem:

“Saímos da ditadura do masculino para a ditadura de um feminino estereotipado. Um feminino que ega tudo o que é feminino.” 2 Ou, na crítica de CAMPOS (2009, p. 29):

“O tecnicismo jurídico reveste com aparência de argumento técnico o que é, na verdade, um discurso misógeno ou sexista. No que se refere à Lei Maria da Penha, somente o não-entendimento da violência doméstica como um mecanismo de poder e controle sobre as mulheres e dos objetivos da Lei podem explicar porque alguns tribunais e juízes ainda negam aplicação integral e efetividade a alguns de seus dispositivos.”

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O arcabouço das premissas teóricas, os fundamentos históricos da

submissão feminina e a realidade inescapável do cotidiano do trabalho, a par de

constituírem uma espécie de roda-viva que conduz à reflexão contínua da autora,

justificam a relevância do tema selecionado.

Também confirmam que o impacto emocional advindo do trato com as

questões relativas à violência doméstica é inevitável é muito forte, pois que se trava

contato com as camadas mais primitivas da subjetividade humana e com o produto

mais degradado de uma sociedade (ARAÚJO e MATTIOLI, 2004, p. 10).

No capítulo das conclusões, dentre as elaboradas, destaca-se aquela que é

para a autora a mais importante: a de que o tratamento a ser dispensado às

mulheres vítimas, pelos operadores jurídicos, pode e deve abranger conceitos

interdisciplinares, sob pena de ineficácia.

Os conceitos interdisciplinares remetem à necessidade da escuta qualificada

(cuida-se aqui de qualificar a conduta pela familiarização com o debate de gênero)

pelos operadores jurídicos e equipes interdisciplinares, como gatilho propiciador do

processo de conscientização que se almeja.

Seqüencialmente, tem-se a psicoterapia, através de dinâmicas de grupo ou

não, como essencial ao seguimento do processo de conscientização da vítima, que

desembocará na elaboração de sua própria mudança subjetiva, atentando-se,

consoante pontua ANGELIM (2009, p. 132), que

Durante as intervenções psicoterapêuticas, a diretividade do atendimento é um elemento essencial para o sucesso do atendimento. Em contraponto com o setting psicoterápico tradicional onde a escuta e o tempo de reflexão do paciente cadenciam o atendimento, a intervenção em casos de violência doméstica necessita de maior diretividade a fim de que se possa receber toda a dinâmica pessoa e interpessoal que mantém o padrão de relacionamento violento.

Indo mais além, remete-se à relevância de incremento da rede de apoio, que

não somente consolidam as etapas anteriores, como também funcionam como

incentivo para que as vítimas identifiquem e busquem suas próprias redes sociais,

criando mecanismos de apoio que colaborem na superação do medo e da vergonha.

Ao fim e ao cabo, sublinha-se que a subjetividade reconquistada pela mulher

opera mudanças também no seu entorno, em especial no agressor, que se vê não

raro surpreendido com a necessidade de mudar a antiga dinâmica do

relacionamento, para manutenção da convivência com a mesma parceira, ou

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compelido a aceitar a ruptura, quando não se adapta ao molde mais saudável de

vinculação afetiva.

Quando a sonhada conscientização favorece todos os envolvidos, ou mesmo

quando só permita um devir para a mulher, ousa-se afirmar que a democratização

do vínculo, ou o estabelecimento de um novo, em moldes aptos à satisfação

daqueles que o integram, faz com que o antigo viés de violência, que chegou a ser

publicizado e judicializado, através do desenvolvimento da resiliência, torne-se

apenas uma triste memória superada.

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2. A IDENTIDADE FEMININA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Tratar da identidade feminina não corresponde a tarefa simples: se o tipo

humano absoluto é o homem (BEAUVOIR, 8.ª ed., p.09), e a mulher é o tipo humano

remanescente, a partir de quais parâmetros se definem os critérios de

diferenciação?

É certo que a dimensão biológica pode servir de patamar inicial para se

compreender as diferenças entre homens e mulheres.

Nada obstante, há elementos intangíveis, provavelmente ligados à

capacidade de concepção da mulher, que serviram de balizas, historicamente, para

definir a identidade feminina como correspondente àquilo que é distinto e secundário

em relação à identidade masculina. A mulher passou a ser “o outro”, aquele em que

faltam características masculinas, como assevera BEAUVOIR:

“(...) A muher tem ovários, um útero; eis as condições singulares que a encerram na sua subjetividade; diz-se de bom grado que ela pensa com suas glândulas. O homem esquece soberbamente que sua anatomia também comporta hormônios e testículos. Encara o corpo como uma relação direta e normal com o mundo que acredita apreender na sua objetividade, ao passo que considera o corpo da mulher sobrecarregado por tudo o que o especifica: um obstáculo, uma prisão. ‘A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades”, diz Aristóteles. ‘Devemos considerar o caráter das mulheres como sofrendo de certa deficiência natural’. E Sto. Tomás, depois dele, decreta que a mulher é um homem incompleto, um ser ‘ocasional’. É o que simboliza a história do Gênese em que Eva aparece como extraída, segundo Bossuet, de um ‘osso supranumerário’ de Adão. A humanidade é masculina e o homem define a mulher não em si mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo (...)”

3

Nada obstante, historicamente sabe-se que a mulher nem sempre foi o

“Outro”.

Ao revés, tratava-se, por exemplo, no período neolítico4 de organizar as

sociedades primevas em torno da maternidade certa, pois que os homens ainda

3 O Segundo Sexo – vol 1. Fatos e Mitos. Editora Nova Fronteira, 8.ª edição, p. 09/10, destaques no

original. 4 Consoante Regina Navarro Lins (A Cama na Varanda – arejando nossas idéias a respeito de

amor e sexo, 7.ª edição, p. 17): “A história humana divide-se em dois grandes períodos: a idade da pedra e a idade dos metais. Há registros escritos deste último, iniciado por volta do ano 3000 a.C., correspondente à

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ignoravam sua participação na procriação, e desconheciam a vida pré-natal das

crianças. Poder-se-ia supor, nesta linha de raciocínio, que as antigas sociedades,

em que não havia o predomínio dos homens sobre as mulheres, eram, por exclusão,

sociedades matriarcais.

Nada obstante, acerca de tal linha de raciocínio, cabe a crítica de LINS 5

Durante muito tempo acreditou-se que, se a pré-história não era patriarcal, com certeza teria sido matriarcal. A idéia geral era que, se os homens não dominavam as mulheres, obviamente, as mulheres dominavam os homens. A dificuldade em admitir uma organização social em que uns não dominem os outros é característica do pensamento patriarcal da nossa época. As descobertas arqueológicas de que dispomos hoje, aliadas a novas tecnologias, trouxeram valiosos conhecimentos, aumentando a compreensão do passado. A estrutura social pré-patriarcal era igualitária. Apesar da linhagem tem sido traçada por parte da mãe e as mulheres representarem papéis predominantes na religião e em todos os aspectos da vida, não há sinais de que a posição do homem fosse de subordinação.

Independentemente da comprovação do predomínio de um sexo sobre o

outro, é sabido que com o estabelecimento da agricultura a partir de 6500 a. C.,

precedido do recuo do gelo para o Norte, criaram-se as bases para uma sociedade

agrícola, invertendo-se o modo de subsistência, anteriormente calcado na caça.

É neste marco histórico que a mulher, cuja fecundidade pressupunha-se

vinculada à fertilidade nos campos6, desempenha preeminente papel.

história das nações civilizadas. A idade da pedra subdivide-se em: paleolítico (antiga idade da pedra) e neolítico (nova idade da pedra). O período paleolítico da pré-história é muito longo – de 500000 a 10000 a. C. 5 Ob. cit., p. 21.

6 A associação da mulher à terra fértil é perfeita na descrição de BEAUVOIR (ob. cit., p. 87/88, grifos

nossos): “(...) muitos primitivos ignoram a parte do pai na procriação dos filhos; consideram estes a reencarnação das larvas ancestrais que flutuam ao redor de certas árvores, certos rochedos, certos lugares sagrados e que descem no corpo da mulher. Considera-se, por vezes, que esta não deve ser virgem para que a infiltração se torne possível, mas outros povos acreditam também que ela se produz pelas narinas ou pela boca; de qualquer modo, a defloração parece aqui secundária e, por razões de ordem mística, é raramente o apanágio do marido. A mãe é evidentemente necessária ao nascimento do filho. É ela que conserva e nutre o germe em seu seio e é, pois, através dela que no mundo visível a vida do clã se propaga; desempenha assim papel de primordial importância. Muitas vezes, os filhos pertencem ao clã da mãe, usam-lhe o nome, participam de seus direitos e, em particular, do gozo da terra que o clã detém. A propriedade comunitária transmite-se, então, pelas mulheres; com elas asseguram-se aos membros do clã os campos e as colheitas e, inversamente, é por suas mães que esses são destinados a tal ou qual propriedade. Pode-se, assim, considerar que, misticamente, a terra pertence às mulheres; elas têm um domínio a um tempo religioso e legal sobre a gleba e seus frutos. O laço que os une é mais estreito ainda do que uma pertinência; o regime de direito materno caracteriza-se por uma verdadeira assimilação da mulher à terra; em ambas se cumpre, através dos avatares, a permanência da vida, a vida que é essencialmente geração. Entre os nômades, a procriação parece ser apenas um acidente

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Seqüencialmente, todavia, o ocaso do valor da mulher vem associado à

descoberta da participação do homem na fecundação. MENDONÇA assim se refere

a este evento:

“Lógicas científicas fazem acreditar que o início da agricultura aconteceu na mesma ocasião em que houve a descoberta da relação do sexo com a gestação e a perda do prestígio de divindade pelas mulheres (...). Não custa lembrar que os homens passaram a se sentir os representantes dos deuses na Terra e somente eles possuíam alma na maioria das comunidades – é a lógica. Nesse mesmo período iniciaram também as guerras entre as tribos, induzidas pela ganância masculina na busca de úteros alheios e das ricas terras cultivadas. Os vencedores matavam os perdedores, roubavam suas mulheres e seus bens. Esse grande desequilíbrio dos valores humanos existentes entre homens e mulheres tornou-se presente, fazendo desmoronar uma possível sociedade matrística pacífica e mais evoluídas, para dar lugar a um patriarcado machista e bárbaro, conquistado pela força física. As mulheres passaram a ser meros troféus dos vencedores, ou um bem móvel, tal qual eram os rebanhos dos animais criados, enquanto as terras conquistadas eram os bens imóveis (...).

7

A precitada desvalorização foi sendo assimilada pelas mulheres ao longo do

tempo. Paulatinamente desvalorizadas, equiparadas a bens móveis que podem ser

submetidos a seu dono, historicamente as mulheres encamparam um senso pessoal

de menos-valia ( a justificar as punições a que eram ou são submetidas), que não foi

superado.

Ao revés, hodiernamente esta desvalorização vem amparada pelo acúmulo

cultural de papéis sociais (a mulher é a profissional, deve ser a mãe generosa e a

cuidadora impecável da residência, responsável maior pela manutenção em

perfeitas condições do eixo familiar), refletindo-se numa perda de auto-estima e

referencial pessoal dentro do contexto familiar que demanda profundo exame para

ser superado, dado a sua enorme ambivalência8. É esta ambivalência que

e as riquezas do solo continuam desconhecidas; mas o agricultor admira o mistério da fecundidade que desabrocha nos sulcos dos arados e no ventre materno; sabe que foi engendrado como a rês e as colheitas, deseja que seu clã engendre outros homens que o perpetuarão perpetuando a fertilidade dos campos. A Natureza na sua totalidade apresenta-se a ele como uma mãe; a terra é mulher, e a mulher é habitada pelas mesmas forças obscuras que habitam a terra (...)” 7 MENDONÇA, Paulo. Mulher – um resgate íntimo. São Paulo: Otimiza Cultural. 2009, 2.ª ed.,

revisada e ampliada, p. 52-53. 8 Por todos, BEAUVOIR, ob. cit., p. 102:

“(...) É essa ambivalência do Outro, da Mulher, que irá refletir-se na sua história; permanecerá até os nossos dias submetida à vontade dos homens. Mas essa vontade é ambígua: através de uma anexação total, a mulher seria rebaixada ao nível de uma coisa; ora, o homem pretende revestir de sua própria dignidade o que conquista e possui; o Outro conserva, a seus olhos, um pouco de sua magia primitiva; como fazer da esposa ao mesmo tempo uma serva e uma

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possibilita, dentre outros fatores, a manutenção dos discursos negativos de gênero e

a invisibilidade da violência doméstica, temas inapelavelmente atuais mesmo nos

dias de hoje.

companheira, eis um dos problemas que procurará resolver; sua atitude evoluirá através dos séculos, o que acarretará também uma evolução no destino feminino.”

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3. GÊNERO: BREVES APONTAMENTOS

Preliminarmente, há de se assentar que a temática do gênero é deveras

complexa, eis que não se resume a uma única categoria de análise, mas

corresponde à construção social do masculino e do feminino (SAFFIOTI, 2004).

Diz respeito, portanto, também a uma categoria histórica, abrangendo

hierarquia, eventual ou não, entre homens e mulheres, remetendo ao conceito de

patriarcado9.

O termo gênero, aliás, não se confunde com o conceito de sexo. De acordo

com FERRAZ e ARAÚJO10,

O termo sexo refere-se basicamente às diferenças biológicas que caracterizam homens e mulheres. Já o termo gênero se refere à construção social sobre a diferença sexual e às formas de relação socialmente impostas entre os sexos, que constroem sujeitos masculinos e femininos. É produto do processo de socialização que reprime as características culturalmente consideradas femininas nos homens e as consideradas masculinas nas mulheres, transformando-os em duas categorias mutuamente exclusivas (...)

A construção social do masculino e do feminino, ambos os papéis em

oposição, e ambos elaborados a partir da ótica do masculino, vai ocasionar a

aceitação gradativa de incumbências, tarefas e dores às mulheres, engendrando

uma espécie de personalidade feminina cultuada como imanente, mas que

corresponde, em verdade, a algo socialmente edificado.

Mais, a valorização social do masculino em detrimento do feminino

hierarquiza as relações entre os sexos, ensejando diferenciações não-naturais que

9 Alerta SAFFIOTI (ob. cit., p. 45, destaques no original):

“(...) Aí reside o grande problema teórico, impedindo uma interlocução adequada e esclarecedora entre as adeptas do conceito de patriarcado, as fanáticas pelo de gênero e as que trabalham, considerando a história como processo, admitindo a utilização do conceito de gênero para toda a história, como categoria geral, e o conceito de patriarcado como categoria específica de determinado período, ou seja, para os seis ou sete milênios mais recentes da história da humanidade (LERNER, 1986; JOHNSON, 1997; SAFFIOTI, 2001). Em geral, pensa-se ter havido primazia masculina no passado remoto, o que significa, e isto é verbalizado oralmente e por escrito, que as desigualdades atuais entre homens e mulheres são resquícios de um patriarcado não mais existente ou em seus últimos estertores. De fato, como os demais fenômenos sociais, também o patriarcado está em permanente transformação (...)”. 10

Gênero e saúde mental: desigualdades e iniqüidades, in “Gênero e Violência”, São Paulo, Arte e Ciência Editora, p.55. .

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passam a ser socialmente integradas através de vários mecanismos, dentre os quais

o Direito.11

O gênero, destarte, enquanto conceito sociológico, reconhece que as

diferenças entre homens e mulheres apresenta uma dimensão relacional, que é uma

construção social da diferença entre os sexos e que é um campo primordial onde o

poder se articula (SCOTT,1995) .

A partir desta perspectiva relacional do gênero, constata-se que a violência

inerente a ele delineia-se nos vínculos de poder criados a partir do entrelaçamento

das noções de gênero, raça e classe, permeada pela ordem patriarcal que assegura

aos homens o direito de dominar e controlar as mulheres.

ARAÚJO, MARTINS e SANTOS (ob. cit., p. 19) destacam que a opressão das

mulheres está vinculada “a naturalização do sistema patriarcal que atribui aos

homens, na esfera pública e privada, privilégios materiais, culturais e simbólicos”.

E SAFFIOTI (2004) complementa que o poder tem duas faces: “a da potência

e a da impotência. As mulheres estão familiarizadas com esta última, mas este não

é o caso dos homens, acreditando-se que, quando eles perpetram violência, estão

sob o efeito da impotência”.

É dizer, a partir de um dito desvirtuamento da dimensão humanitária do

vínculo afetivo entre homem e mulher, o poder subjacente à formação do antedito

vínculo delimita novos formatos conflituosos da interação, posto que permeado pelo

exercício unilateral de poder.

Este exercício unilateral de poder manifesta-se sob diversas formas, inclusive

no reconhecimento implícito da superioridade masculina quando da seleção do

parceiro. THURLER e BANDEIRA (2009, p. 173/174) fazem o seguinte registro:

Nas sociedades ocidentais, o reconhecimento implícito de uma superioridade masculina estaria já na lógica da atração entre os sexos, com as mulheres atraídas por homens “viris” – o que incluiria sucesso em um mercado de trabalho capitalista extremamente competitivo – e os homens fascinados por mulheres “femininas” – isto é, doces, pacientes, predispostas ao exercício do care. E se é correto que a vida do casal é modelada por múltiplos fatores, eles não podem ocultar a existência de tendências sociais dominantes. Jovens homens e jovens mulheres ao se envolverem em relações afetivas estáveis interiorizam o princípio da hierarquia de gênero, modelador das estratégias de gênero de cada um dos parceiros/as. A existência de mecanismos sociais poderosos – fatores

11

Em capítulo anterior já se fez referência, inclusive, que a suposta neutralidade do tecnicismo jurídico encobre, autorizando de forma passiva, o discurso de gênero.

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que presidem a desigualdade no interior do casal – é obscurecida pela apresentação deles como uma escolha livremente consentida.

Inevitável, nestes meandros, o exame do poder subjacente a tais relações

como algo fluido, que se espraia por toda a tessitura dos vínculos afetivos,

reproduzindo novos formatos de hierarquia na convivência. FOUCALT12 o conceitua:

(...) o poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a situação estratégica complexa numa sociedade determinada”, e que “as relações de poder não se encontram em posição de exterioridade com respeito a outros tipos de relações (processos econômicos, relações de conhecimento, relação sexuais), mas lhes são imanentes; são os efeitos imediatos das partilhas, desigualdades e desequilíbrios que se produzem nas mesmas e, reciprocamente, são as condições internas destas diferenciações; as relações de poder não estão em posição de superestrutura, com um simples papel de proibição ou de recondução; possuem, lá onde atuam, um papel diretamente produtor (...)

Ainda nas construções dos papéis sociais em que os vínculos se poder se

entrelaçam, cumpre notar que as mulheres são educadas para a cordialidade e o

apaziguamento, enquanto os homens para demonstrar capacidade de conquista e

coragem. Ou visto sob outro ângulo, a mulher tem a ânsia da justiça, enquanto o

homem tem a ânsia de guerra, neste modelo de sociedade (ROCHA, 2009).13

Tal dicotomia, é certo, prejudica a ambos os sexos. Nada obstante, está de tal

maneira arraigada na formação de cada qual que as mesmas mulheres que se vêem

prejudicadas com o preconceito velado são reprodutoras da odiosa ideologia. Ou,

como alerta SAFFIOTI14

(...) os homens gostam de ideologias machistas, sem sequer ter noção do que seja uma ideologia. Mas eles não estão sozinhos. Entre as mulheres, socializadas todas na ordem patriarcal de gênero, que atribui qualidades positivas aos homens e negativas, embora nem sempre, às mulheres, é pequena a proporção destas que não portam ideologias dominantes de gênero, ou seja, poucas mulheres questionam sua inferioridade social. Desta sorte, também há um número incalculável de mulheres machistas. E o sexismo não é somente uma ideologia, reflete, também, uma estrutura de poder, cuja distribuição é muito desigual, em detrimento das mulheres (...)

12

FOUCALT, Michel. História da Sexualidade – 1- a vontade de saber. São Paulo: Graal. 2010, 20.ª reimpressão, p. 103/105. 13

ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O Direito a uma Vida sem Violência. In “Violência Doméstica – Vulnerabilidades e Desafios na Intervenção Criminal e Multidisciplinar”. Rio de Janeiro: Lumen Juris.2009, p. 14. 14

Ob. cit., p. 34/35.

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A construção social do conceito de gênero possibilita a crítica da definição da

mulher como “o outro”, já examinada em capítulo anterior.

Indispensável frisar, todavia, que o gênero não é tão-somente uma

construção social: dele participa também o corpo, “quer como mão-de-obra, quer

como objeto sexual, quer, ainda, como reprodutor de seres humanos, cujo destino,

se fossem homens, seria participar ativamente da produção e, quando mulheres,

entrar com três funções na engrenagem descrita” (SAFFIOTI, 2004, p. 105).

Ora, embora evidenciado que a mulher é diferente do homem, isto não quer

dizer que ela possa ser categorizada como “o outro” (ARENDT, 2004).15

Afora o estudo, em capítulo distinto, acerca desta dificuldade das mulheres

em retornarem a si próprias, a se empoderarem, cabe pontuar que esta falta de

identificação com a alma do feminino também foi incrementada pelo determinismo

científico, que se incumbiu, ao longo dos séculos de patentear limitações inerentes

ao gênero feminino16.

15

A autora em comento explicita que a “alteridade” não corresponde à “diferença”: “(...) A alteridade é, sem dúvida, aspecto importante da pluralidade; é a razão pela qual todas as nossas definições são distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem distingui-la de outra. Em sua forma mais abstrata, a alteridade está presente somente na mera multiplicação de objetos inorgânicos, ao passo que toda vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre indivíduos da mesma espécie. Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa diferença e distinguir-se; só ele é capaz de comunicar a si próprio e não apenas comunicar alguma coisa – como sede, fome, afeto, hostilidade ou medo. No homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção, que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se

singularidade, e a pluralidade humana é a paradoxal pluralidade de seres singulares (...)”A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 10.ª ed., 4.ª reimpressão, 2004, p. 189. 16

Sobre o histórico da ideologia científica contemporânea, BERMAN ( Do dualismo de Aristóteles à Dialética Materialista: a Transformação Feminista da Ciência e da Sociedade. In JAGGAR, Alison M. e BORDO, Susan R. Gênero, Corpo e Conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1988,ob. cit., p. 249-252, destaques no original, sublinhados nossos): “A revolução moderna na ciência foi associada por Augusto Comte )c. 1830-1842) àquele tempo ‘quando a mente humana estava em agitação sob os preceitos Bacon, as concepções de Descartes e as descobertas de Galileu’ (Comte, 1947) no fim do século XVI e começo do século XVII, uma visão agora amplamente aceita. Entretando, as origens históricas da ciência de nossos dias remontam a muito mais longe, ao período de desenvolvimento da escravidão na antiga civilização grega. Essas importantes raízes primárias estavam adormecidas mas permaneceram fecundas durante mais de mil anos; sua eflorescência, irrompendo novamente no solo fértil de uma sociedade capitalista emergente, logo revelou os traços dualistas que caracterizaram seu crescimento anterior. Ignorar essa longa história da ideologia científica contemporânea distorce nossa visão da mesma. A ciência e a filosofia ocidentais começaram juntas na Jônia, no século VI a. C., antes que a sociedade escravagista grega tivesse se desenvolvido plenamente (Farrington, 1944). Tales de Mileto foi o primeiro a especular sobre os princípios que governam as relações entre fenômenos naturais sem recorrer a explicações mitológicas ou sobrenaturais; mas em breve outros o seguiram. Tanto sua ciência como sua filosófica expressavam uma visão monística da natureza, derivada de princípios completamente naturalistas. Pitágoras introduziu uma orientação mais idealista. Sustentava que os números e suas relações eram os princípios primários da matéria e que a contemplação da perfeição eterna da forma intrínseca em todas as coisas era a meta moral e religiosa máxima. Parmênides, o segundo dos filósofos religiosos gregos, foi mais longe ainda. Afirmava que a lógica era a única realidade e que

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toda mudança, movimento e variedade no universo eram ilusões. Essas duas tradições, a das relações numéricas de Pitágoras e a do idealismo racionalista de Parmênides, tornaram-se o fundamento sobre o qual Platão construiu sua filosófica dualista de dois mundos separados. Seu reino das idéias abrangia os padrões perfeitos, constantes de todas as coisas: o mundo da matéria continha suas cópias imperfeitas e transitórias. Platão considerava que a alma – constante, não material, imortal - derivava do primeiro mundo e era o princípio determinante atribuído ao indivíduo antes ou no momento do nascimento; o corpo, suas necessidades e interações físicas pertenciam ao mundo material, derivado, temporal e inconstante. A alma, atribuída ao nascimento, determinava o valor humano inerente e, conseqüentemente, a posição social natural. Como membro da aristocracia numa sociedade de escravos plenamente desenvolvida, Platão tinha o tempo disponível e o auto-interesse para teorizar sem nenhuma relação com os fatos. ‘A palavra era do interesse do cidadão, a ação do interesse do escravo’, nota Farrington (1944). As almas superiores da classe dominante, ensinava ele, tinham a capacidade de se empenhar na direção do perfeitamente bom, belo e racional. O escravo, geralmente estrangeiro e considerado racialmente inferior, naturalmente não tinha muito do elemento racional em sua alma. Ele e, desnecessário dizer, ela, eram as mãos, completamente separadas da cabeça do filósofo. A perspectiva aristocrática de Platão era um interesse tão avassalador para ele, que as únicas ciências ensinadas na Academia platônica eram a matemática abstrata, especialmente a geometria, e uma forma distorcida de astronomia, baseada na descrição das órbitas planetárias como a soma de uma série de círculos perfeitos. Cientistas como Anaxágoras, que defendiam o estudo dos planetas e suas órbitas pela observação do céu e seus movimentos, foram literalmente expulsos da cidade – de Atenas – sob pena de morte. Aristóteles, que estudou na Academia de Platão durante vinte anos, modificou o dualismo do mestre alterando suas relações. Afirmava que as idéias ou as formas não estavam fora da substância e sim atuando dentro dela. Mudou o conceito de Platão sobre o absoluto, ou Forma Primeira, como causa ideal abstrata dp bem, da ordem e do movimento em todas as coisas, mas não específico de qualquer delas, para formas ideais situadas dentro das coisas e características de cada substância particular (Aristóteles, ‘On the Soul’ [Sobre a alma]: 643:644). Essas formas aristotélicas internas eram agora os princípios organizadores e ativadores de fenômenos essenciais, mas elas mesmas permaneciam inalteradas e constantes, não espaciais e imateriais. A disjunção dualista era mantida. Essa nova perspectiva, no entanto, permitiu a Aristóteles defender o minucioso exame da natureza, em todos os seus detalhes. Classificou cuidadosamente plantas e animais em espécies e gêneros imutáveis, cuja esquematização era ditada por suas formas absolutamente constantes. Como salientado posteriormente por Francis Bacon, essas formas abstratas eram, de fato, ‘leis de ação simples’ (Farrington, 1944). O dualismo aristotélico tornou-se o precursor natural e ideal da ideologia da natureza como uma máquina movida por leis imutáveis, o progenitor direto do mecanicismo de nossos dias. A absoluta subordinação das mulheres, dos escravos e dos não gregos já estava na prática bem estabelecida na Atenas de Péricles do século V a..C. Eurípedes, em Medéia, questiona ambos, o sexismo e o racismo da pólis (Bury e Meiggs, 1975). Platão, ao mesmo tempo que propunha que homens e mulheres da classe ‘guardiã’ fossem educados de forma igualitária em sua República ideal, também afirmava que as mulheres tinham a alma reciclada de homens covardes e inferiores. Aristóteles, algumas décadas mais tarde, tinha um interesse primário nas mulheres como mães. As mulheres grávidas deveriam tomar conta de seus corpos, mas ‘manter (suas mentes) quietas’ (Aristóteles, Politics: 538 [Política]). Aristóteles considerava a ‘inferioridade dos escravos e das mulheres como ‘natural’ (...) A natureza, afirmava ele, criou o bárbaro – homem e mulher – como uma raça de ‘escravos naturais’, ‘de nascença’, pois suas almas/mentes não tinham a ‘faculdade deliberativa’; os helenos, com suas mentes racionais, eram destinados pela natureza a governá-los, despoticamente (447-449) (...) As mulheres de raça superior, por outro lado, eram constitucionalmente diferentes dos homens (Politics: 453). Suas almas, menos racionais que as dos homens, tendiam para os ‘apetites’ ou ‘elementos passionais’. Essa diminuição do elemento racional acarretava inúmeras diferenças comportamentais entre a mulher e o homem. ‘Uma mulher é mais compassiva do que um homem’, ensinava Aristóteles, mas ‘ao mesmo tempo é mais ciumenta, mais impertinente, mais inclinada a ralhar e golpear...mais propensa à melancolia....mais destituída de vergonha’ – e outros traços desagradáveis (Aristóteles, Biological Treatises : 134). Em seus Tratados biológicos, como é agora comum em textos contemporâneos de sociobiologia, Aristóteles fundamentava suas teses referindo-se ao comportamento ‘natural’ de outros animais um tanto mais primitivos. ‘O macho é mais corajoso’

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Sintomaticamente, BERMAN17 já registrara que

As mulheres freqüentemente concebem a ciência como algo ‘pesado’ e externo ao seu modo de pensar. Isso não é surpresa. A ciência está associada nesta sociedade a uma estrutura de poder da qual as mulheres têm sido mantidas à distância. Nossas experiências de vida nos têm condicionado para servir e não para nos identificar facilmente com o domínio sobre a natureza ou sobre outros seres humanos.

Elaborado tal pano de fundo, ainda assim tem-se que todas as dicotomias

examinadas não afastam a necessidade comum de homens e mulheres: amar e ser

amado, expressar emoções, realizar-se enquanto pessoa.

Neste diapasão, a evolução das formas de sociedade, permeada pela

categoria sociológica recém-examinada conduz, em verdade, na pós-modernidade,

a um questionamento que paira, dolorosamente, sobre ambos os sexos. Fala-se,

hoje, em “amores líquidos”18, ao se tratar dos relacionamentos humanos:

(...) Seus personagens centrais (do relacionamento humano) são homens e mulheres, nossos contemporâneos, desesperados por terem sido abandonados aos seus próprios sentidos e sentimentos facilmente

descartáveis, ansiando pela segurança do convívio e pela mão amiga com que possam contar num momento de aflição, desesperados por ‘relacionar-se’. E no entanto desconfiados da condição de ‘estar ligado’, em particular de estar ligado ‘permanentemente’, para não dizer eternamente, pois temem que tal condição possa trazer encargos e tensões que eles não se consideram aptos nem dispostos a suportar, e que podem limitar severamente a liberdade de que necessitam para (...) relacionar-se... Em nosso mundo de furiosa ‘individualização, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam, embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida, moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência. É por isso, podemos garantir, que se encontram tão firmemente no cerne das atenções dos modernos e líquidos indivíduos-por-decreto, e no topo de sua agenda existencial (...)

Em essência, assentar que o gênero permeia e macula toda a teia social é

fundamental a bem de se compreender o fenômeno da violência doméstica, visando

e mais prestativo, ‘como no caso dos moluscos’ – explicava ele. ‘O macho da siba...fica próximo para ajudar a fêmea...mas a fêmea foge’ quando o macho precisa de ajuda! Esses padrões díspares de comportamento e de habilidades do raciocínio humano estão no spiritum , princípio da alma, que, apropriadamente, é transmitido ao embrião pela secreção masculina portadora da hereditariedade, o sêmen. A secreção feminina não inclui a alma, ‘pois a mulher é como se fosse um homem mutilado’ ( Biological Treatises: 278). 17

BERMAN, Ruth. Ob. cit., p. 241, sublinhados nossos. 18

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, p. 8/9.

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sua superação, em prol de ambos os sexos. Porque, afinal, todos necessitam do

encontro com o outro (um outro inteiro, senão revigorado) para o encontro consigo

mesmo (BOLEN, 2005).

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4. A CONSTRUÇÃO DO FEMININO E A TEORIA JUNGUIANA

A contribuição mais notável de JUNG à psicologia moderna é o conceito de

inconsciente.19

De acordo com tal autor, o inconsciente corresponde a um mundo amplo e

rico, tão real e vital na vida do indivíduo quanto o seu consciente. Em verdade, o

inconsciente seria o grande guia e conselheiro do consciente, correspondendo os

símbolos e sonhos à sua linguagem de comunicação.

O inconsciente pode ser dividido em inconsciente pessoal, que contém os

complexos, e em inconsciente coletivo, composto pela imagens arquetípicas e os

grupos de instintos.

As inovações formuladas por JUNG, em especial no que diz com a categoria

recém-referida, foram acolhidas com bastante reserva pela comunidade acadêmica.

Mais que isso, registra STEIN (2009, p. 200),

Esta área – o inconsciente coletivo – fez com que a psicologia acadêmica se afastasse de Jung e o tachasse de místico. Só em tempos mais recentes se passou a dispor de ferramentas, na forma de técnicas de pesquisa biológica, especialmente sobre o cérebro e sobre a relação da química cerebral com o humor e o pensamento, para meter mãos à obra e examinar a fundo as hipóteses apresentadas por Jung muitas décadas atrás. Grande parte das pesquisas recentes sobre as bases biológicas do comportamento tende a conformar os pontos de vista de Jung segundo os quais herdamos um considerável número de padrões mentais e comportamentais que tinham sido considerados aprendidos e fruto da criação, não da natureza.

O conceito junguiano de inconsciente difere frontalmente, portanto, da noção

freudiana de inconsciente, que corresponderia a uma espécie de “arquivo morto” dos

desejos reprimidos.

Neste compasso, trata o autor do processo de individuação como algo que

possibilitaria ao indivíduo o conhecimento e o respeito mútuo entre as esferas do

consciente e do inconsciente individual, e que garantiria sua liberdade e satisfação

pessoais.

19

A personalidade total ou psique, na concepção junguiana, compõe-se de vários sistemas isolados, que se interpenetram. Os principais são o ego, o inconsciente individual e seus complexos, o inconsciente coletivo e seus arquétipos, a persona, a anima, o animus, e a sombra. O self seria a personalidade na sua totalidade, havendo ainda as funções do pensamento, do sentimento, da sensação e da intuição. Para o presente trabalho, interessam, especialmente, como se verá no corpo do texto, as noções dos princípios masculino e feminino, animus e anima..

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JUNG20 ainda enfatiza que o que se considera usualmente como

“autoconhecimento” se confunde com o conhecimento da personalidade consciente

do eu:

Aquele que tem alguma consciência do eu acredita, obviamente, conhecer a si mesmo. O eu, no entanto, só conhece os seus próprios conteúdos, desconhecendo o inconsciente e seus respectivos conteúdos. O homem mede seu autoconhecimento através daquilo que o meio social sabe normalmente a seu respeito e não a partir do fato psíquico real que, na maior parte das vezes, lhe é desconhecido. Nesse sentido, a psique se comporta como o corpo em relação a sua estrutura fisiológica e anatômica, desconhecida pelo leigo. Embora o leigo viva nela e com ela, via de regra ele a desconhece. Tem então de recorrer a conhecimento científicos específicos para tomar consciência, ao menos, do que é possível saber, desconsiderando o que ainda não se sabe, e que também existe.

O autor traz também a noção de self como um vetor de orientação íntima, que

não se confunde com a personalidade consciente, e só pode ser conhecida através

da investigação dos sonhos de cada um.

O self pode ser visto, outrossim, como o centro da ação organizadora do

processo de crescimento psíquico, como a totalidade absoluta da psique (VON

FRANZ, 2.ª ed., p. 212), e não se confunde com o ego, que corresponde a apenas

uma parcela daquela (embora permita que a consciência ilumine toda a psique).

JUNG ainda trata da sombra como representativa de aspectos e atributos

desconhecidos ou pouco conhecidos do ego, como também de fatos fatores

coletivos oriundos de uma fonte externa ao indivíduo. Em verdade, a sombra está à

mercê de contágios e influências coletivas muito mais do que a personalidade

consciente (VON FRANZ, 2.ª ed., p. 212).

Tem-se, de conformidade com o mesmo autor, que tanto homens quanto

mulheres são dotados de animus e anima21.

20

Presente e Futuro, 5.ª ed. , p. 03. 21

Sobre o tema, HALL e LINDZEY, Teorias da Personalidade, São Paulo: EDUSP, 9.ª reimpressão, p. 102:

“É geralmente reconhecido e aceito que o homem é essencialmente um animal bissexual. No plano fisiológico, o macho e a fêmea produzem ambos os hormônios sexuais masculinos e femininos. No plano psicológico, encontram-se em ambos os sexos características masculinas e femininas. A homossexualidade é apenas uma das condições, talvez a mais óbvia de todas, que deu origem à concepção da bissexualidade humana. Jung atribui a arquétipos o lado feminino da personalidade do homem e o lado masculino da personalidade da mulher. O arquétipo feminino no homem é chamado anima, o arquétipo masculino na mulher, animus. Esses arquétipos, embora possam ser condicionados pelos cromossomos e glândulas sexuais, são o produto de experiências raciais do homem com a mulher, e da mulher com o

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A anima é o princípio feminino, “a personificação de todas as tendências

psicológicas femininas na psique do homem – os humores e sentimentos instáveis,

as intuições proféticas, a receptividade ao irracional, a capacidade de amar, a

sensibilidade à natureza e, por fim, mas não menos importante, o relacionamento

com o inconsciente” (VON FRANZ, 2.ª ed., p. 212). Seu caráter, nas manifestações

individuais, via de regra é determinado pela mãe do sujeito.

O animus, a seu turno, corresponde ao princípio masculino no inconsciente da

mulher, e é basicamente moldado por seu pai22.

Indo além, embora JUNG tenha assentado que todos os seres humanos

compartilham dos mesmos arquétipos, estabeleceu igualmente, com a nominação

dos princípios antes referidos, que há diferenciação entre os sexos. Esta

diferenciação é de tal modo complexa que a aparência pública de cada sujeito não

permite entrever sua personalidade oculta. Mais, o processo de autoconhecimento

viabiliza a incorporação de parte de seu mundo interior, que redunda, como anota

STEIN (2009, p. 124) na descoberta de novas características individuais:

Quando as mulheres mergulham no seu interior, ao voltarem à tona (e revelarem-se aos que estão intimamente envolvidos com elas) vêm munidas de abundante lógica, competitividade, firmeza e discernimento moral. Do mesmo modo, os homens mostram-se compassivos, sentimentais e desejosos de unidade e tolerância. Em parte, é essa complexidade dos seres humanos que Jung está tentando ajeitar com a sua teoria de anima e animus.

Considerando que o objetivo principal do ser humano não é atender a seus

instintos básicos, mas ocupar-se de sua condição de humanidade, o ideal seria que

ambos os princípios fossem igualmente desenvolvidos, pois isto resultaria em seres

humanos bem equilibrados.

Não se torna viável, dada a abrangência específica do trabalho, o exame do

comportamento humano pela lente das questões atinentes à alma do indivíduo ou de

suas ligações com a divindade, bastante relevantes na teoria junguiana. Interessa,

isto sim, o prisma da modelagem das formas culturais – estas sempre em mutação –

oriundas dos arquétipos e suas conseqüências sobre o desenvolvimento e a

homem. Em outras palavras, vivendo com mulheres, através do tempo o homem adquiriu características femininas; vivendo com o homem, a mulher tornou-se masculina.” 22

Os deletérios efeitos, para a construção da identidade feminina, de um animus excessivamente desenvolvido, pela estreita vinculação com a figura paterna, são tratados com profundidade por MURDOCK, Maureen, in “A Filha do Herói – Mito, história e amor paterno”, São Paulo: Summus Editorial.

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28

percepção da anima e do animus. Afinal, “Anima e animus são formas vitais básicas

e somam-se a outras influências de grande impacto sobre indivíduos e sociedades

humanas” (STEIN, 2009, p. 117).

Conjugando-se o exame das questões de gênero com os conceitos

junguianos ora perfunctoriamente examinados, é possível extrair-se que a sociedade

estimula o homem a desenvolver seu animus, desencorajando-o a desenvolver sua

anima, procedendo de maneira exatamente inversa com a mulher, na medida em

que são instados a construir seus papéis sociais.

As conseqüências de tais circunstâncias são conhecidas: homens prontos a

transformar a agressividade em agressão; e mulheres, de outra parte, sensíveis,

mas frágeis para enfrentar a vida competitiva e repelir ou limitar a violência contra si

dirigida.

Indo mais além, o núcleo central do princípio masculino, o animus, é o poder,

e os frutos, no terreno político, de seu desenvolvimento exacerbado, correspondem

a homens aptos ao seu desempenho, e mulheres não-treinadas para exercê-lo.

Viabiliza-se a afirmação, em última análise, que o patriarcado, quando se trata

da coletividade, apóia-se neste desequilíbrio resultante de um desenvolvimento

desigual de animus e de anima e, simultaneamente, o reproduz, como se fora um

moto-contínuo.

Identificados, desta maneira, limitações sócio-culturais incorporados pelo

inconsciente de cada qual23, emerge com clareza a necessidade de

autoconhecimento como condição para algum tipo de felicidade pessoal e superação

de conflitos.

Ou, consoante VON FRANZ (ob. cit., p. 287):

Cada vez que o ser humano volta-se honestamente para o seu mundo interior e tenta conhecer-se – não remoendo pensamentos e sentimentos subjetivos, mas seguindo as expressões de sua própria natureza objetiva, como os sonhos e as fantasias genuínas -, mais cedo ou mais tarde o self

emerge. O ego vai encontrar, assim, uma força interior onde estão contidas todas as possibilidades de renovação.

23

Rememore-se aqui que cada personificação do inconsciente – a sombra, a anima, o animus e o self – apresenta tanto um aspecto claro e luminoso, quanto seu complemento, um aspecto escuro e sombrio.

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29

CAMPBELL (ob. cit., p. 105), ao tratar de tais conceitos oriundos de Jung,

destaca que o desafio não corresponde à assimilação da anima/animus, mas com

um relação com eles através do outro:

A única maneira de ser tornar realmente humano é se relacionar com outros seres humanos. Eles serão homens ou mulheres, e você também será um “outro. Os homens sempre têm coma as mulheres associações de animus, de um jeito ou de outro; e as mulheres, associações de anima com os homens . O primeiro passo é o da compaixão. Não se trata de desejo. Não se trata de medo. Buda, Cristo e todos os outros deixaram muito claro que temos de passar ao largo dessa dupla. Quando você desce ao inconsciente, faz aflorar não só a sombra e a anima, mas também a capacidade de vivenciá-las e discernir que não foram utilizadas na sua vida. Você passa a integrar as funções e atitudes inferiores, de modo que qualquer enantiodromia se resume à realização de todo o seu potencial, e não a um naufráfio nos rochedos das sereiais.

Malgrado a certeza da imprescindibilidade do processo de autoconhecimento,

é certo, por outro lado, que o exame da realidade do inconsciente demanda,

seguramente, um comprometimento pessoal, um processo de autocrítica e uma

reorganização de vida, em suma, uma disposição para a autoconsciência, que se

torna extremamente custoso, senão inviável, em um primeiro momento, para a

mulher vítima de violência doméstica, privada que foi, como visto, de sua própria

identidade enquanto ser humano.

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30

5. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

A violência doméstica é tratada como questão de saúde pública pela

Organização Mundial de Saúde, considerando suas implicações na qualidade de

vida, nas estatísticas sobre vida e morte, no desenvolvimento econômico-social e

nos gastos do sistema de saúde24.

A despeito disto, até o advento da Lei 11.340/2006, apenas a psicologia, a

sociologia e a antropologia lançavam conceitos e denominações para este problema

social. Com a edição do precitado estatuto legal, passou a constar de seu artigo 5.º

e incisos, o seguinte conceito jurídico de violência doméstica, verbis:

Art. 5.º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e

familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

Invocando tal conceito como ponto de partida, os operadores jurídicos viram-

se surpreendidos com a necessidade de familiarização com a utilização de uma lei

de abrangência mista, isto é, contendo preceitos de natureza cível e criminal,

abrangendo normas de atuação na esfera punitiva, protetiva e psicossocial.

Nesta esteira de raciocínio, é indispensável frisar que a edição de uma lei

específica sobre a violência doméstica contra a mulher traduziu-se na eliminação, ao

menos parcial, da lente de invisibilidade com que se mirava o problema, além de

fazer deixar para trás o enquadramento jurídico, da maior parte das infrações

características deste tipo de violência, como sendo de menor potencial ofensivo, na

esteira da Lei 9.099/9525.

24

OMS: Genebra. Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, 2002. 25

Aqui, cabe registrar que nos Juizados Especiais Criminais, em que se julgam os delitos considerados de menor potencial ofensivo, assim definidos em função do quantitativo de pena, privilegiam-se a composição e a conciliação entre o infrator e a vítima. Conseguintemente, por força de tal estatuto, reforçou-se juridicamente, ao longo das últimas décadas, a noção social de que a violência contra a mulher, a par de socialmente aceitável, pois que pode ser “solvida através da

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31

É dizer: uma vez reconhecido, pela edição da Lei 11.340/2006, que o ciclo da

violência doméstica era perpetuado pelas usualmente seguidas tentativas de

recomposição do vínculo conjugal pelas mulheres, assim estimuladas pela

legislação até então vigente; que a dinâmica da prática dos delitos na seara da

convivência doméstica é diferente das demais, e que, além de tudo, tem

potencialidade para causar danos irreversíveis, a complexidade do problema passou

a ser tratado a partir de outros paradigmas, consubstanciando-se a opção político-

criminal de gênero do legislador.

Cabe lembrar, outrossim, que a despeito das imprecisões conceituais,

anteriormente ventiladas, por força do estatuído na Lei 11.340, pode-se tratar da

violência doméstica como uma expressão e uma subcategoria da violência de

gênero.

A violência doméstica corresponde àquela perpetrada contra a mulher no

âmbito de relações íntimas, abrangendo três características fundamentais: a) a

hierarquia de gênero; b) a relação de conjugalidade ou afetividade entre as partes; e

c) a habitualidade da violência.

E exatamente por se tratar de crime na esfera da intimidade, em que deveria

primar a afetividade e o respeito, tem-se que o espaço privado da intimidade passa a

ser cenário ideal para o surgimento dos dois elementos que fragilizam o ser humano,

em qualquer sociedade: a vergonha e o medo.

Mais ainda, as mulheres, embora vítimas, sentem culpa pelo ocorrido, talvez

porque são treinadas, ao longo de sua existência, para se sentir desta maneira,

vivendo numa civilização de culpa (SAFFIOTI, 2004).

De qualquer forma, remete-se, necessariamente, à vergonha e ao medo, haja

vista que a violência contra a mulher se reveste de um caráter pedagogizante,

considerando que

A prática dessa violência não é realizada prioritariamente com a intenção de ferir – apesar de que são dores vividas no corpo da mulher – mas é de demarcar poder e autoridade (...)

Fica evidente que o objetivo de tal conduta é introduzir o controle, o medo e, até mesmo, o terror na companheira, caso ela não siga as regras de conduta e dos mandatos que lhe são impostos pelo marido/companheiro. Em tais situações, o fiel da balança centra-se nas ameaças constantes para manter o equilíbrio da situação de controle na conjugalidade. As conseqüências são imediatas e visíveis, com sofrimentos físicos e

entrega de cestas básicas ou de um acordo de bem-viver”, traduzir-se-ia em fenômeno do âmbito privado, a dispensar a intervenção do Estado, pois sabido que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”.

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psíquicos, que não se restringem apenas à mulher. Tal situação agrava-se quando há, por parte da mulher, manifestação de vontade de separação.

Esse tipo de violência pode ser extensiva, isto é, atingir outros membros da família. A situação se torna mais grave quando os filhos passam a serem agredidos, além de presenciarem as agressões perpetradas contra a mãe. Toda a violência dirigida contra a mulher (sobretudo quando já é mãe) prejudica o bem-estar, a integridade física, psicológica, a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de qualquer membro da família, especialmente as crianças. A violência contra a mulher pode ser cometida pelo marido ou companheiro, dentro ou fora de casa, entretanto, tem sido cometida, predominantemente, por um integrante do sexo masculino, na esfera privada e em relação de poder com a pessoa agredida: marido/companheiro, pai, irmão mais velho, tio, cunhado, avô, etc., não excluindo a pessoa que está exercendo a função de pai, sem laços de sangue (padrasto).

Percebemos, então, que uma das especificidades desse tipo de violência, cujo intento maior é controlar – deixar marcas emocionais e psicológicas profundas – e não causar lesões físicas, uma vez que se trata de uma ação com intencionalidade, muitas vezes consciente e premeditada.

É interessante observarmos que nessa dinâmica se estabelece uma sorte de ‘jogo de aposta’, isto é, tais ações de violência, com o tempo, levam a mulher a incorporá-las como normal. É aí que reside a eficácia desse tipo de violência, ou seja, por um lado, não ser negada, por outro lado, ser aceita (assimilada, admitida) nessa interatividade. Assim, caracteriza-se um uso normatizador nas relações entre homens e mulheres (...)

Portanto, a especificidade das práticas de violência contra a mulher é lhes deixar bem explicitado quem é o detentor da autoridade no espaço doméstico-familiar e que a ‘sua’ mulher deve estar submetida a tais normas, sabendo, inclusive, que a qualquer momento poderá prestar contas a seu marido/companheiro, caso ele assim o desejar (...)

Portanto, a condição de ‘normalidade’ da violência contra a mulher deriva para outro processo: vir a ser negada ou dissimulada e, até mesmo, considerada inexistente ou invisível. A assimilação dessas relações violentas introduz medo, insegurança e baixa auto-estima nas mulheres. O que garante a efetividade de tal situação é o intenso grau de ameaças cotidianas que recaem sobre as mulheres. Outro impacto é provocar malhes na qualidade de vida das mulheres (lesões físicas, psíquicas e morais). Nesse caso, devemos considerar a concepção ampliada de saúde que examina multidisciplinarmente a violência, integrando-a ao campo médico-social e tratando-a como questão de saúde pública.

26

Mais ainda, as usuais condutas de quebrar objetos, rasgar roupas da

companheira, chamá-la por nomes chulos, visam mesmo destruir a identidade das

mulheres, acarretando feridas não no corpo, mas na alma (SAFFIOTI, p. 63).

Em essência, identificada a complexidade e a rotinização da violência

doméstica, com conseqüente perda da ótica, pela baixa auto-estima, de sua

condição de sujeito de direitos, a mulher se vê com parcos recursos para romper o

ciclo violento, chegando mesmo a se perceber como responsável por ele.

26

BANDEIRA, Lourdes; THURLER, Ana Liési. A Vulnerabilidade da Mulher à Violência Doméstica: Aspectos Históricos e Sociológicos. In Violência Doméstica – Vulnerabilidades e Desafios na Intervenção Criminal e Multidisciplinar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 163/165.

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33

Cabível registrar, com base em WALKER (1979), que o ciclo da violência

usualmente delineia-se em três etapas, associadas à intensidade e freqüência das

agressões : o estágio inicial da construção da tensão; o suseqüente da tensão

máxima, e ao, fim, a reconciliação.

À primeira etapa correspondem gritos, empurrões (“vias de fato”), agressões

verbais, ameaças e destruição de objetos. É a construção da tensão. ANGELIM27

alerta que “As vítimas admitem esses incidentes dentro do padrão de

relacionamento com os agressores, aumentando a intensidade e a freqüência dos

incidentes na medida em que as explicações para os mesmos já não funcionam de

maneira a manter o padrão de relacionamento”.

O segundo estágio abrange a tensão máxima, o descontrole, de tal maneira

que a destruição e as agressões acarretam uma possível reconfiguração do

relacionamento até então existente. A despeito disto, a tensão que atingiu

patamares muito significativos não se mantém assim ao longo do relacionamento,

podendo o fato agressivo vir a ser reconsiderado com o passar do tempo, ensejando

apenas uma momentânea separação. Sabe-se também que a gravidade das

agressões nem sempre é suficiente para motivar a vítima a solicitar auxílio e tomar

providências legais.

O derradeiro estágio é o da reconciliação, e surge em virtude da necessidade

de se resgatar o padrão de relacionamento existente quando da primeira etapa.

ANGELIM28 destaca:

O homem agressor dispõe-se a ser mais afetuoso, cortejando a esposa, minimizando o episódio de agressão e justificando as agressões por seu ciúme, um desequilíbrio emocional, estresse e/ou alcoolismo. Um padrão comum nesse estágio é o posicionamento do agressor como uma pessoa que merece cuidados que podem ser dispensados por sua companheira vítima de violência.

Estas, motivada, dentre outras razões, pelo silêncio sobre a violência, pela

pressão familiar e o desejo de manter o seu próprio núcleo familiar, pela expectativa

de mudança de comportamento do agressor, usualmente cedem. A culpa também

assume um papel preponderante. Ora, “A vítima sabe, racionalmente, não ter culpa

alguma, mas, emocionalmente, é inevitável que se culpabilize”29(SAFFIOTI, 2004).

27

A Importância da Intervenção Multidisciplinar Face à Complexidade da Violência Doméstica. In

LIVRO FAUSTO, p. 126. 28

Ob. cit., p. 126. 29

Ob. cit., p. 64.

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Identificado o ciclo “tensão/explosão/lua-de-mel”, não se há de esquecer,

ainda, as variadas motivações inconscientes para a permanência em um

relacionamento violento.

Pertinente aqui, todavia, na esteira da expectativa de mudança do outro, o

registro de que se pode falar em uma espécie de “onipotência feminina”. SAFFIOTI

(2004, p. 66) argumenta que “Talvez pelo fato de serem encarregadas da educação

dos filhos, as mulheres, em geral, sejam tão onipotentes. Julgam-se capazes de

mudar o companheiro, quando, a rigor, ninguém muda outrem”.

Ainda assim, dada a perplexidade inafastável quando se constata a

insistência da mulher para permanência no relacionamento violento, cabe a

pergunta: “Por quem agimos, quando é por amor?”30

Para se entender a dinâmica que preenche estes vínculos preenchidos de

violência, há de se examinar a complexidade da afetividade no aspecto da co-

dependência da parte vitimizada (usualmente, como já se viu anteriormente, a

mulher).

A co-dependência não corresponde a palavra inventada por profissionais,

mas surgiu a partir da experiência de indivíduos que lutavam contra seu alcoolismo,

identificando com o vício uma vinculação que transcendia a simples fraqueza em

dele abster-se.

Superada a questão semântica, indispensável o destaque de que a co-

dependência corresponde a de temática efetivamente complexa, valendo lembrar

“Aquilo que liga o amor à cópula é tão obscuro quanto o que liga a cópula à

procriação. O tema ainda não foi esgotado por romancistas e analistas, pois a

confusão daí resultante acaba gerando capítulos tão aventurosos como mórbidos

(...)”31

Sempre no espaço dos relacionamentos adoecidos pela violência, tem-se que

Agredir, sofrer, atormentar, satisfazer, esforçar-se, contrariar, submeter, ausentar-se, desfalecer, semear a discórdia, calar-se, submeter-se, ser gentil, renunciar...O amor se extorque tanto quanto se merece, se mendiga ou se espera. Aquilo que, em seu nome, cada qual inflige aos outros ou a si mesmo, sempre lhe parece legítimo. O amor é o crime perfeito!

32

30

LAVIE, Jean-Claude. O Amor é o Crime Perfeito.São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 07. 31

LAVIE, Jean-Claude. Ob. cit., p. 27. 32

LAVIE, Jean-Claude. Ob. cit., p. 41.

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35

Tal citação, embora revestido de roupagem literária ou romanceada, traduz

claramente o conceito de co-dependência, encaixando-se perfeitamente naquele

elaborado por GIDDENS33

(...) Uma pessoa co-dependente é alguém que, para manter uma sensação de segurança ontológica, requer outro indivíduo, ou um conjunto de indivíduos, para definir as suas carências; ela ou ele não pode sentir autoconfiança sem estar dedicado às necessidades dos outros. Um relacionamento co-dependente é aquele em que um indivíduo está ligado psicologicamente a um parceiro cujas atividades são dirigidas por algum tipo de compulsividade. Chamarei de relacionamento fixado, aquele em que o próprio relacionamento é o objeto do vício. Nos relacionamentos fixados, os indivíduos não constroem suas vidas em torno dos vícios preexistentes de outras pessoas; mais que isso, necessitam que o relacionamento proporcione uma sensação de segurança que de outro modo eles não conseguem encontrar. Em sua forma mais benigna, os relacionamentos fixados são aqueles consolidados no hábito. Tais relacionamentos são muito mais turbulentos quando as pessoas em questão estão vinculadas por formas de antagonismo mútuo das quais são incapazes de se libertar.

A co-dependência, que parece figurar no cerne da motivação das mulheres

que não conseguem livrar-se dos vínculos violentos, corresponde a verdadeira

doença, embora não se tenha registro de que seja tratada enquanto tal.

Compreende comportamentos diversos e de largo espectro, que se traduzem

em uma tendência excessiva a “tomar conta de”; em ter baixa auto-estima; em ser

obsessivo; em exercitar a negação; em padecer de falta de comunicação; em

apresentar limites fracos; denotar falta de confiança; manifestar raiva; apresentar

problemas sexuais. Nos últimos estágios de co-dependência, conforme BEATTIE

(10.ª ed., p. 66/67), o co-dependente pode

ficar letárgico; ficar deprimido; isolar-se e afastar-se; perder totalmente o controle da rotina e da estrutura diária; abusar ou negligenciar os filhos e outras responsabilidade; perder as esperanças; começar a planejar o afastamento do relacionamento ao qual se sente aprisionado; pensar em suicídio; ficar violento; adoecer, emocional, mental ou fisicamente; comer demais ou de menos; viciar-se em álcool e em outras drogas.

33

A transformação da intimidade – sexualidade, amor e erotismo nas sociedades modernas, São Paulo:

Unesp, p. 101/102, destaques no original.

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36

Deduz-se, desta forma, que as mulheres que se submetem à violência de

seus companheiros por anos a fio integram a forma violenta de relacionamento, isto

é, fazem parte do vínculo fixado, em que a própria violência figura como necessária

porque indissociável da relação. São, sinteticamente, co-dependentes de seus

agressores.

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37

6. A EXPERIÊNCIA NA PROMOTORIA DE JUSTIÇA ESPECIALIZADA

A partir das considerações assentadas nos capítulos anteriores, e da

realidade vivenciada no âmbito da Promotoria Especializada de Curitiba, cabe

registrar que o fenômeno ora debatido, por ser complexo, demanda soluções

interdisciplinares, ou uma abordagem sistêmica, para ser combatido.

Entende-se, aqui, que através da abordagem sistêmica se busca valorar

ou interpretar as dificuldades vividas pelos indivíduos a partir da influência advinda

de suas relações.

Para melhor ilustrar a prática cotidiana, narra-se caso real, adaptado, em

termos de nomes e datas, para demonstrar a abordagem sistêmica adotada,

empiricamente, por operadora jurídica, no caso, a subscritora deste trabalho, no

atendimento ao público, atividade característica e inerente a seu cargo.

Justifica-se a seleção de tal caso penal, em um universo de mais de

catorze mil casos, por um identificado ineditismo no comportamento da vítima, no

sentido de renovar insistentemente seus pleitos, sem aparentemente decodificar o

que lhe era formalmente explicitado.

Tal atendimento, realizado nas dependências da Promotoria de Justiça

junto ao Juizado da Violência Doméstica de Curitiba, deu-se em tempo aproximado

de sessenta dias, no segundo semestre de 2008, compreendendo cerca de quatro

atendimentos pessoais à vítima K.Q., senhora com mais de sessenta anos,

aparentemente lúcida e hígida fisicamente. Conste que a sra. K.Q. era personagem

já conhecida no âmbito daquele Juizado, dada a freqüência com que procurava

auxílio e orientação (em momento anterior à data de assunção desta aluna na

Promotoria), além de providências de ordem jurídica, com apoio na Lei 11.340/2006

(LMP).

A referida senhora narrava episódios freqüentes e antigos de agressão

física e psicológica, contra si, por parte de seu filho, L.Q, com cerca de trinta e dois

anos à época, dependente de substância entorpecente, sem profissão definida, e

residindo na casa da mãe. Pedia, insistentemente, que se compadecessem dela,

“internando o filho para tratamento, antes que ele me mate”. Sucederam-se, em

momentos alternados, por parte dos profissionais lotados na equipe interdisciplinar

do Juízo, a saber, psicóloga e assistente social, além da promotora de justiça

anterior e sua assessora, orientações e explicações, inclusive com expedição de

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ofício para identificação da real situação de saúde do filho-agressor ao centro

médico onde este comparecia. Instada a sra. K.Q., como não poderia deixar de ser,

a tomar as providências legais contra o filho, correspondentes à representação

criminal que viabilizaria a concessão de medidas protetivas e oferecimento de

denúncia (o processo, ao final, em havendo condenação, poderia obrigá-lo a

tratamento para se livrar do vício), inicialmente assentia, para depois mudar de idéia,

exercitando o direito legal de se retratar do pedido de responsabilização criminal.

Até esta circunstância de repetidas retratações pode, a partir do

comparativo com casos outros, ser considerado usual, no espaço da justiça criminal

da violência doméstica. O dado diferenciador em relação à sra. K.Q.

consubstanciava-se na repetição do discurso de inicialmente solicitar, para depois

exigir, que o filho fosse internado, malgrado já lhe tivesse sido, como assinalado,

explicado seguidas vezes que tal providência não poderia ser obtida naquele Juízo

criminal. Em sinopse, não conseguia ela se decidir, agindo como se tampouco

tivesse ouvido as explicações de possibilidades, a se proteger do filho, pondo fim às

violências que propalava ter sofrido .

Considera-se aqui, como “fim”, dentro da perspectiva jurídica que

inicialmente serviu de norte à subscritora, o oferecimento de denúncia, com

instauração de processo e provável responsabilização criminal do infrator, através

da prolação de uma sentença condenatória. Além da concretização da resposta

estatal, materializada no processo criminal, contaria a vítima com medidas

protetivas, com destaque para aquela de afastamento do réu da pessoa da vítima, a

assegurar no mínimo a saúde física desta.

Nada obstante, repisa-se que após ser exaustivamente ouvida, fazendo

todo tipo de indagações (repetitivas, às vezes) acerca de providências outras que

não as autorizadas pela LMP, pois que queria “internação, tratamento para o filho, e

não prisão, pois nem uma cadela abandona sua cria”, queixava-se da ineficiência do

sistema, pois se recusava a aceitar as soluções que lhe poderiam ser ofertadas.

Um possível encaminhamento diferenciado começou a surgir neste ponto.

Exatamente porque o comparecimento espontâneo da sra. K.Q. se dava a

intervalos freqüentes, nem sempre era ela atendida pela mesma profissional .

Identificando que ao menos a repetição do discurso, por parte dela, a cada novo

interlocutor poderia ser interrompido, e a fixação do conteúdo das explicações

melhorada se o ouvinte/autoridade fosse sempre o mesmo, a subscritora propôs-se,

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39

mesmo sabendo dos esforços da colega que a antecedera, a atendê-la

pessoalmente determinada tarde. Já fora avisada de suas singulares circunstâncias,

da insistência na providência de internação compulsória, que, sublinhe-se à

exaustão, não poderia ser concedida no Juizado.

Para inefável surpresa dos profissionais envolvidos, após quatro longos

atendimentos, em que ela foi ouvida pela agente ministerial quando solicitou,

atendimentos estes que foram permeados por repetições de explicações, pontuadas

pelo evocar da memória do atendimento de quinze dias antes (ou dos anteriores

feitos pela mesma pessoa), a sra. K.Q. representou contra o filho, foi ele processado

(sem necessidade de prisão, pois que L.Q. entendeu que deveria permanecer

afastado da mãe por força das medidas protetivas, comprometendo-se, quando foi

ouvido, a buscar tratamento e retomar o convívio), deixou de freqüentar o Juizado, e,

até onde se sabe, vive melhor do que há cerca de dois anos antes.

Esta a descrição do caso.

Duas premissas distintas, a partir da experiência e do conhecimento técnico

específico da subscritora, naquela oportunidade (quando ainda não iniciada a pós-

graduação em Psicologia Jurídica), foram estabelecidas:

A primeira, que os crimes cometidos no âmbito da violência doméstica

ensejam demandas e soluções muito distintas daquelas propiciadas pelo Direito

penal dito usual, em que, via de regra, não há qualquer vínculo prévio, seja de

afetividade, seja de conhecimento, ou convivência, entre agressor e vítima.

A violência doméstica, a seu turno, como sabido,

é um processo social, judicial, interpessoal e pessoal de interpenetração de um relacionamento íntimo e agressivo. Como processo ela não pode ser resumida a um episódio isolado de agressão e por suas características sociais, tampouco, pode ser compreendida por meio das escolhas pessoais dos envolvidos.

34

De outro lado, assenta-se que por força de confluência históricas, políticas e

sociológicas, o Direito penal tem secundarizado o papel da vítima, e, em especial,

sua escuta. A despeito de diversos questionamentos, entre os doutrinadores, acerca

da validade deste alijamento da vítima, certo é que, usualmente, o conflito com a lei

34

ANGELIM, Fábio Pereira. A Importância da Intervenção Multidisciplinar Face à Complexidade da Violência

Doméstica. In VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – Vulnerabilidades e Desafios na Intervenção Criminal e

Multidisciplinar. LIMA, Fausto Rodrigues de e SANTOS, Claudiene (coord.) . Rio de Janeiro, Lumen Juris,

2009, p. 115.

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e a respectiva resposta penal continuam polarizados entre a pessoa do agressor e o

ente estatal, a gerar especial dificuldade, dos operadores do Direito, em considerar a

vítima sob outra ótica que não a de testemunha. 35

35 Invocam-se aqui os ensinamento de CÂMARA para um breve panorama acerca do alegado (

Guilherme Costa . Programa de Política Criminal - Orientado para a Vítima de Crime. São Paulo: Revista dos Tribunais (co-edição Coimbra Editora), 2008 p.45/48, destaques no original):

“(...) a publicização do Direito Penal, do Direito penal moderno em particular (substancialmente purificado de resíduos ou conotações implicadas com a vingança privada), culminou em um impressivo amesquinhamento da figura da vítima do espaço jurídico-criminal. Mas, será lícito afirmar-se que a perda de protagonismo da vítima ao longo da História significou um retrocesso no processo evolutivo?

Cabe, por ora, expressar, de modo bem vincado, que em nenhum momento quisemos significar que a trasmudação de um Direito penal de fisionomia acentuadamente privada – em que não raro prevalecia, mormente ao tempo da vingança ilimitada, a lei do mais forte – para um Direito penal estatal, não tenha resultado em benefício algum. Com o sentido e a intenção de repelir eventual dúvida ou suspeita relacionamos o seguinte rol de vantagens insindicáveis: pacificação social, imparcialidade, objetividade e proporcionalidade.

À guisa de tocar um outro ângulo – e não são poucos os dados da realidade que temos de analisar em ordem a não incidirmos em censura de superficialidade – pode aqui muito bem cogitar-se que ao excluir a vítima da relação jurídico-penal o Estado, ainda que penetrado da correta intenção de promover a pacificação social, terminou por inviabilizar uma solução real dos conflitos – despersonalizando-os. O progressivo processo de alienação da vítima do drama penal encontra-se de conseguinte fortemente conexionado à gradativa expropriação do conflito pelo Estado, que encontrou sua mais acabada fórmula na construção doutrinária do dano social. É que, como acabamos de verificar, as ofensas individuais passaram a ser consideradas primeiro como ataques ao soberano e, posteriormente, de modo expansivo e quase indiscriminado, como ataques à comunidade. Qual a conseqüência desta nova concepção político-criminal, pergunta-se. Responde-se: a aplicação da pena, na verdade a própria finalidade do Direito penal, assumiu um caráter acentuadamente preventivo geral e especial, perdendo conteúdo reparatório.

Deveras, tal neutralização da vítima progrediu até o ponto de poder descrever-se o conflito que está na base do fato penal com total prescindência da figura do sujeito concretamente lesionado, sendo de mister reconhecer, com HASSEMER e MUÑOZ CONDE, que ‘o atual Direito penal, é dizer o Direito penal do Estado já não é – diferentemente do Direito penal primitivo, uma relação entre delinqüente e vítima. Atualmente a vítima está neutralizada e em lugar da compensação e do acordo entre o agressor e o agravado comparece a ação penal pública.

De sublinhar-se, que para além de ter sido excluída de um papel mais relevante no âmbito do processo penal – na medida em que o Estado passou a manejar a lei para definir crimes independentemente de um victim’s sense of harm – as vítimas perderam o importante direito de determinar a essência de uma transgressão. Nesse sentido, podemos afirmar que o fato ofensivo á vítima transubstanciou-se em fato ofensivo ao Direito e o Estado passou não apenas a ditar o Direito, mas, decidir quando uma norma foi ou não violada e a reagir contra aqueles que transgrediram um preceito legal.

Evidentemente esse esquecimento capaz de acarretar uma forte marginalização das vítimas de crime não fica a dever-se a um mero acaso, nem tal negligência para com os seus interesses reflete tão-somente uma indiferença: é uma extensão lógica de um sistema legal que define o crime como uma ofensa contra o Estado.

Uma subalternização da vítima, ainda que não ostensiva ou mesmo sistemática, pode ser observada já em alguns trabalhos elaborados pelos primeiros criminólogos, que ao se debruçarem sobre as causas (etiologia) biológicas, psicológicas e sociais da delinqüência, dão ênfase principalmente à figura do autor do delito. Importa sublinhar, nesse passo, que ao ser roubado o conflito às vítimas de crime fechou-se-lhes a porta ao diálogo, ao acordo, ao consenso, e fundamentalmente, à reparação dos danos. Este, ao nosso modo de ver, um dos efeitos mais perversos da expropriação do drama criminal pelo aparelho estatal. Não obstante

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Neste compasso, a lógica de operadora jurídica, a delinear as soluções

jurídicas que poderiam ser ofertadas à sra. K.Q., somada à percepção de que a

angústia desta não se minimizava após as idas e vindas e indecisão pela

instauração do processo criminal, remeteu à necessidade de se ouvi-la com mais

tempo, afastando, ao menos de início, as antigas propostas já efetivadas, que

aparentemente não eram compreendidas.

Parece, então, aqui, que uma solução com características do olhar sistêmico

começou a se definir, quando se identificou que o atendimento por profissionais

distintos (aquele que estivesse disponível quando ela chegasse), virtualmente

repetido (pois que as soluções disponibilizadas remetiam à insistência de que ela só

poderia ser “auxiliada” se mantivesse a representação inicial) não operava qualquer

modificação no comportamento da vítima ou em suas expectativas, daí sua

insistência em algo que poderia ser chamado de “monólogo pela internação”.

Fixado, assim, o sintoma, com a comunicação truncada lastimavelmente cristalizada.

A partir daí, repise-se, decidiu-se pelo atendimento no gabinete, com abertura de

tempo ilimitado para suas dúvidas e seus questionamentos.

A visão sistêmica abrange mudança de paradigmas: essencialmente, ela

pressupõe pensamento em rede; tira o foco dos objetos, deslocando-o para as

relações; assegura que não existem nem certezas nem verdades absolutas, mas

sim probabilidades; propõe complexidade, e não simplicidade; inclui ao invés de

excluir, amplia ao invés de reduzir; o sintoma é visto como uma maneira de

comunicação, uma escolha para equilibrar o sistema (ainda que não se o priorize,

priorizando-se, ao invés, a mudança e o encampamento de novos padrões de

relação, advindas do conhecimento mesmo do sintoma); permite a compreensão das

questões humanas de forma contextualizada, viabilizando maior equilíbrio e saúde.36

isso, como já deixamos assinalado, nos dias que correm há de reconhecer-se uma clara tendência orientada à atenuação do problema da abstração da vítima (...)”CÂMARA, Guilherme Costa .(2008). Programa de Política Criminal - Orientado para a Vítima de Crime. São Paulo: Revista dos Tribunais (co-edição Coimbra Editora), p.45/48, destaques no original.

36 Não parece excessivo registrar que a mudança de paradigmas espraia-se por todos os âmbitos do

conhecimento. Rememore-se BORNHEIM (As Metamorfoses do Olhar, in O Olhar, São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 91): “(...) Para o nosso tema, entretanto, o êxito do olhar engenheiro nada tem a ver com o apaziguamento feliz de um final vitorioso – mesmo porque a tecnologia persegue o estabelecimento do homem neste mundo, meta a ser alcançada. Seja como for, é toda a questão do olhar que é retomada pela filosofia contemporânea. O cenário de fundo está na crítica da verdade entendida como adequação, já iniciada por Hegel, e pela convulsão geral dos valores metafísicos,: o ‘olhar para o alto’ platônico parece definitivamente dessorado. Digamos que aquela ´síntese dialética se metamorfoseia hoje num

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Ou, na lição de GRASSANO et. al, 1994, p. 02, apud SOUZA E

CARVALHO37:

para analisar uma situação/problema sob a ótica sistêmica é preciso

compreender como as partes (subsistemas) de um dado sistema estão

organizadas e de que forma estas partes se relacionam numa interação

reciprocamente reforçadora e mantenedora da situação disfuncional.

Segundo a teoria geral dos sistemas (TGS), todo sistema vivo é

essencialmente um sistema aberto e funciona de acordo com princípios

básicos de organização hierárquica, onde os diversos níveis representam

os graus de complexidade dos elementos que compõem a estrutura do

sistema.

Registra-se, por indispensável, que questionamentos psicológicos mais

profundos, em especial pela falta de formação específica da subscritora, foram

francamente postos de lado38, privilegiando-se a escuta atenta e a resposta aos

questionamentos de ordem prática, algumas sendo repetidas mais de quatro vezes.

polissêmico leque de contraposições através do qual o olhar busca desembaraçar-se de seus entraves metafísicos a fim de alcançar seu estatuto mundano.” 37

Psicologia Jurídica nos Abrigos: uma análise sistêmica do direito à convivência familiar e comunitária. In CARVALHO, Maria Cristina Neiva de e MIRANDA, Vera Regina (Organizadoras). Psicologia Jurídica – Temas de Aplicação. Curitiba: Juruá, 2.ª reimpressão , p. 24. 38 Ventilados, tão-somente, por conta da formação genérica desta aluna, algumas noções

psicanalíticas em relação ao Direito. Ilustrativamente, o excerto abaixo: “(...) para a psicanálise o ser humano é um animal submetido à cultura, formado por uma

parte não-civilizada, que demanda gozo, mas obstruída (em certa parte) pelas prescrições externas e internas, o que lhe permite existir em sociedade, entre ganhos e perdas, razão de viver em mal-estar. Este ser, sujeito de desejo, convive com as normas jurídicas. A estrutura normativa (estatal ou não), pensando psicanaliticamente, caracteriza-se com um sistema externo ao ser humano, de interditos ou prescrições. Neste ponto é crucial sublinhar, ao contrário do que muitos acreditam, que a instituições jurídicas estão muito mais em confronto do que em harmonia com os desejos (pulsões) humanos. Como visto, primariamente, nossa ação psíquica e, consequentemente, motora, busca o gozo pleno, sem limites. E o Direito, assim como a moral e a religiosidade, existem exatamente para limitar este gozo e permitir a vida em sociedade. Ele é causador de mal-estar. Mas, por outro lado, o processo histórico-cultural moldou o “amor ao sensor” por intermédio de sua ordem jurídica. (...) Cria-se um conflito subjetivo: a lei interdita, mas protege e é amada (...) Até agora vem-se dizendo ‘externo’ no sentido de que as normas jurídicas, escritas ou não, são produções realizadas fora do indivíduo, por um outro (ou outros), e todo o aparato legal e institucional para fazê-las cumprir também é externo, como as próprias leis produzidas no parlamento, os edifícios públicos, os operadores jurídicos, os auxiliares da Justiça, como psicólogos, assistentes sociais, etc., toda a doutrina e a jurisprudência. Mas estas produções jurídicas – como, aliás, todo ato de poder – se instalam na subjetividade humana, colocando cada indivíduo no seu lugar social, na ordem hierárquica construída, moldando seu imaginário e seus valores simbólicos, ou, em outras palavras, buscando alinhar inconsciente (sempre anárquico) e consciente (heterônomo), portanto, submetido a uma ordem)

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Ainda assim, a crítica interna à falta de respostas satisfatórias por parte

da ciência jurídica39 emergia, ensejando o atendimento da forma como efetivada.

39

Doutrinadores de escol já haviam feito, de maneira aprofundada, a teorização da crítica à ciência jurídica, dizendo da imprescindibilidade da visão sistêmica. Vale transcrever SANCHES (Antonia Lélia Neves. Diálogos entre o Direito e a Psicologia. In Psicologia Jurídica – Temas de Aplicação II. CARVALHO, Maria Cristina Neiva de; FONTOURA, Telma e MIRANDA, Vera Regina. Curitiba: Juruá, 2009, p. 26/28, destaques no original, sublinhados nossos): “A crise do Paradigma do Ser e do Paradigma do Sujeito, bem como a estagnação das correntes Jusnaturalista e Positivista, reveladas com a ascensão do Pós-positivismo e a transposição para o Paradigma do Agir Comunicativo, fez gerar, nos operadores do Direito, uma sentimento de revolta com certos dogmas, o que possibilitou o surgimento de escolas direcionadas ao estudo crítico do Direito. No Brasil, a Escola de Direito de Recife, no século XIX, passou a criticar o Jusnaturalismo, dando início ao fortalecimento do fenômeno positivista, o que ensejou o movimento de codificação, que, nos anos seguintes, foi extremamente utilizado. Entretanto, essa onde positivista foi rompida com a expansão do pensamento jurídico crítico de Miguel Reale, que estabeleceu um conceito tridimensional do Direito, segundo o qual o Direito é fato, valor e norma. Para Antonio Carlos Wolkmer, a diversidade de fundamentos epistemológicos, estabelecidos com o advento dos mais distintos movimentos críticos surgidos no Brasil, não seve ser considerada como algo absoluto, pois todas as linhas críticas de pensamento se aproximam. Não obstante, oportuno analisar esses movimentos críticos, pois foram seus matizes distintos que acarretaram, no ordenamento pátrio, a tão necessária transdisciplinaridade do Direito com as demais ciências, incluídas aí sua interseção com a Psicologia. Wolkmer ensina que a teoria crítica delineada no Brasil pode ser lida a partir das perspectivas sistêmica, dialética, semiológica e analítica. (2001, p. 96). A crítica jurídica de perspectiva sistêmica, cujo maior expoente é Tércio Sampaio Ferraz Júnior, influenciou o Direito, ao possibilitar a adoção do rigor técnico na Ciência Jurídica, atribuindo-lhe hermetismo comunicacional, sob o argumento que o Direito já possuía elementos suficientes à fundamentação de suas decisões. Embora pareça acrítico, esse entendimento foi muito importante para legitimar o Direito, até então impregnado por um idealismo exacerbado, oriundo do Jusnaturalismo e, também, por uma total ausência de rigor em seus conceitos, o que possibilitou desmandos de todas as espécies. Por sua vez, a perspectiva dialética da crítica jurídica se revelou na inversão do Direito, até então considerado um instrumento de dominação de classes e de lutas pela afirmação da dignidade dos excluídos. A perspectiva semiológica, propugnada por Luis Alberto Warat, chega ao fenônemo da carnavalização do Direito. Há a necessidade de resgatar a subjetividade do Direito, com o abandono das amarras legais, até que sejam recuperados os desejos dos indivíduos. Para tanto, é preciso privilegiar os desejos e sentimentos mais profundos, para que se alcance a libertação jurídica. Warat abre espaço para a crítica jurídica de perspectiva psicanalítica,movimento alternativo ainda recente no Brasil, que mostra a alteração de paradigmas que vem passando a ciência jurídica brasileira, ao revelar a necessidade da transdisciplinariedade entre o Direito e a Psicologia. No âmbito da crítica jurídica brasileira, a perspectiva psicanalítica começou a despontar a partir da década de 1980. (...) Agostinho Ramalho Marques Neto desempenhou papel fundamental na tarefa de desconstrução do império da lei, estimulando o desenvolvimento da subjetividade, como fenômeno central do Direito. Ao estudar o sujeito de Direito, esse autor analisou o sujeito individual, o sujeito das emoções e desejos, para elaborar o conceito de sujeitos coletivos de Direito (WOLKMER, 2001, p. 132). Estava, portanto, fortemente ligado com o Direito Alternativo. Essa corrente volta-se para o sujeito, configurando a manifestação inicial da interseção entre o Direito e a Psicologia, que resultou na inclusão dessa última no currículo dos cursos jurídicos brasileiros. Ao retirar a pecha de ciência normativa, atribuída ao longo do tempo, sobretudo, pelos positivas do século XIX, essa nova perspectiva crítica mostra que o núcleo do Direito, assim como da Psicologia, está na vida humana, algo, até então, inadmissível. Tal como a Psicologia e as demais ciências, o Direito precisa construir seus fundamentos e existência para os sujeitos, nas suas mais variadas formas.

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Em sinopse, na hipótese trazida à lume, ofereceu-se à vítima uma abordagem

que, à época, pode ser considerada “empiricamente sistêmica”40. Privilegiou-se a

escuta diferenciada, fora do espaço da sala da audiência, sem limites previamente

estabelecidos de tempo, como também a renovação do contato pessoal com a

subscritora.

Obteve-se o resultado concreto de interrupção do comparecimento da vítima

para pugnar pela solução que não poderia ser alcançada através da Promotoria e do

Juízo (a “internação para tratamento”); a responsabilização do agressor,

conscientizando-o de que a palavra da genitora/vítima não se traduzia em mera

ameaça, mas em mecanismo capaz de propiciar, mesmo que compulsoriamente, a

análise da convivência familiar, e, por derradeiro, a valorização daquela como

agente capaz de achar soluções por si mesma.

Com relação à subscritora, registra a importância da constatação, indelével41,

que soluções estanques e dogmáticas nem sempre, em especial no âmbito da

O ponto central da transdisciplinaridade está na transformação teórica havida no interior dos operadores do Direito, que abandonando, de vez, a idolatria às leis e o respeito a tudo que se pretenda absoluto, passam a observar o sujeito tal como ele é, não mais como ele deve ser, conforme estabelecido por um parlamento estatal. Portanto, essas duas ciências, Direito e Psicologia, até então completamente autônomas, revelam-se estreitamente ligadas, pois, na medida em que o Direito, na sua função de pacificar a sociedade, se ocupa das leis formalmente aprovadas, chamadas de normas jurídicas, a Psicologia tem seu foco no indivíduo e nas relações intrapsíquicas e inter-relacionais. É impossível, deste modo, negar a relação de convergência entre o Direito e a Psicologia e, por conseqüência, a abertura sistemática operada na ciência jurídica, com a transposição desses paradigmas.” 40

E hoje, reafirme-se, sabe-se que se cuidava de abordagem sistêmica, iniciada sem conhecimentos teóricos, mas a partir da constatação da limitação das soluções ofertadas pelo Direito. 41

Aqui, torna-se irresistível o registro da fala de YALOM (Irvin D. Os desafios da terapia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1.ª reimpressão, p.40), ao tratar da interação e subseqüentes modificações advindas da interação com o semelhante. Evidentemente, trata-se de colocação levada a efeito no âmbito do consultório, da psicoterapia, mas pode, sem maiores dificuldades, ser transposta para os dilemas profissionais ora vivenciados por esta aluna, no escopo de registrar as profundas transformações pelas quais vem passando, buscando melhorar a resposta a ser dada ao público que vem lhe demandar auxílio: “Já se passaram mais de trinta anos desde que ouvi o mais triste dos relatos sobre psicoterapia. Estava passando um ano em Londres, como bolsista, na imponente clínica Tavistock, e conheci um proeminente psicanalista e terapeuta de grupo inglês que estava se aposentando aos 70 anos, e que na noite anterior tinha conduzido a última reunião de um grupo de terapia de longa data. Os membros, muitos dos quais estavam no grupo há mais de uma década, tinham refletido sobre as muitas mudanças que tinham testemunhado uns nos outros e todos tinham concordado em que havia uma única pessoa que não havia mudado em nada: o terapeuta! De fato, disseram que ele era exatamente o mesmo depois de dez anos. Ele então ergueu os olhos para mim e, batendo na mesa com ênfase, disse em sua voz mais professoral: ‘ Isto, meu rapaz, é boa técnica’. Sempre fico entristecido quando me lembro desse incidente. É triste pensar em ficar junto com outros por tanto tempo e, ainda assim, nunca ter deixado que eles fossem importantes o bastante para ser influenciado e modificado por eles. Recomendo enfaticamente que deixe que seus

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violência doméstica, são as melhores . Ainda, que abeberar-se de conhecimentos

outros, além de cuidadosamente cultivar novos olhares e novas possibilidades de

escuta para entender/atender mais satisfatoriamente tais vítimas, é tarefa primordial

entre suas atribuições funcionais e seus anseios de satisfação pessoal.

pacientes sejam importantes para você, que deixe que eles entrem na sua mente, que o influenciem, que o modifiquem – não esconda isso deles (...)”

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7. PROPOSTAS DE SUPERAÇÃO

O fecho selecionado para o capítulo anterior encerra a essência do que se

acredita ser a melhor proposta de superação da condição de vítima por parte da

mulher.

A abordagem sistêmica parece ser o único ponto de partida viável para uma

tratativa eficaz da violência doméstica.

Cuida-se, como já se afirmou, de a partir de uma abordagem sistêmica, em

que se propicie à mulher o fortalecimento de processos interacionais fundamentais

(forjando forças individuais e familiares), fomentar sua conscientização, desenvolver

sua resiliência e empoderá-la enquanto sujeito de direitos.

A resiliência é um processo ativo de insistência, auto-confiança e

crescimento em resposta às crises e desafios. Em especial, no âmbito da família,

pressupõe, para seu desenvolvimento, um sistema de crenças, organização interna

e processos comunicacionais. Ou como já se disse alhures, em sala de aula:

sobreviver é tapar o nariz e esperar a onda passar; tornar-se resiliente é aprender a

surfar na onda. A capacidade de resiliência, em suma, incrementa-se pela abertura a

novas experiências e à interdependência com as outras pessoas.

De qualquer sorte, a base da resiliência é a auto-estima.

Olhando-se para a mulher vítima de violência doméstica, o que se poderia

propor a ela, como estímulo à resiliência?

Inicialmente, propõe-se que se perceba não como um ser defeituoso, mas

como alguém a quem se pode assegurar novas perspectivas, deixando para trás a

passividade com relação à violência sofrida, como também a imagem romantizada

do relacionamento que talvez tenha marcado o vínculo em seus primórdios. Sim,

porque afora a hierarquização dos relacionamentos, culturalmente pode se falar na

exigência de papéis sobrepostos no que respeita à mulher. BÜRKI-FILLENZ (1997,

p. 55) resume:

Em praticamente todas as sociedades estavam claramente definidos os papéis de mulher e marido no casamento, fato que ainda hoje continua em grande parte. Quanto mais um indivíduo se mantém nessa distribuição de papéis, tanto mais fácil é a vida comum. Em nossa cultura, numa época de transição, as definições de papéis entraram em refluxo. A imagem, marcada pela tradição e pelo costume da “mulher” e do “marido”, não é mais seguramente clara e aceita. Sobretudo no caso da mulher evidencia-se um novo e forte movimento, a saber, o anseio de autonomia e

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autodefinição. Mais precisamente essas mulheres se encontram numa espécie de zona intermédia, onde o antigo é combatido ou rejeitado e o novo ainda não é produtivo.

Cabe, na perspectiva de abertura de um projeto pessoal mais satisfatório,

tecer algumas considerações acerca de todos os papéis sociais que ainda

entremeiam o imaginário feminino.

É sabido que na formatação familiar que vigiu até as primeiras décadas do

século XX, a dedicação das mulheres voltava-se para a família, ao marido, aos

filhos, à vida privada, enfim, permanecendo o espaço público com reserva

masculina42 . A partir da década de 1960, surge o movimento feminista, buscando a

igualdade dos sexos e a eliminação dos limites impostos à mulher nos diversos

espaços de convivência. A mulher do terceiro milênio, a seu turno, pretende, ou se

lhe incumbe destas pretensões, o exercício cumulativo de todos os papéis do

espaço público, sem perder de vista o poder que ainda lhe é assegurado na

administração do lar, onde deve estar sua família. Inevitável, por evidente, a

sobrecarga, a fragilizar ainda mais o sujeito que não deixou de permanecer numa

posição hierarquizada na sociedade.

Ora, a reflexão acerca das possibilidades do devir, dos papéis cujo

desempenho efetivamente se pretende, pode e deve ser iniciada pelo ouvir atento

dos profissionais que num primeiro momento interagem com a vítima e dão início ao

processo de conscientização, ao esclarecê-la acerca das possibilidades legais de

suas decisões e o amparo oferecido pela legislação específica. Tais diálogos podem

ser dar no âmbito das entrevistas pela equipe interdisciplinar vinculada ao juízo, no

espaço das audiências judiciais, e durante o atendimento ao público, no caso do

Ministério Público.

Num segundo momento, pode-se dar seguimento ao processo de

conscientização através de intervenção psicoterapêutica, em dinâmicas de grupo ou

não. Tais serviços, no que respeita ao Juizado Especial de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher de Curitiba, correspondem aos grupos de apoio vinculados

ao Poder Judiciário, e às Oficinas de Apoio vinculadas ao Ministério Público.

42

Já se anotou inclusive que o usual ensino de piano às mulheres e violão aos homens prende-se à esta conotação

de dicotomia entre o espaço que é reservado a cada qual: à mulher, o privado, daí a arte e o talento que só podem

ser mostrados em casa; ao homem, o público, concedendo-se-lhe o privilégio de tocar um instrumento musical

que pode ser levado consigo aonde for.

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Num terceiro momento, ou simultâneo à segunda etapa, as mulheres podem

ser encaminhadas à rede de apoio, de forma a propiciar a estas o estímulo a

buscarem suas próprias redes sociais, encontrando pessoas que contribuam para a

saída do ciclo da violência.

Sobre a intervenção psicoterapêutica, nos moldes antes referidos, ANGELIM

(2009, p. 133) frisa que “é também uma oportunidade para que o poder público

reconheça, por meio de um relatório específico para este fim, as dificuldades e os

riscos existentes no relacionamento violento”.

Um processo de criação de nova subjetividade costuma, não se pode

esquecer, ser demorado e demandar grande comprometimento dos envolvidos.

Nada obstante, a mulher que logra colocar-se fora do ciclo de violência acaba

também por propiciar ao outro, o agressor, uma nova postura, com a superação dos

padrões de comportamento que ensejaram a co-dependência (nos usuais casos em

que ela se apresenta) e a democratização das estruturas de poder que sempre vão

existir nos vínculos afetivos.

Esta democratização, ou oxigenação da estrutura de poder, aliás, é o que

permite ao sistema manter-se, enquanto elo que perdura entre duas pessoas. Nas

palavras de ARENDT43 :

Se o poder fosse algo mais que essa potencialidade da convivência, se pudesse ser possuído como a força ou exercido como a coação, ao invés de depender do acordo frágil e temporário de muitas vontades e intenções, a onipotência seria uma possibilidade humana concreta. Porque o poder, como a ação, é ilimitado; ao contrário da força, não encontra limitação física na natureza humana, na existência corpórea do homem. Sua única limitação é a existência de outras pessoas, limitação que não é acidental, pois o poder humano corresponde, antes de mais nada, à condição humana da pluralidade. Pelo mesmo motivo, é possível dividir o poder sem reduzi-lo; e a interação de poderes, com seus controles e equilíbrios, pode, inclusive, gerar mais poder, pelo menos enquanto a interação seja dinâmica e não resultado de um impasse (...)”

A elaboração desta nova subjetividade por parte da mulher pode, ao final,

motivar o desejo de mudança no agressor, favorecendo que também ele passe a

atuar no trabalho de tornar igualitário o relacionamento revivido, enquanto novas e

velhas relações coexistam.

Afinal, como asseveraria BEAUVOIR (8.ª ed., p. 19),

43

Ob. cit., p. 213/214

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49

(...) ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade. Os que não se intimidam com seus semelhantes mostram-se também muito mais dispostos a reconhecer na mulher um semelhante.

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8. CONCLUSÃO

O presente estudo resultou no corolário das seguintes conclusões:

1) A organização hierárquica de poder não privilegia as mulheres, de sorte que

elas assimilam, ao longo da vida, no contexto familiar e no social, o

desempenho de papéis que correspondem à construção de uma condição

feminina inferiorizada.

2) A violência intrafamiliar, em especial aquela perpetrada contra a mulher, tem

sido legitimada, histórica e culturalmente, à luz da herança patriarcal que

predomina no âmbito privado.

3) O hipertrofiado desenvolvimento do animus nos homens, e seu

hipodesenvolvimento nas mulheres alimenta e reproduz a construção de

papéis sociais hierarquizados.

4) A idéia de justiça só se concretiza em uma sociedade com a solidariedade

permeando todas as relações que dela fazem parte, incluindo o âmbito

público e o privado, daí a indispensabilidade de intervenção estatal, através

de uma legislação que apresenta tripla vertente (a punitiva, a protetiva e a

psicossocial), no âmbito privado, para fazer cessar ou combater a violência

doméstica.

5) A Lei 11.340/2006 traduz-se na opção político-criminal de gênero do

legislador, encampando a tripla ótica de tratamento do fenômeno da violência

doméstica, de tal sorte que os profissionais das diversas áreas que se valem

do precitado estatuto devem interpretar, julgar e combater os delitos que

correspondem à materialização da violência doméstica sob novos

pressupostos teóricos. que viabilizem inclusive a abordagem interdisciplinar

no trato com os envolvidos no conflito doméstico.

6) A vergonha e o medo que acometem a mulher vítima de violência doméstica

são superáveis através de seu autoconhecimento e conseqüente

empoderamento, que pode ser realizado através de reflexões propostas pelos

profissionais que com ela mantêm contato no âmbito da Justiça e no âmbito

da rede de combate.

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7) Tais reflexões, ensejadas pela escuta qualificada e pela atividade

psicoterapêutica, dentro e fora do sistema judicial, abrangendo as redes

sociais e as redes pessoais, resultam no reconhecimento da condição de

vítima e no desenvolvimento da capacidade de resiliência, e,

conseguintemente, na adoção de medidas, por parte desta, que redundem na

responsabilização do(a) agressor(a), ensejando, em última análise, a

formação de uma nova subjetividade.

8) A superação da idealização do outro, ou da idealização do relacionamento,

também faz parte da construção da democracia no relacionamento afetivo

entre homem e mulher.

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