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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades NITERÓI 2005 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS E APLICADOS CENTRO DE ESTUDOS GERAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO

FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO

Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades

NITERÓI2005

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSECENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS E APLICADOSCENTRO DE ESTUDOS GERAISPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO

FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO

Envelhecendo com Dignidade: o Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas

as Idades

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador: Professora Doutora Daizy Valmorbida Stepansky

Niterói, 2005

2

3

Alonso, Fábio Roberto Bárbolo

Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades/ Alonso, Fábio Roberto Bárbolo, UFF/ Programa de Pós-Graduação em sociologia e Direito. Niterói, 2005.

172 f.

Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais) – Universidade Federal Fluminense, 2005.

1. Direito e Cidadania. 2. Envelhecimento. 3. Direito dos Idosos. I. Dissertação (Mestrado). II. Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades

FÁBIO ROBERTO BÁRBOLO ALONSO

Envelhecendo com Dignidade: O Direito dos Idosos como o Caminho para a Construção de uma Sociedade para Todas as Idades

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Ciências Jurídicas e Sociais.

Aprovada em 14 de Julho de 2005

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________________________Prof.ª Dr.ª Daizy Valmorbida Stepansky

________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Glória Márcia Percinoto

________________________________________________________________Prof.ª Dr.ª Sara Nigri Goldman

4

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar criticamente a proteção social existente para a população idosa em geral, procurando-se a partir daí estabelecer a relação entre a teoria e a prática no que diz respeito à efetiva aplicação das leis voltadas para este segmento.

Esta pesquisa procurou inicialmente definir as novas funções do Direito em face de uma sociedade extremamente heterogênea e estratificada, onde a lei passa a atuar em função da defesa e da afirmação das inúmeras identidades sociais que emergem a cada momento apresentando diferentes demandas e conflitos.

Caracterizamos o idoso em um contexto de uma sociedade capitalista, onde naturalmente perde o seu valor e a sua função social devido à lógica deste sistema que exclui aqueles que não mais estão aptos a fornecerem sua força de trabalho. Sob este contexto, procuramos analisar os Direitos dos Idosos apresentando toda esta legislação em nível mundial e nacional, sob o olhar crítico de sua aplicação em nossa realidade cotidiana.

Relacionamos, assim, todos os fundamentos e documentos internacionais direcionados ao idoso com a recém-criada Legislação brasileira voltada a este segmento, procurando caracterizar esta última como um reflexo e uma resposta a um movimento em escala mundial em prol da defesa dos idosos.

Concluímos nosso trabalho analisando as atividades de algumas das principais instituições responsáveis pela fiscalização e pelo zelo aos direitos dos idosos no Brasil, procurando formular possíveis encaminhamentos que visem ao aperfeiçoamento do exercício de suas funções e consolidem efetivamente as garantias já previstas em lei e não aplicadas na prática.

5

* ÍNDICE *

Parte I: O Direito, o Idoso e o Mundo

1. Introdução 09

2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania 20

3. O Mundo que Envelhece: um Impacto Demográfico,

uma Transformação Social 35

3.1 – A I Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento 40

3.2 – Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso 44

3.3 – A II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento 46

a) Pessoas Idosas e Desenvolvimento 49

b) Promoção da Saúde e Bem-estar na Velhice 57

c) Criação de Ambiente Propício e Favorável 62

d) O Outro lado do Plano de Ação Internacional 66

3.4 - A Declaração de Toronto: A Voz da Organização

Mundial de Saúde (OMS) 68

3.5 - A Aplicação dos Documentos Internacionais

de Proteção ao Idoso: Utopia ou Realidade? 70

Parte II: O Brasil que Envelhece e o Idoso que Aparece

4. O Brasil na Era do Envelhecimento: uma Nova Realidade

Diante de Velhos Problemas 74

4.1 - O Perfil do Idoso na Sociedade Brasileira 76

a) O aumento da expectativa de vida no Brasil 77

b) Evolução demográfica da população idosa brasileira 78

c) O Idoso e a Família 81

d) A Saúde do Idoso 83

e) Idoso e (Má) Educação 85

f) Idoso e (Falta de) Trabalho 90

g) Os Rendimentos da População Idosa 93

h) O Idoso e a (Não) Participação Política 97

5. A Proteção Social ao Idoso no Brasil 99

6

5.1 - A Previdência Social no Brasil 100

5.2 - A Constituição Federal de 1988:

A Cidadania em Movimento 112

5.3 - A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS):

O Verdadeiro Assistencialismo do Estado 115

5.4 - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH):

O Idoso Como um Grupo Vulnerável 117

5.5 - A Política Nacional do Idoso: A Institucionalização

dos Ideais 120

5.6 - O Estatuto do Idoso: Necessidade, Realidade e

Efetividade dos Direitos dos Idosos 124

a) As Garantias Fundamentais do Idoso:

A Responsabilidade da Família e o Papel do Estado 126

b) Os Serviços de atendimento à Saúde do Idoso:

Uma Difícil Realidade 129

c) Educação e Lazer: Em Busca do Tempo Perdido 135

d) Idoso e Trabalho: A Utopia da Não-exclusão 139

e) Habitação: Direitos dos Idosos e Deveres

das Entidades de Atendimento 142

f) A Gratuidade de Transporte: Entre o Direito

e a Humilhação 145

g) O Envelhecimento na Mídia 147

Parte III – Aplicando os Direitos dos Idosos: entre a Lei e a Realidade

6. O Papel do Estado na Defesa do Idoso:

Responsabilidades e Possibilidades Institucionais 150

7. A Sociedade Civil na Defesa do Idoso:

Participação, Mobilização e Atuação dos Conselhos e Fóruns do Idoso 159

8. Conclusão 164

Bibliografia 169

7

Parte I: O Direito, o Idoso e o Mundo

“Ninguém pode envelhecer simplesmente por viver muitos anos, mas sim por abandonar seus ideais”.

Douglas Macarthur

8

1. Introdução

O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial. Devemos

considerar como idoso aqueles indivíduos maiores de sessenta anos, com base no

critério de referência estipulado pela ONU e referendado por grande parte da

comunidade mundial.

Tanto os países considerados desenvolvidos, quanto aqueles considerados

subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, apresentam uma mesma tendência

demográfica: o aumento do número de idosos, tanto em termos quantitativos quanto em

termos proporcionais em relação à população total do país.

Este fenômeno resulta, em geral, da queda das taxas de natalidade, em

virtude do aumento do uso de anticoncepcionais e a uma maior conscientização da

população em relação à estrutura familiar, combinada com a queda das taxas de

mortalidade, observadas devido aos avanços da medicina e à melhoria da qualidade de

vida dos indivíduos em geral.

O aumento da expectativa de vida, aliado à diminuição da natalidade,

configura um quadro onde, de um modo geral, nascem menos pessoas, e estas pessoas

tendem a viver mais. Desencadeia-se, assim, um processo de envelhecimento da

sociedade, caracterizado pelo aumento do percentual de indivíduos idosos nas

populações de praticamente todos os países do mundo.

Estima-se, segundo projeções, que em meados de 2030 a população mundial

de idosos ultrapasse a marca de um bilhão de pessoas, sendo que 75% deste contingente

estará localizado em países subdesenvolvidos.

A questão central neste ponto é que os países considerados desenvolvidos

possuem instituições e mecanismos que absorvem eficientemente este contingente

populacional, inserindo-o na rede de proteção e infra-estrutura social de forma a

proporcionar-lhe uma boa qualidade de vida. O aparelho estatal está preparado para este

impacto demográfico, e tem condições de se adequar às demandas sociais provenientes

desta nova estrutura populacional.

Inversamente, os países subdesenvolvidos geralmente possuem instituições

estatais desorganizadas e enfraquecidas, além de graves problemas sociais, como a má

distribuição de renda e a ineficaz rede de infra-estrutura social, o que resulta em grandes

disparidades no nível de vida das diversas classes sociais ali existentes. Desta forma,

estes países não conseguem se adaptar à nova dinâmica demográfica, fazendo com que a

9

emergente população idosa se encontre desamparada e desprotegida em relação aos seus

Direitos.

Um Estado baseado em instituições corrompidas, estagnadas e improdutivas

não possui, muitas vezes, recursos e mecanismos eficientes para consolidar uma

proteção social mínima para sua comunidade, agravando-se a situação em relação ao

segmento idoso, que demanda novas exigências e novos enfoques das políticas sociais

do Estado. Isso exige uma flexibilidade e uma organização ainda maior do poder

público, fazendo com que a população sofra as conseqüências da inexistência de tais

características.

Assim sendo, o impacto causado pelo aumento global da população idosa

levou à necessidade da implementação de políticas públicas específicas para o segmento

idoso. Percebe-se uma maior conscientização em relação às necessidades peculiares

deste grupo, que não poderia mais passar despercebido diante dos olhos dos Estado,

levando à sua inclusão nas políticas sociais de desenvolvimento e qualidade de vida.

O segmento idoso é específico, e suas necessidades igualmente específicas

exigem a adoção de políticas públicas diferenciadas, visando ao pleno atendimento das

demandas características da população idosa.

É importante ressaltar que vivemos em uma sociedade capitalista organizada

em função da produção material e da atividade profissional, onde a idéia de participação

e inserção social está diretamente ligada à força de trabalho. Este tipo de organização

sócio-econômica, estruturada sob a divisão de classes, coloca o idoso à margem da

sociedade, uma vez que ele não mais se constitui como mão-de-obra para impulsionar e

reproduzir o sistema.

O idoso constitui, desta forma, um segmento que se caracteriza

peculiarmente por não mais participar do processo produtivo, e passa a sofrer, com isso,

um forte estigma social. A aposentadoria pode ser apontada como o marco de entrada na

fase do envelhecimento, onde este próprio termo já está carregado de um valor

pejorativo, significando “retirar-se aos aposentos”, o que indicaria um período de vida

inerte e obsoleto para estes indivíduos, o que não condiz, necessariamente, com a

realidade.

O capitalismo exacerba a busca pelo lucro, onde tudo se torna uma

mercadoria, inclusive o trabalhador. E somente a mercadoria tem valor, fazendo com

que a ausência da atividade profissional represente a perda do valor atribuído ao

indivíduo pela sociedade. A população idosa é assim qualificada como improdutiva,

sendo desvinculada da dinâmica social que somente absorve e valoriza aqueles

10

indivíduos que estão inseridos na lógica da produção e do consumo, como destaca o

Professor Serafim Paz:

“O acentuado desenvolvimento do capitalismo da era moderna vem desprezando a tradição humana e sua memória, e culturalmente descaracterizando a velhice, pelo processo de

desprestigio, exclusão social e anulação, que este modelo impõe aos que não “servem”, aos que não possuem uma perspectiva de imediatamente útil, ou vigorosamente produtivo, conforme as necessidades

lucrativas do capital, ou seja, aqueles que não se encontram diretamente nos meios de produção”.(Paz, 2001:232)

Para sermos efetivamente considerados “cidadãos”, segundo a concepção

capitalista, é necessário produzirmos ou consumirmos, e de preferência produzirmos e

consumirmos, onde aqueles que não exercem estas funções perdem sua funcionalidade e

valoração diante da sociedade. Nada mais conta além da força de trabalho e do poder de

consumo.

A idéia de velhice está assim vinculada ao papel que este grupo desempenha

ou deixou de desempenhar na sociedade, não sendo o envelhecimento uma questão

meramente relacionada à idade biológica.

Esta idéia é reforçada pela disseminação de uma “ideologia da velhice”1,

onde se contextualiza o processo de envelhecimento segundo os interesses da classe

dominante e da lógica capitalista. Segundo esta ideologia, o idoso é caricaturado

genericamente como aquele indivíduo fisicamente incapaz e mentalmente debilitado,

tornando sua exclusão social uma contingência natural e irreversível. Estaríamos ainda

na época de Manu2, primeiro legislador da Índia, que em seus códigos elaborados

aproximadamente a 200 a.C tratava os idosos como indivíduos débeis e alienados, que

sequer poderiam emitir um simples testemunho?

Temos que concentrar nossa reflexão na idéia de que a ideologia capitalista

mascara uma outra realidade, onde a marginalização do idoso é um processo social e

não um processo natural, uma vez que decorre da organização do processo produtivo

que somente valoriza a capacidade de trabalho dos indivíduos, legitima a desigualdade

social através da acumulação de capital e defende a intervenção mínima do Estado na

concessão de benefícios e garantias sociais. Se vivêssemos sob outra forma de

organização social talvez tivéssemos um outro enfoque em relação a valores e à

condição humana de sobrevivência, como afirma Ecléa Bosi:

“A noção que temos de velhice decorre mais da luta de classes que do conflito de gerações. É preciso mudar a vida, recriar tudo, refazer as relações doentes para que os velhos trabalhadores não

1 Haddad, Eneida (1989).2 Neto, Antonio (2002).

11

sejam uma espécie estrangeira. Para que nenhuma forma de humanidade seja excluída da humanidade é que as minorias têm lutado, que os grupos discriminados têm agitado”.

(Bosi, 1995:12)

Outra variável determinante para a caracterização de um indivíduo idoso é a

autonomia, onde se percebe naturalmente uma maior dependência destes indivíduos em

relação aos seus familiares ou até mesmo em relação ao Estado, devido à sua maior

vulnerabilidade física e, é claro, econômica, como explica Saad:

“Com freqüência, a pessoa é considerada idosa perante a sociedade a partir domomento em que encerra as suas atividades econômicas. Em outras ocasiões, é a

saúde física e mental o fator de peso, sendo fundamental a questão daautonomia: o indivíduo passa a ser visto como idoso quando começa a depender

de terceiros para o cumprimento de suas necessidades básicas ou tarefasrotineiras”.

(Saad, 1990:4)

Este é, inclusive, um dos temas de destaque tanto nos Documentos

Internacionais quanto nos Documentos Nacionais de proteção ao idoso, onde se postula

como referência para o seu tratamento no âmbito social a garantia de sua autonomia e

independência, no mais alto grau em que isto for possível.

Tende-se também a generalizar a condição de vida da população idosa, o

que não condiz com a realidade de nossas sociedades, uma vez que o idoso, assim como

qualquer pessoa de outra faixa etária, possui sua individualidade que está ligada a uma

série de fatores que a determinam. Não podemos, assim, homogeneizar a figura do

idoso independentemente das circunstâncias sociais em que ele está inserido.

Apesar de algumas características comuns, este segmento populacional está

obrigatoriamente inserido em uma realidade concreta, variável e heterogênea. Assim

sendo, os problemas e as dificuldades relacionadas à população idosa dependem das

contingências estruturais de determinado contexto social. Existem idosos pobres e ricos,

graduados e analfabetos, saudáveis e doentes...

Devemos ter em mente, portanto, que a construção da imagem da velhice é

um fator determinante para a valorização ou a desvalorização deste grupo na sociedade,

vinculando-o ou excluindo-o das oportunidades sociais. Um discurso ideológico adquire

contornos que produz reflexos imediatos e concretos na vida dos indivíduos

relacionados a esta imagem, sendo assim de extrema importância procurarmos

desmistificar as concepções negativas generalizadamente difundidas sobre a condição

do idoso.

12

Deveríamos abandonar a sombria relação existente entre envelhecimento e

morte, que enxerga esta etapa de vida simplesmente como o ponto derradeiro da

existência humana, onde nos resta apenas tentar torna-lo o menos doloroso possível.

Esta visão ultrapassada do envelhecimento foi exposta na funesta afirmação de Gabriel

García Marquez no seu livro “O Amor em tempo de Cólera”: “é o período da vida em

que a morte deixa de ser uma possibilidade remota para se transformar em uma

realidade mais imediata”.

Chama a atenção à nomenclatura oficial utilizada pelo IBGE em suas

pesquisas em relação à população idosa, onde define os anos de vida a partir dos 60

anos como “sobrevida”. Esta expressão transmite a idéia de que a vida útil terminaria

aos 60, e o que cada indivíduo conseguisse viver a partir daí poderia ser considerado

como uma espécie de “tempo extra”, e que já estaria vivendo além da normalidade.

É necessário repensar seriamente a utilização de expressões como esta, que

enfraquecem qualquer tipo de conscientização em relação à inclusão do idoso na

sociedade como um elemento ativo, participativo e merecedor de dignidade e respeito.

A velhice deve ser considerada como mais uma etapa de nossas vidas que, como

qualquer outra etapa anterior, combina aspectos positivos e negativos, não podendo

jamais ser considerada apenas como o fim de um processo, processo este que seria a

nossa história de vida.

O idoso de nossas sociedades atuais está longe de ser aquela figura entregue

à inércia, já que percebemos um movimento gradativo de integração deste segmento

com as demais gerações, através do envolvimento em atividades sociais, políticas e

culturais. Observamos um grande incentivo em relação à inserção do idoso nas

dinâmicas sociais, onde muitas vezes até se exagera em tentar formar uma imagem

altamente rejuvenescida destes indivíduos que ultrapassa os limites do bom senso em

relação às características naturais de uma pessoa idosa.

Temos que ter o cuidado de não tentar fazer do idoso aquilo que ele não é,

como ocorre no caso da massificação da propaganda de produtos estéticos e da indústria

da cirurgia plástica através da mídia, que força o idoso a negar suas características

naturais e a mergulhar em uma busca por um rejuvenescimento forçado e imposto pela

sociedade, o que o expõe, muitas vezes, ao ridículo:

“A idéia tecnológica de conservação e embelezamento coloca-se no lugar da concepção biológica e moral da velhice. E a noção do velho sábio, destinada aos poucos que, vivendo mais,

passavam sua valiosa experiência, vem sendo amplamente substituída pela de que quem é sábio não envelhece, para os que, na atualidade tem melhores condições sócio-econômicas e, de certo modo, se

disfarçam de jovens com os recursos técnico-científicos disponíveis”.(Negreiros, 2003:19)

13

Percebemos assim um movimento que tenta negar a velhice através de uma

falsa ideologia presente entre os próprios idosos de que se pode, e até mesmo deve-se

conviver com a velhice como se nada de diferente estivesse ocorrendo, o que não condiz

com a realidade particular de um indivíduo idoso. Este tipo de pensamento “entende a

velhice não como uma faixa etária que ganha reconhecimento no contexto de uma

sociedade pós-moderna ou pós-década de 70-80, mas sim que nega o envelhecimento,

que procura formas de adiá-lo”. (Marques, 1999:91)

O idoso tem que modificar esta maneira de enxergar a sua própria condição

social caso queira efetivamente defender os seus direitos e ter conquistas sociais

legitimadas. Não é mascarando a realidade que se irá obter algum avanço neste sentido,

mas sim assumir o envelhecimento naquilo que ele realmente é, e a partir daí lutar pela

construção de uma nova identidade social para o idoso que seja sinônimo de qualidade

de vida, respeito e cidadania, mas que não negue a si mesmo.

Não devemos assim renegar ou rejeitar a velhice, mas tentar enxergá-la e

vive-la sob uma nova ótica. Não podemos transformar um idoso em uma pessoa jovem,

sob pena de criarmos uma situação hipócrita e ilusória para estas pessoas. Mas podemos

transformar o quadro do envelhecimento se conseguirmos modificar a visão que o

restante da sociedade possui deste segmento, e principalmente, se vislumbrarmos o

milagre de transformar a lógica de produção material e organização social de nosso

mundo, que impiedosamente exclui quem não produz ou quem não consome.

A mudança de referencial da espera da morte para uma etapa de vida

produtiva pode ser ilustrada pela crescente substituição do termo “velhice” pela

expressão “terceira idade”, que melhor daria significado a esta fase da vida que teria

características peculiares como qualquer outra etapa da vida, e apresenta, sim,

problemas e dificuldades, mas também pode ser um período em que ainda se tem muito

a produzir para a vida coletiva, e muito também a se aproveitar individualmente.

Com o crescente aumento da expectativa de vida praticamente em todo o

mundo, propaga-se até mesmo o conceito de uma possível “Quarta idade” para

classificar aquela população que aumenta aceleradamente formada por indivíduos acima

dos 80 anos. A “terceira idade” seria ainda uma etapa de vida ativa e produtiva,

enquanto a “Quarta idade” poderia realmente estar ligada ao infeliz comentário de

Gabriel Garcia. Adia-se a morte e prolonga-se a vida útil, e já que não podemos ser

utópicos a ponto de falarmos em uma fantasiosa eterna juventude, que pelo menos esta

juventude seja permitida ao espírito de forma racional e equilibrada.

14

É importante ressaltar que a defesa de um argumento em torno de um

envelhecimento produtivo deve levar em consideração os aspectos particulares de cada

sociedade e também de cada indivíduo em singular. Estamos aqui falando de uma maior

inserção do idoso nas dinâmicas sociais de modo a melhorar sua qualidade de vida e a

torna-lo produtivo, mas não podemos colocar estes enfoques como uma obrigação para

a população idosa.

Embutir o segmento idoso de responsabilidades sociais, como trabalhar para

garantir o seu próprio sustento, por exemplo, pode servir como argumento para eximir o

Estado de suas responsabilidades perante o sistema previdenciário e as ofertas de

serviços essenciais, colocando a culpa no próprio idoso pela má qualidade de sua vida.

O idoso deve participar ativamente da sociedade, assim como o Estado deve cumprir

com as suas obrigações.

Temos que reconhecer a evolução do Estado nas últimas décadas no sentido

de uma maior conscientização em relação ao idoso, apesar de ainda estarmos muito

longe da qualidade de vida e do amparo social almejado para este grupo. Percebe-se a

partir de 1970 o início de uma movimentação mundial em prol das garantias sociais e de

uma tutela estatal mais eficiente para a população idosa.

Ocorreu assim no ano de 1982, em Viena, a Primeira Assembléia Mundial

da ONU sobre o envelhecimento, com o objetivo de traçar diretrizes básicas a serem

adotadas pelos países em relação à população idosa. É importante ressaltar que tal

Assembléia foi o primeiro encontro mundial de representantes governamentais a tratar

especificamente da questão do idoso, tendo como grande marco a elaboração do Plano

de Ação Internacional sobre o envelhecimento, um documento em que constam 62

recomendações voltadas para as políticas públicas de tratamento à população idosa.

A partir daí, emergem em todo o mundo programas sociais, instituições e

legislações voltadas para a proteção do idoso e para sua inserção na sociedade, onde o

Brasil também se insere neste contexto e acompanha a conscientização para este

problema global: a realidade da explosão demográfica da população idosa e a

necessidade urgente de se preparar um suporte estatal que esteja adequado às demandas

desta população.

E o Direito não poderia ficar de fora deste processo. O segmento idoso é

mais um grupo social que se organiza e luta pelas suas reivindicações, exigindo

reconhecimento, participação e dignidade. Surge assim, como parte da estrutura estatal

de amparo ao idoso, um conjunto de legislações especificamente direcionadas a este

15

grupo, ratificando um processo de especialização do Direito que segue rumo à garantia e

à defesa da afirmação das múltiplas identidades existentes na sociedade.

O Direito passa a atuar, então, não somente como um arranjo voltado para a

organização e a normatização da vida social, mas também como um instrumento que

tenha um compromisso junto à minimização das desigualdades sociais, ou que viabilize,

pelo menos, uma condição de vida digna e oportunidades igualitárias de

desenvolvimento para todos os indivíduos, funcionando assim como um canal para a

efetivação da cidadania e como um elemento atenuador das diferenças sociais

existentes.

Dentre os vários segmentos sociais especificamente tutelados pelo Direito, a

população idosa se mostra em uma realidade que exige medidas imediatas de atuação do

Estado visando ao aprimoramento e à criação de canais específicos para o atendimento

de suas necessidades, fazendo surgir assim o Direito dos Idosos no Brasil.

Não se trata propriamente de uma categoria nova de Direitos, já que sempre

existiram idosos, e conseqüentemente, sempre houve uma relativa proteção social a tal

parcela da sociedade, mas o diferencial atual é uma reivindicação crescente e mais

organizada em favor desta causa, mobilizando vários setores da sociedade em

proporções não observadas anteriormente, o que leva à formulação e à criação de

instrumentos voltados para a proteção do idoso.

Esta crescente demanda por um maior amparo social ao idoso decorre do

caráter extremamente peculiar da condição de ser idoso, condição esta que possui

características não existentes em outras categorias ou grupos sociais. Poderíamos

vislumbrar que tal preocupação decorre do fato de que a condição de ser idoso atinge

momentaneamente apenas uma parcela da população, mas invariavelmente atingirá a

toda a sociedade, uma vez que todos nós estamos fadados a esta mesma condição em

uma etapa futura de nossa vida.

Este é um debate novo, pois a população idosa é um problema social novo,

se caracterizando como um novo segmento a ser inserido nas políticas públicas e nos

planejamentos governamentais. E todo novo problema que se coloca presente suscita

investigações, debates e sugestões, principalmente quando tal problema está relacionado

à vida de 16 milhões de brasileiros. Estamos falando assim de um movimento social,

uma luta pela consolidação de direitos e garantias que devem ser legitimados à

população idosa e efetivamente cumpridos.

A situação específica da sociedade brasileira em relação ao idoso é

alarmante, já que o país pode ser enquadrado dentre aqueles que não se prepararam para

16

absorver o crescimento da população idosa, e com suas instituições funcionando em

condições precárias e em alguns casos até mesmo falidas, não consegue proporcionar

uma boa qualidade de vida para a grande maioria destes indivíduos.

O país parece estar em ebulição, pois ao ritmo acelerado de crescimento da

população idosa ocorrem paralelamente a crise da Previdência pública e a sua polêmica

proposta de reforma, orçamentos comprometidos que inviabilizam investimentos na

área social e uma absurda desigualdade social, onde o Brasil possui a 3a maior

concentração de renda do mundo. E logicamente a população idosa está inserida neste

contexto, sofrendo diretamente as suas conseqüências, se caracterizando como um

segmento extremamente vulnerável diante de uma sociedade injusta e desigual, como

chama a tenção Neri e Silva:

“O Idoso brasileiro é em geral pobre, com insuficiente acesso a precários serviços públicos de bem-estar, e tem poucas perspectivas de melhora a curto e a médio prazo. Velhos pobres e

crianças pobres são e serão as principais vitimas da desorganização do Estado”.(Neri e Silva, 1993:216)

A situação se torna ainda mais preocupante quando analisamos os dados

oficiais do IBGE, onde em 2002 a população idosa já atinge a marca dos 16 milhões de

brasileiros, o que representa cerca de 9% da população total do país, e segundo

estimativas, este segmento continuará a crescer em ritmo acelerado. As tendências

mostram que, possivelmente em 2015, a população idosa constitua cerca de 15% da

população brasileira, fazendo com que o Brasil venha a ter a 6a maior população idosa

do mundo, e tenha que redimensionar suas políticas públicas e sociais em vistas a

absorver esta parcela populacional e adaptar a sociedade em geral a este importante

impacto demográfico:

“A questão do Idoso no país deve merecer cada vez mais o interesse dos órgãos públicos, dos formuladores de políticas sociais e da sociedade em geral, dado o volume crescente deste segmento

populacional, seu ritmo de crescimento e suas características demográficas, econômicas e sociais”.(Berquó, 1996:32)

O país acompanhou o processo mundial de conscientização da realidade do

idoso e passou, a partir da década de 70, a promover e a implementar gradativamente

sua rede de proteção social voltada para este grupo. Os Ministérios do Planejamento e

Assistência Social (MPAS) e a Secretaria de Direitos Humanos passaram a elaborar

programas sociais e políticas públicas de atendimento ao idoso, culminando este

processo com a Constituição de 1988, que introduz alguns pontos específicos em

17

relação ao grupo, como a gratuidade nos transportes coletivos urbanos e a

regulamentação da aposentadoria por idade, por exemplo.

Finalmente é elaborada em 1994 a Política Nacional do Idoso, que se

caracteriza como um conjunto de diretrizes e orientações básicas para as políticas

sociais de proteção ao idoso, estipulando atribuições a cada órgão governamental e

determinando as funções dos conselhos dos idosos, em nível Federal, Estadual e

Municipal.

Chega-se ao ápice da proteção social ao idoso no Brasil com a

regulamentação do Estatuto do Idoso, em Outubro de 2003, estabelecendo-se toda uma

legislação especificamente voltada para este segmento, onde se atribui, inclusive,

competências e responsabilidades de instituições governamentais, como o Ministério

Público, por exemplo, para zelar pela efetividade de tal Estatuto.

O grande problema investigado neste trabalho surge, então, neste ponto.

Articulando-se toda o sistema de amparo e proteção ao idoso no país, o Brasil possui

atualmente umas das mais completas legislações do mundo, o que é praticamente

unanimidade entre analistas e pesquisadores. Porém, não observamos uma boa

qualidade de vida para a grande maioria da população idosa do país. Uma boa parcela

deste segmento, inclusive, vive sob precárias condições de subsistência. A indagação

central que se coloca, assim, é se realmente a legislação direcionada ao idoso e a rede de

proteção para ele criada funciona, e se obtém os resultados esperados em relação à

qualidade de vida desta população.

A investigação realizada neste trabalho foi orientada no sentido de

identificar as possíveis deficiências institucionais e a ausência de mecanismos que

inviabilizam a consolidação de toda uma construção jurídica, que se torna assim

ineficaz e obsoleta.

A hipótese tomada como reflexão inicial é de que a realidade de vida do

idoso não condiz com a proteção social que lhe é garantida, sendo este fato

desencadeado, principalmente, pela ineficácia das instituições públicas que deveriam

cumprir o papel que lhes é atribuído. De que adianta uma lei se as instituições

responsáveis pelo seu cumprimento não funcionam devidamente?

A partir daí, vislumbramos algumas soluções para os problemas

identificados, com o objetivo de viabilizar uma plena efetividade para as garantias

jurídicas e sociais concedidas ao segmento idoso. É importante ressaltar que estamos

aqui tratando de uma legislação recém-promulgada ainda em fase de implementação,

18

sendo assim perfeitamente compreensível que existam entraves e deficiências tanto nos

seus fundamentos quanto na sua concretização.

Este trabalho espera contribuir para o aperfeiçoamento da legislação e da

rede de proteção social ao idoso no Brasil, tornando assim possível uma sociedade em

que a lei esteja em consonância com a realidade, e a população idosa realmente tenha a

qualidade de vida e o respeito de que é digna.

19

2. Repensando o Direito: em busca da Cidadania

Para se entender o significado e a origem de uma proteção jurídica

especificamente destinada aos idosos, é necessário remontarmos à função social do

Direito, de maneira a avaliar a evolução e as transformações ocorridas nos

ordenamentos jurídicos ao longo do tempo.

Esta análise envolve a reflexão sobre o que é o Direito, que valores devem

estar nele inseridos e também o contexto social a que ele se aplica. Somente a partir daí

é que poderemos ter uma visão clara da necessidade de se legitimar um Direito dos

Idosos, analisando a dinâmica dos sistemas jurídicos segundo as novas demandas das

sociedades atuais.

Identidade, Direito e Cidadania. Estes três elementos se misturam nos novos

movimentos sociais que emergem nas sociedades modernas, configurando-se um

cenário onde se torna difícil delimitar as fronteiras entre os interesses em jogo e os

sujeitos em ação.

O resultado deste processo é a multiplicação das identidades sociais, a

emergência de novos conflitos e, principalmente, a proliferação de direitos, onde cada

vez mais se exige a proteção do Estado segundo as necessidades mais diversas de

grupos sociais cada vez mais heterogêneos.

O próprio indivíduo está inserido em uma multiplicidade de valores, onde

por um momento pode estar participando de um movimento de sua categoria

profissional, ou estar atuando a favor dos interesses de seu bairro, ou quem sabe estar

militando em prol da defesa do meio ambiente.

As instituições sociais sofrem uma grande mudança funcional a partir da

reorientação das referências dos indivíduos, fazendo com que seja necessário

estabelecer a relação entre as transformações sociais e a consolidação da cidadania.

Defendemos a idéia de que as sociedades modernas inovaram seu comportamento no

sentido de tolerarem cada vez mais as inevitáveis diferenças sociais existentes em uma

organização capitalista que produz desigualdades não só inerentes, como necessárias ao

sistema. Desta forma, os inúmeros e heterogêneos grupos sociais existentes passam a

ser dignos de reconhecimento e lutam pela afirmação de seus direitos, obrigando a

esfera jurídica a responder a esta demanda.

O Direito se torna, então, o mecanismo social mais indicado para inserir

efetivamente todos os indivíduos em uma lógica de proteção do Estado, na medida em

20

que procura garantir a dignidade e consolidar a cidadania para todos os segmentos

sociais, reconhecendo em cada um deles sua diversidade e peculiaridade.

Este artigo pretende analisar as mudanças institucionais provocadas na esfera

do Direito, provocadas principalmente pela crescente afirmação das múltiplas

identidades sociais, e que consolidaram, por sua vez, um conjunto de garantias sociais

mais especificamente voltadas para as reais necessidades de cada grupo social,

estendendo assim os direitos de cidadania.

Aqui nos interessa mostrar como se deu à passagem de uma concepção

universal e abstrata do Direito em relação ao indivíduo para uma concepção política e

socialmente contextualizada em relação às necessidades de cada sujeito ou grupo social,

levando ao surgimento de legislações e uma rede de proteção social especificamente

voltadas para as necessidades de cada grupo social em questão.

Podemos conceituar inicialmente o Direito pela definição clássica de Kant,

onde aparece como um sistema de normas e regras que visam essencialmente conjugar

os interesses individuais e os interesses coletivos de modo a coexistirem de forma

harmônica e pacífica, definindo-se assim a esfera do Direito como um “o conjunto das

condições por meio das quais o arbítrio de um pode entrar em acordo com o arbítrio de

outro, segundo uma lei universal de liberdade”. (Kant, 1993:46)

Observa-se na definição de Kant o caráter geral do Direito, enquanto um

conjunto de normas com o objetivo essencial de regular as ações e os interesses de um

indivíduo em consonância com as ações e interesses dos demais, de modo a garantir a

coexistência das liberdades individuais e consolidar o ordenamento social como o

principal fundamento de uma comunidade.

O Positivismo jurídico foi a primeira escola de pensamento filosófico a

fundamentar todo um arcabouço teórico para o Direito, tendo Kelsen como maior ícone.

A doutrina positivista definia a esfera jurídica como amoral e não-valorativa,

funcionando como uma técnica social de ordenamento. Segundo esta escola, o Direito

deve ser considerado como um fato e não como um valor, no sentido de ordenar as

relações sociais com base nas circunstâncias concretas de existência de determinada

sociedade, e não fundamentado em modelos ideais e abstratos de desenvolvimento

humano.

O Direito não teria, assim, qualquer responsabilidade sobre a conduta moral

dos indivíduos, e nem sobre os problemas decorrentes da estratificação social,

limitando-se a legitimar um conjunto de normas através do poder de coerção. O

ordenamento jurídico tem simplesmente a função de garantir a coesão social, havendo

21

assim direitos, na concepção positivista, mesmo em Estados autoritários, hierarquizados

ou repressivos.

Também não haveria, desta forma, ligação entre Direito e justiça, uma vez

que o conceito de justiça necessariamente englobaria as noções de bem e mal, enquanto

o Direito deve procurar adquirir um caráter científico e abster-se de empregar juízos de

valor. O Direito teria uma posição neutra em relação a juízos e valores, preocupando-se

estritamente com a realidade social concreta a sua volta, e não com uma realidade

abstratamente idealizada:

“O Positivismo jurídico representa, portanto, o estudo do Direito como fato, não como valor: na definição do Direito deve ser excluída toda qualificação que seja fundada num juízo de valor e

que comporte a distinção do próprio direito em bom e mau, justo e injusto. O direito é aquele que efetivamente se manifesta na realidade histórico-social: o juspositivista estuda tal direito real sem se

perguntar se além deste existe também um direito ideal”.(Bobbio, 1995:136)

O Positivismo jurídico se opõe, desta forma, à corrente jusnaturalista, que se

fundamenta no pressuposto da universalidade da essência humana e na idealização de

uma sociedade baseada em valores, enumerando todo um conjunto de direitos inerentes

ao homem, que deveriam ser universalmente válidos em qualquer circunstância,

independentemente do período histórico e da realidade concretas em questão. Passa-se

assim de uma concepção histórica e amoral do Direito para uma concepção moral e

universal da proteção jurídica.

A origem dos chamados Direitos universais nos remonta à Revolução

Francesa, que sob os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, culminou com a

elaboração da Declaração dos Direitos do homem e do cidadão em 1789, que defendia

valores essenciais a serem garantidos a todos os indivíduos.

Esta categoria de Direitos foi consolidada mundialmente através da

promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela

assembléia geral da ONU em 1948. Estariam aí legitimados os Direitos Humanos,

fortalecendo a idéia de que as sociedades devem ter uma consciência moral e valorativa

em relação à vida de seus indivíduos, modificando-se assim a ideologia vigente sobre o

tratamento a ser dado a cada cidadão:

“A Declaração Universal dos Direitos do Homem representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado, e portanto, reconhecido: e essa

prova é consenso geral de sua validade”(Bobbio, 1992:26)

22

Deste modo, a sociedade global passa a ter uma base comum de valores e

princípios morais, na medida em que a Declaração Universal é aceita por praticamente

todas as sociedades. A Declaração de 1948 se tornou um ícone mundial, na medida em

que postula todo um universo de valores a serem consolidados no convívio social,

buscando inspirar as sociedades no sentido de um desenvolvimento mais humanitário e

solidário.

Volta-se a atenção para a importância de se tratar o indivíduo com respeito e

dignidade, qualquer que seja sua condição social, inaugurando assim uma nova maneira

de se pensar o Direito, na medida em que este passa a buscar, a partir de então, a

proteção dos valores básicos e essenciais de cada sujeito.

O Direito natural se fundamenta no pressuposto de que os homens são iguais

por natureza, baseando-se principalmente no direito à vida e no direito à liberdade, que

jamais poderiam ser cerceados ao homem em hipótese alguma. A condição de igualdade

humana é postulada logo no artigo I da Declaração Universal dos Direitos do Homem,

onde se afirma que “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

O artigo II da Declaração alerta ainda para o fato de que os direitos inerentes

ao homem são independentes da organização específica de cada Estado e também das

diferentes condições sociais de cada indivíduo, já que “não será também feita nenhuma

distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território

a que pertença uma pessoa”.

É igualmente importante destacar a ênfase dada pela Declaração à proteção

da liberdade privada, liberdade esta que engloba também a participação política, onde o

documento defende os sistemas participativos ou representativos de governo como os

ideais para o desenvolvimento humano, ao postular no artigo XXI, inciso 1o, que “Todo

homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por

intermédio de representantes livremente escolhidos”.

O texto condena também práticas cruéis de punição e persuasão, como a

tortura, por exemplo, estendendo a todos os indivíduos a proteção da lei, o direito de

defesa e o acesso à justiça de forma igualitária e sem qualquer tipo de distinção.

Percebe-se, além disso, no artigo XXV, prenúncios de garantias que

futuramente viriam a formar os Direitos Sociais, como o direito ao trabalho, ao emprego

e à educação, além de garantias “a um padrão de vida capaz de assegurar a si e sua

família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados

médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em casos de

23

desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de

subsistência e circunstâncias fora de seu controle”.

Igualmente interessante é observar a menção à proteção da criança no

mesmo artigo, indicando a orientação do Direito no sentido de uma especialização da

tutela em relação a grupos específicos da sociedade, processo este que seria consolidado

mais tarde nas mudanças relativas aos direcionamentos dos conteúdos do Direito.

E, finalmente, discute-se muito o polêmico artigo XVII, que institui a

propriedade privada como um direito natural:

§ 1º Todo homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.

§ 2º Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Ao se conceber a propriedade privada como um direito natural do homem,

legitima-se na prática a desigualdade social, na medida em que dificilmente o acesso a

oportunidades de desenvolvimento e ascensão social será igual para todos os sujeitos.

Não está explícito nesta formulação o limite à propriedade, tornando lícita uma

acumulação desigual e a estratificação social entre os indivíduos, legitimando assim os

fundamentos capitalistas sob os pressupostos do direito natural.

Resultado desta polêmica é que nos documentos posteriores de

recomendações e tratados da ONU em relação aos direitos humanos estão excluídas

quaisquer referências à propriedade, tornando evidente que a desigualdade social não

pode ser concebida como parte de um processo natural de direito à propriedade.

Poderíamos vislumbrar com estas observações que os chamados Direitos

naturais não seriam assim tão “naturais” como se pensa, mas antes estão também

inseridos em um contexto ideológico e político de determinada sociedade e de

determinado período histórico.

Apesar de postular uma universalização do status do indivíduo, os valores e

ideais a que aspiram os direitos humanos também variam conforme a época e a

comunidade em questão, o que se torna claro com o problema da propriedade privada

citado anteriormente, confirmando a idéia de que “também os direitos do homem são

direitos históricos, que emerge gradualmente das lutas que o homem trava pela sua

própria emancipação e das transformações das condições de vida que essas lutas

produzem”.(Bobbio, 1992:32)

O que parece ser natural hoje poderia não ser assim considerado no passado,

e provavelmente pode também ser descartado deste status no futuro. Os homens

mudam, os pensamentos retrocedem ou evoluem e a sociedade se transforma, fazendo

24

com que as noções de “direito natural” ou “direito essencial” também estejam sujeitas

às especificidades sociais de determinada realidade.

Assim sendo, a idealização do homem abstrato passa pela análise da

realidade concreta deste homem, onde se observam suas condições de vida, suas

necessidades e suas dificuldades, elaborando-se um “direito natural” que passa a atuar

empiricamente como um conjunto de valores e ideais a serem consolidados no contexto

social da vida humana através de sua legitimação pelo poder dos aparelhos estatais:

“Uma coisa é um Direito; outra, a promessa de um Direito futuro. Uma coisa é um Direito atua; outra, um Direito potencial. Uma coisa é ter um Direito que é, enquanto reconhecido e protegido, outra é ter um Direito que deve, mas que, para ser, ou para que passe do dever ser ao ser, precisa transformar-se,

de objeto de discussão de uma assembléia de especialistas, em objeto de decisão de um órgão legislativo dotado de poder de coerção”.

(Bobbio, 1992:83)

A constatação de que os contextos histórico, social e político interferem

diretamente no ordenamento jurídico nos leva à reflexão de que não podemos

generalizar a condição humana como postula a corrente jusnaturalista, onde temos de

estar atentos para o fato de que os homens são diferentes e vivem de forma diferente.

São inúmeras as diferenças entre os homens, que ora podem ser naturais, ora

podem ter uma origem social. Como exemplo poderíamos citar o caso dos deficientes

físicos, naturalmente diferentes, e a extrema desigualdade econômica entre grupos de

indivíduos, diferença esta tipicamente social. O idoso, objeto de análise neste trabalho,

também pode ser considerado “diferente” na medida em que se caracteriza como um

indivíduo que está vivendo uma etapa particular da vida humana, o que requer cuidados

especiais e um tratamento diferenciado por parte do Estado.

As diferenças entre os indivíduos muitas vezes já colocam dificuldades

intrínsecas para a vida cotidiana, fazendo com que a consolidação da Cidadania e das

garantias sociais se torne um processo lento e complexo. Porém, é importante ressaltar o

processo tardio do Direito em reconhecer estas categorias sociais específicas como

objeto de tutela jurídica, já que somente em nossos dias atuais consolidam-se

legislações voltadas especialmente para atender às necessidades peculiares inerentes a

grupos sociais específicos.

Observando a realidade concreta e constatando a diversidade social

existente, John Rawls elaborou a sua Teoria da Justiça fundamentada nos princípios do

equilíbrio e da correção das desigualdades.

25

O autor propõe que as instituições sociais devem corrigir possíveis

diferenças sociais, de modo a garantir a própria segurança da comunidade.

Reconhecendo que inevitavelmente as sociedades apresentarão graus de estratificação,

cabe às instituições formais concederem benefícios sociais de maneira que atenuem,

pelo menos, os níveis desta desigualdade.

Rawls defende, inclusive, que se deve até mesmo priorizar as classes mais

carentes em caso de desigualdades sociais extremas, afirmando que “para tratar

igualmente todas as pessoas, para permitir uma genuína igualdade de oportunidades, a

sociedade deve dar melhor atenção aos que nasceram em posições sociais menos

favorecidas”. (Rawls, 2002:95)

A justiça seria efetivamente alcançada através da correção das desigualdades

naturais e sociais, tornando assim possível o pleno exercício da cidadania e do usufruto

dos direitos sociais por todos os indivíduos. O autor não questiona uma possível justiça

ou injustiça no caso das desigualdades naturais e sociais existentes entre os homens,

mas julga como justa ou injusta a atuação das instituições sociais no processo de

reparação e minimização destas desigualdades.

Seria legítimo, desta forma, ocorrer um desequilíbrio na orientação das

garantias e dos benefícios sociais segundo a concepção de Rawls, desde que em favor

dos menos favorecidos. Podemos citar o caso de vagas especiais destinadas a portadores

de deficiências físicas em concursos públicos e o programa de destinação de cotas

universitárias para grupos sociais considerados excluídos e desprivilegiados como

exemplos da aplicação efetiva deste princípio.

O Direito estaria, então, inserido em um processo de responsabilidade

perante as diferenças sociais, cabendo também ao ordenamento jurídico viabilizar meios

que propiciem o equilíbrio social através da implementação de políticas sociais

especificamente direcionadas para grupos marginalizados.

O processo de especialização do Direito marca definitivamente a inserção da

esfera jurídica no reconhecimento e na valorização das múltiplas identidades sociais,

fortalecendo-as através da defesa de suas demandas específicas. A diferença passa a ser

defendida como um valor pessoal de cada indivíduo e de cada grupo social que deve ser

respeitado, fazendo com que o Direito evolua no sentido de legitimar uma sociedade

plural, heterogênea e minimamente igualitária.

A especialização do Direito marca definitivamente o processo de passagem

da tutela dos direitos do homem para os direitos do cidadão. Isto significa a reorientação

do olhar sobre o homem e sobre a própria noção de indivíduo, onde a partir de agora se

26

contextualiza o ser humano enquanto um sujeito historicamente, socialmente e

temporalmente determinado, e não mais como um sujeito abstrato e universal dotado de

uma mesma essência e das mesmas necessidades.

Desta forma, o Direito não pode mais conceber o homem de maneira

universal e abstrata como propunha a teoria jusnaturalista, e muito menos se manter

neutro e amoral diante dos problemas sociais como defendia o positivismo jurídico,

adquirindo assim uma importante função de garantir e efetivar a cidadania através da

tutela das múltiplas identidades e grupos sociais existentes. Esta é nova face do Direito,

marcada pela especificação e pela ampliação dos grupos e sujeitos merecedores de

amparo jurídico.

Vivemos num momento histórico marcado pelo que Bauman chama de

“guerra de reconhecimento”, caracterizado pela constante e crescente emergência de

reivindicações de grupos sociais que lutam pela afirmação de seus direitos, abrindo-se

assim um variado leque de novas identidades que mostram a sua cara e exigem que

sejam ouvidos, realçando o caráter multifacetado existente em nossas sociedades atuais.

Isto significa que:

“Se o reconhecimento for definido como o direito à participação na interação social em condições de igualdade, e se esse direito for por sua vez concebido como uma questão de justiça social,

isso não quer dizer que todos tenham direitos iguais à estima social, mas apenas que todos têm direito de procurar a estima social em condições de igualdade”.

(Bauman, 2003:72)

A luta pelo reconhecimento pretende reforçar a idéia de um diálogo

multicultural que perpasse a estratificação das classes sociais, afirmando o direito de

cada grupo social lutar pelos seus respectivos interesses sem qualquer tipo de

discriminação ou impedimento social, mesmo que a sociedade ainda se mostre

empiricamente injusta e desigual. Agora todos participam, discutem e reivindicam, e

este se torna um Direito estendido a todas as formas de expressão cultural e identitária.

Desta forma, a consolidação da cidadania pelo Direito tem que levar em

consideração tais peculiaridades e diferenças existentes entre os indivíduos, de modo a

garantir a todos, indistintamente, os padrões mínimos de qualidade de vida e dignidade.

Esta mudança de sentido do Direito está envolvida, além da questão cultural,

no contexto de uma discussão acerca de possíveis soluções para problemas como a

desigualdade social e a miséria, presentes em praticamente todos os países do mundo.

Elaboram-se programas governamentais, acordam-se tratados internacionais e mobiliza-

se até mesmo a sociedade civil no debate em torno destas mazelas sociais.

27

Diante deste quadro, o Direito também passa a ser cobrado enquanto um

instrumento voltado para a consolidação da cidadania, tendo que dar sua contribuição à

solução de tais questões, fazendo com que os processos legislativos e a aplicação das

normas se voltem obrigatoriamente para um contexto de justiça social, passando a ter

responsabilidades diretas na mediação dos conflitos de classe e na diminuição das

desigualdades sociais.

O Direito evolui, então, no sentido de uma reconceituação funcional,

caminhando no sentido de passar de um instrumento meramente regulador e ordenador

da vida social para atuar como um elemento transformador, ligando-se diretamente à

busca pela qualidade de vida e pelas condições mínimas de bem-estar e sobrevivência.

Com a complexidade da estrutura social das sociedades modernas e com a

crescente estratificação existente dentro de um sistema de classes típico das sociedades

capitalistas, o Direito passa, então, a ser utilizado como um instrumento de luta pela

igualdade social e pela efetividade das garantias sociais.

Surgem assim os chamados Direitos Sociais, cada vez mais reivindicados

por todas as camadas da sociedade em nome de valores e condições de sobrevivência

que, em tese, deveriam ser comuns a todos os seres humanos, já que dignidade e

qualidade de vida seriam aspectos indispensáveis para o pleno desenvolvimento dos

potenciais humanos, desenvolvimento este que seria um direito inerente à própria

condição humana enquanto tal.

Os direitos sociais são definidos no conceito clássico de cidadania elaborado

por Marshall, que apresenta nesta definição três categorias principais de Direitos: os

direitos civis, que consistem basicamente na proteção do indivíduo contra possíveis

arbitrariedades do Estado; os direitos políticos, que se caracterizam pela liberdade de

participação dos indivíduos nos processos de discussão e decisão dos assuntos públicos;

e, finalmente, os direitos sociais, que consistem em garantias sociais que consolidem “o

direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por

completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os

padrões que prevalecem na sociedade”. (Marshall, 1967:63-64)

Observa-se claramente na definição de Marshall a preocupação com a

diminuição das desigualdades sociais, uma vez sua formulação ressalta o direito a todos

os indivíduos de terem condições de vida compatíveis com o padrão geral existente na

sociedade, ou pelo menos, de terem condições de vida próximas a este padrão,

excluindo-se assim diferenças extremas entre indivíduos de classes sociais diferentes.

28

Os Direitos sociais tendem, então, a se especializarem cada vez mais,

seguindo na “direção de uma maior especificação em termos seja de gênero, seja de

idade ou fases da vida, ou seja ainda em Estados particulares ou excepcionais da

espécie humana”. (Domingues, 2001:217)

Legislações específicas têm a importância de observar as diferenças

humanas em todos os seus aspectos, abrindo indicativos de soluções para problemas

sociais que têm causas múltiplas e diferenciadas. Os problemas de uma criança não são

os mesmos de um idoso, assim como as dificuldades de um indivíduo pertencente a uma

classe abastada não são as mesmas de um sujeito pertencente a uma classe empobrecida,

caracterizando assim situações completamente diversas dentro de uma mesma

sociedade.

Daí a necessidade de estatutos e leis específicas voltadas para grupos

particulares, onde a partir de demandas ímpares de cada grupo estipulam-se garantias

igualmente diferenciadas para cada um deles.

Exige-se assim que o Direito tenha que se multiplicar de acordo com cada

uma das necessidades que se mostram presentes. Demandas múltiplas pedem soluções

igualmente múltiplas, que não terão necessariamente correlação entre si, por estarem

tratando de questões relacionadas a um grupo peculiar, estando aí o espírito das

legislações específicas.

Bobbio apresenta três caminhos fundamentais pelos quais o Direito foi

conduzido à necessidade da especificação. Em primeiro lugar, “aumentou a quantidade

de bens considerados merecedores de tutela”, criando-se assim novos objetos passíveis

de proteção e análise jurídica. Em segundo lugar, “foi estendida a titularidade de

alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem”, e finalmente, “o próprio homem

não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na

especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade...”.

(Bobbio,1992:68)

O aumento dos bens merecedores de tutela significa a extensão e a

ampliação dos direitos individuais, como o incremento dos direitos sociais e o direito à

participação política. Passa-se da chamada liberdade negativa, onde o indivíduo tinha

apenas um conjunto elementar de direitos voltados para a sua proteção contra possíveis

ameaças do Estado e de outros sujeitos contra a sua vida, para a liberdade positiva, onde

cada indivíduo passa a ser dotado de um poder reivindicatório e de liberdade de atuação

dentro da dinâmica social. Reconhece-se e legitima-se uma série de garantias,

29

aumentando o status de cada cidadão através da ampliação de seus direitos de

participação.

Bobbio observa também a extensão de direitos ao que chama de “sujeitos

diversos do homem”, o que significa o reconhecimento e a proteção jurídica a grupos

sociais vistos como um todo, segundo as suas necessidades e aspirações, onde o Direito

passa a tutelar não somente direitos individuais a sujeitos isoladamente concebidos, mas

também a grupos que possuam identidade e necessidades comuns, demandando uma

proteção social que pode ser tutelada coletivamente. As garantias concedidas às

minorias étnicas podem ser um exemplo desta nova expressão do Direito.

A especificação inaugura um novo momento do Direito, onde o homem-

cidadão passa a ser observado agora segundo as suas condições particulares de vida,

seja em termos de gênero, idade ou deficiências, fazendo com que a própria luta pela

cidadania adquira contornos igualmente específicos, variando de sujeito para sujeito ou

de sociedade para sociedade. Os direitos fundamentais à vida e à liberdade não são mais

suficientes numa sociedade que se torna cada vez mais complexa, diversificada e

exigente de um modo geral.

Deste modo, quando se pretende garantir aos indivíduos proteção e

benefícios sociais através do Direito, deve-se pensar nas necessidades específicas e

contingentes que cada sujeito possui de modo a suprimir possíveis entraves e obstáculos

à sua plena cidadania e ao desenvolvimento, consolidando assim o equilíbrio social.

Desta forma, a igualdade será alcançada a partir da diferença. É preciso

minimizar as diferenças entre os indivíduos de modo que cada um possa, de alguma

forma, dar sua contribuição à sociedade e dela receber os benefícios a que tem direito,

cabendo à esfera jurídica consolidar garantias que visem a harmonia no exercício da

cidadania.

Surge, então, o Direito dos deficientes físicos e o Direito dos Idosos, por

exemplo, como expressões de garantir aos sujeitos pertencentes a cada um destes grupos

a possível redução de suas dificuldades, que os impedem de participar ativamente da

dinâmica social.

Utilizamos aqui o Direito dos Idosos como símbolo do processo de

especificação e adequação do Direito às novas demandas sociais, mostrando assim que a

elaboração jurídica deve estar em constante reflexão sobre as dinâmicas sociais a que

serve.

Longe de ser um sistema fechado e imutável, o Direito deve estar sempre

pronto a inserir, modificar ou reformular fundamentos que se mostrem

30

descontextualizados em relação à realidade social concreta. Assim, “todo Direito é

temporário: apenas transitoriamente constitui a expressão legítima das condições

adequadas de desenvolvimento”. (Wolkmer, 2001:68)

As necessidades do idoso no Brasil não são as mesmas necessidades do

idoso em outros países, assim como as demandas de hoje podem não ser as mesmas

demandas de amanhã, já que nossas sociedades se transformam de maneira profunda,

imprevisível e, muitas vezes, irreversível.

Isto obriga o Direito a uma constante reflexão sobre si próprio caso pretenda

atuar de forma determinante na sociedade de modo a não perder o contato com a

realidade, o que tiraria o seu significado e a sua importância, pois neste caso passaria a

representar simplesmente um ordenamento social minimamente necessário para a

coexistência pacifica, e não mais funcionar enquanto um instrumento de transformação

social, que deve ser sempre o seu referencial.

Transformação social e Direito devem estar obrigatoriamente relacionados, o

que deve resultar numa relação de interpendência entre ambos, onde o Direito deve

assimilar as demandas sociais provenientes de uma nova realidade que se faz presente,

assim como esta nova realidade deve igualmente se adaptar às novas exigências

impostas pelo Direito, de modo a orientar as relações sociais e dinamizar o

desenvolvimento coletivo.

A elaboração jurídica exige neste momento um olhar atento sobre a

sociedade, já que “o nascimento, e agora o crescimento dos direitos do homem são

estreitamente ligados à transformação na sociedade, como a relação entre a

proliferação dos direitos do homem e o desenvolvimento social o mostra claramente”.

(Bobbio,1992:73)

Quanto mais complexa a sociedade, maior a demanda por direitos, e quanto

mais diversificada economicamente e culturalmente, maior ainda as exigências e

também as dificuldades a serem enfrentadas pelo Direito.

O Direito do Idoso é um reflexo imediato da relação entre mudança social e

Direito, sendo resultado da observação de que os indivíduos situados nesta fase da vida,

no caso a idade avançada, necessitam de cuidados específicos, exigindo-se assim uma

legislação igualmente específica que remova quaisquer empecilhos que eventualmente

levem à exclusão destes indivíduos da sociedade.

Os idosos se tornam um objeto peculiar do Direito por possuírem

características físicas, naturais e sociais próprias da sua condição, e que

conseqüentemente demandam problemas e soluções igualmente singulares, não

31

podendo assim, serem incluídos em outra modalidade a não ser em um específico e

exclusivo Direito do Idoso.

A função do Direito dos Idosos seria, então, a de minimizar as diferenças

pertinentes a uma pessoa idosa de modo a permitir que esta condição não seja um

obstáculo para o exercício da cidadania, e mais do que isso, possibilite aos idosos uma

relativa igualdade de acesso às oportunidades e aos benefícios sociais em relação aos

demais indivíduos, tirando-os de uma situação de exclusão social e inserindo-o como

um elemento produtivo e funcional dentro da sociedade.

A dificuldade que se observa, porém, é que a relativa melhoria da qualidade

de vida em geral nas sociedades e o aumento da expectativa de vida, devido ao

incremento da tecnologia e do acesso a bens e serviços, não é acompanhada de um

equivalente planejamento social em relação à população idosa, fazendo com que a rede

de proteção social ainda se mostre extremamente deficiente em relação a esta parcela da

sociedade.

A busca pela efetividade dos Direitos dos Idosos se caracteriza, assim, como

um processo que adquire o caráter de um movimento social de luta pela afirmação

destes direitos, realçando novas maneiras de se pensar o idoso a partir de sua inserção

nas transformações ocorridas em uma sociedade marcada por novas dinâmicas, novas

problemáticas e por novos grupos de conflito.

A luta pela consolidação dos direitos dos idosos serve para ilustrar as

características marcantes dos movimentos sociais de nossos dias, que apresentam

sentidos diferenciados em relação aos movimentos sociais de épocas anteriores. Neste

ponto chama a atenção que “há uma tendência para a base social dos novos

movimentos sociais transcender a estrutura de classes”, já que emergem conflitos com

base em ideais que perpassam a questão econômica e o sistema de divisão de classes.

(Gohn, 1997:127)

Percebemos que a problemática dos idosos não é uma questão que possa ser

reduzida à esfera econômica e ao sistema sócio-econômico de divisão de classes, uma

vez que ser uma pessoa idosa é uma fase natural da vida que suscita dificuldades

inerentes a esta condição, independentemente da posição social de um indivíduo idoso.

Em geral, idosos pertencentes a classes consideradas ricas assim como

idosos pertencentes a classes consideradas pobres, passam por dificuldades semelhantes,

que demandam, desta forma, as mesmas soluções, como por exemplo, as dificuldades

de locomoção, que exigem adaptações em meios de transporte, habitações e espaços

públicos.

32

É claro que algumas dificuldades podem ser atenuadas pelo acesso a bens de

consumo e serviços de qualidade viabilizados por uma condição econômica favorável.

Porém, muitas vezes o aspecto financeiro não pode minimizar alguns problemas em

relação ao idoso, fazendo da sua luta um movimento que envolve questões econômicas,

culturais, políticas e naturais.

O aspecto cultural presente na demanda pelo Direito dos idosos explicita

mais uma vez o caráter peculiar da condição desta parcela da população, “envolvendo a

emergência de novas dimensões de identidade” e “aspectos íntimos da vida humana”.

(Gohn, 1997:127)

Podemos caracterizar a crescente mobilização pela causa dos idosos como

resultado do fortalecimento da identidade coletiva deste grupo, identidade esta reforçada

pelas suas características em comum que os tornam diferenciados do restante da

população. Ser idoso passa, então, a se configurar como uma nova identidade social que

supre todas as identidades anteriores da experiência de vida da pessoa, como as

identidades relacionadas à classe social ou ao trabalho, por exemplo.

Na identidade coletiva dos idosos não importa se nos referimos a médicos ou

operários, sujeitos ricos ou pobres ou a indivíduos brancos ou negros, ali todos são

idosos, e mais do que isso, todos são igualmente idosos que têm os mesmos problemas e

reivindicam os mesmos direitos, e esta é a identidade que prevalece neste momento,

criando assim uma nova identidade coletiva e um novo fenômeno social.

Infelizmente, nossas sociedades têm memória curta, e todo a história devida

de um indivíduo pode ficar deslocada para segundo plano e até mesmo completamente

esquecida em função de seu envelhecimento, onde tais sujeitos passam a ser vistos

simplesmente como “velhos”, marcados pela debilidade mental, pela invalidez física e

pela improdutividade, sendo assim completamente desintegrado da dinâmica social.

Olhamos para o mundo a nossa volta e enxergamos apenas aspirações

materiais, não existindo mais lugar para um indivíduo idoso em nossa organização

social. Nos esquecemos, porém, que inevitavelmente todos temos este destino comum: a

condição de idoso. Hoje são eles, amanhã somos nós.

O idoso se apresenta, então, como mais um grupo social que se mostra

excluído de oportunidades e benefícios em nossas sociedades atuais. O Direito dos

Idosos surge como uma alternativa para compensar ou, pelo menos, minimizar os danos

causados por uma organização sócio-econômica que não valoriza o que nós somos, mas

aquilo que nós produzimos. E se não produzimos não somos nada, praticamente não

participamos da vida social.

33

O Direito passa a ter a difícil missão de colocar-se contra a tendência à

degradação da espécie humana desencadeada pelo capitalismo, tendo que conceder

garantia e proteção contra as mazelas humanas que o sistema capitalista insiste em

caracterizar como inevitáveis ao processo de evolução das sociedades.

Pronto a se questionar no momento em que a sociedade se questiona, o

Direito se torna um instrumento de resgate da cidadania e da dignidade humana. Este é

o ponto de chegada do processo de evolução do Direito em nossos dias atuais, onde ele

se multiplica e se especifica na tentativa de resolver os problemas e as usurpações

sociais que igualmente se multiplicam e se especificam.

Temos que concordar com Weber quando percebemos a “Irracionalidade

ética do mundo”3, na medida em que os conflitos sociais se tornaram inevitáveis e

irreconciliáveis, tornando praticamente impossível a existência de um direito para todos.

A especialização do Direito carrega em si um lado negativo, onde os direitos de um

grupo podem estar em conflito com os direitos de outro grupo, cabendo à esfera jurídica

a inusitada missão de conciliar interesses inconciliáveis. Daí o caráter irracional de

nossas sociedades descrito por Weber, onde apenas uma parte da sociedade terá suas

necessidades plenamente atendidas às custas do desfavorecimento da outra parte.

O ideal dos Direitos dos idosos é exatamente resgatar o respeito a este grupo

de indivíduos que não pode mais passar despercebido. Os direitos já foram legitimados,

só nos resta agora lutar pela sua efetiva consolidação, e passar do discurso para a

prática, do texto para o cotidiano, da consciência para a ação...

3 Ver Freund, Julien: Sociologia de Max Weber,1975.

34

3. O Mundo que envelhece: um Impacto Demográfico, uma Transformação Social

O envelhecimento da população mundial é o novo desafio a ser enfrentado

em nossas sociedades, atingindo tanto os países desenvolvidos quanto os países

subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Pelo caráter inédito da transformação do

perfil das populações mundiais, o mundo enfrenta agora a missão de se adaptar a esta

nova dinâmica demográfica e de enfrentar os problemas dela decorrentes.

Observando-se as transformações demográficas da população em todo o

mundo, percebemos dados que ratificam a urgência na implementação de um

planejamento social voltado para o amparo ser dado ao segmento idoso, que está

gradativamente deixando de ser uma minoria para se tornar um grupo que atinge

proporções quantitativas determinantes e relevantes para toda a estrutura social.

Em 1950, estimavam-se cerca de 204 milhões de idosos no mundo e, já em

1998, quase cinco décadas depois, este contingente alcançava 579 milhões de pessoas,

um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. Calculados em torno de

600 milhões de indivíduos no ano 2000, os idosos podem atingir a marca de 2 bilhões

em 2050, o que significaria a duplicação da população idosa mundial, que passaria da

proporção de 10% para representar 21% da população mundial total.

Para termos uma idéia mais clara do crescimento da população idosa em

todo o mundo, dados nos mostram que atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60

anos de idade ou mais; para 2050, estima-se que a relação será de um para cinco para a

população global, e de um para três para o mundo desenvolvido.

Concretizando-se estas projeções, teremos um surpreendente perfil

demográfico da população mundial, onde o número de idosos será maior do que o

número de crianças, podendo-se chegar até mesmo ao dobro de idosos em relação à

população infantil no caso de alguns países desenvolvidos.

É interessante destacar também o aumento do número de idosos acima dos

80 anos, estimados em 70 milhões no 2000 e podendo alcançar a marca de 350 milhões

num período de 50 anos. Chama a atenção o fato de que este segmento da população

idosa é a que apresenta o ritmo mais acelerado de crescimento, projetando-se que passe

a representar cerca de 19% da população mundial acima dos 60 anos em meados de

2050.

Devido à idade extremamente avançada e às dificuldades inerentes a esta

etapa de vida, este grupo demanda uma atenção especial por parte do Estado, já que

35

necessitam de cuidados diferenciados ainda maiores em relação ao restante da

população em geral.

O quadro abaixo apresenta o percentual que a população idosa representa

nos países destacados, onde percebemos que são exatamente os paises mais

desenvolvidos que apresentam os maiores índices de indivíduos acima dos 60 anos:

País Proporção da população idosaItália 23,1%Japão 22,3%

Alemanha 21,8%Reino Unido 20,4%

França 19,7%Estados Unidos 15,9%

Argentina 13,2%Cuba 13%China 10,8%Brasil 8,6%

Fonte: Demografic Year Book, ONU, 1999.

As projeções indicam um crescimento maior da população idosa nos países

subdesenvolvidos, estimando-se que o segmento idoso destes países poderá se

quadruplicar nos próximos 50 anos, passando a representar cerca de 19% da população

total destes países. Podemos citar como exemplo a Ásia e a América Latina, onde se

espera um crescimento da população idosa de 8% para 15% neste período de tempo.

Este crescimento seria explicado pela crescente melhoria da qualidade de vida e da

infra-estrutura social destes países, o que elevaria a expectativa de vida.

Dentre os países classificados como desenvolvidos, que já apresentam um

percentual relativamente alto de idosos, devido à boa qualidade de vida e aos altos

níveis de desenvolvimento econômico, podemos tomar como exemplo a Europa, onde

se estima um aumento do percentual de idosos de 20% para 28%, e a América do Norte,

onde se projeta um crescimento proporcional do segmento idoso de 16% para 26% da

população total.

Dentre os dados mais relevantes em relação ao envelhecimento mundial da

população, merece destaque o fato de que a maioria destes indivíduos é do sexo

feminino, parcela que corresponde a 55% do total de idosos.

Além disso, observam-se também diferenças estruturais no perfil e nas

condições de vida da população idosa nos países desenvolvidos e nos países

subdesenvolvidos, o que acarreta na elaboração de políticas públicas específicas

segundo as necessidades e os problemas de cada país.

36

Um dos contrastes mais sérios observados consiste na distribuição da

população entre as zonas urbana e rural. A população idosa presente nos países

desenvolvidos concentra-se majoritariamente nas zonas urbanas, estimando-se que em

2025 cerca de 82% dos idosos vivam nestas regiões. Os países subdesenvolvidos, ao

contrário, apresentam uma grande concentração da população idosa nas zonas rurais,

projetando-se para 2025 um cenário onde menos da metade desta população estará

vivendo nas zonas urbanas.

A distribuição populacional desigual entre as zonas rural e urbana implica

em sérias conseqüências para o desenvolvimento e a proteção social dos idosos nos

países subdesenvolvidos.

Na medida em que possuem mecanismos estatais e institucionais deficientes

e insuficientes para resolver as demandas sociais, tais países tendem a apresentar

imensas discrepâncias entre as condições de vida na zona rural e na zona urbana. Muitas

vezes as zonas rurais encontra-se em estado de abandono, onde os benefícios sociais e a

estrutura de amparo do Estado não chegam a estas regiões, e muitas vezes nem são

conhecidas por seus moradores. Isso significa que a grande maioria da população idosa,

concentrada nestas áreas, pode estar condenada a viver em condições de vida precárias,

sem acesso a um mínimo de serviços essências à subsistência.

Não estamos aqui falando estritamente de números e dados estatísticos, mas

da qualidade de vida de milhares de indivíduos situados na condição de idoso, e

principalmente de uma nova sociedade que se forma, exigindo a reformulação das

políticas públicas e do planejamento estatal visando ao desenvolvimento deste novo

perfil social. Na situação dos países subdesenvolvidos, por exemplo, seria necessário

rever todo planejamento social de modo que os investimentos no desenvolvimento

social e na consolidação de benefícios fossem efetivamente estendidos à população

rural, onde estaria situada a maioria da população idosa, o que tornaria mais homogênea

a qualidade de vida no campo e na cidade.

A velhice é, assim, uma questão social que diz respeito a toda a sociedade,

e não unicamente às pessoas idosas. A mudança do perfil populacional provoca

mudanças em toda a estrutura e organização social, o que afeta indistintamente todos os

indivíduos, independentemente de sua idade.

O papel e as atribuições do Estado passam a ser relevantes para se

determinar o nível em que as transformações demográficas afetarão a população,

exigindo que o Estado se reformule diante de uma nova circunstância que surge e de

novas necessidades que se apresentam.

37

Por um lado, pode-se pensar em uma situação de desequilíbrio social onde o

Estado não será capaz de suportar o fardo do envelhecimento populacional, adotando

como saída a privatização de serviços e benefícios públicos, como o sistema

previdenciário, por exemplo, transferindo-se assim parte da responsabilidade do Estado

para a iniciativa privada e para a sociedade civil em geral. Por outro lado, vislumbram-

se alternativas para se adaptar às transformações demográficas, como a criação de mais

postos de trabalho através do fomento da economia proporcionado pelo incentivo ao

consumo e às atividades de lazer e cultura voltadas para o público idoso.

A atuação do Estado e de toda a sociedade sobre este novo mundo que se

apresenta diante de nós exige reflexão, discussão e atitude. Diante da constatação da

necessidade imediata de amparo e proteção social ao segmento idoso, este tema passou

a fazer parte da agenda oficial dos Estados através de Assembléias e Encontros

envolvendo representantes de praticamente todos os países do mundo, o que resultou na

elaboração de Documentos e Tratados Internacionais voltados para a atenção ao idoso.

A conscientização mundial sobre a necessidade de se discutir

especificamente as problemáticas relativas à população idosa se concretizou a partir de

1977, quando a ONU decide convocar uma Assembléia Geral para debater as questões

relativas à população idosa e propor, a partir daí, políticas públicas e programas sociais

que venham a proporcionar uma boa qualidade de vida para este segmento da sociedade.

Isto mostra que a discussão sobre os problemas sociais relacionados à

população idosa é um debate recém-inaugurado. Até antes do período citado, o idoso

raramente era objeto de discussão nas assembléias da ONU, sendo apenas

esporadicamente mencionado dentro de algum debate inserido em um tema mais amplo,

como trabalho ou saúde, por exemplo, mas nunca tratado isoladamente segundo os

problemas específicos de seu grupo.

O ano de 1999 foi instituído como o Ano Internacional do Idoso, marcado

por uma serie de atividades visando à conscientização mundial sobre as questões do

envelhecimento. O 1o de Outubro passou a ser celebrado em praticamente todo o mundo

como o Dia do Idoso, momento oportuno para lembrar as dívidas que a sociedade

possui junto a este segmento.

O marco deste movimento foi a instituição do tema “Uma sociedade para

todas as idades”, que passou a funcionar como o grande fundamento filosófico em

defesa dos idosos, no sentido de postular a construção de uma sociedade em que todas

as gerações obtenham benefícios da vida coletiva e tenham oportunidades de

desenvolvimento e participação.

38

Quando se fala em uma sociedade para todas as idades temos que pensar na

existência de uma estrutura social que adote políticas e programas sociais que

estimulem o desenvolvimento pessoal de todos os indivíduos, fundamentando-se na

noção de que a integração entre todos facilitará, por conseqüência, a evolução individual

de cada um.

É fácil perceber que ainda estamos longe de alcançarmos uma sociedade

organizada sob estes princípios, a não ser se pensarmos de maneira extremamente vaga

e utópica. O desenvolvimento do capitalismo exige uma sociedade materialista e

competitiva, enfraquecendo os laços de solidariedade e cooperação entre os indivíduos.

O individualismo impera, e a diferenciação entre os indivíduos e as classes sociais se

torna algo inerente ao sistema.

Quando se trata especificamente do idoso, a idéia de uma sociedade para

todas idades se torna um sonho ainda mais distante, na medida em que se unem fatores

negativos como a criação de estereótipos pejorativos, a exclusão do mercado de trabalho

e a deficiência da assistência social por parte do Estado. O idoso se coloca numa

posição de exclusão em praticamente todas as esferas sociais, perdendo seu poder

aquisitivo e a qualidade de vida que tinha ainda mais jovem.

Nos resta como esperança perceber que a idéia de uma sociedade que seja

realmente estruturada para todas as idades pode estar a caminho, pois os primeiros

passos já foram dados em relação à posição do idoso na sociedade. Nos serve como

consolo observar que toda a mobilização mundial em prol da proteção do idoso ocorrida

ao longo dos últimos 20 anos resultou na formulação de tratados, orientações e

legislações, que esperamos serem efetivamente consolidadas com a evolução deste

processo. O primeiro passo foi dado, restam muitos outros pela frente.

Analisaremos, então, os principais documentos e encaminhamentos

internacionais que foram resultado desta conscientização mundial em relação aos

idosos, procurando estabelecer em elo de ligação e evolução entre cada um deles. Além

do complexo Plano de Ação Internacional elaborado em 1982 e incrementado em 2002,

também merecem destaque os Princípios das Nações Unidas para o Idoso, formulado

em 1991, e a Declaração de Toronto, elaborada pela Organização Mundial de Saúde

(OMS) em 2002.

3.1 - A I Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento

39

Ocorre no ano de 1982, em Viena, Áustria, a I Assembléia Mundial sobre o

envelhecimento, organizada com a finalidade de se discutir o processo de

envelhecimento populacional em uma sociedade organizada sob estruturas voltadas para

as vias de desenvolvimento econômico e tecnológico. Em outras palavras, era

necessário discutir formas de inserção e participação do idoso em uma sociedade

orientada para a produção material e para a acumulação de capital.

A I Assembléia Mundial sobre o envelhecimento contou com a participação

de 124 Estados, e estava envolvida em um contexto de conflitos ideológicos e políticos,

como a Guerra Fria, o regime do Apartheid na África do Sul e movimentos de luta pela

independência territorial. Este cenário levava à reflexão de que os idosos, por serem

considerados naturalmente mais vulneráveis, poderiam sofrer as conseqüências

negativas desta dinâmica de forma mais violenta.

O fundamento filosófico que cerceou o debate nesta primeira Assembléia foi

a Declaração Universal dos Direitos do Homem elaborada em 1948, e que até os dias

atuais ainda funciona como referência em qualquer lugar do mundo quando se discutem

os valores e os ideais do homem e da sociedade.

É importante destacar que esta declaração menciona especificamente o idoso

no artigo XXV, como um grupo socialmente vulnerável que passa, desta forma, a ser

suscetível de proteção especial por parte do Estado. Poderíamos dizer que a Declaração

realizou uma profecia ao vislumbrar um problema que viria à tona praticamente 50 anos

depois de sua elaboração, no caso, a situação peculiar do crescimento acelerado do

segmento populacional idoso.

Além disso, quando se fala em “Direitos do Homem”, pensa-se em garantias

inerentes a todo e qualquer sujeito, independentemente de sua condição. E foram estes

princípios universais que nortearam as recomendações elaboradas pela Assembléia ao

propor uma orientação ao tratamento a ser dado à população idosa.

Os princípios proclamados pela ONU em defesa da população idosa

procuram estabelecer uma rede de proteção social voltada especificamente para este

segmento, tratando-o enquanto um grupo social que merece uma atenção diferenciada,

assim como defende a adoção de políticas sociais que integrem o idoso às demais

gerações, participando e tendo oportunidades como qualquer outro segmento nas

dinâmicas sociais. Postula-se, desta forma, tratar o idoso diferencialmente de acordo

com suas necessidades assim como defender sua igualdade em relação aos demais

indivíduos no que diz respeito à garantia de benefícios e participação social.

40

O resultado da I Assembléia Mundial sobre o envelhecimento foi a

elaboração do Plano de ação Internacional para o Envelhecimento4, documento

composto por 62 recomendações voltadas para a proteção social a ser garantida ao

idoso, e que seria reformulado de forma mais complexa na II Assembléia Mundial sobre

o envelhecimento, realizada em Madri no ano de 2002.

Iremos aqui apresentar os elementos básicos que compõem o documento

sancionado em 1982, uma vez que nos deteremos em uma análise mais profunda do

atual Plano de Ação Internacional em vigor, implementado em 2002. O texto aprovado

em Viena é a base dos fundamentos postulados no documento de 2002, e também dos

Princípios das Nações Unidas para o Idoso, que viria a ser proclamado em 1991.

Dentre as recomendações mais relevantes deste documento, merecem

destaque as orientações voltadas para a manutenção da plena qualidade de vida do

idoso, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto de vista emocional e intelectual,

buscando-se com isso manter a independência do idoso em relação aos demais

indivíduos no mais alto grau em que esta autonomia for possível.

Especificamente em relação à saúde, o Plano recomenda a prática

preventiva, como forma de minimizar as possíveis complicações biológicas decorrentes

da idade avançada. Além disso, deve ser dado um tratamento especial aos idosos de

idade mais avançada, por estarem em uma condição de maior vulnerabilidade e

debilidade física:

- Early diagnosis and appropriate treatment is required, as well as preventive measures, to reduce disabilities and diseases of the ageing.5

- Particular attention should be given to providing health care to the very old, and to those who are incapacitated in their daily lives.6

O documento cita ainda a importância de adaptação dos serviços de saúde,

como a disponibilidade de serviços hospitalares de emergência e a existência de

profissionais especializados para o atendimento ao idoso, por exemplo.

Já em relação ao ambiente de vida do idoso, o Plano destaca a importância

da adaptação das moradias, de locais públicos e dos meios de transporte de modo a

facilitar a acessibilidade do idoso e não priva-lo de qualquer oportunidade. A idéia é

fazer com que o idoso tenha condições de permanecer morando no seu próprio lar, e

apenas mudar para abrigos especializados quando não houver outra possibilidade de

manutenção de sua qualidade de vida, o que também pode ser observado pelo destaque

4 Utilizaremos a versão original do documento da ONU, editada em 1982, já que este texto não foi publicado de forma traduzida na literatura brasileira.5 Recomendation 3, International Plan of Ageing, ONU, 1982.6 Recomendation 4, International Plan of Ageing, ONU, 1982.

41

dado nas orientações relacionadas à importância da família no amparo e nos cuidados

com o idoso:

- Helping the aged to continue to live in their own homes as long as possible, provision being made for restoration and development and, where feasible and appropriate, the remodelling and improvement of homes and their adaptation to

match the ability of the aged to get to and from them and use the facilities.7

- Special attention should be paid to environmental problems and to designing a living environment that would take into account the functional capacity of

the elderly and facilitate mobility and communication through the provision of adequate means of transport.8

Um dos pontos mais importantes do documento diz respeito às

recomendações voltadas para a provisão de benefícios sociais e geração de empregos

para a população idosa. O documento defende a garantia de uma renda mínima para os

indivíduos idosos como um dever do Estado, através da criação de um sistema

previdenciário. Em relação ao trabalho, devem ser incentivados programas de

atualização e requalificação profissional visando permitir a continuidade do exercício

profissional pelos indivíduos idosos:

- Create or develop social security schemes based on the principle of universal coverage for older people. Where this is not feasible, other approaches

should be tried, such as payment of benefits in kind, or direct assistance to families and local cooperative institutions.9

- Measures should be taken to assist older persons to find or return to independent employment by creating new employment possibilities and facilitating

training or retraining.10

E finalmente, o Plano destaca também a importância do desenvolvimento de

uma consciência geral em relação às problemáticas dos idosos, e ao incentivo a

pesquisas sobre o envelhecimento visando aprimorar a qualidade do tratamento dado ao

idoso.

Podemos avaliar positivamente o Plano de Ação Internacional para o

Envelhecimento elaborado em 1982 pela sua característica de tratar o idoso de forma

global, no sentido de desmistificar a questão do envelhecimento como um tópico

unicamente relacionado à saúde, e inseri-la em uma discussão mais abrangente, tratando

de problemáticas que envolvem questões como a qualidade de vida, renda, trabalho e

ambiente de convívio, por exemplo.

7 Recomendation 19, International Plan of Ageing, ONU, 1982.8 Recomendation 22, International Plan of Ageing, ONU, 1982.9 Recomendation 36, International Plan of Ageing, ONU, 1982.10 Recomendation 37, International Plan of Ageing, ONU, 1982.

42

Mais adiante, perceberemos também que o Plano de Ação Internacional,

reavaliado e aprofundado em 2002 durante a II Assembléia Mundial sobre o

Envelhecimento em Madri, se tornou um documento mais detalhado, procurando tratar

com profundidade cada característica de vida da população idosa de forma a englobar

todas as orientações necessárias para se alcançar resultados positivos na melhoria da

condição de vida deste segmento populacional.

Seguindo a evolução cronológica da discussão mundial sobre o

envelhecimento, analisaremos a seguir os Princípios das Nações Unidas para o Idoso,

uma pequena declaração onde constam cinco fundamentos filosóficos básicos onde se

definem a noção de envelhecimento e a imagem do idoso que se pretende consolidar em

nossas sociedades.

3.2 - Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso

Nove anos após a Primeira Assembléia Mundial sobre o envelhecimento, a

ONU aprova, através de sua Assembléia Geral ocorrida em Dezembro de 1991, os

Princípios das Nações Unidas para o Idoso, um documento em que constam cinco

43

concepções básicas que devem servir como fundamento para as garantias sociais da

população idosa, propiciando as condições necessárias para o seu desenvolvimento e

sua inserção social: independência, participação, assistência, auto-realização e

dignidade.

A carta de princípios da ONU representa a construção da imagem do idoso

ideal que se pretende criar na dinâmica social, que possuiria características como o

dinamismo e a plena atividade mental e social. Pretende-se, assim, transformar em

realidade o perfil de um idoso que tenha ainda toda vitalidade e produtividade

necessária não somente para o seu próprio desenvolvimento e bem-estar, como também

contributiva para o desenvolvimento da sociedade em geral.

Por independência, entende-se garantir ao idoso uma autonomia de modo

que não seja submetido ao controle ou à dominação por parte de outrem, o que

comprometeria sua liberdade, sua individualidade e sua capacidade de escolha. Esta

autonomia seria garantida através da permanência do idoso no mercado de trabalho, e

no incentivo a oportunidades para o seu desenvolvimento e aprimoramento intelectual

através do permanente acesso à educação e à informação, como indicam os tópicos do

documento:

- Ter oportunidade de trabalhar ou ter acesso a outras formas de geração de renda.

- Poder determinar em que momento deverá afastar-se do mercado de trabalho.

- Ter acesso à educação permanente e a programas de qualificação e requalificação profissional.11

A população idosa teria garantida, desta forma, a manutenção do seu poder

financeiro e da sua capacidade de inserção no mercado de trabalho de forma produtiva,

não precisando se subjugar ao sustento e aos cuidados por parte de parentes, por

exemplo.

O engajamento do idoso nas dinâmicas sociais também é postulado como

um princípio fundamental para o seu desenvolvimento, principalmente através da

participação política, pela qual o indivíduo idoso tomará parte nas discussões e nas

decisões relativas à sociedade:

- Permanecer integrado à sociedade, participar ativamente na formulação e implementação de políticas que afetam diretamente seu bem-estar e transmitir aos mais

jovens conhecimentos e habilidades.12

11 ONU, Princípios da Nações Unidas para o Idoso, 1991.12 ONU, Princípios da Nações Unidas para o Idoso, 1991.

44

O documento sugere, ainda, a adesão voluntária do idoso em atividades

comunitárias, de modo a torná-lo socialmente útil, integrá-lo com os demais grupos da

sociedade e mantê-lo funcionalmente ocupado, o que o preveniria, pelo menos em tese,

de danos psicológicos como depressão por se sentir só ou inútil, por exemplo.

A dignidade e a auto-realização do idoso são igualmente valorizadas com o

intuito de proporcionar qualidade de vida a este segmento populacional, defendendo-se

assim o desenvolvimento de atividades culturais e programas de lazer voltados para a

população idosa.

E finalmente, os Princípios das Nações Unidas para o Idoso passam do

campo abstrato para a realidade concreta ao defender algumas proteções sociais ao

idoso, como as garantias de acesso aos serviços de saúde e à assistência jurídica, direitos

estes fundamentais para a consolidação da independência e da inserção social do idoso,

preconizados anteriormente:

- Ter acesso a serviços sociais e jurídicos que lhe assegurem melhores níveis de autonomia, proteção e assistência.

- Ser tratado com justiça, independente da idade, sexo, raça, etnia, deficiências, condições econômicas ou outros fatores.13

Os Princípios das Nações Unidas para o Idoso defendem, deste modo, um

conjunto de valores essenciais para a dignidade da população idosa, e que devem ser

permanentemente garantidos em quaisquer circunstâncias. Tais princípios devem servir

como base para todas as legislações nacionais especificamente orientadas para este

segmento populacional, na medida em que postulam os ideais fundamentais que devem

ser perseguidos por todas as sociedades que realmente tenham como objetivo assegurar

a qualidade de vida e o efetivo exercício da cidadania da população idosa.

3.3 - A II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento

Realizada 20 anos depois do primeiro encontro, a segunda Assembléia

realizada pela ONU teve a intenção de avaliar os resultados concretos do Plano de ação

Internacional formulado em 1982, discutindo o nível de desenvolvimento das políticas

sociais em cada Estado no que diz respeito às propostas relacionadas à proteção ao

idoso. Desta forma, a II Assembléia serviu para amadurecer a reflexão em relação a

algumas considerações relativas aos problemas enfrentados pela população idosa,

13 Idem.

45

pensando de maneira mais complexa os possíveis encaminhamentos a serem traçados

para garantir qualidade de vida e dignidade a este segmento, que já apresentava neste

momento um quantitativo demográfico bem maior do que no período de realização da I

Assembléia.

O documento oriundo deste encontro especifica algumas áreas de atuação

que devem ser observadas pelos respectivos governos em relação ao segmento idoso,

como a saúde, a educação, o sistema de previdência e a assistência social, por exemplo.

Observa-se assim um processo de valorização dos direitos humanos e dos direitos

sociais, como forma de amenizar as conseqüências de uma estrutura social

prioritariamente voltada para a acumulação individual de capital.

A característica principal do Plano de ação Internacional para o

Envelhecimento formulado em Madri14 é propor alternativas para a atuação do Estado e

da sociedade civil no desenvolvimento de políticas públicas direcionadas

especificamente voltadas para a população idosa. O documento destaca a importância de

se adaptar as recomendações propostas às peculiaridades de cada país, ao mesmo tempo

em que busca contextualizá-las em relação à interdependência existente entre os países

em um mundo globalizado.

Busca-se, assim, desenvolver um processo de amparo ao idoso segundo as

demandas e os problemas específicos de cada região, ao mesmo tempo em que se

postula uma conscientização universal e uma atuação global integrada de proteção à

população idosa.

Pode se perceber claramente os fundamentos e os objetivos do Programa já

no discurso de abertura da Assembléia de Madri proclamado por Kofl Annan, Secretário

Geral da ONU, onde defende como máxima filosófica a instituição de uma sociedade

para todas as idades. Ou seja, se torna inadmissível excluir um segmento populacional,

agora expressivo em termos quantitativos, da participação e da inserção social. Não se

trata apenas de respeito em relação à figura humana do idoso, mas também de um

problema estrutural para a sociedade.

Postula-se, desta forma, a idéia do envelhecimento produtivo, procurando

representar um processo de conscientização social em relação ao idoso que culmine em

práticas efetivas de proteção e integração deste segmento nas dinâmicas sociais, de

maneira que o idoso não somente tenha sua dignidade garantida como venha a se tornar

um grupo que participe e que dê sua contribuição à comunidade nos processos de

desenvolvimento econômico, político e social.14 Utilizaremos neste ponto a versão traduzida para a Língua Portuguesa publicada pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal Brasileiro.

46

Annan ressalta ainda a importância de se ter em mente que o

envelhecimento é algo que diz respeito a todos nós, na medida em o idoso está inserido

hoje nesta etapa de vida, assim como os jovens e adultos nela estarão no futuro. E mais

do que isso, alerta para o fato de que devemos enxergar o idoso como um segmento que

possui características e necessidades particulares como qualquer outro grupo social, e

não simplesmente caricatura-los segundo traços exclusivamente pejorativos:

“Todos envelheceremos algum dia, se tivermos esse privilégio. Portanto, não consideremos os idosos como um grupo à parte, mas, sim, como a nós mesmos no futuro. E reconheçamos que todas os idosos

são pessoas individuais, com necessidades e capacidades particulares, e não um grupo em que todos são iguais por que são velhos”.15

Os objetivos gerais do Plano de ação internacional estão expressos logo no

artigo 1º da Declaração Política proclamada em Madri, onde se defende a integração

entre o idoso e o desenvolvimento social, a promoção da saúde e do bem-estar na

velhice e a criação de ambientes propícios e favoráveis ao idoso como as orientações

prioritárias a serem seguidas tanto nas políticas nacionais quanto nas políticas

internacionais de desenvolvimento voltadas especificamente para o segmento idoso.

A questão da desigualdade sócio-econômica entre os países é destacada no

sentido de chamar a atenção para a peculiaridade das condições de vida das populações

idosas dos países mais pobres ou menos desenvolvidos, que tendem a enfrentar

problemas ainda mais graves no seu dia-a-dia.

Ao mesmo tempo em que o avanço tecnológico permite uma melhoria

substancial na qualidade de vida de grande parte da população mundial, ela desencadeia,

por outro lado, um processo de desequilíbrio global, uma vez que nem todos os países

terão o mesmo nível de acesso aos benefícios provenientes desta evolução. Assim

sendo, a miséria, o desemprego e deficiência dos serviços de assistência social podem

afetar com maior impacto o segmento idoso, naturalmente mais vulnerável e

socialmente mais indefeso.

Desta forma, a minimização dos efeitos perversos da globalização é

mencionada no artigo 7º da Declaração Política, que prevê a incorporação de programas

sociais voltados para o envelhecimento no contexto de uma política de inclusão dos

países menos desenvolvidos na economia globalizada de mercado:

“A menos que as vantagens do desenvolvimento social e econômico cheguem a todos os países, um número cada vez maior pessoas, sobretudo idosos de todos os países, e mesmo de regiões inteiras,

ficarão à margem da economia mundial. Por esse motivo, reconhecemos a importância de incluir o tema

15 Kofl Annam , II Assembléia Mundial sobre o envelhecimento, 2002.

47

do envelhecimento nos programas de desenvolvimento, assim como nas estratégias de erradicação da pobreza e de cuidar que todos os países consigam participar plenamente no desenvolvimento da

economia mundial.” ·

É interessante destacar nos artigos 15º e 17º a menção à participação da

sociedade civil em geral dos próprios idosos no desenvolvimento e no planejamento de

políticas públicas voltadas para este segmento, ratificando um processo onde se

conclama cada vez mais a participação de toda a comunidade na minimização dos

problemas. Ameniza-se a responsabilidade do Estado no que diz respeito às

transformações sociais, onde as possíveis soluções para as mazelas coletivas agora

dizem respeito a todos nós, sendo assim “essencial à existência de colaboração eficaz

entre os governos nacionais e locais, organismos internacionais, os próprios idosos e

suas organizações, outros setores da sociedade civil, incluídas as organizações não

governamentais e o setor privado”.16

Analisaremos a partir deste momento cada uma das três orientações

prioritárias especificadas no Plano de Ação Internacional, que devem servir como um

guia para as políticas públicas a serem adotadas pelos respectivos países: os idosos e o

desenvolvimento; a promoção da saúde e do bem-estar na velhice; e finalmente, a

criação de ambientes propícios e saudáveis para o idoso. É importante destacar, para

efeitos metodológicos, que cada um das três orientações prioritárias são subdivididas

em temas, especificando-se detalhadamente medidas e encaminhamentos segundo cada

ponto de discussão em questão.

a) Pessoas Idosas e Desenvolvimento

A primeira orientação prioritária do Plano de Ação internacional para o

Envelhecimento consiste na adoção de medidas que visem garantir aos idosos os

benefícios provenientes do desenvolvimento econômico e tecnológico em nível

mundial, de modo que estes avanços permitam a população idosa a alcançar o seu

próprio desenvolvimento, estabelecendo assim uma relação dialética, onde a evolução

social deve propiciar o desenvolvimento do idoso, assim como o desenvolvimento do

idoso deve contribuir para o desenvolvimento social.

16 Artigo 17º da Declaração Política do Plano de Ação Internacional para o envelhecimento, 2002.

48

Devem-se estabelecer medidas que busquem adaptar a estrutura sócio-

econômica ao envelhecimento da população, fazendo com que, por um lado, a força de

trabalho não seja comprometida pelo envelhecimento da mão-de-obra, e que, por outro

lado, o segmento idoso não seja prejudicado pela competitividade do mercado de

trabalho e nem pela deficiência do sistema previdenciário, que tende a se tornar

deficitário em conseqüência do aumento quantitativo de benefícios.

O primeiro tópico relativo à inserção do idoso nas políticas de

desenvolvimento reconhece a importância deste segmento populacional para a

sociedade, citando como exemplos as atividades voluntárias desenvolvidas por este

grupo e a sua extrema relevância para a sua família em particular, seja como suporte

financeiro ou como suporte moral.

As medidas indicadas neste ponto incentivam a elaboração de programas

que visem à integração do idoso com as demais gerações, principalmente através do seu

engajamento em práticas voluntárias, alternativa muito incentivada em todo o

Programa:

- Oferecer oportunidades, programas e apoio para estimular idosos a participarem ou continuarem participando na vida cultural, econômica, política e social e em aprendizagem ao longo de toda a vida.17

- criar um ambiente que possibilite a prestação de serviços voluntários em todas as idades, que inclua o reconhecimento público e facilite a participação dos idosos cujo acesso às vantagens de se dedicar a

atividades voluntárias possa ser limitado ou nulo18.

Além disso, este tópico aborda a relevante questão da participação política

dos idosos, que deve ser incentivada de forma a possibilitar a este grupo a discussão

acerca de seus problemas específicos, assim como engaja-los nas demais problemáticas

da sociedade, mencionando-se, inclusive, a necessidade do incentivo à participação da

mulher idosa nos processos decisórios:

- Estimular, caso ainda não as haja, a criação de organizações de idosos, em todos os níveis, entre outras coisas para representá-los nos processos de tomadas de decisões.19

- Adotar medidas para permitir igual e plena participação dos idosos, particularmente das mulheres idosas, na tomada de decisões em todos os níveis.20

Este é um tema de extrema importância, uma vez que ainda percebemos de

forma superficial e restrita a mobilização social do segmento idoso em relação à

17 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 1, Medida “c”.18 Idem. Medida “e”. 19 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 2, Medida “b”.20 Idem. Medida “c”.

49

conscientização de seus problemas e à reivindicação de seus direitos. Não se pode

pensar em uma consolidação efetiva dos Direitos os Idosos se o próprio grupo em

questão não estiver plenamente inserido em um movimento social que diz respeito a ele

próprio.

Já o segundo tema especificado na Orientação prioritária I propõe

encaminhamentos para uma questão decisiva em relação à qualidade de vida dos idosos,

tratando especificamente da inserção e da continuidade destes indivíduos no mercado de

trabalho.

O documento parte de uma análise realista do panorama global, onde se

observa uma tendência ao desemprego e à falta de oportunidades para a população idosa

devido aos avanços científicos e à imensa competitividade no mercado de trabalho, o

que relega este segmento ao mercado informal ou até mesmo o exclui de qualquer

atividade profissional.

Neste ponto é discutida a questão de gênero, já que se observa que a mulher

idosa sofre dificuldades ainda maiores de reinserção no mercado de trabalho do que o

homem idoso. Dentre outros fatores, a situação desfavorável da mulher idosa pode ser

relacionada a sua função de dedicação familiar ao longo da vida, o que pode ter levado a

uma formação educacional e profissional deficiente, tendo como conseqüência direta a

ausência de uma qualificação profissional ou até mesmo a inexistência desta.

Propõem-se medidas que visem à integração da mão-de-obra do indivíduo

idoso ao mercado de trabalho de modo que não sejam comprometidas as oportunidades

de trabalho para os mais jovens. Torna-se necessário consolidar uma organização social

que não tenha necessariamente que excluir um grupo para incluir outro.

Ao defender a permanência ou a reintegração do idoso ao mercado de

trabalho, o Plano pretende evitar uma situação de futura dependência financeira e

material da população idosa em relação à sua família ou ao próprio Estado, onde a

permanência do vinculo ao trabalho remunerado garantiria ao idoso sua independência e

individualidade.

Dentre as medidas propostas neste item, destaca-se o incentivo a programas

de assistência à saúde do idoso, o que lhe garantiria condições físicas favoráveis pra

continuar a exercer uma atividade profissional. Deve-se incentivar também a criação de

oportunidades de trabalho autônomo para a população idosa, através, por exemplo, da

concessão de linhas de crédito para a abertura de pequenas empresas:

- Adotar medidas para aumentar a participação na força de trabalho de toda a população idosa para trabalhar e reduzir o risco da exclusão ou dependência num momento futuro da vida. Esta medida deve

50

ser promovida mediante políticas como, entre outras, o aumento da participação de mulheres idosas, serviços sustentáveis de assistência à saúde relacionada com o trabalho, insistindo na prevenção, na

promoção da saúde e segurança ocupacional para manter a capacidade de trabalhar e o acesso à tecnologia, ao aprendizado continuado, à educação permanente, à capacitação no emprego, à

reabilitação profissional.21

- Promover iniciativas de emprego autônomo para idosos, por exemplo, estimulando a criação de pequenas e micro-empresas e garantindo o acesso ao crédito para os idosos, sem discriminação,

especialmente, por razões de sexo.22

O problema é que o documento apresenta uma ilustre solução filosófica para

a exclusão profissional do idoso ao postular a integração social entre todas as gerações,

mas não explica concretamente como isso seria possível em uma organização sócio-

econômica baseada na competitividade e na acumulação de capital. A concessão de

linhas de crédito seria uma alternativa para se criar oportunidades para os idosos sem

modificar a lógica do sistema, de tal forma que seria legitimada a exclusão deste

segmento do mercado de trabalho formal através do incentivo ao trabalho autônomo e

informal. Em outras palavras, deve-se buscar as soluções para os problemas dos idosos,

mas de modo que não modifique e nem atrapalhe a estrutura social já estabelecida.

Os encaminhamentos propostos no terceiro tema de discussão são de

extrema relevância para a realidade sócio-econômica brasileira. Aqui se propõem

medidas voltadas para a minimização das desigualdades existentes entre as zonas rurais

e as zonas urbanas, observadas principalmente em países subdesenvolvidos. Tais

diferenças refletem de forma imediata na qualidade de vida da população rural, que

sofre com a inexistência de serviços básicos, ficando entregues à miséria, à ausência de

qualquer perspectiva de desenvolvimento econômico e ao isolamento estrutural em

relação às zonas urbanas.

O problema da migração da população das zonas rurais para as zonas

urbanas é típico dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, provocando

fenômenos como o inchaço populacional e a incapacidade do mercado de trabalho de

absorver a população excedente, gerando um quadro de desemprego, favelização e

violência.

Diante deste cenário, incentiva-se a adoção de projetos que visem à

melhoria da qualidade de vida nas zonas rurais, por um lado, e também a adoção de

medidas que proporcionem a integração e a adaptação dos migrantes rurais nas zonas

urbanas, de modo que lhe sejam concedidas garantias sociais assim como o

desenvolvimento urbano absorva o aumento populacional ali observado.

21 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 2, Objetivo 1, Medida “c”.22 Idem. Medida “e”.

51

Dentre as medidas propostas, destaca-se o estímulo às cooperativas rurais, o

incentivo a instituições de concessão de crédito financeiro ao produtor rural e ao

fomento do estreitamento das ligações entre as zonas rurais periféricas e as zonas

urbanas centrais.

- Estimular a criação e a reativação de empresas em pequena escala mediante provisão financeira ou apoio a projetos geradores de rendas e cooperativas rurais e por meio de diversificação econômica cada

vez mais ampla.23

- Promover o desenvolvimento dos serviços financeiros locais, inclusive planos de microcrédito e instituições microfinanceiras nas regiões que não as possuem em quantidade suficiente para promover o

aumento dos investimentos.24

Em relação à adaptação do idoso proveniente da zona rural ao meio urbano,

indica-se a criação de centros de convivência especificamente voltados para os idosos,

como forma de integrá-los e fortalecê-los enquanto um grupo, o que facilitaria o seu

relacionamento social com os demais segmentos da sociedade e até mesmo favoreceria

a discussão de suas reivindicações:

- Adotar medidas de base comunitária para prevenir ou compensar as conseqüências adversas da urbanização, como o estabelecimento de centros de reunião para idosos.25

É importante destacar que a extrema desigualdade existente entre o campo e

a cidade é um dos principais problemas sociais brasileiros, não dizendo respeito

unicamente aos idosos. Este é um tema que deveria estar presente em todas as

discussões relativas ao desenvolvimento da sociedade brasileira, e a utopia de uma

solução para este problema levaria realmente ao surgimento de uma nova sociedade.

Isto vale para mostrar que as questões relativas à população idosa estão inseridas no

contexto mais amplo dos problemas gerais da sociedade.

O quarto tópico de discussão neste ponto relaciona-se aos sérios problemas

educacionais enfrentados pela população idosa. Grande parte deste segmento

populacional em países em desenvolvimento possui um nível educacional mínimo,

tendo completado poucos anos de estudo ao longo de sua vida. Existe, inclusive, um

percentual consideravelmente alto de idosos analfabetos, situação que pode ser

observada no Brasil.

23 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 1, Medida “b”.

24 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 1, Medida “c”.

25 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 3, Objetivo 3, Medida “c”.

52

Este quadro reflete diretamente na possibilidade de permanência do idoso no

mercado de trabalho, uma vez que ao despreparo funcional decorrente de um baixo

nível de conhecimentos e informações acrescentam-se as debilitações naturais e os

preconceitos existentes em relação à capacidade produtiva destes indivíduos. Somam-

se, assim, um conjunto de fatores que tendem a excluir impiedosamente a população

idosa do exercício profissional, o que desencadeia conseqüências negativas para a sua

qualidade de vida e para o seu desenvolvimento.

É necessário realizar programas constantes de atualização e reciclagem

educacional para a população idosa, já que seus conhecimentos tendem a se defasarem

rapidamente num mundo em que as inovações tecnológicas e as mudanças no mercado

de trabalho modificam constantemente as exigências em relação ao perfil de mão-de-

obra desejado. Desta forma, educação e trabalho caminham juntos, e onde a educação e

a informação são precárias, as oportunidades de trabalho diminuem, caso dos indivíduos

idosos.

Propõe-se, assim, a elaboração de programas que visem diminuir o alto

índice de analfabetismo entre a população idosa, dentre eles o interessante projeto que

orienta a produção de equipamentos e materiais impressos adaptados às peculiaridades

dos idosos, e o aproveitamento da experiência acumulada deste segmento nos processos

educacionais e culturais:

- Estimular e promover a capacitação fundamental nas primeiras letras e em aritmética dos idosos e dos membros mais velhos da força de trabalho, incluída a alfabetização especializada e a capacitação em

informática para idosos com incapacidades.26

- Estimular o projeto de equipamentos de computadores e de materiais impressos e auditivos que considerem as mudanças nas aptidões físicas e a capacidade visual dos idosos.27

O baixo nível educacional é um dos piores indicadores sociais em relação ao

segmento idoso. Principalmente nos países mais pobres, a baixa escolaridade observada

dentre esta população é herança de um passado aonde não se enxergava a educação

como um dos principais fatores para se alcançar tanto o desenvolvimento social quanto

o desenvolvimento individual. Aliados a isso, os aspectos peculiares da História de cada

país, onde ditaduras militares e governos corruptos, por exemplo, destruíram qualquer

possibilidade de uma formação educacional de qualidade.

A esperança está nos avanços consideráveis na área da educação em

praticamente todo o mundo, apesar dos paises menos desenvolvidos ainda enfrentarem

26 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 4, Objetivo 1, Medida “b”.27 Idem. Medida “f”.

53

grandes problemas em termos da qualidade do ensino. Provavelmente as próximas

gerações de idosos apresentarão um nível educacional bem melhor do que a geração

atual, e só nos resta esperar que este avanço tenha conseqüências positivas para a

qualidade de vida e para as oportunidades oferecidas a estas pessoas.

O Plano de Ação Internacional postula também a solidariedade como um

pressuposto obrigatório para a coesão e para o desenvolvimento social. O sentimento de

solidariedade, aqui entendido como o auxilio mútuo entre os indivíduos, seria o

fundamento para a criação de serviços sociais de assistencialismo, como o sistema de

Previdência Pública, por exemplo. É discutível, porém, a idéia de assistencialismo

proveniente dos benefícios previdenciários, tema que será discutido posteriormente

neste trabalho.

A importância da família é destacada no sentido de mostrar o papel

fundamental do idoso no relacionamento entre as diferentes gerações, seja no amparo

financeiro, seja no amparo moral e afetivo. Deve-se, assim, fortalecer os laços

familiares de forma a manter o idoso interagindo junto às demais gerações, postulando-

se neste ponto medidas visando ao bem-estar afetivo e emocional do indivíduo idoso,

como a conscientização da sociedade em relação a estes indivíduos:

- Tomar iniciativas com vista à promoção de um intercâmbio produtivo entre as gerações, concentrado nas pessoas idosas como um recurso da sociedade.28

A importância da família e a necessidade de conscientização da sociedade

em geral serão pontos que estão presentes, inclusive, no Estatuto do Idoso, que utilizou

o Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento como fundamento para a sua

elaboração.

A miséria, um problema que atingiu proporções mundiais, atinge

particularmente as populações mais vulneráveis, onde poderíamos incluir o segmento

idoso. Mesmo os países bem desenvolvidos economicamente possuem segmentos

excluídos e desfavorecidos, além de sofrerem algumas conseqüências em relação à

extrema pobreza existente nos países subdesenvolvidos, uma vez que o mundo

globalizado provoca uma relação de interdependência entre todas as nações.

Tratando-se particularmente do idoso, percebe-se dentre esta população um

nível extremamente alto de indivíduos em péssimas condições econômicas de

28 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 5, Objetivo 1, Medida “c”.

54

sobrevivência, não sendo observadas políticas de desenvolvimento econômico

especificamente voltadas para este grupo.

Além disso, a situação se torna ainda mais grave quando tratamos da

feminilização da pobreza, processo onde os mecanismos funcionais e institucionais da

sociedade contribuem para um desfavorecimento ainda maior da mulher em relação ao

homem, fazendo com que a população idosa feminina em geral tenha um padrão de vida

abaixo do padrão masculino. Exemplo disso é a imensa dificuldade da mulher idosa de

continuar a exercer uma atividade profissional, dificuldade esta bem maior em relação à

população idosa masculina. Na realidade, a mulher sempre foi desfavorecida em termos

profissionais, sendo este quadro agravado a partir do envelhecimento.

Diante disso, devem ser adotadas medidas que visem à consolidação de

programas sociais voltados especialmente para a situação de pobreza na velhice,

principalmente no que diz respeito à inclusão e à permanência do idoso no mercado de

trabalho como forma de obtenção de renda que minimizasse a sua condição econômica

desfavorável:

- Incluir os idosos nas políticas e programas destinados a alcançar o objetivo de redução da pobreza.29

- Promover a igualdade de acesso de idosos ao emprego e às oportunidades de geração de renda, de crédito, aos mercados e aos bens ativos.30

O Plano Internacional destaca também a importância da criação de sistemas

de Previdência e Seguridade Social por parte de cada Estado. O problema básico destes

sistemas gira em torno da situação deficitária enfrentada pelos regimes previdenciários,

decorrentes do aumento do número de idosos beneficiados e dos problemas

orçamentários existentes em alguns países.

Este problema atinge mais uma vez em maior escala a população idosa dos

países em desenvolvimento, uma vez que a instabilidade econômica e as instituições

deficientes destes países levam à ocorrência da inflação e da perda do poder aquisitivo

dos benefícios previdenciários, comprometendo a qualidade de vida do idoso.

Sendo assim, é necessário incrementar os serviços de proteção social

relativos à seguridade e previdência, visando proporcionar um eficiente amparo social à

população de idade avançada, garantindo-lhes uma renda mínima e a efetiva proteção

dos direitos sociais básicos, como o acesso aos serviços de saúde de qualidade, por

exemplo.

29 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 6 Objetivo 1, Medida “b”.30 Idem. Medida “c”.

55

O Programa sugere, inclusive, a adoção de sistemas não-contributivos de

Previdência, o que contraria a lógica existente na maioria dos países, como o Brasil, por

exemplo. Além disso, deve-se procurar incluir também o trabalhador informal na rede

benefícios sociais e proteção do Estado, onde neste caso poderíamos realmente tratar da

Previdência como um serviço de responsabilidade assistencial do Estado, uma vez que

se caracterizaria como um benefício universal e independente de quaisquer exigências

contributivas para o seu recebimento:

- Assegurar, quando for o caso, que os sistemas de proteção social / seguridade social abarquem uma proporção cada vez maior da população que trabalha no setor formal e informal.31

- Considerar a possibilidade de instituir, quando for o caso, um sistema de pensões que não imponha contribuições dos interessados e um sistema de pensões por invalidez.32

-

b) Promoção da Saúde e Bem-Estar na Velhice

A segunda orientação prioritária do Plano de Ação Internacional para o

envelhecimento diz respeito aos encaminhamentos necessários para se garantir uma

condição de vida saudável para a população idosa. A saúde é aqui entendida como um

pressuposto básico para o desenvolvimento humano, uma vez que se trata de um fator

primordial para a realização de qualquer atividade de nosso dia-a-dia.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde como um estado de

completo bem-estar físico, mental e social, não sendo assim uma questão unicamente

relacionada à prevenção de doenças. Uma vida saudável significa uma condição em que

estariam garantidas as oportunidades de desenvolvimento e integração social, onde não

existiriam quaisquer empecilhos para estas oportunidades.

É responsabilidade dos governos propiciar à população idosa os cuidados

necessários para a manutenção de uma vida saudável, já que, obviamente, se observam

maiores riscos de enfermidades neste segmento populacional devido à sua idade

31 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 7 Objetivo 1, Medida “c”.32 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 7 Objetivo 2, Medida “a”.

56

avançada e à sua condição física naturalmente mais vulnerável. Em vista disso, o Plano

incentiva o desenvolvimento da pesquisa e do incremento da especialidade geriátrica,

como forma de atender mais adequadamente à população idosa.

A questão primordial em relação à saúde dos idosos consiste na adoção de

políticas públicas baseadas na saúde preventiva e na manutenção da qualidade de vida

durante todas as idades. Isso evitaria um quadro generalizado de problemas de saúde

para a população idosa, situação que obriga os governos a terem de dispor de um grande

gasto orçamentário para reverter este cenário.

Havendo um planejamento eficiente em relação aos cuidados com a saúde

da população em geral, estaria se evitando no futuro maiores gastos com a assistência ao

idoso, que atingiria esta etapa de vida em melhores condições de vida e menos

suscetível a enfermidades. É simples perceber que um idoso saudável significa uma

grande economia para os cofres públicos e para os orçamentos destinados à saúde.

Deve-se combater o problema pela causa, ou seja, evitar que as doenças apareçam. De

nada adianta investir maciçamente no atendimento à saúde da população se as

enfermidades persistirem através das gerações, o que caracterizaria um círculo vicioso

na relação entre as doenças e os tratamentos. Daí a importância da saúde preventiva.

Nos encaminhamentos propostos nesta parte do Plano Internacional, são

especificados seis temas relacionados aos planejamentos que devem ser adotados para o

tratamento adequado a ser dado à população idosa, propondo-se, como na orientação

prioritária anterior, objetivos e medidas para a solução das dificuldades observadas.

Partindo da idéia de uma condição saudável durante toda a vida, este ponto

de discussão estabelece como meta principal garantir ao idoso o pleno acesso aos

serviços de saúde, prevenindo-lhe do avanço de debilidades e concedendo um

atendimento adequado aqueles que já apresentam algum tipo de enfermidade:

- Determinar os principais fatores ambientais e sócio-econômicos que contribuem para o aparecimento de doenças e incapacidades na velhice e enfrenta-los.33

Deve-se perceber a relação existente entre a saúde e as condições sócio-

econômicas de um individuo, uma vez que vários fatores influenciam na manutenção de

uma vida saudável, como o ambiente em que se vive e o nível de renda, por exemplo.

Assim, consolidar o sucesso nas políticas direcionadas à saúde significa proporcionar ao

33 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 1, Objetivo 1, Medida “d”.

57

idoso uma série de benefícios em sua vida que perpassam o tratamento a doenças e o

acesso a hospitais.

Assim sendo, são propostas medidas que visam conscientizar a população

em geral em relação a um estilo de vida que garanta uma boa qualidade de vida no

futuro, combatendo-se, por exemplo, o hábito de fumar e uma alimentação inadequada.

Indiretamente, deve-se também combater a pobreza e os problemas sociais urbanos, que

afetam a qualidade da saúde da população, como a ausência de saneamento básico em

muitas regiões e a poluição ambiental, por exemplo. É importante lembrar que

condições inadequadas de sobrevivência e ambientes impróprios afetam com maior

intensidade a população idosa, física e biologicamente mais vulnerável:

- Concentrar as atividades de promoção da saúde, de educação sanitária, das políticas de prevenção e das campanhas de informação nos conhecidos e importantes riscos decorrentes de uma dieta pouco

saudável, da falta de atividade física e de outras formas de comportamento perniciosos para a saúde, como o hábito de fumar e abuso do álcool.34

O acesso a um sistema de saúde pública eficiente é um direito de todos os

indivíduos, não podendo haver qualquer tipo de discriminação neste ponto.

Desigualdades financeiras e sociais não podem ter como conseqüência um acesso

diferenciado aos serviços de saúde. O idoso, inclusive, não deve ser preterido nos

programas sociais voltados para a saúde em relação aos mais jovens, onde muitas vezes

se analisa absurdamente a situação do segmento idoso como irreversível, não se

mobilizando, assim, investimentos e atenção para esta parcela da sociedade.

- Melhorar o acesso de idosos à assistência básica de saúde e tomar medidas para eliminar a discriminação à assistência à saúde por razões de idade ou outras formas de discriminação.35

É importante destacar o papel dos governos em garantir a assistência pública

de saúde para regiões mais empobrecidas, como as zonas rurais e localidades distantes

dos grandes centros urbanos, exigindo-se do Estado uma atenção maior na distribuição

de recursos suficientes para estas localidades.

Além disso, o programa postula que deve ser concebida uma política

adequada de controle sobre o preço de medicamentos, reforçando a idéia de que

qualquer tipo de produto está inserido na lógica do lucro, mesmo quando se trata de

uma mercadoria indispensável para a sobrevivência, em se tratando de um

medicamento:

34 Idem. Medida “e”.35 Idem. Medida “f”.

58

- Adotar medidas para velar pela distribuição entre idosos em condições de igualdade,dos recursos para a assistência à saúde e a reabilitação e, em particular, ampliar o acesso de idosos e

promover a distribuição de recursos para as zonas subatendidas, como as zonas rurais e remotas, incluindo o acesso aos medicamentos essenciais e outras medidas terapêuticas a preços acessíveis.36

- Promover o acesso a medicamentos essenciais e outras medidas terapêuticas a preços acessíveis.37

A proposta em questão utiliza a expressão “acessível” para designar a forma

pela qual os preços dos medicamentos devem ser comercializados, o que ilustra, mais

uma vez, a legitimação da desigualdade social. O que seria um preço acessível, em

termos quantitativos? E se fosse possível estabelecer e mensurar um valor tido como

“acessível”, será que tal valor seria realmente acessível para toda a população, inclusive

para aquelas camadas mais pobres da sociedade?

É lamentável observar que o Plano Internacional não consegue se livrar das

amarras de uma sociedade capitalista rigidamente baseada na busca pelo lucro, onde as

medidas não postulam a obrigação do governo em prover medicamentos para a

população necessitada, mas sim garantir que este medicamento seja comercializado a

um preço acessível. Percebermos que os interesses econômicos privados estão mais uma

vez acima de questões humanitárias como o direito à sobrevivência e a defesa à própria

saúde. Torna-se difícil consolidar os Direitos Humanos e a dignidade para os indivíduos

em uma sociedade que somente pensa sob a lógica do lucro.

Percebemos assim uma grande hipocrisia neste momento, já que as medidas

propostas defendem veementemente a ausência de qualquer tipo de discriminação

contra o idoso em nome de sua dignidade, mas consolidam a desigualdade ao legitimar

o império da indústria farmacêutica que não possui qualquer compromisso com a

população, a não ser vender os remédios que fabrica.

Quando se legitima a comercialização dos serviços de saúde se consolida

por extensão a diferenciação no acesso a estes serviços, uma vez que se torna óbvio que

um idoso de maior possibilidades econômicas terá maior facilidade em prover a

manutenção de sua saúde, enquanto um idoso desfavorecido em termos financeiros

estará sujeito a maiores dificuldades, já que poderá não ter condições de comprar os

medicamentos de que necessita, o que é facilmente observável na realidade brasileira.

O incentivo à especialidade da geriatria e a preparação de assistentes sociais

voltada especificamente para o segmento idoso deve ser um dos objetivos a serem

alcançados, uma vez que o conhecimento adequado acerca das peculiaridades biológicas

36 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 2, Objetivo 1, Medida “a”.37 Idem. Medida “c”.

59

e sócio-econômicas do idoso permitiria a estes profissionais um atendimento eficiente e

de qualidade. Deste modo, deve-se investir na formação profissional com ênfase no

tratamento do idoso, principalmente na preparação técnica de profissionais da saúde:

- Instituir programas de educação continuada para profissionais da saúde e dos serviços sociais com vistas a aplicar um enfoque integrado da saúde, do bem-estar e da assistência a idosos, assim como de

aspectos sociais e psicológicos do envelhecimento.38

Em relação a doenças específicas, cabe destacar as doenças mentais, comuns

em indivíduos em idade mais avançada, o que leva à necessidade de se estabelecer uma

orientação especifica em relação a este problema. O tratamento a idosos portadores de

deficiências mentais deve ser realizado por profissionais especializados, apoiados por

um suporte governamental que viabilize o acesso a medicamentos e a formação do

quadro técnico capacitado:

- Formular e aplicar estratégias nacionais e locais com vista a melhorar a prevenção à detecção precoce e o tratamento de doenças mentais na velhice, com inclusão de procedimentos de diagnósticos, medicação

adequada, psicoterapia e capacitação de profissionais e demais pessoas que atendam os anciãos.39

Deve-se também levar em consideração a questão da incapacidade dos

indivíduos idosos, que deve ser entendida como aquela condição em que tal sujeito se

torna impossibilitado de exercer determinadas funções na sociedade e também nas

situações em que existam problemas físicos e biológicos que comprometam a plena

vitalidade da pessoa. Estas incapacidades seriam observáveis na população idosa,

devido a contingências naturais à sua idade avançada.

Porém, as limitações inerentes ao idoso não devem representar

obrigatoriamente uma condição de inatividade e exclusão, sendo necessária a adoção de

uma política social que vise adaptar e proporcionar oportunidades para os idosos que

possuam algum tipo de incapacidade.

Deve-se assim, proporcionar um ambiente e uma condição sócio-econômica

que retarde ao máximo possível o surgimento de incapacidades, assim como deve ser

obrigação do Estado adaptar o espaço público de modo a facilitar o dia-a-dia dos idosos

com algum tipo de limitação:

38 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 4, Objetivo 1, Medida “b”.39 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 5, Objetivo 1, Medida “a”.

60

- Formular políticas, legislação, planos e programas nacionais e locais, conforme a conveniência, para tratar e prevenir a incapacidade em que se tenha em conta o sexo e a idade, assim como os fatores de

saúde, ambientais e sociais.40

- Promover a construção de moradias para idosos incapazes em que se reduzam os obstáculos e se aumentar os estímulos para levar uma vida independente e, sempre que possível, tornar acessíveis a

idosos incapazes espaços, transportes e outros serviços públicos, assim como os locais e serviços comerciais que utilize o público em geral.41

c) Criação de Ambiente Propício e Favorável

A Assembléia Mundial da ONU definiu como um ambiente propício e

favorável àquela condição de vida que permite aos indivíduos plenas oportunidades de

desenvolvimento e participação. Este ambiente estabeleceria, assim, uma sociedade

justa e equilibrada, fundamentada em aspectos como a participação política, a defesa

dos direitos humanos e uma integração econômica global que favorecesse tanto os

países desenvolvidos quanto os países em desenvolvimento.

A consolidação deste ambiente esbarra em problemas como a divida externa

e a deficiência institucional existente, principalmente, nos países subdesenvolvidos, o

que torna inviável uma destinação de recursos suficiente para o desenvolvimento de

programas sociais que atendam às demandas existentes. Com os recursos

comprometidos, a questão social se torna apenas um projeto para o futuro, e não uma

realidade.

40 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 6, Objetivo 1, Medida “b”.41 Idem. Medida “f”.

61

O Plano de Ação Internacional distribui em quatro temas a discussão

relativa à criação de um ambiente propício para o segmento idoso, como forma de

consolidar o desenvolvimento e a qualidade de vista, almejados nos pontos anteriores.

Obviamente que as condições de moradia são determinantes para se avaliar

a qualidade de vida de um indivíduo ou de uma família. Em vista disso, compromete-se

o status do idoso ao se observarem graves problemas relacionados às condições de

habitação e acesso a serviços básicos para grande parte deste segmento.

As grandes metrópoles em todo o mundo sofrem com o problema do

inchaço populacional, que desencadeia sérios problemas como a falta de espaço em

condições regulares de habitação equivalente ao contingente populacional, o que obriga

as classes menos favorecidas a habitarem regiões inadequadas, podendo-se tomar como

exemplo deste fato o crescente processo de favelização em algumas cidades como o Rio

de Janeiro. Além disso, os sistemas de transporte, saúde e saneamento básico não são

suficientes para o atendimento do contingente populacional que cresce

desproporcionalmente à estrutura destes serviços.

Por outro lado, as zonas rurais ainda sofrem com o abandono e o descaso

das políticas sociais, onde muitas vezes nem mesmo serviços essenciais como transporte

e postos de saúde chegam a estas localidades de uma forma minimamente eficiente.

Este é o panorama global do século XXI, e deve ser analisado como pano de

fundo quando tratamos das questões especificamente relacionadas ao ambiente de vida

do idoso, que está inserido neste cenário e sofre suas conseqüências.

Assim sendo, é extremamente necessário reorganizar os espaços urbanos

para atender às necessidades específicas da população idosa, de modo que sejam

garantidas sua locomoção e sua independência, principalmente adaptando-se os meios

de transporte e a construção de moradias, por exemplo:

- Estimular investimentos em infra-estruturas locais como as de transporte, saúde, saneamento e segurança, concebidas em apoio de comunidades multigeracionais.42

- Promover o projeto de moradias acessíveis e adaptadas à idade de seus ocupantes, e garantir a facilidade de acesso a edifícios e locais públicos.43

A assistência ao idoso é relacionada como um importante tema a ser

considerado como parte de um ambiente saudável, o que leva a necessidade da

formação de quadros profissionais devidamente qualificados para atender a este

segmento. Deve-se levar em conta também a importância da assistência informal, 42 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 1, Objetivo 1, Medida “c”. 43 Idem. Medida “g”.

62

aquela prestada pela família ou pela comunidade em geral à população idosa, em

conseqüência da ausência ou da deficiência de órgãos institucionais públicos para

realizar esta função.

Porém, o Estado tem a obrigação de suprir a possível inexistência de apoio

informal para o idoso, como nos casos de indivíduos que vivam sozinhos, por exemplo.

Sempre deve ser priorizada a independência do idoso, no mais alto grau em que esta

independência seja possível, devendo tanto a assistência formal do Estado, quanto à

assistência informal da família ou da comunidade serem prestadas com qualidade:

- Melhorar a qualidade da assistência comunitária, o acesso à assistência comunitária a longo prazo que se presta a idosos que vivem sós, a fim de prolongar sua capacidade de viver com independência, como

possível alternativa de hospitalização e de internação em abrigo de idosos.44

- Tomar medidas para garantir a prestação de assistência a idosos que não disponham de apoio informal, que tenham deixado de tê-lo ou não o desejem.45

É destacada neste ponto a importância da assistência ao idoso que vive

sozinho, cabendo ao Estado suprir a ausência da família em relação aos seus cuidados.

Porém, é importante ressaltar que a prioridade continua sendo manter a independência

do idoso, sendo a internação uma alternativa recomendada somente nos casos em que

realmente não seja mais possível a rotina saudável do idoso em seu próprio lar.

A proteção contra abuso e violência é destacada como o terceiro tema deste

modulo, já que são extremamente preocupantes as inúmeras situações onde se observam

idosos sujeitos a danos físicos, emocionais e psicológicos, principalmente por se

tratarem de pessoas mais vulneráveis e naturalmente mais indefesas.

Estas situações podem ser observadas tanto na esfera familiar quanto na

esfera institucional, onde abrigos e lares comunitários muitas vezes descumprem uma

série de exigências para o seu funcionamento ou até mesmo agem de má fé para

explorar ou usurpar os recursos dos idosos sob seus cuidados.

Diante deste quadro, torna-se necessário elaborar uma proteção jurídica que

seja capaz de proteger os idosos destas situações, podendo-se ter como exemplo a

legislação brasileira especificamente voltada para o idoso que prevê regras para o

funcionamento de asilos e estipula punições até mesmo para os próprios familiares que

maltratarem ou explorarem aqueles indivíduos idosos que estiverem sob sua tutela.

Também faz parte deste processo conscientizar a própria população idosa

sobre os seus direitos, de modo que saibam avaliar os casos em que estiverem sendo

44 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 1, Medida “b”.45 Idem. Medida “d”.

63

vítimas de maus-tratos e, principalmente, saber a quem e como recorrer destas

situações. É igualmente necessário investir na capacitação de profissionais para atender

e auxiliar os idosos em questão:

- Estimular os profissionais de saúde e de serviços sociais a que informem os idosos que possam ter sofrido maus-tratos, sobre a proteção e o apoio de que dispõem.46

- Incluir na capacitação das profissões assistenciais como forma de encarar os casos de maus-tratos a idosos.47

Este ainda é um tema que encontra bastante dificuldade em sua aplicação,

uma vez que dificilmente o idoso irá mover algum tipo de queixa ou processo contra sua

própria família, e, além disso, ainda existem imensas deficiências nas instituições

responsáveis pela fiscalização de asilos e abrigos, como o pequeno efetivo no quadro de

funcionários, por exemplo, o que torna recorrente a existência de infrações graves por

parte destes órgãos em relação às normas de atendimento ao idoso.

O quarto e último tema das orientações prioritárias diz respeito a

interessantes observações sobre as imagens coletivamente compartilhadas sobre a figura

do idoso, principalmente aquelas veiculadas pelos meios de comunicação. Tais imagens

refletem uma espécie de consciência que se tem em relação ao envelhecimento, o que

determina, por conseqüência, o tratamento que será dado a este grupo.

Desta forma, é de grande relevância a produção de imagens positivas da

velhice, de modo que tais imagens desencadeiem na sociedade em geral uma

consciência de respeito, valorização e atenção em relação ao idoso. Caso contrário, a

veiculação de elementos pejorativos sobre a idéia do envelhecimento agravaria mais

ainda as situações de negligência e desrespeito ao idoso, já que veicular uma imagem

negativa do idoso como indivíduos improdutivos e senis, por exemplo, legitimaria por

conseqüência um tratamento igualmente negativo a ser dado a este grupo.

Não se deve, assim, realçar o segmento idoso como responsável por déficits

no orçamento e na previdência, por exemplo, mas sim valoriza-lo por um outro ângulo,

através do qual se caracteriza o envelhecimento como uma etapa natural de nossas vidas

onde tais indivíduos representam todo o passado de nossa sociedade e devem ser

valorizados como símbolos de respeito e sabedoria:

- Estimular os meios de comunicação de massa a promover imagens em que se destaquem a sabedoria, os pontos fortes, as contribuições, o valor e a criatividade de mulheres e homens idosos, inclusive de

idosos com incapacidades.48

46 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 3, Objetivo 2, Medida “c”. 47 Idem. Medida “d”.

64

- Reconhecer que os meios de comunicação são precursores da mudança e podem atuar como fatores de orientação na promoção do papel que toca aos idosos nas estratégias de desenvolvimento, inclusive nas

zonas rurais.49

Este é um movimento já observado no Brasil, onde percebemos

recentemente uma crescente preocupação da mídia em veicular uma imagem positiva da

população idosa, utilizando-se para isso até mesmo de programas de massa, como

novelas, por exemplo, que possuem um grande poder de influência sobre a sociedade

em geral. É uma maneira de chamar a atenção para os problemas e os preconceitos

sofridos pelos idosos de forma lúdica e agradável, uma vez que tais programas possuem

como característica marcante o despertar de sentimentos coletivos e a formação da

opinião pública.

d) O Outro lado do Plano de Ação Internacional

O Plano de Ação Internacional para o envelhecimento elaborado em 2002

não prevê apenas medidas de caráter assistencial para a população idosa que se mostra

necessitada de um amparo social mais eficiente. Percebemos em praticamente todo o

documento propostas de auxílio àqueles idosos que prestam assistência a outras pessoas,

seja na forma de trabalho voluntário ou através de trabalho formal.

Este conjunto de propostas tem o intuito de manter a inserção destes idosos

no desenvolvimento de suas atividades, assim como incentivar os demais a engajarem-

se em projetos semelhantes, caracterizando assim um outro aspecto no Plano de ação, na

medida em que o direciona para aquele grupo de idosos que está envolvido de alguma

forma nas dinâmicas sociais.

Ocorre, assim, uma reorientação na ênfase dada ao idoso, deslocando-se a

atenção das suas necessidades e debilidades para salvaguardar e amparar aqueles

48 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 4, Objetivo 1, Medida “b”.49 Idem. Medida “e”.

65

indivíduos idosos que exercem uma atividade produtiva, dando sua contribuição, desta

forma, para a sociedade em geral.

Destacamos aqui alguns pontos relevantes onde se incentiva a participação

dos idosos nas mais variadas atividades, principalmente as voluntárias:

- Criar um ambiente que possibilite a prestação de serviços voluntários em

todas as idades, que inclua o reconhecimento público e facilite a participação dos idosos

cujo acesso às vantagens de se dedicar a atividades voluntárias possa ser limitado ou

nulo.50

- Promover uma compreensão mais ampla da função cultural, social e econômica e da constante contribuição dadas por idosos à sociedade, inclusive a do trabalho não remunerado.51

- Permitir a idosos atuar como mentores, mediadores e conselheiros.52

- Incentivar idosos a realizar tarefas de voluntariado que exijam seus conhecimentos, em todas as esferas de atividade, especialmente as tecnologias da informação.53

- Promover a participação de idosos em atividades cívicas e culturais como estratégia de luta contra o isolamento social, e facilitar sua capacitação.54

- Promover a auto-assistência de idosos e aproveitar ao máximo suas vantagens e capacidades nos serviços de saúde e sociais.55

- Formular e aplicar estratégias para atender às necessidades especiais de idosos que prestam assistência às pessoas com disfunções cognitivas.56

- Estimular a prestação de apoio social, os serviços para diminuir a carga de trabalho,o assessoramento e a informação com vista a idosos que atendem a outros e a familiares sob seus

cuidados.57

- Fortalecer o papel positivo dos avós na criação de seus netos.58

Temos que fazer uma ressalva em relação ao incentivo ao trabalho

voluntário, veemente motivado pelo Plano de Ação Internacional. Tal atividade pode ser

extremamente válida se realizada por grupos de idosos que adquiriram uma condição

50 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 1, Objetivo 1, Medida “e”.51 Idem. Medida “f”52 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária I, Tema 4, Objetivo 2, Medida “c”.53 Idem. Medida “e”54 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 1, Objetivo 2, Medida “f”.55 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária II, Tema 2, Objetivo 4, Medida “c”.56 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 1, Medida “f”.57 Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento, Orientação Prioritária III, Tema 2, Objetivo 2, Medida “a”.58 Idem. Medida “c”.

66

financeira estável ao longo de sua vida, o que lhes permite aproveitar e desfrutar de

atividades que garantam prazer e felicidade nesta etapa de suas vidas.

Esta situação, porém, pode ser uma alternativa apenas para uma minoria

privilegiada da população idosa, que conseguiu atingir tal patamar sócio-econômico e

tem condições de escolher o que vai fazer, quando vai fazer e onde vai fazer. Não é o

caso da grande maioria dos indivíduos idosos que não possuem uma condição financeira

tão favorável, que vivem sob os benefícios irrisórios das aposentadorias e têm de se

submeter aos humilhantes serviços públicos de saúde e assistência social. Para este

grupo, a rotina do dia-a-dia é lutar pela sobrevivência, e a realização de atividades

voluntárias visando ao bem-estar se torna uma utopia de mau gosto.

3.4 - A Declaração de Toronto: A Voz da Organização Mundial de

Saúde

Em Novembro de 2002, 6 meses após a realização da II Assembléia

Mundial sobre o Envelhecimento em Madri, a Organização Mundial de Saúde (OMS)

em parceria com a Rede Internacional de Prevenção a abusos e maus-tratos na velhice

(INPEA) e a Universidade de Toronto, promulgam a “Declaração de Toronto para a

Prevenção Mundial de Maus-tratos das Pessoas Idosas”59, um documento que tem como

objetivo conscientizar e engajar a sociedade no combate aos maus-tratos contra o

segmento idoso.

O documento é extremamente interessante por apresentar as questões de

forma clara e direta, denunciando os principais problemas a serem enfrentados para se

alcançar a condição de vida desejada para os idosos. A própria Declaração se 59 No documento original: Declaración de Toronto para la Prevención Global del Maltrato de las Personas Mayores, OMS, 2002.

67

autocaracteriza como um clamor à ação60, no sentido de mobilizar a sociedade a atuar na

defesa da população idosa.

Os maus-tratos são definidos no documento como toda aquela ação que

ocorra em um ambiente até então de confiança do idoso, e que lhe produza danos ou

sofrimentos que podem ser de diversas espécies, tais como os danos físicos, emocionais

e financeiros.

O primeiro tópico da Declaração já denuncia o principal problema

enfrentado pelos idosos, que consiste na proteção jurídica ausente ou deficiente em

relação às suas peculiaridades, o que faz com que agressões e transgressões contra estas

pessoas não possam ser punidas ou corrigidas devidamente:

“Faltan marcos legales. Cuando se identifican casos de maltratos de ancianos, con frecuencia no pueden abordarse por falta de instrumentos legales apropiados para responder a ellos.”61

Outro importante destaque do manifesto é a denúncia de que a maioria dos

casos de maus-tratos contra idosos ocorre no seu ambiente habitual de moradia, sendo

os principais agressores os próprios familiares ou os responsáveis pelos asilos ou

abrigos em que reside o idoso, o que dificulta mais ainda a punição contra os agressores,

uma vez que o idoso se torna mais intimidado a denunciar uma pessoa de seu

conhecimento e convívio diário:

“el victimario suele ser conocido por la víctima,y es dentro del contexto familiar y/o en “la unidad donde se proveen los cuidados ”, donde ocurren la mayoría de los casos de maltrato.”62

A solução para os problemas de maus-tratos contra os idosos é deslocada

também para a esfera cultural, onde seriam necessários uma mobilização em relação à

valorização de uma sociedade intergeracional, e também o combate a qualquer tipo de

violência contra este segmento.

Assim sendo, prevenir os abusos contra os idosos significa modificar

ideologicamente e estruturalmente a sociedade, de modo que a figura do idoso passe a

ser vista por outro ângulo, ao mesmo tempo em que se criem mecanismos sociais

eficazes para o combate a este tipo de violência, como já havia sido previsto no Plano

de Ação Internacional para o Envelhecimento de 2002:

“En definitiva, el maltrato de las personas mayores sólo se podrá prevenir en forma eficaz si se desarrolla una cultura que favorezca la solidaridad intergeneracional y que rechace la violencia. No es suficiente identificar los casos de maltrato de las personas mayores.Todos los países deben desarrollar

60 “Llamado a la Acción”61 Pág. 2, Declaração de Toronto, OMS, 2002.62 Pág. 2, Declaração de Toronto, OMS, 2002.

68

las estructuras que permitan la provisión de servicios (sanitarios,sociales, de protección legal, policiales,etc.),para responder de forma adecuada y eventualmente”63

3.5 - A Aplicação dos Documentos Internacionais de proteção ao Idoso:

utopia ou realidade?Quando procuramos estabelecer a relação entre o conteúdo dos documentos

internacionais relativos à proteção sócio-jurídica da população idosa e a realidade a

nossa volta, percebemos um grande contraste. Por um lado, observamos a

conscientização mundial traduzida em minuciosos tratados, que idealizam em

completude uma qualidade de vida digna para a população idosa. Por outro lado,

observamos uma organização social que ainda não absorveu estes ideais. Estamos assim

diante do problema existente entre a passagem do texto escrito para a efetividade

prática.

A elaboração do Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento até

mesmo levou em consideração a necessidade da criação de mecanismos que garantam a

efetividade das propostas em questão. O documento apresenta indicativos para orientar

a aplicação das medidas propostas através de políticas sociais a serem implementadas

tanto no âmbito nacional quanto no âmbito internacional.

63 Pág. 3, Declaração de Toronto, OMS, 2002.

69

Temos, que avaliar, porém, se as indicações previstas no Plano Internacional

se consolidarão efetivamente nas políticas internas de cada país, e se levarão realmente

aos resultados esperados.

Em relação às medidas a serem adotadas no âmbito nacional, o Plano prevê

apenas algumas recomendações básicas já citadas anteriormente, como incorporar a

problemática dos idosos nas políticas sociais voltadas para o desenvolvimento geral do

país, e a integração de todos os setores da sociedade neste processo, incentivando-se

assim a participação da sociedade civil e de organizações não-governamentais na defesa

e na proteção da população idosa.

Além disso, é igualmente incentivada a formação de organizações dos

próprios idosos e a criação de comitês nacionais visando à fiscalização e à discussão dos

encaminhamentos de medidas voltadas ao segmento idoso, o que já podemos observar

no Brasil, através da criação dos Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais do Idoso.

Já no âmbito internacional, o Plano indica mais uma vez a necessidade de

uma maior colaboração econômica entre os países, principalmente no que diz respeito à

integração dos países em desenvolvimento no processo de globalização. Seria

necessária uma reformulação da economia mundial e do sistema global de mercado de

modo que todos os países obtivessem benefícios com uma economia mundialmente

integrada, onde este processo de ajuda mútua deveria ser liderado pelos países de maior

potencial econômico em vistas a favorecer os países em maiores dificuldades, o que sem

dúvida alguma é uma grande utopia.

A cooperação internacional se fundamentaria, principalmente, na liberação

de recursos financeiros para programas e políticas sociais voltados para o segmento

idoso, onde a própria ONU teria a função de intermediar junto aos bancos e às

organizações internacionais a facilitação de empréstimos para países que apresentassem

maiores empecilhos para a aplicação do Plano de Ação Internacional.

O grande problema em relação à aplicação e à efetividade do Plano de Ação

Internacional está ligado à ausência de mecanismos formais que obriguem um

determinado país a adotar medidas internacionalmente sancionadas, e que ainda não

foram positivadas na organização jurídica de tal Estado.

Temos que reconhecer os princípios básicos de soberania política e

autonomia interna que cada país possui em nosso atual sistema mundial de Estados.

Cada país elabora seu próprio conjunto de leis da forma que lhes for considerada mais

legítima, e positiva aqueles valores que considera imperativos para a sua organização

70

social, não sendo permitido a qualquer outro Estado ou até mesmo às organizações

internacionais interferir neste processo.

Desta forma, os Tratados e Documentos Internacionais funcionam muito

mais como recomendações morais do que como Direitos propriamente ditos. Não existe

qualquer garantia de que tais princípios sejam efetivamente consolidados no âmbito

interno de cada pais, o que dependerá da disposição e da vontade dos Estados em

transformarem estas recomendações em leis positivas, o que lhes garantiria a efetividade

através da existência de mecanismos de coerção que obrigariam a sua aplicação.

Somente quando atingirmos este momento é que poderemos ter certeza de

que as recomendações internacionais efetivamente tomarão o rumo dos resultados

esperados, uma vez que enquanto ainda estiverem na forma de um incipiente Tratado

internacional nada estará garantido. Nem a própria ONU possui instrumentos legais ou

mecanismos que imponham os seus tratados, e muito menos possui o poder de punição

para aqueles que não os cumprem. Isto é prerrogativa da organização interna de cada

Estado.

O Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento se torna, deste modo,

um projeto a ser consolidado, onde não podemos de maneira nenhuma trata-lo como um

direito adquirido. Até mesmo pelo fato da discussão dos problemas relativos aos idosos

ser recente, ainda existe um longo caminho pela frente na legitimação e na consolidação

de um sistema de Direitos dos Idosos em cada Estado em particular.

O caminho a percorrer consiste na mobilização de toda a sociedade no

sentido de uma conscientização em relação à urgência de se colocar em prática uma

rede de proteção sócio-jurídica ao segmento idoso, contendo em si todos os mecanismos

necessários para a sua plena efetividade.

Estamos ainda em uma fase inicial neste processo, onde o objetivo neste

momento deve ser a consolidação do Plano de Ação Internacional na organização

interna de cada país, traduzindo-se os princípios e as medidas ali propostas para a forma

da lei positivada e protegida pelos mecanismos institucionais do Estado.

Poderíamos afirmar que o Brasil está adiantado neste processo, uma vez que

a regulamentação do Estatuto do Idoso marca exatamente a passagem da recomendação

para a positivação, garantindo-se assim a proteção social ao idoso sancionada pelo

Estado. Sem dúvida o país já deu um grande passo no que diz respeito ao tratamento a

ser dado ao idoso, mas ainda resta um longo caminho pela frente para se alcançar a

qualidade de vida desejada para a população idosa no país.

71

Ainda resta ao Brasil consolidar um segundo momento no processo de

proteção ao idoso, que consiste na aplicação eficiente do Estatuto do Idoso e das outras

formas de garantias sociais a este segmento através do aprimoramento das instituições

responsáveis, o que do contrário tornaria obsoleta toda a legislação aprovada. Nos resta

agora lutar pela consolidação deste segundo momento, tendo em mente que o primeiro e

importante passo já foi dado, a consolidação de uma legislação voltada especificamente

para o idoso.

72

Parte II: O Brasil que

envelhece e o Idoso que

aparece

“Qualquer que seja a sua idade, o coração de cada um abriga o interesse pelo milagre e pelo inabalável desafio que se sente frente aos acontecimentos, pela busca persistente e infantil pelo elemento surpresa no futuro, pela alegria, e pelo jogo da vida”.

Douglas Macarthur

4. O Brasil na Era do Envelhecimento: uma Nova Realidade Diante de Velhos Problemas

O Brasil está entre aqueles países que apresentaram nos últimos anos um dos

mais altos índices de crescimento da população idosa. Conforme já mencionado

anteriormente, estima-se que nosso país possa abrigar a 6a maior população idosa do

mundo em meados de 2025.

Por um lado podemos comemorar, uma vez que tal índice reflete uma

possível melhoria das condições de vida da maioria da população, o que fez aumentar a

expectativa de vida no país. Por outro lado, a realidade nos mostra uma situação caótica,

onde a população idosa cresce em descompasso com a proteção social que lhe seria

devida, criando um cenário de exclusão, pobreza e abandono para este segmento.

73

Podemos tomar como exemplos iniciais a situação de completa

desestruturação enfrentada pelo sistema de previdência pública, e o quadro crítico dos

sistemas de saúde, que afeta com grande intensidade a população idosa dependente

deste serviço, dado sua maior vulnerabilidade inerente à sua idade avançada.

Esta situação, porém, não ficou sem resposta. Nos últimos anos o idoso

mereceu uma atenção especial por parte das políticas públicas, processo resultante do

reflexo da mobilização mundial sobre estas questões, sobre as quais o Brasil não

poderia ficar de fora. Este processo culminou com a promulgação do Estatuto do Idoso

no final de 2003.

Devemos entender o quadro atual de nosso país como um momento em que

já foi dado o primeiro passo rumo a uma política eficiente de proteção à população

idosa. Resta ainda um longo caminho, que consiste em efetivar e consolidar para todo o

segmento idoso as garantias sócio-jurídicas já implementadas.

Acreditamos que o maior entrave a consolidação de uma vida digna à

população idosa consiste nas deficiências institucionais existentes no país, que

inviabilizam a aplicação efetiva das leis e das garantias sociais.

É necessário neste primeiro momento traçarmos o perfil da população idosa

em nosso país, de modo que possamos entender os seus problemas e,

conseqüentemente, suas necessidades. Não poderíamos falar das leis e da proteção

social para o idoso antes de definirmos de forma precisa as principais características

deste segmento no país, de modo que possamos relacionar as necessidades e as

demandas destes indivíduos com as garantias sociais existentes, o que nos permitirá

uma avaliação competente da efetividade do amparo social voltado para este grupo.

Pretendemos, assim, averiguar características específicas da população idosa,

no que diz respeito à sua condição de vida em geral, como por exemplo, as suas

condições de moradia, o seu nível de renda e sua participação no mercado de trabalho.

Torna-se igualmente importante destacarmos alguns recortes dentro do segmento idoso,

como analisarmos a questão de gênero e as diferenças existentes entre a população idosa

urbana e a população idosa rural, por exemplo.

74

4.1 - O Perfil do Idoso na sociedade Brasileira

a) O aumento da expectativa de vida no Brasil

Observamos nas últimas décadas um expressivo aumento da expectativa de

vida para a população brasileira, fato que pode ser comprovado estatisticamente pelos

mais recentes censos demográficos realizados pelo IBGE. De uma estimativa de 57 anos

para os homens e 64 anos para as mulheres em 1980, avançamos rumo a uma

expectativa de praticamente 64 anos de vida para a população masculina e 71 anos para

o segmento feminino. A tabela abaixo nos mostra a evolução da taxa de expectativa de

vida no Brasil ao longo dos últimos 20 anos:

75

Expectativa de vida da população brasileiraPeríodo Homens Mulheres

1980 57,2 64,3

1985 59,3 65,8

1991 62,2 69,8

1996 63,3 71,0

1998 63,9 71,4Fonte: IBGE/IPEA, 1980/1998

Podemos observar pela tabela acima que a expectativa de vida feminina já

supera em 8 anos a expectativa de vida masculina, o que representa uma diferença

substancial. Este fato traz conseqüências diretas para o planejamento social, uma vez

que este fator é um dado a ser considerado de forma determinante para os cálculos dos

benefícios da Previdência, por exemplo.

Houve também um considerável avanço na expectativa de vida dentro da

própria população idosa, o que pode ser observado através do conceito de “taxa de

sobrevida”, que significa o período de vida posterior aos 60 anos vivido por um

indivíduo. Um indivíduo do sexo masculino que atingisse 60 anos em meados de 1980

possivelmente teria mais 10 anos de sobrevida nesta época. Em 1998, esta taxa já

avançou para 13 anos de vida após a marca dos 60, sendo que para as mulheres esta taxa

já atinge a estimativa de 15 anos de sobrevida.

Sem dúvida alguma estes dados podem ser considerados positivos na

medida em que indicam genericamente um aumento na qualidade de vida da população

em geral. São dados positivos, porém, quando analisados friamente, sem qualquer

menção às conseqüências qualitativas do processo de envelhecimento social, onde se

discutiriam questões como a pobreza e a exclusão social, por exemplo.

76

b) Evolução demográfica da população idosa brasileira

Segundo o Censo demográfico realizado pelo IBGE em 2002, estima-se que

a população idosa brasileira, ou seja, indivíduos com 60 anos ou mais, atinja a marca de

15 milhões de habitantes. Analisando-se as condições de vida deste segmento, percebe-

se uma grande heterogeneidade entre a população idosa, onde uma parcela deste grupo

possui boas condições de acesso a serviços e à assistência social, enquanto outra parcela

ainda se encontra privada de condições mínimas de bem-estar e qualidade de vida.

Observa-se também um aumento da população com idade acima dos 80

anos, estimados em 1,8 milhões de pessoas em 2002, o que representa cerca de 12% da

população idosa e 1% da população total do país. Além disso, é importante destacar a

predominância do sexo feminino entre a população idosa, onde as mulheres representam

cerca de 55% deste segmento.

77

Os municípios brasileiros que apresentam o maior índice de idosos são Rio

de Janeiro, Porto Alegre, Recife e São Paulo, que possuem um percentual de 9% a 12%

de idosos em seus territórios. Os municípios com menores concentrações de idosos são

aqueles situados na Região Norte do país, no caso Manaus, Porto Velho, Macapá e Boa

Vista, além do Município de Palmas, na Região Centro-Oeste, que se destaca com a

menor população idosa do país. Estas cidades possuem menos de 5% de idosos em

relação à sua população total.

O gráfico abaixo nos mostra o crescimento da população idosa em relação à

população total do Brasil nos últimos anos, ao mesmo tempo em que destaca o

crescimento do segmento feminino em relação ao segmento masculino:

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2002.

Concomitantemente ao acelerado crescimento demográfico deste segmento,

ocorreu um processo de urbanização do país, onde a população idosa migrou

consideravelmente das zonas rurais para as zonas urbanas, provavelmente devido à

expectativa de melhores condições de vida existentes nestas regiões, o que pode ser

observado pelo gráfico comparativo abaixo:

78

Evolução dem ográfica da população idosa no Bras il

0%1%2%3%4%5%6%7%8%9%

10%

1930

1940

1950

1960

1970

1980

1990

Homens idososMulheres idosas

23,3% 76,7%

18,6% 81,4%

0% 20% 40% 60% 80% 100%

1991

2000

Distribuição urbana e rural da população idosa

População rural

População urbana

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991/2000.

A superioridade de mulheres dentre o segmento idoso é outra variável

extremamente relevante a ser considerada, uma vez que tal circunstância exige a adoção

de políticas públicas voltadas especificamente para a população feminina. Pensando em

alguns diferenciais envolvidos na questão do gênero na dinâmica da sociedade,

podemos deduzir que a situação da mulher idosa não será a mesma do homem idoso.

Se pensarmos, por exemplo, na função tradicional de dedicação à família

desempenhada por grande parte das mulheres ao longo da sua vida, podemos perceber

possíveis desigualdades em termos de renda e condições sócio-econômicas em relação

aos homens, uma vez esta situação delinearia um quadro de dependência financeira e

impossibilidade de acumulação de bens ou de capital propriamente dito por parte da

mulher.

Este quadro exigiria uma ação governamental mais eficiente em relação à

proteção e às garantias sociais para a mulher idosa, que dependeria destes benefícios

muito mais do que a parcela idosa masculina, que possivelmente conta com benefícios

da previdência ou outras aquisições resultantes de uma vida produtiva dedicada ao

trabalho.

Estas observações reforçam a idéia de que a mudança do perfil demográfico

da sociedade decorrente do aumento do percentual de indivíduos idosos conduz

necessariamente a uma reformulação de todo o planejamento social, com vistas a

integrar e amparar o crescente segmento idoso na sociedade, assim como criar uma

estrutura a longo prazo que crie condições favoráveis para o envelhecimento das demais

gerações da sociedade.

79

c) O Idoso e a Família

O segmento idoso no Brasil exerce um papel determinante na estrutura

familiar de nossa sociedade. Tanto em termos quantitativos, quanto em termos

qualitativos, a figura do idoso permanece central nas relações existentes no âmbito

familiar.

80

Dentre a população idosa total, 62% destes indivíduos são chefes de família

ou responsáveis por domicílios, segundo a denominação técnica do IBGE, enquanto

outros 22% são cônjuges dos chefes de família, delineando um quadro onde 84% do

segmento idoso ocupa uma posição central em seus lares, o que pode ser observado no

gráfico abaixo:

Inserção do Idoso na Estrutura familiar

62%22%

15% 1%Responsáveis pelodomicílioCônjuges

Filho, pai, mãe, netoou irmãoAgregado ouempregado

Segundo os dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE no ano 2000,

20% dos domicílios do país possuem idosos como responsáveis, índice este que

aumentou em relação aos anos anteriores. Dentre estes idosos, cerca de 37% é do sexo

feminino, enquanto ainda predominam os homens idosos como responsáveis por

domicílios, representando cerca de 63% deste total.

Alem disso, observou-se também nos últimos anos um aumento nos

domicílios unipessoais, ou seja, aquelas residências onde convive apenas um indivíduo

idoso, sendo que este número passou de 15,4% em 1991 para 17,9 em 2000. Percebe-se

um predomínio de mulheres idosas vivendo sozinhas, fato este que pode ser justificado

pela viuvez da mulher ou também pela maior incidência de um segundo casamento por

parte dos homens viúvos ou divorciados, que deixam assim de viver sozinhos:

Os indicadores mostram também que o índice de proprietários de casa

própria aumenta proporcionalmente à idade, onde cerca de 82% dos idosos chefes de

família situados entre 60 e 65 anos residem em domicílios já pagos ou quitados, sendo

que este índice tende a subir ligeiramente conforme faixa etária se torna mais velha.

81

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Domicíliosunipessoais

Idososresponsáveis por

domicíliosMulheres Idosas

Homens Idosos

O aspecto negativo neste ponto é que mais de 40% dos domicílios chefiados

por idosos não possuem saneamento básico ou o possuem de forma deficiente, o que

compromete seriamente as condições de vida desta população. Esta situação é mais

grave nas regiões Norte e Nordeste, onde apenas 24,1% e 30,8% dos domicílios,

respectivamente, possuem um sistema adequado de saneamento básico. Em contraste, a

Região Sudeste possui praticamente 80% dos domicílios com saneamento básico

adequado, ilustrando a extrema desigualdade regional em nosso país.

d) A Saúde do Idoso

Uma condição de vida saudável pode ser considerada um pressuposto para o

desenvolvimento de uma vida produtiva e prazerosa. Sem esta condição, o exercício de

uma atividade profissional e até mesmo a prática de atividades cotidianas podem ser

82

comprometidas. Daí a importância de se zelar pela manutenção do pleno funcionamento

de nossas funções físicas e biológicas.

Este deve ser um fator de maior atenção por parte da população idosa, que

inerentemente estará mais sujeita a debilidades devido a sua idade avançada, tornando

necessário tanto a conscientização individual por parte dos idosos em relação a este

problema, quanto a implementação de políticas públicas específicas voltadas para o

amparo a saúde do idoso.

Segundo dados do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio)

realizado em 1998, 83% da população idosa avaliou seu estado de saúde como regular

ou bom, o que se torna um índice no mínimo curioso, ao observarmos as condições dos

serviços públicos de saúde em nosso país.

Seguindo uma evolução natural de acordo com a idade, percebe-se um

aumento no número de indivíduos que deixam de realizar alguma atividade devido a

problemas de saúde. Mais uma vez os dados apresentados são surpreendentes, uma vez

que este índice permanece baixo mesmo para a população idosa acima dos 80 anos,

como indica o gráfico abaixo:

Fonte: PNAD, 1998.

Analisando-se estes dados, apenas 20% dos idosos acima dos 80 anos

afirmaram ter abandonado alguma atividade, daí termos destacado o caráter inusitado

dos resultados desta pesquisa. Dentre os problemas de saúde mais comuns existentes

entre a população idosa, destacam-se os problemas de coluna, a pressão alta e as

doenças cardíacas, sendo estas as principais responsáveis pelos óbitos entre o segmento

idoso.

83

Percentual de idosos que de ixaram de realizar algum a atividade devido à problem as de saúde

0% 5% 10% 15% 20% 25%

60-64

65-69

70-74

75-79

80+

Homens idososMulheres idosas

É importante destacar também a diferença de gênero em relação às

condições de saúde da população idosa, onde o índice de degeneração física e biológica

é bem mais acentuado na mulher do que no homem, já que podemos perceber

claramente que em todas as faixas etárias o percentual feminino é superior ao percentual

masculino. Este fato nos leva a indícios de que a qualidade de vida da mulher pode ser,

genericamente, inferior à qualidade de vida do homem, o que levaria a uma debilidade

física precoce.

Encontramos, neste momento, uma situação paradoxal. Conforme observado

anteriormente, as mulheres possuem uma expectativa de vida superior ao homem, ao

mesmo tempo em que apresentam uma degeneração das condições de saúde mais

acelerada em relação ao segmento masculino.

Pensando em uma hipótese primária, poderíamos aqui pensar que este seria

o caso em que a mulher vive mais, talvez por questões genéticas e biológicas inerentes

ao organismo feminino, porém sob piores condições de vida ao longo de sua existência,

o que explicaria sua maior vulnerabilidade na idade avançada. Sem dúvida esta situação

merece um estudo mais aprofundado, nos cabendo aqui apenas destacar a constante

disparidade encontrada quando se compara a qualidade de vida do homem e da mulher.

Estes dados devem ser analisados sob um olhar crítico, uma vez que uma

análise sumária dos dados aqui apresentados nos levaria a conclusão de que as

condições de saúde da população idosa no Brasil estariam próximas da perfeição, o que

não condiz com a realidade, principalmente se observarmos as camadas mais pobres da

população que não possuem condições financeiras para utilizar os serviços privados de

assistência à saúde.

Acreditamos ser uma constatação praticamente irrefutável de que o sistema

de saúde pública é um dos problemas mais graves de nosso país, visto o atendimento

precário e ineficiente a que a população é submetida. Se pensarmos que grande parte da

população é dependente destes serviços fica difícil imaginar que a situação da

população idosa, que depende mais ainda de uma boa assistência em relação à saúde,

esteja tão boa quanto dizem estes números. É importante destacar que estes resultados

se baseiam em autodeclarações dos idosos, e não em análises clínicas seguras que

transmitam dados confiáveis em relação à saúde deste segmento.

e) Idoso e (Má) Educação

84

Os indicadores relativos aos níveis educacionais do segmento idoso em

nosso país são extremamente negativos. Reflexo de um passado em que a educação

ainda era privilégio das classes sociais mais favorecidas, o idoso de nossos dias é

marcado pela falta de oportunidades de desenvolvimento e aprendizado que permeou a

sua vida.

Estima-se em aproximadamente 5 milhões o número de idosos analfabetos,

o que representa cerca de 35% do total deste segmento. Percebe-se também uma ligeira

superioridade de homens idosos alfabetizados em relação às mulheres idosas, o que não

representa, porém, mais de 5% de diferença. Este é um dos raros momentos em que não

se observam diferenças extremas entre o homem idoso e a mulher idosa.

Apesar deste índice ainda se mostrar negativo, o nível educacional da

população idosa evolui bastante nos últimos anos, uma vez que em 1991 os dados do

IBGE indicavam 45 % de idosos analfabetos no Brasil:

1991

55,8%

44,2%

Alfabetizados

Analfabetos

2000

64,8%

35,2%

Alfabetizados

Analfabetos

85

Além do analfabetismo, que é a situação extrema em termos de deficiência

educacional, a população idosa também índices baixíssimos em relação aos anos de

estudos desenvolvidos. Dentre os idosos responsáveis por domicílios, obtém-se uma

média de apenas 3,4 anos de estudo, o que significa o cumprimento de menos da metade

do ensino fundamental.

Mais uma vez a desigualdade regional existente no Brasil chama a atenção,

onde se observa que nas Regiões Sul e Sudeste a média de anos de estudo entre os

indivíduos idosos ultrapassa os 5 anos, enquanto nas demais regiões este índice se

concentra absurdamente em torno de 2 a 3 anos de estudo. O destaque negativo fica por

conta dos Estados de Tocantins e Maranhão, que apresentam a média de 1,5 anos de

estudo para cada idoso, ou seja, quase toda a população de idosos é semi-alfabetizada.

Com base nestes dados, observamos também que o Brasil enfrenta sérios

problemas em relação ao interior do país. Comparando-se as médias de anos de estudo

dos idosos residentes nas capitais com as médias dos idosos residentes no interior dos

Estados percebe-se diferenças extremas. O próprio Estado do Maranhão, citado

anteriormente, possui a média de 4,7 anos de estudo em sua capital, São Luís:

Estado Média de anos de estudo no

Estado

Média de anos de estudo na

capital do Estado

Santa Catarina 3,7 Florianópolis - 7,2

Rio de Janeiro 5,4 Rio de Janeiro - 6,9

Rio Grande do Sul 4,1 Porto Alegre - 7,1

São Paulo 4,4 São Paulo - 5,7

Pará 2,6 Belém - 5,1

Pernambuco 2,5 Recife - 5,6

Ceará 2,1 Fortaleza - 4,7

Goiás 2,7 Goiânia - 4,9

Paraíba 1,9 João pessoa - 5,3

Piauí 1,6 Teresina - 3,5Fonte: IBGE, Censo demográfico 200.

Estes números ilustram a concentração de recursos e serviços nas regiões

mais desenvolvidas, tornando estagnadas e atrasadas as demais áreas do país.

Comparando-se o desenvolvimento e a qualidade de vida entre o interior e as capitais,

percebemos duas situações completamente distintas, onde as condições precárias de

sobrevivência nas cidades do interior levam grande parte da população destas regiões a

86

migrarem para as grandes metrópoles, desencadeando um processo de inchaço

populacional, favelização e desemprego nestas cidades.

Os dados referentes ao idoso são apenas alguns dentre vários outros que

poderiam ser tomados como exemplos das desigualdades existentes entre as regiões de

nosso país. Diante deste quadro, torna-se preocupante pensar de que forma os possíveis

benefícios sociais que gradualmente a população idosa está conquistando irão atingir as

populações destas regiões remotas, ou até mesmo se chegarão lá.

Sem dúvida, a população idosa urbana, principalmente aquela residente nas

grandes cidades, desfrutará dos serviços e das garantias sociais que lhe serão concedidas

com muito mais eficiência do que a população rural ou a população do interior, o que

compromete a validade dos benefícios e da proteção concedida ao segmento idoso. As

políticas públicas voltadas para um envelhecimento saudável devem estar atentas a esta

realidade do país, que nos mostra uma parcela da população idosa que praticamente

viveu toda a sua vida em condições degradantes, e provavelmente assim viverá também

sua velhice, afastada de todo e qualquer amparo social.

Se realmente pretende-se elaborar uma política séria de proteção ao idoso,

tem de se pensar em todos os idosos, o que acarretará na necessidade de um grande

investimento social em regiões do país marcadas pela exclusão e pelo abandono.

Além da desigualdade regional e das baixas médias de anos de estudo dos

indivíduos idosos, percebe-se uma quantidade mínima de idosos com alto nível de

instrução, o que pode explicar em grande parte as más condições de vida da maioria

desta população.

O índice equivalente há 15 anos ou mais de estudo, que corresponderia ao

nível superior completo, atinge apenas 4% da população idosa, caracterizando assim a

maioria absoluta da população idosa como um segmento desprovido de uma

qualificação profissional elevada. O gráfico abaixo nos mostra a distribuição dos idosos

segundo seus anos de estudos comparativamente entre o ano de 1991 e o ano 2000:

87

Distribuição da população idosa responsável por dom icílios segundo os anos de estudos

0%5%

10%15%20%25%30%35%40%45%50%

Seminstruçãoe menosde 1 ano

1 a 3 anos 4 anos 5 a 7anos

8 a 10anos

11 a 14anos

15 anosou mais

1991

2000

Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991/2000.

Os índices relativos ao nível educacional da população idosa podem nos

explicar, por exemplo, a dificuldade de reinserção no mercado de trabalho e os baixos

de níveis de renda que iremos observar no próximo tópico. Fica difícil imaginar que

indivíduos com baixíssimos níveis de escolaridade consigam bons empregos em uma

sociedade capitalista baseada em uma forte competitividade no mercado de trabalho. Se

para os jovens e adultos a competição pode significar o desemprego, o que dizer de uma

pessoa idosa, que naturalmente tem sua capacidade de trabalho comprometida devido à

idade avançada? A este fator alia-se uma baixa ou inexistente qualificação profissional,

conforme observado nos índices acima analisados?

Provavelmente este não será o quadro das futuras gerações do

envelhecimento futuro, uma vez que a sociedade brasileira está gradativamente

conseguindo elevar seus níveis de escolaridade e até mesmo estender a qualificação

profissional e a informação para classes sociais até então carentes.

Mas é necessário pensar no presente e nestes milhões de idosos que se

encontram em situação de total desamparo, onde não existe qualquer perspectiva de

melhoria ou mudança, restando como esperança o dever do Estado em proteger e

validar as garantias sociais voltadas para este segmento. Daí o caráter urgente de

implementar mecanismos eficientes de controle e fiscalização para o cumprimento dos

direitos e das garantias sociais do idoso.

Parece que a população idosa já esperou por oportunidades a sua vida

inteira, e até então elas não apareceram. A sociedade mudou muito, a ciência avançou e

vários grupos políticos se revezaram no poder, fazendo com que, finalmente, a

88

conscientização em relação ao envelhecimento ganhasse força e os resultados

começassem a surgir. Só nos resta esperar que os resultados do Censo demográfico de

2050 nos mostrem que a sociedade realmente evoluiu, e que a população idosa

apresente outros indicadores que realcem uma comunidade que tenha aprendido a

valorizar o seu passado, e principalmente, a valorizar as pessoas.

89

f) Idoso e (Falta de) Trabalho

A população idosa brasileira apresenta um grande percentual de indivíduos

que ainda realiza algum tipo de atividade profissional. Esta taxa é bem superior para o

segmento masculino, onde os índices do IBGE nos mostram que praticamente metade

da população idosa masculina ainda trabalha, enquanto este número não chega a 20%

entre o segmento feminino, como nos mostra o gráfico abaixo:

Proporção de idosos inseridos no m ercado de trabalho

0% 10% 20% 30% 40% 50%

1982

1986

1990

1994

1998

Homens idosos

Mulheres idosas

Fonte: PNAD, 1981/1998.

O alto índice de participação masculina no mercado de trabalho pode ser

explicado pelo ineficiente sistema de Previdência Pública, o que obriga os indivíduos

idosos a continuarem exercendo uma atividade profissional como forma de compensar o

baixo valor do beneficio da aposentadoria.

Em relação às mulheres, retornamos novamente à questão do papel

tradicional da mulher como chefe do lar, o que provavelmente lhe impossibilitou de

desenvolver uma atividade profissional, fazendo com que as mulheres idosas

apresentem neste ponto um índice baixo em comparação com os dados masculinos.

Já é difícil para a população idosa em geral encontrar oportunidades no

mercado de trabalho, sendo pior ainda quando a população em questão se trata de

mulheres que não tiveram condições de investir no seu desenvolvimento profissional.

Este é mais um fato peculiar que deve ser levado em consideração ao se elaborarem

políticas públicas de assistência ao idoso, principalmente em relação à parcela feminina

deste segmento que se mostra ainda mais debilitada.

A situação das mulheres idosas ilustra muito bem o cenário de desamparo e

exclusão enfrentado pelo segmento idoso em nosso país, já que:

90

“Os idosos têm um status diferente das demais faixas etárias, e isto é igualmente verdadeiro para homens e mulheres. A situação das mulheres idosas, possivelmente, reflete em grande

medida a estratificação social mais ampla e a discriminação da sociedade contra os idosos”.(Veras, 2001:16)

A falta de oportunidades de trabalho para a população idosa pode ser

claramente percebida quando observamos o tipo de atividade exercida por este

segmento populacional. Praticamente metade dos idosos em atividade profissional

trabalha por conta própria, o que lhe priva das garantias trabalhistas e de condições

dignas de trabalho:

Fonte: PNAD, 1998.

Outro dado interessante consiste no índice de trabalho não-remunerado,

como atividades voluntárias, por exemplo, onde mais de 20% das mulheres idosas

encontram-se nesta categoria. Reforçando a idéia da falta de desenvolvimento

profissional da mulher ao longo de sua existência e de condições de vida degradantes na

velhice, observamos nestes dados um alto índice de mulheres idosas que exercem

atividade doméstica, o que significa uma remuneração baixa e um trabalho árduo.

A isto se acresce o fato dos idosos não acompanharem, em sua maioria, as

inovações tecnológicas nos modos de produção e nas atividades profissionais em geral,

onde cerca de 20% da população idosa afirma ter tido dificuldades de se adaptar a novos

equipamentos64.

Percebemos em relação à população masculina uma situação bem mais

confortável, onde uma boa parcela é dona de seu próprio negócio (Empregadores), e um

segmento considerável trabalha como empregado, o que configura um quadro bem mais

favorável do que a situação da mulher idosa. Interessante perceber que apenas uma

parcela ínfima do segmento masculino desenvolve atividade não-remunerada, o que

contrasta claramente com a proporção feminina neste ponto.

É importante destacar que, dentre os indivíduos idosos que continuam a

exercer uma atividade profissional, 60% do segmento masculino recebe o beneficio da 64 IPEA, Acesso ao capital dos idosos brasileiros, 1999.

Atividade profissional Mulheres Idosas Homens Idosos

Trabalho por conta própria 41% 55,1%

Empregado 13% 28,2%

Empregador 4% 11%

Trabalho doméstico 13,4% 2%

Atividade não-remunerada 22,5% 3%

91

aposentadoria, enquanto 40% da parcela feminina também já está aposentada,

reforçando a hipótese da necessidade de complementação de renda por parte destes

indivíduos.

O quadro de degradação do idoso ainda pode ser ilustrado pelo fato de que

mais de 70% dos homens idosos afirmaram trabalhar em uma jornada de 40 horas

semanais, enquanto cerca de 40% das mulheres também se submete a esta carga horária

excessiva. Ressaltamos, mais uma vez, a importância de um sistema de Previdência

Pública que faça jus à contribuição que o trabalhador pagou durante toda a sua vida

produtiva, e que deveria lhe garantir um envelhecimento saudável e prazeroso, o que

não condiz com a realidade observada em nosso país.

g) Os Rendimentos da População Idosa

92

As condições econômicas dos idosos no Brasil melhoraram muito ao longo

das últimas duas décadas. Apesar de ainda distante de uma situação ideal, percebemos

atualmente um quadro positivo em decorrência, dentre outros fatores, à extensão dos

benefícios da Previdência à grande maioria do segmento idoso. Podemos observar um

crescimento substancial em comparação aos níveis de rendimento da população idosa de

alguns anos atrás.

Comparando a situação atual com o passado recente do idoso no Brasil,

tínhamos em 1981 um quadro alarmante, onde 37,4% das mulheres idosas não possuía

qualquer tipo de fonte de renda, enquanto entre a população idosa masculina este índice

não atingia 3%. Já em 1998, o percentual de mulheres idosas que não possuíam

rendimentos caiu para 18,1%, índice este que, apesar de significar uma melhoria na

condição de vida deste segmento, ainda pode ser considerado um número alto, uma vez

que significa que quase 1/5 das mulheres idosas de nosso país vivem sob a dependência

de outras pessoas e sem a garantia de beneficio social por parte do Governo.

Além disso, a população idosa é bastante heterogênea em relação ao nível

de seus rendimentos, observando-se grandes diferenças entre as zonas rural e urbana, e

também uma extrema disparidade comparando-se as regiões do Brasil.

Em um nível geral, a renda média da população dos idosos responsáveis por

domicílios no Brasil passou de R$403,00 em 1991 para R$657,00 no ano 2000, o que

significa um crescimento relativo de 63% no nível de renda deste segmento. Porém, este

quadro se torna desfavorável quando comparamos os rendimentos segundo alguns

referenciais internos do país.

A renda média encontrada no Sudeste, por exemplo, chega a R$536,00,

enquanto este índice não passa de R$224,00 no Nordeste, o que equivale a menos da

metade do valor encontrado na primeira região. Além deste referencial, a situação se

torna ainda mais grave quando analisamos os mesmos dados em relação à zona rural do

país, encontrando-se extremas disparidades em comparação com as zonas urbanas.

O nível dos rendimentos dos idosos responsáveis por domicílios

especificamente localizados nas zonas urbanas alcança a média de R$739,00, contra

uma renda média de apenas R$297,00 nos domicílios rurais, o que representa uma

diferença de aproximadamente 40% entre os níveis de renda.

Mesmo quando analisadas separadamente, todas as regiões do Brasil

apresentam grandes disparidades entre as zonas urbana e rural, independentemente das

diferenças de desenvolvimento entre elas. A região Sudeste, por exemplo, apresenta um

desnível de 63,7% entre os rendimentos das zonas rural e urbana.

93

O quadro abaixo mostra detalhadamente a heterogeneidade entre os níveis

de rendimento da população idosa no Brasil no ano 2000, merecendo destaque tanto a

desigualdade entre as 5 grandes regiões quanto à desigualdade urbano-rural observada:

Região Total (R$) Zona Urbana (R$) Zona Rural (R$)Brasil 657,00 739,00 297,00

Região Sudeste 835,00 879,00 398,00Região Sul 661,00 730,00 399,00

Região Nordeste 386,00 474,00 198,00Região Centro-oeste 754,00 789,00 546,00

Região Norte 438,00 502,00 280,00Fonte: IBGE, PNAD 2000

Confirmamos, mais uma vez, a absurda situação de desigualdade existente

em nosso país, de modo que não seria exagerado afirmar que existem vários “Brasis”

dentro no nosso Brasil, senso que o idoso está inserido neste contexto e sofre suas

conseqüências. Sorte daqueles que residem nas áreas mais favorecidas, azar dos outros

que vivem uma luta diária pela sobrevivência em áreas remotas e esquecidas de nosso

país.

Reforçando este comentário, podemos tomar como exemplo a renda

nominal média dos idosos responsáveis por domicílios segundo os Estados de nosso

país, onde no Distrito Federal obtém-se a excelente média de R$1796,00, em São Paulo

alcança-se a marca de R$893,00, e no Maranhão o ínfimo índice de R$287,00.

Ainda em termos de renda nominal, percebemos a grande maioria da

população idosa concentrada na faixa daqueles que recebem apenas 1 salário mínimo,

surgindo assim mais um dado que ilustra a situação degradante deste segmento em

nosso país.

Outra característica importante a ressaltar em relação aos rendimentos

nominais da população idosa é novamente a discrepância entre as zonas rural e urbana,

onde cerca de 65% do segmento idoso localizado nas zonas rurais ganha até 1 salário

mínimo, enquanto dentre a população urbana este índice não passa de 40%. Por outro

lado, mais de 20% dos idosos urbanos possuem uma renda acima de 5 salários mínimos,

enquanto dentre a população rural estes indivíduos não chegam a 5%.

O gráfico abaixo, elaborado a partir dos dados do Censo demográfico

realizado pelo IBGE no ano 2000, expressa claramente a situação degradante do

segmento idoso, principalmente nas áreas menos favorecidas do país:

94

Rendim ento nom inal em salários m ínim os dos idosos responsáveis por dom icílios no Brasil

0%10%20%30%40%50%60%70%

Sem re

ndim

ento

De 1 a

2

De 2 a

3

De 3 a

5

Mais de

5

Zonas urbanas

Zonas rurais

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000.

A análise dos indicadores dos rendimentos da população idosa no Brasil tem

que ser observada enquanto uma conseqüência da situação de desamparo e exclusão

enfrentada por estes indivíduos ao longo de sua vida. Quando analisamos a renda como

uma conseqüência das oportunidades de desenvolvimento proporcionadas aos

indivíduos, queremos dizer que tal indicador é reflexo das condições de acesso ao

conhecimento, à qualificação profissional e à inserção social, dentre outros fatores.

Isso significa que a consolidação de oportunidades de desenvolvimento

social minimamente igualitárias para todos os indivíduos provavelmente terá como

resultado boas oportunidades de atividade profissional, e conseqüentemente, um bom

nível de renda. Como observamos indicadores extremamente negativos em relação à

população idosa em geral no Brasil, é simples perceber que tal segmento não poderia

realmente apresentar indicadores positivos em relação à renda, uma vez que seus níveis

de escolaridade e inserção no mercado de trabalho formal são muito baixos, o que afeta

diretamente a sua possibilidade de evolução ou ascensão social.

Sendo assim, para se modificar este quadro é necessário um planejamento a

longo prazo, onde as políticas públicas devem atuar sobre os indivíduos de modo que os

capacitem em termos de informação, educação e qualificação suficiente para o

desenvolvimento de suas potencialidades, o que viabilizaria boas oportunidades de

inserção no mercado de trabalho. Quanto maior o nível do status adquirido ao longo da

vida maior será, provavelmente, a qualidade de vida na velhice. Somente desta forma

seria possível pensar em uma população idosa com qualidade de vida, obtida ao longo

de toda a sua trajetória através da sua capacidade produtiva e de seu potencial

intelectual.

95

h) O Idoso e a (Não) participação política

A conscientização social e o nível de engajamento político da população

idosa devem ser indicadores igualmente relevantes a serem considerados na análise das

condições de vida deste segmento. É a partir da mobilização da sociedade civil que

importantes mudanças sociais começam a se concretizar. Daí a importância de se

96

conscientizar a população idosa em relação aos seus problemas e aos seus direitos,

como forma de motivá-los a reivindicar e participar ativamente das discussões que

envolvem questões diretamente relacionadas à sua vida.

Podemos perceber um crescente aumento na mobilização dos idosos,

representada principalmente pela maior organização de ONG’s e associações voltadas

para os problemas do envelhecimento, o que ganhou força a partir da regulamentação

do Estatuto do Idoso em 2003.

Porém, esta mobilização ainda é extremamente superficial, sendo que em

muitos casos a reivindicação dos idosos se volta unicamente para questões relacionadas

ao transporte público e atendimento médico, que afetam diretamente o dia-a-dia do

idoso, não havendo uma conscientização maior em relação a outros problemas que

envolvem o envelhecimento e a sociedade.

Percebemos até mesmo uma desinformação muito grande em relação ao

próprio Estatuto do Idoso, onde grande parte destes indivíduos não conhece muitos dos

instrumentos legais que possuem a seu favor instituídos neste documento. Muito menos

conhecem ou participam de Conselhos e fóruns que deveriam funcionar como seus

canais de discussão e representatividade.

Os dados obtidos a partir de pesquisas do IPEA mostram que a

conscientização diminui conforme a idade avança, fazendo com que a grande maioria

dos idosos acima dos 70 anos se encontre desinformada, despolitizada e desmobilizada

socialmente.

Como características da consciência política do idoso no Brasil destacamos

algumas informações:

• Aproximadamente de 2% a 4% dos idosos são filiados a partidos

políticos.

• Cerca de 30% dos idosos entre 60 e 70 anos participam de atividades

relacionadas a partidos políticos, onde este número cai para menos de

8% quando se trata de indivíduos acima de 70 anos.

• Cerca de 45% dos indivíduos na faixa entre 60 e 70 anos de idade não

utilizam nenhuma fonte para decidir o seu voto, enquanto este número

aumenta para 56% entre os idosos acima dos 70 anos.

• Aproximadamente 20% dos idosos até 70 anos e 30% daqueles acima

desta idade não sabem o nome do Presidente, sendo que este índice sobe

para 35% e 45%, respectivamente, quando se trata dos nomes dos

Governadores e dos Prefeitos.

97

• Apenas cerca de 15% a 18% dos idosos com até 70 anos de idade são

filiados a sindicatos de suas categorias profissionais, decrescendo este

número para 8,8% dentre aqueles acima desta faixa etária.65

Estes números ilustram o quadro de ausência de participação e

conscientização política por parte da população idosa, principalmente no que diz

respeito ao uso inconsciente do voto. Quando observamos que 56% das pessoas acima

de 70 anos que votam utilizam este instrumento sem qualquer recurso à informação,

podemos vislumbrar que se trata de um voto que se caracteriza como arbitrário, acrítico

ou manipulado, ou até mesmo esteja provido das três características citadas.

Aliando o desinteresse e a desinformação, o segmento idoso perde grande

parte de sua força na medida em que não possui e não fomenta canais adequados de

participação e reivindicação pelas suas causas.

Talvez o primeiro passo a ser dado para se mudar a situação do idoso em

nosso país seja exatamente conscientiza-lo, para que seja desencadeado todo o processo

de consolidação de seus direitos e de suas garantias sociais a partir da organização do

idoso enquanto um grupo que possui problemas e interesses comuns.

Nada vale implementar um Estatuto do Idoso e todo um conjunto de

garantias sociais se os próprios beneficiários deste processo não o conhecem ou não

sabem como fazer uso dele. Como diz aquele velho ditado, a união faz a força, e isso

vale mais do que nunca quando se trata da mobilização popular em busca dos seus

direitos. Este é o caminho a ser seguido, pois a transformação tem que começar de

dentro, a partir do conhecimento da população idosa sobre si próprio, sobre as garantias

existentes para o seu bem-estar, e principalmente, sobre o que pode e o que deve

realizar para fazer valer aquilo que é de seu direito.

5. A Proteção Social ao Idoso no Brasil

A Proteção sócio-jurídica relativa à população idosa é um fenômeno recente

no Brasil, visto que o processo de regulamentação de garantias sociais específicas ao

idoso é somente desencadeado em meados da década de 90. A Legislação

previdenciária foi a primeira garantia institucionalizada do Estado em relação ao

segmento idoso de nosso país, datando de 24 de Janeiro de 1923 a Lei Elói Chaves, a

primeira lei brasileira de Previdência Social, dando assim origem a esta instituição.

65 IPEA, Pesquisa Mensal de Emprego (PME), 1996.98

A origem dos Direitos dos Idosos no Brasil é a recente conscientização

mundial em relação aos problemas deste segmento populacional, podendo-se afirmar

que o Brasil acompanhou o processo global de discussão e institucionalização da

proteção social à população idosa, e até mesmo adiantando-se a ele, uma vez que o

Estatuto do Idoso foi um instrumento jurídico que procurou traduzir e legitimar em

termos concretos as recomendações morais e valorativas dos Documentos

Internacionais.

A Constituição Brasileira de 1988 já havia introduzido alguns dispositivos

de proteção à população idosa, não se aprofundando, porém, nas questões específicas a

este segmento da sociedade. Mesmo assim, é necessário considerar que o texto

constitucional chamou a atenção para os problemas sociais que viriam a se agravar anos

depois em relação aos idosos, funcionando assim como um importante elemento para

uma posterior conscientização da necessidade de um Direito especificamente dos

Idosos, consolidados, principalmente, com a regulamentação do Estatuto do Idoso em

2003.

O Estatuto foi antecedido pela Política Nacional do Idoso, documento

elaborado em 1994 que traçava as diretrizes gerais para a assistência à população idosa,

principalmente na atribuição de funções a cada ministério e a cada órgão governamental

para atuarem como mecanismos de proteção à população idosa.

É igualmente importante destacar a formulação do Programa Nacional dos

Direitos Humanos, elaborado pelo Governo Federal em 1996, que visa amparar os

grupos socialmente vulneráveis de nossa sociedade, dentre eles os idosos, que

mereceram um tópico especial neste documento.

O objetivo desta discussão é apresentar e comentar criticamente as garantias

sociais do Idoso no Brasil ao longo de nossa história recente, com base na análise da

realidade cotidiana de nosso país e na comparação paralela com as recomendações

internacionais existentes, já discutidas anteriormente neste trabalho.

5.1 - A Previdência Social no Brasil

O sistema previdenciário no Brasil teve origem com a Lei Elói Chaves,

implementada em 1923 durante o período da República Velha. Este decreto criou a

Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAPs), que atendiam inicialmente apenas aos

trabalhadores ferroviários, e posteriormente se estendeu aos trabalhadores marítimos e

portuários.

99

Remontando ao nosso passado distante, a expressão “aposentadoria” já

havia sido utilizada na Constituição de 1891, referindo-se aos casos de invalidez para o

exercício de atividades produtivas, única espécie de aposentadoria concebida até então.

Utiliza-se a partir da Constituição de 1946 o termo Previdência Social, que passa a

englobar os direitos à assistência nos casos de envelhecimento, invalidez, doença e

morte, através do sistema contributivo de arrecadação de recursos.

Os Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs) sucederam os CAPs a partir

de 1933, evoluindo no sentido de atenderem a um maior número de categorias

profissionais e, por conseqüência, a um maior quantitativo de trabalhadores. Os

benefícios oferecidos pelos IAPs incluíam desde a aposentadoria até auxílios relativos a

doenças ou funerais, dando corpo a um sistema previdenciário que iria se complexificar

com o passar dos anos e formar a estrutura que conhecemos nos dias atuais. Além disso,

estas instituições funcionavam através de uma gestão colegiada, contando assim com a

participação de representantes da sociedade civil nos processos administrativos e

decisórios do órgão.

A Lei Orgânica da Previdência Social, sancionada pelo então Presidente

Juscelino Kubistchek em 1960, regulamentou o sistema previdenciário em nível

nacional, sendo destinada a amparar todo aquele grupo de indivíduos que por motivos

variados não pudessem subsidiar as condições mínimas para sua sobrevivência, e

necessitariam, portanto, da assistência do Estado. Posteriormente foram introduzidas

algumas modificações no texto original, já consideradas para efeito de nossa análise.

Não se trata aqui, portanto, de uma garantia social especificamente voltada para os

idosos.

Estava formada, a partir de então, a grande estrutura de uma Previdência

Social que iria amparar socialmente a classe trabalhadora do país. É importante ressaltar

que os sistemas previdenciários de que estamos tratando referem-se unicamente aos

trabalhadores urbanos, onde a população rural possui regulamentos específicos de

benefícios sociais e aposentadorias. Os funcionários públicos também possuem um

regime de Previdência diferenciado, que também não nos interessa neste momento

averiguarmos em separado, sendo de maior importância para os nossos objetivos, no

caso a situação dos idosos no Brasil, a análise do regime geral da Previdência Social.

O Sistema Previdenciário foi instituído com a finalidade de prover os

benefícios necessários à manutenção da sobrevivência daqueles que não possam mais

viabiliza-la por esforços próprios, como no caso da perda da capacidade decorrente do

100

envelhecimento e da invalidez, conforme indica o artigo 1 da Legislação Previdenciária

de 1960:

“Art. 1º A previdência social, organizada na forma desta lei, tem por fim assegurar aos seus beneficiários os meios indispensáveis de manutenção, por motivo de idade avançada, incapacidade, tempo de serviço, prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente, bem como a prestação

de serviços que visem à proteção de sua saúde e concorram para o bem estar”.66

Em nossas sociedades atuais, organizadas sob o modo capitalista de

produção, a Previdência Social se torna uma instituição primordial de amparo aos

idosos, uma vez que devido à sua exclusão do mercado de trabalho inerente à lógica do

sistema, não resta alternativa a estes indivíduos senão a cobertura e as garantias dos

benefícios previdenciários.

A criação de um sistema previdenciário foi assim uma forma menos violenta

de atender aos interesses do mercado em maximizar a sua produção e o seu lucro, onde

não mais se poderia admitir uma mão-de-obra improdutiva como a de um indivíduo

idoso. Assim sendo, “a institucionalização da aposentadoria foi um dos diversos meios

disponíveis para uma cultura empresarial comprometida com a reestruturação da

composição etária da força de trabalho”. (Simões, 1997:176)

A aposentadoria acarreta também profundas mudanças sociais e psicológicas

na vida do indivíduo, uma vez que a perda da função produtiva traz como conseqüência

a perda da identidade social e da própria auto-estima, já que vivemos em uma sociedade

organizada para o trabalho. Como afirma Santos:

“A exclusão do mundo do trabalho é ao mesmo tempo perda de lugar no sistema de produção, reorganização espacial e temporal da vida do sujeito, e reestruturação de identidade pessoal.

A aposentadoria obriga o sujeito a reorganizar as identificações habituais, que estruturam o eu”.(Santos, 1991:02)

Porém, tais benefícios são destinados exclusivamente aqueles indivíduos que

exerceram atividade profissional remunerada ao longo da sua vida e contribuíram

financeiramente para a sua seguridade futura, o que está previsto no artigo 2 do

documento, que define como beneficiários da Previdência "todos os que exercem

emprego ou atividade remunerada no território nacional...”.67

Já os indivíduos que não exercem atividade profissional, e não possuem

meios de subsistência própria têm como alternativa recorrer à Lei Orgânica de

Assistência Social, não se enquadrando como beneficiários da Previdência, sendo aqui

66Artigo 1 da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de 1960.67Artigo 2, tópico I da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de 1960.

101

incluídos como excluídos da Previdência os trabalhadores domésticos e os trabalhadores

rurais, que como já foi mencionado anteriormente, possuem regimentos próprios

relativos à Previdência Social. .

Podemos vislumbrar desde já uma situação paradoxal. Em termos gerais,

espera-se que aqueles indivíduos que tiveram uma vida produtiva ao longo de sua

existência não se encontrem em extremas necessidades, mas apesar disso são amparados

pelo Sistema Previdenciário, e com toda justiça, uma vez que contribuíram ao longo de

sua vida para esta instituição.

Aqueles indivíduos que não possuem oportunidades de trabalho ou não mais

trabalham, e que possivelmente precisariam de um amparo social ainda maior por parte

do Estado, não se encaixam como beneficiários da Previdência, estando sujeitos a uma

assistência social que nem sempre é suficiente para a demanda que dela necessita. Em

um cenário de extrema desigualdade e exclusão social como o Brasil de nossos dias,

temos que pensar também no não-trabalhador, segmento que atualmente se torna cada

vez maior, e conseqüentemente, cada vez mais desamparado.

Sendo assim, podemos pensar que os benefícios da Previdência Social não

seriam uma proteção social propriamente dita, mas sim uma conquista do indivíduo

através da sua força de trabalho ao longo de sua vida. Recebemos porque contribuímos,

e se não contribuirmos não receberemos, caracterizando-se assim os benefícios da

Previdência mais como uma prestação de um serviço pago por nós mesmos do que

como uma função protetora ou benevolente por parte do Estado.

Este é mais um motivo para reivindicarmos um sistema previdenciário que

trate seus beneficiários com dignidade e eficiência, o que não é o quadro de nossa

realidade, principalmente em relação ao tratamento recebido pelos idosos, que beira a

humilhação. Em muitos casos se paga muito ao longo da vida produtiva, por um serviço

que não condiz com esta contribuição, caracterizando assim a Previdência Social como

uma instituição que deveria sofrer uma séria e profunda reformulação de modo a

atender devidamente àqueles que tem um direito legítimo de assim serem atendidos.

Os benefícios da Previdência Social, previstos nesta lei, são destinados

unicamente aqueles trabalhadores que não possuam vínculos com regimes

previdenciários privados, sendo excluídos dos benefícios aqui previstos os que façam

parte de tais regimes, como sistemas previdenciários de determinada categoria

profissional, por exemplo.

São também considerados trabalhadores, para efeito desta lei, os sócios ou

proprietários de empresas e indústrias, o que caracteriza o exercício de atividade

102

profissional remunerada, e conseqüentemente, incluída na proteção previdenciária. É

importante destacar que cada indivíduo somente poderá usufruir um único beneficio de

aposentadoria, mesmo que continue exercendo alguma atividade profissional na

condição de aposentado, o que está previsto no art.5 da Lei Orgânica, que postula que

“Aquele que conservar a condução de aposentado não poderá ser novamente filiado à

previdência social, em virtude de outra atividade ou emprego”.68

Outro dispositivo importante do documento diz respeito à extensão dos

benefícios aos dependentes, sendo estes entendidos como os cônjuges e os filhos

inválidos ou menores de idade, cabendo ao segurado a opção de indicar outro

dependente para a extensão dos benefícios, desde que ocorra a falta ou a inexistência

dos dependentes diretos anteriormente relacionados.

Dentre os benefícios previstos na lei, o artigo 22 enumera as garantias

previdenciárias de acordo com a categoria em questão, no caso segurado ou dependente,

sendo aqui importante especificar os benefícios a que tem direito cada uma destas

categorias:

a) Segurado: auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria

por velhice, aposentadoria especial, aposentadoria por tempo de serviço,

auxílio-natalidade, pecúlio e assistência financeira.

b) Dependentes: pensão, auxílio-reclusão, auxílio-funeral e pecúlio.

O regime de funcionamento da Previdência Social sofreu algumas mudanças

a partir de 1991, sendo introduzidas na lei algumas alterações determinantes para o

calculo dos benefícios e para as regras gerais para a aposentadoria. Em relação ao

benefício a ser pago nos casos de aposentadoria, os cálculos partem da análise do

“salário benefício”, que consiste na média dos maiores salários de contribuição

correspondentes a 80% de todo o período contributivo multiplicada pelo fator

previdenciário, conforme alteração na lei ocorrida em 1999.69

O fator previdenciário se tornou, a partir de então, um elemento primordial

para o calculo do valor da aposentadoria, sendo um índice que leva em consideração a

idade, a expectativa de sobrevida (período de vida após os 60 anos de idade) e o tempo

de contribuição do segurado ao postular sua aposentadoria.

Especificamente em relação ao idoso, a Lei Orgânica da Previdência Social

de 1960 já tratava no capítulo IV da aposentadoria por velhice, ponto que aqui mais nos

interessa. Tem direito a esta espécie de aposentadoria todo indivíduo que completar 65

68 Artigo 5, tópico IV, inciso 3o da Lei Orgânica da Previdência Social, Lei Nº 3.807, de 26 de Agosto de 1960.69 Lei No 9.876 de 26 de Novembro de 1999.

103

anos de idade sendo do sexo masculino e 60 anos de idade no caso de pessoas do sexo

feminino, que tenham contribuído com, pelo menos, 60 contribuições mensais,

conforme previsto no artigo 30 do respectivo capítulo. Esta norma foi ratificada pela Lei

No 9.032 de 28 de Abril de 1995. Os valores dos benefícios a serem pagos nesta espécie

de aposentadoria estão prescritos no artigo 50 da lei de 1991, onde se afirma que:

“Art. 50. A aposentadoria por idade, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de 70% (setenta por cento) do salário-de-

benefício, mais 1% (um por cento) deste, por grupo de 12 (doze) contribuições, não podendo ultrapassar 100% (cem por cento) do salário-de-benefício”.70

Tal modelo não seria de alguma forma tão injusto, uma vez que se recebe

um benefício proporcional ao valor das contribuições pagas, o que reforça a idéia de que

a Previdência Social é uma obrigação do Estado mediante um seguro contratado e

devidamente pago pelos indivíduos, não se caracterizando assim qualquer tipo de

assistencialismo ou benevolência por parte dos respectivos Governos.

Aqui também nos interessa a aposentadoria por tempo de serviço, que A Lei

de 1960 prescrevia que têm este direito aqueles indivíduos que tenham completado 55

anos de idade, e que tenham atingido a marca de 35 anos de trabalho no caso dos

homens e 30 anos no caso das mulheres. Porém, este período mínimo de exercício

profissional foi reduzido para 25 anos de trabalho no caso da mulher e para 30 anos no

caso do homem nas alterações feitas em 1991.71

Neste caso, a renda mensal a ser concedida consiste em 70% do salário

benefício ao se completarem os 25 anos de trabalho, acrescido de 6% a cada ano a mais

de exercício profissional no caso das mulheres, e o mesmo valor em relação aos

homens, sendo que neste caso a partir dos 30 anos de trabalho completados.

Tanto a aposentadoria por idade quanto à aposentadoria por tempo de

serviço exigem uma carência mínima de 180 contribuições mensais para se fazer jus aos

benefícios destes regimes.72

É importante destacar a institucionalização da Previdência Social

consolidada a partir da criação do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) em

1966, que posteriormente se tornaria INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). A

criação destas instituições significou também o afastamento da classe trabalhadora da

participação no controle do sistema previdenciário, que ficaria a partir de então a cargo

da burocracia estatal.

70 Lei 8.213 de 24 de Julho de 1991.71 Artigo 52 da Lei 8.213 de 24 de Julho de 1991.72 Lei No 8.870 de 15 de Abril de 1994.

104

A criação do INPS significou a extinção de todas as demais organizações

previdenciárias existentes até este período, os antigos IAPs, que foram unificadas no

Instituto recém-criado, fazendo com que os segurados das extintas instituições se

tornassem agora filiados ao INPS.

A organização da Previdência Social tem sido um dos temas mais discutidos

atualmente no cenário político, principalmente no que diz respeito à polêmica proposta

de reforma da Previdência pública. Tal reforma foi inicialmente formulada durante o

governo de Fernando Collor em 1991, e consistia basicamente na proposta de transferir

recursos do setor público para o setor privado, com o objetivo de diminuir a esfera de

atuação da Previdência Social pública, que ficaria responsável somente pelos

trabalhadores que tivessem uma renda de, no máximo, 5 salários mínimos.

É importante ressaltar que a Previdência privada interessa aqueles que

recebem um salário maior do que o teto estipulado pela Previdência pública e, por

conseguinte, receberiam um benefício menor do que o salário base que serviu de

referência para o cálculo do valor das contribuições. No caso dos sistemas privados de

seguridade, haveria uma contribuição maior, que daria direito, porém, a uma

aposentadoria equivalente ao salário integral, o que não seria possível na Previdência

pública.

O principal problema enfrentado pela Previdência Pública no Brasil é o

imenso déficit financeiro do INSS e do sistema de Previdência dos Servidores Públicos,

estimado em R$74 bilhões. A base deste déficit está relacionada ao desequilíbrio entre

as contribuições e os benefícios, onde se observa um valor muito superior dos segundos

em relação aos primeiros.

Um aspecto peculiar da população brasileira é a obtenção da aposentadoria

em uma faixa etária mediana por grande parcela da sociedade, fazendo com que o

aposentado brasileiro seja um dos mais jovens do mundo. Aposenta-se no Brasil, em

média, com 53 anos de idade, havendo inclusive indivíduos aposentados com menos de

50 anos.

Isto se deve ao fato da sociedade brasileira apresentar a característica de

ingressar no mercado de trabalho muito jovem, em média entre 14 e 15 anos, devido à

situação de extrema pobreza de grande da população que obriga crianças e adolescentes

a abandonarem a vida estudantil e trabalharem para manter a sua sobrevivência e a de

sua família.

Há também os casos de algumas atividades peculiares, que concedem

aposentadorias especiais com um tempo mínimo de serviço, como o exercício de cargos

105

políticos, onde se tem direito à aposentadoria após 2 mandatos, por exemplo. Além

disso, é importante lembrar a existência de aposentadorias por invalidez, acidentes de

trabalho e pensões, por exemplo, que podem ocorrer precocemente e fazer com que o

beneficiário receba um valor durante praticamente toda a sua vida tendo contribuído

durante um período mínimo.

A aposentadoria em uma faixa etária ainda jovem faz com que o indivíduo

receba o beneficio durante um longo período de tempo, uma vez que associado à

aposentadoria precoce temos o aumento da expectativa de vida da população em geral.

Desta forma, obtém-se o direito ao benefício da aposentadoria cada vez mais cedo, ao

mesmo tempo em aumenta-se o tempo de vida, o que significa a diminuição do período

de contribuição e o aumento do período de recebimento do benefício.

A situação se agrava quando relacionamos o déficit da Previdência ao

desemprego e ao crescimento do trabalho informal, o que representa menos

contribuições para o sistema. O funcionalismo público apresenta um quadro onde

existem mais aposentados e pensionistas do que trabalhadores na ativa, e na sociedade

em geral o Brasil possui o equivalente a 1,23 trabalhadores contribuintes para cada

beneficiário.

Além disso, é essencial levarmos em consideração também o destino dos

recursos financeiros arrecadados pelo INSS, e que, muitas vezes, não são utilizados no

sistema previdenciário, e sim em outras áreas sociais.

Ainda mais grave é o inchaço do funcionalismo público, que a partir da

década de 70 absorveu um imenso contingente de mão-de-obra de qualidade duvidosa,

principalmente nos chamados “cargos de confiança”, comprometendo, inclusive, a

qualidade dos serviços da administração pública do país. O grande problema é que

muitos destes funcionários foram efetivados posteriormente à condição de servidores

públicos, o que fere, inclusive, o principio constitucional que prevê a admissão de

técnicos para o quadro estatal apenas por meio de concurso realizado por meios de

provas ou de avaliação de títulos.

Desta forma, um grande contingente de funcionários obteve a possibilidade

de aposentar-se após um curtíssimo período de atividade profissional, mesmo tendo

assumido a função de maneira irregular. Não obstante a nomeação irregular para a

função, ainda tiveram direito à aposentadoria sem terem contribuído o suficiente, já que

alguns cargos permitem a aposentadoria com menos de 10 anos de exercício.

Ainda em relação ao funcionalismo público, percebemos outro fator de

desajuste para os cofres da Previdência no que diz respeito a situações de mudança de

106

cargo, onde aquele profissional que porventura tenha sido promovido próximo da sua

época de aposentadoria e, obviamente, passe a receber um salário superior ao da sua

função anterior, terá direito a se aposentar com base neste último salário, mesmo tendo

contribuído durante todo o seu exercício profissional com base no salário menor. O

sujeito deste exemplo contribuiu proporcionalmente sobre um salário menor, mas

receberá um benefício proporcional a um salário bem maior.

Ilustra-se o quadro de desorganização do serviço público com o fato de que

não existe qualquer tipo de coleta de dados sobre os funcionários públicos, onde o

Ministério da Previdência não possui, por exemplo, informações básicas sobre

aproximadamente um terço dos servidores da União. Não se obteve informações sobre

os funcionários do Legislativo, e apenas metade dos funcionários do Poder judiciário

está devidamente relacionada em termos de dados informativos.

Este é o lado obscuro da crise da Previdência Pública que os grupos

políticos que estão no poder esquecem, e mais do que isso, não querem mencionar,

sendo mais fácil colocar toda a culpa na classe efetivamente trabalhadora que contribuiu

durante toda a sua vida para o sistema, e agora “ousam” envelhecer e viver uma vida

mais longa e receber o benefício durante um período maior de tempo! É nítido o caráter

capitalista deste processo, onde o desmantelamento da Previdência Pública possui como

objetivos obscuros os interesses comerciais privados das empresas de Previdência

Privada, passando à sociedade em geral a imagem de que o trabalhador aposentado é um

imenso ônus social a ser mantido pelo Estado, como teoriza o Professor Serafim Paz:

“O que está por detrás desse mecanismo é o pensamento privatista e uma intenção mercantilista, através das restrições sociais públicas e privadas, para um único interesse dos setores

econômicos pelo acumulo de capital e maior produção de bens de consumo. Essa prática, além de reforçar o caráter da improdutividade ao velho, traz a possibilidade de mercado para a Previdência

Privada. Dessa forma, também, promove conteúdos ideológicos de embate, pois ao trabalhador velho se atribui um ônus social, impondo-lhe a culpa pelos altos custos tanto para o Estado quanto para as

empresas, estas em especial, as dos Planos Privados de Saúde”.(Paz, 2001:63)

A instituição do fator previdenciário no cálculo do valor dos benefícios foi o

primeiro passo dado na tentativa de equilibrar o déficit do sistema, na medida em que ao

se levar em consideração a expectativa de vida do indivíduo diminui-se o valor do

benefício adquirido na medida em que se vive mais. Isto afetou principalmente as

mulheres, já que a sua elevada taxa de sobrevida, ou seja, o período de vida além dos 60

anos, faz com que tenha o valor de sua aposentadoria extremamente diminuído.

Culpam-se as mulheres, inclusive, como uma das responsáveis pelo déficit

da previdência, porque vivem mais e são mais numerosas do que os homens. É uma 107

argumentação que se apresenta extremamente absurda ao observamos a realidade social

que ainda nos mostra um quadro de desigualdade de gênero, onde a mulher em geral

não só trabalha mais como também ganha menos do que o homem, mesmo no exercício

de funções similares. Além disso, é falso afirmar que existam mais mulheres com idades

superiores à dos homens vinculadas à Previdência Social, o que pode ser comprovado

estatisticamente.

Desta forma, a mulher ainda nos dias de hoje usufrui uma condição de vida

inferior em relação aos homens, e ainda pagará caro por ter uma expectativa de vida

maior, no que diz respeito à diminuição do valor da aposentadoria devido ao efeito do

fator previdenciário. Resumindo, a mulher trabalha mais, ganha menos, e receberá ainda

menos na sua aposentadoria, criando um cenário onde “as mulheres são as que estão

em maior número, excluídas da seguridade social pelo desemprego, pela

informalidade, pelo desrespeito às leis trabalhistas...”. (Maccalóz, 2003:54)

Diante deste panorama sócio-econômico, a Reforma da Previdência surge

como um projeto ainda indefinido e impreciso visando propor alterações na estrutura do

sistema que minimize o gigantesco déficit financeiro atual. O certo é que, mesmo

obtendo sucesso nas possíveis medidas a serem adotadas, a reforma somente produzirá

efeitos substanciais a longo prazo, já que é necessário um longo período de tempo para

que a maioria da população esteja integrada ao sistema sob a nova lógica funcional a ser

implementada.

A principal medida a ser implementada pelo projeto de reforma consiste no

chamado “efeito represamento”, que propõe o aumento da idade mínima para a

concessão da aposentadoria através da exigência de mais sete anos de vida ativa do

servidor antes de sua aposentadoria. Desta forma os indivíduos contribuiriam por um

maior período de tempo, e receberiam o benefício durante um menor período,

minimizando-se assim o desequilíbrio entre contribuições e benefícios.

Outro encaminhamento refere-se a mudanças no teto dos benefícios. Como

já observado anteriormente, a estipulação de um teto máximo de 10 salários mínimos

para o valor do benefício incentiva aqueles que ganham um salário superior a este valor

a procurarem o sistema previdenciário privado, para receber, no futuro, uma

aposentadoria equivalente ao salário recebido em atividade. Além disso, a legislação

tributária prevê uma dedução de 12% no valor do imposto de renda caso a pessoa esteja

integrada a um plano de Previdência Privada, o que incentiva ainda mais a adesão a

estes sistemas. É importante ressaltar que, na prática, o valor máximo pago por um

108

benefício equivale exatamente a R$1561,56, um valor inexplicavelmente menor do que

a referência estipulada de 10 salários mínimos.

O aumento do teto das aposentadorias está assim previsto no projeto de

reforma, onde o valor máximo do benefício passaria para R$2,4 mil. Pretende-se com

isso aumentar o número de contribuições a partir da adesão de novos segurados que

estariam migrando para a Previdência Privada devido ao baixo teto estipulado pela regra

anterior, sendo interessante observar que tais contribuições seriam substanciais, já que

proporcionais ao valor dos altos salários desta parcela da população.

E finalmente, a proposta mais ultrajante da reforma consiste na taxação dos

inativos, que passariam a contribuir com a alíquota de 11% sobre o valor de seu

benefício. Tal medida é tal forma tão absurda que distorce a própria lógica do sistema

previdenciário, que consiste na contribuição durante a vida ativa para a aquisição de um

benefício durante o período inativo. Concretizando-se esta medida, o trabalhador

contribuirá durante toda a sua vida para receber um benefício pelo qual terá que

continuar pagando infinitamente. O que haveria, então, de “benefício” neste sistema,

pensando-se no sentido literal da palavra?

Provavelmente nada, pois trabalhar-se-ia mais e se pagaria uma contribuição

maior durante toda a vida para se receber, no final das contas, o mesmo valor do

benefício. Fica nítido, então, o caráter abusivo das propostas de reforma da Previdência,

uma vez que comprometeria diretamente a qualidade de vida da classe trabalhadora, que

seria obrigada a adiar o seu período de usufruto do benefício, e mesmo assim continuar

pagando por ele.

Desde que foi aprovada na Reforma da Previdência, a taxação foi alvo de

sete ações que contestam a sua validade. O presidente do Supremo Tribunal Federal

(STF) Ministro Nelson Jobim, foi favorável ao Governo do estado do Rio de Janeiro em

ação relacionada à taxação de inativos, onde a partir de então poderão ser cobrados os

11% de contribuição dos pensionistas e aposentados. A decisão foi tomada com base no

argumento de que o não pagamento da contribuição poderia lesar a estabilidade

econômica do Estado.

O grande entrave que se tem apresentado à reforma previdência é que os

benefícios desta instituição se enquadram na categoria dos direitos adquiridos73, ou seja,

aquelas garantias constitucionais que não podem ser modificadas por se tratarem de

princípios supremos consolidados a partir do processo constituinte originário. Na

73 Constituição Federal de 1988, artigo 5o.109

hipotética passagem de um regime para outro, não se pode tirar os direitos daqueles que

iniciaram sua vida profissional no regime inicial e contribuíram sob estas regras.

Assim sendo, os indivíduos que ingressaram no mercado de trabalho sob um

regime da Previdência Social têm todo o direito de receber os seus benefícios futuros de

acordo com as normas vigentes no inicio de sua adesão ao sistema. Isso significa que

quaisquer reformas que forem introduzidas no sistema previdenciário somente se

aplicarão àqueles trabalhadores que se integrarem a partir deste momento no sistema, o

que resultará em efeitos concretos na Previdência Social somente daqui a, no mínimo,

35 anos, quando estas pessoas se aposentarem sob o novo regime em que estiverem

inseridos.

Desta forma, a reforma da Previdência somente pode ser pensada a longo

prazo, uma vez que não se poderá modificar as condições de aposentadoria daqueles que

estão em exercício no momento. Isto agrava mais ainda a situação, uma vez neste

período de tempo a tendência é aumentar ainda mais o déficit do sistema, atingindo-se,

talvez, um quadro insustentável.

Os mais prejudicados serão obviamente os trabalhadores, que sujeitos a um

sistema corrompido e falido vislumbram um futuro sombrio, onde a possibilidade de um

desamparo da Previdência Social se torna maior do que a possibilidade de amparo.

Tudo isso graças à corrupção, desvios ilícitos de verbas e privilégios inconcebíveis para

uma minoria da população, fazendo com que o capitalismo mostre toda a sua face

negativa ao excluir uma grande parcela da população de oportunidades de

desenvolvimento e de condições dignas de sobrevivência.

As soluções para os problemas da Previdência Social teriam que passar

necessariamente pela reformulação da organização sócio-econômica do Estado, de

forma que fossem garantidas oportunidades de trabalho e desenvolvimento para toda a

população, vislumbrando-se assim o equilíbrio entre contribuições e benefícios. Como

afirma Milko Matijascic, pesquisador do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas

(Nepp) da Unicamp, "Inclusão. É disso que se trata no fundo. Essa população que é

excluída, que não participa, não tem direitos sociais, precisa ser incluída".74

Ainda mais necessária seria a moralização das nossas instituições, sendo

inviável pensar em soluções para um problema do porte do sistema previdenciário

aonde persistem privilégios absurdos para uma parcela ínfima da sociedade em

detrimento da grande maioria excluída e desamparada.

74 In Vogt, Carlos. Envelhecimento não é causa da crise da previdência. Disponível em http://www.comciencia.br

110

De outra forma, as medidas adotadas se tornam meras válvulas de escape,

no sentido de solucionarem momentaneamente o problema, que inevitavelmente

persistirá no futuro. Não se pode fugir do problema e tentar esconde-lo ou simplesmente

ameniza-lo, é necessário enfrenta-lo em suas causas reais, o que levaria à reformulação

de toda a estrutura de nossa sociedade. Resta saber se existe coragem e vontade de

nossos grupos políticos em se engajarem nesta empreitada, que seria, sem dúvida

alguma, uma grande revolução social.

Persistindo a organização atual de nosso Sistema Previdenciário, que

impede qualquer possibilidade de uma vida digna para aqueles que dependem

efetivamente deste benefício na sua idade avançada, restaria apenas decretar a morte

social de nossos idosos, uma vez que não bastando terem se submetido à impiedosa

ditadura do trabalho durante toda a sua vida, sofrem agora com a falta de perspectiva

psicológica e também financeira que os esperam na velhice:

“A constatação da incapacidade para a produção, bem como suaexclusão do ciclo de rentabilidade equivale a uma condenação, ou seja, a morte social pelo

fato de ter percebido que ele foi apenas um instrumento de trabalho sem ter tido tempo econdições de usufruir daquilo que fazia e gostava”.

(Garcia, 1999:37)

5.2 - A Constituição Federal de 1988: a cidadania em movimento

A promulgação da Constituição Brasileira em 5 de Outubro de 1988

significou uma grande vitória para a nossa sociedade. Concebido em um processo

calcado em uma ampla participação popular, o documento resgatou a liberdade política

e a soberania de nossa sociedade civil, consolidando, finalmente, a democracia em

nosso país.

Isto porque a elaboração da Constituição foi realizada com a participação de

todos os segmentos da sociedade civil, que tiveram a oportunidade de discutir e

formular propostas a serem encaminhadas para a futura legislação. Daí a Constituição

111

de 1988 ser até hoje lembrada como a “Constituição Cidadã”, como uma forma de

expressar o seu caráter democrático e participativo.

Provavelmente não havíamos tido até então em nossa História tamanha

mobilização popular, onde praticamente toda a sociedade demonstrava um grande

interesse em participar dos debates acerca da Constituição. Tal participação foi

ordenada através das chamadas Emendas Populares, que consistiam em abaixo-

assinados contendo, no mínimo, 30 mil assinaturas, que apresentavam as reivindicações

e propostas de cada segmento em questão. Vários dispositivos constitucionais de suma

importância foram sancionados a partir de tais Emendas, como por exemplo, a

regulamentação de garantias trabalhistas e a concessão de alguns tipos de pensões e

benefícios.

O segmento idoso não poderia ficar de fora deste processo, e estiveram

presentes através das associações de aposentados, que elaboraram uma pauta de

reivindicações envolvendo as regras para os reajustes dos benefícios de aposentadoria,

que apesar de consolidadas esbarravam em tramites burocráticos para sua efetiva

consolidação.

A Constituição inseriu alguns dispositivos especificamente voltados para a

população idosa, que apesar de serem poucos, possuem um significado especial, na

medida em que chama a atenção para a necessidade de proteção e conscientização em

relação a este segmento e inaugura o que poderíamos definir como Direito dos Idosos

propriamente dito.

Como pressuposto básico, a Constituição se fundamenta na plena igualdade

entre todos os indivíduos, não sendo assim admitida qualquer forma de discriminação,

inclusive aquela por idade, o que está previsto no artigo 3o, inciso IV do documento.

Além disso, também é garantido a todo indivíduo o direito à dignidade e ao exercício da

cidadania, o que obviamente inclui o idoso.

Estes tópicos se tornam meros valores morais a serem consolidados em um

futuro próximo, uma vez que se mostram extremamente utópicos quando analisados sob

o olhar da realidade cotidiana de grande parte da população. Porém toda Constituição

democrática tem que se fundamentar nestas premissas, que devem servir de base para a

orientação e para a organização das práticas coletivas existentes.

As peculiaridades em relação ao segmento idoso surgem no artigo 14o, onde

se faculta a obrigatoriedade do voto aos maiores de setenta anos, o que não se

caracteriza como algum tipo de benefício. Tendo uma visão mais pessimista,

poderíamos até avaliar este indicativo constitucional como uma premissa pejorativa da

112

capacidade dos idosos, uma vez que não é colocado no mesmo patamar de obrigações

cívicas e eleitorais do restante da sociedade. A opção de escolha seria, assim, um

privilégio ligado a concepções de senilidade e debilidade em relação à população idosa.

Seria a participação política do idoso tão dispensável assim? Este é um

importante ponto de discussão, uma vez que defendemos neste trabalho a idéia de que a

mobilização do segmento idoso ainda é superficial e dispersa, fazendo com que se torne

mais lento o processo de consolidação de seus direitos. O voto facultativo pode

contribuir ainda mais para esta desmobilização do idoso enquanto um grupo, tornando

vagas e desmotivadas as discussões relativas aos problemas da sociedade para estes

indivíduos.

Já que vivemos sob uma organização social que fundamenta seus processos

de escolha para os cargos políticos através da obrigatoriedade do voto, que os idosos

sejam colocados, então, no mesmo patamar de importância de todos os demais cidadãos.

O exercício do voto aumentaria sua conscientização e também seu interesse pelas

questões sociais, o que poderia modificar a atuação política do segmento idoso em

relação aos seus problemas.

Já o artigo 203 da Constituição Federal enuncia a necessidade de um sistema

de assistência social que atenda aos indivíduos necessitados independentemente de

contribuições ou pagamentos, citando-se a velhice como uma condição de vida em que

seja necessária uma maior atenção por parte do Estado. Este dispositivo constitucional

seria um prenúncio da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) que viria a ser

regulamentada em 1993, e que inclui o segmento idoso como um de seus beneficiários,

o que mostraremos mais adiante.

E finalmente, a Constituição de 1988 cita especificamente o idoso nos

artigos 229 e 230, atribuindo-lhe garantias de assistência por parte do Estado, e

responsabilidades por parte da família, onde “Os pais têm o dever de assistir, criar e

educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais

na velhice, carência ou enfermidade”.75

Cabe assim à família a responsabilidade primária de proteção ao idoso, onde

este indicativo da Constituição também seria ratificado no Estatuto de 2003. Adotando

outra premissa que também estaria presente nos documentos internacionais de proteção

ao idoso e no Estatuto do Idoso a ser regulamentado em 2003 no Brasil, a Constituição

determina no artigo 230 que os idosos recebam o atendimento necessário às suas

especificidades preferencialmente em seus lares, como forma de preservar o seu

75 Constituição Federal do Brasil, 1988, artigo 229.113

convívio social e sua independência. No mesmo artigo é concedido o direito à

gratuidade nos transportes coletivos urbanos, fazendo com que este tópico contenha o

que há de mais concreto em relação aos idosos em nossa Constituição Federal:

Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes

o direito à vida.§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus

lares.§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes

coletivos urbanos.

Percebemos assim que a elaboração da Constituição de 1988 lembrou de

forma superficial da população idosa, até porque este segmento ainda não se mostrava

tão expressivo quanto nos dias atuais, tornando seus problemas secundários ou até

mesmo despercebidos. O aumento quantitativo e a conscientização mundial em relação

aos idosos obrigaram o Brasil a rever sua proteção sócio-jurídica a estes indivíduos,

desencadeando um processo de aprimoramento interno paralelo à orientação global para

o desenvolvimento de mecanismos sociais especificamente voltados para o amparo à

população idosa.

5.3 - A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS): o Verdadeiro Assistencialismo do Estado

Sancionada em 07 de Dezembro de 1993, a Lei Orgânica de Assistência Social possui um caráter tipicamente assistencial. Tal dispositivo prevê uma série de benefícios sociais que não exigem qualquer espécie de contribuição do cidadão, viabilizando assim condições mínimas de sobrevivência para os segmentos mais carentes da sociedade. Tal princípio é expresso no artigo 1o da referida lei, onde se lê que:

“A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.76

76 Lei Orgânica de Assistência Social, 1993, artigo 1o.114

A Lei estabelece, desta forma, a responsabilidade primária para o Ministério

do Bem-Estar Social na execução de políticas sociais que consolidem os benefícios aqui

estabelecidos, incentivando também a inserção da sociedade civil neste processo através

da participação nas discussões a respeito da condução das políticas públicas e,

principalmente, por meio das organizações de assistência social, aqui entendidas como

aquelas entidades sem fins lucrativos que realizam atividades com vistas à execução das

garantias previstas neste lei.

Os principais destinatários dos benefícios garantidos nesta lei são as pessoas

portadoras de deficiências e os idosos, que comprovadamente não possuam uma fonte

de renda mínima capaz de prover a sua subsistência e nem tenham familiares com

condições para tal provisão. Estes indivíduos teriam assim o direito a 1 salário mínimo

mensal enquanto persistir a incapacidade de subsistência por meios próprios:

“O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir

meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família”.77

Estabeleceu-se inicialmente a idade de 70 anos para a concessão dos

benefícios para os idosos, o que foi modificado pela Lei 9.720 de Novembro de 1998,

que reduziu a idade mínima para o recebimento de benefício para 67 anos. Além disso,

é importante destacar que a lei estabelece a renda familiar como critério para avaliação

da possibilidade de recebimento do benefício, estipulando-se como incapazes de prover

a subsistência do idoso aquelas famílias cuja renda per capita mensal seja inferior a ¼

do salário mínimo. O benefício é revisto a cada dois anos, onde deve ser periodicamente

comprovada pelo beneficiário a sua incapacidade de manutenção da própria

subsistência.

Desta forma, a LOAS atende às necessidades básicas daqueles segmentos

sociais mais necessitados, que não possuem condições de pagar por serviços essenciais

e também não vislumbram perspectivas futuras de desenvolvimento ou ascensão social.

Ao contrário do sistema previdenciário, onde se recebe porque se paga, a LOAS reflete

a responsabilidade assistencialista do Estado em garantir condições mínimas de

dignidade e sobrevivência a todos os indivíduos, independentemente de sua condição

sócio-econômica.

A Previdência Social é um privilégio para aqueles que estão inseridos no

mercado de trabalho e possuem uma condição econômica minimamente estável,

enquanto a LOAS é benefício que visa consolidar a justiça social àqueles que não

77 Lei Orgânica de Assistência Social, 1993, artigo 20o.115

obtiveram chances e oportunidades de desenvolvimento, estando neste dispositivo o

verdadeiro caráter de responsabilidade e atuação do Estado na minimização das

desigualdades sociais.

5.4 - O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH): o idoso como um grupo vulnerável

Fundamentado na Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em

Viena em 1993, o Programa Nacional de Direitos Humanos foi elaborado pelo Governo

Brasileiro em Maio de 1996, sendo atualizado em 2002 através da formulação do

PNDH II.

Os princípios do Programa giram em torno da desigualdade e da injustiça

social existente em nosso país, onde diversos segmentos se encontram em uma situação

de abandono e exclusão diante das oportunidades de desenvolvimento. Os documentos

tratam especificamente de grupos sociais historicamente desfavorecidos como a

população negra, a mulher e o idoso, dentre outros. Apresentamos aqui unicamente os

aspectos relativos à terceira idade, objeto de discussão deste trabalho.

116

Partindo de um discurso consciente e politizado, o PNDH postula o combate

à banalização da violência e à discriminação de minorias, eventos que deturpam os

pressupostos de democracia e igualdade existentes em nosso país. Os Direitos Humanos

são assim entendidos como um conjunto de prerrogativas que todo indivíduo deve

possuir de modo a ser tratado com respeito e competência pelo Estado e por toda a

sociedade civil, independentemente de sua raça, condição social ou gênero.

Tais direitos estariam bem exemplificados pela existência de um sistema

judiciário eficiente e imparcial, o que daria condições a todo cidadão de defender os

seus direitos com a força da justiça e com o amparo do Estado, o que preveniria a

sociedade contra arbitrariedades e usurpações entre as classes sociais.

O Programa baseia-se em questões pragmáticas de conflito social,

estipulando, inclusive, medidas a curto, médio e longo prazo a serem adotadas visando à

resolução das injustiças sociais existentes. Em relação à população idosa, o Programa

Nacional de Direitos Humanos I apresenta de forma direta um conjunto de políticas

sociais que devem ser consolidadas para garantir qualidade de vida a este segmento.

Dentre as medidas propostas, destaca-se a estipulação do atendimento

preferencial aos idosos nas repartições públicas e a adaptação de meios de transporte e

dos espaços públicos visando à maior facilidade de acesso destes indivíduos a estes

locais. Tais encaminhamentos seriam regulamentados no Estatuto do Idoso de 2003,

como veremos adiante.

Além disso, o Programa incentiva também o fortalecimento das

organizações representativas deste grupo, de modo a fortalecê-los em suas lutas sociais

e reivindicações. Como este é um movimento que deve surgir a partir do próprio grupo

e não do Estado, a conscientização e a participação política dos idosos ainda são

questões que se mostram superficiais e insuficientes, formando um quadro que precisa

ser modificado caso se queira realmente transformar a condição de vida da população

idosa no Brasil.

O Programa Nacional de Direitos Humanos II veio seis anos depois a

discutir mais detalhadamente os problemas relacionados no primeiro documento,

acrescentando novas questões sociais a serem debatidas, como a necessidade de

aperfeiçoamento na formação técnica do corpo policial responsável pela segurança

rotineira da sociedade. Além disso, o documento trata minuciosamente dos problemas

enfrentados pelo sistema judiciário, como as condições críticas das penitenciárias do

país e também as condições de acesso à justiça por parte das classes sociais mais

carentes.

117

Em relação aos idosos, o Programa acrescenta importantes temas de

discussão que não foram mencionados no primeiro documento. É reforçada a idéia da

necessidade de fortalecimento das organizações representativas do segmento idoso,

mencionando-se especificamente o funcionamento dos Conselhos dos idosos, nos

âmbitos nacional, municipal e estadual, como um fator primordial para o avanço da

participação política e da conscientização deste grupo:

“Apoiar a instalação do Conselho Nacional do Idoso, a constituição de conselhos estaduais e municipais de defesa dos direitos dos idosos e a implementação de programas de proteção,

com a participação de organizações não-governamentais”.78

Esta é uma discussão de suma importância, uma vez que os conselhos

representativos dos idosos ainda se encontram em estado de implementação, e em

alguns casos nem chegaram a este ponto, situação observada em muitos municípios.

Além disso, o PNDH II chama a atenção para a necessidade de qualificação

profissional para aqueles que exercem atividades de atendimento ao idoso, e também

para um maior controle sobre os centros de abrigo e tratamento dos idosos:

“Estimular a fiscalização e o controle social dos centros de atendimento a idosos”.79

“Apoiar programas destinados à capacitação de cuidadores de idosos e de outros profissionais dedicados ao atendimento ao idoso”.80

Estas recomendações obtiveram resultado, uma vez que foi regulamentada

posteriormente em 1996 a Portaria 73 que prevê todo um conjunto de normas que cada

um dos tipos de abrigos para idosos deve atender, consistindo num documento

extremamente minucioso que estipula medidas, materiais e instalações obrigatórias para

estas instituições. Resta saber se a fiscalização existente sobre estes estabelecimentos é

suficiente e eficiente para fazer valer o que diz a lei.

E finalmente, o PNDH toca num ponto extremamente polêmico, que seria

consolidado futuramente no Estatuto do Idoso, que consiste na responsabilização da

família sobre possíveis males causados ao idoso. O documento é enfático ao destacar o

problema, indicando a necessidade de se “adotar medidas para assegurar a

responsabilização de familiares pelo abandono de pessoas idosas”.81

Quando falamos em medidas para se assegurar a responsabilidade sobre os

familiares, voltamos ao problema da conscientização do idoso, uma vez que grande

parte deste segmento não sabe da existência deste dispositivo, assim como acreditamos

78 Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 283.79 Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 284.80 Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 285.81 Programa Nacional dos Direitos Humanos, 2002, tópico 293.

118

que dificilmente denunciaria a própria família em situações de abuso ou agressão. Mais

uma vez esta é uma atitude que tem de vir de dentro do segmento idoso, daí a

necessidade de uma maior mobilização e conhecimento de seus direitos.

Podemos avaliar positivamente o PNDH na medida em que suscita para

discussão importantes temas relacionados à população idosa, denunciando alguns

problemas e indicando alguns caminhos que foram extremamente valiosos para a

formulação das políticas sociais voltadas para o segmento idoso. Muitos dos pontos

enumerados pelo PNDH foram positivados na forma da lei através do Estatuto do Idoso,

o que indica que a elaboração do Programa não foi em vão.Os problemas foram

apresentados e as soluções estão sendo discutidas, resta coloca-las em prática.

5.5 - A Política Nacional do Idoso: a institucionalização dos ideais

Consolidada através da Lei N° 8842, a Política Nacional do Idoso, que ficou

conhecida como a Lei do Idoso, foi sancionada em 1994 pelo Governo Itamar Franco,

sendo o primeiro documento jurídico brasileiro voltado especificamente para a

população idosa. Apesar do texto resumido, o documento apresenta os principais

problemas a serem enfrentados no país para se garantir uma boa qualidade de vida ao

segmento idoso, enunciando temas que se mostrariam de grande importância nos anos

que se seguiriam.

Podemos citar o movimento de reivindicação dos 147% de aumento dos

aposentados no início dos anos 90, e o escândalo da Clínica Santa Genoveva em 1996,

onde foram encontradas centenas de idosos em terríveis condições de sobrevivência,

como fatores determinantes para a concretização da Lei do Idoso, uma vez que tais fatos

tornaram pública a situação de descaso e abandono pela qual passavam a grande maioria

dos idosos de nosso país, o que movimentou a opinião pública a respeito da discussão

sobre envelhecimento.

119

Além disso, vale ressaltar a importância das Cartas Abertas no que diz

respeito à conscientização da população acerca das questões envolvendo o

envelhecimento. Tais documentos consistem em manifestos elaborados em Simpósios,

Congressos e Encontros em geral que debatiam os problemas do segmento idoso, sendo

assim formas de mostrar o trabalho desenvolvido por profissionais e especialistas na

área da Gerontologia, assim como se tornaram meios de reivindicação por uma efetiva

cidadania para a população idosa.

A Política Nacional do Idoso é uma orientação para as ações

governamentais que devem ser desenvolvidas em vistas a amparar socialmente a

população idosa, procurando definir as concepções básicas que se deve ter em relação

ao envelhecimento, assim como indicar estratégias que melhor solucionariam os

problemas enfrentados por este segmento.

Assim sendo, o documento defende tanto os aspectos essenciais à dignidade

da pessoa idosa, como também apresenta alguns tópicos especificamente relacionados

ao processo de envelhecimento, caracterizando-se desta forma pela abrangência na

abordagem dos temas relativos à condição de vida da população idosa.

A Lei do Idoso ratifica a condição de idoso para aqueles indivíduos maiores

de sessenta anos, estabelecendo como princípios básicos de orientação para as políticas

sociais para este segmento a consolidação da autonomia e a integração e participação

destes indivíduos na sociedade. Tais princípios estão em consonância com as diretrizes

dos documentos internacionais, já que neste período o Primeiro Plano de Ação

Internacional para o Envelhecimento elaborado em 1988 na Assembléia de Madri

funcionava como referência para o amparo social a ser garantido ao idoso.

A PNI teve uma importância primordial ao incentivar e organizar a

representatividade dos idosos, através da criação institucional dos Conselhos

participativos, em âmbito nacional, estadual e municipal. Tais órgãos devem ser

formados por igual número de representantes de entidades públicas e organizações da

sociedade civil ligadas à área, consistindo assim em uma esfera deliberativa democrática

de discussão e mobilização.

São atribuídas aos conselhos importantes funções, como a “formulação,

coordenação, supervisão e avaliação da Política Nacional do Idoso, no âmbito das

respectivas instancias político-administrativas”.82

Percebe-se assim que os Conselhos dos Idosos não são meras esferas de

discussão, mas possuem relevantes responsabilidades para a plena efetividade das

82 Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 7o.120

políticas sociais voltadas para o segmento idoso. A lei menciona, inclusive, as funções

de elaboração e avaliação, onde os Conselhos teriam, desta forma, legitimidade para

interferir no processo de legislação em relação aos dispositivos voltados para o idoso,

assim como teriam o dever de fiscalizar o cumprimento e a eficácia da atuação do

Estado no amparo a este segmento.

Infelizmente esta atuação é utópica, uma vez os Conselhos ainda

permanecem na fase de implementação e organização, e em muitas regiões nem sequer

foram instaurados. Sem dúvida alguma este é um fator que tem grande influência na

distância existente entre a teoria e a prática da proteção sócio-jurídica do idoso no

Brasil, já que a conscientização e a mobilização social dos idosos em relação aos seus

próprios problemas ainda é mínima.

Este cenário pode se modificar no momento em que os Conselhos passarem

a funcionar como verdadeiras esferas de participação e reivindicação por parte dos

idosos, o que aumentaria não somente a conscientização em relação aos seus direitos,

mas também criaria um mecanismo institucional que realizaria uma pressão permanente

sobre o Estado para o cumprimento de suas responsabilidades. Dificilmente a lei terá o

efeito esperado se os seus próprios beneficiários pouco conhecem sobre ela, e

principalmente se a sociedade civil não conseguir manter a supervisão e a avaliação

adequada do cumprimento de tais leis devido à inoperância das instituições

representativas existentes, no caso os conselhos. Não se modificará o cenário atual

enquanto os Conselhos permanecerem no papel ou mantiverem uma atuação meramente

burocrática, e não cumprirem devidamente o seu papel enquanto instituição deliberativa

e fiscalizadora.

Além da questão da participação e da representatividade do idoso, a PNI

também dá uma grande ênfase na necessidade de desenvolvimento de uma mão-de-obra

especializada e qualificada que viabilize um atendimento de qualidade à população

idosa. Com este objetivo, são indicadas medidas como o investimento na formação de

profissionais especializados em Geriatria e Gerontologia, o apoio a pesquisas

relacionadas ao envelhecimento e o estabelecimento de normas de funcionamento

adequadas para hospitais e quaisquer outros centros de atendimento que abriguem

idosos.

É importante destacar também a menção feita às universidades abertas da

terceira idade, que devem tanto promover o convívio social do idoso através do lazer e

da cultura quanto atualiza-lo em relação aos novos conhecimentos produzidos na

sociedade, tendo assim o Estado a função de “apoiar a criação de universidade aberta

121

para a terceira idade, como meio de universalizar o acesso às diferentes formas do

saber”.83

Além disso, é igualmente relevante discutir o papel desempenhado pelas

Universidades Abertas da Terceira Idade na vida do idoso, onde deve sempre haver a

preocupação de não tornar estas instituições meros centros de lazer e desenvolvimento

artístico. As oportunidades oferecidas pelas instituições universitárias para o

desenvolvimento de programas que possibilitem e motivem discussões cientificas,

políticas e sociais entre o segmento idoso, conduziriam ao aumento da capacidade de

reflexão destes indivíduos e contribuiriam de forma valiosa para a sua condição social.

A Política Nacional do Idoso postula também a continuidade do idoso no

mercado de trabalho sem qualquer tipo de discriminação, o que é um fundamento

extremamente utópico, na medida em que tenta “garantir mecanismos que impeçam a

discriminação do idoso quanto a sua participação no mercado de trabalho, no setor

público e privado”.84

Afirmamos ser utópico este fundamento devido ao caráter dinâmico de

transformações técnicas e cientificas inerentes ao sistema capitalista, o que torna uma

contingência inevitável a exclusão do mercado de trabalho daqueles indivíduos que não

acompanham e não se adaptam às inovações introduzidas, caso típico do idoso, que

possui geralmente um conjunto de conhecimentos defasados e que não são mais

utilizados.

E finalmente, a PNI alerta para adoção de mecanismos que garantam a

efetividade das legislações de proteção ao idoso, indicando a necessidade de “zelar pela

aplicação das normas sobre o idoso determinando ações para evitar abusos e lesões a

seus direitos”.85

A própria Política Nacional do Idoso reconhece a fragilidade das garantias

existentes em relação à plena efetividade da proteção social em vigor, chamando assim

a atenção para este fato. Na medida em que foi formulada como um conjunto de

orientações fundamentais para a implementação de políticas sociais voltadas para a

população idosa, a PNI obteve sucesso com a regulamentação do Estatuto do Idoso

nove anos depois. O Estatuto representou a positivação das recomendações aqui

enunciadas, transformando assim em lei as questões sociais que até este momento ainda

se caracterizavam como aspirações para um direito futuro.

83 Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico III, medida “ f ”.84 Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico IV, medida “ a ”.85 Lei N° 8842/94, Política Nacional do Idoso, artigo 10o, tópico VI, medida “ b ”.

122

5.6 - O Estatuto do Idoso: Necessidade, Realidade e Efetividade dos Direitos dos Idosos

O Estatuto do Idoso, regulamentado em Outubro de 2003, consolidou na

forma da lei uma série de garantias sociais para a população idosa, passando-se assim

do nível de recomendações morais para o direito positivado em relação ao amparo a este

segmento.

A Política Nacional do Idoso orientou e determinou os principais

fundamentos para um planejamento social voltado para o idoso, enquanto o Estatuto

veio a legitimar estas recomendações na forma jurídica, que a partir deste momento

passam a contar com o aparelho estatal para a sua proteção e também com as sanções

penais previstas nos casos de descumprimento de tais direitos.

Devemos assim entender o Estatuto do Idoso como resultado de um

processo de conscientização e discussão em relação aos problemas enfrentados pela

população idosa, fazendo com se consolidassem neste documento todas as garantias

postuladas anteriormente em Tratados e Declarações, caracterizando desta forma o

Estatuto como o ponto de chegada do caminho percorrido até então.

123

Por outro lado, devemos entender também o Estatuto do Idoso como um

ponto de partida para a obtenção de melhores condições de vida para a população idosa,

uma vez que conquistada a consolidação jurídica dos Direitos dos Idosos através deste

documento, deve-se a partir deste momento introduzir-se uma nova espécie de

mobilização, que se baseia na busca pelo efetivo cumprimento da lei estabelecida,

procurando-se cobrar das instituições por ela responsáveis a sua devida competência

neste processo.

Não podemos de maneira alguma achar que a situação dos idosos no Brasil

está resolvida com o Estatuto do Idoso, o que seria um raciocínio extremamente

ingênuo e superficial. Temos que reconhecer que este documento representa uma grande

conquista para a população idosa, mais existe um longo caminho pela frente a ser

perseguido que consiste no efetivo cumprimento desta legislação, o que torna necessária

a conscientização, a mobilização e a integração da sociedade civil em vistas deste fim.

Analisando os direitos consolidados no Estatuto, percebemos que a grande

maioria provém das indicações propostas nos Tratados Internacionais e na Política

Nacional do Idoso, onde o texto procurou legitimar juridicamente as principais

recomendações para o pleno desenvolvimento do idoso postuladas nestes documentos.

O Estatuto do Idoso consiste em um total de 118 artigos que abrangem as

mais variadas esferas da vida humana, tratando assim de temas como trabalho, saúde e

moradia no que se relaciona especificamente ao cotidiano da população idosa. O texto

estabelece a responsabilidade do Ministério Público em garantir a efetividade da lei,

além de prescrever também as penas previstas em casos de transgressão destas normas.

Como uma premissa básica, o Estatuto conclama toda a sociedade a

defender e proteger os Direitos dos Idosos, postulando que “todo cidadão tem o dever

de comunicar à autoridade competente qualquer forma de violação a esta Lei que

tenha testemunhado ou tomado conhecimento”.86

Assim sendo, zelar pelo efetivo cumprimento do Estatuto passa a ser uma

obrigação de toda a sociedade, e não exclusivamente do Estado, já que todo indivíduo

tem o dever de avaliar e denunciar quaisquer indícios de transgressões contra a lei,

conforme previsto no artigo citado anteriormente.

86 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 6o.124

a) As garantias fundamentais do idoso: a responsabilidade da família e o papel do Estado

O documento apresenta inicialmente as garantias fundamentais do indivíduo

idoso, que consistem naqueles direitos inerentes a qualquer cidadão que não devem ser

violados sob hipótese alguma, como a liberdade e o direito de ir e vir, por exemplo. No

caso do idoso, é importante a atenção a estas garantias básicas devido à vulnerabilidade

maior destes indivíduos em relação aos demais, o que pode levar à violação de seus

direitos fundamentais por parte de outrem.

Um dos princípios fundamentais previstos no Estatuto é proteção dos idosos

contra quaisquer tipos de discriminação ou situações de menosprezo, onde estão

previstas contra este tipo de atitude penas de reclusão de 6 meses a 1 ano, além do

pagamento de uma multa87. A discriminação aqui poderia incluir um atendimento em

algum estabelecimento comercial ou até mesmo um tratamento familiar impróprio, por

exemplo, o que poderia aumentar ainda mais a pena, já que neste caso o idoso estaria

sob os cuidados do próprio infrator.

87 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 96o.125

A responsabilidade da família é observada logo no artigo 3o do Estatuto, que

a menciona em conjunto com o Estado e com a sociedade em geral como responsáveis

pelo amparo ao idoso:

“É obrigação da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à

dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.88

O documento postula assim como uma obrigação da família o amparo ao

idoso, onde na impossibilidade deste amparo caberá ao Estado a devida proteção,

através, por exemplo, da Lei Orgânica de Assistência Social, já comentada

anteriormente. O amparo ao idoso é, assim, responsabilidade primária da família, onde a

internação asilar só deve ser realizada em hipóteses últimas, nos casos em que haja

impossibilidade da família em prestar o atendimento adequado ou em circunstâncias em

que seja necessário o acompanhamento profissional em instituições especializadas.89

Sobre estes casos é importante observar que na maioria dos casos os

responsáveis não sabem lidar adequadamente com as deficiências mentais e com as

doenças degenerativas de seus familiares idosos, onde não só têm dificuldade em aceitar

a difícil realidade como também vêem seus próprios objetivos particulares de vida

serem afetados pela necessidade de atenção e cuidados que o parente idoso passa a

exigir:

“O quadro crônico-degenerativo da demência é um elemento crítico da situação do cuidador, pela grave quebra da expectativa nos seus planos e projetos para um período que seria

marcado pelo afastamento das exigências da vida cotidiana e a realização de um estilo de vida mais tranqüilo...saem desesperados em busca de todo tipo de tratamento, gastam todas suas reservas

financeiras disponíveis, mas principalmente exigem do portador mais do que ele pode oferecer, isto é, querem a todo custo que ele se mantenha bem, que apresente algum tipo de melhora, que dê conta das

atividades que comumente desempenhava com grande habilidade”.(Santos, 2003:153-154)

É importante destacar que os responsáveis primários pelos cuidados com o

idoso geralmente são determinados pelos laços de afetividade existente entre eles, se

tratando principalmente de familiares de parentesco próximo que residem no mesmo

ambiente que o idoso. Situações de conflito são mais comuns quando o cuidador

primário não possui laços sanguíneos de parentesco com o idoso, como no caso de uma

nora se tornar a responsável pela sua sogra devido a situações contingenciais do dia-a-

dia familiar, por exemplo. (Mendes, 1998)

88 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o.89 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o, tópico V.

126

Porém, caso haja condições por parte da família de prover às necessidades

do idoso e esta não a faça por negligência, caberá ao Ministério Público a aplicação das

devidas penalidades aos responsáveis após a averiguação de tal transgressão. Neste

caso, o familiar está à pena de 6 meses a 3 anos de prisão e multa90. Além disso, também

é passível de penalidades a exposição do idoso a condições inadequadas de

sobrevivência, como uma alimentação deficiente, por exemplo.

Este ainda é um tipo de sanção extremamente raro no Brasil, uma vez que o

Poder Público não possui quadro técnico suficiente para realizar uma fiscalização

minuciosa das condições de vida dos idosos no país, fazendo com que somente ocorra

algum tipo de averiguação no momento em que exista uma denúncia, o que é mais raro

ainda, pois teria de ocorrer a acusação de um idoso contra o próprio familiar.

Além disso, o Estatuto prevê também a responsabilidade da família perante

a provisão de alimentos aos indivíduos idosos, onde a lei determina mais uma vez a

família como responsável por esta função. Em caso de inexistência de condições

materiais adequadas por parte dos familiares responsáveis caberá ao Estado o

suprimento adequado desta necessidade, através das políticas de assistência social.

Em relação ao papel do Estado, é sua obrigação garantir um envelhecimento

saudável à população, através do desenvolvimento de políticas públicas que atendam às

necessidades dos indivíduos nesta etapa de vida. O Estatuto aumenta a responsabilidade

do Estado ao defender a prioridade de atendimento e assistência ao idoso em diversos

âmbitos, desde a prestação de serviços públicos até a destinação de verbas para projetos

sociais voltados ao idoso, tópico que se mostra altamente fantasioso quando analisamos

os orçamentos públicos destinados às áreas de assistência social e atendimento ao idoso:

“Atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população”.91

“Destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção ao idoso”.92

A primeira determinação é observada com grande regularidade na maioria

dos estabelecimentos, uma vez que é extremamente simples a sua aplicação através da

destinação de funcionários ou locais específicos de atendimento ao idoso, como nos

casos de agências bancárias e estabelecimentos comerciais. Já a segunda prescrição se

torna uma utopia na medida em que as verbas para projetos sociais sempre estão

comprometidas com dívidas públicas, existindo ainda uma demanda muito grande para

90 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 98o.91 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o, parágrafo único, tópico I.92 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 3o, parágrafo único, tópico III.

127

a destinação de recursos para outras áreas, como a educação, a saúde e até mesmo a

infância, por exemplo.

Temos que observar também que provavelmente grande parte da sociedade

em geral não concorda com a prioridade de aplicação das verbas em projetos de amparo

ao idoso, onde percebemos nos mais variados discursos outras esferas sociais

consideradas como prioritárias. A efetiva aplicação deste artigo do Estatuto do Idoso

encontra assim entraves tanto nos planejamentos orçamentários quanto na opinião

pública.

b) Os Serviços de Atendimento à Saúde do Idoso: Uma Difícil Realidade

A partir dos princípios fundamentais comentados anteriormente, o Estatuto

especifica uma série de garantias ao idoso de acordo com as diversas esferas da vida

individual e coletiva. Sem dúvida alguma, a área da saúde é uma das maiores

responsáveis por episódios de humilhação e sofrimento do segmento idoso, onde se

junta à precariedade do sistema de saúde pública o descaso e a falta de sensibilidade dos

organismos governamentais para adotar medidas que efetivamente minimizem, pelo

menos, esta situação absurdo a que população idosa é submetida.

Como destaca Moreira,

“Esta questão apresenta-se como um problema de enorme seriedade, configurada,entre outras coisas, pela falta de hospitais geriátricos, pela subtração dos leitoshospitalares e pela falta de profissionais de saúde especializados em Geriatria e

Gerontologia. Por outro lado, a incidência dos quadros crônico-degenerativos, que atingem principalmente este segmento populacional, demandam internações

mais freqüentes e maior uso de medicamentos , muitas das vezes impossíveis deserem obtidos, tendo em vista as aposentadorias aviltantes que impedem a

aquisição de produtos farmacêuticos”.(Moreira, 1998:8)

128

Assim sendo, o Estatuto do Idoso procurou garantir a maior qualidade

possível no atendimento ao idoso, o que não condiz necessariamente com a realidade

observada. Este é um dos momentos em que acreditamos ser mais difícil e lenta a

obtenção de resultados positivos concretos para a vida dos idosos, uma vez que as atuais

circunstâncias exigem mudanças radicais, tanto na estrutura institucional existente

quanto na atuação direta dos responsáveis pela administração dos organismos públicos

de assistência à saúde.

Cabe ao Sistema Único de Saúde (SUS) a devida prestação de serviços na

área da saúde, sendo responsável por repassar verbas para hospitais particulares

credenciados que atendam à população idosa. Surge aí o primeiro problema, que

consiste na insuficiência de verbas proporcionais à demanda, e também no atraso na

liberação dos recursos financeiros, o que inviabiliza um atendimento de qualidade.

O atendimento ao idoso deve ser exercido em instituições que tenham

profissionais especializados na área de geriatria e gerontologia, o que está previsto no

artigo 15o do documento, que define que o tratamento à saúde do idoso deva ser

realizado através de “atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios” e em

“unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e

gerontologia social”.93

Uma boa iniciativa é o curso de formação de Cuidadores de Idosos

oferecido pela Associação dos Hospitais do Estado do Rio de Janeiro, que capacita

profissionais da área de saúde para o atendimento a este segmento. Com duração de 30

horas, o curso oferece aulas teóricas e práticas em relação ao atendimento ao idoso,

baseando-se em um conjunto de informações interdisciplinares visando ao pleno

tratamento do idoso em todas as suas necessidades e particularidades, sejam físicas,

sociais ou psicológicas. Temas como Política de Saúde do Idoso, Legislação do

Cuidador de Idosos, Principais Patologias que Acometem a Terceira Idade,

Procedimentos e Técnicas na Assistência ao Idoso, Ambiente e Arquitetura para a Casa,

Psicologia e Alimentação do Idoso são os destaques do curso.

Merece destaque também a criação de enfermarias exclusivas para o

tratamento de idosos pelo Instituto de Traumato-Ortopedia (INTO), no Estado do Rio de

Janeiro. O hospital passa a contar a partir de então com duas enfermarias femininas e

uma enfermaria masculina para atender especificamente pacientes idosos, com o

objetivo de fornecer o tratamento adequado às necessidades peculiares destes

indivíduos, através do acompanhamento de uma equipe interdisciplinar formada por

93 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 15o, tópicos II e III.129

geriatras, assistentes sociais, terapeutas e fisioterapeutas. O projeto é de extrema

relevância não somente por se mostrar de grande respeito e consideração com a

população idosa, mas também por apresentar possibilidades efetivas de melhoria no

tratamento de fraturas comuns a estes indivíduos, provenientes da osteoporose, por

exemplo.

Além disso, o Estatuto prevê também o atendimento domiciliar ao idoso em

casos de impossibilidade de sua locomoção para os centros de atendimento, o que está

garantido no artigo 15o do documento.94

Estas prescrições esbarram mais uma vez nos entraves orçamentários, que

não permitem investimentos maciços nos serviços de saúde, fazendo com que os

atendimentos públicos neste setor garantam apenas os cuidados mínimos e

emergenciais, ainda assim de forma deficiente. O atendimento domiciliar, por exemplo,

exigiria uma grande infra-estrutura que está muito distante da nossa realidade concreta,

além do que os processos de privatização de serviços até então estatais desencorajam os

investimentos neste setor.

O mesmo artigo 15o enuncia duas garantias que provavelmente se

caracterizam como as mais polêmicas do Estatuto do Idoso, no sentido de suscitarem

grandes discussões e verdadeiras batalhas processuais em vistas de seu cumprimento.

Tais são os direitos expressos nos incisos 2o e 3o de tal artigo, que afirmam que:

“§ 2° Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao

tratamento, habilitação ou reabilitação.§ 3° É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores

diferenciados em razão da idade.”

Apesar de ser um direito consolidado na lei, o fornecimento gratuito de

medicamentos encontra empecilhos na própria burocracia administrativa do Estado, que

submete o idoso a uma verdadeira via-crúcis para tentar obter aquilo que é um direito

seu. O árduo caminho para a obtenção deste benefício passa pelas inúmeras perícias

médicas que são exigidas, inacabáveis entregas de comprovantes e documentos, e

exaustivas filas de protocolo.

Em pesquisa desenvolvida pela FIOCRUZ95, revelou-se que entre os mais

pobres, 61% dos gastos com saúde são destinados à compra de medicamentos, um

percentual considerado alto por quem está aposentado e recebe uma restituição, que

muitas vezes chega somente a um salário-mínimo. Os gastos com saúde pesam tanto no

94 Tópico IV.95 Jornal O Dia, disponível em www.odia.com.br

130

orçamento mensal das famílias que 9,1% dos entrevistados disseram ter vendido algum

bem ou pedido um empréstimo para pagar despesas com saúde. A pesquisa destaca

ainda que cerca de 19% dos idosos entrevistados disseram estar insatisfeitos com a

disponibilidade de medicamentos oferecida gratuitamente.

O mais inusitado é que estamos aqui falando de um direito a obtenção de

medicamentos, bens de necessidade maior e imediata em que na maioria dos casos os

indivíduos que dele necessitam não podem esperar por um longo período de tempo para

sua utilização, sob pena de risco de vida. Este é um típico caso onde a lei esbarra na

própria lei, e a efetividade de um direito encontra entraves nos próprios processos

administrativos e legais para a sua obtenção.

Em relação aos valores cobrados pelos planos de saúde, o Estatuto utilizou o

termo “discriminação” para condenar os abusos cometidos pelas instituições deste ramo

ao estipularem os valores das mensalidades dos indivíduos idosos, substancialmente

mais altos do que os valores cobrados para indivíduos mais jovens. Porém, não é tão

simples comprovar juridicamente que um determinado ato se caracteriza como

discriminatório, uma vez que se pode elaborar uma serie de interpretações diferentes

acerca de uma mesma atitude de acordo com a idéia que se pretende defender.

O termo discriminação é definido pelo dicionário Aurélio como “ato de

distinguir, estabelecer diferença, separar”, onde se transmite assim a idéia de um

tratamento desigual a ser dado a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos em função

de suas características particulares.

Porém, o cálculo utilizado para a determinação do valor das mensalidades

de um plano de saúde funciona com base na previsão de riscos que a empresa assumira

em relação ao seu segurado, da mesma forma que um seguro de um automóvel, por

exemplo. Pessoas mais jovens e carros mais novos pagam um valor mais alto devido a

maior probabilidade de acidente ou roubo, respectivamente.

A lógica é a mesma no caso dos planos de saúde, onde a empresa estima o

grau de utilização que o segurado fará dos serviços oferecidos pela empresa,

aumentando-se a mensalidade conforme a estimativa de uso do seguro. Desta forma, o

idoso utilizaria o plano de saúde com maior freqüência do que um sujeito mais jovem,

aumentando-se assim o valor de sua mensalidade. Do mesmo modo, crianças recém-

nascidas pagam valores altíssimos de planos de saúde, pois se inserem no mesmo

raciocínio de uma alta probabilidade de utilização dos serviços.

Este critério de elaboração do cálculo para o valor das mensalidades baseia-

se desta forma em um raciocínio fundamentado em estimativas de estatísticas e

131

probabilidades que são a base da lógica econômica e empresarial, e que estão de acordo

com a legislação vigente, que legitima os cálculos de quaisquer espécies de seguro

fundamentadas nos critérios acima.

Por isso se torna difícil comprovar juridicamente uma situação de

discriminação neste caso, visto que os planos de saúde são serviços privados para que, o

cliente pague de acordo com a sua expectativa de uso, e não necessariamente pela sua

idade. Não existiria assim discriminação contra o segmento idoso em geral, mas antes

eles pagariam um valor maior devido ao maior uso que farão dos serviços fornecidos,

assim como outros segmentos já citados anteriormente.

De outra forma existiria “discriminação” em todos os tipos de seguro

existentes, e caso fosse confirmada esta característica provavelmente esta modalidade

de serviço deixaria de existir. Assim, é inerente ao idoso utilizar os serviços de saúde

com maior freqüência, o que tona licita a cobrança de uma mensalidade maior destes

indivíduos.

Este é o argumento das empresas de plano de saúde, e que têm obtido

sucesso nos processos judiciais relativos a estas situações. Para se combater os abusos

das empresas de plano de saúde contra o segmento idoso seria necessária a formulação

de outras estratégias que coibissem um aumento exagerado nas mensalidades devido à

idade avançada, uma vez que a utilização do termo discriminação para caracterizar esta

situação se tornou obsoleta diante dos argumentos contrários que lhe foram contrapostos

pelas empresas de planos de saúde. Os detalhes são altamente relevantes em uma lei, e

uma palavra mal utilizada pode torná-la insignificante e reduzir o seu efeito.

Ainda em relação à saúde, cabe destacar também o direito garantido ao

idoso de ter um acompanhante em caso de internação, sendo que caberá ao médico

responsável conceder a autorização para o acompanhamento96. É mais uma garantia

ambígua, uma vez que ao mesmo tempo em que é concedido um benefício para o idoso,

é retirado o seu poder de decisão sobre este benefício, já que não cabe a ele a palavra

final em relação a ter ou não um acompanhante.

Tal direito se torna ainda mais polêmico quando entram em cena os

interesses das empresas de plano de saúde, que obviamente não têm nenhum interesse

em arcar com as despesas de um possível acompanhante, fazendo com que possam

exercer algum tipo de influência sobre os profissionais responsáveis para que não seja

indicada a necessidade de acompanhamento. Além disso, os profissionais de saúde têm

96 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 16o.132

também o dever de comunicar às autoridades competentes quaisquer suspeitas de maus-

tratos contra os idosos que se submeterem aos seus cuidados.97

Percebemos assim que o Estatuto do idoso procurou garantir a autonomia do

idoso mesmo no caso de enfermidade, onde os direitos primários de realizar escolhas e

decidir até mesmo quanto ao tipo de tratamento a que será submetido refletem este

pensamento.

Daí a valorização da ideologia presente no conceito de capacidade

funcional, que postula que o idoso deve ser capaz de manter a suas habilidades físicas e

mentais de modo a garantir a sua autonomia e a sua independência.

O principal problema a ser enfrentado ainda é a questão orçamentária, onde

o sistema de saúde pública sofre com a imensa defasagem entre a disponibilidade da

oferta de atendimento e a demanda existente para tal serviço. O planejamento ideal

indicaria a necessidade de investimento na prevenção da saúde, o que é postulado,

inclusive, pelo Plano de Ação Internacional de Envelhecimento, como forma de evitar a

formação de um segmento idoso debilitado fisicamente e, por conseqüência, oneroso

para os serviços públicos, já que “não existem recursos capazes de suportar

indefinidamente a lógica atual dos sistemas de saúde, orientado antes pela “doença”

do que pela “saúde””. (Veras, 2001:21)

Programas de prevenção à saúde não somente aumentariam a qualidade de

vida dos idosos como também viabilizariam a longo prazo o equilíbrio orçamentário dos

serviços de saúde. Somente desta forma é que a sociedade poderá se adaptar às

transformações demográficas que tendem a tornar o segmento idoso cada vez mais

expressivo, fazendo que o aumento quantitativo desta parcela da população não

sobrecarregue demasiadamente as despesas públicas, e que, principalmente, a população

idosa receba um tratamento digno e responsável por parte do Estado.

97 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 19o.133

c) Educação e Lazer: Em Busca do Tempo Perdido

O próximo tema a ser abordado pelo Estatuto refere-se ao direito do idoso

em ter acesso à educação, cultura, esporte e lazer, conforme inserido no capitulo V do

documento.O ponto que aqui mais nos interessa diz respeito à educação, onde os

resultados vislumbrados por esta lei poderiam melhorar profundamente a qualidade de

vida da população idosa.

Levando-se em conta o baixíssimo nível educacional da população idosa em

nosso país, faz-se extremamente necessário atualizar e fornecer conhecimentos a estes

indivíduos de modo a integra-los à sociedade em geral. O Estatuto concede este direito,

postulando que:

“Art. 21. O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados.

§ 1º Os cursos especiais para idosos incluirão conteúdo relativo às técnicas de comunicação, computação e demais avanços tecnológicos, para sua integração à vida moderna”.

Tais medidas poderiam aumentar as chances de continuidade ou reinserção

do idoso no mercado de trabalho, uma vez que lhe seriam fornecidos instrumentos que

lhe capacitariam a exercer atividades produtivas, como o conhecimento de informática,

citado no artigo acima. Estes projetos teriam, no mínimo, efeitos psicológicos positivos

para os indivíduos idosos, e contribuiriam também para uma melhor socialização deste

134

segmento, na medida em que tais atividades proporcionariam uma maior integração e a

ocupação do tempo ocioso destas pessoas. Estariam aqui conciliados o lazer e o

aprendizado, o que, sem dúvida alguma aumentaria o bem-estar destas pessoas em sua

fase de vida.

Como sugestão, poderíamos propor que fossem criados cursos específicos

para a população idosa, como uma forma de motivá-la a continuar ou a recomeçar os

seus estudos. Seria uma maneira de se evitar um possível constrangimento destes

indivíduos, o que é comum acontecer quando são colocados em salas de aula regulares

majoritariamente formadas por indivíduos jovens, o que poderia levar o idoso ao

abandono da atividade.

Um exemplo de sucesso é o Espaço da Terceira Idade, projeto mantido pela

Prefeitura da Cidade de Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, que oferece à

população carente com mais de 60 anos uma piscina aquecida para aulas de

hidroginástica e hidroterapia, uma biblioteca e aulas de alfabetização, além de

atendimento psicológico, informática e um salão de cabeleireiro profissionalizante.

Lembramos que a primeira instituição brasileira a desenvolver programas de

atividades voltadas para o segmento idoso foi o SESC, que em 1964 criou um grupo de

aposentados, e em 1977 deu origem às Universidades da Terceira Idade, ao fundar a

Escola Aberta da Terceira Idade.

O Estatuto estimula também a criação das Universidades Abertas da

Terceira Idade, assim como a adequação de livros e publicações editoriais às

particularidades do idoso, de modo que este segmento mantenha-se atualizado em

relação ao conhecimento e a informação veiculada na sociedade:

“Art. 25. O Poder Público apoiará a criação de universidade aberta para as pessoas idosas e incentivará a publicação de livros e periódicos, de conteúdo e padrão editorial adequados ao

idoso, que facilitem a leitura, considerada a natural redução da capacidade visual”.

Merece destaque o trabalho desenvolvido pela UNATI (Universidade

Aberta da Terceira Idade) na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), que

prevê, dentre outras atividades, a realização de cursos para os idosos e para a

capacitação de recursos humanos; a prestação de assistência jurídica, médica e física aos

idosos.

Atividades deste tipo tendem gradualmente a diminuir o impacto produzido

pela criação de estereótipos negativos para o idoso, onde é crescente a difusão de uma

imagem ativa e atuante deste segmento nas dinâmicas sociais, fazendo com que o

135

conceito de “velhice” perca espaço para o conceito de “terceira idade”, que melhor

representaria uma nova etapa de vida que se inicia ao invés de uma velha vida que se

vai. Como observa Marcelo Lima:

“A visão de que a idade cronológica é fundamental é relativizada pela noção de terceira idade, que, ao mesmo tempo, reforça a idéia de que é possível, com esforço individual, avançar na idade

sem ficar velho”.(Lima, in Veras, 2001:37)

Desta forma, as atividades desenvolvidas pelos centros de integração de

idosos e pelas Universidades Abertas da Terceira Idade funcionam tanto como

instrumentos de socialização e participação dos idosos na vida coletiva, assim como

proporcionam a estes indivíduos uma vida mais saudável, viabilizada a partir da

manutenção do desenvolvimento de atividades físicas e cognitivas.

É importante destacar que este tipo de atividade deve ter como fundamento

a integração social e o desenvolvimento psicológico dos idosos, de modo que aceitem a

nova etapa de suas vidas e saibam aproveita-la da melhor maneira possível, mas sem

negar a sua condição ou mascara-la sob falsas promessas e ideologias.

Neri (1998) ressalta que as pessoas precisam se conhecer novamente, saber

que podem viver de maneira independente para não cair em mitos ou modelos de

envelhecimento que muitas vezes se perdem na ilusória noção de virilidade ou na

aquisição de bens característicos de jovens. Caso contrário, o indivíduo vai, durante

toda sua vida, assumir papéis impostos automaticamente pela sociedade, esquecendo-se

de refletir sobre eles e sobre si próprio.

As Universidades Abertas da Terceira Idade possuem, desta forma, o

objetivo primordial de promover a integração entre o idoso e as demais gerações da

sociedade, tentando assim evitar ao máximo o isolamento existente entre este segmento

social e o restante da sociedade.

É necessário também distinguirmos os centros de convivência de idosos das

Universidades da Terceira Idade. É importante destacar que ambos desenvolvem

atividades de grande relevância para a qualidade de vida da população idosa, porém os

centros de convivência consistem em instituições que priorizam a realização de

atividades voltadas para a integração e a ocupação do tempo ocioso dos idosos,

enquanto as Universidades possuem, além desta função, o compromisso com a

transmissão de informação e conhecimento para este segmento, de modo a melhor

prepara-lo para defender os seus direitos e participar ativamente da vida social.

136

Especificamente em relação ao lazer, é concedido ao idoso o desconto de

50% no ingresso em eventos de natureza artística, cultural ou esportiva98. Cabe aqui

mais uma sugestão, que concerne à extensão deste benefício ao pagamento de

instituições de ensino e estabelecimentos de saúde privados, que seriam situações de

maior relevância para a vida do idoso. Ter acesso à educação e tratamento de saúde de

qualidade seria extremamente valioso para a condição de vida deste segmento, onde um

possível privilégio financeiro no acesso a estes serviços poderia produzir mudanças

significativas no perfil dos idosos de nosso país.

Desta forma, o Estatuto levou em consideração que a participação em

eventos culturais e educacionais são importantes para a manutenção de atividades

produtivas e integradoras por parte dos idosos. Porém, o documento pensou de forma

mínima ao conceder como direito um desconto de 50% apenas em atividades restritas.

Além do mais, o segmento idoso não é bem aproveitado pelo setor de

comércio e lazer, uma vez este grupo possui um percentual considerável de participação

no consumo observado na sociedade em geral. Recente pesquisa realizada por

importante empresa de marketing de alimentos demonstra que 18% da clientela dos

supermercados do Grande Rio é composta por pessoas maiores de 60 anos99. O novo

percentual afirma o crescimento de consumidores idosos e aponta para a necessidade de

um tratamento cada vez mais especializado por parte do comércio a esses cidadãos. Este

setor pode estar perdendo a chance de atrair um segmento com um grande potencial de

consumo caso não invista particularmente na população idosa.

É importante ressaltar que a concessão do desconto de 50% reflete

indiretamente a condição de vida precária deste segmento em nosso país, principalmente

no que diz respeito à sua situação financeira, onde a grande maioria dos idosos somente

consegue ter acesso a eventos desta espécie graças a este desconto, pois não teriam

possibilidade de arcar com os custos normais destes eventos. O ideal seria que a

população idosa tivesse uma renda digna que fosse suficiente para subsidiar a sua

participação em eventos culturais e educacionais, sem que houvesse a necessidade de

recebimento de benefícios como este, que possuem mais um caráter de esmola do que

propriamente de um direito.

98 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 23o.99 Jornal O Dia, disponível em www.odia.com.br.

137

d) Idoso e Trabalho: A Utopia da Não-exclusão

Em relação ao trabalho, o Estatuto determina como direito do idoso o

exercício de atividade profissional, sem que haja discriminação por motivo de idade

avançada. Sem dúvida alguma são os itens mais utópicos do documento, ao postularem

garantias vagas que se distanciam enormemente da realidade cotidiana.

O texto prevê que haja “estímulo às empresas privadas para admissão de

idosos ao trabalho”100, sendo que não somente inexiste este estímulo assim como é

remota a possibilidade deste estímulo vir a existir dentro da lógica da organização

sócio-econômica vigente em nossa sociedade. Como já discutido anteriormente, o

sistema capitalista valoriza a força de trabalho e o poder de consumo, excluindo desta

forma os indivíduos idosos que não mais possuem estas características de forma

potencial. Interessa ao mercado de trabalho de trabalho aquele indivíduo jovem,

vigoroso e atualizado, e a sabedoria de um idoso não tam mais valor onde esta sabedoria

não é mais utilizada, como observa Oliveira:

“O sistema econômico vale-se da enorme força de trabalho que dispõe para substituir pessoas ainda em idade de trabalhar por outras mais jovens às quais pagam menos; o sistema

econômico unificou os mercados de mão-de-obra sob os conceitos de idade e sexo, valendo-se dessas distinções sempre que é possível para tirar vantagens de menor remuneração”.

(Oliveira, 1977:41)

100 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 28o, tópico III.138

O próprio texto assume que existem exceções em algumas profissões que

realmente excluem a possibilidade de seu exercício por indivíduos de idade avançada,

como a atividade policial, por exemplo.

A saída poderia ser o estímulo a atividades produtivas autônomas, onde o

segmento idoso pudesse trabalhar e garantir uma fonte de renda sem ter que depender

do mercado de trabalho que o exclui. O Espaço Terceira Idade, já citado anteriormente,

é mais uma vez um bom exemplo de um investimento no desenvolvimento de uma

função produtiva para o idoso, através do curso de formação de cabeleireiros, uma boa

alternativa para a ausência de oportunidades para este segmento.

Existem ainda alguns projetos que visam atualizar os indivíduos idosos em

relação às exigências do mercado de trabalho, de forma a torná-los aptos à concorrência,

se é que isto seja mesmo possível. Um bom exemplo é o curso de informática para a

terceira idade desenvolvido pelo Centro de Processamento de Dados do Estado do Rio

(Proderj), que oferece cursos adequados ao perfil da população em questão.

Desta forma, só seria possível transformar realmente as condições de

inserção do idoso no mercado de trabalho caso se modifique toda a ideologia capitalista

vigente fundamentada no individualismo e na competitividade, que segrega os

indivíduos que não mais se enquadram nas exigências do mercado de trabalho, o que é

precisamente esclarecido por Simone de Beauvior:

“Exigir que os homens permaneçam homens em sua idade mais avançada implicaria uma transformação radical. Impossível obter esse resultado através de algumas reformas limitadas que

deixariam o sistema intacto: é a exploração dos trabalhadores, é a atomização da sociedade, é a miséria de uma cultura reservada a um mandarinato que conduzem essas velhices desumanizadas”.

(Beauvior, 1990:14)

Porém, ainda se trata de uma utopia pensarmos em uma sociedade que

transformasse radicalmente sua maneira de produção e sua organização sócio-

econômica, o que torna obsoleta qualquer iniciativa de integração efetiva do idoso no

mercado de trabalho, idéia que contraria a lógica imposta pelo sistema. O idoso pode ser

considerado, desta forma, como uma das grandes vitimas do capitalismo no que diz

respeito às mazelas sociais desencadeadas intrinsecamente por este sistema, reforçando

a conclusão de que “o drama da velhice vivido por crescentes segmentos da população

constitui a mais contundente denúncia da trajetória de vida imposta pelo reino do

capital”. (Haddad, 1993)

O ponto positivo do Estatuto acerca desta discussão é o incentivo aos

programas de preparação para a aposentadoria, que foram concebidos como atividades

139

em que o indivíduo seja orientado para as mudanças que acontecerão em sua vida com a

interrupção da atividade profissional, e se adapte da melhor maneira possível à sua nova

condição de vida enquanto aposentado. Tais programas já vêm sendo desenvolvidos por

várias empresas junto a seus funcionários, obtendo uma avaliação positiva por parte dos

egressos destes projetos.

Isto porque percebemos uma tendência atual da população brasileira a se

aposentar em uma faixa etária bem próxima da terceira idade, visto que os limites

etários tendem a ser ampliados pela reforma da Previdência, estendendo-se para os 60

anos para os homens e 55 anos para as mulheres, o que faz com que a introdução desta

temática nos ambientes de trabalho seja imprescindível, já que:

“É através dos programas de preparação para aposentadoria implantados que otrabalhador será mais esclarecido quanto a seus direitos e possibilidades de vida

futura, afastando o receio de passar a ‘sobreviver’ tão somente, negando a simesmo uma maior possibilidade de vida”.

(Rey et alli, 1996: 16)

Assim sendo, a aposentadoria é um momento de extrema importância na

vida de um indivíduo, uma vez que a sua realidade sofre grandes transformações a partir

deste momento, influenciando a sua rotina diária e até mesmo podendo causar

problemas psicológicos, como a depressão, por exemplo. Daí a necessidade de uma

adaptação a esta nova etapa de vida, aonde se devem buscar novos projetos e novos

objetivos para o momento que se inicia, já que “criar uma razão para o significado de

estar vivendo parece uma questão sempre presente na velhice. A concretização do

projeto dá uma resposta possível a essa questão”. (Barros, 1991:66)

140

e) Habitação: Direitos dos Idosos e Deveres das Entidades de Atendimento

Outro ponto que merece destaque no Estatuto do Idoso é a referência às

necessidades relacionadas à habitação do indivíduo idoso, prescritas no capítulo IX do

documento. A Lei destaca a obrigatoriedade na estipulação de uma cota para idosos no

caso de construções de conjuntos habitacionais pelo poder público, onde temos um

exemplo concreto desta situação em programa de habitação popular realizado pelo

Governo do Estado do Rio de Janeiro, que reservou seis casas para idosos e deficientes

de um total de 104, parcela dentro dos 3% estipulado pela lei101.

Em caso de condições precárias de moradia no âmbito familiar, o idoso

poderá optar pelo abrigo nas entidades de longa permanência mantidas pela assistência

social do Estado, cabendo à família comprovar a ausência de recursos suficientes para

prover o amparo ao idoso.

Tais entidades deverão estar devidamente cadastradas junto aos órgãos

municipais responsáveis para efeito de fiscalização, assim como manter uma

identificação externa de suas atividades. Em caso de entidades privadas, a despesa de

manutenção a ser paga pelo idoso não pode ultrapassar o valor de 70% dos benefícios

recebidos pelo idoso, sejam eles oriundos da previdência ou da assistência social102.

Além disso, as instituições também têm a obrigação de relatar e fornecer

recibo de quaisquer objetos ou bens pertencentes ao idoso que receberem no momento 101 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 38o, tópico I.102 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 35o, § 2o.

141

de sua entrada na entidade103, como forma de proteger estas pessoas contra abusos ou

usurpações por parte da instituição. A apropriação indébita de bens ou recursos do idoso

está prevista como crime no Estatuto, resultando em pena de 1 a 4 anos de prisão, além

de multa104. Neste caso poderiam estar incluídos mais uma vez os próprios familiares

que, porventura, fizesse uso individual dos benefícios financeiros do idoso acarretando

no prejuízo deste, assim como as instituições de longa permanência que se apropriassem

dos recursos do idoso sem repassá-los ao atendimento fornecido.

É importante destacar também a proteção garantida ao idoso contra

possíveis coações ou constrangimentos em relação às suas posses, onde o Estatuto prevê

penalidades em situações em que o idoso, por exemplo, assine uma procuração que

transfira a administração de seus recursos para outrem sem plena consciência e livre

arbítrio de sua atitude105, o que tiraria sua autonomia e seu usufruto sobre os benefícios a

que tem direito.

Ainda em relação às entidades privadas de atendimento, existe a

possibilidade de subvenção do Estado a entidades privadas de atendimento ao idoso em

situações onde comprovadamente não haja condições de custeio por parte do próprio

indivíduo.

Dentre as obrigações previstas no Estatuto em relação às atividades a serem

exercidas por estas instituições, cabe destacar a preservação do vínculo familiar do

idoso com sua família e a inserção do idoso em atividades comunitárias106. Pretende-se

com isso manter a integração destes indivíduos com o restante da sociedade, inclusive

com seus familiares, de modo que as entidades de atendimento não se tornem

“depósitos” de idosos em absoluto isolamento e reclusão.

O Estatuto prevê, inclusive, a responsabilidade sobre as entidades de

atendimento em denunciar ao Ministério Público quaisquer suspeitas de abandono do

idoso por parte da família, seja ele moral ou material107. O profissional de saúde

responsável pelo atendimento ao idoso pode ser penalizado juridicamente por omissão

na prestação deste tipo de informação aos órgãos competentes. Assim sendo, não visitar

um parente idoso ou não acompanhar o seu atendimento dentro da instituição

responsável pode ser caracterizado como infração, com multa prevista no Código Penal

Brasileiro.

103 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 50o, tópico XIV.104 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 102o.105 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigos 106o e 107o.106 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 49o, tópicos I e IV.107Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 49o, tópico XVI.

142

Estas entidades têm ainda a obrigação de prestar contas publicamente de

suas despesas, seja através da sua publicação em jornais de grande circulação assim

como através de publicação nos diários oficiais da União, do Estado ou do Município.

Em caso de descumprimento das normas estabelecidas para o seu

funcionamento, as instituições de atendimento ao idoso estarão sujeitas desde a

aplicação de multas até o a proibição da continuidade no atendimento a idosos em

situações onde forem encontradas infrações de maior gravidade, o que está previsto

detalhadamente no artigo 55o do Estatuto.

É importante destacar novamente a existência de uma Portaria Federal

especificamente orientada para regulamentar as normas de funcionamento das diversas

espécies de entidades voltadas para o atendimento ao idoso, cabendo aos órgãos

municipais a devida fiscalização em relação ao cumprimento das regras, dentre elas os

Conselhos do Idoso e a Vigilância Sanitária. Percebemos assim que a lei é

extremamente detalhada em relação ao funcionamento das instituições de amparo ao

idoso, cabendo apenas consolidar uma fiscalização igualmente eficiente para se efetivar

um atendimento digno e de qualidade nestas entidades.

143

f) A Gratuidade de Transporte: Entre o Direito e a Humilhação

O capítulo X do Estatuto do Idoso trata da questão do transporte, tema

bastante polêmico e muito explorado pela mídia no que diz respeito ao dia-a-dia do

idoso, principalmente por este ser um dos pontos onde encontramos habitualmente um

grande número de transgressões por parte das empresas responsáveis pela prestação de

serviços neste setor.

O Estatuto reforça a garantia constitucional de gratuidade nos transportes

coletivos urbanos, benefício que não se estende, porém, aos veículos considerados

especiais:

“Aos maiores de sessenta e cinco anos fica assegurada a gratuidade nos transportes coletivos públicos, urbanos e semi- urbanos, exceto nos serviços seletivos, especiais, quando prestados

paralelamente aos serviços regulares.”108

A gratuidade refere-se assim somente aos serviços regulares de transporte,

excluindo-se tal benefício nos casos de micro-ônibus ou veículos com ar-condicionado,

por exemplo. Também estaria incluído nesta categoria o transporte intermunicipal, onde

não é concedido, desta forma, o benefício da gratuidade.

Para fazer jus à gratuidade, basta ao idoso apresentar qualquer documento

de identidade, que pode ser a própria carteira de identidade, o CPF ou a carteira de

habilitação109, norma que usualmente é transgredida pelas empresas de ônibus, que

108 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 39o.109 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 39o, § 1o.

144

colocam empecilhos ao embarque de idosos e exigem comprovantes não previstos nesta

lei.

O Estatuto prevê normas específicas para o transporte interestadual, onde se

torna obrigatória a reserva de duas vagas gratuitas para idosos acima dos 65 anos e que

possuam renda inferior a dois salários mínimos110. Neste caso é exigida do idoso a

apresentação de comprovante de renda para a aquisição de sua passagem. Além disso, é

igualmente obrigatória a concessão de desconto de 50% para os idosos que

ultrapassarem as duas vagas gratuitas previstas, sob as mesmas condições de

comprovação de renda estabelecidas no caso anterior111.

Concluímos assim que o benefício estendido ao idoso em relação ao seu

transporte é restrito e superficial, uma vez que se refere unicamente aos meios básicos

de locomoção, excluindo até mesmo os transportes de longa distância, nos casos dos

trajetos intermunicipais e interestaduais.

Sem dúvida alguma que este é um dos pontos de maior agressão à dignidade

do idoso, já que os transportes públicos não estão adaptados às suas necessidades, como

os degraus elevados, por exemplo, fazendo com que tenham que passar por grandes

dificuldades para conseguir um simples embarque em um ônibus.

Acrescenta-se a isso a relutância de muitos profissionais responsáveis pela

condução dos veículos em atender com um mínimo de respeito aos indivíduos idosos, o

que se torna inexplicável e inadmissível se observarmos que para o exercício cotidiano

da atividade destes profissionais é indiferente a idade do passageiro embarcado, seja ele

jovem ou idoso. Não faz diferença alguma para um motorista dirigir um veículo com 50

idosos ou 50 jovens, mas muitos fazem questão de intimidar e humilhar aqueles de

idade avançada. Nem mesmo uma possível pressão por parte dos empresários e patrões

do setor justificaria tal atitude.

Mas este não é um problema da lei e nem do Direito, e sim um defeito da

natureza humana, que não nos cabe aqui tentar entender. Para a solução deste problema

teríamos que conciliar a efetividade da lei com a evolução moral da sociedade, em

vistas a valorizar o idoso como um indivíduo como qualquer outro e que merece até

uma maior quantidade de respeito devido à sua idade avançada, mas estes são valores

pouco difundidos em nossa sociedade capitalista de consumo.

110 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 40o, tópico I.111 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 40o, tópico II.

145

g) O Envelhecimento na Mídia

O Estatuto teve a preocupação de garantir a veiculação de imagens positivas

e favoráveis ao desenvolvimento dos idosos, como forma de combater uma cultura de

discriminação e menosprezo veiculada pela mídia em geral que piorava ainda mais a

posição do idoso dentro de seu grupo social.

Em vista disso, passa a ser crime a veiculação de imagens negativas ou

depreciativas em relação à população idosa, conforme prescrito no artigo 105o do

documento, e que prevê, inclusive, detenção de um a três anos de prisão, além do

pagamento de multa:

“Exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do idoso”.112

Analisando algumas pesquisas sobre a veiculação de imagens relativas ao

envelhecimento na mídia em geral, observamos que os estudos confirmaram o

predomínio na difusão de estereótipos negativos em relação à população idosa.

O pesquisador Northcott113, por exemplo, conclui em sua pesquisa na década

de 70 que a imagem negativa da velhice na televisão era uma constante e os poucos

personagens idosos sempre representavam papéis de menor importância e de menor

visibilidade. Já o estudo de Dail114 em 1988, destacou que os idosos, muito mais do que

qualquer outro grupo social, eram retratados na mídia de forma desagradável e negativa,

112 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 105o.113 Northcott, H. (1975); Swayne, L. E. & Greco, A. J. (1987). 114 Dail, P. W. (1988).

146

principalmente com relação às suas habilidades físicas, seu estado de saúde,

sociabilidade, personalidade e capacidade de trabalho. Daí a relevância de se modificar

este quadro.

A realidade brasileira não é tão diferente. Pesquisas realizadas por Calabi e

Mascaro115 mostraram que até a década de 70 os idosos eram tratados de forma

pejorativa pela mídia, onde eram retratados como indivíduos dependentes e debilitados

fisicamente. Este quadro se modificou a partir da década de 80, quando a imagem do

idoso passou a estar associada com o poder e o prestigio social, ressaltando-se que

geralmente era a figura do homem idoso que carregava estes valores, em detrimento da

falta de valorização da mulher idosa.

O modismo atual de se tentar rejuvenescer a qualquer custo o idoso tem

levado a mídia e a publicidade em geral a mostrar novas faces do envelhecimento,

através da associação do idoso à tecnologia moderna, ao lazer e à atividade sexual. Este

tipo de mensagem busca mostrar que ser “velho” passa então a ser uma opção

individual, onde existem inúmeras alternativas para fazer desta etapa de vida um

momento de alegria e novas fontes de prazer. Como afirma Debert:

“A juventude, por um lado, perde conexão com um grupo etário específico, deixa de ser um estágio na vida para se transformar em valor, um bem a ser conquistado em qualquer idade, através do envolvimento em atividades motivadoras e da adoção de estilos de vida adequados. Por outro lado. a

velhice é resultado de uma espécie de lassitude moral, um problema de indivíduos descuidados que não souberam se envolver em atividades motivadoras e consumir bens e serviços capazes de combater o

envelhecimento”.116

É importante lembrar que a preocupação com as imagens dos idosos

veiculadas pela mídia foi abordada pelo Plano de Ação Internacional para o

envelhecimento, e tem como objetivo tentar difundir sentimentos de respeito e

valorização em relação a estes indivíduos.

Isso seria possível através da construção de imagens positivas do

envelhecimento, que poderiam a partir daí abrir espaço tanto para a integração do idoso

na sociedade em geral, assim como aumentar o sentimento de auto-estima e a motivação

dos próprios idosos em relação à sua nova identidade. Como destaca Debert, “as novas

imagens do envelhecimento são, sem dúvida, expressão de um contexto marcado por

mudanças culturais que redefinem o modo de construção das identidades”. (Debert,

1997:127)

115 Ver CALABI, A. C. (1994) e MASCARO, S. A. (1993).116 Debert, G. – O Idoso na mídia. Disponível em www.comciencia.com.br

147

Desta forma, as questões sociais relativas ao processo de envelhecimento

também são culturais, e o sucesso ou o fracasso de projetos voltados para a inclusão e a

dignidade do idoso depende em parte da construção de sua identidade e dos valores que

nela estão presentes.

Parte III – Aplicando os

Direitos dos Idosos: entre a

Lei e a Realidade

148

“Você é tão jovem quanto a sua fé, e sua velhice é determinada pela sua dúvida. Sua juventude depende da sua autoconfiança, e são seus temores que determinam quão velho você é. O homem é tão moço quanto a sua esperança, tão velho quanto a falta dela”.

Douglas Macarthur

6. O papel do Estado na defesa do Idoso: Responsabilidades e Possibilidades Institucionais

Esta seção se dedica à apresentação e à análise do papel das Instituições do

Estado na proteção aos Direitos dos Idosos, procurando relacionar os seus

procedimentos técnico-administrativos à garantia de aplicação das conquistas

legitimadas na lei. Esta pesquisa foi desenvolvida a partir de visitas às Instituições aqui

citadas, e também na análise de material teórico relativo ao tema em questão,

destacando o papel esclarecedor de algumas entrevistas que foram realizadas junto a

profissionais que atuam nestas entidades em atividades diretamente ligadas à defesa do

segmento idoso.

O Ministério Público é o principal responsável pelo zelo e pelo

cumprimento das normas estabelecidas no Estatuto do Idoso, o que é detalhadamente

postulado no Capítulo II do Título V do documento. Tal responsabilidade está indicada

no artigo 74o do documento, que prevê a competência desta instituição em “instaurar o

inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos

ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso”.

Antes de mais nada, é importante lembrar que o idoso tem prioridade no que

diz respeito ao acesso à justiça, o que torna em tese mais rápida a solução de seus

problemas e conflitos judiciais, conforme previsto no Estatuto:

“É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou

superior a sessenta anos, em qualquer instância”.117

117 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, artigo 71o.149

Esta resolução tem obtido efeito junto ao poder judiciário, uma vez que os

processos instaurados por indivíduos idosos são submetidos aos órgãos responsáveis

com a indicação de prioridade na capa do processo, o que agiliza o encaminhamento dos

processos administrativos e burocráticos de praxe.

Assim sendo, infrações, denúncias ou transgressões ao Estatuto do Idoso

devem ser encaminhadas ao Ministério Público para a instauração do procedimento

legal correspondente, sendo aí principalmente responsáveis neste processo as

Defensorias e as Promotorias Públicas.

Tais Instituições são responsáveis pela averiguação das circunstâncias em

que ocorreu a possível penalidade, colher depoimentos e até mesmo solicitar reforço

policial em caso de necessidade. Percebe-se assim que a instituição tem

responsabilidade sobre todo o processo investigativo, sendo de importância fundamental

que tal instituição esteja preparada tecnicamente para uma atividade deste porte.

É importante lembrar que qualquer cidadão tem o direito de procurar o

Ministério Público para denunciar possíveis transgressões contra o Estatuto, existindo a

possibilidade, inclusive, da instauração de Ação Civil Pública, garantida pela

Constituição Federal em seu artigo129. É importante lembrar ainda que o Estatuto do

Idoso dedica todo um capítulo118 às punições previstas em caso de infrações a esta lei,

como forma de garantir o seu cumprimento por toda a sociedade.

A proteção aos idosos está vinculada às Promotorias de Tutela Coletiva,

denominadas de Promotorias de Justiça de Defesa da Cidadania. Tal instituição se

dedica a toda situação de conflito que atinja de alguma forma um grupo social como um

todo, estando assim ligada a problemáticas como as questões relativas à área de Saúde,

Patrimônio Público, Deficientes Físicos e é claro, Idosos. Os problemas relacionados ao

acesso aos transportes coletivos por parte dos idosos, por exemplo, deve ser tratado por

esta Promotoria, uma vez que se deve entender que não se trata neste caso de uma

situação isolada, mas sim em um problema que possivelmente deve atingir toda a

população idosa em geral.

É importante ressaltar que no caso de infrações envolvendo a figura do

Idoso que se configure como um caso individual, haveria assim o encaminhamento

desta situação à Defensoria Pública, que trataria da questão com base no Código Penal

em vigor, caracterizando tal ato como crime e enquadrando o transgressor dentro das

punições previstas. Destaca-se a existência do NEAPI – Núcleo Especializado no

118 Estatuto do Idoso, Congresso Nacional, 2003, Capítulo II, Título VI.150

Atendimento e na Proteção ao Idoso – como um serviço criado pela Defensoria Pública

do Estado do Rio de Janeiro para atender exclusivamente a casos envolvendo idosos.

Maus-tratos sofridos por um indivíduo idoso no âmbito familiar, por exemplo, poderiam

ser tratados nesta esfera, pois tal fato se caracterizaria como um caso individual onde o

familiar responsável pelas agressões seria responsabilizado criminalmente.

Em pesquisa realizada junto à 7a Promotoria da Capital destinada a estes

fins, tivemos a oportunidade de conhecer melhor o trabalho da Instituição, contando

com a honrosa colaboração do Doutor Rogério Pacheco, um dos promotores em

atividade neste órgão do Ministério Público.

Pudemos perceber que grande parte das denúncias que chega à Promotoria

está relacionada às transgressões cometidas por abrigos de idosos e pelas empresas de

transporte coletivo.

Em relação aos abrigos, além de más condições de tratamento dos idosos,

existe também o problema de relocação de indivíduos, que ocorre normalmente quando

determinada instituição encerra seus serviços por falta de verbas ou pelo fim de algum

convênio com o Estado, por exemplo, o que pode deixar parte dos idosos ali alocados

sem terem para onde ir. Cabe então ao Ministério Público intervir nesta situação e

garantir aos idosos a melhor solução possível para este problema.

No caso das empresas de transporte é comum a existência de um impasse

relativo à apresentação do documento necessário à aquisição da gratuidade, uma vez

que o Estatuto determina que qualquer documento de identidade serve para fazer jus ao

benefício, enquanto em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, por exemplo, as

empresas determinaram a utilização de um cartão eletrônico que permite o acesso à

gratuidade. Mais uma vez cabe à Promotoria resolver este impasse, tendo que levar em

consideração tanto os direitos individuais do idoso quanto os interesses das empresas

privadas de transporte, que afinal são entidades privadas com interesses comerciais.

Esta é uma das questões mais polêmicas envolvendo o Direito dos Idosos, uma vez que

se trata de um serviço essencial e muitas vezes indispensável que atinge praticamente

toda a população idosa, ao mesmo tempo em que conflita com os objetivos financeiros e

comerciais das megacorporações de transporte coletivo.

A atuação da Promotoria é baseada principalmente na averiguação de

denúncias que são levadas à Instituição, seja a partir de relatos individuais,

encaminhamentos de órgãos representativos ou até mesmo através de serviços do tipo

Disque-denúncia, que dão assim início ao trabalho da Promotoria. No caso de denúncias

individuais, o órgão oferece um plantão permanente de atendimento à população em

151

geral para o recebimento dos relatos, através do destacamento de um Promotor para

atuar exclusivamente nesta função, viabilizada por meio de rodízio entre os

profissionais da Instituição.

A partir da denúncia, a Promotoria entra em contato com outras instituições

visando à averiguação dos fatos relatados em denúncia. Em uma situação de más

condições de atendimento em um abrigo para idosos, por exemplo, a Promotoria

relatará o fato para a Vigilância Sanitária, que deverá realizar uma inspeção a fim de

constatar as irregularidades denunciadas, e encaminhar o seu parecer de volta à

Promotoria. Em caso de confirmação das irregularidades, o Ministério Público expedirá

um oficio ao abrigo em questão solicitando sua adequação às exigências previstas em lei

para o seu funcionamento, estabelecendo um prazo para que nova inspeção da

Vigilância Sanitária seja realizada a fim de constatar se houve ou não a correção das

infrações existentes. Caso seja constatado que nada se modificou, caberá então à

Promotoria a instauração de um processo judicial contra a instituição em questão.

Já em caso de algum tipo de denúncia relativa ao sistema de transportes, a

Promotoria entrará em contato com a Secretaria Municipal de Transportes para que

sejam tomadas as devidas providências contra a empresa em questão. O problema que

aqui se apresenta é que em muitos casos existe uma estreita ligação entre a Secretaria de

Transportes e as empresas de ônibus, o que indica uma relação mais de parceria do que

de que fiscalização.

Percebe-se assim que a Promotoria da Cidadania possui mais uma função de

prevenção e encaminhamento do que uma atitude punitiva propriamente dita, uma vez

que o caminho percorrido pela ação da Promotoria acarreta em processo judicial apenas

em último caso, quando todos os procedimentos de alerta e intimidação já foram

realizados e não surtiram efeito.

E mesmo nestes casos em que seja instaurado um processo judicial contra

um possível transgressor dos direitos dos idosos, cairíamos em um outro problema que é

a lentidão que afeta toda a esfera judicial de nosso país. O que nos leva à triste

conclusão de que um idoso possivelmente terá que passar por uma árdua e longa espera

para garantir os seus direitos caso dependa da atuação da Promotoria, tendo assim que

continuar convivendo com uma transgressão ou uma agressão enquanto não sai uma

solução para o seu problema.

A pergunta que deve ser feita é se um indivíduo idoso poderá suportar o

sofrimento que lhe é causado por uma violação de um direito seu ou por estar exposto a

maus-tratos, por exemplo, enquanto aguarda uma decisão judicial que pode levar anos.

152

Alguns problemas não podem esperar muito tempo por uma solução, principalmente

quando estamos falando de indivíduos naturalmente mais vulneráveis como os idosos, o

que levaria à necessidade de se repensar a atuação do Ministério Público no que diz

respeito à agilização de sua atuação e ao aumento de seu poder de coerção e punição.

Concluímos que a grande dificuldade existente para a consolidação das

garantias dos idosos é, antes de tudo, a conscientização do idoso em relação aos seus

direitos, o que o levaria a denunciar e buscar a efetividade do Estatuto que lhe ampara.

Como vimos anteriormente, a Promotoria da Cidadania, responsável pela tutela dos

direitos dos idosos, atua de forma estática, ou seja, age a partir das denúncias que lhe

são encaminhadas. E quando percebemos que a população idosa ainda carece

imensamente de conscientização, e muitas vezes básica, em relação aos seus direitos,

concluímos que as denúncias provavelmente serão mínimas e escassas, ou até mesmo

nem existirão. Como denunciar se não se sabe os direitos que se tem? Ou ainda, como

denunciar se não se sabe a quem procurar, ou ainda não se sabe sequer que existem

instituições representativas como os Conselhos Estaduais e Municipais do Idoso, por

exemplo?

Outro problema crucial no que diz respeito à atuação da Promotoria é a

ausência de uma comunicação eficiente com outras instituições, como os Conselhos do

Idoso, por exemplo. As exceções ficam por conta da Vigilância Sanitária e da Secretaria

Municipal de Transportes, que possuem uma relação de trabalho direta com a

Promotoria.

Constatamos também que pouquíssimas demandas foram encaminhadas à

sua Promotoria pelo Conselho Estadual do Idoso, o que representa uma grande

deficiência desta instituição em cumprir o seu papel de zelador e fiscalizador dos

direitos dos idosos. É necessária uma maior integração entre todas as instituições que

desempenham algum tipo de papel na proteção ao idoso, de modo que seja possível

resolver as transgressões contra este segmento de forma mais ágil e eficiente. Esta

situação ainda é mais grave quando se trata do Conselho Estadual, que seria por

natureza a instância de representatividade e participação da sociedade civil na defesa

das garantias da população idosa.

Um passo mais adiante na busca da efetividade dos direitos dos idosos

estaria em reestruturar o Ministério Público de forma que esta instituição fosse capaz de

atender à demanda de infrações existentes, e principalmente, passasse de uma posição

estática para uma posição dinâmica. O ideal seria que o Ministério atuasse de maneira

diligente, ou seja, que buscasse a infração, que fiscalizasse e estivesse em busca

153

constante contra transgressões ao Estatuto e crimes contra os idosos, o que dispensaria a

necessidade de denúncia, uma vez que o próprio Ministério Público estaria averiguando

e combatendo as práticas ilícitas existentes. Aí sim poderíamos falar em uma efetiva

proteção ao idoso. Isso demandaria, porém, um grande incremento no quadro técnico e

no aparato administrativo destas instituições, o que seria uma situação ainda utópica nos

dias atuais.

Cabe lembrar que recentemente foram criadas as Promotorias do Idoso, que

como o próprio nome já diz, estarão atuando especificamente na proteção e na defesa

deste segmento. Sem dúvida alguma é um grande passo para a consolidação das

legislações específicas para o idoso, uma vez que o grupo passa a ser tratado

isoladamente, o que possivelmente trará a tona com maior nitidez os problemas sociais

enfrentados por este segmento. A tendência é que os próprios Promotores responsáveis

por estas seções possam se dedicar com mais eficiência à defesa dos interesses dos

idosos, visto que estarão trabalhando unicamente sobre este segmento, o que não

acontecia anteriormente na Promotoria de tutela coletiva, que abrigava problemáticas e

segmentos diversos.

Estamos assim no caminho de uma atuação mais efetiva do Estado na

proteção ao idoso, e quem sabe muito perto da proposta de uma Promotoria diligente,

que funcione como uma constante ameaça à transgressão e à infração. Não se tem que

levar o crime ao Ministério Público, mas sim levar o Ministério Público ao crime, o que

sem dúvida alguma contribuiria de forma substancial para a plena efetividade do

Estatuto do Idoso.

Além da esfera judiciária, o Idoso pode contar também com a Delegacia do

Idoso, criada especialmente para prestar atendimento ao idoso que se encontre em

situação de risco ou perigo. Infelizmente constatamos que tal serviço é o maior exemplo

de inoperância institucional no que diz respeito à proteção dos idosos, o que pode ser

percebido com as observações que fizemos em nossa visita119.

Existe apenas uma Delegacia do Idoso na Cidade do Rio de Janeiro, mal

localizada geograficamente em uma rua comercial no centro da cidade, caracterizada

por um grande movimento de pedestres que torna difícil a locomoção e onde também

não existe especo apropriado para estacionamento. Estas observações são importantes,

pois estamos falando de uma Delegacia voltada para atender idosos, que naturalmente

podem ter dificuldades de locomoção e deslocamento em grandes distâncias.

119 A visita foi recebida pelo Inspetor-Delegado Paulo Batista, responsável naquele momento pelo atendimento na Instituição, e com o qual pudemos conversar sobre os procedimentos da Delegacia.

154

A atuação da Delegacia se dá sob o crime consumado, ou seja, desenvolve

o seu trabalho a partir de uma agressão ou uma violação já cometida, não exercendo

função de prevenção ou fiscalização contra possíveis crimes contra o idoso. Atua, desta

forma, através da instauração de inquérito policial a partir de queixa ou denúncia de um

idoso contra o seu agressor. Inicia-se, então, o procedimento de averiguação, baseado na

tomada dos depoimentos de todos aqueles envolvidos na questão, encaminhando-se

posteriormente o processo ao Juizado Especial Criminal, responsável pela avaliação e

pelo julgamento de tal conflito.

Percebemos que não existe sequer uma estrutura mínima de atendimento ao

idoso nesta Instituição, uma vez que sequer existiam viaturas ou profissionais

disponíveis para o amparo a algum idoso que surgisse em uma situação de risco, com

exceção da pessoa que nos atendeu. A Delegacia também não possui intercâmbio com

nenhuma outra instituição de proteção ao idoso, com exceção do Disque-denúncia, que

funciona em um andar acima.

E finalmente chamamos a atenção mais uma vez para a falta de

conscientização da população idosa sobre os seus direitos e sobre a existência de

Instituições para a sua proteção, pois ali obtivemos a informação de que a Delegacia

recebe, em média, 10 queixas por dia, o que é um número irrisório em se tratando de

uma cidade com um imenso contingente populacional como o Rio de Janeiro, onde se

observam facilmente problemas cotidianos na vida dos idosos e transgressões ocorrendo

a todo o momento contra seus direitos. É uma cena no mínimo curiosa encontrar uma

Delegacia completamente vazia na Cidade do Rio de Janeiro.

A Delegacia do Idoso é, desta forma, mais um instrumento de marketing

político, onde foi idealizada e criada com o objetivo de promover o seu criador, e não de

atender à população. A Instituição já existe a cerca de 6 anos, e até hoje encontra-se

abandonada e desprovida de qualquer estrutura que viabilize um funcionamento

adequado. Ma ela está lá, e é um ótimo cartão postal em período de processo eleitoral.

Investigamos também as possibilidades de atuação dos representantes

políticos do Estado na defesa dos direitos do idoso, principalmente no que diz respeito à

utilização do aparato administrativo estatal no combate às infrações cometidas contra

este segmento populacional.

Tivemos a oportunidade de colher algumas informações junto à atual

Vereadora do Rio de Janeiro Cristiane Brasil, ex-secretária municipal da terceira idade

que fez da defesa do segmento idoso a sua plataforma política, e assim foi eleita apara o

mandato atual.

155

A Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro criou há alguns anos a Secretaria

Municipal da Terceira Idade, que se caracteriza por ser uma Secretaria especial, ou seja,

não possui ainda o status de uma Secretaria institucionalizada em caráter definitivo,

funcionando assim de forma instável e desestruturada.

A Secretaria possui um orçamento reduzido e indeterminado, podendo estar

a disposição em alguns momentos e escasso em outras ocasiões. Também não possui

condições objetivas adequadas para a realização de um trabalho eficiente, como um

quadro de funcionários reduzido e a ausência de uma estrutura material adequada, por

exemplo.

Desta forma, a atuação da instituição se limita a serviços de

encaminhamento de denúncias a outras instituições, como o Ministério Público, por

exemplo, e na tentativa de apurar possíveis transgressões contra os idosos que estejam

ao seu alcance. Porém, a falta de infra-estrutura impossibilita uma atuação mais

eficiente da Secretaria, que se torna assim um órgão do governo por onde simplesmente

passam algumas denúncias, não havendo maiores possibilidades de atuação.

Lembramos que esta Secretaria tem um caráter político, ou seja, depende da

boa vontade e da competência do administrador em exercício em tentar efetivamente

resolver os problemas da população idosa, onde em muitos casos este tipo de Secretaria

funciona como um importante artefato político do governo, que faz sua propaganda

como defensor da cidadania e da terceira idade, mas que na prática delega à Secretaria

uma função praticamente burocrática, não dando realmente a devida proteção social a

este segmento da população.

É importante lembrar que a Vereadora Cristiane Brasil defende junto à

Câmara Municipal a consolidação da Secretaria da Terceira Idade como uma Secretaria

definitiva, o que lhe traria um incremento em sua estrutura funcional e possibilitaria

uma atuação mais eficaz na defesa ao idoso.

O Poder Legislativo também possui outras possibilidades de atuação na

defesa e na proteção aos direitos dos idosos, como a criação da Comissão Permanente

da Terceira Idade junto à Câmara Municipal da Cidade do Rio de Janeiro. Tal comissão

terá a missão de fiscalizar e apurar possíveis infrações e situações de maus-tratos que

envolvam idosos, e a partir daí encaminhar os fatos constatados aos órgãos competentes

para sua averiguação, como o Ministério Público, por exemplo.

Porém, a Comissão não possui poder de punição, uma vez que é constituída

por Vereadores que integram o corpo legislativo do Município, não possuindo assim a

atribuição de força executiva para demandar ações mais diretas no combate às infrações,

156

o que não tira o mérito de sua existência, uma vez que são iniciativas como esta que

podem levar à efetiva proteção dos direitos dos idosos, ainda mais quando se trata de

uma instituição oficial do Estado.

Apesar das limitações existentes no âmbito de atuação tanto da Secretaria

Municipal da Terceira Idade quanto da Comissão instaurada na Câmara Municipal,

devemos lembrar que estas instituições possuem um forte poder de influência na mídia,

fato que pode levar à intimidação contra possíveis infrações contra os idosos. Desta

forma, uma inspeção em um determinado abrigo de idosos, por exemplo, ou até mesmo

uma simples solicitação proveniente destas instituições, pode levar à solução de um

problema devido à capacidade de coerção que possuem. Independentemente de não

possuírem efetivos meios de punição por sua própria conta ou ainda de não possuírem

uma estrutura adequada por estarem em fase de implementação, uma iniciativa de uma

instituição governamental sempre terá um grande potencial em si.

Ainda em relação à atuação do órgão legislativo, cabe destacar também

iniciativas isoladas, como o trabalho desenvolvido pela Vereadora Cristiane Brasil

visando à conscientização da população idosa a respeito do Estatuto do Idoso, onde

foram realizadas até mesmo campanhas itinerantes em locais públicos para a divulgação

deste material. Este é um trabalho de imenso valor, uma vez que já o mencionamos o

problema da falta de conscientização em relação aos seus próprios direitos por parte dos

idosos, o que leva à dificuldade de atuação das instituições competentes para a solução

de possíveis infrações.

Percebemos assim que estamos ainda na fase de criação e de

desenvolvimento das ações voltadas para a proteção do idoso no âmbito do Estado, que

parece ainda tentar se adaptar às novas exigências e demandas impostas pelo segmento

idoso. As iniciativas aqui descritas devem ser analisadas neste momento como um ponto

de partida para uma atuação séria do Estado em relação à defesa dos Direitos dos

Idosos, uma vez que o aperfeiçoamento das instituições já existentes, assim como a

criação de outras mais, pode levar efetivamente ao cumprimento do Estatuto do Idoso.

Isto depende, é claro, de um trabalho político sério e comprometido de nossos

representantes em defesa da população idosa, o que dependeria da consolidação de

novos juízos e valores no seio da sociedade que passassem a conceber o idoso como um

dos alvos prioritários para o desenvolvimento de políticas públicas e de ações sociais.

157

7. A Sociedade Civil na Defesa do Idoso: Participação, Mobilização e Atuação dos Conselhos e Fóruns do Idoso

Os Conselhos e os Fóruns do Idoso possuem funções institucionais

determinantes para a efetiva consolidação dos direitos do idoso. Recém-criados pela

Política Nacional do Idoso em 1994, teriam a missão de formular, coordenar e fiscalizar

a aplicação das leis do idoso, conforme prescrito neste próprio documento.

Em fase de implementação, alguns Estados e Municípios ainda não criaram

os seus Conselhos, sendo que em alguns casos estas instituições foram criadas em lei,

mas não estão em funcionamento. Todos os Estados das regiões mais desenvolvidas do

país, no caso Sul e Sudeste, já criaram seus Conselhos, enquanto apenas o Estado do

Amazonas o instituiu na Região Norte, por exemplo. Cabe lembrar também que a

cidade do Rio de Janeiro, um dos mais populosos e expressivos municípios do país,

ainda não criou o seu Conselho Municipal do Idoso. É importante lembrar também que

o Conselho Nacional do Idoso foi um dispositivo criado pela lei de 1994, mas ainda não

foi efetivado instalado e ativado devido ao veto do capítulo V do documento,

exatamente aquele que estabelecia a composição e as funções do Conselho Nacional.

A lentidão neste processo de instalação dos Conselhos dificulta

imensamente a consolidação dos direitos do idoso no país, uma vez que a fiscalização e

a cobrança sobre a sua aplicação ficam comprometidas diante da falta de mobilização

social que deveria estar institucionalizada e organizada no âmbito dos Conselhos. A

participação e a atuação da sociedade civil se torna fluida e dispersa, diante da

inoperância dos Conselhos, que deveriam centralizar e fortalecer o processo de

avaliação das políticas voltadas para o Idoso.

Podemos remontar a origem dos Conselhos à Constituição Nacional, que

defende como princípios básicos para a organização do Estado brasileiro a participação

e discussão popular nos processos decisórios da vida pública, indicando assim a

158

necessidade de criação de mecanismos institucionais de mobilização social, como os

Conselhos, por exemplo.

Desta forma, a participação é a base para a integração social e para a

formulação de políticas públicas que perpassem aos interesses individuais, e que

vislumbrem as demandas coletivas através de objetivos e necessidades comuns,

caracterizando-se assim os Conselhos como uma esfera de associação voltada para a

articulação de um determinado grupo social:

“Participação é a força social organizada segundo os interesses e uma base social determinada...passa a ser vista não como uma questão individual, mas como questão de classe, onde a convivência democrática em grupo se torna assim como o lugar privilegiador da sugestão, discussão,

decisão e ação”.(Faleiros, 1985:36)

Os Conselhos têm assim a função primordial de zelar pela democracia, na

medida em que garantem o poder de participação e discussão a todos os indivíduos na

esfera coletiva, realçando também a responsabilidade de cada sujeito na construção de

uma ordem social mais justa e igualitária:

“Aprimoram os Conselhos de defesa de direitos a democracia, constituindo a organização de um Estado de direito através da maior e mais próxima participação da sociedade na condução da

vida pública, difundindo os direitos fundamentais do homem e garantindo o respeito a tais direitos, como também, de forma habitual e objetiva, alertando governantes e governados para a responsabilidade na

condução da ação política”.(Deleuze, 1999:10)

Desta forma, é extremamente necessária a mobilização em prol da criação e

da instalação dos Conselhos, assim como também é necessário o incentivo à

participação dos idosos nos debates realizados nestas instituições, através da

conscientização acerca de seus direitos e dos canais de representatividade existentes

para o controle destes direitos.

O problema, porém, é que os Conselhos possuem uma estrutura

organizacional que burocratiza demais o seu funcionamento, fazendo com que possa

ocorrer um distanciamento e um desinteresse do idoso em relação à instituição que

deveria lhe representar.

A formação do Conselho se dá de forma institucional e paritária, ou seja, é

constituída por representantes de instituições que desenvolvam atividades com idosos e

por representantes do Estado, geralmente membros das Secretarias de Governo ligadas à

área de desenvolvimento social. A escolha das instituições representativas da sociedade

159

civil ocorre através dos Fóruns, esferas de debate que se caracterizam por serem mais

abertas e acessíveis à população em geral, e que estabelecem os critérios para a

candidatura de determinada instituição à ocupação de uma das cadeiras do Conselho.

Os Fóruns seriam os instituintes dos Conselhos, e geralmente não possuem

personalidade jurídica e nem estão sob controle do Estado, se caracterizando assim

como típicas arenas de debate e discussão acerca das questões relativas ao

envelhecimento. Uma maior participação popular nos Fóruns, em especial do próprio

segmento idoso, seria de extrema relevância para o enriquecimento da mobilização

social em torno desta causa, sendo igualmente necessário uma melhor articulação entre

os Fóruns e os Conselhos de modo que estes se tornem efetivos receptores das

demandas oriundas dos primeiros.

Desta forma, os Conselhos teriam como base a integração entre a sociedade

civil e o Estado no que diz respeito à defesa dos direitos do idoso. A instituição possui

ainda o FUNDEPI (Fundo para a Defesa da Pessoa Idosa), verba destinada ao

funcionamento e manutenção do Conselho. O problema é que a finalidade deste fundo

nunca esteve bem definida, onde se questiona se deveria ser utilizado na infra-estrutura

do Conselho ou no apoio a projetos e ações sociais voltadas ao idoso, já que iniciativas

deste tipo deveriam ser financiadas com as verbas das respectivas Secretarias de

Governo. E pior ainda, o FUNDEPI não pode ser utilizado pelas entidades

representativas da sociedade civil, somente pelas do Estado.

Esta situação leva à falta de condições objetivas de atuação da entidade, que

além de não possuir cargos remunerados especificamente voltados para a fiscalização de

possíveis denúncias, também não possui poder de punição, se limitando assim ao

encaminhamento das denúncias que ali chegam aos órgãos competentes, como o

Ministério Público, por exemplo.

O Conselho passa, desta forma, a atuar de forma burocrática, e não cumpre

suas funções de fiscalização e avaliação das ações sociais voltadas para o idoso, e

menos ainda participa da formulação destas políticas, como estava previsto em lei.

Exemplo disto é o fato de que todas as iniciativas do Estado voltadas para o segmento

idoso deveriam passar pela supervisão dos Conselhos, mas apesar disso são

desenvolvidas sem qualquer consulta à entidade, que na realidade é apenas comunicada

sobre as atividades do Governo voltadas para este segmento.

Segundo a Professora Sara Nigri, ex-suplente do Conselho Estadual do Rio

de Janeiro através da Associação Nacional de Gerontologia, esta articulação entre

Estado e sociedade civil é prejudicada pelo desinteresse das entidades representativas do

160

Estado, onde muitas vezes seus representantes sequer estavam presentes às reuniões,

enquanto as entidades da sociedade civil se faziam muito mais atuantes e participativas.

Isto não significa necessariamente avanços em termos de resultados, uma

vez que as entidades representativas da sociedade civil poderiam estar ali buscando

benefícios particulares para suas próprias instituições, ao invés de estarem ali a serviço

do segmento idoso em geral, tornando obsoleta a atuação do Conselho:

“Conselhos e Fóruns, quando precariamente constituídos ou inadequadamente representados, também podem ser meros cenários na teatralização do idoso indefeso, quando não se

revelam em espaços legítimos e de canais de expressão do idoso”.(Paz, 2001:240)

A Professora alerta ainda para o fato de que o Conselheiro não tem um papel

bem definido em relação à sua atuação, o que pode ser conseqüência da imprecisão das

atribuições do próprio Conselho nesta fase inicial de criação e implementação. Os

Conselheiros teriam uma função de defesa dos direitos dos idosos, sendo geralmente

profissionais ou representantes de instituições que trabalhem com as questões relativas

ao envelhecimento. Esta categoria de profissionais dedicados à proteção dos idosos vem

se aprimorando cada vez mais, formando um corpo técnico que parece substituir o

próprio idoso nas suas reivindicações e causas sociais.

Este panorama nos leva a questionar a composição dos Conselhos no que

diz respeito à participação do próprio idoso nesta entidade, que aparece extremamente

tímida em um cenário dominado por instituições públicas e privadas, fazendo com que a

formulação e avaliação das políticas públicas voltadas para o idoso não contem com a

reflexão e com a mobilização daqueles a quem estas políticas mais interessariam, no

caso o próprio idoso, como questiona mais uma vez o Professor Serafim Paz:

“Quando os Conselhos ou Fóruns não potencializam uma maior organização social do idoso e sua participação, de modo que cada vez mais o idoso se torne o seu próprio porta-voz, acabarão se perpetuando apenas como lugares para que outros decidam ou se expressem por ele, roubando-lhes

então seu próprio espaço e sua história”.(Paz, 2001:240)

A atuação efetiva dos Conselhos pode ficar assim comprometida por este

formato de representação institucional talvez levar em consideração apenas questões

que envolvam determinados idosos de segmentos sociais específicos, não tratando,

desta forma, das problemáticas da velhice em geral, uma vez que, ao mesmo tempo em

que os idosos compartilham algumas características comuns, possuem também

161

diferenças entre si inerentes à composição de uma sociedade altamente estratificada. Os

Conselhos devem, então, ter a preocupação de englobar em suas discussões e na sua

atuação, as variadas condições de vida na velhice, que podem facilmente ser observadas

em um país com extremas desigualdades sociais como o Brasil:

“Fóruns e Conselhos devem atuar com as diferentes velhices e impedir que se difunda apenas uma única imagem da velhice, geralmente associada a velhos de segmentos de média ou alta

renda, que são estimulados pela maioria dos programas e ações e/ou pela mídia, a ideais de vida ativa e saudável distanciados da maioria dos idosos, e que tornam visível um padrão de velhice que não

contempla a todas as velhices”.(Paz, 2001:85)

Seria necessário, então, que se pensasse uma melhor composição técnica e

organizacional dos Conselhos que refletisse efetivamente as características de toda a

população idosa de nosso país, e não somente algumas partes dela. A maior inserção e

conscientização dos idosos nos processos de discussão, a diminuição da burocratização

das atividades do Conselho, e uma maior interação entre esta entidade e as demais

instituições voltadas para a proteção ao idoso, principalmente com os Fóruns e com o

Ministério Público, seriam os indicativos fundamentais para levar os Conselhos do

idoso a efetivamente cumprirem as funções que lhe foram determinadas, e se tornarem

assim uma legítima esfera representativa da população idosa e, principalmente, de todos

os idosos.

162

8. Conclusão

O objetivo deste trabalho foi apresentar e analisar criticamente a proteção

social existente para a população idosa em geral, procurando-se a partir daí estabelecer a

relação entre a teoria e a prática no que diz respeito à efetiva aplicação das leis voltadas

para este segmento.

Observamos aqui que o crescimento da população idosa é um fenômeno

mundial, o que demanda uma reorientação das políticas públicas de modo a absorver

este segmento populacional e inseri-lo nas dinâmicas sociais. Isto se torna ainda mais

importante no caso do Brasil, caracterizado pela forte desigualdade e pela inoperância

de grande parte de suas instituições, o que pode tornar a inserção social do idoso um

processo lento e deficiente.

Vimos aqui que o idoso brasileiro em geral é pobre, dependente e possui um

baixíssimo nível de escolaridade, o que contraria todos os postulados mundialmente

concebidos para estes indivíduos como a autonomia e a participação social. Impossível

consolidar estes ideais na realidade brasileira que nos mostra um idoso abandonado e

excluído, tanto em termos de valorização moral quanto em termos de oportunidades

reais de inserção social.

Encontramos aqui o grande paradoxo da situação do idoso no Brasil, onde

observamos péssimas condições de vida para a grande maioria deste segmento, ao

mesmo tempo em que o país possui uma das legislações mais completas e abrangentes

do mundo, no caso o Estatuto do Idoso.

Assim sendo, ficam aqui algumas observações que podem acrescentar ao

debate visando à real inserção do idoso na sociedade e à concretização dos direitos que

este segmento conquistou, mas que não foram ainda efetivamente consolidados.

Antes de mais nada, é primordial a conscientização da população idosa

sobre os seus direitos, o que levaria a um maior volume de denúncias que chegariam às

entidades competentes, e também desencadearia um processo de aprimoramento das

instituições responsáveis na solução dos problemas deste segmento, na medida em que 163

possivelmente haveria uma maior cobrança da sociedade perante a atuação e a

responsabilidade destas instituições.

Maior exemplo da falta de conscientização deste segmento é o mau

aproveitamento da Delegacia do Idoso, que se encontra habitualmente vazia e

inoperante. Em relação a esta Instituição, poderíamos sugerir uma atividade itinerante,

onde periodicamente poderiam ser montados postos de atendimento à população idosa

em locais públicos, como praças, por exemplo, que tornassem visível o funcionamento

do serviço. Mas isto depende, é claro, da vontade de nossos grupos políticos em fazer da

Delegacia um serviço de proteção ao idoso, e não um instrumento de propaganda

política.

Alertamos, desta forma, que é essencial a participação do próprio idoso na

discussão e na reivindicação acerca de suas questões sociais, de forma a alinharem-se

com os profissionais atuantes na área da Gerontologia em busca de um objetivo comum,

no caso a dignidade e a cidadania da população idosa.

Várias Instituições podem contribuir para a conscientização da população

idosa em relação aos seus direitos, dentre elas as Universidades Abertas da Terceira

Idade e ONG´s em geral, que poderiam incrementar suas atividades direcionadas à

atuação política e à defesa da cidadania, e não se dedicarem unicamente a projetos

voltados para a área do entretenimento e da saúde. É preciso desmistificar a idéia criada

no imaginário social que generaliza uma condição de debilidade física e mental do

idoso, que estaria desta forma, incapacitado para uma participação política ativa na

sociedade, devendo assim se dedicar exclusivamente à ocupação do seu tempo ocioso

com lazer e cuidados com a preservação da saúde.

Em termos de políticas públicas, é necessária uma atuação mais eficiente do

Estado principalmente na área da Saúde, uma vez que é justamente neste setor que o

idoso mais precisa de um atendimento de qualidade, e encontra, inversamente, uma rede

pública completamente deficiente e estagnada. Quando se fala dos problemas do sistema

de saúde pública, muitos se esquecem de que são exatamente os idosos aqueles que

mais sofrem com a precariedade deste serviço, já que precisam muito mais de um

acompanhamento constante de sua condição física do que qualquer outro grupo social.

Sem esquecer, é claro, que são também os idosos que pagam os valores mais altos em

Planos Privados de Saúde, tornando-os grandes reféns do sistema de Saúde. Precisam

muito, o Estado não é competente e os Planos de Saúde se aproveitam disso tudo. Esta é

a lógica perversa do sistema.

164

É necessário um trabalho a longo prazo, onde o desenvolvimento de

programas de saúde preventiva desde a infância, passando pela fase adulta, e finalmente

alcançando a velhice, poderiam modificar completamente o cenário sombrio da saúde

em nosso país. É uma questão muito simples perceber que uma criança saudável

provavelmente se tornará um adulto saudável, e conseqüentemente um idoso saudável, o

que levaria os cofres públicos a economizarem grandes fortunas em investimentos em

hospitais e postos de saúde públicos voltados para atender uma população debilitada

fisicamente.

Além disso, frisamos neste trabalho a importância de uma análise

institucional, já que acreditamos que a principal dificuldade encontrada neste momento

para a consolidação dos direitos dos idosos no Brasil é o despreparo das Instituições

responsáveis pela sua fiscalização e pelo seu cumprimento, já que ainda estamos na fase

de adaptação, e até mesmo na fase de criação de algumas destas Instituições, o que

demanda tempo para a obtenção de resultados concretos em suas atividades.

Acreditamos também que não caberiam, neste momento, críticas em relação

às Instituições que estão iniciando suas atividades, ou que ainda estão em uma fase de

reorientação estrutural que viabilize a proteção aos idosos, fazendo com que a nossa

análise esteja mais voltada para a concepção de encaminhamentos institucionais no

sentido de vislumbrar possíveis estratégias administrativas e também ideológicas que

venham a aprimorar o atendimento ao idoso e consolidar efetivamente os direitos já

conquistados por este segmento.

O Estado está cumprindo seu papel, através da criação de Promotorias do

Idoso e da implementação de serviços como o Disque-Idoso, já existentes em algumas

cidades para a apuração de denúncias. Esperamos que sejam criadas condições objetivas

nestas Instituições que permitam o desenvolvimento de um trabalho sério e competente

voltado para os idosos, e principalmente, que estes conheçam estas entidades, e as

enxerguem como um efetivo canal de defesa de seus direitos.

Esperamos também que os quadros legislativos de nosso país também se

mobilizem em torno do ideal de um envelhecimento com dignidade, e que Comissões

como a da Câmara Municipal do Rio de Janeiro se multipliquem e atuem de forma

vigorosa na coerção contra possíveis agressões e transgressões contra os idosos. Afinal,

os representantes legítimos da sociedade têm a obrigação de zelar pelo segmento idoso,

podendo utilizar seu status e seu poder de coerção para consolidar as garantias sociais

deste grupo.

165

Em relação à sociedade civil, é fundamental o aprimoramento das atividades

dos Conselhos, sendo necessária antes de tudo à criação dos Conselhos Municipais e

Estaduais naquelas localidades aonde não tenham sido ainda implantados. E mesmo

naquelas onde já existe, vimos aqui desenvolvem atividades meramente formais e

burocráticas, e mais do que isso, não absorvem devidamente a participação dos idosos

em sua estrutura, onde estes em sua maioria sequer sabem da existência de tal

Instituição. Os Conselhos deveriam ser o canal de interação entre Estado e Sociedade

Civil, funcionando como o instrumento de participação política do idoso, e ainda está

muito longe de cumprir este papel.

Seria necessário, então, uma maior divulgação das atividades dos Fóruns e

dos Conselhos, de modo a aproximar a população e estas entidades, que poderiam se

tornar assim efetivos canais de expressão popular e porta-voz junto ao Estado. Além

disso, seria também fundamental um aprimoramento no intercâmbio entre as

Instituições de defesa e representação do idoso, onde o Ministério Público, os

Conselhos, as Secretarias de Ações Sociais e até mesmo as Universidades, por que não,

deveriam manter uma relação de permanente troca de informações e atividades

conjuntas.

De nada adianta a existência de varias instituições se estas permanecem

isoladas em seu próprio meio, o que retarda e muitas vezes impede a solução de

determinado problema relacionado à população idosa. Uma maior aproximação entre os

canais de informação, representatividade, denúncias e apuração pode ser o caminho para

a passagem da teoria a pratica, onde a lei estaria assim cada mais vez próxima da sua

efetiva aplicação.

O que percebemos nesta fase de implementação dos direitos dos idosos é um

grande jogo de encaminhamentos entre várias Instituições, onde uma denúncia é

transmitida a um determinado órgão, que por sua vez o transmite a outro, que talvez

exerça algum tipo de intimidação e aguarde o retorno desta atitude. A Instituição retorna

posteriormente para uma averiguação, confirma se houve ou não solução para o

problema, e a partir daí recomeça o vai-e-vem de encaminhamentos. Percebemos que a

instauração de processo judicial só ocorre em ultimo caso, e ainda assim demora muito

para ser desencadeado, podendo prejudicar seriamente o idoso ou os idosos em questão

por se tratar talvez de problemas que não necessitem de uma resolução imediata.

Punição, então, ainda é algo utópico quando se trata de transgressões contra idosos.

Sabemos que a ideologia vigente dificilmente mudará, e o reino do capital

ainda persistirá por muito tempo, excluindo impiedosamente aqueles que não mais

166

possuem vigor físico e capacidade produtiva. Também é igualmente difícil vislumbrar

uma maior valorização moral para os idosos em uma sociedade egocêntrica e

materialista como a de nossos dias, onde valores morais e solidariedade parecem ser

esmagados pela violenta competição que marca as nossas vidas, onde desde a nossa

infância já somos preparados para estudar, se especializar, lutar pelo seu lugar ao sol,

estudar mais ainda, trabalhar mais ainda e tentar estar sempre em um lugar mais alto

daqueles que estamos no momento. E nesta guerra não importa aqueles que ficaram

para trás, faz parte da lógica capitalista que uns aproveitem as oportunidades e outros

fracassem, tornando a pobreza e a desigualdade social extrema elementos inerentes ao

sistema.

Diante disso, só nos resta cobrar permanentemente do Estado que sejam

cumpridas todas as garantias conquistadas pela população idosa, de forma que sua

condição de exclusão e desvalorização seja minimizada por um tratamento de dignidade

que deve ser entendido, pelo menos, como uma recompensa por uma história de vida

que tenham traçado ao longo de sua existência, e que neste momento tenham a

oportunidade de desfrutar de uma velhice saudável.

Devemos vislumbrar o sonho de uma sociedade para todas as idades como

um ideal ainda longe de ser atingido, como uma meta a ser alcançada em um futuro

indeterminado, onde os idosos não seriam incluídos na lógica do sistema, o que seria

uma grande utopia, mas poderiam ter seus direitos respeitados e garantidos como outras

gerações os têm. Acreditamos ser possível uma sociedade para todas as idades no

sentido de que todos tenham uma vida digna e exerçam plenamente os seus direitos de

cidadania.

Imaginamos também que o futuro nos indica grandes possibilidades de

avanço na qualidade de vida da população idosa, uma vez que atualmente percebemos

gradativas melhoras no acesso à educação, no funcionamento de algumas Instituições, e

também em um maior desenvolvimento de políticas públicas voltadas para grupos

sociais mais vulneráveis, o que pode fazer do idoso de amanhã um indivíduo muito

melhor preparado para enfrentar os obstáculos da vida do que os idosos de hoje, que

sofrem com a herança do passado e com o descaso do presente. Por outro lado,

observamos o desmonte da Previdência Pública e a crise do trabalho formal, nos

levando a pensar que o idoso de amanhã talvez se encontre em uma posição ainda mais

desamparada em termos de benefícios e garantias sociais.

A luta pelos idosos é assim uma batalha constante, uma vez que a sua

situação de exclusão provavelmente ainda perdurará por muito tempo, o que coloca

167

todos aqueles comprometidos com a defesa dos idosos em uma árdua missão, que

consiste em lutar contra o sistema e contra a lógica vigente. Isto exige de nós uma

perseverança ainda maior, onde cada conquista deve ser vista como apenas um passo em

uma luta que ainda está longe de ser finalizada, que é aquela luta por transformações

que modifiquem a estrutura social e a mentalidade dos indivíduos, onde os idosos

passem a ser vistos com dignidade e respeito. Os idosos não devem lutar sozinhos, e

nem devemos lutar por eles, mas devemos sim, lutar com eles.

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