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psique ciência&vida 9 www.portalespacodosaber.com.br P rincipalmente por falta de infor- mação adequada há, cada vez mais presente no mundo moderno, a tendência de se buscar um medi- CAMENTO ESPECÓlCO PARA RESOLVER PROBLEMAS de saúde. No entanto, mesmo compreen- dendo a importância dos fármacos disponí- veis, nem sempre sua utilização é necessária e, mais ainda, pode melhorar o quadro clíni- co do paciente. Com mais de 25 anos de experiência na prática clínica, o psicólogo Leonardo Mascaro é um ferrenho crítico do excesso de medicali- zação. “Há quadros – como de transtorno bi- polar e das psicoses – em que a medicação não só é recomendada, mas é, indiscutivelmente, a única via a ser seguida. Mas também há casos em que a medicação, de fato, pode agravar o quadro, ao invés de atenuá-lo”, revela. O psicólogo faz um alerta: “Hoje em dia, antidepressivos, ansiolíticos e estimulantes fazem parte da farmacopeia infantil, seja por questões comportamentais, seja por aquelas LIGADAS A EFETIVAS DIlCULDADES ESCOLARES E mesmo, por questões equivocadamente en- tendidas como de fundo emocional”, destaca. Mascaro é mestre em Neurociências e fundador da Brain Tech (www.braintech. com.br), primeiro Centro Avançado de Aná- LISE $IAGNØSTICA %LETROENCEFALOGRÉlCA %%' e Tratamento Não Invasivo e Não Medica- mentoso por Neurofeedback por Z-scores do Brasil. É autor dos livros A Arquitetura do Eu (2008), Para que Medicação? (2011) e Saúde Mental sem Medicamentos para Leigos (2018). E N T R E V I S T A Lucas Vasques é jornalista e colabora nesta publicação. de medicalização Por Lucas Vasques FOTO DO ENTREVISTADO: DIVULGAÇÃO/ DEMAIS: SHUTTERSTOCK O psicólogo Leonardo Mascaro defende a busca por outras formas de tratamento que não as medicamentosas, inclusive porque nenhuma das chamadas “drogas psicotrópicas” corrige, de fato, a atividade neurológica 8 psique ciência&vida www.portalespacodosaber.com.br LEONARDO MASCARO A EPIDEMIA Mascaro: “O problema é o fato de que se acaba adentrando na trilha das medicações sem que se tenha sido informado sobre outras possibilidades terapêuticas”

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Principalmente por falta de infor-mação adequada há, cada vez mais presente no mundo moderno, a tendência de se buscar um medi-

de saúde. No entanto, mesmo compreen-dendo a importância dos fármacos disponí-veis, nem sempre sua utilização é necessária e, mais ainda, pode melhorar o quadro clíni-co do paciente.

Com mais de 25 anos de experiência na prática clínica, o psicólogo Leonardo Mascaro é um ferrenho crítico do excesso de medicali-zação. “Há quadros – como de transtorno bi-polar e das psicoses – em que a medicação não só é recomendada, mas é, indiscutivelmente, a única via a ser seguida. Mas também há casos em que a medicação, de fato, pode agravar o quadro, ao invés de atenuá-lo”, revela.

O psicólogo faz um alerta: “Hoje em dia, antidepressivos, ansiolíticos e estimulantes fazem parte da farmacopeia infantil, seja por questões comportamentais, seja por aquelas

mesmo, por questões equivocadamente en-tendidas como de fundo emocional”, destaca.

Mascaro é mestre em Neurociências e fundador da Brain Tech (www.braintech.com.br), primeiro Centro Avançado de Aná-

e Tratamento Não Invasivo e Não Medica-mentoso por Neurofeedback por Z-scores do Brasil. É autor dos livros A Arquitetura do Eu (2008), Para que Medicação? (2011) e Saúde Mental sem Medicamentos para Leigos (2018).

E N T R E V I S T A

Lucas Vasques é jornalista e colabora nesta publicação.

A EPIDEMIA de medicalização

Por Lucas Vasques

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O psicólogo Leonardo Mascaro defende a busca por outras formas de tratamento que não as medicamentosas, inclusive porque nenhuma das chamadas “drogas psicotrópicas” corrige, de fato, a atividade neurológica

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LEONARDO MASCARO

A EPIDEMIA de medicalização

Mascaro: “O problema é o fato de que se acaba adentrando na trilha das medicações sem que se tenha sido informado sobre outras possibilidades terapêuticas”

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TDAH – levou ao ressurgimento explosivo das prescrições de estimulantes ao longo dos anos. Já no caso da depressão, apenas para registro, o mesmo fenômeno se dá: o DSM-IV-TR, por exemplo, estabelece que, dos nove sintomas clínicos para depressão, há mais de 70 possibilidades combinatórias que podem resultar nesse diagnóstico, sen-do que um paciente precisa se encaixar em apenas cinco dessas possibilidades para ser diagnosticado como deprimido.

ISSO SE DEVE A CERTA PREGUIÇA OU FALTA DE UMA FORMAÇÃO ADEQUADA DOS PROFIS-SIONAIS? OU SEJA, É MAIS FÁCIL RECEITAR RITALINA PARA UMA CRIANÇA COM TDAH, OU RIVOTRIL, EM CASOS DE DEPRESSÃO E ANSIEDADE, DO QUE OUVIR O QUE O PA-CIENTE TEM A DIZER E CONHECER, DE FATO, SEUS PROBLEMAS?MASCARO: Essa pergunta toca em um dos pontos mais importantes de meu livro: a questão diagnóstica. Veja, quando se pensa em tratamento em saúde mental, o que se quer saber, antes de mais nada, é diante de que condição, de fato, se está. Parece óbvio, mas não é. O que quero dizer é que, antes mesmo de se considerar esta ou aquela me-dicação, há que se proceder com o chama-do diagnóstico diferencial. Em meu livro explico como os diagnósticos nesse campo

dessas à medicação. Raro um médico que receba, em seus anos de faculdade, informa-ção oriunda de outra literatura que não essa.

A QUE VOCÊ CREDITA O AUMENTO NA PRÁTI-CA DA MEDICALIZAÇÃO?MASCARO: A título de exemplo, tomemos duas das três condições mais diagnosticadas no mundo, hoje em dia: d atenção (TDA/TDAH) e depressão. Atualmente, essas duas condições são responsáveis por um número tão avassalador de prescrição de medicamentos psicotrópicos (as medi-cações psiquiátricas) que esse cenário vem sendo descrito como a “epidemia da mo-dernidade”. O aumento dramático de casos de TDA/TDAH e depressão no mundo – e a respectiva explosão de prescrições de antidepressivos e estimulantes – se deu, em meu entendimento, por uma questão histó-rica: o alargamento dos critérios diagnósti-cos, que se distenderam ao extremo.

Explico tomando aqui o exemplo do -

mulantes, como a anfetamina e o cloridrato de metilfenidato, comercialmente conheci-do pelo nome Ritalina, têm sido utilizados na Psiquiatria desde a década de 1930. Seu uso médico, no entanto, era voltado a uma condição inicialmente conhecida como desordem da hiperatividade infantil – uma

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O aumento dramático de casos de TDA/TDAH e depressão no mundo – e a respectiva explosão da prescrição de antidepressivos e estimulantes – se deu por uma questão histórica: o alargamento dos critérios diagnósticos, que se distenderam ao extremo

condição até então considerada rara, sen-do caracterizada por sintomatologia muito

-vidade e inquietação. A passagem de uma condição rara e muito bem caracterizada para outra com critérios diagnósticos am-plos e vagos, em que o foco principal passa

que a hiperatividade ocorreu na década de 1980, com o advento do DSM-III (a tercei-ra revisão do manual médico para diagnós-tico psiquiátrico de doenças mentais), e fez com que um número muito maior de crian-ças passassem a ser diagnosticadas como portadoras do que hoje conhecemos como

-tividade (TDAH). Aliás, vale mencionar que a edição mais recente desse manual, o DSM-V, deixou de ser adotada pelos insti-tutos de saúde mental (NIMH – National Institutes of Mental Health) dos Estados Unidos. As razões e implicações dessa mudança de rumo por esse órgão governa-mental americano estão detalhadas em meu livro. O importante, aqui, no entanto, é que essa verdadeira reconstrução diagnóstica de uma condição – inicialmente restrita a casos de hiperatividade e posteriormente alargada rumo a critérios diagnósticos substancial-mente mais amplos, que literalmente pro-duziu sua reinvenção na forma moderna do

É da cultura atual esperar que, no campo da saúde mental, os problemas sejam resolvidos por intermédio das chamadas “soluções de prateleira”

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gas fazem, quando muito, é suprimir, tem-porariamente, a atividade disfuncional, no cérebro – pelo tempo de duração de cada drágea ou dose do medicamento. E é por isso, por exemplo, que as medicações para TDA/TDAH têm diferentes dosagens para diferentes intervalos de horas de du-ração. Passado o efeito, o quadro retorna. E isso vale para toda e qualquer medicação psicotrópica que se queira considerar – an-tidepressivos, ansiolíticos, e por aí vai. Mas se fosse só isso estaria tudo bem. O pro-blema é que o uso continuado e por hori-zontes temporais mais distendidos, de anos (quando não de décadas), normalmente acaba levando a efeitos colaterais um tanto perversos, como dependência, no caso dos antidepressivos, e, mesmo, no caso dos esti-mulantes, a taxas menores de crescimento, que a literatura demonstra serem, em mé-dia, de um centímetro ao ano em crianças. Para não falar do risco nada desprezível, do ponto de vista estatístico, de se desenvol-ver, na esteira, um quadro de bipolaridade.

Ou seja, nesse campo da saúde mental, medicamentos são, na verdade, formas de tratamento paliativo, mas não remediativo – apesar do trocadilho! Deve-se buscar o tratamento medicamentoso apenas como solução de curto prazo. Se, por exemplo, estamos falando de um deprimido, para tirá-lo da crise e dos riscos normalmente aí envolvidos, como suicídio. Passada a crise, deve-se buscar sair da medicação – sempre com a orientação e acompanhamento do médico responsável.

COMO VOCÊ SE POSICIONA DIANTE DO CADA VEZ MAIS CRESCENTE AUMENTO DE MEDI-CALIZAÇÃO ENTRE OS PROFISSIONAIS QUE ATUAM NA SAÚDE MENTAL?MASCARO: Aqui, o problema é de base, da própria formação da quase absoluta maio-

A formação médica tradicional trata, na cadeira da Psiquiatria, quase que exclu-sivamente das soluções farmacológicas. Quando não o faz – caso, por exemplo, da psicoterapia e de outras intervenções, como a estimulação transcraniana, o mo-delo aprendido é sempre o de associação IM

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SEU NOVO LIVRO É SOBRE MEDICALIZAÇÃO EXAGERADA, ASSIM COMO O ANTERIOR. PODE DAR MAIS DETALHES?MASCARO: Sim, temos um novo livro sain-do do forno: Saúde Mental sem Medicamen-tos para Leigos (Alta Books, 2018). Foram

que culminou naquele que considero ser o mais completo guia sobre saúde men-tal sem medicamentos atualmente dispo-nível. E o melhor: nada de literatura im-portada. É escrito por um brasileiro para brasileiros. Em linguagem direta e clara, o livro trata dos diferentes temas de for-ma acessível e descomplicada – o que não quer dizer que a informação, completa e aprofundada, não esteja lá. Ela está, mas acessível ao grande público, fundamen-

cas atualmente disponíveis. O leitor vai,

atual manual para orientá-lo em suas es-colhas, caso esteja diante da necessidade de buscar tratamento em saúde mental. O fato de estar lançando este livro e de já ter escrito um outro, intitulado Para que Me-dicação? (Campus Elsevier, 2011), poderia levar ao pensamento de que sou radical-mente contra o uso de remédios. Nada poderia estar mais distante da realidade. O problema mesmo é o fato de que se acaba, por um lado, adentrando nessa trilha das medicações sem que se tenha sido previamente informado sobre outras possibilidades terapêuticas que não as me-dicamentosas. Abordagens, aliás, tão (ou

os próprios medicamentos. Com isso se perde a possibilidade da escolha informa-da, tão fundamental hoje em dia. A resul-tante? Não raro calcar, por anos e anos a

mentais – como depressão, ansiedade,

de atenção, com ou sem hiperatividade),

de quadros de estresse pós-traumático – apenas e tão somente com medicamentos, quando muito associando um processo de psicoterapia ao “pacote”.

A formação médica tradicional trata, na cadeira da Psiquiatria, quase que exclusivamente das soluções farmacológicas. Quando não o faz, o modelo aprendido é sempre o da associação de intervenções à medicação

VOCÊ DIRIA QUE REMÉDIOS TÊM SIDO TRA-TADOS COMO BENS DE CONSUMO?MASCARO: Atualmente, vivemos uma ver-dadeira epidemia de medicalização em nossa sociedade. Mas isso não deveria nos

uma sociedade de consumo e, por tabela, de serviços que atendam esse consumo da forma mais rápida possível. Portanto, é da cultura destes nossos “tempos modernos” esperar que, também no campo da saúde mental, quando temos um problema, este seja resolvido com as chamadas “soluções de prateleira”, ou seja, que para toda an-

atenção (TDA/TDAH) exista uma pílula que, ingerida regularmente, nos resgate a possibilidade de funcionarmos no nosso melhor, em nossas vidas. Mas, se é assim, por que não adotar logo de saída a via me-dicamentosa e, com isso, resolver de uma vez a questão? Acredito que existem mui-tas razões para buscar outras formas de tratamento que não as medicamentosas. E isso porque a verdade é que as coisas nun-ca são como parecem ser à primeira vista. Só para que se tenha uma ideia, nenhuma das assim chamadas “drogas psicotrópicas” – como os estimulantes, ansiolíticos e anti-depressivos, por exemplo – corrige, de fato, a atividade neurológica. O que essas dro-

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Se você der uma olhada na bula da Ritalina, por exemplo, vai ver que o próprio fabricante do medicamento informa, de saída, que: “Seu mecanismo de ação no homem ainda não foi completamente elucidado”

mesmo de TDA/TDAH. A terapia, como disse, deve ser considerada para tratamen-to de questões emocionais e de relaciona-mento, não importando aí de que condição se trate. Já o tratamento dessas diferentes condições – essencialmente oriundas de

ser buscado em outra frente. Meu ponto, aqui, é que esta “outra frente” tem sido – por verdadeira falta de informação, tanto

em geral – exclusivamente a química, em detrimento de outras, e que gozam de am-

e neurofeedback por z-scores.

NÃO SE TRATA DE DEMONIZAÇÃO DOS ME-DICAMENTOS, POIS EM CERTOS CASOS ELE É IMPORTANTE. MAS COMO CON-SEGUIR DISTINGUIR QUANDO O MEDI-CAMENTO É NECESSÁRIO E QUANDO ELE PODE ATÉ PIORAR O QUADRO CLÍ-NICO DO PACIENTE?MASCARO: Concordo. Há quadros – como de transtorno bipolar e das psicoses – em que a medicação não só é recomendada mas é, indiscutivelmente, a única via a ser seguida. Mas a sua pergunta traz outra questão fundamental: é verdade que há casos em que a medicação, de fato, pode agravar o quadro, ao invés de atenuá-lo. Cito um exemplo: como já mencionei, há

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aqui, mais uma vez, se vê a importância do que disse há pouco, sobre o exame da ati-

-ferencial: ainda que os dois pacientes, um de TOC e o outro de TDA, possam apre-sentar, de saída, a mesma sintomatologia

somente a análise de suas respectivas ati-

quadros, do ponto de vista neurológico, e evitar, assim, que um curso de tratamento indevido acabe sendo adotado.

A UTILIZAÇÃO EXAGERADA DE MEDICAMEN-TOS PODE DEIXAR OS PACIENTES EM UMA ES-PÉCIE DE EMBOTAMENTO, O QUE ACABA PRE-JUDICANDO ATÉ MESMO A CONDIÇÃO DESSA PESSOA PODER FALAR SOBRE SEU SOFRIMEN-TO PSÍQUICO LATENTE?MASCARO: Já em 1996, o neurocientista Steven E. Hyman, então encabeçando os institutos de saúde mental (NIMH) dos EUA, publicou artigo no qual demonstra que o cérebro, uma vez exposto ao uso contínuo de antidepressivos, por exemplo, inicia uma série de adaptações compen-satórias, passando a operar de um modo que é “tanto quantitativa quanto quali-tativamente diferente do normal”, o que se evidencia, quando se tenta promover sua retirada, pela conhecida síndrome de descontinuação ou abstinência, que leva

a efeitos adversos sobre a função cog-nitiva, com ansiedade e impactos

sobre o humor e o sono. Assim, ao invés de normalizar, essas drogas alteram substancialmente

demonstrando, inclusive, que seu uso continuado, além de levar a alte-

rações do humor, resulta em disfunções sexuais e comportamento violento. O que acontece aí é que, ao suprimir a recaptação de serotonina ou noradrenalina na fenda sináptica dos circuitos neurais de áreas límbicas e mediais neocorticais, a medi-

de atenção (TDA). Muitas vezes, nesses casos, e como também citei, pode-se estar diante de um quadro de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), por exemplo. En-quanto o TDA se deve a uma exacerbação na produção de ondas lentas, na faixa de Theta (4-6Hz), na região dorsolateral do lobo frontal direito do cérebro, no TOC são essas áreas, juntamente com áreas me-diais anteriores, límbicas e neocorticais as mais acometidas, e com uma desregulação da atividade neurológica caracterizada por exacerbação não de ondas lentas, mas de rápidas, na faixa de Fast Beta (19-22Hz) e de High Beta (23-30Hz). Então, enquanto estimulante pode, de fato, ajudar no TDA, no caso do TOC seu efeito será nocivo, com majoração dessa atividade rápida e indevida, resultando em agudização da

atencionais, em face do agravamento de outros sintomas que daí decorrem e que, até então, nem se faziam tão evidentes, como ansiedade e inquietude, quando não com o surgimento de tiques no paciente. E

Os estimulantes são utilizados na Psiquiatria desde a década de 1930, mas para uma condição rara inicialmente conhecida como desordem da hiperatividade infantil

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Eu não diria que a indústria farmacêutica estimula o excesso de medicalização. Meu entendimento é bem prático: eles têm um negócio e o promovem. O problema é que uma coisa alimenta a outra

ainda são feitos com base, quase que exclu-sivamente, na sintomatologia trazida, sem que outros exames sejam pedidos. Esses exames, quando feitos, permitem eliminar, em primeiro lugar, questões sistêmicas como, por exemplo, alterações no fígado, muitas vezes na origem de um quadro de-pressivo. Nesse caso, é o fígado que deve ser tratado, não o quadro depressivo que dele deriva. Uma vez eliminadas essas pos-sibilidades, chega-se a um próximo nível de análise, que também raramente é feita:

cional do cérebro. Esses exames permitem

nor chance de erro, cada condição. Esses marcadores vêm sendo mapeados e des-

em periódicos de renome, em estudos pa-trocinados pelo Instituto de Saúde Mental dos Estados Unidos (NIMH-USA). Com isso, têm-se segurança diagnóstica e evita--se – mesmo que se deseje seguir pela via medicamentosa – que erros diagnósticos acabem determinando um curso equivoca-do de tratamento, o que implica em custo

ciente quanto para sua família. Só quem já se submeteu a um tratamento nesse campo sabe: inicia-se com uma classe de medica-mento e, dependendo da resposta clínica do paciente, altera-se a dose, associam-se

dicação inicialmente testada, um processo

a possibilidade de que, em função de uma eventual resposta insatisfatória ao trata-mento, se reveja o diagnóstico e se ini-cie o ciclo inteiro novamente. Como diz Thomas Insel, ex-diretor do NIMH, os pacientes da saúde mental merecem mais que isso. Mas essas coisas só acontecem dessa forma porque ainda se insiste em diagnosticar, exclusivamente, com base em sintomas. É o equivalente a sentir uma dor no peito, procurar um cardiologista, e ele, sem solicitar nenhum exame, deter-minar sua condição cardíaca, medicá-lo, quando não agendar algum outro pro-cedimento cirúrgico. Você se submeteria

macêutica age dessa forma. Meu entendi-mento é bem prático: eles têm um negócio e o promovem. O problema é que uma coi-sa alimenta a outra. Como disse, o alarga-mento diagnóstico e o viés dado pelo para-digma farmacológico na formação médica

fármacos. E a questão é que a coisa ganhou tal proporção que se criou a crença – equi-vocada – de que a única forma de tratar essas condições, no cérebro, é pela via quí-mica – os próprios médicos raramente con-sultam outra literatura que não essa. E se você der uma olhada, por exemplo, na bula da Ritalina, vai ver que o próprio fabricante do medicamento, de saída, informa que: “Seu mecanismo de ação no homem ain-da não foi completamente elucidado, mas acredita-se que seu efeito estimulante é devido a uma estimulação cortical e possi-velmente a uma estimulação do sistema de excitação reticular. O mecanismo pelo qual ele exerce seus efeitos psíquicos e compor-tamentais em crianças não está claramente estabelecido, nem há evidência conclusiva que demonstre como esses efeitos se rela-cionam com a condição do sistema nervoso central” (Ritalina, Novartis, 2008).

O laboratório é honesto em sua comu-nicação. O problema é, como disse, que se parte de um paradigma, calcado em pressu-postos, que, como exposto acima, não estão validados de forma conclusiva. E veja que a Ritalina começou a ser comercializada ain-da na década de 1990.

POR QUE NÃO SE DEVE TRATAR SENTIMENTOS OU PROBLEMAS EMOCIONAIS SOMENTE COM MEDICAMENTOS?MASCARO: Essa é outra pergunta que em-bute uma confusão ainda muito presente nesse campo. Veja, uma coisa é tratar um quadro de depressão, que, como disse, se

bro, com medicamentos. Outra é esperar, erroneamente, que a medicação lide com a complexidade emocional humana. Nesse caso, o caminho é a psicoterapia. O ponto aqui é que, atualmente, se insiste no binô-mio terapia-medicação, seja para quadro depressivo, de ansiedade ou de TOC, e

a tudo isso? Claro que não! Uma dor no peito pode se dever, por exemplo, a um

ciências atencionais não querem necessa-riamente dizer que uma pessoa seja por-tadora de TDA/TDAH, uma condição

des de atenção e concentração por conta de um quadro de ansiedade, ou mesmo de um processo depressivo. Só a queixa clínica não nos permite diferenciar essas

cérebro as informações que, de fato, nos darão a segurança diagnóstica esperada.

à pergunta, medicar de saída é um grande equívoco, e que está ocorrendo diariamen-te, hoje em dia. Some-se esse fato ao que expliquei há pouco, tanto do viés na for-mação médica quanto do alargamento dos critérios diagnósticos desde o DSM-III, e começa-se a entender a razão da alta me-dicalização em saúde mental, um processo que teve início ainda na década de 1960, no século passado, e que, desde então, cresce exponencialmente, ano a ano.

EM QUE MEDIDA A INDÚSTRIA FARMACÊUTI-CA INCITA A TRANSFORMAÇÃO DE PROBLE-MAS NORMAIS EM DOENÇAS GRAVES, ÀS QUAIS OFERECE SOLUÇÃO A PARTIR DE UM OU MAIS MEDICAMENTOS?MASCARO: Eu não diria que a indústria far- IM

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O laboratório é honesto em sua comunicação. O problema é que se parte de um paradigma, calcado em pressupostos, que não estão validados de forma conclusiva. E veja que a Ritalina começou a ser comercializada ainda na década de 1990

emocional, mas não no tratamento efetivo de desordens cuja etiologia vai ser encon-trada em descompensações funcionais na dinâmica em redes, no cérebro. Assim, a psicoterapia, em casos de depressão, por exemplo, será um ótimo apoio ao tratamen-to, mas nunca o tratamento em si.

EM RELAÇÃO ÀS CRIANÇAS, VOCÊ ACREDITA QUE HÁ HOJE UMA TENDÊNCIA A MEDICALI-ZÁ-LAS PARA QUE SE COMPORTEM DE FORMA DISCIPLINADA EM AMBIENTE ESCOLAR?MASCARO: Hoje em dia, antidepressivos, ansiolíticos e estimulantes fazem parte da farmacopeia infantil, seja por questões comportamentais, seja por aquelas ligadas

por questões equivocadamente entendidas como de fundo emocional, mas que, de fato, dizem respeito à dimensão neurológi-ca como, por exemplo, os casos de inconti-nência urinária noturna, a chamada enure-se, que se deve, na verdade, à imaturidade neocortical, mas que, em face desse enten-dimento equivocado, vêm sendo erronea-mente tratados à base de antidepressivos, ansiolíticos e psicoterapia. Em minha opi-nião, a medicalização infantil vem se dan-do de forma indiscriminada e irresponsável justamente por essa soma de informações desencontradas, entendimentos equivoca-

cação psiquiátrica produz, basicamente, dois efeitos, um positivo, de fato, e outro negativo, mas que tendem a se anular mu-tuamente com o passar do tempo. O efeito positivo se deve ao fato de que, ao otimizar a neurotransmissão em estruturas-chave do sistema límbico, como a amígdala, no lobo temporal, e o hipocampo, no lobo límbico, os antidepressivos rompem com a inibição dos processos de neurogênese devido a estresse crônico, frequentemente presente nesses casos, um dos principais

instalação da depressão, no cérebro, e que

bicas nesses quadros. Já o efeito negativo é encontrado no fato de que, para exercerem esse papel modulador da atividade medial e límbica profunda, esses medicamentos acabam, literalmente, desempenhando a função de sinalização executiva inibitória normalmente levada a cabo pelo córtex pré-frontal dorsolateral, destituindo-o de qualquer sentido nessa dinâmica. Como consequência, o uso continuado de longo prazo de medicações antidepressivas leva ao paulatino e progressivo declínio funcio-nal e, no extremo, à perda da função do cór-tex pré-frontal dorsolateral, resultando em

efetiva dependência química desses medi-camentos, agora necessários para manter a sinalização executiva de modulação das es-truturas límbicas, de processamento emo-cional! E, como consequência desse declí-nio funcional dos lobos frontais, resultando em outros tantos efeitos colaterais nada bacanas, normalmente encontrados nas queixas clínicas ligadas à apatia, embota-

sigo mesmo, tão comuns nesses pacientes.

EM SUA AVALIAÇÃO É CORRETO AFIRMAR QUE A ESTABILIZAÇÃO DO SUJEITO EM SEU SOFRIMENTO MENTAL/EMOCIONAL ESTÁ EM PRIORIZAR A LINGUAGEM E NÃO A ME-DICALIZAÇÃO?MASCARO: Por tudo o que expliquei até aqui, não, não é correto fazer essa assertiva. A chamada “cura pela fala”, nossa já conhe-cida psicoterapia, é fundamental no apoio

dos, diagnósticos à base de sintomas, sem o devido monitoramento da atividade ce-

tural de nossa sociedade de consumo, que busca, avidamente, as chamadas “soluções de prateleira”. A resultante é que as pesso-as acreditam – erroneamente – que estão, de fato, resolvendo o problema, e de for-ma rápida. Veja, quando se olha as coisas por essa ótica, sem toda a informação que estamos discutindo aqui, dá para entender por que o apelo em medicar acaba sendo

se é tudo uma questão de normalizar um desequilíbrio químico no cérebro com o medicamento, então por que não, não é mesmo? Mas se pais e educadores tiverem acesso à informação com que estamos li-dando aqui, acredito que esse entendimen-to e esse cenário necessariamente muda-rão. Até porque a verdade disso tudo está longe de ser tão simples e inofensiva como se faz parecer. Os desdobramentos são extremamente sérios: só para que se te-nha uma ideia, a título de exemplo do que digo aqui, e de acordo com levantamento realizado pelo jornalista norte-americano Robert Whitaker em seu livro Anatomy of an Epidemic: Magic Bullets, Psychiatric Drugs and the Astonishing Rise of Mental Illness in AmericaEdition, 2010), a taxa de conversão de um quadro de depressão unipolar, a depressão clássica, para um quadro de bipolaridade pelo uso continuado de antidepressivos, que no adulto chega a já absurdos 25%, em crianças que tomam essas medicações por mais de cinco anos chega a 50%. E se for-mos falar dos estimulantes, então, também aí não encontramos um cenário animador. Veja o caso da Ritalina. A grande maioria das pessoas sequer imagina, mas esse me-dicamento induz alterações moleculares ao nível da própria membrana dos neurô-nios envolvidos com a neurotransmissão da dopamina no cérebro. Ao bloquear em cerca de 70% a ação das moléculas trans-portadoras que removem a dopamina da fenda sináptica, a dose terapêutica desse

disponibilidade por horas. O problema é

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Se você der uma olhada na bula da Ritalina, por exemplo, vai ver que o próprio fabricante do medicamento informa, de saída, que: “Seu mecanismo de ação no homem ainda não foi completamente elucidado”

mesmo de TDA/TDAH. A terapia, como disse, deve ser considerada para tratamen-to de questões emocionais e de relaciona-mento, não importando aí de que condição se trate. Já o tratamento dessas diferentes condições – essencialmente oriundas de

ser buscado em outra frente. Meu ponto, aqui, é que esta “outra frente” tem sido – por verdadeira falta de informação, tanto

em geral – exclusivamente a química, em detrimento de outras, e que gozam de am-

e neurofeedback por z-scores.

NÃO SE TRATA DE DEMONIZAÇÃO DOS ME-DICAMENTOS, POIS EM CERTOS CASOS ELE É IMPORTANTE. MAS COMO CON-SEGUIR DISTINGUIR QUANDO O MEDI-CAMENTO É NECESSÁRIO E QUANDO ELE PODE ATÉ PIORAR O QUADRO CLÍ-NICO DO PACIENTE?MASCARO: Concordo. Há quadros – como de transtorno bipolar e das psicoses – em que a medicação não só é recomendada mas é, indiscutivelmente, a única via a ser seguida. Mas a sua pergunta traz outra questão fundamental: é verdade que há casos em que a medicação, de fato, pode agravar o quadro, ao invés de atenuá-lo. Cito um exemplo: como já mencionei, há

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aqui, mais uma vez, se vê a importância do que disse há pouco, sobre o exame da ati-

-ferencial: ainda que os dois pacientes, um de TOC e o outro de TDA, possam apre-sentar, de saída, a mesma sintomatologia

somente a análise de suas respectivas ati-

quadros, do ponto de vista neurológico, e evitar, assim, que um curso de tratamento indevido acabe sendo adotado.

A UTILIZAÇÃO EXAGERADA DE MEDICAMEN-TOS PODE DEIXAR OS PACIENTES EM UMA ES-PÉCIE DE EMBOTAMENTO, O QUE ACABA PRE-JUDICANDO ATÉ MESMO A CONDIÇÃO DESSA PESSOA PODER FALAR SOBRE SEU SOFRIMEN-TO PSÍQUICO LATENTE?MASCARO: Já em 1996, o neurocientista Steven E. Hyman, então encabeçando os institutos de saúde mental (NIMH) dos EUA, publicou artigo no qual demonstra que o cérebro, uma vez exposto ao uso contínuo de antidepressivos, por exemplo, inicia uma série de adaptações compen-satórias, passando a operar de um modo que é “tanto quantitativa quanto quali-tativamente diferente do normal”, o que se evidencia, quando se tenta promover sua retirada, pela conhecida síndrome de descontinuação ou abstinência, que leva

a efeitos adversos sobre a função cog-nitiva, com ansiedade e impactos

sobre o humor e o sono. Assim, ao invés de normalizar, essas drogas alteram substancialmente

demonstrando, inclusive, que seu uso continuado, além de levar a alte-

rações do humor, resulta em disfunções sexuais e comportamento violento. O que acontece aí é que, ao suprimir a recaptação de serotonina ou noradrenalina na fenda sináptica dos circuitos neurais de áreas límbicas e mediais neocorticais, a medi-

de atenção (TDA). Muitas vezes, nesses casos, e como também citei, pode-se estar diante de um quadro de TOC (transtorno obsessivo-compulsivo), por exemplo. En-quanto o TDA se deve a uma exacerbação na produção de ondas lentas, na faixa de Theta (4-6Hz), na região dorsolateral do lobo frontal direito do cérebro, no TOC são essas áreas, juntamente com áreas me-diais anteriores, límbicas e neocorticais as mais acometidas, e com uma desregulação da atividade neurológica caracterizada por exacerbação não de ondas lentas, mas de rápidas, na faixa de Fast Beta (19-22Hz) e de High Beta (23-30Hz). Então, enquanto estimulante pode, de fato, ajudar no TDA, no caso do TOC seu efeito será nocivo, com majoração dessa atividade rápida e indevida, resultando em agudização da

atencionais, em face do agravamento de outros sintomas que daí decorrem e que, até então, nem se faziam tão evidentes, como ansiedade e inquietude, quando não com o surgimento de tiques no paciente. E

Os estimulantes são utilizados na Psiquiatria desde a década de 1930, mas para uma condição rara inicialmente conhecida como desordem da hiperatividade infantil

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Veja, uma coisa é tratar um quadro de depressão, que, como disse, se deve a desregulações na

medicamentos. Outra é esperar, erroneamente, que a medicação lide com a complexidade emocional humanado outras intervenções não medicamen-

O problema é que medicar, sem dúvida, à primeira vista, além de parecer seguro e

-cêutico que produz a droga e é um médico quem a prescreve –, é estimulado e enco-rajado pelas próprias escolas, e pelo fato de que, justamente porque a maioria dos pais acaba por seguir esse caminho, cria-se o chamado efeito manada, em que o racio-cínio é: “Se todos fazem, é porque deve ser

que, ao fazê-lo, leva o cérebro a uma série de adaptações compensatórias, reduzindo a própria produção de dopamina, o que é evidenciado pela diminuição da quantida-de de seus metabólitos no líquido cefalor-raquidiano. Consequentemente, como um efeito dominó, há uma redução no número de receptores para esse neurotransmissor na superfície da membrana dos neurônios pós-sinápticos, o que, evidentemente, só

subativação desse sistema de neurotrans-missão no cérebro, que é exatamente o que levou os portadores do TDAH a buscar a medicação, inicialmente.

Mais ainda, hoje se sabe que a Ritalina também atua nos sistemas neurológicos produtores de outros dois neurotransmisso-res, serotonina e norepinefrina, produzindo o mesmo tipo de mecanismos compensa-tórios no cérebro, o que leva ao mesmo tipo de redução no número de receptores para esses outros dois neurotransmissores, serotonina e norepinefrina, nas sinapses. O cérebro passaria, então, a funcionar em um estado qualitativa e quantitativamente dife-rente do normal. O resumo da ópera, por-tanto, é que, no longo prazo, e como bem explica a pesquisadora Silmara Batistela, do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, o cérebro exposto ao uso continuado des-sas drogas pode entender que não precisa mais produzir a quantidade de dopamina que produziria normalmente sem a droga. E aí cria-se um outro problema: a conheci-da dependência química do medicamento para que se garanta um funcionamento ce-rebral adequado. Ou seja, essa é uma ques-tão extremamente séria. Os pais deveriam procurar se informar melhor antes de dar

tudo em nome de um comportamento mais adequado ou de uma nota melhor na esco-la. Pior, sem nem mesmo procurar outras formas de tratamento.

A BUSCA POR DIAGNÓSTICOS QUE POSSAM, DE CERTA FORMA, JUSTIFICAR AS DIFICULDA-DES DE APRENDIZAGEM, CONCENTRAÇÃO, CONDUTA E RELACIONAMENTO DAS CRIAN-ÇAS E A CONSEQUENTE MEDICALIZAÇÃO

NÃO SERIAM FORMAS DE TIRAR A RESPON-SABILIDADE DAS ESCOLAS EM RELAÇÃO AO PRÓPRIO FRACASSO?MASCARO: Outra boa pergunta. Sem dúvi-da, quando o diagnóstico é dado, o pro-blema deixa de ser a escola e passa a ser a criança. A responsabilidade por adequá-la ao convívio escolar passa a ser dos pais que, pressionados, acabam cedendo e medican-

-dos Unidos, no início da comercialização da Ritalina. As escolas passaram a exigir que as crianças estivessem medicadas para permitir seu ingresso em sala de aula sob pena de, entre outras coisas, acusarem os pais de negligência. Foi preciso uma mobi-lização extensa para, legalmente, obter au-torização para que as crianças estivessem dispensadas da droga para ir à escola. E isso só demonstra o tamanho do proble-

de informação, o que, como expliquei há pouco, está ligado fundamentalmente aos diagnósticos, que estão sendo feitos com base em queixas clínicas e testes, apenas. Como disse e repito, não é porque a crian-

-tadora de TDA/TDAH, necessariamente. E, mesmo que seja esse o caso, a medica-lização, por tudo o que conversamos aqui, está longe de ser a melhor solução, haven-

chance de erro, a condição cerebral de cada paciente

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O laboratório é honesto em sua comunicação. O problema é que se parte de um paradigma, calcado em pressupostos, que não estão validados de forma conclusiva. E veja que a Ritalina começou a ser comercializada ainda na década de 1990

emocional, mas não no tratamento efetivo de desordens cuja etiologia vai ser encon-trada em descompensações funcionais na dinâmica em redes, no cérebro. Assim, a psicoterapia, em casos de depressão, por exemplo, será um ótimo apoio ao tratamen-to, mas nunca o tratamento em si.

EM RELAÇÃO ÀS CRIANÇAS, VOCÊ ACREDITA QUE HÁ HOJE UMA TENDÊNCIA A MEDICALI-ZÁ-LAS PARA QUE SE COMPORTEM DE FORMA DISCIPLINADA EM AMBIENTE ESCOLAR?MASCARO: Hoje em dia, antidepressivos, ansiolíticos e estimulantes fazem parte da farmacopeia infantil, seja por questões comportamentais, seja por aquelas ligadas

por questões equivocadamente entendidas como de fundo emocional, mas que, de fato, dizem respeito à dimensão neurológi-ca como, por exemplo, os casos de inconti-nência urinária noturna, a chamada enure-se, que se deve, na verdade, à imaturidade neocortical, mas que, em face desse enten-dimento equivocado, vêm sendo erronea-mente tratados à base de antidepressivos, ansiolíticos e psicoterapia. Em minha opi-nião, a medicalização infantil vem se dan-do de forma indiscriminada e irresponsável justamente por essa soma de informações desencontradas, entendimentos equivoca-

cação psiquiátrica produz, basicamente, dois efeitos, um positivo, de fato, e outro negativo, mas que tendem a se anular mu-tuamente com o passar do tempo. O efeito positivo se deve ao fato de que, ao otimizar a neurotransmissão em estruturas-chave do sistema límbico, como a amígdala, no lobo temporal, e o hipocampo, no lobo límbico, os antidepressivos rompem com a inibição dos processos de neurogênese devido a estresse crônico, frequentemente presente nesses casos, um dos principais

instalação da depressão, no cérebro, e que

bicas nesses quadros. Já o efeito negativo é encontrado no fato de que, para exercerem esse papel modulador da atividade medial e límbica profunda, esses medicamentos acabam, literalmente, desempenhando a função de sinalização executiva inibitória normalmente levada a cabo pelo córtex pré-frontal dorsolateral, destituindo-o de qualquer sentido nessa dinâmica. Como consequência, o uso continuado de longo prazo de medicações antidepressivas leva ao paulatino e progressivo declínio funcio-nal e, no extremo, à perda da função do cór-tex pré-frontal dorsolateral, resultando em

efetiva dependência química desses medi-camentos, agora necessários para manter a sinalização executiva de modulação das es-truturas límbicas, de processamento emo-cional! E, como consequência desse declí-nio funcional dos lobos frontais, resultando em outros tantos efeitos colaterais nada bacanas, normalmente encontrados nas queixas clínicas ligadas à apatia, embota-

sigo mesmo, tão comuns nesses pacientes.

EM SUA AVALIAÇÃO É CORRETO AFIRMAR QUE A ESTABILIZAÇÃO DO SUJEITO EM SEU SOFRIMENTO MENTAL/EMOCIONAL ESTÁ EM PRIORIZAR A LINGUAGEM E NÃO A ME-DICALIZAÇÃO?MASCARO: Por tudo o que expliquei até aqui, não, não é correto fazer essa assertiva. A chamada “cura pela fala”, nossa já conhe-cida psicoterapia, é fundamental no apoio

dos, diagnósticos à base de sintomas, sem o devido monitoramento da atividade ce-

tural de nossa sociedade de consumo, que busca, avidamente, as chamadas “soluções de prateleira”. A resultante é que as pesso-as acreditam – erroneamente – que estão, de fato, resolvendo o problema, e de for-ma rápida. Veja, quando se olha as coisas por essa ótica, sem toda a informação que estamos discutindo aqui, dá para entender por que o apelo em medicar acaba sendo

se é tudo uma questão de normalizar um desequilíbrio químico no cérebro com o medicamento, então por que não, não é mesmo? Mas se pais e educadores tiverem acesso à informação com que estamos li-dando aqui, acredito que esse entendimen-to e esse cenário necessariamente muda-rão. Até porque a verdade disso tudo está longe de ser tão simples e inofensiva como se faz parecer. Os desdobramentos são extremamente sérios: só para que se te-nha uma ideia, a título de exemplo do que digo aqui, e de acordo com levantamento realizado pelo jornalista norte-americano Robert Whitaker em seu livro Anatomy of an Epidemic: Magic Bullets, Psychiatric Drugs and the Astonishing Rise of Mental Illness in AmericaEdition, 2010), a taxa de conversão de um quadro de depressão unipolar, a depressão clássica, para um quadro de bipolaridade pelo uso continuado de antidepressivos, que no adulto chega a já absurdos 25%, em crianças que tomam essas medicações por mais de cinco anos chega a 50%. E se for-mos falar dos estimulantes, então, também aí não encontramos um cenário animador. Veja o caso da Ritalina. A grande maioria das pessoas sequer imagina, mas esse me-dicamento induz alterações moleculares ao nível da própria membrana dos neurô-nios envolvidos com a neurotransmissão da dopamina no cérebro. Ao bloquear em cerca de 70% a ação das moléculas trans-portadoras que removem a dopamina da fenda sináptica, a dose terapêutica desse

disponibilidade por horas. O problema é

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também”. A responsabilidade, portanto, é tanto das escolas quanto dos pais, que de-vem buscar se informar melhor antes de adotar um curso de ação tão radical.

SEGUNDO DADOS, O BRASIL ESTÁ EM SE-GUNDO LUGAR NA VENDA DE REMÉDIOS PSICOESTIMULANTES, UTILIZADOS PARA CON-TROLAR COMPORTAMENTOS CONSIDERADOS INADEQUADOS PARA O AMBIENTE ESCOLAR, DIAGNOSTICADOS, FREQUENTEMENTE, COMO TDAH OU OUTROS DISTÚRBIOS SEMELHAN-TES. O QUE FAZER PARA MUDAR ESSE CENÁ-RIO E QUAL O PAPEL DOS PAIS NO PROCESSO?MASCARO: Como disse aqui, informação atualizada e de qualidade é chave nes-se processo. Saber que medicamentos não são a única solução já é um primeiro passo. O passo seguinte é entender todo esse cenário existente hoje, de desencontro de informações, que inundam esse campo pantanoso da saúde mental, e que discu-timos até aqui. O que quero dizer é que, essencialmente, há uma questão de base, que está na própria maneira como se diag-nosticam essas condições, hoje em dia. Somada a ela, uma outra, que diz respeito ao próprio entendimento vigente, calcado na chamada “teoria do desequilíbrio quí-mico” no cérebro. Assim, o diagnóstico baseado em sintomas e queixas clínicas

de per se acaba por, praticamente, incluir

ou agitação no guarda-chuva do TDAH. Já a “teoria do desequilíbrio químico” faz com que tudo pareça, de fato, muito sim-ples. Medicar passa a ser, simplesmente, corrigir esse desequilíbrio. Então, esse é o mecanismo fundamental que cria o ex-cesso de prescrições desses medicamen-tos, hoje em dia. Acredito que rever esse modelo, por si só, já fará uma diferença. O resto deriva daí. Em primeiro lugar, basear o diagnóstico em informação de nossa biologia, como em qualquer outra área da saúde. Só isso já fará cair substancialmente o número de crianças com o diagnóstico de TDA/TDAH. É no cérebro que estão as informações que permitem discernir um quadro de TDA/TDAH de outros como ansiedade, TOC, dislexia ou depressão, por exemplo. Todas condições que vêm sendo diagnosticadas, em função da quei-

que as acompanha, como TDA/TDAH. Finalmente, passada a fase diagnóstica, buscar informação no sentido de outras

lidadas, especialmente metodologias não invasivas e não medicamentosas, como o neurofeedback por z-scores.

E QUANTO À AUTOMEDICAÇÃO? OS NÚMEROS TAMBÉM NÃO PARAM DE CRESCER. COMO RE-SOLVER ESSA QUESTÃO E EM QUE MEDIDA A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE AJU-DA A ALIMENTAR ESSA PRÁTICA?MASCARO: Automedicação é mais um fruto de todo esse molho cultural de que fala-mos há pouco. Além da desinformação, a tal ideia da “solução de prateleira”, de uso indiscriminado e inconsequente de medica-ção pesada, tarja preta, associada ao “com-portamento de manada” de que também fa-

sem que se considere riscos e efeitos sobre a saúde que essas drogas trazem. A solução é uma só: educação e informação, sejam do grande público, sejam dos próprios pro-

cisam rever a validade desse modelo hoje vigente. É a única saída.

ACHA QUE O AUMENTO DO USO DE MEDI-CAMENTOS TEM RELAÇÃO COM A BUSCA DE SINTOMAS VIA INTERNET?MASCARO: A internet é só mais um veícu-lo em que todo esse cenário que acabo de descrever vai encontrar voz. Vivemos em uma época em que a informação é farta, mas informação de qualidade é rara. E isso alimenta toda essa cadeia de consumo.

VOCÊ ACHA QUE OS ORGANISMOS GOVERNA-MENTAIS DEVERIAM CRIAR UMA ESPÉCIE DE FISCALIZAÇÃO QUANTO AO ABUSO NA PRES-CRIÇÃO DE MEDICAMENTOS OU ISSO É IMPOS-SÍVEL, ATÉ MESMO POR UMA QUESTÃO ÉTICA?MASCARO: Não acredito em excesso de regulação. Não é por aí. E exemplos não faltam. O mais emblemático, para mim, foi a Lei Seca, nos Estados Unidos do iní-cio do século passado. Como disse, só há uma solução, e ela está baseada em edu-cação e informação.

EM SEU LIVRO PARA QUE MEDICAÇÃO?, VOCÊ MOSTRA QUE A ANÁLISE DA ATIVIDADE ELETROENCEFALOGRÁFICA (EEG) PERMI-TE A IDENTIFICAÇÃO DE PADRÕES NEURO-LÓGICOS ANÔMALOS QUE CARACTERIZAM PATOLOGIAS COMO DEPRESSÃO, ANSIEDADE E PÂNICO, DÉFICIT DE ATENÇÃO, DISLEXIA, AUTISMO, HIPERATIVIDADE E TOC. PODE-RIA DETALHAR O QUE É EXATAMENTE EEG?MASCARO: Pense nos neurônios como pequenas baterias. O cérebro é um órgão elétrico e quando um neurônio transmite um impulso nervoso, transmite uma infor-mação. Para fazê-lo, precisa despolarizar seu potencial de membrana, o que pro-move a abertura dos canais de membra-na que liberam os neurotransmissores nas sinapses. Por isso, o eletroencefalograma

que sobem e descem. Esse “sobe e desce” é exatamente um retrato dessas polariza-ções e despolarizações. O que acontece em cada uma das desordens é que elas envolvem alterações funcionais que impli-

ou em acelerações desse sinal, as primeiras, dependendo de onde ocorram no cérebro, e especialmente na faixa de Theta (4-6Hz),

A terapia deve ser considerada para tratamento de questões emocionais, não importando aí de que condição se trate. Já o tratamento de diferentes condições oriundas de

do cérebro deve ser buscado em outra frente IM

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Page 5: Entrevista Psiqué 10 2018-webbraintech.com.br/wp-content/uploads/2018/11/Entrevista...entrevista.indd 8 26/09/2018 12:45:28 psique ciência&vida 11 TDAH – levou ao ressurgimento

psique ciência&vida 17www.portalespacodosaber.com.br

-cit de atenção (TDA) ou TOC com ênfase na componente compulsiva, por exemplo. Já quando essas alterações envolvem ace-

de novo, dependendo de onde isso ocor-ra no cérebro, especialmente na faixa de Fast Beta (19-22Hz) – levarão a quadros de hiperatividade e inquietude, ansiedade, TOC com ênfase na componente obsessi-

para citar alguns.

SUA UTILIZAÇÃO AJUDARIA A COIBIR O EXCES-SO DE MEDICALIZAÇÃO?MASCARO: Sem dúvida! Explico o moti-

associado a exames funcionais, realizar o diagnóstico diferencial com mínimas chan-ces de erro, o que, por si só, já reduziria substancialmente, como expliquei há pouco, a verdadeira profusão de diagnósticos, especialmente de TDA/TDAH. Por outro lado, e como consequência, o fato de diminuírem os diagnósticos produz, por tabela, uma diminuição na prescrição de receitas para uso desses medicamentos. Mas não só. Com informação adequada sobre outras possibilidades terapêuticas,

para promover o recondicionamento da

atividade neurológica disfuncional, as pes-soas passam a dispor de tratamentos mais seguros e efetivos. Assim, o neurofeedba-ck é mais seguro porque é um tratamen-to não invasivo e não medicamentoso, e, porque parte da própria atividade cerebral do paciente, permite elaborar protocolos sob medida para lidar com a desregulação da atividade neurológica responsável pelas queixas e sintomas, únicos em cada pacien-te, viabilizando, assim, o tratamento dessas diferentes condições. O mais importante é que o neurofeedback, justamente por pres-

cindir de qualquer química, e, como tudo o que é genial, ser baseado em princípios simples, ao mesmo tempo que faz uso de alta tecnologia para levar a cabo o que se propõe, consegue agir sobre os mecanis-mos de aprendizagem, no cérebro, o que permite que a circuitaria acometida nessa ou naquela desordem possa se reorganizar, ela própria, em sua atividade. E o que é

-nente. Uma vez que isso ocorra, o paciente

tocar sua vida dali em diante.

A LEITURA EEG PROPORCIONA A ELABO-RAÇÃO DE PROTOCOLOS DE TREINAMENTO NEUROLÓGICO, O QUE PODE POSSIBILITAR O TRATAMENTO NÃO MEDICAMENTOSO DESSES TRANSTORNOS CITADOS ACIMA?MASCARO: Sim, é isso mesmo. Como ex-pliquei, o treinamento neurológico por neurofeedback é uma forma de recondi-cionamento da atividade neurológica em que os protocolos são desenvolvidos sob medida para a realidade de comprometi-

paciente. E isso é importante porque, mesmo dois pacientes portadores de um mesmo diagnóstico, de uma mesma con-dição, não apresentarão as mesmas desre-gulações e comprometimentos funcionais. Cada paciente é absolutamente único e seu tratamento, por tabela, também deve ser, estando voltado a essa sua realidade neu-rológica absolutamente singular.

E aqui vale um esclarecimento: não se trata um rótulo diagnóstico – ele, na verda-de, é a expressão clínica dos comprometi-mentos funcionais subjacentes no cérebro.

-de em redes, no cérebro. E fazemos isso sem o uso de medicamentos, apenas treinando o cérebro rumo a padrões de normalidade estatisticamente determinados para cada área, estrutura e rede neurológica. Tudo de acordo com médias normativas oriundas de levantamentos populacionais de décadas, nos EUA. Temos de buscar soluções mais saudáveis no mundo. O neurofeedback é uma dessas soluções.

Automedicação é mais um fruto de todo esse molho cultural. O uso dos medicamentos é

se considerem riscos e efeitos a curto, médio e longo prazo sobre a saúde que essas drogas trazem

Para Mascaro, há várias frentes de tratamento, dependendo das condições do paciente, inclusive a meditação, embora existam equívocos por falta de informaçãoIM

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também”. A responsabilidade, portanto, é tanto das escolas quanto dos pais, que de-vem buscar se informar melhor antes de adotar um curso de ação tão radical.

SEGUNDO DADOS, O BRASIL ESTÁ EM SE-GUNDO LUGAR NA VENDA DE REMÉDIOS PSICOESTIMULANTES, UTILIZADOS PARA CON-TROLAR COMPORTAMENTOS CONSIDERADOS INADEQUADOS PARA O AMBIENTE ESCOLAR, DIAGNOSTICADOS, FREQUENTEMENTE, COMO TDAH OU OUTROS DISTÚRBIOS SEMELHAN-TES. O QUE FAZER PARA MUDAR ESSE CENÁ-RIO E QUAL O PAPEL DOS PAIS NO PROCESSO?MASCARO: Como disse aqui, informação atualizada e de qualidade é chave nes-se processo. Saber que medicamentos não são a única solução já é um primeiro passo. O passo seguinte é entender todo esse cenário existente hoje, de desencontro de informações, que inundam esse campo pantanoso da saúde mental, e que discu-timos até aqui. O que quero dizer é que, essencialmente, há uma questão de base, que está na própria maneira como se diag-nosticam essas condições, hoje em dia. Somada a ela, uma outra, que diz respeito ao próprio entendimento vigente, calcado na chamada “teoria do desequilíbrio quí-mico” no cérebro. Assim, o diagnóstico baseado em sintomas e queixas clínicas

de per se acaba por, praticamente, incluir

ou agitação no guarda-chuva do TDAH. Já a “teoria do desequilíbrio químico” faz com que tudo pareça, de fato, muito sim-ples. Medicar passa a ser, simplesmente, corrigir esse desequilíbrio. Então, esse é o mecanismo fundamental que cria o ex-cesso de prescrições desses medicamen-tos, hoje em dia. Acredito que rever esse modelo, por si só, já fará uma diferença. O resto deriva daí. Em primeiro lugar, basear o diagnóstico em informação de nossa biologia, como em qualquer outra área da saúde. Só isso já fará cair substancialmente o número de crianças com o diagnóstico de TDA/TDAH. É no cérebro que estão as informações que permitem discernir um quadro de TDA/TDAH de outros como ansiedade, TOC, dislexia ou depressão, por exemplo. Todas condições que vêm sendo diagnosticadas, em função da quei-

que as acompanha, como TDA/TDAH. Finalmente, passada a fase diagnóstica, buscar informação no sentido de outras

lidadas, especialmente metodologias não invasivas e não medicamentosas, como o neurofeedback por z-scores.

E QUANTO À AUTOMEDICAÇÃO? OS NÚMEROS TAMBÉM NÃO PARAM DE CRESCER. COMO RE-SOLVER ESSA QUESTÃO E EM QUE MEDIDA A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE AJU-DA A ALIMENTAR ESSA PRÁTICA?MASCARO: Automedicação é mais um fruto de todo esse molho cultural de que fala-mos há pouco. Além da desinformação, a tal ideia da “solução de prateleira”, de uso indiscriminado e inconsequente de medica-ção pesada, tarja preta, associada ao “com-portamento de manada” de que também fa-

sem que se considere riscos e efeitos sobre a saúde que essas drogas trazem. A solução é uma só: educação e informação, sejam do grande público, sejam dos próprios pro-

cisam rever a validade desse modelo hoje vigente. É a única saída.

ACHA QUE O AUMENTO DO USO DE MEDI-CAMENTOS TEM RELAÇÃO COM A BUSCA DE SINTOMAS VIA INTERNET?MASCARO: A internet é só mais um veícu-lo em que todo esse cenário que acabo de descrever vai encontrar voz. Vivemos em uma época em que a informação é farta, mas informação de qualidade é rara. E isso alimenta toda essa cadeia de consumo.

VOCÊ ACHA QUE OS ORGANISMOS GOVERNA-MENTAIS DEVERIAM CRIAR UMA ESPÉCIE DE FISCALIZAÇÃO QUANTO AO ABUSO NA PRES-CRIÇÃO DE MEDICAMENTOS OU ISSO É IMPOS-SÍVEL, ATÉ MESMO POR UMA QUESTÃO ÉTICA?MASCARO: Não acredito em excesso de regulação. Não é por aí. E exemplos não faltam. O mais emblemático, para mim, foi a Lei Seca, nos Estados Unidos do iní-cio do século passado. Como disse, só há uma solução, e ela está baseada em edu-cação e informação.

EM SEU LIVRO PARA QUE MEDICAÇÃO?, VOCÊ MOSTRA QUE A ANÁLISE DA ATIVIDADE ELETROENCEFALOGRÁFICA (EEG) PERMI-TE A IDENTIFICAÇÃO DE PADRÕES NEURO-LÓGICOS ANÔMALOS QUE CARACTERIZAM PATOLOGIAS COMO DEPRESSÃO, ANSIEDADE E PÂNICO, DÉFICIT DE ATENÇÃO, DISLEXIA, AUTISMO, HIPERATIVIDADE E TOC. PODE-RIA DETALHAR O QUE É EXATAMENTE EEG?MASCARO: Pense nos neurônios como pequenas baterias. O cérebro é um órgão elétrico e quando um neurônio transmite um impulso nervoso, transmite uma infor-mação. Para fazê-lo, precisa despolarizar seu potencial de membrana, o que pro-move a abertura dos canais de membra-na que liberam os neurotransmissores nas sinapses. Por isso, o eletroencefalograma

que sobem e descem. Esse “sobe e desce” é exatamente um retrato dessas polariza-ções e despolarizações. O que acontece em cada uma das desordens é que elas envolvem alterações funcionais que impli-

ou em acelerações desse sinal, as primeiras, dependendo de onde ocorram no cérebro, e especialmente na faixa de Theta (4-6Hz),

A terapia deve ser considerada para tratamento de questões emocionais, não importando aí de que condição se trate. Já o tratamento de diferentes condições oriundas de

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