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ENTREVISTA: FERNANDO CURI PERES – PROF. DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Disponível em: http://www.beefpoint.com.br/forum/gerenciamento-forum/primeira- entrevista-fernando-c-peres/ FALTA CAPITAL SOCIAL NOS ESTOQUES NACIONAIS Qual significado tem para o agricultor o fato de estar trabalhando em um mercado de concorrência perfeita? De fato, isso é uma fatalidade. Se você procurar entre as grandes empresas mundiais, vai ver que nenhuma delas, mesmo em sua busca da diversificação, quer produzir produtos agrícolas. A razão é muito simples. É que a lucratividade do produto agrícola, pelo fato de trabalhar em condições de mercado próximas à concorrência perfeita, tende a zero. O que significa isso? Um mercado de concorrência perfeita significa grande número de produtores, nenhum dos quais têm condição de determinar preço. O maior produtor do mundo de boi, soja, não consegue afetar nem um centavo do preço, seja segurando o produto ou aumentando sua oferta do seu produto. Esta grande pulverização da produção em milhões de produtores faz com que a rentabilidade tenda a zero. Estudantes de administração estudam durante quatro anos aprendendo a tentar escapar da condição de competição perfeita. De um modo meio fajuto porque eles nunca endereçam realmente seus objetivos efetivos. Mas é isto o que toda empresa tende a fazer. Os agricultores intuitivamente sabem disso. Todo agricultor gostaria de ter um rebanho diferenciado, uma marca. A diferenciação do seu produto é uma das possibilidades de você fugir dessa condição de competição, de lucro baixo. Só que isso é muito difícil de conseguir. Não é a toa que o grosso da agricultura trabalha com commodities. Commodity, por definição, é um produto padronizado, não diferenciado. Quer dizer, se você produz milho, teu milho é de um tipo tal e acabou. Você pode jurar que ele é mais gostoso, ou que ele tem a qualidade que for, que não faz diferença nenhuma para o mercado. O preço é o mesmo de todo mundo. O que o agricultor pode fazer aí é realmente pouco. Embora, como em toda atividade, existam aqueles caras mais “vivos”, empresarialmente mais capazes, que conseguem identificar certos nichos de mercado e que rompem esse determinismo da baixa lucratividade. Por exemplo, se você conseguir um mercado onde você é o único fornecedor você se tornará capaz de negociar preço. Por exemplo, se você é o único fornecedor de leite “kosher” numa determinada comunidade judia. Se eles acreditam que você produz de acordo com todas as normas exigidas, e eles são extremamente exigentes, eles estarão dispostos a pagar um preço adicional (desde que você continue tendo a confiança deles de que seu produto realmente é diferenciado). Aí você produz um produto diferenciado e consequentemente vai ter um benefício equivalente. Outro exemplo são os produtos orgânicos. Se você convence os consumidores que seu produto é produzido sem fertilizante e produtos químicos e se esses consumidores estão dispostos a pagar um preço maior por isso, você conseguirá rendas maiores num nicho de mercado. Tudo isso implica nessa diferenciação que tem que ser mantida, na base de confiança, na base de alguma forma de transmissão

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Entrevista Peres

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ENTREVISTA: FERNANDO CURI PERES PROF. DA UNIVERSIDADE DE SO PAULODisponvel em: http://www.beefpoint.com.br/forum/gerenciamento-forum/primeira-entrevista-fernando-c-peres/FALTA CAPITAL SOCIAL NOS ESTOQUES NACIONAISQual significado tem para o agricultor o fato de estar trabalhando em um mercado de concorrncia perfeita? De fato, isso uma fatalidade. Se voc procurar entre as grandes empresas mundiais, vai ver que nenhuma delas, mesmo em sua busca da diversificao, quer produzir produtos agrcolas. A razo muito simples. que a lucratividade do produto agrcola, pelo fato de trabalhar em condies de mercado prximas concorrncia perfeita, tende a zero. O que significa isso? Um mercado de concorrncia perfeita significa grande nmero de produtores, nenhum dos quais tm condio de determinar preo. O maior produtor do mundo de boi, soja, no consegue afetar nem um centavo do preo, seja segurando o produto ou aumentando sua oferta do seu produto. Esta grande pulverizao da produo em milhes de produtores faz com que a rentabilidade tenda a zero.Estudantes de administrao estudam durante quatro anos aprendendo a tentar escapar da condio de competio perfeita. De um modo meio fajuto porque eles nunca endeream realmente seus objetivos efetivos. Mas isto o que toda empresa tende a fazer. Os agricultores intuitivamente sabem disso. Todo agricultor gostaria de ter um rebanho diferenciado, uma marca. A diferenciao do seu produto uma das possibilidades de voc fugir dessa condio de competio, de lucro baixo. S que isso muito difcil de conseguir. No a toa que o grosso da agricultura trabalha com commodities. Commodity, por definio, um produto padronizado, no diferenciado. Quer dizer, se voc produz milho, teu milho de um tipo tal e acabou. Voc pode jurar que ele mais gostoso, ou que ele tem a qualidade que for, que no faz diferena nenhuma para o mercado. O preo o mesmo de todo mundo. O que o agricultor pode fazer a realmente pouco. Embora, como em toda atividade, existam aqueles caras mais vivos, empresarialmente mais capazes, que conseguem identificar certos nichos de mercado e que rompem esse determinismo da baixa lucratividade. Por exemplo, se voc conseguir um mercado onde voc o nico fornecedor voc se tornar capaz de negociar preo. Por exemplo, se voc o nico fornecedor de leite kosher numa determinada comunidade judia. Se eles acreditam que voc produz de acordo com todas as normas exigidas, e eles so extremamente exigentes, eles estaro dispostos a pagar um preo adicional (desde que voc continue tendo a confiana deles de que seu produto realmente diferenciado). A voc produz um produto diferenciado e consequentemente vai ter um benefcio equivalente. Outro exemplo so os produtos orgnicos. Se voc convence os consumidores que seu produto produzido sem fertilizante e produtos qumicos e se esses consumidores esto dispostos a pagar um preo maior por isso, voc conseguir rendas maiores num nicho de mercado. Tudo isso implica nessa diferenciao que tem que ser mantida, na base de confiana, na base de alguma forma de transmisso dessa informao: as pessoas sabem que voc produz de uma determinada maneira. uma espcie de marca que voc tem que manter. Como funciona a adoo da tecnologia em termos econmicos? Isso foi primeiro entendido e explicado muito bem pelo Ruy Miller Paiva, praticamente o fundador da Economia Rural no Brasil. Ele morreu recentemente, alis, e precisamos homenage-lo muito pelo tanto que fez pela produo rural no Brasil. O que acontece se, numa situao de relativo equilbrio na produo de um determinado produto, surge uma tecnologia nova? Uma tecnologia nova uma tecnologia que de alguma maneira permite a produo da mesma quantidade de produto por um custo mais baixo ou de uma quantidade maior pelo custo atual. Quer dizer, por unidade de produto a tecnologia nova produz mais barato. Alguns agricultores mais inovadores, mais eficientes do ponto de vista empresarial, vm essa possibilidade da tecnologia, a adotam e conseguem produzir por um custo mais baixo (com o objetivo de obter maior lucro j que o mercado est em equilbrio). Ora, produzindo por uma custo mais baixo, de alguma maneira, ele aumenta a disponibilidade do produto no mercado e os preos do produto caem. Isto , os benefcios, ou a maioria deles, so repassados para os consumidores. Isto uma das coisas importantes em mercados competitivos: o grande beneficirio do mercado competitivo o consumidor enquanto que no mercado no competitivo o grande beneficirio a empresa. Os consumidores ganham o benefcio de poderem pagar menos pelo produto e aquelas empresas que inovaram, no incio, tm lucro. O problema que, como os preos daquele mercado caem rapidamente, agora os outros produtores necessariamente tm que inovar. Eles tm que correr atrs e tambm inovar mas agora no mais para ter lucro mas apenas para se manterem no negcio. E quem no for capaz de inovar est fora. H uma perda de produtores crnica que simplesmente no tem sada. A menos que voc tivesse uma expanso autnoma de mercado internacional, ou seja, que a ndia ou a China entrassem comprando mais produtos nossos, a tendncia realmente o pessoal sair do campo. Em resumo, isso acontece porque com novas tecnologias voc vai conseguir produzir por custos mais baixos quantidades maiores de produtos. E isso tambm uma fatalidade do sistema. No adianta tentar inventar muita coisa nisso no. Com essa sada crnica ocorre uma concentrao da produo e um menor nmero de produtores satisfaz a demanda do mercado. Este fato implica em um aumento de escala de produo e, por suposto, maiores lucros para os que ficam. Por que ento no entram nesse mercado investimentos de outras reas do sistema em busca desse lucro aumentado? Se eu entendi bem, voc quer saber por que algumas empresas privilegiadas conseguem extrair um lucro maior da sociedade e por que outras empresas no entram no mercado dessas empresas privilegiadas com o objetivo de obter parte desse lucro. Primeiro temos que considerar a existncia de fato de economia de escala. O que economia de escala? Economia de escala significa que, se voc produz em quantidades maiores, voc consegue produzir com custos menores. Se existe escala numa atividade, a tendncia realmente cair o nmero de empresas e voc ter um nmero menor de produtores. Existe uma certa economia de escala na produo de cana. medida que voc produz em reas maiores, voc pode usar adubao lquida, voc pode usar sub-soladores maiores, tratores de esteira que compactam menos o solo e consegue produzir um pouco mais barato. Mas isto muito discutvel em outras reas de agricultura. Mas, por exemplo, na agroindstria de fumo decididamente no existe economia de escala. Se algum tentar administrar a produo de cem ou de mil hectares de fumo, provavelmente vai falncia. A estrutura organizacional necessria para administrar uma empresa de mil hectares de fumo to complexa que os custos aumentariam muito, de maneira que muito melhor ter pequenos produtores. Nessa atividade dizemos que h deseconomias de escala.Mas algumas pessoas descobriram que muito mais eficiente criar artificialmente economia de escala forando uma vantagem monopolstica ou de competio imperfeita, para determinadas empresas. Uma delas atravs da chamada regulamentao de mercado. O que isso ? Voc em geral envolve organismos governamentais e cria leis, decretos, portarias etc que impedem a entrada de competidores no mercado em que voc atua. E a aqueles privilegiados que conseguem estar ou se manter no mercado auferem ganhos s custas da sociedade. Em geral, essas leis e normas vm sempre travestidas de ajuda ao consumidor. A hora em que se comea a falar de maior fiscalizao, de normas de higiene, de normas de apresentao do produto etc, voc est claramente tentando ganhar a simpatia dos consumidores para uma regulamentao que acabar impedindo a entrada de um nmero maior de produtores. Essa claramente a tentativa da indstria do frio no Brasil com essa regulamentao que eles conseguiram inclusive passar em lei. S que no pega e no pega por fora do mercado mesmo. Os consumidores no querem que pegue. E no querem que pegue porque eles vo pagar muito mais caro se pegar. O que a indstria do frio est fazendo? Ela conseguiu um conjunto de regulamentos que, se obedecidos, reduziria dramaticamente o nmero de frigorficos. Pouqussimos frigorficos no Brasil poderiam existir. Consequentemente voc daria para o pequeno nmero de frigorficos restante um grande poder de mercado: s eles poderiam comprar gado e vender carne. Eles imporiam preos e, ganhando do lado do pecuarista e do lado do consumidor, teriam belssimos lucros. muito razovel que a indstria queira fazer toda essa mobilizao, esse lobby, para conseguir isso. Mas o que aconteceria se essa lei pegasse? Voc teria que fechar o grosso desses milhares de pequenos abatedores, que esto matando, com mais ou menos higiene, mas que esto desempenhando o papel de introduzir uma alta competio nesse mercado. E por isso que essa indstria uma das poucas que so competitivas, voc tem baixas taxas de ganho, voc tem muita falncia em frigorficos. Agora, lgico, se eu fosse o dono de um frigorfico eu ia querer essa regulamentao de forma tal que apenas eu pudesse continuar no mercado. Como eu disse, uma regulamentao travestida daqueles atrativos para o consumidor. Eu diria: Ns vamos dar um produto com uma melhor higiene, com uma classificao melhor, embalados vcuo, etc . Voc ia vender toda essa iluso de produtos melhores. O que no verdade no sentido de voc acabaria tirando do mercado um punhado de consumidores que atualmente s conseguem comprar porque o produto, embora no tendo aquelas condies ideais, tem condies suficientemente boas para ser consumindo. Tanto que o consumidor no est morrendo. No existe nenhuma evidncia no Brasil de que consumir carne de abatedores municipais faz mal sade. Ao contrrio, faz bem porque a populao est tendo acesso aos nutrientes proticos da carne. Agora feche os abatedores e os pequenos frigorficos, deixe uma meia dzia de frigorficos botar o preo da carne l em cima, que o que vo acabar fazendo, que eles vo eliminar do mercado todos os consumidores de baixa renda que atualmente conseguem comprar carne desde que ela esteja suficientemente barata. Ento teria que haver uma unio dos pecuaristas e dos consumidores em defesa da concorrncia. E o CADE teria que ter uma maior atuaoClaro, claro. O problema srio com o CADE . Milton Friedman, da escola de Chicago, Prmio Nobel de Economia, escreveu um artigo fundamental sobre isso, chamado Barking cats, na revista Newsweek. Nesse artigo ele dizia que sua filha adorava gatos e queria ter um deles. Ele disse que ela podia ter um gato desde que ela achasse um gato que latisse e que, latindo, ajudasse a espantar os ladres. Mas, diz Friedman, infelizmente no h gatos que latem. Isso no da natureza dos gatos. E essa semelhana ele fez com a regulamentao de mercado. Quando voc cria uma agncia do estilo do CADE para proteger o consumidor, a probabilidade maior que ela acabe protegendo a indstria. Porque voc concentra nesse punhado de pessoas um poder muito grande e fica muito fcil para a indstria saber onde tem que trabalhar para conseguir alianas, atravs de lobbies etc, com esses tipos de pessoas. O exemplo que ele dava, muito ilustrativo, foi o das companhia areas americanas. Elas, at a poca do presidente Reagan, eram regulamentadas por um conjunto de leis geridas por uma agncia federal destinada a proteger o consumidor. A Califrnia era o nico estado americano suficientemente grande para ter linhas areas internas; e portanto no regulamentadas pela agncia federal. Bom, no preciso dizer nada do resultado final disso. O que acontecia era que o custo de passageiro por km dentro do estado da Califrnia era metade do preo das linhas interestaduais. Onde existia uma agncia que devia proteger o consumidor, o custo da passagem era pelo menos o dobro. O que o Reagan fez? Acabou com isso tudo: o preo da passagem caiu pela metade e boa parte das companhias faliram ou tiveram que se reestruturar. Hoje elas so altamente competitivas e com isso aumentou tremendamente o nmero de passageiros que voam nos Estados Unidos em vez de viajar de carro, trem, nibus etc em viagens longas, com todos os problemas que isso representa. Porque agora est muito mais barato o transporte areo. No Brasil tnhamos um problema semelhante com postos de gasolina. O servio era ruim, o preo de gasolina era tabelado, voc tinha um atendimento ruim. Isso porque tnhamos uma agncia que regulamentava os postos . Ela no permitia a abertura de novos postos e , portanto, no permitia a competio. Ela velava para que os postos mantivessem certos nveis de atendimento. Existia um certo gio para ser dono de posto de gasolina, voc tinha que comprar esse direito de algum. Hoje se acabou com isso e qualquer um pode abrir um posto . E o que aconteceu? Hoje voc paga com cheque pr-datado, com carto de crdito, tem disputa no preo e um servio muito melhor. Voc chega para botar gasolina e o cara oferece para botar ar no seu pneu, lavar o pra-brisas, te d prazo etc. A populao ganhou muito com isso. Quem perdeu foram aqueles que tinham o privilgio de ter uma agncia regulamentando o setor e protegendo o consumidor entre aspas. Essas agncias so muito fceis de serem cooptadas pelas empresas que deveriam regulamentar de forma a proteger os consumidores. Mesmo pases do porte econmico do Brasil, como a China e a ndia, tm polticas nacionais. Na sua opinio, o Brasil tem uma poltica nacional e se tm, qual ? E existiria uma poltica agrcola brasileira dentro dessa poltica nacional? Claramente que h. E existiu toda vida. Quando alguns representantes de classes ligados ao setor insistem que ns no temos uma poltica agrcola eles esto usando uma fora de expresso, uma bandeira poltica, para dizer que ns no temos certas protees que alguns outros pases tm. a mesma coisa na poltica industrial. Quando o pessoal comea a pedir uma poltica, em geral ele est pedindo proteo. E proteo o que conta no bolso do empresrio. Empresrio quer proteo contra competio, via regulamentao, barreira alfandegria etc. Isso impede a competio e ns voltamos ao nosso incio de que competio que, ao diminuir o lucro, diminui os preos para os consumidores. Nenhum empresrio quer diminuir seu lucro; na verdade empresrio quer ser protegido de algum jeito. O que no bom para a sociedade, evidentemente. medida que voc protege o empresrio a sociedade paga um preo mais alto. Lgico, aparecem os desvios, como aquele que diz que voc tambm no gera emprego. Toda aquela conversa fiada. Voc gera emprego sim quando h desenvolvimento nos setores onde a economia da nao tem certas vantagens. Evidente que se o Brasil proteger sua indstria de computao, como ns fizemos na marra, voc chega at a criar uma indstria nacional. Mas uma indstria incapaz de competir em termos de preos e de tecnologia com o mercado internacional. E o resultado final que ns atrasamos tremendamente, dcadas, a absoro dessa tecnologia fundamental para o pas. Tudo isso para manter um grupo de privilegiados que tiveram empregos ou foram donos de algumas empresas. Essa pessoas auferiram grandes benefcios s custas do atraso geral da nao durante esse perodo. A regra geral que a proteo sempre traz um custo para a sociedade que muito maior do que os benefcios que algum subgrupo acaba tendo. Voc tem que procurar onde est a vantagem e a desvantagem para a populao como um todo versus o subgrupo .Aqui h um ponto fundamental. Quando voc d benefcios para um determinado grupo, seja ele de industriais, agricultores, agroindustriais nacionais, esse segmento se desenvolve, cresce e acaba ficando com um determinado nmero de empresrios e trabalhadores. Esse pessoal obviamente tem um interesse muito forte na regulamentao. Por exemplo, se voc tira de repente a proteo nossa indstria de fertilizantes um bocado de gente vai perder seus empregos e alguns industriais vo perder seus lucros. Ora, isso significa toda a vida dessas pessoas. Ento a fora que eles tm para defender essa proteo muito grande: eles podem perder suas empresas e empregos. Agora vejamos isso do ponto de vista do consumidor dos produtos agrcolas. Caso o mercado seja aberto para a competio com indstrias internacionais de fertilizantes, o agricultor brasileiro pagar os preos internacionais dos fertilizantes e que so menores. Portanto ir haver uma reduo no preo do produto agrcola que o consumidor vai consumir. S que ser uma reduo muito pequena. Digamos que diminua 10 centavos por kg de feijo. Isto , quando voc tira a proteo da indstria toda a sociedade ganha; mas cada pessoa ganha s um pouquinho. E nenhum consumidor vai brigar por 10 centavos. Agora, quem perde o emprego ou a empresa vai entrar feio na briga. Isto , com um poder de lobby e organizao muito maior que o da sociedade. Portanto, a fora poltica contra voc tirar a proteo governamental de algum ramo da indstria ou da agroindstria muito grande. Isto , a sociedade no manifesta sua vontade como manifestam os grupos que vo perder a proteo. A sociedade no pressiona os polticos como os grupos que esto em vias de perder a proteo o fazem. Ento essa a razo de ser politicamente muito difcil voc fazer um trabalho do interesse da populao. A tendncia que os polticos acabem respondendo a quem chia mais, a quem mobiliza mais, a quem grita mais. Portanto, um fator fundamental em democracia o fato de que voc precisa realmente ter estadistas nos postos polticos importantes da nao. Um estadista um indivduo capaz de ver o interesse da sociedade versus o interesse de pequenos grupos dentro dela. A nossa sociedade altamente corporativa. O problema na nossa sociedade no a ausncia de polticas mas a ausncia de estadistas. a ausncia de pessoas capazes de responder ao interesse da populao e dizer no ao interesse dos sub-grupos especiais, sejam eles os empregados ou os donos dessa determinada indstria. Isso o que me parece uma deficincia muito grande e que ns precisamos desenvolver no nosso pas. Como explicar e desenvolver isso?O desenvolvimento disso muito complexo e apareceu muito recentemente na literatura. Isso tem um nome: chama-se capital social. At recentemente, na dcada de 80, considervamos apenas quatro tipos de capital importantes para o desenvolvimento de uma sociedade. O capital natural, os bens fsicos naturais, o solo, o subsolo, os rios, as florestas, o clima etc. O segundo o capital fsico, as construes, as mquinas, a tecnologia embutida etc. O terceiro o capital financeiro, que so as poupanas que as pessoas fazem e que ela eventualmente importa de outros pases. O capital financeiro caracteristicamente tem altssima mobilidade. O quarto, o capital humano, j h algum tempo considerado muito importante e a ele tradicionalmente no se d muita importncia no Brasil. Apenas esses quatro tipos de capital era considerados os estoques que a sociedade precisaria trabalhar para produzir desenvolvimento econmico e social.Hoje considera-se que h um quinto tipo de estoque de capital que to ou mais importante do que qualquer um desses: o capital social. uma medida do grau de confiana que existe nas relaes entre as pessoas e nas relaes dos diversos setores da sociedade. Eu enfatizei confiana porque ela a base de tudo isso. Em ltima instncia, capital social o tecido que faz a estrutura da sociedade. E agora, com esse conceito, est muito mais fcil para os economistas mostrarem, por exemplo, porque falhou a sociedade russa. Uma sociedade que tem recursos naturais em abundncia, que tinha uma relativa base de capital fsico e de tecnologia, que tinha capital humano bem desenvolvido e que precisava aparentemente apenas capital financeiro, poupana do resto do mundo, para poder se desenvolver. Todo mundo esperava que a sociedade russa, com essa disponibilidade desses quatro capitais iria poder se desenvolver. Ela no tinha capital financeiro, mas isso podia ser levado do exterior. Ela no tinha tecnologia de algumas reas mas isso podia ser levado exterior tambm. Ela tinha tudo para um tremendo crescimento. Esperava-se isso mas de repente ela entrou numa rota totalmente contrria. Porque isso? Por falta de capital social. Voc no tem confiana entre as pessoas, elas no tm capacidade de se unirem para enfrentarem os problemas que cada comunidade pode ter. Eles no tm a capacidade de, em conjunto, equacionarem e solucionarem seus problemas. Eles no tem a confiana para fazer isso. Porque? Eles foram treinados por, pelo menos setenta anos, para em vez de desenvolver valores cvicos, desenvolver clientelismo. Foram, de fato, muito mais anos que isso, porque a Rssia sempre foi um pas pobre e altamente hierarquizado. Voc tem um total clientelismo na sociedade. O clientelismo era todo do Estado, quem tinha o partido fazia o clientelismo. Voc tinha que estar nas graas da hierarquia do partido at recentemente. Agora que o partido no tem mais esse papel as mfias o esto substituindo. Ou qualquer um que possa assumir o poder de criar essas estruturas clientilsticas. A ausncia desse capital social mostra a razo dessas economias estarem em uma rota exatamente inversa do que se esperava. Como se desenvolve o capital social num pas da Europa ou mesmo nos Estados Unidos, por exemplo?O trabalho seminal, um clssico, dessa rea, o de Robert D. Putnam, professor de Havard, Making Democracy Work. Ele vai ganhar um Prmio Nobel, logo logo, por sua obra. O trabalho que deu origem a esse desenvolvimento foi uma anlise que ele fez da Itlia. Ele pegou a Itlia do norte e comparou com a Itlia do sul. Ele quis saber o porqu de, partindo de uma base relativamente comum no fim do sculo passado, as regies do norte da Itlia terem se desenvolvido economicamente e as do sul terem ficado estagnadas. Apenas as varveis econmicas tradicionais (capital natural, fsico, humano e financeiro), no conseguiam explicar essa diferena. O professor Putnam mostra que a capacidade da sociedade do norte teve em se organizar e criar instituies fundamentalmente baseadas em confiana uma varivel que explica muito bem essa diferena. Agora isto est sendo muito bem estudado no mundo inteiro. Na explicao dele, do capital social que o norte tem e o sul no tem, entram elementos desde o sculo XI. Ele buscou no sculo XI a origem disso! Digamos que voc agora quer saber porque certas reas de pobreza se mantm na regio americana dos Apalaches enquanto que outras esto se desenvolvendo. Da voc vai estudar e descobre que nessa regio falta exatamente capital social ! Falta essa confiana mtua, falta essa capacidade de atuao em grupo. Ele desce a mincias assim: na Itlia do norte voc tem muito mais clubes de futebol, mais corais, mais clubes de leitura, mais Rotary Clubs, mais Lyons Clubs, muito mais organizaes sociais do que no sul. No sul o povo fica esperando o governo fazer. No norte, o povo vai e faz. Muitos negcios podem se iniciar em uma reunio do Rotary, do Lions, no ensaio do coral, em um clube de xadrez ou de leitura Que beleza voc poder vender o gado e confiar que vai receberSe h uma estrutura de confiana que d base para os negcios, as pessoas vo poder e querer investir muito mais, no ? Mas no s nos negcios. Imagine quantas formas de se fazer crescer a sociedade. por isso que se chama capital social: porque ele reprodutivo. Esse tipo de capital muito ausente em sociedades muito hierarquizadas, do tipo clientelista. Um grande criador de clientelismo o Estado. Quando voc d para determinados indivduos poderes de distribuir benefcios ele vai tentar fazer isso de forma clientelista. Ele faz essa distribuio numa forma no impessoal, de acordo com regras, mas sim de uma forma clientelista em que ele vai querer ganhar de algum jeito uma retribuio, por exemplo, o voto chamado clientelista. Que hoje no tem mais a ver com o dono da terra mas sim com o funcionrio pblico que distribui a cesta bsica, que distribui o crdito no Banco do Brasil, no Banco do Nordeste etc. Esse cara faz um clientelismo hoje via Estado. Onde voc tem esse clientelismo onde existe mais dificuldade de criar esse capital social. Se voc olhar para o Brasil, o cooperativismo se desenvolveu muito melhor no sul que no norte do pas porque claramente voc tem muito mais capital social no sul. Como voc tinha mencionado antes, por causa de razes culturais do tipo de migrao que voc teve. Esse tipo de capital pde permitir muito mais o crescimento da economia aqui no sul que no norte. Mas acho que ns desenvolvemos no Brasil uma cultura altamente clientelista e corporativista que impede ou dificulta muito o desenvolvimento desse capital social. E ns inevitavelmente vamos ter que trabalhar nisso. Uma das coisas, para mim, que atrasa muito o desenvolvimento desse capital essa viso de obrigatoriedade do Estado prover tudo. H pouco tempo atrs havia uma faixa nos nibus que dizia que transporte um direito do cidado e um dever do Estado. Ns estamos dizendo que as pessoas tem direito a tudo e o Estado obrigado a tudo. O resultado que as pessoas vo ficar esperando as coisas e dando oportunidade aos polticos clientelistas de crescerem nisso. Os prefeitos que doam cestas bsicas em troca de votos esto desenvolvendo cada dia mais esse clientelismo. Essa atitude da maioria das pessoas de nossa sociedade vai ter de ser trabalhada. Vai ser muito difcil porque esse tipo de capital muito custoso. A possibilidade de transferncia muito difcil a menos que voc tenha grandes migraes. E a possibilidade da educao formal ajudar a construir o capital social?Em geral considera-se a educao formal como um elemento importante de formao do capital humano. O sul da e o norte da Itlia tm a mesma situao educacional, o mesmo currculo, o nmero de horas de aula, etc. Agora esse valor da sociedade, essa crena , essa capacidade das pessoas trabalharem juntos muito maior no norte do que no sul da Itlia. No norte da Itlia, a comunidade resolve os seus problemas. Enquanto isso, no sul, em vez dos grupos resolverem seus problemas, as pessoas ficam esperando o Estado fazer. Eles fazem o que o povo brasileiro est se acostumando cada vez mais a fazer: chiar e dizer que o Estado no faz. Em vez de ir l e fazer, reclamam, chiam. H uns dois anos atrs uma reportagem da tev Globo mostrava, no norte do Brasil, escolas sem carteiras e as crianas sentadas no cho. O jornal denunciava as autoridades, o que uma verdade, pois isso um absurdo. Mas nessa regio a madeira de graa e h centenas de pais com tempo disponvel; se eles se organizassem, com pouqussimas horas de trabalho, eles mesmos podiam fazer os bancos. No entanto eles e as professoras deixaram as crianas durante trs anos sentadas no cho esperando que o governo trouxesse as cadeiras. As professoras e os pais preferiram a postura clientelista de dizer : Ah, esses polticos no prestam e no nos trazem as cadeiras. Esperaram at a rede Globo ir l e mostrar o problema ou um poltico oportunista ir l e entregar as cadeiras em troca de votos. Robert Putnam forneceu evidncias empricas de que as variveis econmicas tradicionais no explicam as diferenas atuais de desenvolvimento econmico entre as comunidades. Mas se forem colocadas a as variveis cvicas do capital social, resultados da complexa organizao comunitria, voc explica essas diferenas. De fato, com isso, com esse conceito estamos ampliando nossa viso do mundo de uma maneira extremamente oportuna e interessante. Os EUA, a Unio Europia e o Japo tm uma poltica de crescimento que parece implicar em mercados internos reservados aos seus produtores agrcolas. O discurso o do livre comrcio e a prtica o do protecionismo. Na sua opinio, quais so as razes econmicas desses pases defenderem seus agricultores? Isso verdade e muito importante. Eles so altamente protecionistas com seus agricultores. Os EUA hoje falam muito em competio e no-proteo, mas foram os campees em proteo durante o perodo em que investiram muito na agricultura at que ela ganhasse a vantagem competitiva que tm hoje. Agora evidentemente esto posando de defensores do livre-comrcio etc. O problema que esses pases podem se dar ao luxo de gastar recursos importantes na manuteno da renda do setor agrcola maior do que seria sem subsdios. A Europa, no seu conjunto, deve ter 8 a 9 % de sua populao ativa economicamente no campo. Isto s possvel graas a um tremendo subsdio que a comunidade d aos agricultores porque seno o ponto de equilbrio seria muito menor. E fcil de ver isso: a Inglaterra s tem 2% da populao no campo. Os Estados Unidos menos ainda. Eles esto mantendo uma frao maior no campo do que a necessria. Mas eles podem fazer isso porque tm renda para isso. Provavelmente os estudos mostram que suas economias urbanas no absorveriam esse excedente populacional ou absorveriam a um custo mais alto do que manter aquele tipo de subsdio. A sociedade paga isto atravs do subsdio direto e dos preos mais altos dos alimentos que eles podiam ter mais barato. Ento um custo muito alto mas que tende a cair no futuro. Porque a sociedade sabe disso e vai pressionar. Mas por enquanto difcil se quebrar isso. O Japo provavelmente o campeo deles em termos de subsdio. Eles alegam que isso faz parte de uma poltica de segurana alimentar de manter uma produo agrcola mnima porque eles tem medo de depender de alimentos importados. O problema nosso, de pas subdesenvolvido, que ns no temos condies de fazer isso, no temos de onde tirar para fazer isso. Nas sociedades subdesenvolvidas, em geral a agricultura um segmento muito importante da economia como um todo. O que se faz o inverso, voc extrai renda do setor agrcola para financiar os setores urbanos. Que o que ns estamos fazendo e fizemos especialmente depois dos anos 30. As pessoas tm sido manipuladas atravs da educao e da propaganda a olhar o produtor rural brasileiro como o caipira simplrio ou o tubaro egosta responsvel pelas desgraas do mundo. O que fazer? Essa pergunta a mais dura. No programa de lideranas rurais do LIDERUSP, um grupo angustiado vivia sempre se perguntando o que fazer com relao a isso. Ns tivemos pelo menos seis dcadas de extrao de recursos da agricultura para financiar os meios urbanos e a industrializao. Para justificar essa extrao criou-se esse conjunto de valores hostis agricultura dos quais voc deu alguns exemplos. No fundo so valores culturais perversos criados para extrair recursos financeiros atravs de taxaes ou expropriaes de renda. Ou para tirar recursos humanos do campo estimulando-o a deixar de ser caipira e vir trabalhar na cidade. Uma vez entendida a consistncia dessa poltica de diviso criada pela nossa sociedade e seu claro objetivo, resta saber como reverter isso. Como trabalhar para reverter uma coisa que durou seis dcadas e que moldou geraes? Primeiro, isso s vai acontecer se a sociedade entender que ela precisa de uma viso diferente de forma a permitir que a agricultura desempenhe o papel que precisa desempenhar. Ningum vai fazer isso pelos belos olhos dos agricultores, isso no tem sentido. A sociedade vai fazer quando ela notar que ela est matando a galinha dos ovos de ouro. Na situao particular do Brasil, em que o PIB do agronegcio significa cerca de 40% da renda total do pas, ela a galinha dos ovos. Quando se fala de um agronegcio de 40% est-se falando de um setor agrcola que s 10% mas que fundamental nesse PIB total. Se voc enfraquecer muito isso, esses 10% da renda nacional que o PIB da agricultura, voc vai enfraquecer os outros 30% necessariamente, porque voc no ter mercado para os produtos dessa agroindstria e tambm no ter matria-prima para essa agroindstria. Acima de tudo, esses 10% de PIB o grande responsvel pela qualidade de vida do resto da populao urbana que precisa de alimentos baratos, de boa qualidade, de fibras etc. A sociedade vai ter que entender isso. E necessariamente isso vai ocorrer por partes. Os empresrios podem ver isso de uma forma mais fcil do que a populao. Mas isto vai ter que ser visto.Um estudante de uma escola de jornalismo que ainda est sendo formado por esta viso antiga vai ter de entender que, se trabalhar com ela, ele vai provocar um enfraquecimento de nossa economia, um aumento de misria na nossa sociedade. E a funciona uma certa caracterstica da nossa universidade que muito sria. Ns, professores titulares de hoje, somos parte de uma gerao que cresceu nas dcadas de 40, 50 e 60 quando o marxismo era visto como alternativa vivel no mundo. Mas muitos de ns no conseguimos superar essa viso, esse vis marxista, que tinha seu valor naquela poca, mas que hoje os fatos do mundo demonstraram que esto totalmente ultrapassados. muito reacionarismo hoje ser da linha do PC do B e querer ditadura do proletariado, estatizao ou planejamento central na economia. O Lula gosta de dizer que tal pessoa um dinossauro. Eu diria que hoje esse reacionarismo o maior dinossauro que existe na sociedade. Da mesma forma que nos meios acadmicos, a igreja e os jornalistas que hoje so os editores tambm foram formados nessa influncia, de uma maneira muito forte. A superao disso muito difcil. Se fosse cincia eu acho que era fcil: quando voc tem uma atitude cientfica, os fatos te fazem mudar sua viso. Mas se voc tem uma atitude doutrinria, religiosa, os fatos passam a ser pouco importantes. Se o mundo est te mostrando uma coisa que contra a sua doutrina ou religio o mundo que est errado. Quando voc olha os fatos do mundo e se eles so contra sua viso de f marxista, a sua tendncia dizer que o mundo est errado. A eles tentam mudar o mundo e no a opinio sobre o mundo. Eu no sei como vai ser nem quanto tempo vai demorar essa mudana, esse trabalho, com os formadores de opinio, os professores, jornalistas, igreja; se vamos ter que esperar novas geraes virem para ocorrer uma mudana. A minha esperana que esse pessoal tenha mais aderncia ao mtodo cientfico. Que use mais cincia no sentido de checar suas proposies com os dados da realidade do mundo e mude eventualmente suas proposies se esses dados indicarem um outro sentido. Isto muito difcil: a formao religiosa, ou religiosa-marxista das pessoas, se voc quiser , faz isso muito difcil. Mesmo na empresa, as vezes o cara finca p num sonho e faz a empresa falir porque acredita em algo que no existe mais, no ? Claro. Mas o mercado tem uma coisa muito sria: ele muito duro e no perdoa. O que no acontece aqui. Voc pode ser um idealista e um sonhador e ter uma grande audincia jornalstica falando bobagens, sonhos. Voc consegue embalar muita gente pregando elementos religiosos doutrinrios por mais absurdos que sejam. Leva muitas pessoas a te dar suporte por muito tempo. O mercado muito mais duro que isso. Nas empresas isso acontece muito menos porque se voc comea a pensar bobagem num instante voc est fora. Enquanto isso, muita gente continua comprando livros marxistas a rodo embalados por um sonho e sem muita perspectiva de sofrerem penalidade.O que colocar no lugar da utopia ento? Ou voc acha que no tem que ter utopia? Eu acho que existem valores humanos definidos em qualquer linha de pensamento: uma certa averso ou ojeriza pobreza, uma atitude de viso do mundo de que voc ou seus descendentes s vo conseguir os benefcios da sua acumulao se voc tiver um mnimo de distribuio disso para todas as pessoas do mundo. Toda ou quase toda a sociedade vai ter de se desenvolver ou ento o mundo vai se inviabilizar por problemas de segurana, de depresso de recursos ambientais etc. De algum jeito esses valores so simplesmente produtos de racionalismo. Lgico que tem gente que pensa isso por razes ideolgicas e crists. Se a pessoa acha que tem que amar o prximo por uma razo de f, acho muito razovel. Mas isso no necessrio. Voc, com pura racionalidade, voc tem que chegar mesma concluso. Hoje, no d para voc no ter uma perspectiva social importante qualquer que seja a rea de seu trabalho. Os americanos dizem que o modelo de proteo social dos europeus gera desemprego. Os europeus defendem seu modelo da rede de proteo social dizendo que os americanos no contam como desempregados os mais de 1 milho de pessoas presas nas penitencirias americanas. Os dois defendem seus agricultores. Para ns, qual que o melhor modelo?Eu acho que existem duas experincias importantes no mundo de hoje: a americana e a inglesa. So os dois pases de mais baixo nvel de desemprego. So dois pases que tiraram essa iluso de que proteo do Estado ajuda ou resolve. Eles esto conseguindo muito mais baixo desemprego exatamente tirando esse papel protetor que funciona contra o prprio protegido. E pases com problemas srios de desemprego so os que mais dizem que protegem. Voc protege mas o custo diludo na sociedade como um todo e provavelmente a qualidade de vida medida como consumo provavelmente mais baixo. O grau de segurana do trabalhador ingls ou americano provavelmente mais baixo do que os outros pases da Europa Ocidental. Mas nos Estados Unidos e na Inglaterra voc sabe que se voc perder o emprego voc acha outro. Pode ser que com um salrio mais baixo mas acha outro. Os Estados Unidos esto importando gente do mundo inteiro. Ser que essa posio de ordem filosfica, ser que essa dureza do mercado de estar ameaando o indivduo de perder o emprego se ele no tiver uma performance muito boa, ser que isso ruim? Ou ser que isso no est mais prximo da estrutura biolgica da humanidade? Ser que o mundo no assim? Voc pode tentar querer criar estruturas para reduzir isso, muito bom, timo.mas custa de qu?Ser que isso no faz parte da vida, em outras palavras? No entanto, a Dinamarca, a Sucia, a Europa Ocidental como um todo, tm essa estrutura em alto grau. O cara sabe que tem uma rede que o protege no caso de ficar doente ou desempregado. Enquanto, nos Estados Unidos, o cara tem que lutar e batalhar e se no tiver sucesso no mundo s vezes ele acaba pirando e matando. No estou falando que ele no tenha que ter o livre arbtrio. A causa da violncia no o sistema social, ele, a pessoa. Mas essa competitividade imensa em que ele est imerso no pode ser considerada uma causa predisponente da violncia? Ento comparando os dois modelos, o da Dinamarca ou Sucia com o dos Estados Unidos e Inglaterra, os dois modelos tm qualidade de vida mas tambm tm uma malha estrutural capitalista diferente. Qual a gente escolhe? Eu acho que algumas coisas so claras para ns. Quando voc pergunta do Brasil, certamente malha do estilo da Sucia, da Dinamarca ns no temos acesso; mesmo porque eles s puderam fazer isso depois de serem ricos. Qual o maior indutor de riquezas? O grande indutor de riquezas o outro lado, o lado que voc est chamando de americano. Talvez eu pudesse dizer que esse um custo da criao de riquezas. A competitividade, essa caracterstica do capitalismo, tem um custo no sentido de que ela traz aumento da insegurana das pessoas. Mas ela muito mais eficiente para gerar riquezas. E uma das coisas de que precisamos no nosso pas gerar riquezas. No s um problema s de distribuio. Ns somos um pas relativamente pobre. No estou negando de maneira nenhuma o problema de distribuio de renda. Mas ns precisamos desesperadamente gerar riquezas. E nesse sentido o sistema muito protetor, sueco ou dinamarqus, muito ineficiente na gerao de riquezas. Um dia voc pode chegar l. Mas agora eu duvido que ele fosse razovel aqui no Brasil.O governo federal d terras a ex-agricultores e ex-operrios. Eles dizem que terra s para morar e fazer agricultura de subsistncia no basta. Querem crdito, tratores, tecnologia e insumos para se tornarem verdadeiros agricultores. Isto , eles querem entrar em uma atividade da competio perfeita com recursos pblicos. Como os agricultores j existentes, que tambm querem crdito, tratores e tecnologia etc, devem encarar os novos concorrentes? Os porta-vozes do MST dizem que o movimento agora vai invadir fazendas reconhecidamente produtivas para punir os maus agricultores e o clima social no campo em algumas regies brasileiras no exatamente o melhor. Como lidar com os desempregados do sistema capitalista?Eu acho que a sensibilidade do nosso governo para com o poder de presso dos grupos mais organizados, como, por exemplo o MST, tem o beneplcito de toda a intelligentsia que ns falamos (na imprensa, nos jornais, na universidade). Esse grupo tem um tremendo poder de presso e est ganhando os principais benefcios das polticas governamentais. Mas com uma implicao tremendamente sria: que eles no tm capacidade empresarial para gerir essas propriedades. Os pequenos agricultores ainda com alguma capacidade gerencial, mas sem capacidade de fazer essa presso poltica, saem diariamente no fluxo migratrio campo-cidade. De maneira que o saldo provavelmente negativo e o Brasil continua perdendo mais gente no campo do que esses assentamentos vo colocar. E lgico que isso vai continuar acontecendo e no incio ns falamos o porqu disso. Agora o que fazer com os desempregados; essa a grande questo. Eu, particularmente, conheo a filosofia atrs do MST, o vis dos grupos que compem ou que do orientao, a elite do MST, e sei que esses caras no esto nem a com o problema especfico do assentamento rural. Eles esto pensando numa revoluo social e acreditam que vo trazer o pas para o socialismo, hoje. O que ns estamos fazendo, ns essa intelligentsia que eu disse, ajudando o desenvolvimento desses caras. Eu particularmente acho que de um forma muito ineficiente para a sociedade. Porque, por menos importantes que eles sejam no sentido de que no alteram tanto a produo, mas porque isso est determinando padres que certamente vo extravasar o mundo rural. O movimento dos sem-teto est falando em invadir do mesmo jeito. No h razo para no deixarem de invadir. No h razo para os sem-comida deixarem de saquear os supermercados daqui a alguns dias. Mas essa certamente no a frmula de acharmos soluo para os excludos da nossa sociedade. Existe essa frmula, essa soluo ?Eu daria um cheque de uma vez. Em vez de dar a cesta bsica, que tem sido fundamental para esse pessoal na minha opinio, eu acho que a melhor frmula seria dar um cheque para eles. Para no criar neles a iluso de que eles vo conseguir impor o socialismo no pas. Acho que ningum srio pensa mais nisso, exceto esses coitados do MST. Para no deixar que eles fiquem na iluso de servirem de massa de manobra para esse tipo de interesse poltico e atrasado dessas lideranas. D para eles um cheque e deixa que vivam e comam. Trein-los. Voc d um cheque e um treinamento para eles. Pode ser at em agricultura. Investir nesse capital humano em vez de investir em toda essa estrutura de fazer assentamentos, estrutura que inclusive altamente corrupta. Na hora de fazer desapropriaes voc est gastando fortunas, est gastando muito dinheiro que no precisava. E que no vai levar a nada. preciso dar-lhes alguma coisa. Eles no podem morrer de fome. Tem de dar dinheiro ou, se for o caso, dar um pedao de terra tambm. Terra tem demais no Brasil. Agora o que no se pode deixar que esse pessoal, com essa bandeira de combate pobreza, desorganize todos os setores produtivos, como esto pretendendo desorganizar. Com esse objetivo dinossauro de implantar socialismo ou qualquer bobagem dessas que ningum mais, com um mnimo de lucidez, tem. O objetivo desorganizar a forma de produo de economia de mercado. E eles esto usando a pobreza para isso.