entrevista joão gordo - completa

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ENTREVISTA COMPLETA MundU: recentemente você deu uma entrevista pra Revista Rolling Stone (a qual somos fãs) e deu pra notar que você se incomoda em ver que as pessoas que te abordam na rua, pra tietar, tirar fotos e tal, nem sequer sabem quem é o João Gordo de verdade. Fala pra nós, quem é o João Gordo de verdade? JG: Isso porque as pessoas que me abordam hoje em dia são pessoas que me conhecem da TV aberta né. Não me conheciam antes, nunca tinham ouvido falar de mim, ou já tinham ouvido falar e achavam que eu era um fumador de crack pedófilo, ta ligado? As pessoas acham isso.

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Você vai se sentir trocando idéia com ele...

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ENTREVISTA COMPLETA

MundU: recentemente você deu uma entrevista pra Revista Rolling Stone (a qual somos fãs) e deu pra notar que você se incomoda em ver que as pessoas que te abordam na rua, pra tietar, tirar fotos e tal, nem sequer sabem quem é o João Gordo de verdade. Fala pra nós, quem é o João Gordo de verdade? JG: Isso porque as pessoas que me abordam hoje em dia são pessoas que me conhecem da TV aberta né. Não me conheciam antes, nunca tinham ouvido falar de mim, ou já tinham ouvido falar e achavam que eu era um fumador de crack pedófilo, ta ligado? As pessoas acham isso.

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MundU: Mas pedófilo por quê? JG: Porque as pessoas acham que eu sou um escroto, ta ligado? Pedófilo é modo de falar eu to exagerando porque eu sou exagerado. Mas as pessoas acham isso de mim, o cara mais revoltante, o cara mais escroto do mundo. Algumas pessoas, outras não. Outras sabem que eu sou um cara normal MundU: Mas como você gostaria de ser conhecido, por exemplo? Quando alguém vem te pedir um autógrafo, você gostaria que o cara te pedisse pelo o que? Pela banda? Pelo o que? JG: Primeiro que não me enchesse o saco! (risos) Que não pedisse, primeiro porque eu sou um cara tímido, cara. Parece que não, mas eu sou um cara tímido, eu fico meio incomodado. Dependendo da abordagem eu fico meio incomodado, ta ligado? Eu costumo tratar muito melhor os caras que são fãs do Ratos do que os que são fãs de TV. O fã do Ratos sabe quem eu sou, o cara é fã da minha banda, o cara sabe pra que eu vim, quem eu sou e o cara da TV não, o cara quer tirar foto comigo porque quer sair no youtube. Quer sair no facebook com uma celebridade. Eu não sou uma celebridade, ta ligado? MundU: Pior que vc é! JG: Sou mais não tem nenhum paparazzi no meu pé, eu ando sossegado por aí. MundU: Vc vai no shopping sossegado, almoça com a família? João: Vou. As pessoas me abordam, mas, não é tanto assim. Dependendo da sorte da pessoa que me aborda ou eu sou um cara muito simpático ou eu sou um cara muito escroto. Depende muito isso aí, cara, tá ligado? MundU: Coitado de quem pegar você em um mal dia, hein? JG: Cara, eu já perdi fã. Já pedi fã. O cara que chega ‘pô eu fui lá falar com o João Gordo, o cara é mó escroto, mó mala’. E gente que chegou ‘pô, o cara é mó legal, o cara é mó simples, o cara é isso, o cara é aquilo’. O cara quer tirar foto e tal. MundU: A meninada aqui é do time que te acha gente fina pra caramba. JG: Obrigado. E já tem gente que me acha um cú, tá ligado? MundU: Não deve ser fácil, quando você é uma figura pública o pessoal vai chegar... JG: Eu não gosto da pessoa que chega pra mim ‘ah tira uma foto comigo?’ ‘vamo’. Aí a pessoa ta com o bagulho na mão, a pessoa não sabe mexer no bagulho, acha que eu tenho todo tempo disponível pra esperar a pessoa aprender a mexer no bagulho. A pessoa vai tirar foto e tá filmando, ‘mas péra um pouquinho, tira mais uma’, sabe eu não tenho essa paciência disponível não, ta ligado? Eu sou desbocado mesmo, e tchau, vou embora. Deixo a pessoa falando sozinha (risos). Mas a pergunta que eu fugi dela, qual que era a pergunta? MundU: A pergunta é quem é o João Gordo? Como você se definiria? JG: Cara, eu sou um cara normal, eu sou muito louco meu, ta ligado? Eu sou um roqueiro, certo, eu sou um roqueiro e a minha família se assemelha a... o mais próximo que parece a uma Família Addams, tipo a família Addams, ta ligado? A gente é freak mesmo, cara.

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MundU: Todo Mundo? JG: Todo mundo. Os filhos... Minha mulher, meus filhos, meus cachorros. Mas é tão do bem, velho, que é tão normal que as pessoas... elas acreditam sabe, que a gente é uma família normal que acorda cedo, que eu levo os filhos na escola, que em casa é só amor, ta ligado? É muito louco isso aí, cara. As pessoas veem a gente cheio de pentagrama, caveira e essas simbologias pesada, ta ligado? E pensa que a gente é uns doido, cara. Mas puta meu, se eu for colocar num raio-x cara, esse povo coxinha, esse povo religioso que tem por aí que é cheio de dogma, cheio de regra sabe? É muito mais escroto cara, é muito mais podre, muito mais cheios de segredinhos do que a gente. MundU: Com certeza. A gente faz o que faz aberto, faz, mas não esconde nada. JG: Eu sou um livro aberto, véio. Usei droga? Lógico que eu usei! Pra CARALHO! Hoje em dia não uso mais cara. Eu falo da boca aberta, fumei crack? Fumei. Cheirei? Cheirei, porra, pra caralho! Fiquei muito louco, curti pra caralho, quase morri e vivo aqui inteirão, cuidando dos meus filhos, sou o melhor pai do mundo. MundU: Ta aí... Acho que essa é a maior prova, né cara? JG: Sou um pai presente, sou um marido foda, to ali do lado com a minha parceira, minha mulher, minha parceira... ando lado a lado com ela

MundU: a galera que está lendo essa entrevista está cursando uma faculdade. Você chegou a fazer faculdade? JG: Não cara. Eu... meu pai apesar de ter sido um cara muito enérgico comigo e tal, até passou dos limites, ta ligado? Já me encheu de porrada e o caralho, mas o que ele fez de bom é ele ter me dado uma boa educação. Ele me colocou em boas escolas. Eu fiz o primário no São Paulo da Cruz que era um colégio de católico e freiras, irmãs passionistas.

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MundU: Coitado. Você devia ficar louco. JG: Nada, eu era bonzinho cara. Eu só pirei... eu virei depois que eu comecei a curtir rock, tá ligado? E depois eu fui estudar no Dom Bosco cara, que é um colégio de padres também, né. Colégio de padre... padre salesiano, então eu tive uma base escolar muito forte cara, só que depois que eu comecei a escutar rock velho, e a minha vida entortou com meu pai completamente, meu pai começou a me reprimir horrivelmente e... MundU: Ele não curtia rock? JG: Ah meu pai cara... meu pai era PM. Você acha que PM ia gostar que o filho seja punk véio. Meu pai ia encher de porrada meu. Rasgava meus pôsteres, rasgava minhas camisetas, quebrava meus discos, aquelas coisas que tem um monte de gente no mundo aí, que tem a minha idade, até hoje tem, mas tem menos, mas da minha época tem um monte de gente que teve a mesma experiência com os pais agressivos e justamente pelo pai ser tão repressivo que virou uns doido, ta ligado? A repressão leva a isso. MundU: Você acha que a repressão da escola, por serem escolas religiosas, também foi um tipo de repressão? JG: Sim, a gente era obrigado a ir na missa, ta ligado? Teve repressão, mas assim, o ensino... a minha base de ensino, acho que pelo fato de ser mais difícil cara, eu sou muito mais culto que... eu era uma criança culta véio, saca? Uma criança super culta véio. Eu como era nerd, tá ligado? Gordinho, jogador de xadrez, eu ficava lendo enciclopédia cara. Eu tinha coleção de Bichos, coleção Conhecer saca? Ficava aquele interesse em saber as coisas, saber a capital de todos os países do mundo, todas as bandeiras do mundo, dinheiro de todo o mundo sabe? Aquela coisa, não da parte de matemática, química, física, mas, da parte de cultura mesmo. Cultura inútil (risos). Eu parei de estudar no 2º colegial cara, e não fiz faculdade. A minha faculdade foi a rua mesmo, foi a rua. Eu sinto falta... eu queria fazer umas coisas meio doida. MundU: Se pudesse fazer, o que você teria feito cara? JG: Astrologia da Babilônia (risos). Egiptologia sabe, essas coisas assim meio doida. MundU: Você entrou pra banda Ratos de Porão, quando a maioria dos nossos leitores nem tinham nascido. Seu primeiro show foi justo na PUC. Hoje dificilmente você vê um show de Punk dentro de uma Universidade. Na sua opinião, tem espaço pro punk-metal em meio a tanto funk e sertanejo? JG: Tem. Isso é aqui no Brasil, que é ridículo, ta ligado? Eu como viajo pra cacete cara, tá ligado? O rock, o metal, o punk ta em toda universidade cara, lá fora. Lá nos Estado Unidos, na Europa é o que domina cara. E aqui não, aqui saca... a molecada não tem muito interesse, tá ligado? Por que é outro país, é assim né. Tem fã pra caralho, lógico que tem fã. O pessoal mesmo gosta do que ta ali, do que ta no rádio. Você liga o rádio, ta tocando isso então a pessoa não vai atrás, mas é desse jeito mesmo, ta ligado? Com esse negócio de internet , que a coisa é muito mais fácil, o pessoal perdeu o interesse também né. Não é tão interessado como a gente era, quando era mais difícil. Pelo ser mais difícil, a gente é muito mais amante do negócio do que a molecada hoje em dia. Dá mais valor, a gente ama ouvir aquele disco, o vinil, que é difícil. É aquele culto né, saca? Hoje em dia não é mais, hoje em dia você aperta um botão e vem tudo. Vem a foto, vem o disco, vem tudo. Discografia completa. Aí você escuta, é legal pra caralho. Mas baixa cem ao mesmo tempo, mal escuta o que baixou.

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MundU: São Paulo há 20 anos era bem diferente de hoje. Haja visto que a gente nem tinha internet. Como o Ratos fazia pra divulgar seu som? Gravava em que mídia? Ia de porta em porta, como era? JG: O grande advento da galera é o K7 né meu. O K7 e o correio né. O correio, a gente tinha uma gambiarra pra não gastar com correio. O correio era caro pra caralho, então a gente tinha o contato com o pessoal do exterior. Então a gente aprendeu com aqueles anarquistas, cook book né, que tinha na época né, um modo de enganar o correio. Então a gente passava sabonete no selo, você mandava um pá de disco né, aquele monde de selo. Então vc passava sabão lux, sabonete no selo. Aí o cara carimbava o selo, aí era só passar um pano molhado no selo que saía todo o carimbo. Que o cara carimbava o sabonete né. Aí você usava o selo várias vezes, e essa era a nossa anarquia da época. MundU: E funcionava legal? JG: Funcionava. Tanto com os selos dos gringos, que a gente fazia com eles, e eles mandavam pra gente de volta os nossos selos também. Então a gente tinha essa gambiarra pra poder ter o dinheiro pra poder ter os discos. Então a gente era super bem informado na época, né cara. A gente tinha muito disco. MundU: Como é que você fazia pra conhecer o cara lá do outro lado? JG: Correio né cara. Tinha as Fanzines né, aí você ia pegando os endereços dos caras. Os caras colocavam o endereço lá e você ia conhecendo. Os próprios caras das bandas e tal. Então a gente tinha muito contato da Finlândia, Suécia, Itália, e pelo fato da gente estar sempre um passo diferente do pessoal punk normal o pessoal olhava a gente atravessado por que eles achavam diferente né.

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MundU: Você diz diferente como, na vestimenta? JG: Tudo. A gente ta sempre diferente dos cara. Mas bem informado né, a gente começou a usar jaqueta de couro com pintura branca na gola, ta ligado? Aquela coisa toda, nome de umas bandas esquisita. Aí no fanzine a gente falou que não era mais punk rock, era hard core, aí começou a estigma de traidor do movimento. Isso já lá em 1983. MundU: Isso é uma coisa que hoje em dia dificilmente aconteceria né JG: Mas isso é coisa de brasileiro velho, se for ver bem, na Argentina não tem isso cara. Aqui do lado não tem isso, isso é coisa da cultura nossa mesmo. Essa coisa mesquinha, de você querer ver o seu vizinho morrer afogado, o prazer de ver alguém se fuder ta ligado? Isso é coisa de brasileiro isso aí cara. E a gente os caras queriam ver, a gente com banda, tinha lançado disco né. A gente usava um símbolo da paz, quando todo mundo achava que símbolo da paz era coisa de hippie a gente já usava um símbolo da paz. Você pode ver na capa de “Crucificados pelo Sistema” tem um símbolo da paz cara. ‘Esses caras são hippie como vai usar símbolo da paz’ sabe? Então a gente era mais adiantado que os cara, isso eu não sei, se isso valeu o estigma que me acompanha até hoje né. Eu com 50 anos de idade vi um moleque de 13 postar na internet que eu sou um traidor do movimento, movimento que o moleque nunca viveu, nem sabe o que é isso. Sabe pq ele ouviu falar, ouviu dizer que eu sou traidor então ele fica lá xingando. Um moleque que vive com a mãe, no apartamento fechado no computador que a mãe comprou. MundU: Você acha que esse moleque conseguiu influenciar uma galera? JG: Isso é estigma véio. Estigma. E um estigma que você tem de carregar porque você é pioneiro do bagulho. Então, se você é pioneiro você tem que carregar esse estigma o resto da sua vida. MundU: Gordo, e pra divulgar o disco, como você fazia? Ia na gravadora, levava lá? JG: O negócio é independente, a gente gravou “Crucificados pelo Sistema” em novembro de 83, o disco saiu em 84, em março de 84 o disco saiu. Não teve show de lançamento porque só tinha briga, ta ligado? Saiu pela PunkRock Discos, o Fabião pegou lá, o disco tinha mil cópias, mandou um pouco pra cá um pouco pra lá, um pouco pra Alemanha, um pouco pra cá e foi assim. O disco virou tipo um clássico né. E agora em 2014 vai fazer 30 anos que saiu “Crucificados pelo Sistema”. Por causa desse disco eu tenho o estigma também de ser punk o resto da minha vida. Os punks me cobram, a postura punk por causa desse disco. O próximo disco do Ratos do Porão já não é tão punk, já tava misturando com metal. Mas por causa desse disco, das letras desse disco os caras ‘ah vocês são anarquistas’. Eu anarquista velho??? Aonde. Eu tenho as minhas ideias tudo, sei o que é certo e errado, eu tenho toda a minha concepção anarquista mas eu não sou um cara anarquista, eu sou um cara comum. Eu preciso trabalhar, preciso sustentar minha família, preciso ter dinheiro, eu não vou ser traficante, eu não vou assaltar, não vou sair aí protestando, dando tijolada quebrando, ta ligado? Eu tenho 50 anos véio. Não vou fazer mais isso, já fiz quando eu tinha 15. Eu acho que esse negócio... eu fui realmente punk dos 13 aos 22. Mas depois o negócio gringolou e abriu o leque. Mas por causa deste disco nego me cobra uma postura punk adolescente, eu com 50 anos nas costas (risos).

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MundU: Hoje a moçada tá acostumada a assistir show com superproduções, telões, lasers, led, bonecos gigantescos, dançarinas, holografia e o caralho. Conta pra essa moçada, como era um show do Ratos na década de 80! O Palco, o lugar, as pessoas... JG: Cara, eu não me lembro direito. Não tinha passagem de som. Passagem de som? O que é isso? A gente não tinha instrumento, a gente chegava pegava instrumento emprestado, o baixo do Clemente, a guitarra sei lá de quem, o Jão guitarrista nosso desde o segundo disco, desde 86 ele era baterista nessa época e antes de eu entrar ele era vocalista e ele só tinha o par de baqueta, ele não tinha a bateria. Era só os caras meu, não tinha instrumento. A gente chegava lá e tocava. MundU: No lugar que vocês iam tinha os instrumentos? JG: É tinha lá as caixa podre, não lembro de mesa de som, não lembro. Não lembro de produção, não lembro de iluminação. MundU: E era que tipo de lugar? Bar pequeno? Céu aberto? JG: O Ratos daquela época, da minha época, não tocava nunca porque sempre dava briga entre os próprios punks, os próprios punks brigava. Aí não saia porra nenhuma. Aí eu lembro, que a gente fez um show no ‘Napalmo’ que era um bar da new wave que abriu aqui e tinha espaço pros punk mas o primeiro show do Ratos que teve lá saiu uma briga que acabaram com o show, acabaram com a noite punk. Acabaram. Eu lembro que a gente foi tocar no teatro Ruth Escobar uma vez, saiu um pau entre os punk e os metaleiro da época que abriram a cabeça do Jão, o Jão tomou 13 pontos na cabeça. Já não teve o show. Os punk não deixaram ‘não vamos deixar esses punk tocar não que os punk vão quebrar tudo’ sempre assim. Eu lembro que a gente tocou... a gente foi fazer um show em Salvador um vez em 83, a gente foi de ônibus até Salvador, chegando lá foi mó treta, os caras não tinham uma estrutura, os caras não pagaram e não tinha como a gente voltar, a gente ficou lá fudido, uma semana lá em Salvador sem poder voltar, era um bagulho bem tosco mesmo. Teve um show em Rio Claro nesta mesma época, que era um festival, era Ratos, Olho Seco e Inocentes, tal só que a gente foi num ônibus cara, indo pra Rio Claro a gente foi fumando maconha e cheirando cola e rasgando os banco cara. Era um ônibus de linha, chegamos presos. Teve um pessoal que foi de ônibus e um pessoal que foi de trem, chegando lá a policia prendeu todo mundo, levou todo mundo pra delegacia, tomamo um puta pau da policia. A policia juntou todos os instrumento com o roupa, jaqueta, coturno, cinto e jogou agua em cima de tudo, ta ligado? Só que quem tava fazendo o festival era o filho do dono da

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empresa de ônibus, aí ele foi lá e passou o pano e teve o show, eu lembro desse show, tenho até umas fotos desse show. Mas era assim, era tudo aos trancos e barrancos o negócio. Tanto que foi acabando assim a coisa, nesta época o movimento punk foi acabando, por causa de briga, de ganguismo né, por causa do filme The Warriors era mó ganguismo do caralho e não tinha show cara. O show acabava em policia ou em briga e a gente começou a frequentar o povo metal que era mais tranquilo e mais profissa. MundU: O Brasil nunca teve um movimento punk digno dos que rolavam lá fora, ainda assim, rolou toda aquela divisão de Gangues por Bairro, ódio sem motivo e vontade de badernar. Quem assistiu ao filme clássico The Warriors (Selvagens da Noite) pode imaginar bem a cena. Você era bom de briga? Já chegou a machucar feio alguém? Como foi? JG: Eu era bunda mole, ta ligado? Já dei com taco de beisebol na cabeça de nego, já tomei facada, mas nunca tomei uma porrada direta. Só uma vez tomei uma porrada direta no olho, mas eu não sou briguento, eu sou meio bunda mole, ta ligado? Eu tentava mostrar serviço lá pra gangue que eu andava lá, mas eu evitava.

MundU: essa vez que você deu a tacada, como foi? JG: Eu tava com a minha namorada, ela foi numa banca de jornal e voltou e falou assim ‘meu, o cara passou a mão na minha bunda’, aí eu saí assim e voltei com o taco de beisebol, quando o cara me viu, mó gordão com cabelo moicano vermelho o cara não acreditou cara. Aí eu dei com o taco no chão, o cara ‘pelo amor de Deus’ , aí eu dei com o taco na costela do cara assim e deve ter quebrado a costela do cara. MundU: Onde vc arrumou o taco? JG: Ahh eu tinha! Foi a única vez que eu bati em alguém com o taco de beisebol foi dessa vez.

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MundU: Você se sentiu mal? JG: Eu não... Cara mó filha da puta, passou a mão na bunda da minha mulher!

MundU: Seu pai como guarda civil, devia te ver como o oposto de tudo o que ele pregava na sociedade né? Alguma vez ele já teve que ir te tirar de cadeia ou algo parecido? JG: Não. Eu fui preso mais tarde né. Mais velho com 18, 20. Por causa de droga assim eu fui pego várias vezes, umas 4 ou 5 vezes. Vários processos que na época era o 16, famoso 16, sabe o que era o 16? Vadiagem. Se a policia te parasse e você estivesse sem a sua carteira de trabalho, você ia preso para averiguação por vadiagem. Eu fui preso várias vezes por isso aí, mas meu pai nunca teve de me tirar. Ele ficou sabendo que eu ia preso, uma vez que eu recebi umas intimação do fórum por causa desses processo que eu tinha. Aí fudeu né. ‘ é eu falei que esse aí o final dele ia ser na cadeia, na sarjeta, no hospício’. Era foda. MundU: Seu pai é vivo? JG: Não, meu pai morreu faz uns 2, 3 anos. Mas ele morreu legal comigo assim. Orgulhoso. Mas eu sofri com ele viu, não foi fácil não. Eu fiquei uns 8 anos sem falar com ele. Eu morei com ele um tempo, mas depois ele começou a me tesourar, colocar cadeado na geladeira, sério, ele teve a moral de fazer os furos e colocar aquele bagulho de colocar cadeado na geladeira. Eu morava no quintal, no quartinho de ferramenta com a minha cachorra, puxava um colchonete no chão, foi dura essa época. Aí teve uma época que eu saí de casa, fui morar com o Sepultura. Isso em 92, 93 era bem foda.

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MundU: Você virou cantor de Punk aos 19 anos, mas, em que momento antes disso que o João se deu conta que era Punk? Quem te influenciou? JG: A vida inteira. O punk surgiu na minha vida, na época do punk mesmo. Eu comecei a ouvir rock em 76, já existia punk na Inglaterra e nos Estados Unidos, só que eu não sabia. Eu fui conhecer o punk, quando estourou o punk, que foi 77, 78. Então nessa época eu curtia rock, então o que eu ouvia? Ouvia Kiss, Black Sabbath, Rush, tinha todos esses discos. Eu conheci o punk via revista POP, Fantástico eu vi uma matéria, revista Veja, ou seja só meios de comunicações mais desprezíveis (risos). Aí eu pensei que merda de punk, mas aí o negócio era tão forte, tão avassalador que eu comecei a ir atrás, a me interessar né. A minha vida mudou mesmo quando eu conheci o RAMONES né, e eu fui cantar com os caras em 91.

MundU: Você usou muita droga nessa vida. Era meio que uma obsessão por atingir o grau da loucura, ficar doidão. Se naquela época alguém chegasse com uma droga fantástica, que prometesse o ápice da brisa, mas, que fosse em formato de supositório, você encararia? JG: Nem fudendo meu!!! Nem Fudendo! Tá me tirando?rs Era capaz de fatiar e fumar o supositório. Um bando de macho tudo meio homofóbico, naquela época a gente não tinha essa visão que a gente tem hoje. Antes de a gente viajar pro exterior a gente era tudo uns brucutu, ta ligado? Nosso nível de visão do mundo era rudimentar, o que a gente via sobre anarquia, sobre gay sobre um monte de coisa, sobre racismo era tudo rudimentar. Hoje em dia, depois que a gente começou a viajar a cabeça nossa abriu de um jeito... Viajar faz bem pras pessoas. MundU: de tudo o que você já experimentou, qual droga proporcionava a brisa mais forte? Como era? JG: Artânia. Era um comprimido de louco, você tinha alucinação, falava sozinho. E cola, era gostoso.

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MundU: Hoje você é pai. (é sério leitor...) Encontrou sua alma gêmea e tem 2 filhos com ela. O mundo de hoje piorou. É mais fácil achar e comprar. É liberação daqui, vista grossa de lá... Você teme que seu moleque tenha contato com droga? O que o João pai pensa em fazer em relação a isso? JG: Cara, o Pietro e a Vitória eles já conhecem muita coisa já né meu. Eles não sabem que eu fumo, mas eu fumo maconha ainda, ta ligado? Mas eles não sabem, na hora que cair a ficha deles que esse cheiro que eles conhecem a vida inteira é. Eu não tenho muito o que explicar pra eles ta ligado? E os efeitos da droga pesada eles já conhecem. Várias vezes na cracolândia eu fiquei mostrando pra eles o ‘walking dead’. Eles sabem do Chorão, sabem um monte de coisa. Eles não sabem que eu já usei droga pesada, mas no dia que eu tiver que explicar pra eles vai ser tranquilo. E assim, eles não podem ver eu bebendo uma cerveja cara. Pegam no meu pé fudido cara, eles morrem de medo que eu morra ta ligado? Eu acredito que eles vão ter um certo medo de usar qualquer coisa, e vc tem que abrir os olhos né cara. Vc quer fumar maconha então vem fumar comigo porra.

MundU: e por falar em grande amor, eis que você conhece a Viviana Torrico. O pouco que vemos, nos passa que vocês foram feitos um para o outro. Quem te conhece deve dizer “finalmente uma mulher pra colocar ele na linha!”. Foi amor à primeira vista? Onde você estava quando a viu pela primeira vez? Conta aí sua história de amor... JG: Foi no MTV Estrada Argentina... A primeira vez que eu vi ela... Eu tava lá no quarto, ela entrou. Ela trabalhava na revista Metal e foi me entrevistar eu nunca tinha visto ela antes disso. Já senti que tinha alguma coisa ali, eu vi que ela gostava de mim. Mas assim, os irmãos dela ela é de uma família de metaleiro né. Os irmãos dela era tudo fã do Ratos. Eu só fui ficar com ela depois, quando ela veio pro Brasil. Ela só foi se declarar pra mim, porque eu quase morri duas vezes né, aí ela ‘meu vou falar pra esse cara que eu gosto dele, senão ele vai morrer e não vai saber’, e ela veio falar pra mim isso e foi aí que a gente ficou junto cara. Senão acho que eu tinha morrido naquela época já. MundU: Isso depois de quanto tempo que ela te entrevistou? JG: Depois de 6 anos. Ela me ligava de vez em quando, ela veio morar no Brasil. Primeiro em Camboriú depois em São Paulo. Ela que chegou, eu não queria saber de namorar, queria saber de puta e pó. Não nessa ordem.

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MundU: você é mais conhecido pela fase da MTV do que pela fase Punk propriamente dita. Já fez mais de 15 programas diferentes, em emissoras diferentes, horários e públicos diferentes. O que você gostou mais de fazer? Qual programa era mais a sua cara e por quê? JG: O Gordo a Go Go, foi o grande sucesso né. Em 2003 eu ganhei o prêmio da APCA de melhor apresentador . Uma coisa que pra mim, na época não significou nada eu nem sabia que existia esse prêmio. Nem sabia o que era APCA. Hoje em dia eu sei que era um puta prêmio importante, mas na época tava cagando. MundU: Ta onde esse prêmio hoje? JG: Ta no banheiro da minha casa. Na época não significou mas hoje significa. E esse programa eu entrevistei, sei lá, mais de mil pessoas cara. Foram acho que 4 anos de Gordo a Go Go. Eu trabalhei 12 anos da MTV.

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MundU: a gente sabe que não se deve acreditar em tudo que se vê na TV. Tudo é combinado, rola uma groselha do caralho. Mas e o lance com do Dado Dolabella, foi real mesmo? Vocês já se conheciam antes? Chegaram a se trombar depois? JG: Foi Real. Eu naquela época, se eu visse ele na rua eu não sabia quem era. Eu sou assim cara, não conheço ninguém, meu mundo é outro. Eu sei de cor todos os discos do Napalm Death, mas esse povo idiota aqui do Brasil não sei o nome de ninguém cara. A referência que eu tinha na época era o pai e a mãe dele. O pai dele é o Carlos Eduardo Dolabella, o cara era o delegado dos Irmãos Coragem velho, anos 70. A mãe do cara é a Lolita Rodrigues puta artista das antiga também. Mas ele pra mim é um zé ninguém. Na época eu sabia que ele tinha trabalhado na Malhação e o caralho, mas se eu visse o cara na rua eu não sabia quem era. A MTV disse que eu ia entrevistar ele, ex globo tal, vem aí. Na época do auge do meu programa, o cara sabia onde tava indo né. A pessoa ia lá eu não ficava humilhando a pessoa, xingando, eu ia lá tirava um barato da cara da pessoa, que levava na boa e as vezes não. Geralmente levava na boa. E a concepção do cara na época é que ele quis fazer uma brincadeira, mas é uma concepção de playboy. Esse tempo inteiro, vê se eu me envolvi em algum rolo, vê se eu bati em mulher, vê se eu fui preso, vc vui como que o cara é né. Ele chegou do Rio com aquele case, recusou o carro da tv, pegou um taxi parou numa loja de ferragem e comprou um machado, a corrente e o cabo de enxada, ele não veio com isso do Rio. Ele quis fazer uma brincadeira ‘ahh, o João Gordo vai me zuar, então vou colocar isso na mesa dele, vou ser punk igual ele’, só que ficou esquisito né cara. Na hora que ele colocou aquele caibro na minha mesa eu falei ‘cara, o que vc trouxe isso pra que, não to te entendendo’. Ele ‘é João Gordo, traidor do movimento..tal’, eu falei ‘que playbloy idiota, que você sabe disso?’ ‘você trouxe isso pra que? Pra eu enfiar no seu cú?’. O programa tinha plateia, e a galera começou rir, e ele ficou bravo. MundU: Depois disso vocês se trombaram? JG: Não cara. Só que é assim, eu tenho um estigma com ele. Nego me vê lembra dele, nego vê ele lembra de mim. Eu não sofro nada, ele deve sofrer bem mais que eu . MundU: é um negócio que pra ele ficou chato e pra você ficou história pra contar. JG: Não ficou chato, ficou chato pra mim. Eu sou o ogro, eu sou o Shrek . MundU: Será que o pessoal esperava que você partisse pra cima dele na hora? JG: Eu sou o Shrek, ele é o príncipe charme. Na época... o negócio foi pro ar só dois anos depois na internet. Fiquei dois anos como vilão. Aí quando foi pra internet a galera ‘João Gordo bunda mole, devia ter batido no cara’. Se eu batesse no cara eu ia ser mandado embora, tinha perdido a razão.

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MundU: Essa putaria que ouvimos falar dos bastidores da TV, parada de teste do sofá, festas alucinantes, suruba... rola mesmo? Sem citar nomes, qual foi a festa mais louca que você já foi parar? JG: Eu não sei. Comigo não. Deve rolar em altas rodas, esse povo dos altos salários aí deve rolar. Esse meio de tv é podre, no quesito sexo é podre. Mas não sei o que é verdade. MundU: você é realmente um Paradoxo ambulante. Já cantou junto com Ramones e ao mesmo tempo já dançou na boquinha da garrafa com a Claudia Leitte. Do que você mais se orgulha e do que você mais se arrepende? JG: Eu tinha um puta arrependimento de ter ido pra Record velho. Mas depois eu pensei bem, se eu não tivesse ido pra Record, eu ia sofrer todo esse processo de abertura do chão assim. O Fim da MTV. E ia ser mais traumático do que eu pular fora e causar essa puta polêmica, o retardado fã do capeta cair no colo do bispo. MundU: e do que você mais se orgulha? JG: Na Record não me orgulho de nada. Me orgulho de ter saído de lá ileso. Eu me orgulho de ter colocado em horário nobre um monte de banda foda no Gordo a Go Go. Meu programa ia ao ar as 10 da noite. Eu pus em horário nobre diversas bandas de Rock, Punk e Metal que você jamais imaginaria ouvir. Depois no Freak Show, eu me orgulho de colocar em evidência essas bandas, que nenhuma MTV do mundo fez. E do Ratos, porque estar 30 anos na ativa sem parar é motivo de orgulho também. MundU: Qual banda nova de Metal você recomenda pra galera? JG: Esses dias, eu fui no show do Vader, que é uma banda relativamente velha, mas, que eu nunca tinha ido no show. Eu fui no show do Sufocation. Tem uma banda de Portugal que chama Holocausto Canibal, vai atrás.

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MundU: se o Restart pedisse pra regravar uma música do Ratos de Porão você autorizaria? JG: Lógico! Mas os moleques não existem mais, essas bandas acabam logo.

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MundU: Em 2004 você virou vegetariano. Aposto que você já voltou a comer X-Burguer e churrasco, acertei? JG: Não. Sou vegetariano cara. MundU: Por que você virou vegetariano? JG: Primeiro foi por causa do meu estômago, que eu fiz operação de estômago e a carne ficou indigesta cara. E Depois tem dois caras na minha banda que é veggies, aí eu comecei a ler sobre consumo de carne, sobre consumo industrial, a parte política da coisa e aí eu comecei a pegar nojo. MundU: Como você seria hoje sem a Viviana em sua vida? JG: Eu seria um monte de osso, já exumado já. MundU: Você, como bom pai, deve mostrar pro seu filho as bandas que você curtia. Ele gosta? O que seria pior, seu filho virar pagodeiro ou torcer pro Corinthans? JG: Puta, acho que seria pior se ele quisesse virar crente cara. Eu prefiro ele pagodeiro, corintiano, do que ele crente, por Deus cara. Mas essas coisas não pode reprimir, porque é pior. Mas ele é filho né. Se ele chegar ‘sou gay’ ele é filho cara, o que você vai fazer? ‘vai dar o cú dentro de casa’. ‘Pai encontrei Jesus’ ‘aleluia filho’. Filho é filho não vou reprimir. MundU: Você é fan de bonequinhos né? Qual o tamanho da sua coleção? Quanto você acha que já gastou em brinquedo? Tem algum preferido? JG: Action Figures! Pois é, dizem que tatuagem e colecionáveis você não conta, né... Eu não sei dizer cara, não faço ideia de quanto já gastei. Minha preferida é a coleção de Monstros do Ultraseven. São Japoneses. Deve ter mais de 100 Ultraseven e Ultraman. MundU: você sempre viveu um dia após o outro, sempre roots, sem luxo. Hoje você tem uma casa bacana pra manter, filhos pra educar e contas pra pagar. As pessoas crescem, amadurecem, mudam. Por outro lado, dizem que “a Raposa perde o pelo, mas, não perde o vício”. Você acha que existe o risco em ter uma recaída e dar uma pirada naipe Chorão? JG: Não, de jeito nenhum. Eu já usei muita droga, mas, nunca fui toxicomaníaco. O chorão era toxicomaníaco. Cheirava 10 gramas de pó brincando. Eu ainda fumo um baseado, mas, é só. Hoje eu penso da seguinte forma: cada baseado que eu fumo são 30 min. a menos de vida. Cada porre que eu tomo é 1 hora a menos de vida, e na boa veio? Quero mais é ficar com meus filho. Quanto mais tempo melhor.

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MundU: se você tivesse cara a cara com Deus, o que você diria pra ele? E pro Diabo? JG: Pra Deus... putz tanta coisa... Tá acontecendo tanta merda... Acho que eu falaria “Pô, como o Sr. Deixa tanto nego filho da puta usar seu nome pra enganar as pessoas?”. Já pro Diabo eu falaria “toca aí veio!” kkkkkkk MundU: Por fim, se você pudesse criar uma faculdade nova, do que seria e quem seria o professor? JG: Olha... eu criaria a faculdade do Rock! Tem muita gente boa que eu colocaria pra se professor, mas, com certeza eu seria o Diretor!