entrevista com ruy castro

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Entrevista com Ruy Castro publicada em Junho de 2012 na Revista Continente

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Page 1: Entrevista com Ruy Castro

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fotos: divulgação

Entrevista

RUY CASTRO“BiOgRAfiAROmAnCeAdA nãOé BiOgRAfiA, éROmAnCe”

continente Em um debate, vi você fazer ressalvas às biografias escritas pelo Nelson Motta. Em quê elas são diferentes das suas?

RUY cAStRo Nelsinho Motta é um amigo querido há mais de 40 anos, vemo-nos quase diariamente no calçadão e não lhe faço ressalvas. Nossa diferença é só de método, e já discutimos isto. Ele faz biografia com a própria memória e eu prefiro usar a memória dos outros.

continente Qual a diferença de biografar a vida de um personagem e a história de um “fenômeno cultural” (como você faz com a Bossa Nova e com o Flamengo)?

RUY cAStRo Livros como Chega de saudade, Ela é carioca ou O vermelho e o negro, que não se prendem a um personagem, são mais fáceis de fazer, pela amplitude, embora deem mais trabalho físico, por essa mesma amplitude - e isto não é um paradoxo. Já mergulhar num único personagem, como Nelson Rodrigues, Garrincha ou Carmen Miranda, exige profundidade e envolvimento total. Mas tem a vantagem de que só interessa o que estiver ligado diretamente ao personagem.

continente Memória pessoal (do biógrafo) e investigação biográfica não devem nunca se misturar? Por que?

RUY cAStRo A memória costuma trair, não? Ao mesmo tempo, é sempre bom quando o biógrafo tem alguma familiaridade com o cenário, a época, os coadjuvantes. Faz poupar tempo. Mas o juiz final de tudo é a investigação.

RUY cAStRo Biografia romanceada não é biografia, é romance. Não admito de jeito nenhum. Mas é verdade que, tanto na fase de apuração como na de escrever, a biografia seja um gênero híbrido, que se vale de técnicas mistas: jornalismo, história e literatura. Literatura, no caso, servindo apenas como uma maneira de saber organizar as informações de forma a que elas fiquem atraentes e claras para o leitor.

continente Finalmente, já que você falou que estava muito ocupado, em quê está trabalhando atualmente? Mais uma: Você já comentou a possibilidade de biografar o Millôr Fernandes. É um dos seus projetos para um futuro próximo?

RUY cAStRo Estar atolado não significa necessariamente estar escrevendo. Estou organizando um big festival de Nelson Rodrigues para o SESI de SP que vai até novembro, incluindo teatro, cinema, exposição e mesas redondas. Só isso [e mais quatro colunas por semana para a Folha!] já justifica a expressão. Mas tenho livros na agulha para sair. Semana que vem, sai a terceira [e definitiva!] edição de O vermelho e o negro, agora, graças a Deus, pela Companhia das Letras. E, dentro em breve, O melhor da Senhor, um enorme apanhado da revista, pela Imprensa Oficial de São Paulo. Tenho projetos que espero começar a executar no segundo semestre, como um prefácio alentado para Memórias de um sargento de milícias, a sair pela Penguin-Companhia. E, tão cedo, neca de biografia, nem mesmo a do Millôr.

continete Você sempre desaconselha que se faça biografia de pessoas que estão vivas. Um dos motivos seria a dissimulação do biografado e a forma como ele influenciaria o processo. Em que aspectos a participação do personagem representa um prejuízo na escrita dessa história de vida?

RUY cAStRo Não há problema de o sujeito mentir, tanto o biografado como a fonte: o biógrafo sempre descobre. Depois de um ano de trabalho duro em cima do personagem, o biógrafo sabe quando o sujeito está mentindo, omitindo ou apenas se enganando. Mas a experiência demonstra que as fontes não têm muito interesse em mentir. Podem apenas exagerar um pouco a sua própria participação na história. Mas isso o biógrafo também percebe. Já o biografado vivo vai mentir o tempo todo e tentar cristalizar a sua visão de si mesmo na cabeça do biógrafo.

continente Como você avalia o “boom” da biografia nos últimos tempos e o que pode ter motivado essa popularização do gênero?

RUY cAStRo Era natural que, aberto o caminho, outros se aventurassem por ele. Por mim, quanto mais biografias, melhor. E, se está havendo um boom, é porque as biografias estão sendo razoavelmente bem feitas.

continente A biografia estaria mais alinhada ao jornalismo, à história ou à literatura? É possível falarmos em “biografia romanceada” ou seria um paradoxo?