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ENTREVISTA COM ANDRÉ AZEVEDO Polibio – Estamos abrindo a primeira edição do programa Cenários. O que a gente pretende fazer aqui são conversas, sempre com convidados a respeito de cenários da economia mundial, da economia brasileira, da economia do RS. Não somente sobre economia, vamos conversar também sobre política, cultura, enfim, tudo aquilo que diz respeito às nossas atividades humanas. Para abrir essa primeira conversa, nós estamos com o Professor André Azevedo, que é professor da Unissinos, professor de Ciências Econômicas. Tem graduação aqui no Brasil, doutorado na Inglaterra. Vamos abrir tentando fazer um voo de pássaro pelo que está acontecendo, aconteceu e que pode acontecer na economia brasileira. Depois vamos descer para o RS e dar uma pincelada no cenário externo. Gostaria de encaminhar a primeira pergunta: o que podemos esperar para este segundo semestre, estamos na metade de maio, o que dá para esperar para o segundo semestre, nós que estamos no Brasil? Quais são as tuas expectativas com base no que aconteceu no ano passado e no que está acontecendo este ano, o que se projeta para este final de ano? O que dá para esperar? Digamos em relação à evolução do PIB e dos seus três setores principais. André – Nós esperamos que, no segundo semestre, a economia brasileira continue no processo de retomada, houve uma desaceleração muito grande de 2010 a 2012. Nós saímos de um crescimento que foi o maior dos últimos 25 anos, 7,5%, em 2010, logo depois da crise financeira internacional e a economia desacelerando para 2,7 em 2011 e para 0,9 ano passado. Inclusive, ano passado o PIB per capita ficou instável porque o crescimento da população empatou com o do PIB. Isso refletiu no cenário externo envolvido com a segunda onda da crise financeira internacional, mas também foi muito influenciada pela política macroeconômica brasileira, que lá em 2011 começou a desacelerar a economia, elevando os juros e o câmbio também com um processo de valorização muito forte. Isso foi revertido ao final de 2011/2012, a taxa de juros despencou, foi o menor patamar histórico, houve uma forte desvalorização cambial, o governo continuou gastando bastante, continua. Os gastos do governo federal geralmente têm passado o aumento da receita, nos últimos anos. Então, você tem a política monetária expansionista, política fiscal expansionista, e tem uma taxa de câmbio muito mais palatável para os exportadores. Mas isso aconteceu muito tarde e demora para que essas políticas tenham efeito na economia real. A política monetária, muitas vezes, demora uma gravidez, 9 meses, para que os impactos sejam plenamente sentidos na atividade econômica. Isso começou a acontecer no

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ENTREVISTA COM ANDRÉ AZEVEDO

Polibio – Estamos abrindo a primeira edição do programa Cenários. O que a gente pretende fazer aqui são conversas, sempre com convidados a respeito de cenários da economia mundial, da economia brasileira, da economia do RS. Não somente sobre economia, vamos conversar também sobre política, cultura, enfim, tudo aquilo que diz respeito às nossas atividades humanas. Para abrir essa primeira conversa, nós estamos com o Professor André Azevedo, que é professor da Unissinos, professor de Ciências Econômicas. Tem graduação aqui no Brasil, doutorado na Inglaterra. Vamos abrir tentando fazer um voo de pássaro pelo que está acontecendo, aconteceu e que pode acontecer na economia brasileira. Depois vamos descer para o RS e dar uma pincelada no cenário externo. Gostaria de encaminhar a primeira pergunta: o que podemos esperar para este segundo semestre, estamos na metade de maio, o que dá para esperar para o segundo semestre, nós que estamos no Brasil? Quais são as tuas expectativas com base no que aconteceu no ano passado e no que está acontecendo este ano, o que se projeta para este final de ano? O que dá para esperar? Digamos em relação à evolução do PIB e dos seus três setores principais.

André – Nós esperamos que, no segundo semestre, a economia brasileira continue no processo de retomada, houve uma desaceleração muito grande de 2010 a 2012. Nós saímos de um crescimento que foi o maior dos últimos 25 anos, 7,5%, em 2010, logo depois da crise financeira internacional e a economia desacelerando para 2,7 em 2011 e para 0,9 ano passado. Inclusive, ano passado o PIB per capita ficou instável porque o crescimento da população empatou com o do PIB. Isso refletiu no cenário externo envolvido com a segunda onda da crise financeira internacional, mas também foi muito influenciada pela política macroeconômica brasileira, que lá em 2011 começou a desacelerar a economia, elevando os juros e o câmbio também com um processo de valorização muito forte. Isso foi revertido ao final de 2011/2012, a taxa de juros despencou, foi o menor patamar histórico, houve uma forte desvalorização cambial, o governo continuou gastando bastante, continua. Os gastos do governo federal geralmente têm passado o aumento da receita, nos últimos anos. Então, você tem a política monetária expansionista, política fiscal expansionista, e tem uma taxa de câmbio muito mais palatável para os exportadores. Mas isso aconteceu muito tarde e demora para que essas políticas tenham efeito na economia real. A política monetária, muitas vezes, demora uma gravidez, 9 meses, para que os impactos sejam plenamente sentidos na atividade econômica. Isso começou a acontecer no final do ano passado, um pouco mais nesse início de ano e a expectativa é que se mantenha ao longo do segundo semestre. Uma recuperação em que nós não vamos voltar a um patamar como aquele em 2010, que foi um ponto fora da curva, mas algo entre 3, 3,5% que é o que Brasil pode crescer sem haver um aumento muito significativo da inflação. A inflação fica entre o centro da meta, 4,5, e o teto da meta 6,5. Para o Brasil manter a inflação neste patamar, nós temos que crescer no máximo 3,5% ao ano.

Polibio – Quer dizer que esse ano devemos crescer até 3,5% com inflação sob controle ainda?

André – Eu não diria sob controle, porque o objetivo do Banco Central é manter a inflação não no teto, mas no centro da meta que é 4,5%.

Polibio – Mas não vai manter.

André – Pois é, esse é o nosso maior problema, mas ai entra uma questão de política muito forte que influenciou o comportamento do Banco Central e levou um certo descrédito da política monetária brasileira nos últimos meses, último semestre. A inflação aumentando e o Banco Central mantendo a taxa de juros no menor patamar histórico. Nós sabemos que os sistemas de metas da inflação no Brasil, o objetivo único do Banco Central é controlar a inflação. Não é como nos EUA, por exemplo, que o Banco Central tem duas obrigações: controlar a inflação e manter o desemprego num patamar palatável dentro da sociedade. No Brasil não, é só a inflação. Mesmo assim, com todas as indicações, todos os sinais de mercado que a inflação

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tinha uma trajetória de aumento, o Banco Central ficou passivo, nesses últimos meses. Só agora, no mês passado...

Polibio – Em síntese, o Senhor apostaria para este ano, num crescimento ainda do PIB, coisa de 3 ou 3,5, bem melhor que o ano passado, mas inferior ao ano passado e numa inflação não no centro da meta, mas 6 ou 7, também sob controle digamos.

André – Em torno de 5,5%.

Polibio – Quem está nos ouvindo pode relaxar por enquanto.

André – Eu não digo relaxar. Acho que quem relaxou foi o Banco Central e quando o Banco Central relaxa isso não é bom para a sociedade como um todo. Essa é uma preocupação muito grande que existe. Mesmo com o mercado de trabalho extremamente aquecido, e essa é outra questão importante que nós podíamos conversar depois, esse aparente paradoxo “como um mercado de trabalho continua aquecido quando a economia tem uma desaceleração tão grande como o que aconteceu no Brasil?”. Mas a minha preocupação principal é a inflação. Se formos comparar com os países do mundo que adotam o sistema de metas da inflação, o Brasil é aquele que tem o centro da meta mais elevado, junto com a Turquia e, não por coincidência, nós também temos a inflação mais elevada desse conjunto de países, junto com a Turquia. È natural, se você tem uma tolerância maior com a inflação, o Banco Central vai agir menos, não precisa usar uma política monetária tão restritiva para trazer a taxa de juros para baixo. No Chile e no México o centro da meta é 3% ao ano, bem abaixo do brasileiro que é 4,5. Isso contribui para esses países terem uma inflação mais baixa que a nossa.

Polibio – Países, inclusive, numa taxa de crescimento da economia bem maior que a do Brasil.

André – Bem maior, especialmente o Chile.

Leandro – É impressionante como aqui parece normal “ah, uma inflação baixa de 6%”, talvez algumas pessoas ainda tenham lembrança da hiperinflação, 6% do ponto de vista de comparação com economias mais avançadas é uma inflação absurda. Se existisse nos EUA uma inflação de 6% ao ano, ia cair presidente, ia ter uma revolução social. Isso que nós sabemos que as taxas oficiais sempre são subavaliadas. Para quem está na rua, indo no mercado, indo ao trabalho, possivelmente sabe que a inflação é ainda maior do que essa.

Stormer – As informações que o André nos passou são importantes, mas vamos tentar facilitar a digestão delas para as pessoas que estão em casa. Acho que um aspecto que ele salientou muito bem é o fato da inflação não estar controlada, ela está talvez iniciando um processo inflacionário no país e a gente devia estar cuidando disso com muita atenção.

Polibio – Você acha que isso pode estar acontecendo?

André – Os indicadores mostram isso. O que o governo tem dito: que é um problema pontual de alimentos. Os alimentos, muitas vezes, estão relacionados com os preços da comodities lá fora, então é problema externo. Não adianta elevar o s juros se o problema está na Bolsa de Chicago. Mas não é verdade. Se nós formos olhar os indicadores de difusão, por exemplo, mais de ²/3 dos preços têm subido sistematicamente, boa parte deles têm aumentado acima do centro da meta da inflação que é 4,5%. É uma inflação que já se espraiou para quase todos os setores, para quase todos os produtos e isso é algo bastante preocupante.

Polibio – Mas o preço dos alimentos não está plugado com os preços dos comodities, porque o preço dos comodities estão, não digo congelados, mas estão estabilizados, as comodities agrícolas.

André - Como essa inflação é acumulada em 12 meses, ela ainda tem um resquício de um aumento que houve no ano passado. O problema do Brasil, ao contrário dos EUA e da China, por exemplo, é que nós

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temos uma economia indexada ainda. Ou seja, a inflação presente se baseia muito na inflação passada. Nós olhamos para trás para determinar a inflação de hoje. Por exemplo, aluguéis são calculados pelo IGPM, mensalidades escolares pelo INPC, e assim por diante. Nós temos vários preços chaves da economia que estão indexados. Isso é um grande problema, uma grande dificuldade que o Banco Central tem de reduzir de uma maneira mais significativa a nossa inflação. Esse é um grande problema que o Banco Central, o governo, não diria o Banco Central, que tem tratar. Já que a inflação se mantém num patamar palatável há quase duas décadas, nós temos que acabar com todos os mecanismos formais e informais de indexação. Esse é um grande objetivo que o governo brasileiro tem que ter daqui para frente. E fazendo isso, nós poderemos, gradualmente, ir reduzindo o centro da meta para o patamar dessas outras economias que é 4, 3,5, 5% ao ano.

Stormer – Um dos cenários mais difíceis de lidar na economia acredito que seja o estagno da inflação. Uma economia estagnada associada a uma inflação alienada. Tu achas que a gente tem esse risco, que já podemos dizer que estamos nesse tipo de situação ou ainda não?

André – Eu estive, recentemente, falando sobre esse perigo da inflação no Brasil. Se nós formos olhar o ano passado, por exemplo, o segundo semestre, houve sinais de estagno da inflação. A economia desacelerando rapidamente, como eu mencionei, e, ao mesmo tempo, a inflação subindo. Houve, mas foi um período de tempo muito pequeno. O estagno da inflação deve ocorrer, digamos, em um ano, um período de um ano, um ano e meio, dois anos para ser considerado um processo de estagno da inflação. O processo mais famoso de estagno da inflação que nós tivemos aconteceu na primeira eleição da Margaret Tatcher, final dos anos 70 e início dos 80, tanto na Europa quanto nos EUA. Em função, especialmente, das duas crises do petróleo, que fez a inflação disparar nesses países e os governos, os Bancos Centrais, para evitar que a inflação continuasse subindo, começaram a aumentar a taxa de juros. Teve um momento de inflação alta e, ao mesmo tempo, economia estagnada, algumas delas entrando em recessão. A taxa de juros chegou a quase 20% ao ano. Na Inglaterra também.

Leandro – Diga-se de passagem, foi uma época horrível para a Bolsa, uma das piores épocas tirando o Crash de 29 em que o mercado americano ficou 20 anos parado.

André – Você tem os dois créditos que ligam com pretensões, inflação alta, economia desacelerada, com pouca perspectiva de lucros para as empresas.

Leandro – E um prêmio altíssimo pago por títulos sem risco.

Polibio – Concluindo esse bloco, a síntese que dá para fazer, daquilo que eu pude entender até agora é que esse ano vamos crescer a 3, ou 3,5%, inflação entre 6,5 e 7%. Não são números ruins, mas também não são bons, é preciso ficar atento. Bom, vamos para o chão da fábrica, até agora nós fizemos um voo sobre a economia brasileira, mas nós queremos discutir também aqueles aspectos relacionados com a vida das empresas, das pessoas. São muito desencontradas as informações, alguns nichos vão indo muito bem, outros estão em situação muito preocupante, enfim, não dá para ter uma visão igual para todas as situações da economia brasileira. Para essas pessoas que têm seu pequeno negócio ou seu grande negócio, essas pessoas que estão empreendendo ou que estão investindo o seu dinheiro, eles teriam razão para uma preocupação muito grande para daqui até o fim do ano? Ou teriam que ter uma preocupação a médio e longo prazo?

André – A economia como um todo está numa trajetória de ascensão, não vejo uma preocupação muito séria, a não ser essa questão inflacionária que preocupa bastante, mas o Banco Central, tardiamente, já começou a agir, então, essa é uma questão que está sob relativo controle. A questão importante é a questão do crédito. O crédito no Brasil vem crescendo muito, vem crescendo bem acima da inflação, bem acima do PIB nos últimos anos, inclusive. Nós tínhamos uma relação crédito/PIB lá no início do Plano real em torno de 25% e agora está em torno de 53, 54%. Mais do que dobrou em termos relativos, é um crescimento muito

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significativo nesses quase 20 anos. Boa parte desse crescimento de consumo e dessa classe C emergente se deu em função dessa expansão do crédito no Brasil, que ainda tem espaço para crescer. Nos EUA, por exemplo, essa relação crédito/PIB ultrapassa 100%. Então, há espaço para continuar crescendo, mas é claro que não se espera um crescimento tão forte daqui para frente. Agora, boa parte desse crédito é tomado por empresas de porte maior que conseguem esse crédito, boa parte delas, junto ao sistema financeiro público, especialmente o BNDES, com taxas de juros da TJLP que é uma taxa de juros que está abaixo da inflação, inclusive. Eles conseguem um financiamento com juros subsidiados, digamos assim. Agora, a pequena e média empresa, a micro empresa nem se fala, normalmente elas conseguem empréstimos com taxas de juros maiores. Ano passado foi um ano positivo nesse aspecto, porque houve uma redução da taxa de juros em empréstimos, daquilo que os bancos emprestam e também dos predi bancário. O predi bancário caiu ao longo de 2012 como vinha acontecendo desde 2010. Só que a expectativa desse ano é que haja uma inversão dessa curva. A taxa básica já se elevou e a tendência é que haja uma suave elevação nas taxas de empréstimos para pessoa física e também para pessoa jurídica. Espera-se uma continuidade de crescimento do crédito, mas com um ritmo de crescimento menor, com elevação da taxa de juros para pessoa física e pessoa jurídica.

Polibio – Mas está havendo contração de créditos, ou não?

André – Não, há uma desaceleração. Continua crescendo, mas com uma taxa menor. A expectativa é que continue aumentando.

Polibio – No ritmo da economia.

André – Mas num ritmo menor, exato.

Polibio – E a inadimplência, que é uma coisa que assusta muito as pessoas, bom tem crédito, pode pegar o quanto quiser, mas as pessoas estão conseguindo pagar o que estão tomando emprestado?

André – A inadimplência tem crescido um pouco, mas nada alarmante. Inclusive está bem abaixo do período da crise financeira de 2009. O que preocupa agora não é tanto a inadimplência, mas o endividamento das famílias. Quer dizer, a estratégia do governo para sair da crise de 2012, foi muito parecida com a estratégia de 2009: expansão do consumo. Só que naquela época, além de você ter uma inadimplência baixa, na crise em 2009, você tinha um endividamento baixo também. Hoje em dia essa situação mudou. O grau de endividamento aumentou muito. Então, não adianta ter uma taxa de juros baixa se eu já tenho boa parte da minha renda comprometida com um consumo passado.

Polibio – Tem dinheiro para emprestar, as taxas estão boas, mas as pessoas não podem continuar se endividando, porque a capacidade de endividamento chegou no limite. Isso está claro?

André – Isso está claro desde o ano passado. Há crédito disponível, com taxas relativamente baixas, é atraente, mas as pessoas não estão tomando o empréstimo na mesma proporção do ano passado, 2011, 2010, porque elas têm uma dificuldade para quitar as dívidas antigas. Enquanto elas não quitam, elas não tomam novos empréstimos, ou se tomam é num volume menor do que tomariam normalmente.

Polibio – Agora, um cenário como esse remete a uma paralisação das atividades econômicas.

André – Eu não digo uma paralisação. O que está acontecendo é uma alteração nos componentes de crescimento da nossa economia. Nossa economia cresceu muito nos últimos 10 anos, em todo o governo Lula até o governo Dilma, baseado na expansão do consumo.

Polibio – Que está chegando no seu limite pelo que eu estou percebendo.

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André – Exatamente. Consumo e gasto público, para resumir. Uma expansão muito grande no consumo e no gasto.

Leandro – Inclusive alguns gastos até mascarados, com repasses do Tesouro direto ao BNDES. Se monta uma situação em que as contas públicas parecem melhores do que de fato estão, porque se criam gastos que não entram nas contas. Ficou claro no final do ano, com a maquiagem dos gastos públicos.

Stormer – Explicando como se eu fosse uma criança de 3 anos de idade: qual é o problema da economia do Brasil ter crescido nos últimos 10 anos, baseada em cima de gastos público e baseada em cima de, digamos assim, de créditos? Qual o problema disso?

André – O problema disso é o seguinte: não há problema se ao mesmo tempo houvesse um aumento... você está crescendo exclusivamente na demanda, no consumo. Você tem que crescer, crescimento de consumo é ótimo, mas tem que ter condições para que a oferta também aumente. Ou você aumenta a oferta, ou reduz o protecionismo. O Brasil fez o contrário. O Brasil estimulou de um lado, por uma mão, o consumo – então a demanda cresceu bastante nos últimos 10 anos –, mas ao mesmo tempo ele aumentou o grau de protecionismo, ficou mais difícil, mais caro importar produtos – especialmente bens de consumo – e, segundo, ele não investiu em infraestrutura. Não reduziu o custo Brasil e acabou desestimulando os investimentos. Se o investimento não cresce num ritmo ao menos igual à expansão do consumo, você vai ter um problema lá na frente. Já apareceu no Brasil, o principal sinal disso é a inflação.

Stormer – Isso traz inflação?

André – Isso traz inflação e é o que nós estamos vendo agora. Esse é um problema seriíssimo que o Brasil tem. O problema maior que a nossa geração vai enfrentar, daqui até os próximos 10 ou 15 anos, esse crescimento visado para a demanda, crescimento de oferta, fez com que a produtividade no Brasil crescesse muito pouco na última década. Desde o início do governo Lula até o ano passado, a produtividade do Brasil, contando ai a produtividade do trabalhador, do capital, de todos os fatores de produção, cresceu em torno de 1% ao ano. Isso dá em torno de 10, um pouquinho mais que 10% numa década. A China, só para comparação, neste mesmo período cresceu 140%. Nós crescemos 10 e a China 140%, mais do que duplicou, uma vez e meia em 10 anos. Qual o efeito disso? Nós estamos perdendo competitividade para o trabalhador chinês. É claro que lá há uma consequência disso, aumentou o custo da mão de obra na China, porque esse aumento de produtividade está relacionado com o aumento de salários. Mas a produtividade aumentou muito mais do que o salário. Eles continuam tendo um ganho de competitividade que a gente não teve. No Brasil aconteceu o contrário. A produtividade subiu muito pouco e os salários cresceram muito acima da produtividade.

Leandro – Tinha uma matéria recente na Veja, comparando a produtividade com a década de 60. Nós estaríamos, mais ou menos, ainda patinando no que seria a década de 60 nos EUA. O trabalhador brasileiro atual produz tanto quanto um americano na década de 60. Só que na década de 60 não tinha internet, não tinha toda a estrutura, enfim, não existia tudo o que existe hoje.

André – Só para dar um número interessante: em 2012, a produtividade média do brasileiro chegou em torno de 20 mil dólares por ano, nos EUA está em torno de 80 mil. Na China é menor, 15, mas passou de 6 para 15 em uma década. O problema é esse, em mais 5 ou 6 anos a produtividade chinesa será maior do que a do brasileiro, com um salário mais baixo.

Stormer – A gente tem percebido que algumas empresas que, classicamente, tinham bons desempenhos na nossa economia, como o setor de siderurgia, como a Usiminas e Gerdau. Simplesmente, nos últimos anos elas afundaram em termos de resultado, afundaram em termos de desempenho, inclusive. Dá pra se dizer

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que esse setor está perdido no Brasil, ou teríamos forma de ressuscitá-lo? Nós vamos enfrentar uma competição cada vez maior junto com o aço da China.

André – Nós somos o grande produtor da matéria prima básica desse produto, que é o minério de ferro. Essa é uma grande vantagem que o Brasil tem, uma vantagem competitiva em relação aos outros países. Embora a China também tenha e importe muito minério de ferro, mas nós temos essa grande vantagem. Claro, no momento que você abre a economia – não é o que está acontecendo no Brasil, o Brasil continua sendo um país bastante fechado em alguns setores – se você abre a economia, ai você vai ter que competir em pé de igualdade com a China, com EUA, com países que são muito competitivos nesse setor. Há muitas empresas brasileiras que operam nesses mercados, eu não temeria pelo futuro dessas empresas, até porque elas estão se globalizando, elas estão virando multinacionais brasileiras. Isso acaba gerando uma aprendizagem muito grande dessas experiências internacionais e essa aprendizagem é trazida para o Brasil também.

Stormer – Traz tecnologia, traz conhecimento.

André - Novas técnicas de gestão. Esse é um setor que não preocupa tanto. Já os setores mais tradicionais como calçados, têxtil, são setores que estão muito mais na berlinda que a própria siderurgia, eu diria.

Polibio – Em resumo, logo no primeiro bloco o Professor André Azevedo deixou claro que até dezembro você não tem motivos para se alarmar. Vamos ter um crescimento da economia, do PIB, em 3 ou 3,5%. Não é uma maravilha, mas também não é um desastre. Uma inflação de 6,5 ou 7% que também não é uma maravilha, mas não é um desastre. Nesse bloco, nós vamos dar uma olhada nos setores da economia, porque eles talvez remetam a uma análise melhor sobre aquelas ações que você está acompanhando, está investindo ou gostaria de investir. Para você ter uma ideia de como estão alguns setores industriais e como eles podem ficar até o final deste ano. Não estou me atrevendo a ir muito além desse ano, porque nos outros anos não sou muito otimista da parte do governo, atitudes que me levam a concluir com um maior otimismo. Não vejo o governo atuando em longo prazo como “olha, nós queremos chegar a tal meta da inflação, do PIB, e vamos fazer tais coisas para chegar lá”. Eu não vejo nada disso. É um governo pouco ambicioso nesse aspecto.

Leandro – Eu acho esse um ponto extremamente importante, porque qualquer planejamento econômico tem reflexo no longo prazo. Eu vejo o Brasil passando por umas fases, recentemente passamos por um círculo bastante virtuoso de debelar a inflação, fortificar o sistema bancário, o sistema financeiro como um todo, que hoje está alimentando com crédito à sociedade, a responsabilidade fiscal. O mercado funciona muito – especialmente o mercado de bolsa – da seguinte forma: expectativa que gera o aumento de preço e a confirmação ou não dessa expectativa que pode gerar o esvaziamento ou a continuação da alta dos preços no crescimento de um país. Nós tivemos, durante o governo Lula, eu acho que ele foi melhor naquilo que ele não fez do que naquilo que ele fez. O que ele não fez? Ele não fez aquela bandeira que ele sempre seguiu que seria quebrar contrato, não pagar dívida. Por nossa sorte isso não aconteceu. Mas foi surfada uma onda que foi preparada há mais tempo, em que nós tivemos a casa arrumada, nós tivemos o maior ambiente no cenário global, talvez do século, e isso fez com que nós aproveitássemos ai uma situação de casa arrumada e crescemos muito. Justamente nesse ponto que tu falaste é que me preocupa. Nós precisamos de um fato novo e o problema é que as pessoas – como elas têm esse delei entre o que elas estão vivendo e o que pode acontecer, elas não percebem o problema agora, é que o grande problema se cria. Agora, deveríamos estar trabalhando justamente em dar o próximo salto. Melhorar as não eficiências que existem na economia brasileira agora, para conseguir atrair investimento externo e fazer uma nova onda de crescimento. E ai é que eu acho que a política se encontra com a economia. Eu vejo que politicamente isso não é um desejo da população, porque hoje todo mundo está vivendo melhor e está com dinheiro no bolso e não há essa preocupação com os próximos 10 anos. E ai, politicamente não se cobra uma mudança de rumo. E quando vai se cobrar isso? Quando a situação estiver a pior possível. De onde se começará do zero, quando

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poderiam começar já de uma maneira diferente. O grande medo que eu tenho é que nós fiquemos com uma política voltada de tentar esticar a corda, que, na minha opinião, essa ideia de estender um pouco mais o crédito, de esticar a corda, ou seja, “bom, eu estou preocupado” – sei lá, um governante – “em que a economia não quebre até a próxima eleição, depois eu vejo o que vou fazer”. Depois, quando chega pra fazer, “bom, vou esticar mais um pouquinho”. “Vou liberar mais tanto para o BNDES, vou cortar o imposto do carro, vou aumentar um pouco o crédito, baixa o juro”, com a faca no pescoço do Banco Central para baixar o juro. A questão é: nós já vimes esse filme antes e esse filme não acaba bem. Então, a pergunta que nós temos que fazer: até onde vai esse filme e se há luz no fim do túnel para essa história? Será que nós temos como ter uma mudança de mentalidade política para influenciar economicamente uma diferença? Ou não? Eu acho que essa pergunta vai responder até uma política de investimento, ou até de proteção de capital que os nossos espectadores aqui têm. Por exemplo, qual seria o cenário ruim do ponto de vista da macro economia, de taxa de juros, de inflação e como o nosso investidor poderia se precaver em relação a este cenário ruim? Poderíamos dizer que tem um cenário ruim, um cenário médio e um bom. Para mim, um cenário bom seria termos a capacidade política de fazer as reformas que nós precisamos para baixar o custo Brasil, para ser mais competitivo, aumentar a eficiência do trabalhador. Acho que é meio improvável num curto prazo.

André – Vamos pegar a ideia de 3 cenários. Esse cenário que nós traçamos no primeiro bloco é o cenário mais provável.

Polibio – Não é o desejável, é o que deve acontecer.

André – É o que deve acontecer. Também não podemos entrar no mundo da fantasia. O que poderia fazer o Brasil crescer mais? Nós temos que fazer as reformas, a empresa brasileira é que paga os maiores encargos trabalhistas do mundo comparado a economias desenvolvidas e emergentes; uma reforma da previdência que não comprometa as próximas gerações. Mas estas reformas são coisas muito difíceis de serem aprovadas politicamente, e obviamente o governo atual não tem nenhum interesse em fazer.

Polibio – E ano que vem tem eleições, então, para este ano e ano que vem pode tirar o cavalinho da chuva.

André – Isso não vai acontecer. Também remete à história da busca pelo aumento da produtividade. Melhorar a infraestrutura, melhorar a educação básica, são estratégias de médio e longo prazo que o governo também não tem feito, não tem se preocupado.

Polibio – Poderia pelo menos dizer “eu quero isso e vamos fazer”, começar pelo menos, mas nem isso.

André – Exatamente. Então, este é um cenário que podemos dizer que é ideal, ai sim poderíamos crescer com uma inflação controlada com taxas lá perto de 5% ao ano. Ai seria o cenário ideal: com reformas, aumento da produtividade em função da redução do custo Brasil, melhoria da educação básica, melhoria de infraestrutura e etc. O cenário ruim seria uma piora muito sensível no cenário internacional. Ai o que poderia acontecer, mas é muito pouco provável, a questão do abismo fiscal nos EUA – o que hoje a probabilidade é muito pequena, acho improvável de acontecer – o final, ou pelo menos, o início do final da Zona do Euro, colapso do euro – um país ou dois agora se desvincularam do euro e da União Europeia também, o que já é uma perda enorme, mas é muito pouco provável de acontecer – uma terceira, mas também pouco provável é uma guerra no Oriente Médio, especialmente no Irã. Isso faria com que o preço do petróleo disparasse e poderíamos ter de volta o estagno da inflação no mundo. Porque isso é um aspecto positivo, Europa e EUA estão crescendo pouco, mas a inflação lá está muito baixa, muito próxima de 1,5% ao ano. Esse seria o cenário ruim, uma dessas 3 coisas acontecerem, as 3 seria um caos, mas uma delas acontecendo, nós teríamos uma mudança para pior nesse cenário. Mas penso que é pouco provável qualquer uma dessas três situações.

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Polibio – Ou seja, não teremos o cenário positivo e nem o negativo.

Stormer – Já que reformas trabalhistas, tributárias e previdenciárias nós não teremos, porque isso não vai acontecer. Já que melhoria na educação nós também não teremos nos próximos anos. Eu te pergunto: quais seriam os setores da economia que estariam um pouquinho mais preservados, em melhores condições para apresentarem melhor resultado? Seria educação, eletricidade, siderurgia, lojas?

André – Não vou falar aqui o que pode piorar, mas o que pode melhorar. Aqueles setores que os economistas chamam de não comercializados, ou seja, não há uma competição internacional e mesmo assim, apesar dessa falta de competição, são relativamente eficientes. Você tem, por exemplo, o setor de construção civil que pela baixa competição e pelo aumento do crédito, esse setor deve continuar crescendo. Você tem o setor financeiro, o setor bancário especificamente, porque nós já temos uma estrutura de bancos no Brasil com um ganho de escala muito grande. Até alguns deles já estão se internacionalizando também, são bancos bastante eficientes em termos nacionais. Esses setores de serviços e também aqueles setores onde nós temos vantagens comparativas. O que a gente espera para o próximo ano? Final de 2013, 2014 e 2015, nós esperamos que o câmbio mantenha-se nesse patamar.

Polibio – O setor ligado ao agronegócio também.

Stormer – Alimentação.

André – Exatamente. Esse setor quer dizer que nós somos competitivos. O que vai acontecer? O câmbio, pelo menos nesse governo, nesse ano e no próximo, vai se manter nesse patamar, até mais desvalorizado. Não vai voltar a 1,60, 1,65 como nós tínhamos no ano passado, enfim, um tempo atrás. Isso é um estímulo às importações. A economia chinesa já voltou a se recuperar, é nossa maior compradora de comodities. A Europa, embora continue a hibernação, deve se recuperar no ano que vem. Nos EUA também a taxa de desemprego está caindo e a economia já voltou a crescer num patamar próximo da média histórica, que são grandes compradores desses produtos do Brasil. Europa, EUA e a China. Eu espero que nesse ano e ano que vem, nesses setores que o Brasil é competitivo internacionalmente, o agronegócio, também tem uma valorização em função disso. Essa retomada da economia internacional e a política cambial que o Brasil passou a adotar - Brasil deixou de ser flutuante, voltou a ter um câmbio administrável – esses dois fatores vão refletir positivamente sobre o retorno das ações dessas empresas que atuam nesses setores. É claro, depende da empresa tirar proveito melhor dessa situação.

Polibio – Aqui no RS, alguns setores, alguns ramos industriais que estão exterminados praticamente. Por exemplo o setor têxtil, o próprio setor de calçados. Esses estão foro do jogo.

André – Eu digo o seguinte, eles se mantém pelo autoprotecionismo. Aqueles setores que são muito protegidos e pouco competitivos internacionalmente, como esses dois, eles vão continuar sobrevivendo em função da proteção. Esqueci de mencionar o setor metal-mecânico, especialmente material de transporte – automóveis, autopeças – porque é um setor que é muito protegido no Brasil e é um setor que quando o Brasil tem acordos internacionais, especialmente com o Mercosul, com o México, por exemplo, que estimulam as exportações do setor. As importações e exportações, importações de autopeças com preços mais competitivos que os nossos, que aumenta a competitividade, a eficiência e, ao mesmo tempo, o mercado cativa por estes produtos, roubando lugar daqueles países mais competitivos que não conseguem entrar nesses outros mercados porque esses países mantêm tarifas de importações mais elevadas. É o que os economistas chamam de desvio de comércio. Um país deixa de comprar de um parceiro mais eficiente para comprar de um país do bloco, aquele país que tem um acordo preferencial de comércio. Isso beneficia as exportações desse país menos eficiente, mas que consegue exportar porque ele consegue entrar nesse mercado com uma tarifa zero ao passo que os concorrentes precisam pagar essa tarifa de importação que geralmente é elevada. Então, o setor metal mecânico, especialmente de transporte, é um setor que vai

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continuar crescendo e também no Brasil ele é muito auxiliado pela redução do IPI, é um setor que tem um peso político muito grande. Não só econômico, mas um peso político muito grande.

Polibio – Vamos conversar um pouquinho de política. Em relação ao ano que vem, eu acho que nós concordamos que tem muito mais a fazer até o final do ano que vem. Ano que vem tem eleição para presidente e governo nenhum mexe muito no último ano, procuram não mexer. Pelo contrário, procuram gastar o máximo que puder, se endividar o máximo que puder, fazer o máximo de favores e o mínimo de atrito. Então, eu imagino que a coisa deva ficar como está.

Leandro – Isso, do ponto de vista econômico, significa que dificilmente vamos ter uma inflação menor.

Polibio – Não, no ano que vem podemos ter um crescimento um pouquinho maior na economia, em função do aumento dos gastos públicos, mas com certeza vamos ter uma inflação pior que temos esse ano, mas não também um desastre, porque o governo também não pode ter nada desastroso nessa área. O que eu quero dizer é que não vai mudar nada até o final do ano que vem. Ai que eu queria entrar na política, para a gente pensar um pouco além do ano que vem. Desses candidatos todos que estão postos ai, abstraindo a questão ideológica, na questão bem pragmática nossa. O que nós temos ai pela frente: nós temos a candidatura da Dilma, já posta na mesa, eu ainda acredito que ela não será candidata, vai ser o Lula, mas sendo a Dilma ou o Lula o quadro não muda; temos o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que é socialista, mas que está fazendo um governo lá dentro do modelito do Jorge Gerdau, do ponto de vista de gestão, ele pratica a gestão do Grupo Gerdau...

Leandro – Só no Brasil acontece esse tipo de coisa, mas tudo bem.

Polibio – Mas no ponto de vista material, digamos assim uma candidatura governista como da Dilma ou do Lula, o Eduardo campos que é da base do governo, mas é um homem que está fazendo uma gestão que nós gostaríamos que o Brasil tivesse. “Ah, mas eu quero um candidato que faça tudo isso que vocês acabaram de dizer de bom”, ele fez isso lá e vai fazer isso ai. Por outro lado temos o Aécio, que é o candidato da oposição, que fez em Minas o que o Jorge Gerdau levou pra ele fazer também.

Leandro – E foi uma boa gestão.

Polibio – O Jorge só não conseguiu levar ainda para Dilma. Enfim, fez uma boa gestão, na qualidade que o Campos está fazendo. Nesse ponto de vista eu sou um pouco mais otimista do que vocês em relação ao futuro próximo, porque me parece que se ganhar um candidato alinhado com o governo que é o Eduardo Campos, ou se ganhar o Aécio, nós vamos, inevitavelmente fazer as reformas que precisamos para melhorar o Brasil. Mas se ganhar o mesmo esquema de forças atual, o Lula ou a Dilma, eu não consigo nem enxergar o que vai ter pela frente porque eles não dizem. Não seu qual é a linha do horizonte desse cenário.

André – Se criou agora uma ideia muito forte no mercado que diz que a política atual do governo é uma espécie de microgerenciamento da macroeconomia. Então, pra você não fazer nenhuma mudança substancial, você vai mudando algumas coisas. Controla o preço dos combustíveis para controlar a inflação, reduz o IPI do automóvel, aumentar o emprego para reduzir a inflação. Então, tem um política horizontal que se mantém em todos os setores.

Polibio – Vai ajustando o que é necessário.

André – Exatamente. Isso é o que acontece nesse governo e no próximo também, mantendo esse cenário. Apostando sempre da resposta do lado da demanda, na melhor distribuição de renda que está acontecendo, aumentando os gastos públicos, aumentando o Bolsa Família, aumentando o salário mínimo acima da inflação. A manutenção de toda a estrutura que nós temos visto nos últimos anos e que tem gerado resultados bons para aquelas pessoas mais pobres, no que tange a renda. O que se espera é que nós temos

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que enfrentar nossos problemas. O brasileiro tem a síndrome do vira-lata, a gente sempre acha que os outros vão resolver. Isso se perpetuou ao longo do tempo, por acaso. O brasileiro, primeiro, em função dessa síndrome, foi sempre muito ensimesmado, ele sempre foi muito arredio a esse contato internacional. Isso felizmente está mudando. O Brasil hoje é um país muito mais aberto, não tanto quanto se gostaria que fosse, mas muito mais aberto do que era há 20 ou 30 anos. Isso é muito bom, não só comercialmente, mas também em termos de contato com as pessoas, mais estrangeiros trabalhando aqui, brasileiros indo trabalhar fora.

Leandro – Esse é um movimento iniciado pelo governo Collor.

André – Exatamente, foi a grande mudança que o presidente Collor fez e que traz os benefícios até os dias de hoje. Essa melhor internacionalização do Brasil, essa convergência com melhores práticas no mundo vão acontecer mais cedo ou mais tarde com governo de esquerda, de centro-direita, de centro-esquerda. Vão acontecer. Agora, a questão que nós temos que pensar é se nós queremos que aconteça na próxima eleição, na outra, na outra ou na outra. É um processo inexorável, um processo que vulgarmente eu chamo de globalização da economia, de certa forma reduz dramaticamente o grau de liberdade que os países têm, a autonomia que os países têm para fazer o que bem entendem. Agora, você pode convergir mais rapidamente com esses padrões internacionais ou mais lentamente, o Brasil tem a estratégia do lentamente. Eu imagino que um outro grupo político tente acelerar esse processo. Como eu falei, aquilo que nós discutimos anteriormente das reformas, uma macrogestão da macroeconomia, não uma microgestão como tem sido feito, isso tudo vai fazer com que o Brasil ganhe mais credibilidade e com isso seja um país mais respeitado. Como era a alguns anos, 2009, inclusive, se eu não me engano, saiu na capa da The Economist em 2009 o Brasil como um foguete, decolando, e isso não faz muito tempo, 3 ou 4 anos. E a expectativa é que ia melhorar muito nesse período de tempo. O problema é o seguinte: nós temos ai muito países que disputam com o Brasil esses investimentos internacionais. O Brasil, felizmente, como tem uma poupança muito baixa, não chega nem a 20% do PIB, ele precisa de poupança externa para continuar crescendo. E essa poupança externa viria muito mais facilmente se tivesse mais credibilidade, não só no potencial da economia, mas na consumação desse potencial de modo concreto. Então, esse é o nosso grande desafio. Eu sou otimista, em médio e longo prazo não vejo outra saída, de um jeito ou de outro ele vamos ter que convergir para estas práticas.

Polibio – Vamos conversar um pouco mais sobre onde você pode colocar o seu dinheiro. Primeiro para proteger da inflação, porque tem uma série de ativos que estão sendo bancado por você que estão rendendo menos que a inflação. Onde você pode colocar para, pelo menos, ficar empate com a inflação? Ou onde você pode colocar para ganhar mais do que a inflação? Vamos começar pelo professor André Azevedo, quem sabe dando um cenário sobre isso e depois o Stormer e o Leandro podem completar essa parte.

André – Eu acho que o mercado de ações é um mercado interessante, temos algumas alternativas bastante interessantes no mercado, supondo sempre que o cenário internacional está num processo de recuperação. Japão e União Europeia, que ainda são os mais atrasados, dão sinais pelo menos de uma estabilização, não vão mais descer ladeiras. Os EUA e especialmente países asiáticos, especialmente a China e Índia, têm voltado a crescer de uma maneira mais forte.

Polibio – Eu tenho notado que você tem descrito um cenário internacional melhor do que foi ano passado e esse ano. Nesse ponto de vista, digamos o Brasil não precisa esperar más notícias.

André – Exato. Aquelas 3 situações que mudariam o cenário internacional são pouco prováveis de acontecer. O abismo fiscal nos EUA, a desintegração do Euro e uma guerra no Oriente Médio, um desses 3 cenários teria um efeito extremamente devastador. Como nenhum deles deve acontecer, a economia internacional vai se recuperar. E, além disso, o comércio internacional pode ter um papel muito importante, já há uma conversa muito forte entre união europeia e EUA para formação de uma área de livre comércio.

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Especialmente naqueles setores onde são mais protecionistas, setor têxtil, setor primário, que pode nos afetar negativamente. E você tem agora a eleição de um brasileiro para diretor-geral da OMC e o papel dele é terminar a chamada rodada Dorra de negociações, começou lá em 2001 em Dorra e por isso o nome e que se estende até os dias de hoje. É a rodada mais longa, começou lá em 47 com a OMC e que até agora não terminou. Se nós conseguirmos em 2013, quem sabe 2014, uma finalização dessa rodada, reduzindo, já que é o grande empecilho para que ocorram os subsídios agrícolas na Europa e EUA, isso vai ter um impacto muito positivo para a economia internacional, especialmente no ano que vem. Tanto a formação da área de livre comércio entre EUA e União Europeia como também a finalização dessa rodada. Isso tudo contribui para um cenário internacional mais propício, o crescimento das economias e a expansão do comércio internacional.

Leandro – Eu acho que o principal, até saindo um pouco dessa ideia de correr mais risco, é trabalhar o feijão com arroz. O Brasil é um país que tem 500 bilhões de reais alocados na poupança. A poupança é a melhor coisa que existe para os bancos porque eles captam recursos a um preço muito baixo e o investidor tem um retorno tão baixo quanto. Na atual circunstância de mercado com juros cada vez menor, ou pelo menos a gente não vê aquele choque de juros pela frente, com a inflação alta, a poupança fica entre conseguir compor a inflação e perder para a inflação. Isso é uma coisa muito ruim. Outros instrumentos de investimentos que os investidores usam que é o fundo CDI e o CDB, de grandes bancos, também é algo que se não for estudado com cautela, pode perder para a inflação. Então, tínhamos uma situação em que o juro era alto e esse juro alto escondia certos abusos de muitos fundos de CDI, de cobrar 3, 4, 5% de taxa de administração. Grandes bancos oferecendo CDB de 80% do CDI, que seria a taxa básica interbancária. Tem alguns que continuam fazendo isso. A primeira dica que eu dou é: confira onde você alocou o seu dinheiro e veja quanto você está pagando de taxa de administração, quantos por cento de CDI você está ganhando no seu CDB. Acho que isso pode ser um primeiro passo para ganhar muito mais. Como o brasileiro tem aquela mentalidade de dois dígitos de taxa de juros, “ah, vou ganhar num título público 12% ao ano, 15% ao ano” esse tempo acabou e não vai existir nunca mais. A partir desse momento, qualquer 1%, qualquer 0,5% que eu consigo ganhar, que eu consigo diminuir uma taxa de administração, consigo ganhar uma rentabilidade um pouco maior, já é um grande ganho a longo prazo. Sem mudar risco nenhum, correndo o mesmo risco que hoje. Então, essa é a primeira mensagem que eu deixo. A segunda é: daqui para frente, se eu quiser ter um retorno um pouco mais expressivo eu preciso correr risco, mas correr risco de uma forma inteligente. Eu vou ter que pegar um percentual da minha carteira e vou ter que investir em ações, fundos multimercados de bons gestores, de qualidade. É assim que acontece no resto do mundo. Se formos pegar um americano médio, o percentual menor da carteira dele vai estar em renda fixa. O maior percentual vai estar em ações e outros tipos de investimentos. Isso porque os retornos são muito baixos em renda fixa e aqui essa realidade também veio para ficar.

Stormer – Eu fiz essa pergunta anteriormente para o André e depois para o Leandro, para ouvir um pouco a opinião dos amigos, mas eu também percebo que a época de ganhar dinheiro, teoricamente, na renda fixa de maneira tranquila já passou. Hoje, a bem da verdade, a poupança está perdendo para a inflação e qualquer fundo, 90% do CDI também perde para a inflação. Então, se você estiver dentro de um CDI tem que partir de 90% para conseguir empatar com a inflação.

Leandro – Hoje até 93.

Stormer – 95% seria o ideal. E a gente sabe que boa parte dos fundos só permite esse tipo de remuneração de 90% CDI quando se coloca muito dinheiro. A minha preocupação principal, que eu vejo hoje basicamente, é que o pequeno investidor que tem 10 mi, 15 mil, 20 mil reais, esse sujeito hoje está sendo, na minha opinião, roubado. A forma mais fácil que o governo tem de roubar a população é a inflação. No momento que tu começa a inflacionar, tu começas a tirar o poder da população e tu começas, literalmente, a escalpelar as pessoas. Essas pessoas hoje, que são os investidores de pequeno porte não consegue sequer

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bater a inflação na maior parte dos investimentos normais de renda fixa que existem por ai. Ou esse sujeito vai ter que começar a procurar algum tipo de fundo em que o mercado seja bem gerido, ou, eventualmente, alguma forma de fundo imobiliário, alguma coisa mais sofisticada de retorno; ou ele estará fadado a ter um lento decréscimo do seu poder de aquisição. Eu hoje vejo com bastante restrição a maior parte dos investimentos mais clássicos, como a poupança, ou mesmo como os fundos CDIs. Talvez a ideia de um fundo imobiliário seja uma boa alternativa, talvez até mesmo algum título público da dívida que esteja conseguindo algo em torno de 9,5%, talvez, se conseguir uma coisa assim. O IPCA, talvez. Mas está difícil, não está fácil e não vejo perspectiva de melhora, o que é pior. Concordo com o Leandro, daqui para frente, para se conseguir bater a inflação, especialmente uma inflação tão alta quanto a que a gente tem aqui, tem que suar muito a camisa.