entrevista 7 m. s. d. data: 28 de janeiro de 2019 …...1 entrevista 7_m. s. d. data: 28 de janeiro...

29
1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone, será fazer uma peça de teatro com elementos, coisas que nos contam as diversas pessoas, que podem ser da sua vida pessoal, ou de outras que conheçam, e que queiram sublinhar. E, a partir daí, faríamos uma peça a contar este esforço que me parece muito das mulheres guineenses que vêm até cá, e trabalham muito, têm filhos, têm ideais para os filhos … trata -se um pouco de perceber qual é o espírito das pessoas migrantes, cá, relativamente a este assunto da mulher e relativamente, também, à divisão do trabalho de que falámos, relativamente aos seus objetivos, ao que sonham, expectam… e a peça de teatro tem essa envolvência . Acha bem? MDS Sim (riso) E Então, eu começava por lhe perguntar já lhe comecei a fazer a pergunta, há pouco se vê uma grande distinção de papéis, entre homem e mulher, na cultura guineense, quer cá, quer lá. MDS Sim. Há alguma diferença. Contudo, lá, e nas zonas mais periféricas, a mulher tem um papel principal em torno da família, porque é a mulher que praticamente executa todas as tarefas do lar, da casa. É a mulher que vai à lavra, é a mulher que cuida das crianças, é a mulher que cuida da casa. Portanto, tudo o que é tarefa para garantir a funcionalidade desta família, é a mulher que executa. Mas as decisões são tomadas pelos homens. Muitas das vezes, a mulher nem sequer tem o voto na matéria. O homem decide, e o que ele decidiu está decidido, e não há volta a dar. E Isto nas zonas periféricas, no interior. MDS Exatamente. No interior. E já nas regiões mais urbanas, as coisas têm mudado e já mudaram. O paradigma não é bem esse do interior. E Sim

Upload: others

Post on 01-Aug-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

1

Entrevista 7_M. S. D.

Data: 28 de janeiro de 2019

Local: Camarins do Teatroesfera

E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone, será fazer uma peça de teatro com elementos,

coisas que nos contam as diversas pessoas, que podem ser da sua vida pessoal, ou de

outras que conheçam, e que queiram sublinhar. E, a partir daí, faríamos uma peça a contar

este esforço que me parece muito das mulheres guineenses que vêm até cá, e trabalham

muito, têm filhos, têm ideais para os filhos … trata-se um pouco de perceber qual é o

espírito das pessoas migrantes, cá, relativamente a este assunto da mulher e relativamente,

também, à divisão do trabalho de que falámos, relativamente aos seus objetivos, ao que

sonham, expectam… e a peça de teatro tem essa envolvência. Acha bem?

MDS – Sim (riso)

E – Então, eu começava por lhe perguntar – já lhe comecei a fazer a pergunta, há pouco

– se vê uma grande distinção de papéis, entre homem e mulher, na cultura guineense, quer

cá, quer lá.

MDS – Sim. Há alguma diferença. Contudo, lá, e nas zonas mais periféricas, a mulher

tem um papel principal em torno da família, porque é a mulher que praticamente executa

todas as tarefas do lar, da casa. É a mulher que vai à lavra, é a mulher que cuida das

crianças, é a mulher que cuida da casa. Portanto, tudo o que é tarefa para garantir a

funcionalidade desta família, é a mulher que executa. Mas as decisões são tomadas pelos

homens. Muitas das vezes, a mulher nem sequer tem o voto na matéria. O homem decide,

e o que ele decidiu está decidido, e não há volta a dar.

E – Isto nas zonas periféricas, no interior.

MDS – Exatamente. No interior. E já nas regiões mais urbanas, as coisas têm mudado e

já mudaram. O paradigma não é bem esse do interior.

E – Sim

Page 2: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

2

MDS – Na zona urbana, a mulher trabalha, mas o homem também trabalha, se bem que

há aquelas que não trabalham, não fazem o trabalho de escritório e coisas assim, mas

acabam sempre por fazer o trabalho doméstico.

E – As mulheres?

MDS – As mulheres, exatamente. E, aí, também já há homens que colaboram ativamente

no que diz respeito às tarefas domésticas. Há partilha de roles nestes casos. E cá, também,

é semelhante à cidade de Bissau. Já as pessoas partilham. Aqui, a mulher trabalha e o

homem também tem que trabalhar. E, então, não há assim aquele…há poucos. Se o

homem não trabalha aqui, é porque realmente não conseguiu emprego, tem estado difícil,

nós sabemos disso. Mas, no geral, o homem trabalha e a mulher trabalha. E as tarefas, no

que respeita à limpeza da casa, a cozinha, a educação dos filhos, é agora partilhada entre

homens e mulheres. Há homens que já cozinham, há homens que limpam, há homens que

vão à escola, levam os miúdos, vão buscá-los, vão às reuniões e a decisão é, geralmente,

consensual, os dois opinam. Muitas das vezes nós somos mais rebeldes e conseguimos

levar avante a nossa ideia. (riso)

E – As mulheres? (riso)

MDS - Exatamente. (riso) Conseguimos levar avante a nossa ideia. É essa a diferença que

eu, pessoalmente, consigo encontrar entre os dois géneros.

E – Diria que, aquela sociedade conhecida como sociedade machista e patriarcal, está a

mudar.

MDS – Está. Está visivelmente a mudar.

E – Em Bissau, sobretudo, ou nas cidades…

MDS – Nas cidades. Ainda, no interior, ainda é… a cultura ainda está muito, muito

visível, muito pesada aí, ainda. Os homens ainda decidem, os homens tomam as decisões

todas…, contudo, eles já trabalham. Porque, antigamente, o homem levantava-se e

sentava-se à porta, na conversa com os outros, com os vizinhos e assim, enquanto a

mulher vai trabalhar. Trabalha na lavra, depois vem cozinhar, cozinha, dá o almoço, e

volta para a lavra, e o homem sentadinho. E a mulher lava a loiça, a mulher lava as

panelas, a mulher faz tudo, e o homem sentadinho. Agora, a sociedade tem estado a mudar

e nota-se francamente a mudança. Os homens já trabalham.

Page 3: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

3

E – Engraçado, porque alguém me tinha dito, nas conversas… eu descobri que havia uma

certa diferença entre “ter emprego” e “trabalhar”. As pessoas dizem, “Ah, a mulher

trabalha e o homem não tem emprego”. Tem valor diferente a palavra “trabalho” e a

palavra “emprego…

MDS – Exatamente. O trabalho é o exercício mais pesado e não tem remuneração. E o

emprego já tem remuneração.

E – Há muitas mulheres que me falaram das bideras, das pessoas que vão vender. Não

sei se eu pronunciei bem, provavelmente…

MDS – Sim, bideras.

E – Que vão vender no mercado de Bissau, exatamente para sustentar a família. E que há

muitas, muitas, muitas. Eu tenho uma curiosidade que lhe vou pôr e que é esta: as pessoas

que vendem, no mercado de Bissau, correspondem a mulheres cujo marido não trabalha,

não tem emprego, mulheres que foram separadas da família primeira, do primeiro

casamento? É uma curiosidade.

MDS – Olhe, engloba tudo. Desde as mulheres que têm um marido que trabalha, mas que

o salário não é suficiente para fazer face às despesas. Então, essas mulheres arranjam uma

outra fonte de rendimento, não é? Elas vão vender.

E – Exato.

MDS – Há aquelas mulheres que são mães solteiras que não têm fonte de rendimento

nenhuma, também vão vender. Há todo o tipo. E mesmo as pessoas que, o marido

trabalha, a mulher trabalha, nós sabemos que o salário mínimo em Bissau, na Guiné-

Bissau, é ínfimo. Não chega para nada. Nem para a alimentação mensal quanto mais para

suprir outras despesas.

E – Exato.

MDS – Portanto, vão fazer o trabalho normal, ou vão ao emprego, depois ainda são

obrigados a arranjar outra fonte de rendimento. Fazem… depende de cada um, do que é

o talento de cada um, não é? A maneira de conseguir dinheiro. Há umas que vão para

outros países, compram roupas e vão vender no mercado, ou mesmo em casa, de porta a

porta, vendem. Há outras que vão a grossitas nos mercados, nas feiras, e compram certos

produtos como por exemplo mancarra, castanha caju, quiabos, produtos alimentares, e

Page 4: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

4

depois, em casa, fazem um tipo… nós chamamos de “beco”, que são pequenos

aglomerados de pessoas que se juntam, são da mesma zona, juntam-se, e cada um põe a

sua mesinha a vender alguma coisa.

E – É um mini-mercado?

MDS – É um mini-mercado. Não é bem, bem, um mercado. É quatro, cinco, pessoas.

Sentamo-nos assim como estamos. E cada um, com a sua mesa, a vender alguma coisa.

Há os que vão comprar cabaceira…

E – Isso é um beco?

MDS – Exato. É um beco. Vão comprar cabaceira, fazem sorvetes. Fazem o sumo de

cabaceira, põem num saco de plástico e vão vender também nesse beco, que é porque as

crianças gostam, não é? Vão comprando. E outros fazem bolos, outros fazem… muita

coisa! E fazem pequenos mercados à porta de casa ou mesmo na entrada das ruas, na porta

das escolas… é mais para conseguir mais alguma fonte de rendimento para ajudar nas

despesas da família.

E – Sim

MDS – Portanto, todo o mundo vende. Não é uma classe específica.

E – Não tem a ver com desagregação familiar, ou mãe solteira, ou mulher que foi rejeitada

pelo marido…, não?

MDS – Não. Qualquer pessoa cujo ordenado não supre as suas despesas, arranja uma

outra fonte de rendimento. E as pessoas que não têm rendimentos nenhuns também

encontram aí uma saída.

E – Exato. Mas são sobretudo mulheres?

MDS – Maioritariamente mulheres. Os homens, o negócio dos homens, é mais roupas.

Compram roupas e vão porta a porta, vão porta a porta. Eles não… há aqueles que se

sentam. Nós temos, nas feiras, há homens que se sentam. Há homens, mulheres, há de

tudo. Mas nos becos, é mais as mulheres. Porque são coisas pequenas, são negócios

pequeninos. Geralmente, o que eles angariam aí serve mais para comprar suplementos

para a alimentação, para um almoço, para um jantar. Não é um negócio que gera grandes

receitas, não. São receitas mais pequeninas.

Page 5: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

5

E – Para a mesa?

MDS – Exatamente.

E – Os estudos, na Guiné? Os estudos, como são? Há distinção, na sua geração, havia

distinção entre os estudos consagrados para raparigas, iam até uma determinada fase, e

os estudos para rapazes?

MDS – Não. Essa distinção não há.

E – Não há?

MDS - Rapazes e raparigas têm os mesmos… na minha geração, que é a dos oitenta, é a

época dos oitenta. Porque eu entrei na escola, primeira classe, em oitenta. No ano oitenta,

quando eu fiz a minha primeira classe. Mas nessa época não havia, nunca houve distinção

de rapazes e raparigas. Antigamente sim. Antigamente. Na época dos meus pais, sim,

havia. Os rapazes tinham mais possibilidades de estudar. Porque a menina é aquela mais

massacrada. Porque tem de ajudar a mãe nas lides de casa, e então tem de ajudar a apanhar

água, a ir à feira, buscar a lenha, para ajudar a mãe. Os rapazes vão à escola e as meninas

ficam em casa a trabalhar. Mas nós, graças a Deus, já não vivemos essa fase. Na minha

altura, todo o mundo tem o mesmo direito. A diferença que há, que ainda existe, é em

termos de extrato social. As pessoas com mais posses geralmente conseguem melhores

escolas. E conseguem pôr os filhos nas escolas privadas, onde não há greve, tem um

cronograma de ensino, assim, minimamente organizado, não é? E as pessoas com menos

possibilidades, já têm de depender do governo. E então, dependendo do governo, está

sujeito a greves, está sujeito a professores menos preparados, essa é a diferença que, ainda

neste momento, existe.

E – O número de aulas chega a ser muito reduzido face ao calendário previsto, não é?

MDS – Exatamente. Dou só um exemplo muito, muito recente, é que habitualmente as

aulas começam em setembro, e em Bissau as aulas começaram aqui há uma, duas semanas

atrás, por causa da greve, por causa da greve prolongada.

E – Muito tempo.

MDS – Sendo assim, o que é que essas crianças vão aprender? E as aulas acabam em

junho. Acabam em junho. São pouquíssimos meses de aulas.

E – Exato. Três já foram.

Page 6: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

6

MDS – Exatamente.

E – Dra. Mariama, estudou, começou por estudar na Guiné?

MDS – Sim. Eu fiz até à oitava classe em Bissau. E depois, aos doze anos, fui para Cuba,

onde fiz o resto. Fiz a nona classe até à faculdade. De 88 a 2000.

E – Com 12 anos foi, e tinha lá família, tinha…?

MDS – Não.

E – Não?

MDS - Não

E – São sempre uma grande aventura, essas partidas… quer contar um pouco?

MDS – Sim. Eu, às vezes, fico chateada, porque … eu digo que fui privada da minha

infância, na minha terra, com os meus irmãos. Mas também, em compensação, eu digo

que tive a sorte de ser do grupo que conseguiu estudar, que conseguiu ser alguém, que

pode ajudar os outros. Porque há pessoas que nunca tiveram essa oportunidade. (chora)

Nunca. Nós sabemos que, na Guiné, não temos universidades. As escolas secundárias mal

funcionam e, então, a nossa saída, a nossa alternativa, é sempre uma bolsa de estudo para

o estrangeiro. Porque quem ficar em Bissau corre o risco de não se formar, de não fazer

nada. É preciso ter muita foça de vontade, é preciso ser muito empenhado para se

conseguir fazer alguma formação. Contudo, agora, já há algumas escolas técnicas, tem

universidade também de direito, mas não havia. Até há pouco tempo, não havia. E então,

eu fui para Cuba com 12 anos, não tinha… fui num grupo grande, eramos todos crianças

de mais ou menos a mesma idade: 12, 15, não passava daí. E fomos através de … Cuba

concedia bolsas de estudo à Guiné-Bissau, e essa bolsa era distribuída para diferentes

instituições e, nessa época, era partido único. Então, o Partido que geria tudo isso era o

PAIGC, era o único partido que havia. Então distribuía essas bolsas a diferentes

instituições. E as instituições davam aos funcionários.

E – Sim.

MDS – Exatamente. E eu, foi uma bolsa de UDEMU, que é uma organização das

mulheres do PAIGC, porque a minha mãe é do PAIGC, o meu pai era do PAIGC também,

e então eu consegui uma bolsa de estudo. Não tinha família lá. Eramos muitos. Estávamos

num colégio, tipo um colégio, onde tudo fazíamos nós. Aí é assim: desde o dia que sais

Page 7: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

7

de Bissau já és adulto, a vida é tua, tu fazes dela o que bem entenderes. E então, tudo nós

fazíamos. Tínhamos regras, não é? A escola estabelecia regras, era acordar às seis da

manhã, fazer a higiene, ir ao refeitório, tomar o pequeno almoço, depois tínhamos de fazer

a formação, a formatura. Tínhamos todos que fazer a formatura. Uma escola tinha pr’aí

mil alunos, ou um bocadinho mais, ou menos, dependendo.

E – Da Guiné foram quantos?

MDS – Éramos muitos. Não faço ideia, porque cada ano vai um grupo, cada ano vai um

grupo. Nós tínhamos a escola toda, do 7ª ano até ao 9ª, a escola era toda, era só guineenses.

Portanto, éramos imensos. Imensos, imensos. E cada nacionalidade tinha a sua escola.

Isso, na Ilha da Juventude. Cada nacionalidade tinha a sua escola. E então, era tudo

regrado. Tinha-se que cumprir rigorosamente as coisas. Às seis da manhã tocava o

levantar, pequeno almoço a seguir, depois do refeitório, todo o mundo tinha a obrigação

de descer para a formatura onde eram dadas as informações do que vai acontecer o dia

todo, liam-se as notícias, cantávamos o hino de Cuba e da Guiné, neste caso. Há escolas

que tinham mais nacionalidades e cantavam de todas as nacionalidades - todo o mundo

tinha de saber cantar o hino das outras nacionalidades – e depois, aí, eramos divididos em

grupos. Os mais pequenininhos limpavam a escola, ao redor da escola; os mais

crescidinhos iam para o campo. O trabalho de campo era: plantar batatas, mandioca,

recolha de tomate, de toranja, de laranja, de tudo o que se produzia aí, e tudo o que nós

produzíamos era para o nosso consumo. Tudo que nós fizemos… vinham algumas coisas,

como por exemplo, a carne, o peixe, essas coisas, vinham de fora. Do governo, o governo

dava. Mas o resto, tudo o que é tubérculos, hortaliças, e não sei quê, éramos nós que

produzíamos. E depois, um grupo ia para o campo e outro grupo ia para a docência, para

a escola, para as aulas propriamente ditas, e depois, isso até ao meio dia. Os que foram

ao campo vinham, as criancinhas subiam para tomar banho, e depois o turno trocava: os

que foram ao campo vão para a escola, os que foram à escola vão para o campo, os mais

pequenininhos que limparam a área verde vão para a escola, os que estiveram na escola,

descem para limpar o resto. E isso, a jornada da tarde acabava às 5 da tarde, a partir das

seis até às sete e meia, ou oito, era o jantar. Depois do jantar, - era às sete e meia -, depois

do jantar, às oito, todo o mundo, todo o mundo, subia para a docência, estudar obrigatório,

e então, depois da docência, às 10, era o recolher, tocavam o sino do recolher, todo o

mundo tinha que ir recolher, ir dormir. E era assim, todos os dias. E nós tínhamos um dia

de recreação, que era uma quarta feira, não havia o estudo, todo o mundo descia para a

Page 8: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

8

recreação, dançávamos, brincávamos, jogávamos, cada um fizesse o que quisesse, fazia

o que quisesse, e depois os fins de semana, nós não podíamos sair da escola sem

autorização. Tinhas, uma semana antes, de pedir por escrito, autorização, do fim de

semana que pretendes sair, de tal hora a tal hora, onde é que vais, com quem vais,

entregavas na direção, e o teu pedido era avaliado. A avaliação passa desde o teu

comportamento durante a semana, do teu rendimento na escola, do teu rendimento no

campo, a organização da tua área lá no dormitório, são coisas que são avaliadas…

E – Os parâmetros

MDS – Exatamente. Para tu teres, ou não, o direito à saída. Quando sais, depois de voltar,

tens que avisar que voltaste, se voltaste tarde, já, na próxima semana, sabes que não podes

sair e depois, o teu pedido, o teu próximo pedido, é avaliado com mais atenção ainda.

Portanto, aquilo exigia uma disciplina, uma regra, que ninguém podia violar.

E – Sim.

MDS – E aqueles que, no final do ano, tivessem boas notas, tinham prémio. O prémio,

muitas das vezes, era a viagem a Bissau. Outros, eram férias nas outras províncias, nos

aldeamentos turísticos. Isso, íamos também. E, depois, tínhamos campismos, de vez em

quando também íamos ao campismo, mas em todas essas atividades eramos avaliados um

a um: o comportamento, o rendimento escolar, tudo isso. Portanto, ninguém podia escapar

às regras, não havia como escapar às regras. E pronto.

E – E quanto tempo esteve lá?

MDS – Eu? Em Cuba?

E – Sim.

MDS – Eu, em Cuba, estive de 88 a 2000. Em 88, comecei na Ilha da Juventude, até 94.

Depois, fui para a faculdade. Em 94 eu entrei para a faculdade. É já numa província

central, ilha Clara, que foi onde eu fiz o meu estudo universitário. E acabei em 2000. E

vim para cá. Vim para cá, também não era para ficar. A minha mãe estava cá com os meus

irmãos. Mas a minha ideia era uma passagem por cá e depois…

E – Voltar para Bissau?

Page 9: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

9

MDS – Para Bissau. Só que, em 98, tinha vindo de férias, foi a altura em se deu o

levantamento militar, lá em Bissau, e então, muita confusão, tudo estragado, uma guerra

infundada.

E – Foi a de 7 de junho?

MDS – Sim, 7 de junho. Uma guerra sem nexo. E, então, as coisas complicaram-se. E

dois anos depois, acabo eu os estudos, vim para cá para voltar para Bissau. Depois, optei

por ficar mais um tempo. Em 2001 fui de férias em Bissau, para ver as condições. O meu

pai estava lá, o meu pai também era médico, e então ele disse-me “Olha, neste momento,

a tua vinda cá seria mais um peso do que um rendimento” e ele sugeriu-me ficar por cá

ainda, e fazer a especialidade, especialidade em alguma área que eu quisesse, enquanto

aquilo se organizava. E eu não queria, mas ele insistiu, lá está, o papel do homem, o papel

do pai que é sempre muito… pai é “Sim senhor”, “Sim senhor”. E então, eu aceitei, e

voltei. Voltei, fiz cá a especialidade, em Santa Maria fiz a especialidade em reflexologia,

à espera que as coisas se organizem, e até então … (risos) ainda cá estou. Mas com muita

vontade de voltar.

E – É?

MDS – Muita. Muita vontade de voltar.

E – Tem filhos?

MDS – Tenho uma filha.

E – Que idade é que ela tem?

MDS – Tem onze. Tenho uma filha com onze anos. Mas tenho muita vontade de voltar.

A maneira que eu encontro de ajudar para colmatar essa vontade é ir regularmente fazer

voluntariado.

E – Faz voluntariado?

MDS – Vou. Vou fazer voluntariados a Bissau.

E – Nos hospitais?

MDS – Nos hospitais. Todos os anos. Nós fundámos uma organização. Porque aqui, em

Portugal, há muitos médicos guineenses. Muitos. Mais de duzentos médicos guineenses

cá. Há especialistas inclusive. Muitas especialidades. E, então, nós fizemos uma ONG,

Page 10: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

10

assim muito recente, que vai agora em março fazer o seu primeiro ano, e vamos em

missões curtas, uma semana, a Bissau fazer consultas, cirurgias, dar formações, para

poder, de uma outra maneira, ajudar. (chora)

E – Ajudar as pessoas

MDS – Exatamente. É isso. Até agora, conseguimos. Estamos a tentar alargar a missão

para mais tempo, mas como é uma ONG nova, nós não temos financiamento, nós não

temos ajuda das comunidades, da comunidade internacional.

E – Sim.

MDS – Nos mantemos basicamente por doações. Temos doações para bilhetes, doações

de materiais, doações de medicamentos, e fazemos um volume grande e levamos para

Bissau.

E – Ah, muito bem. E, de entre os médicos que fundaram essa ONG, vão alguns deles,

vão todos?

MDS – Não. A ONG foi fundada por um núcleo de amigos guineenses que já são pessoas

mais … mais adultas do que nós, não é (risos)?

E – (risos) O que é isso, ser mais adulto?

MDS – (risos) Com mais idade!

E – Está a falar do David?

MDS – Do David, do Fortunado… O David é de Cabo Verde. A mulher dele é guineense.

Foi fundada pelo Doutor Fortunato que é um guineense, é urologista, pelo Doutor Renato

Monteiro, também é guineense, é pneumologista, e depois, uns amigos, e fundaram a

ONG. E então, na primeira missão, o Dr. Fortunato foi, fez levantamentos, o que é que

era preciso e não sei quê… Depois veio, e como ele sabe, todos nós sabemos, que somos

muitos cá, ele contactou os médicos.

E – Não é Carlos Fortunato?

MDS – Não, ele é Fortunato, Fortunato só. Matos. E então, contactou os médicos e nós

respondemos. Alguns respondemos ao pedido e fomos em missão. A uma missão que

correu extremamente bem, apesar de todas as dificuldades que nós temos. Para ir, é

sempre uma história! Temos sempre história para contar, porque até no dia da ida, quando

Page 11: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

11

a viagem é às seis da manhã, às cinco da tarde do dia anterior, ainda não temos bilhetes

completos. (risos) Portanto, é aquela boa vontade que nos move, aquela necessidade de

fazer alguma coisa que nos move. Isso é bom. E então fomos, a missão correu muito bem,

fomos bem recebidos, fomos bem aceites, trabalhámos imenso. Não tínhamos hora de

entrar, quer dizer, entrávamos às oito da manhã, e depois ninguém sabia a que horas íamos

sair. Aqui em Portugal, oito, oito e meia da noite, acaba o turno, passo o turno e vou-me

embora. Atrasa-se o colega cinco minutos e já estou a ralhar (risos). Mas lá foi diferente.

Foi diferente, porque nesses dias parece que, no hospital, não chega a noite. Porque está

sempre cheio, porque colocam anúncios na rádio e as pessoas fazem a inscrição então,

são tantos inscritos, são tantos inscritos, que às cinco da tarde, estás no consultório, e não

te lembras que ainda não foste almoçar; às dez da noite não foste jantar; à uma, duas da

manhã, estamos a discutir doenças como se nada tivesse acontecido, como se a hora não

tivesse passado. E depois, alguém se lembra: ah, então não vamos …? E lá íamos nós, às

duas, três da manhã. E, às oito, tínhamos de estar novamente no hospital. Uma semana

extremamente intensa! Mas conseguimos ajudar. Se bem que nós voltamos sempre com

a sensação de poder fazer mais. E isso é que nos move, aquela vontade de poder… neste

momento estamos a preparar uma nova missão para fevereiro, na semana de 22.

E – Dizia há pouco sobre o estado da saúde… há falta de médicos, há falta de

medicamentos… e as pessoas não têm acesso fácil a cuidados de saúde, é isso?

MDS – A falta é global. Tudo isso… não tiro nada daí. Há falta de tudo. Para começar,

nós temos uma estrutura governamental desorganizada. Quando o governo desorganiza,

o resto vai tudo abaixo, vai tudo atrás, na mesma onda de desorganização. Nós, só

médicos guineenses, somos muito mais do que duzentos. Cá fora. Especialistas. Mesmo.

Portanto, a nossa falta, eu acredito que seja notória. A Guiné-Bissau não tem uma… tem

uma “faculdade”. Nós sabemos a dificuldade de saúde da Guiné. E então, de antemão, a

formação desses médicos é deficitária. Falta sempre, quando é que eles vão fazer a prática,

nós não temos meios complementares de diagnóstico, como é que eles sabem? Regem-se

mais pela teoria do que pela própria prática. Nós sabemos que medicina tem que ser as

duas coisas juntas. Vais ler, mas depois, se não vires na prática… depois, não consegues

enquadrar as coisas. A população extremamente empobrecida não tem poder económico

para os serviços de saúde, porque nós não temos um sistema de saúde que funcione,

portanto, as instituições públicas não têm como. Só a título de exemplo, uma pessoa

precisa de cirurgia, de uma cirurgia. Por mais simples que seja. Essa pessoa tem que pagar

Page 12: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

12

o médico – numa instituição pública! – pagar o médico, mas não é porque está

determinado na lei que tem que pagar.

E – Não está?

MDS – Não está, mas é aquelas coisas por baixo. Se eu não pago, não sou atendida.

Porque a própria situação económica do país permite isso. Quanto é que ganha um médico

guineense? Um médico guineense não ganha mais do que 100 euros. 100 euros são

sessenta e cinco mil francos. Tem família, tem filhos, tem que dar comida, tem que dar a

educação aos filhos. Com sessenta e cinco mil francos não vai lá… a pessoa tem que

pagar o médico, por baixo, se não morre à espera de ser atendido, tem de comprar todos

os materiais que o médico vai usar na cirurgia, compressas, álcool, tudo! Tem de comprar

tudo, antibiótico, tem de comprar tudo e, ainda, esperar que haja cama, que não há camas.

Nós não temos um sistema de saúde que suporte isso. Nós não temos um orçamento que

suporte os gastos de saúde. Portanto, é tudo muito complicado. O hospital não funciona.

O hospital não tem um laboratório. Ou, tem um laboratório, entre aspas, onde tudo é pago

e muito caro. Por exemplo, aqui em Portugal, a gente chega com febre, com o que o

doente se queixar, nós fazemos uma bateria de exames, até que muitas vezes, confesso,

que desnecessária. Num hemograma, se nós pedirmos um hemograma, já vem tudo:

leucócitos, eritrócitos, monócitos, vem tudo o que compõe um hemograma. Em Bissau

não funciona assim. Quando pedes um hemograma, não podes pedir um hemograma,

porque a seguir o paciente vai embora e não volta mais, porque não tem dinheiro para

pagar. Porquê? Porque todos aqueles itens que compõem um hemograma, é cobrado à

parte. Cobram eritrócitos, cobram hemoglobina, cobram leucócitos, tudo isso. É

insustentável para uma pessoa que não tem rendimento nenhum. E é assim com todo o

resto de baterias de exame.

E – Aquilo de que falávamos há pouco, das pessoas virem através da junta para serem

tratadas cá, mesmo assim, é necessário despender muito dinheiro.

MDS – Sim, porque, pelas vias normais não funciona, não funciona mesmo. Um cidadão

comum, que não tem condições nenhumas, vai a uma junta, a seguir pegam no processo

dele e é metido na gaveta, literalmente. Ninguém olha, porque não vai gerar receita ao

coletivo da junta. Quem tem possibilidade, chega, e junto do processo entrega um

dinheiro. Dividem entre eles, agilizam o processo, e a pessoa consegue junta. Mas essa

Page 13: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

13

pessoa pode até não ter necessidade nenhuma de vir para a junta médica. Apenas quer

emigrar. E aquele coitadinho que realmente tem…

E – Necessidade.

MDS – Exatamente, não tem dinheiro, não tem como conseguir o dinheiro que eles

pedem, fica lá e morre. Outras vezes, a família cá, fazem um pé de meia, juntam, cada um

põe um bocadinho, conseguem o dinheiro e mandam, e na hora em que o doente chega,

já está no final, já não tem nada a fazer, os médicos não têm nada a fazer. Tudo isso é um

processo extremamente complicado. Muito complicado. E outra coisa que acontece com

essa junta médica, é que inventam diagnósticos. Por exemplo, se eu digo que sofro de

enxaqueca, isso não é nenhuma patologia que requer junta médica. Agora, se eu tenho

uma insuficiência renal, ou se tenho uma neoplasia, aí sim, já posso ser avaliada e, com

jeito, conseguir uma junta. Então, as pessoas vão forjando diagnósticos, que é para os

seus doentes poderem conseguir junta.

E – Pagam.

MDS – Aí está, tem de ser pago por baixo. (chora)

E – Há pouco estava a falar da sua vontade de voltar e eu reparei que o seu rosto se ilumina

quando fala desse desejo.

MDS – Sim. Eu hoje digo que o meu objetivo número um, neste momento, é voltar. Eu

estou aqui, eu estou bem aqui, sinto-me bem aqui, porque eu tenho a minha casa, tenho a

minha filha, tenho a minha vida organizada, sem stress, sem nada, não tenho muito

trabalho, correr daqui para ali… mas lá está, eu estou assim, estou satisfeita com a minha

vida, mas há um milhão de guineenses insatisfeitos (chora). E acho que, eu, aqui, costumo

dizer, que eu sou mais uma. Mas, na Guiné, consigo fazer alguma diferença.

E – Quer ajudar.

MDS – Exatamente. Porque eu não consigo ficar indiferente a estas situações sociais. Eu

tenho as mínimas condições para viver, mas uma população inteira a sofrer, uma

população inteira com necessidades, e… acho que isso não é justo. Por isso, se eu puder

ajudar, se eu consigo ajudar, eu ajudo sim. Porque eu sei que é necessário. Eu nunca serei

completamente feliz sabendo que há pessoas com necessidade, há pessoas a morrerem.

Eu sou médica e não consigo ajudar. Isso é injusto, não deve acontecer (chora). Por isso

a minha vontade, cada vez mais, de voltar. Eu tenho muita vontade mesmo de voltar.

Page 14: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

14

(Mariama agradece os lenços de papel que lhe estendemos)

MDS – Tenho mesmo muita vontade de voltar.

E – O que é que a sua mãe diz a isso? A essa sua vontade de voltar, o que é que diz a sua

mãe? Disse-me que ela está cá, com os seus irmãos…

MDS – Está. Está. Sabe, quando nós… a minha mãe até pode… a minha mãe foi

combatente da Pátria. A minha mãe foi criada, a minha mãe foi criada pelo Amílcar

Cabral e aqueles combatentes todos, porque a minha mãe é mandinga e é da zona norte

do país. Quando começou a guerra a minha mãe era pequeninha e, então, o PAIGC fazia,

os guerrilheiros faziam sensibilização nas tabancas, que era para as pessoas poderem sair

e ajudar na guerra, naquela época colonial. E a minha mãe fugiu da tabanca, abandonou

a sua família, e foi para a guerra. Ela foi criada… saiu à revelia, não é? A família tentou

resgatá-la, mas ela nunca quis, e ficou. Então, depois, estiveram naquela zona norte,

depois, como eram pequenininhas, precisavam de estudar, porque eles faziam, tipo, uma

triagem, uma seleção, e as pessoas que já eram mais crescidas e pudessem ser uma mais

valia em carregar balas, levar comidas, e não sei quê, essas eram aproveitadas para essas

tarefas. Mas, aquelas mais pequenininhas, que não iam ser úteis naquela fase, eram

levadas para Conacri. O PAIGC tinha uma barraca, uma barraca não, tinha, tipo, um

internato, um colégio lá, onde iam lá as crianças para poderem estudar. E a minha mãe

foi nesse grupo para Conacri. Foi estudar. Depois, foi para a Bulgária. Levaram-na para

a Bulgária para fazer algum curso. A minha mãe é enfermeira. E então, trabalhou todos

esses anos, inicialmente, numa província a leste, em Gabu, depois em Bissau. Até… a

minha mãe veio para cá em 1996. Mas acho que, nós as duas, nutrimos o mesmo gosto, a

mesma vontade. De ajudar. Tanto que ela disse sempre que ia voltar. Ela quer muito

voltar. Apesar já de ser…,mas ela reformou-se porque está cá. Porque reformando-se,

recebe lá o ordenado, como os antigos combatentes. Mas ela quer muito voltar, portanto,

ela acha essa ideia uma ideia boa, uma ideia interessante. Até que ela diz sempre “Vou

voltar”. Eu digo-lhe, “Tu vieste e nunca mais foste, e agora queres voltar?” Mas falta-lhe

aquela companhia, porque ela viveu muitos anos aqui, o meu pai já morreu, e então, para

ela, é complicado ir lá ficar sozinha. E, então, acho que ela está mesmo à procura de uma

companhia para ir. E, então, juntamos o útil ao agradável (risos).

E – Quantos irmãos tem?

Page 15: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

15

MDS – Nós… Nós somos, hã, seis. Mas o meu pai tem mais três. Mãe e pai, somos seis.

Quatro meninas e dois rapazes.

E – Só a Dra. Mariama é que ficou médica? É a única?

MDS – Sim. Sou a única. A vontade da minha mãe é que algumas das minhas irmãs

também fizessem medicina. Mas ninguém quis, e então, sou eu a única. Tenho uma que

é jornalista, tenho um que fez… ai, já nem sei o que é que ele fez… uma coisa de

marketing, uma coisa de empresas, relacionado com empresas. Depois, uma, é da área

social, de geriatria, depois tenho uma outra que está em Londres, essa, a minha queria que

fizesse enfermagem, mas não, não conseguiu convencê-la, e não fez nada. Depois, tenho

outro rapaz que também não fez nada, mas eu costumo dizer que há sempre tempo para

E – Fazer.

MDS – Para fazer alguma coisa. Tanto, que eu ainda estou a estudar, estou a fazer gestão

(risos).

E – Foi a Mariama que escolheu mesmo medicina?

MDS – Sim. Fui eu que escolhi. Os meus pais foram muito liberais. Se bem que o meu

pai dizia, o meu pai é médico, era médico, já morreu, ele dizia-me sempre que, na Guiné,

um médico não é respeitado. Ele não me aconselharia que fizesse medicina porque deixa-

se de ter qualidade de vida, deixa-se de ter uma vida social, e a tua vida resume-se àquilo,

ao hospital e os doentes. E ele queria que eu fugisse um bocadinho a isso, mas também

nunca se opôs. Eles diziam sempre, “A decisão é vossa. Nós podemos opinar, mas a

última palavra é sempre vossa”. E foi assim que aconteceu. Fui eu que escolhi, por

vontade minha, e ainda não me arrependi. (risos)

E – (risos)

MDS – Eu tenho dores, sim. De vez em quando, uma ou outra revolta, pelo sistema. Mas,

do curso que fiz, não me arrependo, porque consegue-se sempre ajudar. E é sempre

preciso. Está sempre alguém a precisar de ajuda nesse sentido.

E – É bonito. Tem colaborado com a Associação Irmãos e Amigos de Farim?

MDS – Sim. Filhos e Amigos de Farim.

Page 16: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

16

E – Tem? Quer-nos contar um pouco dessa colaboração?

MDS – Os Filhos e Amigos de Farim é uma associação, lá está, que também começou

com amigos. Começou com amigos, porque nós sabemos que a emigração é complicada.

Uma pessoa que emigra e não tem alguém para a ajudar, nunca consegue concretizar os

seus sonhos, não se consegue orientar tão facilmente. E então, essa associação foi criada

por um grupo de amigos com a intenção, basicamente, de ajudar os outros.

E – Os recém-chegados?

MDS – Os recém-chegados. Os recém-chegados e também, no caso de falecimento, poder

sempre juntar algum dinheiro e contribuir para fazer o funeral e fazer as cerimónias que

nós fazemos, em Bissau. E então, fizeram essa associação, como sabe, pagam quotas e,

desde o início, muito bem estruturada, tinham as suas regras e obedeciam todos a essas

regras. E depois, a associação, foi tendo cada vez mais sócios, e sócios mais novos, e

sócios mais ambiciosos, e aquela tarefa que se limitava mais em ajuda aos que chegam e

do custo do funeral, foi-se ampliando. Neste momento, a associação dos Filhos e Amigos

de Farim é uma associação reconhecida, que tem os seus estatutos próprios, aprovados,

que tem a sua atividade reconhecida, inclusive na Assembleia e tudo, e tem os seus

parceiros. Portanto, é uma associação em crescimento. Eu fui convidada para, porque eu

também pertenço a um partido, e então, numa dessas reuniões, acho que foi aí, … Não.

Eu uma vez fui convidada para uma palestra de uma organização que estava a começar a

emergir, que era banbaran apili, banbaran apili. Apili, em crioulo, em Bissau, em

Guineense, é mulher. “Banbaran” é aquele pano que nós usamos para segurar as crianças

nas costas.

E – Ah, sim.

MDS - E então, essa organização estava a tentar emergir. Então, fizemos uma primeira

palestra, no Campo Grande, e eu fui uma das oradoras, no tema da saúde. Aí, conheci o

Eduardo e ele convidou-me para fazer parte da Associação. Mas lá está, costumo dizer

que nós, os médicos, somos extremamente cómodos. Nós encarnamos, vestimos a bata e

nunca mais saímos do hospital. Há poucos médicos que têm assim tarefas extra-hospitalar

que não têm nada a ver com a área da medicina. E eu fui dilatando, fui dilatando, fui

dilatando, (risos). É verdade, e ele, sempre paciente, chamou-me sempre, e tudo. Então,

eu decidi, agarrar o projeto, decidi fazer parte do grupo. Ainda tivemos formação na APF.

Um ano de formação – foi intensivo! (risos)

Page 17: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

17

E – Foi duro, não foi?

MDS – Foi duro! (risos) Foi duro, mas foi muito bom. E então, a partir daí, a partir dessa

formação, eu comecei a interagir mais com eles e fui ficando, e lá estou como membro,

como ativista, como responsável. E gosto do trabalho que faço apesar de ter pouco tempo.

Eu gostava de poder dedicar mais tempo às tarefas da Associação. Porque é uma tarefa

muito nobre.

E – É.

MDS – Mas não consigo, não tenho tempo. (risos)

E – Não dá para tudo.

M – Não dá, mas, felizmente, eles compreendem isso e temos uma ótima relação, uma

ótima relação. Até, a minha mãe diz-me sempre “Tu achas que consegues”, porque eu

estou na política, estou no hospital, estou na Associação, e ela diz “Como é que consegues

fazer isso?”. Eu cheguei à conclusão que não, que não conseguia. (risos) Eu até tento, mas

alguma coisa sempre (risos).

E – (risos)

MDS - Não consigo mesmo, mas vou dando sempre o meu melhor. Às vezes, eles ligam-

me, o Ussumane, é que nós coordenamos juntos os projetos, ele liga-me “Tu perdeste-te,

tu perdeste-te, não apareces” E eu “Vou aparecer, eu estou longe, mas estou junto no

coração”. (risos) Então, pronto, a Associação desempenha várias…, para além da MGF,

temos outras parecerias. Nós temos uma parceria com o “A sorrir”, nós conseguimos que

eles enviem médicos, sobretudo dentistas, para Farim, que é para fazerem educação na

escola, extração, tratamentos e tudo. Por isso, já foram umas quantas vezes a Farim.

Depois também fizemos parcerias com algumas escolas, vamos fazer workshops, vamos

fazer conferências.

E – Workshops, de que natureza? Pergunto.

MDS – Da MGF. Da MGF, da mutilação genital feminina. Porque nós sabemos que é um

tema que, apesar de já se falar muito, mas é um tema que ainda muita gente desconhece.

Muita gente desconhece e nós temos muitas crianças que precisam de saber que isso

existe, precisam de saber em que momento começa a ocorrer o perigo, porque como já

está legislado, essa prática, então as pessoas, agora, fazem às escondidas. Pegam nas

Page 18: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

18

crianças, levam para Bissau, com intenção de irem passar férias, e vão cometer o ato.

Então, nós precisamos que as crianças tenham consciência, e que outras pessoas,

portugueses, outras pessoas que não são a comunidade praticante, que também saibam

que isso existe. Porque quanto mais sabemos, quanto mais falamos disso, é mais fácil

conseguir erradicar a prática. Já evoluiu muito, não é? Porque… eu costumo dizer que

tudo o que é tabu, tudo o que não é abordado, não há maneira de erradicar. Porque eu

posso ter um problema grande, se eu não falar, vocês não sabem, não me conseguem

ajudar. E agora, falando, eu passo a palavra, ela vai passando, você passa, e então assim,

juntos, conseguimos fazer alguma coisa. E eu acho que a mutilação genital feminina não

foge à regra e têm-se conseguido grandes coisas. Porque, antes, inclusive aqui, faziam a

mutilação. Agora, quem for apanhado a cometer isso, a pena é pesada. Então, ninguém

vai arriscar. Ninguém vai arriscar, mas também é perigoso, porque agora fazem às

escondidas.

E – Pois é.

MDS – Antes, nós sabíamos onde encontrá-los e como fazer para os encontrar. Mas agora,

nós não sabemos. As pessoas que cometem erros desses são muito subtis. Fazem, assim,

com uma “perfeição”, digamos, as barbaridades, e então nunca conseguimos saber a hora

a que vão fazer, onde é que fazem. E nós, isso, precisamos de saber. E a única maneira

que nós conseguimos chegar a isso é falar, passar a palavra, pedir ajuda às pessoas,

consciencializando. Nós vamos às escolas, vamos às feiras, falamos do tema e, neste

momento, inclusive, aos hospitais. Estamos a tentar, que é para se dar palestras, para se

fazer conversa com as pessoas sobre o assunto. Para saber, quando temos uma situação

dessas, para onde encaminhamos as pessoas. Ajudar aquelas que já foram mutiladas e

prevenir e proteger aquelas que eventualmente possam ser mutiladas.

E – Como é que se ajuda uma pessoa que já foi mutilada?

MDS – É porque a mutilação genital feminina, para além das mazelas físicas também

deixa mazelas psicológicas.

E – Psicológicas.

MDS – Exatamente. E essas pessoas são geralmente pessoas muito fechadas, muito

introvertidas, fechadas no seu mundo no que respeita a esse tema. Nunca querem expor,

nunca querem falar. E então, no apoio, nós temos sempre que nos pôr no lugar delas. E

Page 19: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

19

fazer com que elas percebam que nós, apesar de não termos sido mutiladas, mas sentimos

a mesma dor. Porque, quer dizer, porque é que alguém vem mutilar-me a mim? O corpo

é meu, sou eu que decido o que eu quero fazer dele, não é? Não há direito nenhum que

venha outra pessoa com uns argumentos … não interessam os argumentos, porque não há

nada que justifique essa atitude. Então, conversando, apoiando em todos os sentidos, e há

sequelas físicas graves, também, que requerem muitas vezes uma reconstrução… são

maneiras que se podem usar para ajudar.

E – Para ajudar… até me arrepio.

MDS – Exatamente.

E – Sim.

MDS – As mulheres se juntam e são ouvidas. Sim, vale a pena, entrar na política e

tentarmos mudar o mundo, assim essa maneira

E – Aquela Lei de 2001, da abolição do fanado, acha que foi pelo contributo das mulheres

que se conseguiu?

MDS – Ah, nós temos uma boa parte aí, o nosso empenho, a nossa voz tocou nessa tomada

de decisão.

E – O que é que deseja para as mulheres do seu país?

MDS– Ai! Que todas elas sejam empoderadas! Que elas tenham uma voz ativa na

sociedade em que vivem, que elas contribuam para mudar aquela sociedade, contribuam

na educação, contribuam na construção e na reconstrução do país. É isso que eu desejo

para todas as mulheres. Que todo o mundo faça o que quer, que digam o que lhe vai na

alma, sem repreensão, sem castigo, sem nada disso. Que todo o mundo seja livre de dizer

o que espera. Lá está, muitas das vezes, nós exageramos, não deve ser assim! (risos) Mas

sim, acho que todos nós somos seres humanos, não devia haver essa divisão de homem e

mulher, porque as mulheres demonstraram, ao longo desses anos todos, que são capazes.

Quer dizer, eu costumo dizer que a mulher até consegue ser mais capaz do que o homem,

porque o homem está no escritório, é esta tarefa: hoje vou fazer uma carta de convite, é

esta carta convite que eu vou fazer hoje! A mulher já não, a mulher faz isto, faz aquilo,

faz o outro. A mulher está no escritório, vai para casa cozinha, dá banho aos meninos,

põe os meninos na cama, consegue fazer inúmeras tarefas num dia. Mas o homem foca aí

e é aí que vai. Portanto, eu acho que nós temos, anatomicamente, eu acho que é por isso

Page 20: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

20

que eles nos reprimem, porque anatomicamente está comprovado que a mulher funciona

com os dois hemisférios. E o homem só com um, portanto (risos), eles de maneira

nenhuma podem ser superiores a nós. Se nós não formos reprimidas, nós conseguimos

fazer muita coisa. E a mulher tem dado essa prova ao longo dos anos.

E – E está com esperança numa nova Guiné?

MDS – Ai sim, exatamente.

E - Com a participação feminina?

MDS – Exatamente. E na Guiné… A Guiné não é um exemplo de país, por tudo o que

tem acontecido, por todas as rixas, por todas as desavenças da classe política. Mas a Guiné

tem, tinha e tem ainda, tudo para ser um país, um país completo, um país exemplo, porque

nós temos homens e mulheres, mulheres e homens capazes. (risos) Nós temos mulheres

e homens capazes, temos recursos, nós temos tudo. A Guiné é um país pequeniníssimo, é

um país muito pequenino, que eu digo que não é difícil reconstruir a Guiné. Basta as

pessoas deixarem de ser egoístas e pensarem na Guiné como um todo, não como uma

parte, não como uma propriedade, como tem acontecido. Nós todos pensarmos na

sociedade, no povo em geral, e cada um der um bocadinho de si, nós conseguimos

construir a Guiné, nós conseguimos pôr a Guiné, projetar a Guiné no caminho do

desenvolvimento. Mas, enquanto há filhos da Guiné que pensam neles, e exclusivamente

neles, nós não vamos conseguir isso. Mas eu tenho esperança que sim, eu tenho esperança

que algum dia isso aconteça. Porque as mulheres da Guiné, agora, também estão a abrir

os olhos. Abriram os olhos. As mulheres agora gritam, as mulheres reclamam, as posições

das mulheres reclamam os seus direitos. Um exemplo disso, as mulheres conseguiram

recentemente, no parlamento, 36% de quota. Isso é inédito. Isso, há dez anos atrás, era

impensável falar nesse assunto. Isso é mais a demonstração de um avanço da nossa

democracia, um avanço da voz das mulheres. Por isso acho que é importante nós nos

empoderarmos.

E – Sim.

MDS – Eu aposto muito nisso, eu acho que nós temos de trabalhar para isso, nós temos

que lutar para que isso aconteça, para que todo o mundo tenha educação,

independentemente de a família ter ou não condição. O governo deve isso às pessoas, a

formação. É importante, isso é imprescindível, é essencial em qualquer sociedade, porque

Page 21: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

21

senão, não chegaremos lá. Mas eu tenho esperança que sim, a curto prazo mesmo, acho

que nós chegaremos, sim.

E – O que é que mais admira na cultura guineense? O que é que gosta mais?

M – Olha, em geral eu gosto de tudo, mas sobretudo aquela hospitalidade do guineense,

aquele espírito caridoso do guineense, porque acho que isso foi crucial mesmo para a

nossa sobrevivência, para o nosso Estado, para a nossa nação mesmo. Porque, com tantos

problemas que tem havido ao longo… nós somos independentes há quarenta e cinco anos,

só quarenta e cinco, e então, se nós formos fazer uma retrospetiva, em quarenta e cinco

anos, nós não temos nada, nós não fizemos nada! O pouco que o colonialismo nos deixou,

nós fomos capazes de destruir, e não conseguimos nada! Portanto, eu digo que a

benfeitoria do guineense tem ajudado o guineense porque, na Guiné, ninguém morre à

fome. Se eu tenho um prato de arroz, eu ponho no meio. Quem estiver, come. Isso é ótimo.

As pessoas não dormem na rua. Tu vais para a Guiné, não vês pessoas a dormirem na rua.

Podes ver as pessoas com problemas mentais a deambular, mas porque não têm onde

dormir, não acontece.

(telemóvel de Mariama toca. Mariama desliga-o.)

Desculpe lá!

E – Não tem problemas

MDS – Mas, porque não têm onde dormir, ou não tem o que comer, isso é raro de

acontecer, é muito raro acontecer. O guineense ajuda. Muito.

E – É engraçado, porque soube há pouco, é taxa zero de crianças abandonadas

MDS – Exatamente.

E – As crianças são adotadas ou recebidas em família.

MDS – Exatamente. Porque nós temos… lá está, essa é outra atitude que se tem perdido

um bocadinho. Por exemplo, na época dos meus pais, as pessoas se disponibilizavam para

criar filhos uns dos outros. O meu pai teve três irmãs. O pai do meu pai era marinheiro.

Andava mais no mar. E a minha avó, tinha as minhas tias e o meu pai. E então, o tio do

meu pai achou que era uma sobrecarga enorme para a minha avó, esses quatro filhos. E

também diziam que o meu pai não podia ser criado com as irmãs porque iria ter mania de

Page 22: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

22

mulheres. E então, era obrigado a tirar o meu pai daquele ambiente, que é para crescer

com os homens.

E – Sim.

MDS – O meu pai foi tirado daí e levado. Era assim, se as pessoas vissem que uma tem

dificuldade em criar os filhos, havia sempre quem se disponibiliza para ficar com esse

filho. Iam-se criando uns aos outros, e então, o cansaço, a sobrecarga, a pobreza, não

reflete muito. Menos um, a pessoa acaba por ficar sempre mais aliviada. Acho que isso

também é uma coisa muito, muito, positiva.

E – É bonito.

MDS – É bonito. Só que agora, com a mudança da conjuntura, as pessoas estão a ficar

muito egoístas.

E – É?

M – É. Ainda se vê essa partilha, tudo isso, mas as pessoas estão a ficar… daqui a uns

anos, na geração dos nossos filhos, já não vão ter essa característica.

E – É pena. É uma perda

MDS – Exatamente. Está-se a perder. Eu não me lembro, até 2000, eu não me lembro de

ter visto a casa dos meus pais fechada, a não ser à noite. Nós, irmãos, éramos seis. O meu

pai era médico, a minha mãe era enfermeira, e então era um nível de vida um bocadinho

melhor que muita gente, não é? Era de um estrato social mais elevado. Mas lá está, todos

os primos, os tios, o que se possa imaginar, estavam todos lá em casa. Estavam todos lá

em casa! Portanto, um saco de cinquenta quilos de arroz não chegava para um mês.

Eramos imensos! (risos)

E – Casa cheia!

MDS – É, casa cheia. É muito cheia. Eu, quando chego a Bissau, agora, quando entro em

minha casa, eu sinto uma dor, uma nostalgia… o meu pai não está, a minha mãe não está

lá, a casa está fechada, fico eu sozinha lá dentro. Apesar de aqui estar sozinha e habituada

a isso, e não sei quê, mas não é igual. Aquela ali, não estou habituada a vê-la fechada. E

dá-me dor. Dá-me dor. (choro)

Page 23: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

23

E – Há alguma história, alguma lenda, que nos queira deixar? Pode ser lenda, pode ser

história verdadeira, uma coisa que gostasse que tivesse expressão.

MDS – Ó… agora não me ocorre assim nada. Histórias há sempre! Há sempre. Vou tentar

ver o que é que … não sei (risos)

E – Se se lembrar, depois diz-me?

MDS – Ok.

E – Podemos deixar para depois e, se lembrar de qualquer coisa que gostasse de ver

integrado… que tenha gostado muito, ou que a tenha chocado...

M – Eu, o que me choca mesmo é a degradação humana. É isso. O estado, sobretudo o

estado social, o estado de saúde do meu país. Isso é que realmente me revolta, me dá dor,

me dá angústia, dá-me vontade de lá voltar, de lutar cada vez mais. Porque eu acho que,

eu digo que ninguém é feliz vendo pessoas ao redor a passarem fome, a passarem

necessidades. Como é que é possível uma pessoa não ter que comer? Acaba por comer

com os outros porque não tem o seu próprio comer, não tem como fazer, não tem como

… não tem dinheiro para comprar. Como é que é possível uma criança não ter acesso à

escola? Uma criança crescer e nunca ter visto uma ponta de luz? Não tem água…

E – Está-se a referir ao interior?

MDS – Exatamente. Ao interior. Eu gosto de me posicionar no interior porque, com os

anos que nós já temos de independência, é suficiente para o nosso interior ter as mínimas

condições, e todas as ajudas, todas as doações que se levam para a Guiné, ficam em

Bissau.

E – Pois é.

MDS – E não acho isso justo porque, realmente, os mais necessitados são os do interior,

porque em Bissau, de uma maneira ou de outra, a pessoa acaba por conseguir um…

qualquer coisa. Mas aqueles pobres, não têm como conseguir. Não tem como conseguir!

Porque quem está ao lado não tem, aquele não tem, e não têm capacidade para gerar

nenhuma fonte de rendimento. Vivem das terras. As terras estão cada vez mais secas, não

têm água potável, não têm escola… crianças de vinte anos, não se admite não saberem

ler, não saberem escrever. Isso é muito mau. Chegas a Bissau, e encontras pessoas com

Toyota Yaris, com Mercedes, com carros de alta gama, têm uma dor de cabeça, vão para

Page 24: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

24

Dakar, comem… sei lá! Camarões, comem lagostas, comem não sei quê… e aquele pobre

não tem o mínimo para pôr na mesa. Isso faz-me muita confusão. Muita confusão. Eu

aprendi sempre que não vale a pena vivermos num luxo enorme enquanto os outros a

morrerem de fome. (choro)

E – Pois é.

MDS – Tu nunca és feliz. É uma coisa… eu, pessoalmente, não consigo ser feliz sabendo

que há pessoas a morrerem à fome. Eu, agora, vou-lhe contar uma história. Eu fui para

Cuba com doze anos. Para Cuba vai todos os filhos dos funcionários, mas nem todos os

funcionários têm a mesma condição. Há funcionários que passam fome porque o nosso

salário mínimo, é mínimo mesmo. Não é nada! Não se compara mesmo com o ordenado

de uma pessoa… não sei qual é o mínimo. Uma senhora de limpeza ganha muito mais do

que um médico especialista em Bissau. E então, o nosso ordenado não é nada. E nós

fomos para Cuba, de diferentes estratos sociais. E havia quem… os pais podiam mandar

encomendas, há pais que conseguiam, mas há outros pais que não têm possibilidade de

fazer isso. E, então, isso gerava diferença entre nós. Na escola, nós, de segunda a sexta,

tínhamos que andar de uniforme. Não podíamos por as nossas roupas. Mas, no fim de

semana, para sair, ou mesmo para ficar na escola, podias por a tua roupa. Os teus

pertences, podias usá-los. Mas há pessoas que não tinham isso, não tinham. Eu recebia.

O meu pai mandava-me dinheiro, em dólares. E esse dinheiro, nós não podíamos ter

dinheiro na mão, não podíamos ter dólares americanos. Eramos obrigados a contactar e

eles iam fazer trocas a um peso convertível, no banco.

E – Sim.

MDS – E então, com esse dinheiro, podias ir fazer as tuas compras, compravas o que

quisesses. E então, alguns recebiam dinheiro. Mas, como é que é possível estares num

universo com mil e tal pessoas, tu, este e este, recebem, e os outros não recebem? Vão

usá-los sozinhos? Não dá. E então, nós partilhávamos. Voluntariamente. Não era

obrigatório. Só partilhava se quisesse. Mas nós… não havia ninguém que se recusasse a

isso, nós partilhávamos. Havia pessoas, eu lembro-me. Por exemplo, há pessoas que

tinham um sapato, e depois desgastam na sola. E quando chovesse, ai, os papelões, os

cartões, não sei quê, aquilo era uma concorrência danada! (risos). De cada vez que

chegavam mercadorias à escola, ao armazém, cada um ia buscar o seu papelão e guardar,

caso fosse preciso. E então, aparecia alguém “Tens algum papelão? O teu papelão sobrou

Page 25: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

25

alguma coisa?” Porque queriam o papelão para reforçar, para por dentro do sapato, para

poder andar à chuva. E então, era assim que nós vivíamos. A partilha era inteira. A minha

roupa não era minha só. Eu vestia, depois lavava, guardava, vinha outra: “Olha, para a

semana quero vestir aquela!”, “Tudo bem, leva!”. “Para a semana, quero vestir outra

coisa!” E há pessoas que, por exemplo, visto esta calça, mas eu vou sair de manhã, a

minha licença acaba e ao meio dia tenho de estar na escola, e havia quem saísse à tarde

“Ai, eu quero vestir esta calça!”, “Ah, mas é essa que eu vou vestir”, “Está bem, então eu

vou ficar aqui à espera”. Então eu vou, ao meio dia, já sei que tenho que vir rápido porque

a pessoa está à espera da minha calça e tenho que lhe dar. E a partilha foi assim, era uma

irmandade, e ainda hoje temos essa relação, nós que estudámos em Cuba. Temos uma

relação muito estreita, uma relação muito bonita. Eu lembro-me que, uma vez, porque

cada pai tinha que arranjar como fazer chegar a encomenda.

E – Sim.

MDS – E era difícil. De Bissau para Cuba não havia voos, as pessoas não circulavam a

não ser os estudantes. E era uma vez ao ano! E então, o meu pai decidiu fazer uma

associação de pais. Ele arranjava um contentor, e cada pai ia, fazia compras, depositava

no contentor, e ele arranjava maneira de transportar aquilo para Cuba. E, então, o meu pai

dizia “Dinheiro não te dou porque se tu tiveres dinheiro em mão, tu vais comprar inclusive

o que não precisas, e tu tens lá pessoas que nem o mínimo conseguem”. O meu pai não

me dava dinheiro. O meu pai mandava-me roupa e, depois, quando formaram a

associação, … às vezes, ele mandava dinheiro, mas o dinheiro não chegava à minha mão.

O dinheiro ia para os responsáveis. E ele descrevia o que é que se ia comprar com esse

dinheiro. E em baixo punha sempre: “P.S. Sem diferença com os outros estudantes”.

Portanto, eu não podia comprar uma coisa extremamente cara que me fazia uma grande

diferença com os outros. Ele não deixava. Eu lembro-me que a primeira vez que foi, o

meu pai levou, para mim, sacos de arroz, levou caixas de atum, corned-beef, e coisas

assim. Nós usamos muito óleo de palma, ele levou três, quatro bidões de cinco litros de

óleo de palma, levou azeite, levou muita coisa. E, quando chegou, ele disse “Eu trouxe

isto para ti” e depois, entre aspas, “para vocês”. (risos) E então, eu deixei aquilo num

canto do nosso dormitório. Cada dormitório, a ala das meninas, eram quatro pisos.

E – Sim.

Page 26: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

26

MDS – Quatro pisos. E cada piso tinha … eramos quatrocentas meninas. Os rapazes eram

quatrocentos também. E então, eu deixei aquilo num sítio que fosse acessível a toda a

gente. Aí não havia como… eu podia guardar tudo, podia fechar, mas não fazia sentido.

Como é que eu ia consumir isso tudo, e as pessoas ao lado com fome?!

E – Claro.

MDS – Não dá.

E – É muito bonito.

MDS – Eu não consigo. Eu não me lembro, mesmo na escola, no hospital, eu não consigo

fechar nada! Eu não consigo. Na minha casa, eu só fecho a porta principal, o resto está

tudo aberto. E eu noto essa diferença, mesmo entre eu e os meus irmãos, eu noto um

bocadinho essa diferença. Apesar de sermos filhos dos mesmos pais, não sei, há quem

feche mais, há quem seja mais agarrado aos seus pertences. Por exemplo, eu deixo as

minhas coisas aí, eles chegam e podem pegar e podem fazer uso, não é? Mas, já para mim,

é diferente. Eu, para pegar, “Posso pegar isto? Posso…?”, não é? Noto assim um

bocadinho de diferença nisso. Apesar de eles nunca dizem “não!”. Mas têm as coisas

guardadas, num espaço. Para tu acederes tens que pedir licença. Isso é um bocadinho

diferente, comigo. Eu deixo, à vontade. E todo o mundo usa. Mesmo no hospital,

rebuçados e não sei quê, deixo aí e todo o mundo come, e pronto! Eu não consigo. Não

sei, não consigo ver alguém a passar necessidade à volta. Acho que é injusto. Acho que

todos nós devíamos ter um bocadinho.

E – O mínimo.

MDS – Exatamente. O mínimo. Eu, o meu carro… eu para comprar esse carro foi uma

guerra. O pai da minha filha dizia… e eu, “Como é que eu vou andar com um Audi?!” E

há pessoas a andarem de comboio e nem dinheiro para o comboio têm! Não pode ser. E

ele, “Mas isso, o que é que isso tem a ver? Eles têm as suas vidas e tu tens a tua!”.

E – As pessoas podem andar de comboio, não têm de andar de carro.

MDS – Exatamente. Essas diferenças grandes fazem-me imensa confusão. Por isso é que

eu arranjo para fazer voluntariado, para estar na associação, que são coisas fora do

hospital. São coisas que me fazem sentir bem porque eu fico com a consciência um

bocadinho aliviada, porque ajudei. Fiz alguma coisa por alguém.

Page 27: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

27

E – E agora está a fazer para nós (risos). Não sei, eu estou muito agradecida, eu vou usar

algumas coisas que me disse.

MDS – É essa a minha vida. Não tem assim nada de engraçado.

E – É um grande exemplo.

MDS – Não sei.

E – Um dia, se voltar à Guiné, avise-me, está bem?

MDS – Eu vou voltar. Vou voltar. No governo, sem governo, a fazer voluntariado, a fazer

qualquer coisa. Mas eu tenho que voltar mesmo. Porque, aqui, vou ao hospital, vejo dez-

quinze, os meus colegas vêm outros dez-quinze… mas, na Guiné, eu vejo cem. Eu não

me importo. Estou lá! Estou lá o dia todo a ver doentes atrás de doentes. E ainda, aqui, a

pessoa que há pouco me ligou, ligou-me de Bissau. Porque há alguma necessidade “Ah,

eu fui ao médico, receitou-me isto, posso fazer?”, “Ah, sim, pode“, “Ah, mas eu não tenho

como fazer”. Então eu lá vou comprar. Há um ano atrás, fui chamada porque nós

passamos receitas hospitalares, já vêm informaticamente e não sei quê. Mas, depois,

podemos comprar receitas na ARS e passar em casa.

E – Sim Manualmente?

MDS – Manualmente. São quarenta e seis ou quê. Com esses pedidos todos, às vezes,

excedo as quarenta!

E – Pois é.

MDS – E fui chamada. Tenho que justificar o porquê. Então, a minha sorte, é que tudo

quanto vou mandar, eu faço, eu peço nota nos correios. Compro, ponho nos correios e

vou guardando as notas. Foi assim que eu consegui justificar porque, senão, seria

sancionada, não podia exceder, nem de longe, as quarenta. Então, mas eu vou-me sentar

aqui e saber que há alguém a precisar, mesmo urgente, lá?

E – Esse espírito de ajuda, eu encontro muito nas mulheres guineenses. Também não

tenho falado com homens. Mas encontro muito nas mulheres, é engraçado. Esse espírito

de enviar coisas para lá…

MDS – Os homens ajudam. O problema é que eles dão dinheiro às mulheres (risos)

E – Bem visto (risos), bem visto.

Page 28: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

28

MDS – Eles não têm paciência de andar nas lojas, buscar, fazer as compras. E, então, dão

dinheiro e as mulheres vão fazer, dão dinheiro e as mulheres vão mandar. Não, eles

ajudam. Em termos de ajuda, sim, ajudam mesmo. E outra coisa… eu vou dar exemplos

sociais, só isso. E outra coisa, em Bissau, no hospital, tem que se comprar tudo. Tudo,

tudo, tudo! Não há nada que se dê. Num hospital público! Não há nada que é dado. Se

você está com uma crise… chegas lá, arranjas maneira que o médico te veja, com dinheiro

ou com uma conversa boa, e tem que passar receita para você ir comprar ou para um

familiar ir comprar e fazeres a medicação de urgência. E às vezes, a pessoa chega tão mal,

tão mal, que enquanto o familiar vai e vem, morreu, ou apanhou um AVC… e então, um

dia destes, estava… eu fui e, então, quando nós vamos, os colegas pedem consultoria, os

colegas que lá estão. Vou a uma enfermaria e estava um rapaz muito doente, no máximo

tinha vinte anos. Um negro branco, branco, branco, branco! Tinha para aí umas treze

gramas de hemoglobina. Perguntei, “O que é que ele tem?” “Tem anemia, ele tem

anemia”. Precisava de uma transfusão. O homem já estava exausto, ia morrer. Eu disse

que ia pedir uma transfusão. E ele disse, “Mas a família não tem dinheiro para uma

transfusão”, “O quê? Ele vai morrer por falta de sangue?”. “A família não tem dinheiro

para comprar sangue”. Eu fiquei a olhar para o rapaz, a chorar. Eu peguei no colega e

disse “Vem tu comigo, vamos comprar sangue”. Eu disse “Vamos começar com três

litros.” “Mas quem paga o sangue?”, “Neste momento, não é o mais importante quem

paga, o que importa é que aquele rapaz se salve”. Fomos comprar sangue para o rapaz. O

rapaz levou seis litros de sangue. Paguei tudo. E esse rapaz ainda hoje me liga. Ele não

sabe o meu nome, diz-me “salvador” (risos). Diz-me “salvador”. Os meus colegas lá não

têm materiais para trabalhar. Eu levo as minhas batas e não venho com as minhas batas,

eu vou com estetoscópio e não venho com o meu estetoscópio. Mas isso não é justo! Isso

não devia acontecer. Nós temos quarenta e cinco anos de independência, não devia

acontecer. Mas pronto!

E – Obrigada Mariama. Muito obrigada.

MDS – Nada. De nada.

E – Foi uma grande entrevista. Obrigada.

Page 29: Entrevista 7 M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 …...1 Entrevista 7_M. S. D. Data: 28 de janeiro de 2019 Local: Camarins do Teatroesfera E - A ideia, tal como lhe contei ao telefone,

29