entre a palavra e o chão: memória toponímica da estrada real

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO DOUTORADO EM SEMITICA

    E LINGUSTICA GERAL

    FRANCISCO DE ASSIS CARVALHO

    ENTRE A PALAVRA E O CHO:

    MEMRIA TOPONMICA DA ESTRADA REAL

    SO PAULO

    2012

  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS

    DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO DOUTORADO EM SEMITICA

    E LINGUSTICA GERAL

    ENTRE A PALAVRA E O CHO:

    MEMRIA TOPONMICA DA ESTRADA REAL

    Francisco de Assis Carvalho

    Tese apresentada ao Departamento de

    Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas da Universidade de So

    Paulo para a obteno do Ttulo de Doutor em

    Semitica e Lingustica Geral, sob a

    orientao da Prof. Dr. Maria Vicentina de

    Paula do Amaral Dick.

    Orientadora: Prof. Dr. Maria Vicentina de

    Paula do Amaral Dick.

    SO PAULO

    2012

  • FOLHA DE APROVAO

    Francisco de Assis Carvalho

    Entre a Palavra e o Cho: Memria Toponmica da Estrada Real.

    Tese apresentada ao Departamento de Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do Ttulo de Doutor em

    Semitica e Lingustica Geral, sob a orientao da Prof. Dr. Maria Vicentina de Paula do

    Amaral Dick.

    Aprovado em ___/___/_____

    BANCA EXAMINADORA

    Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________

    Instituio: _________________________________________________________________

    Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________

    Instituio: _________________________________________________________________

    Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________

    Instituio: _________________________________________________________________

    Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________

    Instituio: _________________________________________________________________

    Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________

    Instituio: _________________________________________________________________

  • Aos meus queridos pais, Lourdes e Lucas. Aos meus irmos, Len, Antonio, Cludio e Marly. Aos meus sobrinhos.

  • AGRADECIMENTOS

    Uma pesquisa tem muito a ver com uma viagem. J

    disseram que se algum faz uma viagem, tem o que contar. Como um

    viajante, o pesquisador palmilha campos a ele desconhecidos, procura

    informaes, traa itinerrios, seleciona a bagagem e escolhe s o

    necessrio para levar ou trazer. E quando encerra esse percurso

    ponto de chegada - anseia divulg-lo. claro que essa viagem no se

    faz somente no isolamento e na reflexo que a escrita exige, nas

    bibliotecas e arquivos, mas tambm, pelo mundo afora, na busca de

    apoio e orientao. Nessa busca, devo os agradecimentos a muitas

    pessoas, que de perto ou de longe se fizeram presentes nas minhas idas

    e vindas.

    Agradeo:

    Professora Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick

    por me instigar realizao deste trabalho e por ter aceitado orient-

    lo; pelo cuidado, rigor e sensibilidade com que o fez;

    Fapesp pela bolsa de doutorado, imprescindvel apoio

    por mais de trs anos para a execuo deste trabalho, e Capes pela

    bolsa-sanduiche que me proporcionou ir alm do Oceano Atlntico;

    Professora Elisa Guimares pela amizade e pela

    franqueza, bem como pelo encorajamento que sempre me fez chegar a

    propsito. Por sua casa sempre aberta e pela mesa posta;

    aos professores que participaram dos exames de

    qualificao e de defesa e que ofereceram sugestes e crticas para o

    meu trabalho;

  • secretria e amiga Sandra Messora, companheira de

    todos os momentos, que dividiu comigo as angstias e as alegrias da

    execuo de cada parte deste trabalho;

    Professora Odete de Carvalho Lucas Filha que me

    auxiliou na tarefa de reviso;

    ao amigo Douglas Dalto Messora pelo emprstimo de

    obras raras e pelo interesse por minha pesquisa;

    aos amigos portugueses que me acolheram com carinho:

    Teresa, Mil e Janela;

    ao Cobrinha, Ademir e Cida, pelo imprescindvel apoio de

    sempre.

    inesquecvel Janice que compartilhou minhas

    esperanas e tanto me incentivou, mas que partiu para junto de Deus

    antes desta defesa.

  • A vastido desses campos.

    A alta muralha das serras.

    As lavras inchadas de ouro.

    Os diamantes entre as pedras.

    Negros, ndios e mulatos.

    Almocafres e gamelas.

    Os rios todos virados.

    Toda revirada, a terra.

    Capites, governadores,

    Padres, intendentes, poetas.

    Carros, liteiras douradas,

    Cavalos de crina aberta.

    A gua a transbordar das

    fontes.

    Altares cheios de velas.

    Cavalhadas. Luminrias.

    Sinos. Procisses. Promessas.

    Anjos e santos nascendo

    em mos de gangrena e lepra.

    Finas msicas broslando

    as alfaias das capelas.

    Todos os sonhos barrocos

    Deslizando pelas pedras.

    Ptios de seixos. Escadas.

    Boticas. Pontes. Conversas.

    Gente que chega e que passa.

    E as ideias. (Ceclia Meireles Romanceiro da

    Inconfidncia)

    Fonte: Viver no Brasil colnia.. Revista Oceanos. n. 42. Abr./Jun./2000. p. 61.

  • CARVALHO, Francisco de Assis. Entre a Palavra e o Cho: Memria Toponmica da

    Estrada Real. So Paulo, 2012. 535 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas. Departamento de Lingustica. Universidade So Paulo.

    RESUMO

    Esta pesquisa procurou descrever e explicar a permanncia, a variao e a mudana dos

    topnimos na regio da Estrada Real Os estudos toponmicos, no alcance pluridisciplinar de

    seu objeto de estudo, constituem um caminho possvel para o conhecimento da cosmoviso

    das diversas comunidades lingusticas, que ocupam ou ocuparam um determinado espao.

    Revelam-se de grande importncia para o conhecimento de aspectos histrico-culturais de um

    povo, pois permitem a identificao de fatos lingusticos, de ideologias e crenas presentes no

    ato denominativo e, posteriormente, na permanncia ou no de uma comunidade. O homem

    tem a necessidade de nomear o ambiente fsico e social que o cerca, sendo esta uma condio

    sine qua non para a garantia de sua sobrevivncia. Por meio da Toponmia, ramo da

    Onomstica que tem por objeto de estudo o exame da origem e do significado dos nomes dos

    lugares, pode-se analisar a estreita relao que se estabelece entre o homem e o topos que

    designa o espao que o circunscreve. Este trabalho centra-se no estudo da motivao

    toponmica da Estrada Real tendo por base os relatos dos Viajantes Naturalistas dos sculos

    XVIII e XIX que passaram por estes caminhos. A pesquisa foi realizada atravs do mapa

    elaborado pelo Instituto Estrada Real. O presente trabalho est inserido no ATB Atlas

    Toponmico do Brasil Diversidade e Variedades Regionais (Dick, 1996). Da anlise das

    fichas toponmicas propostas para cada um desses itens, verifica-se que os topnimos de

    natureza antropocultural so a maioria e que, dentre esses, predomina a taxe dos

    antropotopnimos.

    Palavras-chave: Toponmia; Estrada Real; Memria; Viajantes Naturalistas; Resgate

    Histrico-lingustico.

  • CARVALHO, Francisco de Assis. Entre a Palavra e o Cho: Memria Toponmica da

    Estrada Real. So Paulo, 2012. 535 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas. Departamento de Lingustica. Universidade So Paulo.

    ABSTRACT

    For the present work, a description and an explanation of the toponimic maintenance,

    variation and change within this area was attempted of Royal Road. The toponimic studies, in

    the multidisciplinary reach of its object of study, constituye a possible way for a cosmovision

    knowledge of the diverse linguistic communities, which occupy or did in the past a certain

    area. The toponimic studies are of great relevance to the sociohistorical and cultural aspects of

    a community since they enable the identification of various linguistic facts, ideologies and

    beliefs which are present in the naming act later in their maintenance within a community.

    Human beings occupy space and, as they need to locate themselves geographically in the

    environment, they had to name the physical-social environment around. This process of name

    giving is a sine qua non condition that assures mans survival. Though Toponymy, a branch

    of Onomastics that studies the origin and the meaning of the names of places, it is possible to

    analyze the close relationship developed between men and topos.This work focuses on the

    study of motivation toponymic Royal Road based on the reports of Travelers Naturalists of

    the eighteenth and nineteenth centuries that have gone through these paths. The survey was

    conducted across the map prepared by the Instituto Estrada Real. This work is inserted in

    ATB Atlas Toponymic Brazil Diversity and Variety Regional (Dick, 1996). From the

    analysis of the toponimic cards proposed one verifies that the toponimy of antropocultural

    nature are the majority and among them the anthropotoponimy class predominates.

    Key-words: Toponymy; Royal Road; Memory; Naturalist Travellers; Historical and

    language recovery.

  • LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    I - SIGLAS

    AEDC Anurio Eclesitico da Diocesse da Campanha

    AHU Arquivo Histrico Ultramarino

    ANF Arquivo Nacional de France

    ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tombo

    APM Arquivo Pblico Mineiro

    BGUC Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

    BNL Biblioteca Nacional de Lisboa

    BPE Biblioteca Nacional de vora

    CD Caminho Diamantes

    CN Caminho Novo

    CS Caminnho de Sabarabuu

    CV Caminho Velho

    DI Documentos Interessantes

    EFCB Estao Ferroviria Central do Brasil

    EFP Estrada de Ferro D. Pedro

    ER Estrada Real

    FLUL Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IER Instituto Estrada Real

    VJN Viajantes Naturalistas

    II ABREVIATURAS

    Cap. captulo, captulos

    Cf Confrontar, conferir

    Cx. Caixa

    Cod. Cdice

    doc., docs. Documento, documentos

    hab. Habitante, habitantes

    kg. quilograma, quilogramas

  • km. quilmetro, quilmetros

    Ib. Ibidem

    Id. Idem

    n. nmero (s)

    ob. Cit. obra citada

    p., pp. pgina, pginas

    s.d. sem data

    s.l. sem local

    sc., scs. sculo, sculos

    seg., segs. seguinte, seguintes

    s.n. sem editora

  • LISTA DE FIGURAS

    Figura 01 Tringulo de Odgen E Richards ........................................................................... 65

    Figura 02 Tringulo de Baldinger I ...................................................................................... 66

    Figura 03 Tringulo de Baldinger II ..................................................................................... 66

    Figura 04 Tringulo de Baldinger III ................................................................................... 67

    Figura 05 Mapa da Formao do Brasil ............................................................................... 77

    Figura 06 Vilas de Minas Gerais em 1800 ......................................................................... 123

    Figura 07 Carta Geographica de Minas Geraes .................................................................. 125

    Figura 08 Caminhos do Ouro ............................................................................................. 128

    Figura 09 Caminho dos Paulistas at as Minas .................................................................. 131

    Figura 10 O Registro da Mantiqueira, na Passagem de Minas para So Paulo pela Garganta

    do Emba ............................................................................................................. 133

    Figura 11 Roteiro do Caminho Velho Rio de Janeiro, So Paulo e Minas, 1707 ............. 135

    Figura 12 Caminhos na Regio das Minas ......................................................................... 138

    Figura 13 Os Caminhos da Regio Diamantina em Minas ................................................ 139

    Figura 14 Caminho Novo .................................................................................................. 142

    Figura 15 Caminhos Antigos e Zonas de Minerao ......................................................... 146

    Figura 16 Mapa da Estrada Real ........................................................................................ 149

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 Motivaes Toponmicas ................................................................................... 72

    Quadro 02 Produo e Venda de Diamantes Brasileiros entre 1740 e 1771 ...................... 107

    Quadro 03 Remessas de Ouro Provenientes do Brasil para Portugal ................................ 108

    Quadro 04 Registros das Regies da Estrada Real ............................................................ 112

    Quadro 05 Fundao e Nomes das Primeiras Vilas Mineiras ............................................ 124

    Quadro 06 Caractersticas da Sociedade Mineira do Sculo XVIII ................................... 126

    Quadro 07 Agassiz ............................................................................................................. 155

    Quadro 08 Bunbury ............................................................................................................ 156

    Quadro 09 Burmeister ........................................................................................................ 157

    Quadro 10 Burton ............................................................................................................... 158

    Quadro 11 Casal ................................................................................................................. 159

    Quadro 12 Castelnau .......................................................................................................... 160

    Quadro 13 Debret ............................................................................................................... 161

    Quadro 14 Dorbigny ......................................................................................................... 162

    Quadro 15 Eschwege .......................................................................................................... 163

    Quadro 16 Freireyss ........................................................................................................... 164

    Quadro 17 Gardner ............................................................................................................. 165

    Quadro 18 Langsdorff ........................................................................................................ 166

    Quadro 19 Luccock ............................................................................................................ 168

    Quadro 20 Mawe ................................................................................................................ 169

    Quadro 21 Pohl................................................................................................................... 170

    Quadro 22 Saint-Hilaire ..................................................................................................... 171

    Quadro 23 von Spix E von Martius .................................................................................... 173

    Quadro 24 Walsh ................................................................................................................ 175

    Quadro 25 Zaluar ............................................................................................................... 176

    Quadro 26 Localizao dos Municpios, distritos e logradouros da Estrada Real ............. 418

    Quadro 27 Histrico da Hagiotoponmia na Estrada Real ................................................. 431

    Quadro 28 Descrio da Motivao dos Topnimos Indgenas ......................................... 436

    Quadro 29 Histrico da Quantidade das Mudanas Toponmicas ..................................... 448

    Quadro 30 Localidades da Estrada Real Visitadas pelos Viajantes Naturalistas ............... 453

  • Quadro 31 Comparativo dos Topnimos Registrados pelos VJN nos Caminhos da Estrada

    Real ................................................................................................................. 457

  • LISTA DE GRFICOS

    Grfico 01 Localizao ....................................................................................................... 423

    Grfico 02 Acidentes .......................................................................................................... 424

    Grfico 03 Taxonomia ........................................................................................................ 424

    Grfico 04 Taxes Caminho Velho ...................................................................................... 425

    Grfico 05 Taxes Caminho Novo ....................................................................................... 426

    Grfico 06 Taxes Caminho dos Diamantes ........................................................................ 426

    Grfico 07 Taxes Caminho de Sabarabuu ........................................................................ 427

    Grfico 08 Taxes Estrada Real ........................................................................................... 428

    Grfico 09 Origem .............................................................................................................. 429

    Grfico 10 Estrutura Morfolgica ...................................................................................... 452

  • SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................... 18

    PARTE I A PALAVRA

    CAPTULO I TOPONMIA: PALAVRA QUE NOMEIA

    1.1 Ato de nomear .............................................................................................................. 25

    1.2 A Toponmia como Cincia .......................................................................................... 27

    1.3 Toponmia e Lxico ...................................................................................................... 30

    1.4.1 Interdisciplinariedade e Toponmia .............................................................................. 35

    1.4.1 Toponmia e Geografia ..................................................................................... 36

    1.4.2 Toponmia e Histria ........................................................................................ 40

    1.4.3 Toponmia e Religio ........................................................................................ 44

    1.5 A Toponmia no Brasil ................................................................................................. 50

    1.5.1 Toponmia de origem portuguesa .................................................................................... 52

    1.5.2 Toponmia de origem indgena ........................................................................................ 54

    1.5.3 Toponmia de origem africana ......................................................................................... 58

    1.6 A Motivao Toponmica ............................................................................................. 60

    PARTE II O CHO

    CAPTULO II ASPECTOS HISTRICOS DA ESTRADA REAL

    2.1 Em busca do Eldorado .................................................................................................. 75

    2.2 A Conquista do Serto............................................................................................... 85

    2.3 Paulistas e Bandeirantes................................................................................................ 89

    2.4 O ouro e o batismo de uma regio ................................................................................ 94

    2.4.1 Surto Migratrio ................................................................................................ 98

    2.4.2 A Fome .............................................................................................................. 99

    2.4.3 Em Torno da explorao do Ouro ................................................................... 101

    2.4.4 A Guerra dos Emboabas ................................................................................. 102

    2.5 Os Diamantes .............................................................................................................. 104

    2.6 A produo mineira .................................................................................................... 107

    2.7 A sociedade mineira dos Setecentos ........................................................................... 109

    2.8 Tributos e Impostos .................................................................................................... 111

  • 2.9 A Inconfidncia........................................................................................................... 117

    CAPTULO III ASPECTOS GEOGRFICOS DA ESTRADA REAL

    3.1 As Minas Gerais.......................................................................................................... 119

    3.2 A urbis mineira ........................................................................................................... 123

    3.3 Os caminhos do ouro .................................................................................................. 127

    3.4 Estrada Real ................................................................................................................ 145

    CAPTULO IV A PALAVRA DOS VIAJANTES NATURALISTAS NA ESTRADA

    REAL

    4.1 A Palavra dos Viajantes .............................................................................................. 151

    4.2 Quadros Descritivos: Viajantes Naturalistas .............................................................. 155

    PARTE III A MEMRIA TOPONMICA

    CAPTULO V FICHAS LEXICOGRFICAS .............................................................. 180

    CAPTULO VI ANLISE QUANTITATIVA E DISCUSSO DOS RESULTADOS

    6.1 Localizao ................................................................................................................. 418

    6.2 Acidentes .................................................................................................................... 423

    6.3 Taxonomia .................................................................................................................. 424

    6.4 Origem ........................................................................................................................ 428

    6.5 Motivao ................................................................................................................... 429

    6.5.1 Religiosa ......................................................................................................... 430

    6.5.2 Indgena ........................................................................................................... 435

    6.5.3 Africana ........................................................................................................... 437

    6.5.4 Antropo-toponmica ........................................................................................ 438

    6.5.5 O Ouro na Litotoponmia da Estrada Real ...................................................... 439

    6.5.6 Hidrotoponmia ............................................................................................... 442

    6.5.7 Hodotoponmia ............................................................................................... 443

    6.6 Mudanas Toponmicas .............................................................................................. 446

    6.7 Estrutura Morfolgica ................................................................................................. 452

    6.8 Escritos dos Viajantes ................................................................................................. 453

    CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 467

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 470

    BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 496

  • APNDICE : Cronologia dos fatos histricos mais interessantes ligados Estrada

    Real ...................................................................................................... 505

    ANEXOS

    Anexo A Lei N 13.173/99, de 20/01/1999 ............................................................. 508

    Anexo B II - Decreto N. 41.205/00, de 08/08/2000 .............................................. 510

    Anexo C Convnio N. 205/2000 Embratur/IER .................................................. 513

    Anexo D Decreto N. 43.276/03, de 19/04/2003 ..................................................... 520

    Anexo E Decreto N. 43.276/03, de 19/04/2003 ..................................................... 525

    Anexo F Decreto N. 43.539/03, de 21/08/2003 ...................................................... 526

    Anexo G Boletim Geogrfico 1943. ........................................................................ 529

  • 18

    INTRODUO

    O estudo toponmico constitui-se como uma importante rea de

    investigao, que tem como fundamento principal a ideia de que a nomeao de um espao

    no se d de maneira aleatria ou despropositada, mas que esse processo denominativo, ao ser

    investigado, pode revelar importantes informaes referentes lngua em uso e aos costumes

    e valores preponderantes na conduta dos falantes contribuindo assim, de maneira mais

    profunda, para um melhor conhecimento dos determinantes culturais da regio investigada.

    Em face desta primeira observao sobre a importncia do estudo

    toponmico, parece pertinente salientar que a pesquisa toponmica um estudo instigante, que

    envolve conhecimentos geogrficos, lingusticos, histricos e sociais e um olhar atento, j que

    sempre h muitas informaes que se interpenetram e merecem interpretao, uma vez que a

    descrio dos aspectos culturais de uma regio uma rdua tarefa que exige mtodo e estudo

    dedicado.

    A finalidade deste trabalho descrever a formao toponmica dos

    municpios e logradouros que compem o conjunto dos caminhos da Estrada Real. O roteiro

    da Estrada Real elucida a importncia da explorao do ouro para a economia brasileira e traz

    memria fatos histricos que se ligam ao surgimento das primeiras vilas mineiras e

    Inconfidncia, bem como ao tempo do Imprio no Brasil. Esta rota movimentou, por mais de

    150 anos, a economia do Pas, tornando a regio das Minas Gerais uma das mais importantes

    da Amrica.

    Os quatros caminhos que compem a Estrada Real surgiram em tempos

    histricos diferenciados e sucessivos: a primeira via ligando a antiga Vila Rica, hoje Ouro

    Preto, ao porto de Paraty, ficou conhecida como Caminho Velho. O Caminho Velho foi

    aberto pelos bandeirantes em fins do sculo XVII. Tinha 600 km de extenso e seu trajeto

    ligava Vila Rica (Ouro Preto), em Minas Gerais, a Parati, cidade porturia do Rio de Janeiro.

    Devido aos assaltos e aos roubos que ocorriam neste caminho, foi necessria a abertura de

    uma rota mais segura e menos lenta. No sculo XVIII surgiu esta nova rota, que veio ligar o

    Rio de Janeiro antiga capital das Minas Gerais, o chamado Caminho Novo. O Caminho

    Novo passou a ligar Vila Rica diretamente ao porto do Rio de Janeiro. Ambos os caminhos

    tiveram importncia nacional por abranger os Estados de Minas, Rio de Janeiro e So Paulo.

    No entanto, com a descoberta de diamantes na regio do Serro Frio, em 1729, foi estabelecido

  • 19

    o Caminho dos Diamantes, ligando Ouro Preto atual Diamantina. O Caminho dos

    Diamantes foi de importncia regional e comeou a ser usado desde a descoberta das jazidas

    diamantferas na regio, no incio do sculo XVIII, no chamado Distrito Diamantino. Neste

    percurso, a Coroa exerceu um severo controle com inmeras proibies, ligando Vila Rica ao

    Arraial do Tijuco e Vila do Prncipe. Paralelamente ao Caminho dos Diamantes surgiu o

    Caminho de Sabarabuu, de curto trajeto. Este foi um prolongamento do Caminho Velho,

    tendo sido aberto pelos bandeirantes para facilitar o escoamento do ouro entre as vilas

    mineiras, hoje cidades de Sabar e Caet.

    H que se considerar tambm a abertura de outros caminhos e at de

    descaminhos dentro do Brasil colonial. Contudo, de acordo com o Programa Estrada Real, o

    foco de nosso estudo limitou-se somente s cidades e logradouros que se formaram nas

    regies que abrangem o Caminho Velho, o Caminho Novo, o Caminho dos Diamantes e o

    Caminho de Sabarabuu, conforme o mapa do Instituto Estrada Real que apresentamos neste

    trabalho.

    O surgimento da Estrada Real no cenrio da colnia causou o deslocamento

    do eixo econmico que, desde o descobrimento, localizava-se no litoral, para o interior,

    proporcionando a formao de uma civilizao urbana, marcada pela criao de dezenas de

    vilas e cidades com matizes sociais e culturais diferentes.

    A Toponmia da Estrada Real tornou-se um memorial vivo de tudo o que se

    sucedeu no espao e no tempo, ao longo das regies abrangidas pela rota do ouro e das pedras

    preciosas, assinalando as marcas deixadas pelas populaes que passaram pelos caminhos ou

    l viveram, no entrelaamento cultural das raas indgena, negra e branca. Ela retrata, como

    num variado mosaico, o apogeu e a crise econmica da minerao com todas as suas

    implicaes e envolvimentos, deixando ecoar a reminiscncia de fatos e acontecimentos

    importantes para a histria de Minas e do Brasil.

    Agregadas a essas designaes esto, tambm, os escritos e os relatos dos

    viajantes que passaram por esses caminhos no sculo XIX. Os textos de viagem apresentam a

    especificidade de consubstanciar, na linearizao verbal, referenciaes das vilas e povoados

    por onde esses viajantes passaram, deixando os registros dos nomes que encontraram e,

    tambm, as impresses do que viram. Buscamos elementos para proceder um estudo

    toponmico na tentativa de perceber as mudanas e as evolues ocorridas ao longo do tempo

    da constituio e configurao dos topnimos. A prossecuo de um trabalho desse tipo

    envolve opes bem definidas. Salientamos que, na anlise da produo textual dos relatos

    dos viajantes, buscamos apenas um apoio para a pesquisa toponmica, ignorando questes

  • 20

    relativas interpretao do discurso feito por eles e outras afins. Esses viajantes, conhecidos

    como naturalistas, tinham um olhar atento e curioso, e slidos conhecimentos acadmicos.

    Empreenderam um trabalho de estudar, sistematizar e coletar pela primeira vez espcies da

    fauna e da flora brasileiras e, graas a trabalhos desenvolvidos nas reas de arqueologia,

    botnica, zoologia, etnografia e mineralogia, entre outros, eles inscreveram seus nomes na

    histria das Cincias Naturais.

    Os relatos dos viajantes constituem uma fonte documental valiosa, j que

    suas impresses, ainda que estejam moldadas por uma cultura europeia, permitem estabelecer

    um paralelo histrico entre o hoje e o ontem, na tentativa de descrever historicamente como a

    toponmia se formou, e as modificaes que sofreu ao longo do tempo.

    O critrio da escolha do corpus est refletido de vrias maneiras nas

    motivaes que nortearam a escolha deste tema e o justificam:

    1. O percurso da Estrada Real tem atualmente despertado grande interesse para os estudiosos

    das cincias humanas em interface com o turismo. No dizer de Pereira e Maia (2010, p. 7):

    A Estrada Real que, no passado, constituiu uma rede de caminhos para o acesso s

    minas e escoamento do ouro e do diamante, hoje representa o maior projeto turstico

    brasileiro, que integra o Sudeste do pas aos destinos e rotas culturais internacionais;

    2. Verificamos que so raros os trabalhos de pesquisa sobre as regies que compem a

    Estrada Real, no que tange ao estudo toponmico. Procedemos, com este intento, o

    levantamento dos topnimos, para tornar possvel um conhecimento correto das

    denominaes que os lugares apresentam, uma vez que as palavras, atravs da sua origem,

    encerram um conjunto de informaes que nos podem conduzir a uma longa caminhada,

    quer no tempo, quer no espao. Atravs do estudo toponmico faz-se um apelo ao que foi

    vivido que, apesar de constituir uma abertura para problemas significativos, pe a

    questo da identidade ou da procura da identidade;

    3. O estudo sistemtico dos relatos dos viajantes naturalistas que passaram por estes

    caminhos algo indito, em relao s marcas toponmicas registradas por eles. Neste

    encalo, esperamos poder demonstrar as articulaes existentes entre as descries dos

    lugares feitas por eles, em paralelo com a atual configurao toponmica;

    4. Interessa-nos, sobretudo, como pesquisadores da Lingustica, investigar a toponmia desta

    regio, tendo em vista que a linguagem se constitui como um fenmeno de muitas faces e

    desdobramentos, que possibilita um melhor entendimento histrico e cultural destes

    caminhos atravessados por povos de diferentes etnias e culturas, que deixaram as suas

    marcas estampadas na variedade do signo toponmico. Bem sabemos, que todo trabalho

  • 21

    toponmico constitui um caminho possvel para o conhecimento do modus vivendi e da

    cosmoviso das comunidades lingusticas que ocupam um determinado espao.

    Como objetivo principal, nossa pesquisa buscou, primordialmente,

    investigar a motivao que influenciou a denominao dos lugares, considerando-se os

    aspectos lingusticos e culturais preservados pela toponmia das regies da Estrada Real.

    Como objetivos especficos, estabelecemos:

    Fazer o levantamento designativo dos topnimos dos municpios, distritos e logradouros

    das regies que compem o roteiro da Estrada Real;

    Coletar dados histricos e socioculturais que fundamentem a origem e a motivao dos

    nomes designativos dos lugares, demonstrando como ocorreu a formao toponmica e a

    etimologia desses topnimos, o processo de formao e a estrutura morfossinttico e

    semntico-lexical;

    Apresentar, quando possvel, as referncias toponmicas na literatura produzida pelos

    Viajantes Estrangeiros dos sculos XVIII e XIX, com base na linha do Atlas Toponmico

    do Brasil;

    Efetuar um estudo das motivaes toponmicas e identificar as mudanas ocorridas do seu

    surgimento aos dias de hoje;

    Fazer a classificao dos topnimos, segundo as taxonomias propostas pela metodologia de

    Dick (1990).

    Naturalmente que est subjacente a todo este trabalho o desenho ntido de

    uma plataforma terica e dinmica, fundamentada no trabalho desenvolvido pela pesquisadora

    Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick (1990), no que se refere motivao e

    classificao dos topnimos.

    A metodologia utilizada nesta pesquisa teve como fio condutor a ideia de

    Labov (1974), que parte do presente para o passado e volta ao presente. O corpus

    selecionado foi a Carta da Estrada Real elaborada pelo Instituto Estrada Real. Primeiramente

    partimos em busca de documentos, cartas geogrficas, bibliografia dos principais

    historiadores do perodo e dos municpios que compem o roteiro, e tambm dos relatos dos

    viajantes. Depois, os nomes de lugares apresentados pelo corpus passaram, ento, a ser

    confrontados com os dados adquiridos com a finalidade de observar a sua motivao e as

    mudanas toponmicas ocorridas ao longo do tempo at atual configurao designativa. O

    material pesquisado foi organizado dentro dos esquemas classificatrios de Dick (1990), em

    seguida, sistematizado e adaptado nas Fichas Lexicogrficas.

  • 22

    Em conformidade com a limitao deste trabalho, as informaes

    adquiridas, devido amplitude histrica, tiveram que passar por um exame seletivo na sua

    apresentao. Foi fundamental para o desenvolvimento desta investigao o acesso ao acervo

    das seguintes bibliotecas e locais de pesquisa:

    Biblioteca Florestan Fernandes (USP);

    Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;

    Biblioteca Nacional de Portugal;

    Biblioteca da Ajuda (Portugal);

    Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal);

    Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra;

    Biblioteca Geral da Universidade de vora;

    Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;

    The British Library (Londres);

    Biblioteca Nadir Gouva Kfouri (PUC-SP);

    Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais (Belo Horizonte);

    Biblioteca Pblica Municipal Cnego Vtor (Campanha MG);

    Centro de Estudos Campanhense Monsenhor Lefort;

    Arquivo Pblico Mineiro (Belo Horizonte).

    A organizao deste trabalho seguiu uma disposio estrutural clssica e

    est dividida em trs partes didticas e complementares: uma componente de reviso e

    fundamentao terica nas partes I e II, antecedendo a componente analtica com a discusso

    dos resultados na parte III. Optamos, ainda, por uma forma temtica de apresentao desses

    contedos, de modo a criar laos de continuidade e pontos de consonncia entre os temas

    enfeixados.

    A Parte I A Palavra: foi dedicada a uma reviso seletiva de estudos

    toponmicos e, por isso, no Captulo I Toponmia: Palavra que nomeia, partimos do

    pressuposto de que o ato de nomear intrnseco cultura humana e que a cincia toponmica

    se constitui como conhecimento interdisciplinar. Estes estudos procuram abrir caminho, direta

    ou indiretamente, para a questo do estudo do lxico e da motivao que subjaz o processo de

    formao toponmica. Procuramos mostrar aqui o arcabouo terico que sustenta nossa

    pesquisa, indo at as fontes originrias do estudo toponmico e visitando os principais autores.

    Em especial, nos detivemos na teoria da motivao toponmica elaborada por Dick. Dessa

    maneira, apresentamos no Captulo I os pressupostos tericos que embasam esta pesquisa.

    http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20nacional%20de%20portugal&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0CHIQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.bnportugal.pt%2F&ei=VFSxT-KnEdSd6AHipPi8CQ&usg=AFQjCNEUvylg-_V2DlymaBANsY_YlyyDJg&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20da%20ajuda&source=web&cd=1&ved=0CFgQFjAA&url=http%3A%2F%2Fbibliotecadaajuda.blogspot.com%2F&ei=jFSxT6-6Babv6AGQ1MCACg&usg=AFQjCNHvJMHxPIeZNtUUud_pQTgVWE-s1Q&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=torre%20do%20tombo&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0CHoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fantt.dgarq.gov.pt%2F&ei=pVSxT6y8DcPE6QHrhaCvCQ&usg=AFQjCNG-JYatDXuabAKB_5qrx9cqx1d0hQ&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20de%20%C3%A9vora&source=web&cd=3&ved=0CGYQFjAC&url=http%3A%2F%2Fwww.bib.uevora.pt%2F&ei=5lSxT_S4BcTN6QHGk-XICQ&usg=AFQjCNFsAv_RpFKQylDXKbujmmT0ExbZBg&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20da%20universidade%20de%20lisboa&source=web&cd=2&sqi=2&ved=0CG0QFjAB&url=http%3A%2F%2Fww3.fl.ul.pt%2Fbiblioteca%2Findex.htm&ei=AlWxT7-CN9CI6AGm85nFCQ&usg=AFQjCNHkwUPu5S6T7qn469h0uTHk_dmoRw&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=british%20library&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0CJgBEBYwAA&url=http%3A%2F%2Fwww.bl.uk%2F&ei=JFWxT_eXKOqu6AHnzumoCQ&usg=AFQjCNGRwLnNejTtybifgUJH2pX1__vEIg&cad=rjahttp://www.ihgmg.art.br/

  • 23

    Em um segundo momento, na Parte II O Cho, no Captulo II

    Aspectos Histricos da Estrada Real, traamos um perfil abrangente do ciclo do ouro e sua

    importncia para o surgimento de Minas Gerais e para a consolidao do Brasil. No Capitulo

    III Aspectos Geogrficos da Estrada Real, delineamos os diversos roteiros que

    originaram essa estrada da rota do ouro. No Captulo IV A Palavra dos Viajantes

    Naturalistas na Estrada Real, elaboramos uma sucinta biografia dos principais viajantes,

    cujos textos foram coletados para nossa pesquisa.

    Para alm da parte terica, a Parte III, no Captulo V A Memria

    Toponmica, segue com a apresentao das 242 Fichas Lexicogrficas de Dick (1990). No

    Captulo VI Anlise Quantitativa e Discusso dos Resultados, divulgamos os resultados

    das anlises por meio de grficos e exemplos, considerando os contedos das fichas.

    Por ltimo, nas Consideraes Finais, elaboramos algumas premissas de

    concluso ligadas a este estudo lingustico-cultural, visando ainda reafirmar o valor da

    investigao toponmica para o entendimento da cultura desta regio. Nos Anexos, inclumos

    alguns documentos que julgamos ser essenciais para uma compreenso mais completa do

    corpus analisado.

    H de se relevar que o trabalho de anlise toponmica arrasta sempre uma

    atividade hermenutica, que permite apurar significaes acima de toda a mensagem literal e

    imediata. Uma posio metodolgica deste cariz , desde h muito sentida como necessria

    para um entendimento mais completo do corpus pesquisado, de alta relevncia pela

    originalidade e importncia histrica.

  • 24

    PARTE I A PALAVRA

    Fonte: O Teatro da Natureza. Revista Oceanos. n. 24, out./dez./1995. P.16.

    Correi de leite, e mel, ptrios rios,

    E abri dos seios o metal guardado;

    Os borbotes de prata, e de oiro os fios

    Saiam do Luso a enriquecer o estado;

    Intratveis penedos, montes frios,

    Deixai ver as entranhas, onde o Fado

    Reserva pela mo do Heri mais nobre

    Dar ao mundo os tesoiros que inda encobre. (Cladio Manuel da Costa Poesias Manuscritas)

  • 25

    CAPTULO I

    TOPONMIA: PALAVRA QUE NOMEIA

    1.1 Ato de nomear

    O processo de nomeao do espao uma atividade privilegiada que

    permite ver as profundas relaes que o crebro humano desenha no espao; ou seja; a

    espacialidade em que se desenrola a nomeao constitui-se numa dimenso simblica da

    forma como o crebro interpreta as configuraes espaciais. Na verdade, um topnimo uma

    poro delimitada de espao que est representado numa palavra. Ele traduz a maneira como

    algum se apropriou do espao, as suas concepes e a forma como se relacionava com o

    mundo. Ao se apropriar do espao, nomeando-o, o ser humano revela-se. Por isso, no

    processo de nomeao presentifica-se um carter simblico e figurativo. Despontam, assim,

    as ideologias e as crenas. Destarte, o estudo da nomeao dos lugares mostra que a

    espacialidade o lao que ata a linguagem experincia que o ser humano constri sobre o

    mundo. O topnimo sempre a expresso de um conceito. O estruturalismo lingustico

    defende que tudo o que conceitual s o pode ser pela linguagem. A primeira noo de

    espao que o homem tem lhe dada por sua lngua. Como a lngua aprendida na infncia,

    ns no temos conscincia de como conceituamos o espao. Vamos pela vida afora

    pensando, raciocinando e vivendo, usando aquelas noes que a lngua nos fornece.

    (PONTES, 1992, p. 11).

    A Toponmia o estudo dos nomes atribudos ao espao habitado pelo ser

    humano. A palavra derivada dos termos gregos (tpos), lugar, e (nome),

    literalmente, o nome de um lugar. H. Dorion, especialista dessas questes, presenteia-nos com

    uma reflexo que complementa as consideraes anteriormente apresentadas, quando salienta

    que a toponmia, assim como as outras cincias humanas, se inscreve em uma dupla

    dimenso: a do espao, chamada tambm de funo toponmica e a do tempo, que pode ser

    compreendida como a memria toponmica. Assim, a toponmia tem uma relao especial

    com a geografia, j que os nomes de lugar constituem o vocabulrio prprio desta cincia, e

  • 26

    com a histria, tendo em vista que os topnimos constituem o testemunho atravs do tempo

    da relao entre o homem e o espao. Por outro lado, o nome de lugar um signo lingustico

    e, como tal, interessa lingustica. (2003, p. 3).

    pela linguagem, pelo processo de nomear as coisas e tudo o que existe que

    o ser humano representa o espao. Para Piaget (1948), a construo do espao ocorre desde

    o nascimento do indivduo e paralela s demais construes mentais, constituindo-se com a

    prpria inteligncia. Essa construo se processa progressivamente, nos planos perceptivo e

    representativo. Inicialmente, a construo do espao prende-se a um espao sensrio-motor

    ligado percepo e motricidade. Este espao sensrio-motor emerge dos diversos espaos

    orgnicos. O espao sensrio-motor no constitudo por simples reflexos, mas por uma

    interao entre o organismo e o meio-ambiente, perante a qual o sujeito se organiza e se

    adapta continuamente em relao ao objeto. Em seguida, a construo do espao passa a ser

    representativa, coincidindo com o aparecimento da imagem e do pensamento simblico, que

    so contemporneos ao desenvolvimento da linguagem. Assim, o espao torna-se

    representativo. Ele ordenado e sistematizado pelas capacidades simblicas do sujeito

    perceptivo. Este, para ordenar e definir o espao nomeia as coisas e os lugares, numa tentativa

    de ordenamento e sistematizao.

    Lvi-Strauss (1989, p. 190) postula que o espao uma sociedade de

    lugares nomeados tal como as pessoas so pontos de referncia dentro de um grupo. Os

    lugares e os indivduos so igualmente designados por nomes prprios, que, em circunstncias

    frequentes e comuns em muitas sociedades, podem ser substitudos uns pelos outros. O autor

    cita o exemplo dos Yurok da Califrnia que tm uma geografia personificada, onde cada

    casa denominada e onde os nomes de lugares substituem os nomes pessoais do uso corrente.

    A Toponimia sempre a expresso de uma apropriao do espao por um

    grupo cultural e por isso se constitui em um poderoso elemento identitrio. Nomear e

    renomear rios, montanhas, cidades, bairros e logradouros tem um significado poltico e

    cultural, envolvendo etnias ou grupos culturais, hegemnicos ou no. O espao apropriado

    pelo ser humano est impregnado de toponmia e constitui-se um rico campo de estudo que

    revela as articulaes apontadas.

  • 27

    1.2 A Toponmia como Cincia

    Na Grcia Antiga havia uma curiosidade e um interesse acerca da origem da

    linguagem. Em Plato (428-348 a.C.) e em Aristteles (384-322 a.C.) podemos encontrar

    discusses interessantes. Uma reflexo notvel a de Plato no Crtilo, no sentido de que as

    palavras refletem, por natureza, a realidade que nomeiam. No Organon, Aristteles revela a

    convico de que o significado dos nomes resulta de um acordo entre os homens, de modo

    convencional. O estudo conceitual dos topnimos no pode ser apartado da problemtica geral

    que se liga ao estudo dos nomes. Assim falando, importante ressaltar que os filsofos

    sublinham as dificuldades em definir claramente as categorias de nome comum e nome

    prprio. Para Ferrater (1979), nem sempre fcil saber por que um nome usado como

    prprio. Moran (1996) lembra que a melhor definio para essa questo ainda a tradicional e

    remonta a Dionsio da Trcia que nasceu em Alexandria e viveu entre 170 e 90 a.C.,

    aproximadamente. Ficou conhecido por ser o autor da Tchn grammatik. Ele afirmava que

    os nomes so substantivos e podem ser divididos em duas categorias: comum, quando

    expressa uma ideia geral e prprio, quando designa uma nica ideia. O debate sobre a

    natureza do nome foi tratado pelos filsofos antigos Plato e Aristteles; na Idade Mdia por

    Thomas de Erfurt; na Modernidade por Hobbes, Locke, Stuart Mill e Taine; na Idade

    Contempornea por Husserl, Frege, Wittgenstein, Carnap e Bertrand Russel.

    O estudo do significado e da origem dos nomes dos lugares, tambm

    chamados de topnimos, constitui-se em um amplo campo de pesquisa que envolve diversos

    saberes humanos. A Toponmia tem por objeto de estudo os topnimos. Dentro do domnio

    lingustico, ela se estabelece junto da Onomstica estudo dos nomes prprios e da

    Antroponmia estudo dos nomes de pessoas (nomes geogrficos resultantes de nomes

    prprios das pessoas).

    A Toponmia ocupa-se em estudar os nomes dos lugares habitados

    (vilarejos, cidades, pases, ruas, caminhos etc). Pela vastido de aspectos que apresenta, uma

    cincia cultivada na atualidade em diversos pases, visto que interessa no apenas

    lingustica, mas tambm, como veremos de modo especial, geografia e histria, e tambm

    arqueologia, botnica e zoologia, entre outras. Os dicionrios costumam definir o termo

    topnimo como nome de lugar (neste sentido, HOUAISS, 2003, p. 3541). Trata-se de uma

    definio excessivamente aberta, que alguns autores tm procurado melhor delimitar.

  • 28

    Consideramos significativa a definio de Moreau-Rey do topnimo como um nome prprio

    que serve para distinguir um lugar preciso e nico dentro de um contexto concreto (2003, p.

    45).

    Podemos afirmar que a Toponmia uma cincia recente, ainda que os

    homens de todas as pocas e lugares sempre tenham manifestado a curiosidade de saber o

    sentido dos nomes de lugar e as explicaes ligadas s suas origens. Na antiguidade surgiram

    lendas, mais ou menos poticas ou mticas e etimologias fantasiosas e trocadilhos que, muitas

    vezes, inspiraram os brases das cidades e famlias nobres como forma de compreender os

    nomes e o seu sentido. No entanto, a toponmia cientfica somente teve incio no sculo XIX,

    juntamente com a filologia e a dialetologia.

    Ainda que tivesse havido alguns precursores, o primeiro que estudou e

    ensinou a toponmia cientfica na Frana foi Auguste Longnon, que deixou uma obra pstuma

    chamada Les noms de lieu de la France (1920-1929) que tem ainda grande valor. O alemo

    Hermann Grohler escreveu Uber Ursprung und Bedeutung der franzosischen Ortsnamen

    (1913-1933) que tambm tem importncia histrica no que refere-se iniciao dos estudos

    toponmicos. Todavia, a obra que mais foi fundamentada, sobretudo com relao ao mrito de

    reunir as pesquisas anteriores foi Toponymie de la France, de M. Auguste Vicent (1937). O

    autor apresentou nesse livro um estudo documental que ainda hoje utilizado pelos

    especialistas. Com Albert Dauzat a toponmia cientfica encontrou ampla divulgao e passou

    a ser conhecida no mundo inteiro. La Toponymie Franaise (1939) estuda a formao e a

    constituio dos nomes em algumas regies da Frana. Les noms de lieux (1926) agrega quase

    todos topnimos franceses e uma fundamentao terica interessante. Dauzat, em 1949,

    fundou a Revue internationale donomastique que representou um grande marco para os

    pesquisadores toponimistas. Assim, os estudos toponmicos se internacionalizaram e se

    espalharam pelo mundo afora.

    Moreau-Rey, ao falar sobre os aspectos tericos da Toponmia, prope uma

    aproximao conceitual que nos parece bem marcada, quando enfatiza de maneira particular a

    questo espacial, apresentando por nomes de lugar, ou nomes geogrficos, no sentido mais

    amplo, todos os nomes simples ou expresses compostas que designam os lugares habitados,

    tanto antigamente como na atualidade (nomes de pases, de comarcas, de territrios de

    qualquer tipo, de aglomeraes urbanas ou rurais cidades, vilas, povoados, aldeias, bairros,

    ruas, avenidas, praas); como tambm os lugares desabitados; os nomes relativos ao relevo,

    tanto de terras interiores como costeiras: montanhas, plancies, ilhas, cabos, bahias; os nomes

    relativos agua, terrestre ou martima: mares, lagos, rios, torrentes, fontes, pntanos; os

  • 29

    nomes das vias de comunicao. Em geral, tanto se trata de nomes do presente ou do passado

    ou aqueles em desuso cabe design-los para todos os efeitos como nomes de lugar. (1982,

    p.10).

    De fato, a natureza peculiar desses nomes e sua transcendncia social

    encontram-se na base da curiosidade que despertam quando falamos de uma memria

    coletiva. Conforme o historiador Le Goff, a memria um elemento essencial do que se

    costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca uma das atividades

    fundamentais dos indivduos e das sociedades de hoje, na febre e na angstia. A memria

    coletiva no somente uma conquista, mas tambm um instrumento e um objeto de poder.

    (LE GOFF, 2003, p. 470). O estudo cientfico da memria coletiva encontra na toponmia um

    rico material de estudo. Na expresso de Le Goff: Esses materiais da memria podem

    apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herana do passado, e os

    documentos, escolha do historiador. (2003, p. 525).

    Assim, no mundo das palavras ocupa um lugar especial o nome que,

    inicialmente emanado do mundo comum para ser aplicado a um espao concreto, sofre as

    modificaes realizadas pelo homem que o transforma e o reconstri para o uso das geraes

    seguintes. Conhecer um topnimo no somente saber escrev-lo e pronunci-lo, mas

    preciso descobrir a origem e o significado etimolgico. Desse modo, adquirimos

    conhecimentos, que no suspeitvamos poderem chegar at ns por tal via: fatos histricos,

    acontecimentos importantes, indicaes geogrficas etc. O espanhol Menndez Pidal refere-se

    ao estudo dos topnimos mostrando que os nomes de lugar so como viva voz das pessoas,

    povos ou grupos desaparecidos, transmitidos de gerao em gerao, de boca em boca. O

    nome de lugar propriedade de ningum e, ao mesmo tempo, de todo o mundo. Ele possui de

    alguma maneira a memria coletiva de um povo. Ele um meio de comunicao que

    testemunha o contexto de sua origem e revela as transformaes de um povo. (1952, p.4)

    Na expresso de Dick (1990), os nomes so como recortes de uma

    realidade vivenciada, conscientemente ou no, pelo denominador isolado ou pelo prprio

    grupo, numa absoro coletiva dos valores especiais que representam a mentalidade do tempo

    histrico ou ethos grupal. Ela afirma que a Toponmia corresponsvel pela preservao dos

    fatos culturais em uma determinada rea geogrfica. Atua como forma conservadora da

  • 30

    memria do ncleo, que se faz presente nos estgios denominativos, de diversas origens e

    causas 1. (p.112).

    Ela reflete de perto a vivncia do homem, enquanto entidade individual e

    enquanto membro do grupo que a acolhe. , pois, uma cincia dinmica e de amplas

    perspectivas. Ela no se limita investigao apenas dos aspectos lingusticos e

    categorizao dos nomes, mas direciona-se para as motivaes que esto presentes no ato de

    nomear.

    Atualmente, a toponmia ultrapassou o estgio de mera curiosidade

    classificatria para tornar-se uma cincia essencial para a caracterizao do espao, levando

    em conta as ligaes entrelaadas entre a paisagem, a sociedade e as questes ambientais e

    histricas.

    Para Moreu-Rey, o estudo da Toponmia de fundamental importncia para

    as cincias humanas na medida em que deixou de ser apenas auxliar da filologia e da

    onomstica e passou a ser reconhecido como um importante campo de estudos das cincias do

    homem.

    La toponmia pertenece a las denominadas ciencias humanas, campo que abraza

    tambin las diferentes ramas de la histria, la historia de la economa y de las

    instituciones, la sociologa y la antropologia cultural, la geografa humana, la

    lingustica y la filologa (). La toponimia utiliza bsicamente los servicios de otras

    tres ciencias: la historia, la lingustica y la geografia, pero debe recorrer tambin al

    auxilio suplementario de la epigrafia, la arqueologia, la archivstica y la paleografia,

    as como la etnografa y el folclore, la psicologa social, la topografia o la botnica. 2

    (2003, p.3).

    1.3 Toponmia e Lxico

    Conforme a etimologia, o termo lxico significa lista de palavras.

    Inicialmente, o lxico de uma lngua corresponde ao vocabulrio de uma lngua. uma

    entidade abstrata porque ilimitada no tempo, j que integra todas as palavras de todas as

    1 Antes de tudo, esta cincia constitui inicialmente um importante captulo de psicologia social, ensinando como

    podemos designar os tempos e os lugares, as aldeias e vilas, os campos, os rios e as montanhas fazendo-nos

    compreender melhor a alma de um povo, suas tendncias msticas ou realistas, seus meios de expresso. 2 A toponmia pertence a chamadas cincias humanas, campo que abrange tambm os diferentes ramos da

    histria, da histria da economia e das instituies, a sociologia e a antropologia cultural, a geografia humana, a

    lingustica e a filologia (...). a toponmia utiliza basicamente os domnios de outras trs cincias: a histria, a

    lingustica e a geografia, mas tambm recorre a epigrafia, a arqueologia, a arquivstica e paleografia, assim como

    a etnografia e o folclore, a psicologia social, a topografia ou a botnica.

  • 31

    sincronias, da formao da lngua aos tempos atuais. tambm ilimitado no espao porque

    compreende todas as palavras de todos os dialetos e irrestrito na adequao do real, dado que

    inclui as palavras de todos os registros de uma lngua (MATEUS & VILLALVA, 2006, p.

    61). No lxico integram-se tambm as unidades menores de palavras, sufixos e afixos que

    permitem os neologismos. Ele pode ser entendido como a matria-prima que possibilita a

    construo e a compreenso dos enunciados lingusticos, relacionando-se com todas as

    nuances gramaticais, integrando palavras e frases dentro de uma categoria sinttica,

    morfossinttica, representao fonolgica e sinttica. Assim, cada unidade lexical portadora

    de muitas informaes que se relacionam aos registros de uma lngua ou a um vocabulrio

    especializado. Associa-se tambm s palavras a informao sobre o seu percurso histrico.

    Como, por exemplo, a informao sobre a origem das palavras, que chamada etimologia.

    Acercar-se do lxico toponomstico de um lugar implica, de certa forma,

    aprender uma nova lngua e interrogar-se sobre os significantes que ouvimos cujos

    significados ignoramos. Isso, sobretudo, refere-se aos topnimos que designam os lugares. A

    toponmia de qualquer lugar sempre constituda pelo resultado das mltiplas lnguas

    funcionais que se sucederam no tempo. O lxico toponmico sempre dinmico e, quando

    utilizado por uma comunidade de falantes, est sempre exposto s mudanas e evolues,

    sofrendo influncias.

    Podemos observar que algumas palavras logo se incorporam ao lxico da

    lngua, enquanto outros emprstimos aparecem em uma poca determinada e desaparecem

    rapidamente. Dessa maneira que constatamos que o lxico de uma lngua no um sistema

    fechado, mas sim, um inventrio aberto no qual constantemente aparecem palavras novas e

    desaparecem outras.

    A criana que aprende a falar no recebe uma lngua completamente feita,

    mas a recria totalmente quando a utiliza, conforme o que ouve ao seu redor. Est provado que

    as crianas pequenas comeam dando s palavras sentidos bem diferentes do que estas tm no

    uso dos adultos, quando as aprendem. Esse contnuo recriar da linguagem traz consigo, no

    passar da histria das geraes, posies de deslizamento nas unidades e nas relaes no

    plano significativo e faz com que o lxico esteja em contnuo desenvolvimento. Vale lembrar

    que uma lngua sempre um cdigo de comunicao de uma comunidade social. Nela se

    expressam todas as experincias e, por isso, a histria da lngua est sempre ligada histria

    da evoluo histrica de uma comunidade que a usa.

    Maximiano Trapero afirma que no estudo toponmico de uma regio

    podemos perceber todos os problemas lingusticos de um repertrio dialetal, tais como: a

  • 32

    arbitrariedade e motivao dos topnimos; os fenmenos fonticos; os nomes prprios e os

    nomes comuns; os nomes primitivos e os nomes derivados com os seus processos derivativos;

    os gneros gramaticais e a semntica. O autor recomenda prudncia e modstia para aqueles

    que se pem ao estudo da Toponmia de uma regio: prudncia para no dar nada por

    muito seguro e confirmado e modstia para estar aberto na aceitao de outra teoria ou

    explicao. (1997, p.242).

    A Toponmia uma lngua funcional que em cada momento mostra-se como

    um todo sincrnico caracterstico de uma regio ou lugar. Conforme Trapero (1997), podemos

    entender como lngua funcional uma lngua que se costitui de um s dialeto ou estilo de

    lngua que manifesta um modelo ideal prprio de uma comunidade determinada em um tempo

    determinado.

    No entanto, ela tambm o resultado de uma diacronia perceptvel nos

    extratos lexicais que revelam as etapas histricas que se sucederam no passar do tempo.

    A Toponmia de qualquer lugar pode ser compreendida como o resultado

    das muitas lnguas funcionais sucedidas ao longo do tempo. Assim, podemos dizer que na

    Toponmia so preservados como fsseis uma infinidade de elementos lingusticos de

    pocas passadas de tipo lexical, fonolgico, gramatical que podem ser encontrados na

    formao dos nomes de lugar. Trapero esclarece que a Toponmia uma parte do lxico que

    proporciona um excelente estudo dos estratos lingusticos que no esto mortos e

    desfuncionalizados (1997, p. 244). A Toponmia um corpus lexical vivo e funcional que se

    atualiza continuamente na fala comum, j que, o lxico, ao ser utilizado pelos falantes, em

    todas as situaes da fala, torna-se passvel de sofrer mudanas e submetido a evolues.

    Ainda que, diante da lngua comum, o lxico toponmico seja mais conservador.

    Outro estudioso da rea, Joan Coromines, explicou esta situao de maneira

    eloquente, quando em sua afirmao mostra que toda a sociedade, em principio, depositria

    do patrimnio lingustico:

    El estudio de los nombres de lugar es una de las cosas que ms h desvelado la

    curiosidad de los eruditos e incluso la del pueblo en general. Es natural que sea as.

    Estos nombres se aplican a la heredad de la que somos proprietrios, o a la montaa

    que limita nuestro horizonte, o al ro de donde extraemos el agua para el riego, o al

    pueblo o la ciudad que nos h visto nacer y que amamos por encima de cualquier

    outra, o a la comarca, el pas o el estado donde est enmarcada nuestra vida

    colectiva. El hombre, que desde que tiene uso de razn se pregunta el porqu de

    todas las cosas que ve y que siente, no se preguntara sobre el porqu de estos

    nombres que todo el mundo tiene continuamente en los lbios?3 (2003, p. 2).

    3 O estudo dos topnimos uma das coisas que tem mais despertado a curiosidade dos estudiosos e at mesmo

    do povo em geral. natural que seja assim. Estes nomes se aplicam a propriedade que possumos, ou a

  • 33

    O lxico que compe a toponmia brasileira formado por uma srie de

    elementos diversificados de variadas origens. necessrio assinalar, em primeiro lugar, um

    grande nmero de palavras que provm do latim e que esto ligadas aos termos patrimoniais

    da Lngua Portuguesa. A esse conjunto de palavras tradicionais devem ser somados os

    emprstimos que, no decorrer da histria da lngua, tm sido produzidos. Encontramos

    palavras de origem europeia e muitas palavras, sobretudo vindas do francs e do ingls.

    notrio encontrar em nosso lxico palavras que vieram dos dialetos indgenas, como vimos,

    da lngua tupi. Tambm encontramos em menor nmero, bem verdade, palavras provindas

    dos dialetos africanos.

    No caso da Estrada Real, corpus desta pesquisa, podemos salientar a

    conservao de estratos lexicais que remontam lngua do habitante aborgene ou dos

    bandeirantes que desbravaram os sertes e falavam o Tupi, a lngua geral; topnimos que

    remontam poca dos tropeiros e mercadores; topnimos que mostram a presena dos

    missionrios e religiosos; topnimos que revelam a atividade econmica da minerao e do

    ciclo do ouro e das pedras preciosas; topnimos que apontam para fatos histricos

    acontecidos; topnimos que revelam fatos e pessoas de um tempo histrico mais recente,

    dentre outros.

    O tipo de variao interna mais caracterstica do lxico toponmico o

    diatpico4. Cada regio toma para o lxico toponmico os termos que melhor se adaptam as

    suas especificidades geogrficas e a fatos histricos a que se referem, quase sempre, a

    situaes particulares e sui-generis. Desse modo, a Toponmia de uma regio naturalmente

    desenvolve uma dupla personalidade: a de seu conjunto lexical e a do alcance semntico de

    cada um de seus elementos lexicais.

    Em se tratando da Estrada Real, frequentemente ouvimos algum interrogar-

    se a respeito de um nome de lugar. Isso sempre acontece quando esse nome ouvido pela

    primeira vez. Qual o significado de Catas Altas? Essa pergunta feita por causa do nome

    ter sido dado a um lugar e por ser ele um nome prprio. A interrogao oculta a finalidade de

    desvendar se o topnimo em questo tem um significado que se origina ou no de um nome

    comum. Assim, muitas vezes a resposta no pode ser baseada apenas na Lingustica, mas

    montanha que limita nosso horizonte; ou ao rio de onde tiramos gua para a irrigao; ou ao povoado ou cidade

    que nos viu nascer e que amamos acima de qualquer coisa; ou a regio, o pas ou estado onde se desenvolve a

    nossa vida social: o homem, que desde que tem uso da razo se pergunta sobre o porque de todas as coisas que

    v e que sente, no se perguntaria tambm ele sobre o porque desses nomes que todos trazem constantemente em

    seus lbios? 4 O nvel diatpico est relacionado com a regio geogrfica em que determinadas palavras ou acepes so

    empregadas. (COSERIO, 1996).

  • 34

    necessrio recorrer Histria, Geografia, Sociolingustica ou a outros ramos do saber. Por

    exemplo, no caso de Catas Altas a histria ensina que esse topnimo faz aluso s profundas

    escavaes praticadas a cu aberto feitas para a mineirao no perodo do ouro das Minas

    Gerais. Cata(s) derivao regressiva do verbo catar, procurar. O nome deve-se lavra

    mineira que se verificou no local nos fins do sculo XVIII. Agora, o significado inicial foi

    alterado com a sua referncia motivadora primitiva. De tal maneira que o significado

    primitivo caducou.

    Coseriu (1977, p.185) lembra que convm fazer a distino entre significado

    e significante. Um significado um valor que corresponde a uma palavra (lexema), e que

    resulta de uma oposio semntica na ocorrncia dessa palavra na lngua. Assim, o

    significado de Catas Altas est em relao com as escavaes mineradoras do ouro. O seu

    valor uma unidade estvel quando se refere ao perodo do ouro em MG no sculo XVIII,

    porm, os topnimos designam, mas no significam. Podemos assim inferir que no processo

    da nomeao toponmica ocorre sempre um batismo que foi realizado pelos primeiros

    povoadores de um lugar, quando na paisagem encontraram caractersticas que se

    acomodavam a um vocabulrio ligado aos acidentes geogrficos que anseiavam por nomear.

    Podemos lembrar os seguintes exemplos, dentre outros: a um rio chamaram Paraba, do tupi:

    par (rio) + ayba (ruim) por ser imprprio navegao; a uma serra chamaram de Itatiaia (do

    tupi: pedra cheia de pontas); a uma mata chamaram de Taquaru (do tupi: taquara

    grande).

    O estudo do corpus toponmico de uma regio mostra que qualquer palavra

    pode prestar-se para formar um topnimo. Lembra Trapero:

    Los nombres que aparecen en cualquier corpus toponmico hacen referencia

    preferentemente a la geografia (las formas topogrficas, la realidad climtica, la

    naturaleza y aspecto del terreno, etc.), pero tambin a la historia (a personajes

    histricos o locales, a instituciones polticas, administrativas, sociales, etc.), y a la

    antropologia (a personajes legendarios, a creencias y ritos, a oficios y profesiones, a

    leyendas y ancdotas locales, etc.) y a religin (nombres de santos, advocaciones y

    cultos, edifcios y signos religiosos, etc.), y a la arqueologia (yacimientos,

    incripciones, enterramientos, etc.), y a la biologia ( nombres de animales y de

    plantas caractersticas de cada lugar) etc.5 (1997, p. 47).

    5 Os nomes que aparecem em qualquer corpus toponmico fazem referncia preferentemente geografia

    (topografia, clima, natureza, aspecto do terreno etc.), mas tambm histria (personagens histricos, instituies

    polticas, administrativas, sociais etc.), antropologia (personagens lendrios, crenas e ritos, profisses e

    ofcios, lendas e anedotas), a religio (nomes de santos, devoes e cultos, locais e smbolos religiosos etc),

    arqueologia (inscries, tmulos etc.), biologia (nomes de animais e plantas e plantas caractersticas de cada

    lugar) etc.

  • 35

    A variedade do lxico refletida na toponmia revela que esta se compe de

    elementos da vida privada ou coletiva do homem. Por isso, um topnimo uma forma lxical

    que tem uma funo semntica que anseia identificar um ponto concreto da geografia. Dessa

    forma, pela designao lingustica a realidade nomeada sempre simples e o ponto geogrfico

    individualizado.

    1.4 Interdisciplinariedade e Toponmia

    Os estudiosos caracterizam, de maneira geral, a Toponmia como campo de

    conhecimento interdisciplinar, ligando-a com reas cientficas que tm uma relao mais

    prxima com o estudo dos nomes de lugar. Para Poirier (1965) a Toponmia uma rea de

    estudo que se liga histria, geografia e lingustica. Tort (2003) enfatiza que os trs

    pilares auxiliares do estudo toponmico so a histria, a geografia e a lingustica (desdobrada

    em dialetologia e fontica). Incidindo de modo especial nas vertentes psicolgica e

    sociolgica da toponmia, Dauzat assim se expressa:

    Cette science constitue dabord un chapitre prcieux de psychologie sociale. En nous

    enseignant comment on a dsigne, suivant les poques et les milieux, les villes et

    villages, les domaines et les champs, les rivires et les montagnes, elle nous fait

    mieux comprendre lme populaire, ses tendances mystiques ou ralistes, ses

    moyens dexpression. (1971, p. 4).

    Ao relacionar o processo de nomeao com as marcas ideolgicas

    envolvidas dentro da memria coletiva de um grupo social, Dick salienta que o estudo

    toponmico da nomeao de um lugar precisa levar em conta as coordenadas tempo-

    situacionais, nas quais gravitam actantes bsicos: o nomeador, o sujeito que enuncia o nome

    em primeiro lugar; o objeto nomeado que se liga ao espao e as suas divises conceituais,

    incorporando a funo referencial nomeada; e o receptor, ou enunciatrio, que recebe os

    efeitos da nomeao. A singularidade do processo denominativo exatamente a constituio

    dessa cadeia gerativa de enunciao, que revela contornos particulares; um denominador

    isolado, construtor de uma mensagem (doador de um nico nome ou de vrios nomes, em

    situao de abrangncia areal), interferindo em uma coletividade receptora, que passa a ser

    usuria do(s) designativo(s), sem que interagisse na dinmica do processo. A adequao da

    escolha, que passa pelo crivo da objetividade ou da subjetividade do nomeador, ainda que

  • 36

    inconscientemente, ser sentida ou pela reao do grupo ou pela anlise posterior do linguista,

    em uma fase posterior, distinta do momento inicial de marcao do lugar ou do batismo da

    pessoa na compreenso do presente, em sua funo pragmtica. (DICK, 1996).

    Para Canadian Poirier (1965), existem trs cincias que podem auxiliar a

    Toponmia: a Histria, a Geografia e a Lingustica (Dialetologia e Fontica). Dauzat enfatiza

    os aspectos sociolgicos e psicolgicos (1971). Por sua vez, um autor especializado em

    metodologia, Querol, defende que esta disciplina deve ter bases epistemolgicas para se

    firmar junto cincia (1995, p.65). A natureza pluralista dos nomes de lugar e o seu estudo

    servem como uma ponte entre muitas reas de estudo e disciplinas.

    Ainda que a Toponmia seja uma rea de estudos que interessa a muitas

    outras cincias, na Lingustica que ela encontra o seu ancoradouro, j que nenhuma outra

    cincia tem por finalidade e objeto de estudo a parcela do lxico de um lugar, de uma lngua

    ou de uma regio. Rafael Lapesa lembra que a Toponmia interessa ao lingusta como a

    paleontologia ao bilogo, ou melhor, como a arqueologia ou a documentao das pocas

    passadas interessam ao historiador. (1992, p. 170).

    Para melhor vislumbrar estas conexes e interfaces com a cincia

    toponmica, procederemos agora uma explanao entre trs reas de conhecimento que

    interessam particularmente a execuo deste trabalho: a Geografia, a Histria e a Religio.

    1.4.1 Toponmia e Geografia

    Uma das vertentes da diversidade lingustica a variao geogrfica. De

    uma maneira geral, a Geografia Lingustica, que tambm chamada Dialetologia, ocupa-se

    do estudo da variao lingustica dentro do espao geogrfico. Considerando a terra como

    habitat do homem, assume ao mesmo tempo, como seu objeto de estudo, todas as realizaes

    humanas que acontecem na extenso do espao geogrfico, no s pelo emprego do

    instrumento cartogrfico, como tambm pela tentativa de compreender o que se passa na vida

    social e cultural do homem dentro do ambiente natural. Nas palavras de Coseriu:

    En la terminologia tcnica de la lingustica actual, la expresin geografia

    lingustica designa exclusivamente un mtodo dialectolgico y comparativo que ha

    llegado a tener extraordinario desarrollo en nuestro siglo, sobre todo en el campo

    romnico, y que pressupone el registro en mapas especiales de un nmero

    relativamente elevado de formas lingusticas (fnicas, lxicas o gramaticales)

  • 37

    comprobadas mediante encuesta directa y unitaria en una red de puntos de un

    territorio determinado, o, por lo menos, tiene en cuenta la distribucin de las formas

    en el espacio geogrfico correspondiente a la lengua, a las lenguas, a los dialectos o

    a los hablares estudiados.6 (1956, p.5).

    A utilizao do termo dialeto no se refere a uma forma diferente ou

    desprestigiada do falar de uma lngua, mas sim da forma de falar de uma lngua em uma

    regio a que pertence o falante. Existe uma estreita ligao entre a dialetologia e a lingustica

    histrica no que tange s marcas e semelhanas entre os dialetos passados e os dialetos

    presentes. Por isso, pode-se falar em dialetos conservadores.

    O mtodo de trabalho da geografia lingustica ou dialetologia bastante

    exigente, quer no que diz respeito s fontes de informaes, ou quanto aos registros dos dados

    coletados. Os atlas e os mapas dialetais representam graficamente a distribuio dos dialetos

    de uma regio. Coseriu lembra que:

    Caben dentro de este concepto de geografia lingustica los mapas lingusticos que se

    encuentran en los atlas geogrficos comunes y en los atlas histricos, como tambin

    gran parte de las indicaciones y de los mapas que contienen las obras acerca de las

    lenguas del mundo, u otras obras que registran la distribucin de las lenguas en

    ciertos territorios. La labor correspondiente, aunque realizada comnmente por

    linguistas, pertenece con ms derecho a la geografia (y a la historia), y dentro de la

    linguistica representa ms bien una labor previa de informacin exterior7. (1956,

    p. 11).

    Ao falarmos em Geografia e Cincias da Natureza, podemos afirmar que a

    paisagem um elemento significativo. O termo paisagem traduz, etimologicamente, a

    entidade constituda pelo conjunto de elementos visveis ou sensveis que integram e

    caracterizam um pas. Tanto pas como paisagem so termos que tm uma raz comum

    derivada do latim8. Acredita-se que o termo paisagem, conforme Bonato (2010, p. 219) deriva

    6 Na terminologia tcnica da lingustica atual, a geografia lingustica se refere exclusivamente a um mtodo

    dialetolgico e comparativo que passou a ter extraordinrio desenvolvimento em nosso sculo, sobretudo no

    campo romnico e que pressupe o registro em mapas especiais de um nmero relativamente elevado de formas

    lingusticas (fontico, lexical ou gramatical) comprovadas mediante uma unidade de pesquisa em uma rede de

    pontos de um determinado territrio, ou pelo menos tem em considerao a distribuio de formulrios na rea

    geogrfica correspondente linguagem, lnguas, dialetos ou falares estudados. 7 Encaixa-se dentro deste conceito de geografia lingustica os mapas lingusticos que so encontrados em atlas

    geogrficos comuns e em atlas histricos, como tambm grande parte das indicaes e dos mapas que contm

    obras referentes s lnguas do mundo, ou outras obras que registram a distribuio das lnguas em certos

    territrios. O trabalho correspondente, ainda que realizado por linguistas, pertence com mais propriedade

    geografia e histria. Dentro da lingustica representam um esforo maior para elaborar informaes externas. 8 O termo latino estava ligado demarcao da terra. Pagus era um distrito rural composto de vrias fazendas,

    que no possua poder poltico direto, sendo uma jurisprudncia da unidade administrativa maior, a civitas. Os

    habitantes de um pagus, em geral, eram diferentes dos habitantes das cidades romanas. Eram componeses e

    agricultores que veneravam os deuses locais: o esprito das florestas, das matas, dos campos e dos lares. Segundo

    Seemann (2007, p. 52), vem da a ligao do termo com a palavra pago.

  • 38

    do termo latino pagus, que significa marco ou balisa metida na terra ou compartimento de

    territrio ocupado por uma comunidade cuja vida cotidiana decorre, portanto, dentro de um

    mesmo horizonte visual.

    O termo paisagem designa um conjunto no qual os elementos naturais ou

    diretamente derivados do meio natural (relevo, clima, solo, vegetais e animais) combinam-se

    dialeticamente com os elementos humanos. Fica evidente que o termo carrega consigo trs

    concepes distintas e inseparveis: a paisagem a natureza em si, ou uma parte dela, um

    territrio, um espao; tambm a visualizao desse espao atravs de um observador e a

    representao desse espao, seja pela pintura ou pela escrita. Da a importncia da relao

    entre toponmia e geografia. O campo da Geografia , indiscutvelmente, a paisagem ou o

    espao em sentido genrico, como afirma Bonato (2010, p. 221) sobre os Relatos de Viagem:

    os relatos de viagem trazem uma construo de uma paisagem ou uma paisagem

    representada. A representao feita por naturalistas que percorreram a paisagem enquanto

    espao fsico e a visualizaram enquanto observadores.

    O simbolismo pea-chave para a interpretao da paisagem. De acordo

    com Cosgrove a paisagem como um texto cultural, reconhecendo que os textos tm muitas

    dimenses, oferecendo possibilidades de leituras diferentes, simultneas e igualmente

    vlidas. (1998, p. 101).

    Para Dick, o homem, ao designar o nome prprio de um lugar com o

    topnimo, em sua formalizao na nomenclatura onomstica, faz a ligao entre um nome e o

    acidente geogrfico que o identifica, constituindo um conjunto ou uma relao binmica que

    se pode seccionar para melhor se distinguirem os seus termos formadores. A autora salienta

    que dessa simbiose nascem um termo ou elemento genrico ou elemento ou termo especfico,

    ou topnimo propriamente dito, que particularizar a noo espacial, identificando-a e

    singularizando-a dentre outras semelhantes. (1990, p. 11).

    As investigaes da toponmia tm interesse para o gegrafo porque

    estabelecem conexes entre grande parte dos topnimos com os termos do vocabulrio

    geogrfico dialetal, ou seja, com os vocbulos comuns referentes aos vrios objetos

    geogrficos, testemunhando quer a presena e a difuso de determinados fenmenos, quer

    particularmente a conscincia (mais do que o conhecimento) que deles tm os habitantes.

    As paisagens toponmicas da terra, de maneira quase generalizada, apontam

    um nmero considervel de termos emprestados Geografia, tanto do ponto de vista fsico

    quanto humano. O interrelacionamento da disciplina com a cincia que constitui, ao lado da

    Histria e da Lingustica, um dos seus embasamentos tericos acentua-se, assim, medida

  • 39

    que os acidentes geogrficos incorporam tambm o sentido do topnimo, dando origem a

    novas construes toponomsticas. (DICK, 1990, p. 64).

    A transformao de um termo geogrfico dialetal em topnimo bastante

    frequente. Ocorre quando o correspondente objeto geogrfico adquire um particular interesse

    para o homem, quer ele se limite simplesmente a notar-lhe qualidade ou atributos, quer o

    encare como elemento favorvel ou desfavorvel s suas atividades. So vocbulos de lngua

    geral que entram no discurso toponmico pelas necessidades bsicas ocorridas no momento da

    enunciao. Parte-se do pressuposto de que o topnimo mudou de categoria gramatical, em

    dois sentidos: passou de substantivo comum a substantivo prprio e, do ponto de vista mais

    especfico, passou de lexia virtual (antes do momento da enunciao) a lexema (como ocorre

    com qualquer palavra- ocorrncia) e a termo, quando se configura o sintagma toponmico,

    composto por dois termos, a saber: termo ou elemento genrico (o acidente fsico ou humano

    a ser descrito ou denominado) e o termo ou elemento especfico (o topnimo propriamente

    dito). Ex.: Morro da gua Quente, Rio Acima, Alagoa.

    Em qualquer dos casos, o homem j exprimiu um juizo, fez um confronto,

    salientou analogias ou diferenas e estabeleceu uma classificao. Em suma, atribuiu-lhe um

    valor segundo os seus prprios critrios e as suas finalidades. Nas palavras de Dick: ... ser

    de variada natureza conforme seja a motivao envolvida, semnticamente, de acordo com a

    maior ou a menor preferncia do denominador, ou segundo a inclinao de seu esprito.

    (1990, p. 13). Desse ponto de vista, a toponmia um testemunho da presena do homem,

    num certo espao, numa paisagem, ao longo do tempo. Nas palavras de Tort (2003): Os

    nomes de lugar so viva voz dos povos desaparecidos, transmitidos de gerao a gerao, de

    boca em boca pelos antepassados na necessidade diria de nomear a paisagem. Tornam-se

    uma ponte entre os habitantes de hoje e os do passado.

    Com efeito, a possibilidade de reconstruir a estratificao cronolgica da

    toponmia de dada rea facilita muito a investigao das transformaes histricas, da

    ocupao e valorizao humana desse territrio. A frequncia dos diversos topnimos ou de

    vrias categorias pode, de modo particular, fornecer ao estudioso da geografia indicaes

    preciosas dos modos de desenvolvimento do povoado e das fases em que se desenrolou a ao

    humana de explorao e de utilizao do territrio.

    O eminente geogrfo americano H.C. Darby ressalta que a afinidade entre

    Toponmia e Geografia no uma questo secundria, salientando a importncia de se ter

    conhecimento direto de ambas. Lembra que as concluses do fillogo devem ser sempre

    colocadas em relao realidade topogrfica, quer atravs de mapas e inquritos especficos,

  • 40

    quer conhecendo o espao geogrfico para adquirir a chave para o significado dos nomes.

    (1957, p. 390).

    Tort (2003) salienta que, em relao aos nomes de lugares, a partir da

    perspectiva da Geografia, devem ser levadas em conta as questes metodolgicas

    fundamentais para que qualquer estudo seja epistemolgico. Segundo o autor, o analista deve

    estar atento para trs aspectos em particular: o fato de que muitos nomes so de difcil

    compreenso; as questes de mudana (em relao ao tempo e ao espao) e a validade do

    chamado princpio da excepcionalidade. Assim, um certo conjunto de nomes pode ser de

    fcil compreenso. No entanto, podem existir nomes cujo significado no tenha sentido e no

    correspondam a qualquer palavra falada dentro de um estudo geogrfico e lingustico. Moreu-

    Rey chama isso de nomes no transparentes ou fsseis. Em suas palavras so velhos

    nomes comuns cristalizados ou congelados, e preservados por milnios, em alguns casos

    (1982, p.13). Com relao ao segundo aspecto, nunca devemos esquecer, segundo o autor

    acima citado, que a noo de mudana lingustica fundamental para a interpretao

    toponmica. Um nome determinado pode sofrer uma mudana por causa da evoluo da

    lngua falada ou por causa das alteraes geogrficas ocorridas. Na prtica, preciso

    apreender as transformaes mais importantes que afetaram um determinado lugar ou regio

    para se interpretar corretamente o significado original de um nome associado a este lugar.

    Finalmente, o terceiro aspecto liga-se a um padro comum que se refere aos nomes dos

    lugares: o fato de que os topnimos tendem a refletir as caractersticas nicas e singulares

    do meio. Este princpio foi formulado no incio do sculo XX pelo russo Savarensky

    (DORION & POIRIER, 1975, p. 93).

    1.4.2 Toponmia e Histria

    A Toponmia pode ser uma grande auxiliar para a cincia histrica e

    permite, atravs da linguagem, esquadrinhar as sucessivas vivncias humanas, sobretudo nos

    lugares onde povos, culturas e lnguas diferentes se sobrepuseram. Nesse caso, os nomes de

    rios e linhas de gua de montanhas e acidentes geogrficos, dada a sua maior permanncia e

    quase imutabilidade, acabam por ser, atravs da respectiva nomenclatura, testemunhas da

    longa durao dos