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Chão de Areia QUARTA-FEIRA, 18 DE JULHO DE 2007 Documento Documento Retrato social, político e ambiental da ocupação das dunas dos Ingleses na Vila Arvoredo Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo-UFSC

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Trabalho de Conclusão de Curso da acadêmica Marina Gazzoni. Retrato social, político e ambiental da ocupação das dunas dos Ingleses na Vila Arvoredo, em Florianópolis-SC.

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Page 1: TCC Chão de Areia

Chão de Areia

QUARTA-FEIRA, 18 DE JULHO DE 2007

Documento Documento

Retrato social, político e ambiental da ocupaçãodas dunas dos Ingleses na Vila Arvoredo

Trabalho de Conclusão do Curso de Jornalismo-UFSC

Page 2: TCC Chão de Areia

Na rota das dunas

unas, manguezais e encostas, por lei fe-deral, sempre cons-tituem Área de Pre-servação Permanente (APP), onde qualquer

tipo de edificação é proibido. Essas estruturas geológicas formam solos sensíveis, facilmente degradáveis pela ocupação humana e que re-presentam regiões de risco às pes-soas que se fixam nesses terrenos. Sobre as dunas do bairro Ingleses, ao Norte de Florianópolis, a popu-

lação da Vila Arvoredo sofre por se estabelecer numa região imprópria para a instalação humana.

Residente na comunidade desde 1997, Tânia de Matos já desman-chou e reconstruiu a própria casa duas vezes, na tentativa de fugir da aproximação das dunas. Em 2006, sua família precisou ser removi-da, pois a areia se deslocou mais e ameaçava soterrar o barraco nova-mente. No terreno onde morava no ano passado, hoje restam entulhos, que, aos poucos, desaparecem sob o

solo. Assim como Tânia, muitos de seus vizinhos precisaram remover suas casas para longe das dunas, que chegam cada vez mais perto.

Através da digitalização e sobre-posição de fotografias aéreas na região de 1938 a 1997, o geólogo do Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (IPUF), Candido Bordeaux, mediu o deslocamento das dunas sobre a comunidade. Ele constatou que a frente de dunas avançou cerca de 400 metros no período ru-mo à Vila Arvoredo, com evolução anual média de 6,8 metros. O experimento fez par-te de um estudo de caso para sua tese de doutorado na pós-gradua-ção em Engenharia de Produção, na Universidade Federal de Santa Catarina, em 2003.

A memória dos moradores mais antigos confirma as conclusões da ciência com seus relatos do desa-parecimento de ruas sob a areia. A camareira Carmem da Silva reside na comunidade desde 1996 e pre-cisou abandonar o imóvel de alve-naria e se mudar para um de ma-deira em função do deslocamento das dunas. Ela calcula que cerca de 200 metros separavam a atual ca-sa, construída em 2003, da frente

das dunas. “Ali atrás [indicando o quintal] tinham mais duas ruas e até um campo de futebol”, lembra a camareira. Hoje não se vê nenhu-ma construção a partir dos fundos da residência de Carmem, apenas um monte de areia há menos de 50 metros de distância, cujo desloca-

mento foi intensifica-do pela ocorrência de ciclones extratropicais no litoral catarinense (veja pg 14).

Para Bordeaux, a remoção das famílias é emergencial em fun-ção da aproximação

da areia. “As casas estão perpendi-culares ao sentido de deslocamen-to das dunas e muito próximas à área de frente”, explica o doutor em Engenharia de Produção (veja infográfico). Ele não é o único espe-cialista a considerar a retirada dos moradores da área imprescindível. Reconhecido com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Cien-tífico, o professor aposentado do departamento de Geologia da Uni-versidade Federal do Paraná, João Bigarella, pesquisa dunas em Santa Catarina desde 1974 e alerta para o agravamento do problema com a degradação ambiental. Além da população da Vila Arvoredo estar

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DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 200702 < Meio Ambiente

"A duna segue seu caminho e ganha força com a ação do

homem"

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DCom a movimentação de 6,8 metros ao ano, areia avança em direção às casas da Vila Arvoredo

Carta ao Leitor

Expediente

Ouvi falar pela primeira vez da Vila Arvoredo em agosto de 2005, quando li nos jornais locais a notícia de que um ciclone extra-tropical destelhou muitas casas na comunidade e deixou os moradores desa-brigados. Até aquele mo-mento, meu conceito de favela se limitava a barra-cos em cima dos morros, tanto que não conseguia visualizar de que forma 779 pessoas residiam so-bre as dunas dos Ingleses. O que mais me surpreen-deu não foi essa quebra de paradigma, mas o fato de desconhecer a realida-de de miséria dessas fa-mílias durante os dois pri-meiros anos em que morei em Florianópolis.

O tema não saiu da mi-nha cabeça e resolvi fazer uma reportagem para a disciplina de Redação V sobre a comunidade. Uma pesquisa documental e o contato com os moradores e com o cenário me con-venceram da relevância social, política e ambiental do assunto. Para aprofun-dar essas questões, esco-lhi a Vila Arvoredo como tema do meu Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo. Através de uma série de reportagens, pretendo mostrar os múl-tiplos enfoques que envol-vem a ocupação irregular das dunas nos Ingleses. Boa leitura!

Trabalho de Conclusão de Curso - Jornalismo

Universidade Federal de Santa Catarina

Reportagem e ediçãoMarina Gazzoni

DiagramaçãoDirceu Getúlio

OrientaçãoProfª Tattiana Teixeira

FotografiaMarina Gazzoni, Pierina

Pomarico, Leonardo Corrêa, Defesa Civil Municipal,

Secretaria de Habitação e Saneamento, Projeto Aroeira

ApoioPrograma InFormação

Agência de Notícias dosDireitos da Infância

Julho - 2007Apesar de estar em APP, dona Mariquinha pagou R$ 261,45 de IPTU em 2007

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Page 3: TCC Chão de Areia

Captação clandestina e fossas sanitárias colocam aqüífero em risco

Solos arenosos funcionam como uma espécie de esponja, que ab-sorve a água da chuva, deposita no seu subsolo e recarrega os lençóis freáticos. Sob as dunas onde reside a população da Vila Arvoredo está o aqüífero dos Ingleses, o maior do município em volume e única fonte de abastecimento de água do Norte da Ilha. A ocupação ilegal da área abre espaço para questio-namentos sobre a poluição da re-serva subterrânea, principalmente pelas fossas sanitárias.

Apesar de ser o segundo bairro mais populoso de Florianópolis, com mais de 19 mil habitantes fi-xos, conforme o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a instalação da rede de esgoto ainda não foi con-cluída nos Ingleses. Os moradores

precisam encontrar soluções al-ternativas para a eliminação dos dejetos e a mais comum delas é a construção improvisada de fossas sanitárias. Na Vila Arvoredo, os re-síduos líquidos vão direto do ba-nheiro, da pia e do tanque para bu-racos cavados na areia com cubas de caixa d’água no fundo.

A preocupação com a preserva-ção do reserva subterrânea motivou a Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) a fazer um levantamento da contaminação e da capacidade do aqüífero. O supe-rintendente de Recursos Hídricos e Meio Ambiente, Cláudio Floriani, informa que a água não está poluí-da, mas indica a existência do risco. Mais do que as fossas sanitárias, ele se preocupa com a captação clan-destina através de ponteiras ligadas

diretamente ao lençol freático que constituem portas de entrada para os microorganismos. “Os dejetos das fossas passam por diversas ca-madas de solo e rochas e quando chegam ao aqüífero já estão filtra-dos. O mesmo não ocorre com as ponteiras, que têm ligação direta com a fonte de água”, explica.

Para Floriani, mais alarmante que a contaminação é o uso desor-denado de água. A capacidade do aqüífero é de fornecer 290 litros por segundo, mas a captação da Casan é de 330 l/s e o limite de sustenta-bilidade é de no máximo 390 l/s. O número pode ser ainda maior, pois se estima a existência de cerca de seis mil ponteiras ligadas direto ao aqüífero. A utilização de água pelos moradores da Vila Arvoredo está incluída nos dados da companhia,

pois não há ponteiras instaladas na areia e o abastecimento é feito pelas ligações da rede Casan, mesmo que clandestinas. “Se o nível de água cair, a reserva pode ser invadida com água salina e ficar imprópria para o consumo”, alerta.

Um dos indícios de que o volume do aqüífero dos Ingleses diminuiu na última década é o relato dos an-tigos moradores da Vila Arvoredo da existência de lagoas nas dunas. “Com o tempo secaram todas”, la-menta Marcos Biavatti, residente na comunidade desde 1996. De acordo com o biólogo da Fundação Mu-nicipal do Meio Ambiente de Flo-rianópolis (Floram), Francisco da Silva Filho, o aqüífero dos Ingleses fica próximo à superfície, costuma-va aflorar no solo e formar peque-nas lagoas.

DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007 Meio Ambiente > 03DC Documento DC Documento

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO:

Conheça as leis que regulamen-tam as áreas de dunas em nível federal, estadual e municipal:

Código Florestal (Lei federal 4.771/65): Classifi ca dunas como Área de Preservação Permanen-te. (Art. 2°, alínea F)

Política Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal 6.938/81): Transforma dunas em reser-vas ecológicas e institui multa, suspensão de benefícios fi scais e linhas de fi nanciamento a quem degradar essas áreas. (Art. 18°)

Plano Nacional de Gerencia-mento Costeiro (Lei Federal 7.661/88): Estabelece como prio-ridade a conservação das dunas na defi nição do zoneamento de áreas costeiras. (Art. 3°, inciso I)

Lei Federal 9.605/98, Decreto Federal 3.179/99 e Lei Estadual 5.793/80: Proíbem a destruição de vegetação fi xadora de dunas e estabelecem penalidades. (Art. 50°; art. 37°; Art. 3°, inciso IX)

Decreto Municipal 112/85: Tomba os campos de dunas de Ingleses e Santinho como patrimônio natural e paisagístico do Município e proíbe edifi cações nessas áreas (art. 1° e 2°).

na rota da duna, a ocupação huma-na aumenta a velocidade de movi-mentação da areia.

De acordo com Bigarella, a vege-tação funciona como uma barrei-ra natural a esse avanço. “Sem as plantas fixadoras, não tem o que segure a areia”, frisa. O geólogo ressalta que a instalação humana na região impede o crescimento de vegetação e altera a forma da duna ao construir casas e traçar vias de acesso a pessoas e veícu-los. “A duna segue seu caminho natural e ganha força com a ação do homem”, adverte.

Mesmo com a proibição do Código Florestal, a prática de remover areia das dunas foi muito freqüente durante os anos 80 e 90 nos Ingleses, conforme relatos de morado-res antigos e estudos publica-dos no IPUF e na Secretaria de Ha-bitação e Saneamento. Em 1990, o professor Bigarella apresentou um parecer com informações de que as dunas menores se movimentam mais rápido e que a retirada de grãos acelera ainda mais o avanço em direção ao mar.

Problema crescente

Nem o alerta dos geólogos, nem as diversas leis que restringem as edificações em dunas consegui-ram impedir o crescimento da Vila Arvoredo. Sem condições eco-nômicas de suportar o preço dos aluguéis no Norte da Ilha, 221 fa-mílias precisaram morar na APP e enfrentar o risco que a areia repre-senta. A falta de fiscalização dos órgãos ambientais contribuiu para o aumento da população. Confor-me o levantamento sócio-econô-mico realizado pela Secretaria de Habitação e Saneamento da capi-tal, o número de famílias cresceu mais de sete vezes em dez anos. Se

em 1995 os registros apontam pa-ra a existência de apenas 30 casas na comunidade, em 2005 foram cadastradas 221 moradias.

Os moradores relatam que as intervenções por parte da Prefei-tura de Florianópolis e dos órgãos ambientais são recentes. Uma das mais antigas da comunidade, Ma-ria Madalena de Andrade, a dona Mariquinha, comprou um terre-no na Vila Arvoredo em 1987 sem saber que estava em APP. “Nunca tinha ouvido falar de Área de Pre-servação Permanente, nem sabia o que era isso”, desabafa. A aposen-tada de 69 anos lembra que quan-do chegou em Florianópolis “da-

vam” terreno perto das dunas para “todo mundo”. “Eu que não quis, o que é dado não é meu, o que é meu eu compro”, enfatiza.

Dona Mariquinha conta que na gestão do ex-prefeito Sérgio Gran-do (1993-1995) os lotes foram ca-dastrados um a um e os proprietá-rios passaram a receber carnês de IPTU. Nem todos pagam, mas ela faz questão de deixar as contas em dia. O imposto de 2007 custou R$ 261,45, referente ao terreno onde foi construída a casa da aposenta-da e outros dez quartos para alugar, com um banheiro para cada dois dormitórios. A cobrança do impos-to é questionável, já que os imóveis

em APP são irregulares. O secretá-rio adjunto de Habitação e Sanea-mento, Salomão Mattos Sobrinho, justifica a cobrança do IPTU de al-guns moradores da Vila Arvoredo pela utilização do imóvel e não do terreno. “Se eles têm patrimônio, precisam pagar imposto”, diz.

Apenas em 2004 dona Mariqui-nha ouviu falar em APP, quando foi realizada a primeira audiên-cia pública para discutir soluções frente à ocupação irregular das dunas. Pela ordem hierárquica Município, Estado e União, cabe à Fundação Municipal de Meio Am-biente de Florianópolis (Floram) fiscalizar em primeira instância

os crimes ambientais na capital, seguida pela Fundação do Meio Ambiente (Fatma) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O promotor de justiça do Ministério Público Estadual, Alexandre Herculano, explica que todos os órgãos ambientais têm competência para fiscalizar APPs, independente da ordem hierárqui-ca. “Todos podem fiscalizar, então ninguém pode”, ironiza.

Funcionário da Floram desde a criação da instituição, em 1995, o biólogo Francisco da Silva Filho lembra que antes do órgão existir quem fiscalizava as edificações era a Secretaria de Obras, de modo que a avaliação levava em conta todos os aspectos da construção civil, sem focar exclusivamente nos cri-térios ambientais. “Quando come-çamos um trabalho de fiscalização ambiental em Florianópolis, já exis-tiam moradores da Vila Arvoredo”, contextualiza o técnico da gerência de licenciamento ambiental.

De acordo com o biólogo, o tra-balho da Floram nas APPs onde já existe uma comunidade instalada prioriza ações de demolição de ca-sas em construção. “A área já está ocupada, mas tentamos impedir que novas invasões aconteçam”, resume. Na Vila Arvoredo, Silva considera mais importante agilizar uma ação coletiva de remoção das famílias que multar cada uma in-dividualmente.

DUNAS EM MOVIMENTOApesar da predominância dos ventos do Norte, o vento Sul tem mais intensidade e dita o sentido de desloca-mento das dunas da Ilha de Santa Catarina. Nos Ingleses, a areia avança cerca de 6,8 metros ao ano rumo ao mar. A construção de casas na região interfere no formato das dunas e coloca em risco os moradores.

S N

As dunas se deslocam a

6,8 m/ano

Como o efeito de um bumerangue, o vento curvo empurra a areia ao Norte e

puxa ao topo da duna.

Situação Real

Se não houvesse a ocupação humana, as dunas seriam

mais altas e a velocidade de deslocamento menor.

Situação Ideal

Fonte: Geólogos João José Bigarella (UFPR) e Cândido Bordeaux do Rego Neto (IPUF)

As construções impedem que os grãos retornem à crista

da duna. Montes de areia se formam ao lado das casas e a

altura das dunas diminui.

Consequência

ARTE: DIRCEU GETÚLIO

Page 4: TCC Chão de Areia

DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 200704 < Migração DC Documento DC Documento

comunidade exem-pl i f ic a u m a d a s conseqüências do crescimento de-sordenado da ci-dade, provocado,

principalmente, pelas migrações. Cerca de 85% dos 779 moradores cadastrados em 2005 vieram de outros municípios para Floria-nópolis e se instalaram sobre as dunas da praia dos Ingleses. In-satisfeitos com as condições de vida na favela, 42 famílias acei-taram a proposta de indenização da Prefeitura e fizeram o cami-nho de volta.

O dia de mudança parece uma operação de polícia. O caminhão avança pelas ruas estreitas e pá-ra pouco antes de atolar na areia fofa. Homens fortes e uniformi-zados contratados pela Prefeitura entram na casa da família inde-nizada e carregam tudo, enquan-to a assistente social Paulina Korc entrega o cheque com o valor da

indenização aos agora ex- mora-dores. A família de Júlia e Gilber-to Machado foi a primeira das 13 que saíram da Vila Arvoredo nos dias 14 e 15 de novembro do ano passado.

A assistente social e o casal be-neficiário tiveram que acertar a parte burocrática do pagamento das indenizações do lado de fora da casa para o “batalhão” con-tratado pela Prefeitura derrubar teto e paredes. Motosserras e en-xadas entraram em ação e o bar-raco ruiu em poucos minutos sob o olhar curioso da vizinhança. Dona Júlia não comeu nada no dia da mudança e nem quis ver a demolição do barraco. Entrou no caminhão e ficou esperando o motorista. “Tô feliz em sair das dunas, mas dá um nervoso de ir embora”, desabafou. Ela e o mari-do foram de carona com a empre-sa de transportes para Piçarras (SC), deixando em Florianópolis apenas restos de telhas e madei-

ras amontoadas na areia.Após a partida do caminhão, a

movimentação continuou. Mais de quinze mulheres cercavam a assistente social para saber se estava tudo certo para a mudança, que já deveria ter ocor-rido na semana anterior pelo planejamento da Secretaria de Habitação e Saneamento. Algumas moradoras ofereciam suas casas para a demolição em troca dos imóveis das famílias indenizadas que estivessem mais longe das dunas ou em melhor condição estrutural.

Uma delas era Claci Rodrigues da Silva, ansiosa para confirmar se a Prefeitura pagaria a passa-gem dela, do marido e dos três filhos para São Miguel do Oeste (SC). Ela saiu do município na década de 90 em busca de me-lhores empregos. O salário do servente de pedreiro e da meren-

deira da escola Gentil Mathias não foi suficiente para arcar com o aluguel nos Ingleses e o sus-tento dos três filhos. A opção

encontrada para so-breviver foi comprar um lote em cima das dunas e construir a própria casa.

Há 14 anos na Vila Arvoredo, Claci vol-tou para o interior do estado no dia 14 de

novembro de 2006. Munida de um cheque de R$ 3.618 referente à indenização do barraco e com todos os pertences, ela planejava morar provisoriamente no imó-vel construído no mesmo terreno que reside sua sogra e esperava conseguir emprego como faxinei-ra. Apesar de a primeira casa em que morou no bairro ficar soter-rada pelas dunas, o motivo que a impulsionou a voltar não foi a areia, mas, sim, a criminalidade. “A comunidade mudou muito.

Antes era calmo nas ruas, podí-amos deixar as roupas no varal e sair. Agora já roubaram calçados e até uma vassoura do meu pá-tio”, lamenta.

A gota d’água para ir embora foi a ameaça que uma das filhas adolescentes recebeu de trafican-tes por “rolos de namoradinho”. Claci confessou ter medo de an-dar no bairro à noite. “Ali na fren-te da favela é que nem o Rio de Janeiro”, compara, mesmo sem conhecer a Cidade Maravilhosa.

A última família indenizada pela Prefeitura foi justamente a da ex-presidente da Associação dos Moradores da Vila Arvore-do (Amovilar), Claudete Maciel, que foi embora para Porto Alegre (RS) no dia 29 de novembro de 2006. Segundo o relato da popu-lação, Claudete nunca mais pisou na comunidade, mas foi vista pe-los antigos vizinhos recolhendo latinhas durante o festival Planeta Atlântida, em janeiro deste ano.

Caminhode volta

Dos 779 moradores, 85% vieram de outros

municípios

ANaturais de outros municípios, 42 famílias desistem de morar na Ilha e tentam um recomeço em sua terra natal

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Page 5: TCC Chão de Areia

DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007 Migração > 05DC Documento DC Documento

DE ONDE ELES VIERAMA maioria da população da Vila Arvoredo saiu de outros municípios para se instalar na comunidade. Confi ra a procedência dos moradores:

Fonte: Secretaria da Habitação e Saneamento – 2005

33% Interior de SC

25% Paraná

6% Não informou7% Outros estados

20% Rio Grande do Sul

9% Grande Florianópolis

Apenas quem deixar Floria-nópolis recebe a indenização do imóvel . Essa é a pol í t ica adotada pela Prefe itura pa-ra acelerar a desocupação da área de preser-v a ç ã o . O m u -n i c í p i o t a m -b é m p a g a a s d e s p e s a s d o t r a n s p o r t e d a mudança e das p a s s a g e n s d e ônibus dos ex-m o r a d o r e s d a Vi la Ar voredo. “Aju d a m o s a s f a m í l i a s q u e querem voltar para suas cida-des de origem. Se elas ficarem aqui vão comprar um imóvel e m qu e lu g a r com t r ê s m i l reais? Vão acabar invadindo outra área de preservação...”, justifica o secretário munici-pal de Habitação e Saneamen-to, Átila Rocha.

Os moradores reclamam que não conseguem adquirir imó-veis nos municípios de origem com o valor recebido nas in-denizações. Durante uma reu-nião para discut ir a posição da comunidade na audiência pública sobre habitações po-pulares, os participantes vo-taram a favor da sugestão do presidente da União Floriano-politana de Entidades Comu-nitárias (Ufeco), Modesto Aze-vedo, de pedir o valor mínimo de R$ 100 mil como indeniza-ção. “É o preço médio de um imóvel nos Ingleses”, justifica.

Assim que o presidente da Ufeco apresentou a proposta na Câmara Municipal , o se-cretário adjunto de Habitação,

S a l o m ã o Ma t t o s S o b r i n h o, r iu na bancada. Ele explicou que as indenizações são cal-culadas conforme uma tabela de normas técnicas aprovada

p e l a C a i x a E c o -n ô m i c a Fe d e r a l e pelo Ministério das Cidades. Em 2 0 0 5 , u m acer to entre a Prefeitura e o s m o r a d o re s d e f i n i u o v a l o r mínimo do paga-m e n t o e m R $ 3 mil, inclusive pa-

ra os imóveis avaliados abaixo desse preço.

A Prefeitura financia as in-denizações com recursos do Fundo Municipal de Integra-ção Social (FMIS). No orçamento municipa l de 2007, está previsto o gasto de R$ 2,42 mi-lhões do FMIS para a “urbanização e cons-t r u ç ã o de habit a ç õ es do projeto Vi la Ar vo-re d o” . Me s m o c om a pre v i s ã o or ç a m e nt á -ria, muitos moradores que já manifestaram o desejo de voltar para su a s c i d a d e s d e or i -gem aguardam a apro-v a ç ã o d a Pre f e i t u r a . O secretár io de Habi-t a ç ã o e S a n e a m e n t o expl ica que as verbas s e r ã o u t i l i z a d a s c o -m o cont r ap ar t i d a do mu n i c í p i o n o f i n a n -ciamento de um pro-jeto habitacional para receber a comunidade (veja pg 08).

CRITÉRIOS DE INDENIZAÇÃO

• Só serão indenizados os imóveis cadastrados até 30 de maio de 2005

• Os valores variam confor-me o padrão do imóvel

• As casas das pessoas in-denizadas serão demolidas e a família não pode mais ocupar o local

• Proprietários com mais de uma casa serão indeniza-dos apenas por um imóvel

Moradores criticam valor

das indenizações

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"Se ficarem em Florianópolis vão

comprar um imóvel onde com R$ 3 mil?"

Assim que desocupam a casa, o imóvel é demolido pela Prefeitura

Caminhão de mudança e passagem só de ida estão incluídos no pacote de indenizações da Prefeitura

ARTE: DIRCEU GETÚLIO

Page 6: TCC Chão de Areia

DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 200706 < Migração DC Documento DC Documento

Migrantes encontram favelas em vez de qualidade de vida na Ilha

Doze por cento dos municí-pios brasileiros cresceram aci-ma de 3% ao ano entre os anos de 1991 e 2000. Florianópolis faz parte desse grupo e regis-trou o aumento populacional de 3,4%, mais que o dobro da mé-dia nacional de 1,6%. Um estudo comparativo do Ins-tituto Brasileiro de Geografia e Estatís-tica (IBGE) entre as 1.496 cidades que reduziram o núme-ro de habitantes e as com maior ex-plosão demográfica no período mostra que o fluxo de migrações segue rumo a municípios com alto Ín-dice de Desenvolvimento Huma-no (IDH). Apesar de atrair novos moradores pela sua qualidade de vida, a capital catarinense possui 64 áreas carentes, onde residem 16% da população.

O Centro de Estudos Cultura e Cidadania (CECCA) fez um levantamento dos problemas socioambientais de Florianó-

polis e reuniu os resultados no livro Uma Cidade numa Ilha, publicado em 1996. Através de um relato histórico da ocupação do solo, o estudo aponta fatores que impulsionaram a migração para o município e identifica três perfis diferentes de migran-

tes . A década de 70 marcou a chegada dos f u n c i o n á r i o s públicos atra-ídos por vagas d e e m p r e g o e m e mp re s a s estatais como a Eletrosul, Te-

lesc e Celesc. Com a criação da Universidade Federal de San-ta Catarina na década de 60, os estudantes universitários pro-curaram a capital para cursar o ensino superior.

A chegada dos novos mora-dores impulsionou a construção civil com obras de infra-estru-tura, como o aterro da Baía Sul, a construção da ponte Colombo Salles e de rodovias estaduais

que cortam a cidade. A oferta de empregos de serviços gerais e o ambiente favorável para o desenvolvimento também atra-íram pessoas de classes sociais baixas para Florianópolis. Os principais locais onde se esta-beleceram foram os morros, as antigas áreas rurais e as mar-ginais das vias de acesso à Ilha, na parte continental. Regiões ambientalmente desfavorecidas para a construção civil, como praias e manguezais, também são citadas em relatos da fixa-ção de migrantes carentes.

Ocupação dos Ingleses

Com a pavimentação da SC-401, que dá acesso às praias do Norte, os balneários passaram a fazer parte da expansão urbana. Através de fotointerpretação de imagens aéreas, engenheiros da Secretaria de Habitação e Sanea-mento e do Instituto de Planeja-mento Urbano de Florianópolis (IPUF) estudaram o histórico de urbanização do bairro Ingleses.

Assim como os demais bal-neários, a ocupação se desen-volveu ao longo da praia e das estradas de acesso até a década de 70. Entre os anos de 1976 e 1994 o processo deixou de ser linear à Estrada Geral, que liga Ingleses e Santinho, e servidões perpendiculares à principal sur-giram rapidamente. A população fixa dos Ing leses au -mentou 7,32%, de 1980 a 1991, quase o triplo do índice municipal.

O IPUF fez um es-tudo no bairro para delimitar as áreas residências e de preservação permanente no Plano Diretor dos Balneários de

1985. Na época da demarcação, a ocupação da Rua do Siri se li-mitava a cerca de 380 metros a partir da rua D. João Becker. Não havia nenhuma residência na região da APP, hoje repleta de construções irregulares.

A extração ilegal da areia para fins comerciais abriu caminho

para os loteamen-tos clandestinos de classe média e a pa-vimentação de ruas situadas em locais onde originalmente estavam as dunas. Já a população carente foi para terrenos on-

de ainda existia areia, construiu seus barracos e formou a comu-nidade da Vila Arvoredo.

Ilha cresceu 3,4% entre 1991 e 2000 e os Ingleses 7,32%

de 1981 a 1990

Cerca de 16% da população da

capital mora nas 64 áreas carentes

DEFES

A CIVIL M

UN

ICIPAL

Após a construção da SC-401, Ingleses cresceu de modo desordenado com a divisão de loteamentos irregulares e a ocupação de APPs tanto por população de baixa quanto de alta renda

SEC

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ÃO E S

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ENTO

A retirada da areia abriu espaço para loteamentos clandestinos (1984)

Page 7: TCC Chão de Areia

DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007 Política > 07DC Documento DC Documento

Se não há placas para iden-t if icar o nome das ruas, um enorme quadro de metal com o logot ipo da Prefe itura de Florianópolis apresenta a Vila Arvoredo com a frase É proi-bido construir, vender, alugar ou t rocar imóvel neste local . As 221 casas mostram que a proibição e o aviso não impe-diram a formação da favela e coloca em evidência um pro-blema social, ambiental e ur-bano do município.

A única pintura na madeira das casas é uma combinação em vermelho de letra e núme-ro, iniciativa da Secretaria de Habitação e Saneamento, em 2005, para identificar as resi-dências e cadastrar a popula-ção. Apenas esses moradores vão receber a indenização do imóvel e ter o direito de par-

t icipar do projeto habitacio-nal proposto para a área.

Das 221 famí l ias i n ic ia is , 42 não quiseram esperar por t e m p o i n d e t e r m i n a d o p a -r a s a i r d as du nas , p e di r am o pagamento da indenização do imóvel e voltaram para os municípios de origem. Pesso-as que moravam em barracos com risco de soterramento fo-ram transferidas para os imó-veis indenizados com melhor condição estrutural . Os que estavam em pior estado foram demol idos p ar a e v it ar u m a nova ocupação.

Plano Diretor

Enquanto ag uardam a de-finição de um complexo ha-bi t a c i on a l p a r a re ce b ê - l os , os moradores não podem re-

for m a r, ve n d e r o u a lu g a r su a s c a s a s . Irr itada com a len-tidão em apresentar soluções para a Vila Arvoredo, a popula-ção busca formas de pre s s ã o ju nto com outras entidades pa-ra evitar que o pro-blema se arraste pe-las gestões políticas. Com as disc ussões em torno da defini-ção do Plano Diretor Participativo (PDP), um novo instrumen-to é apontado para resolver os proble-m a s u r b a n o s d o s municípios.

Membro do Núcleo Gestor do PDP, o se-cretário municipal de Habita-ção e Sanemanento, Átila Ro-cha, acredita que é o momen-to das cidades determinarem quais áreas vão reservar para as populações de baixa ren-da. “É preciso mudar a men-talidade de que Florianópolis não é uma cidade para pesso-as carentes. Os espaços para habitações populares devem estar previstos no Plano Dire-tor”, enfatiza.

O presidente da União Flo-r i anop ol i t ana de Ent id ades Comunitárias (Ufeco), Modes-to Azevedo, também integ ra o Núcleo Gestor e salienta a importância de definir corre-tamente o Plano Diretor para que situações como a da Vila Ar voredo não ocorram mais. Para isso, ele sugere o levan-

tamento das áreas ociosas e dos loteamentos ir regulares n o mu n i c í pi o e a mud a n ç a da classi f icação para Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).

No s I n g l e s e s , u m n ú c l e o distr ita l div idi-d o e m c o m i s -s õ e s t e m á t i c a s fo i c r i a d o p a r a est ud ar as pro -postas do bairro. D e a c o rd o c o m o representante do D i st r i to dos Ingleses no Pla-no Diretor, Paulo Spinelli, existem seis pessoas da Vila Arvoredo par t icipando das comissões Social/Cultural e Uso e Ocu-pação do S olo. Out ras duas

pessoas do núcleo distrital es-tão focadas na busca de terre-nos viáveis para a construção de moradias populares para a população da Vila.

S p i n e l l i a c r e d i t a q u e o maior ponto positivo do PDP

é levantar as si-tuações de con-f l i t o e c o l o c a r e m d i s c u s s ã o n a s o c i e d a d e , mas teme que as ZEIS não sejam a m e l h or s o lu -ção para as áre-as de baixa ren-da. “As ZEIS não g a r a n t e m s o l o

barato, pois per mitem a di-visão em lotes pequenos, que po de aumentar o preço por metro quadrado”, ressalta.

“A mentalidade de que Florianópolis não é

para carentes precisa mudar”

Moradores e movimentos sociais pedem agilidade nos projetos de habitação

A incerteza de que serão con-templados com projetos habita-cionais mobilizou os moradores e entidades para pressionar o poder público. No dia 3 de maio de 2006 cerca de 30 pessoas de comuni-dades carentes de Florianópolis se manifestaram com cartazes exigindo uma “reforma urbana” e despejaram um monte de areia nas escadarias da Prefeitura como protesto pelo descaso com a Vila Arvoredo.

Outra manifestação conjunta entre as pessoas de baixa renda, promovida pela União Floriano-politana de Entidades Comuni-tárias (Ufeco) no dia 11 de abril, marcou o Dia Nacional de Luta pela Moradia Popular em 2007.

Cerca de 40 manifestantes entre sem-tetos, integrantes do Movi-mento Passe Livre e de comuni-dades carentes, inclusive da Vila Arvoredo, ocuparam um prédio abandonado no bairro Agronômi-ca para protestar contra o déficit habitacional de Florianópolis.

A baixa adesão e a viagem do prefeito Dário Berger na mesma data frustraram os planos dos manifestantes de fazer uma pas-seata até a Prefeitura para en-tregar um documento exigindo a definição do Plano Municipal de Habitação Popular e a locação de imóveis para assentar os mo-radores em área de risco na Vila Arvoredo até a apresentação de um projeto.

CASO DE JUSTIÇA

O primeiro a exigir uma providência pela invasão da Área de Pre-servação Permanente foi o Ministério Público Federal, através de uma recomendação emitida no dia 13 de janeiro de 1999. A insti-tuição cobrava da Prefeitura, dos órgãos ambientais do município, estado e União e da Delegacia do Patrimônio da União, uma atitude frente à ocupação das dunas dos Ingleses, que são bens tombados por decreto municipal e constituem patrimônio público.Em nível estadual, o Ministério Público também reagiu. A institui-ção moveu, em outubro de 2006, uma ação civil pública contra a Prefeitura, requerendo medida liminar para que o município identifi casse e regularizasse as construções ilegais sobre a APP. Em janeiro deste ano as partes fi zeram um acordo e o processo foi suspenso pelo prazo mínimo de 180 dias.A Prefeitura ficou encarregada de abrir um procedimento admi-nistrativo para identificar, cadastrar e regularizar os moradores da região em 60 dias. O secretário municipal de Habitação e Saneamento, Átila Rocha, considera legítimas as ações do MP e informa que a providência tomada pela Prefeitura é justamen-te a elaboração de projetos para a remoção das famílias para outra área.

PRIORIDADES DA HABITAÇÃO POPULAR

O diagnóstico urbano de Flo-rianópolis aponta um défi cit ha-bitacional de 22 mil residências e a existência de 64 comunida-des com renda familiar média de até três salários mínimos. Baseada nos critérios de IDH por bairro, área de risco e condicionantes ambientais, a Secretaria de Habitação e Saneamento planeja hierarqui-zar as regiões onde a interven-ção é prioritária. Com baixo IDH, alto risco para moradia e situada em APP, a Vila Arvore-do é apontada pelo secretário municipal Átila Rocha como o problema habitacional mais sério do município.

Famílias em situação de improviso

A placa de proibição não inibiu a construção de casas sobre as dunas

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Até que a Prefeitura apresente uma proposta, os moradores não podem melhorar os imóveis

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DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 200708 < Política DC Documento DC Documento

Projeto para a Vila Arvoredo aguarda aprovação do Governo

Ent re promessas n ã o c u m p r i d a s e projetos que ficaram no papel, a popula-ção da Vila Arvoredo aguarda uma solução concreta do poder

público para sair da areia e mo-rar em um lugar melhor. A espe-rança dos moradores é o projeto Recanto dos Ingleses, que prevê a construção de moradias popu-lares para 168 famílias em dois anos. Em análise no Ministério das Cidades e na Caixa Econô-mica Federal, a proposta divide opiniões se realmente é a melhor solução para a comunidade.

A meta da Secretaria Munici-pal de Habitação e Saneamento é construir 34 blocos residenciais

de dois e três pavimentos com dois apartamentos por andar. Cada unidade tem dois quartos, banheiro, sala e um conjugado de cozinha e lavanderia. Além das moradias, a planta arquitetônica inclui uma praça de convivência, uma quadra de esportes e infra-estrutura urbana, com ruas e calçadas.

A execução se divide em du-as etapas, uma financiada por emendas parlamentares e a outra pelo Fundo Municipal de Habita-ção de Interesse Social (FNHIS). A primeira contemplará 20% das obras com a adequação de um terço do terreno para a constru-ção civil através de aterro. Os recursos provêm de duas emen-das solicitadas em 2005 pela se-nadora Ideli Salvatti (PT) e pelo deputado federal Mauro Passos (PT) que, juntas, somam R$ 390 mil, mais a contrapartida do mu-nicípio de quase R$ 94 mil.

Em fase de aprovação pela Cai-xa Econômica, a execução das obras já foi licitada, mas ainda falta obter a mudança de zone-amento do terreno para a libe-ração das verbas. A região está definida no atual Plano Diretor como Área de Saneamento e Energia (ASE), mas a Prefeitu-ra já entrou com um pedido na Câmara Municipal para alterar a classificação para Área Resi-dencial Predominante (ARP-0) e aguarda a decisão do poder le-gislativo (veja box).

O lote pertencia inicialmen-

te à Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), com um total de 250 mil m2, onde planejavam construir uma lagoa de tratamento de esgoto. A idéia foi substituída pela instala-ção de uma estação de tratamen-to convencional, com emissário submarino de dejetos, que ne-cessita apenas de 50 mil m2 e já está em obras. A Casan cedeu 22 mil m2 à Prefeitura para a imple-mentação de habitações popula-res ao lado da estação.

Próximo passo

Para concluir a segunda etapa, que corresponde a 80% do pro-jeto, a Prefeitura enviou em ju-nho ao Ministério das Cidades a proposta de construção do com-plexo habitacional Recanto dos Ingleses e do Parque das Dunas na área onde atualmente se loca-liza a Vila Arvoredo. O município busca recursos do FNHIS para a execução das obras, avaliadas em R$ 8,5 milhões, R$ 500 mil para o Parque das Dunas e o restante para as moradias populares.

De acordo com o supervisor operacional da Gerência de Apoio ao Desenvolvimento Urbano da Caixa Econômica, Adilson de An-drade, o dinheiro da União vêm a fundo perdido, ou seja, a Pre-feitura não precisa devolver ao Governo. O município que recebe os recursos precisa dar uma con-trapartida no orçamento. A po-pulação paga no financiamento

do imóvel as verbas que saíram dos cofres municipais. O custo por família beneficiada chega a 38 mil, mas os moradores po-dem descontar as indenizações dos imóveis demolidos na Vila Arvoredo e financiar o restante em parcelas que não poderão su-perar 30% da renda familiar.

O caminho para o complexo habitacional sair do papel e se concretizar é longo. A Caixa exi-ge que os municípios cumpram uma série de requisitos antes de liberar os recursos para as obras (veja gráfico). Segundo Andrade, o banco tem consciência que a burocracia é grande, mas acredi-ta que ela vai diminuir à medida que os administradores forem mais disciplinados e a corrup-ção menor. “Hoje a burocracia está do tamanho que ela deve ser”, frisa.

E

DEFINIÇÕES DO ZONEAMENTO URBANO

ASE - Área de Saneamen-to e Energia: local defini-do no Plano Diretor para implementação de sistema de tratamento de esgoto.

ARP-O - Área Residencial Predominante: classifi-cação do Plano Diretor de região para construção de conjuntos habitacionais populares.

ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social: definida no Estatuto das Cidades, permitem a regularização de ocupações ilegais de po-pulações de baixa renda e a definição de áreas no Plano Diretor para habitação de interesse social.

Prefeitura planeja abrigar 168 famílias da Vila Arvoredo em 34 blocos residenciais

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ÃO E S

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ENTO

DO PROJETO AO TIJOLO

ARTE: DIRCEU GETÚLIO

EMENDAS SOLICITAÇÃO ANÁLISE APROVAÇÃO

FNHIS EDITAL PROPOSTAS SELEÇÃO

CAIXA

ECONÔMICAFEDERAL

CONTRATO LICITAÇÃO OBRASOFÍCIO PROJETO

Deputados federais e senadores propõem

emendas ao OGU para solicitar recursos com fi m

determinado

A Comissão de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização analisa os

pedidos

Se for aprovada, a CEF recebe um aviso de que há recursos para a execução de

projetos

O relator dá um parecer e os parla-mentares votam a

emenda

Ministério das Cidades abre seleção pública

para projetos com recursos do FNHIS

Prefeituras enviam propostas ao Ministério

das Cidades

Mnistério informa a CEF do resultado

da seleção

Ministério das Cidades seleciona os contemplados

CEF remete ofi cio às Prefeituras infor-mando da seleção

e solicitando documentos

Município elabora o projeto com todos os detalhes construtivos

Com o contrato as-sinado, o município pode licitar a obra

Se todos os docu-mentos estiverem

em dia, a CEF auto-riza a assinatura do

contrato

Se tudo estiver cor-reto, a execução da obra é autorizada

Caixa verifi ca se o objeto licitado

e orçamento con-ferem com o projeto

apresentado

Fonte: Supervisor operacional da Caixa Econômica Adilson de Andrade

RECANTO EM REAIS

Recursos• Emendas parlamentares: R$ 484 mil• FNHIS: R$ 8 milhõesCustos • Infra-estrutura: R$ 2,3 milhões• Preço por unidade: R$ 38 mil• Parque das Dunas: R$ 500 mil• Total: R$ 8,5 milhões

Os recursos para a execução de projetos habitacionais partem do Orçamento Geral da União e podem ser solicitados por emendas parlamentares ou através do Fundo Nacional de Habita-ção de Interesse Social. Até chegarem na Caixa Econômica, os processos para concorrer às

verbas são diferentes. Assim que o banco recebe as propostas, os procedimentos se igualam.

Page 9: TCC Chão de Areia

DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007 Política > 09DC Documento DC Documento

População e entidades questionam elaboração de proposta “às escondidas”

Após a notícia da elaboração do projeto de transferência dos moradores da Vila Ar voredo para o complexo habitacional Recanto dos Ingleses, entida-des comunitárias, população beneficiada e v izinha do as-sentamento se indignaram não pela proposta em si, mas pela forma como foi elaborada. Sem consultar nenhuma das partes, a Secretaria de Habitação e Sa-neamento definiu um projeto e enviou ao Ministério das Cida-des e à Caixa Econômica. En-quanto a Prefeitura alega que se baseou em discussões pré-existentes, há dúvidas se todas as necessidades das famílias fo-ram consideradas.

Segundo a presidente da As-sociação dos Moradores da Vila Arvoredo (Amovilar), Glauceli Branco, não houve contato da

Prefeitura para discutir especi-ficamente as características do projeto Recanto dos Ingleses com a comunidade. Os mora-dores do entorno da área pre-vista para as moradias popula-res, assim como os integrantes do Conselho Comunitário dos Ing leses, reclamam que não foram consultados na elabora-ção da proposta (veja pg 15). Eles foram conv idados para participar de uma reunião de apresentação da proposta uma semana antes do prazo final es-tabelecido pelo Ministério das Cidades para a emissão de pro-jetos financiados pelo Fundo Nacional de Habitação de Inte-resse Social (FNHIS).

Em duas audiências públicas realizadas na Câmara Munici-pal sobre moradia popular, o presidente da União Floriano-

politana de Entidades Comuni-tárias (Ufeco), Modesto Azeve-do, denunciou a irregularidade na elaboração do projeto. Para receber recursos do FNHIS os municípios devem assinar o Termo de Adesão do Ministério das Cidades, constituir um con-selho municipal para gerenciar o fundo e elaborar um Plano Local de Habitação de Interesse Social até do dia 31 de dezem-bro de 2008.

Florianópolis já assinou o Termo, mas não formou o con-selho. “Sem o órgão, a popula-ção não tem chance de opinar. O resultado são decisões de gabinete, sem conhecer as ne-cessidades das comunidades”, critica. O presidente da Ufeco teme que os moradores acei-tem as propostas por desespero provocado pela urgência da re-moção. “A impressão que tenho é que o poder público arrasta a solução até chegar no limite em que a comunidade concorde com qualquer proposta que eles oferecerem”, lamenta.

Apesar de não ter avaliado com detalhes o projeto do Re-canto dos Ingleses, Glauceli res-salta que a comunidade da Vila Arvoredo quer sair das dunas e que, a princípio, aceita a pro-posta de remoção para o terre-no que era da Casan. A maior re s t r i ç ã o d a pre s i d e nte d a Amovilar é quanto à situação dos carroceiros e catadores de

lixo nos apartamentos, pois eles precisam de pátio para traba-lhar com reciclagem. “Disseram que poderíamos mudar o proje-to, que era só uma proposta ini-cial para segurar os recursos”, lembra.

Não foi a informação trans-mit ida na audiência pública para esclarecimentos sobre os prog ramas habitacionais do Governo Federal, realizada dia 22 de junho. A gerente regional de negócios da Caixa Econô-mica, Alba Alves, ressaltou as dificuldades em alterar os pro-jetos emitidos pelas Prefeituras a esses programas. “Não é im-possível, mas muito difícil, pois precisa ser reavaliado pelo Mi-nistério das Cidades”, explicou.

O secretár io municipal de

Habitação e Saneamento, Átila Rocha, responde às críticas ao afirmar que as necessidades da população foram consideradas, pois a Prefeitura já se reuniu com os moradores em várias ocasiões e conhece os proble-mas da comunidade.

Ele just ifica a ausência de áreas de reciclagem pela proxi-midade do Recanto com o ter-reno do Sapiens Park, a cerca de 1 km, que já tem um projeto de implementação de uma estação de reciclagem e poderia ser uti-lizado pelos catadores residen-tes na vizinhança. Rocha define como utopia defender que a co-munidade participe da elabora-ção técnica do projeto de uma construção, pois, para ele, esse trabalho cabe aos engenheiros.

Escolha do terreno recebe críticasEnquanto a Prefeitura apresenta

os documentos à Caixa Econômica, as discussões sobre o formato e lo-calização do projeto Recanto dos In-gleses ganham força. Apesar de não ser classificado como APP, cerca de 11% do lote está definido no projeto como de preservação ambiental. A nascente do rio Capivari se localiza na região, onde existe uma pequena bacia hidrográfica em solo alaga-diço. A Prefeitura precisará investir R$2,3 milhões em infra-estrutura para os 34 blocos. A maior parte des-ses recursos será usada para aterrar o terreno em mais de um metro de profundidade.

O presidente da União Floriano-politana de Entidades Comunitárias (Ufeco), Modesto Azevedo, questiona se não seria mais interessante com-prar uma área mais adequada para a construção civil que investir milhões em aterros. O supervisor operacional da Gerência de Apoio ao Desenvolvi-

mento Urbano da Caixa Econômica, Adilson de Andrade, informa que a maioria dos programas federais de financiamento de habitações popu-lares não permite a aquisição de ter-renos e que as Prefeituras que qui-serem adquirir o imóvel precisam utilizar recursos municipais.

O secretário municipal de Habi-tação e Saneamento, Átila Rocha, acredita que isso seja inviável em Florianópolis pelo alto valor da terra. “Comprar um lote com infra-estrutura pronta para a construção no Norte da Ilha sai muito mais ca-ro que aterrar um terreno doado”, justifica.

O representante do Distrito dos Ingleses no Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo de Florianópo-lis, Paulo Spinelli, discorda. Ele fez um levantamento de dois terrenos à venda na área nobre do bairro que juntos somam 3.200 m2 a um preço de 670 mil. O tamanho representa

menos de 77% do espaço previsto no Recanto dos Ingleses para área construída, mas o preço do terreno custa apenas 29% dos gastos previs-tos com infra-estrutura pelo projeto da Prefeitura.

Spinelli critica o assentamento de todos os moradores da Vila Arvoredo em um único local e sugere a divisão da comunidade em grupos menores instalados em habitações populares reduzidas. Ele acredita que a simples remoção das famílias de cima das dunas para outra área não resolverá o problema social, já que a popula-ção carregará para onde for o estere-ótipo de “favelados” e um novo isola-mento será uma das conseqüências. “Se as pessoas forem divididas em grupos menores e a estrutura urba-na já existente for ampliada para re-cebê-los [refere-se a creches, escolas, praças] a convivência entre os no-vos vizinhos será inevitável e haverá uma inclusão social”, defende.

CONCORRÊNCIA INTERMUNICIPAL

Além de apresentar propostas, os municípios precisam convencer o Ministério das Cidades a fi nanciar seus projetos. O secretário da Habitação e Saneamento, Átila Rocha, explica que um dos quesitos avaliados é o custo por unidade, de modo que aqueles que benefi ciam a maior quantidade de pessoas ao menor preço unitário levam vantagem.Baseado nesse argumento, ele não acredita na aprovação de fi nanciamento para construção de habitações populares para gru-pos menores. “Já temos que concorrer com projetos de moradia para mais de mil famílias dos municípios de São Paulo ou do Nor-deste com custo unitário baixíssimo. Se diminuirmos ainda mais a população benefi ciada não teremos a menor chance”, conclui.Outro fator que coloca a capital catarinense em desvantagem na concessão de recursos para construção de casas populares é seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Com pontuação considerada alta, de 0,876, o município é o quarto melhor coloca-do, segundo entre as metrópoles e a primeira capital no ranking nacional de IDH.Para Rocha, existe um senso comum de que todas as pessoas que residem na Ilha têm qualidade de vida, independente da classe social. “Há um raciocínio equivocado de que até as favelas em Florianópolis possuem um melhor padrão urbano, mas favela é igual em qualquer lugar do país”, ressalta.Em 2005, a Secretaria de Habitação enviou dois projetos ao Mi-nistério das Cidades com propostas para a Vila Arvoredo, mas não foi contemplada. O primeiro buscava recursos para melhorias na própria comunidade, com loteamento, infra-estrutura, recuperação ambiental e criação de creches e área de lazer. O segundo previa a remoção das famílias para um terreno no bairro Rio Vermelho, onde seria construído um complexo habitacional para 150 famílias (veja pg 16). O secretário confi a que dessa vez vai ser diferente porque a Prefeitura já apresentou uma planta pronta para a execução, en-quanto das outras vezes era apenas uma proposta sem detalhes técnicos.

Projetado sem consultar as comunidades, Recanto dos Ingleses divide opiniões

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Recanto dos Ingleses

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u a ndo a c ar ro ç a f ic a che i a , é ho -ra de voltar para c a s a . C a t a d o r a de lixo reciclável, Ev a d e O l i v e i r a c o n d u z o c a v a -

lo pela Rua do Siri até a Vila Ar voredo. Os t rês cachor ros v ira-latas recepcionam a do-na e, sem querer, atrapalham o seu trabalho de descarregar a “cata” do dia. Garrafas PET, pedaços de papelão, lat inhas

e até um pouco de pasto, tu-do vai para o chão. Limitado pela cerca de madeira, o ca-valo defeca no próprio pátio. Para diminuir a quant idade d e b a r at a s e r atos at r a í dos p e l o s m at e r i a i s re c i c l á ve i s acumulados, a catadora pas-sa inseticida na areia. “É uma ativ idade boa, mas faz muita bagunça”, reclama.

A imagem não se resume ao qu i nt a l de Eva . Um ce n á r io de cont r ad i ç õ es pi nt a a Vi -

la Ar voredo, com a paisagem paradisíaca das dunas e uma re a l i d a d e d e m i s é r i a . S e m cond i ç õ e s s o c io e con ô m ic a s de m or ar e m u m lu g ar m e -l hor, 221 famíl ias erg ueram o u c o m p r a r a m s u a s c a s a s sobre a Área de Preser vação Pe r m a n e nt e d a s du n a s d o s Ingleses. Além da ilegalidade e fa lta de infra-estrutura do bairro, os moradores enfren-tam as dificuldades de convi-ver com a areia.

Quando sopra o vento Sul , os olhos se enchem de grãos e basta conversar alguns mi-nuto s n o s p á t i o s d a s c a s a s para que entrem na boca. Ca-da pessoa inventa formas de dr iblar os inconvenientes. A catadora Eva de Oliveira colo-cou cortinas nas paredes dos quartos para tentar evitar que a areia entre pelas frestas de madeira. “Nos dias que venta muito não coloco as panelas na mesa, cada um se serve no

fogão e fecha a tampa”, relata.Mais do que desagradável, o

contato direto com as dunas representa um risco aos mo-radores. Clarice Alonso nunca imag inou que as dunas che-gar iam até sua casa quando foi morar na Vila Arvoredo há s e i s a nos . E m nove mbro de 2006 precisou da intervenção da Prefeitura para transferir a famíl ia para outro imóvel . Em p é ssi mo est ado de con -ser vação, o teto estava pres-

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O dia-a-dia sobre a areiaMoradores enfrentam dificuldades tanto pela proximidade com as dunas quanto pelas precárias condições socioeconômicas

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DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007 Cotidiano > 10-11

O dia-a-dia sobre a areiaMoradores enfrentam dificuldades tanto pela proximidade com as dunas quanto pelas precárias condições socioeconômicas

t e s a d e s a b a r. O m o n t e d e areia distante a menos de três metros da parede dos fundos ameaçava soterrar o barraco e colocava em risco os mora-dores. “A areia vem por cima d a c as a , c a i na com id a e s e espalha por tudo”, reclama.

Retrato da ilegalidade

Com o ag ravante de se lo-calizar em terreno legalmen-te não edif icável e co exist ir

entre a areia, a Vila Arvoredo também enfrenta problemas comu ns a comu n i d ade s c a -re nte s , com o a f a l t a d e i n -fra-estrutura urbana. À noi-te apenas as luzes das casas clareiam as ruas. As travessas mal definidas entre as dunas não dispõem de ser v iços de i luminação pública ou pav i-mentação. Os lixeiros só pas-sam na pr imeira r ua a cada d o i s d i a s , a c u mu l a n d o e m um único logradouro sacolas com lixo de toda comunidade. Apenas os moradores dessa via têm endereço reconhecido pelos Cor reios e conseg uem realizar processos que exigem a apresentação de comprovan-te de residência, como a aber-tura de contas correntes.

Fios pretos de energia elé-trica cruzam o céu da comu-nidade e exibem instalações clandestinas que levam ener-g ia dos postes das r uas as-faltadas até as casas. Não há qualquer cuidado com a segu-rança das ligações e os incên-dios são freqüentes.

O s m o r a d o r e s d a s á r e a s mais próximas ao asfalto têm relógio instalado pela Compa-nhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), mas os que estão bem em cima das dunas precisam fazer gatos do encanamento de vizinhos para utilizar o serviço. É o caso de Simone Araújo, que paga R$ 10 por mês aos proprietários d e u m m e rc a d o d a c o m u n i d a d e para receber água at r av é s d e l i g a -ções clandestinas. Apesar da maio-ria da população ter água encana-d a , c landest i na -mente ou não, o a b a s t e c i m e n t o da Vila Ar voredo sofre inter-r upções no verão, quando o aumento do consumo deixa o líquido sem pressão para che-gar até a comunidade.

O promotor de Ju st i ç a do Ministér io Públ ico, A lexan-dre Herculano, explica que a i l e g a l i d ade d a s re s i d ê n c i a s construídas em APP não per-mite a concessão de ser viços como água e luz. Ele ressalta que em casos como o da Vila A r vore do, em que a o c up a -ção já se consolidou e impli-ca em um problema social, o for ne c i mento de á g u a p o de ser nego ciado ent re as con-cessionárias e os moradores, mas a proibição para as novas construções deve ser rigorosa. “Proibir a instalação de água e luz é uma maneira de evitar novas invasões”, defende.

Assim como o abastecimen-to de á g u a e lu z , o s i ste m a utilizado para eliminar o es-goto está longe do ideal. Como o bairro Ingleses não tem rede de esgoto concluída, a popula-ção precisa encontrar opções para eliminar os dejetos líqui-

dos das residências. Na Vi la Ar voredo, os moradores im-provisaram fossas sanitárias com cubas de caixa d’água ou geladeiras velhas enterradas em buracos na areia. Além de não ser a melhor solução de saneamento, a falta de conhe-cimento técnico na constru-ção das fossas gera problemas estruturais.

Foi o que aconteceu na casa de Simone. A fossa f ica exa-tamente embaixo do assoalho do quar to do casa l , exa lan-do um odor desagradável no cômodo. “Eu sempre deixo a casa aberta para arejar bem, mas quando chove o cheiro é insuportável e nós temos que dormir na sala”, reclama. Com o tempo, a fossa de algumas residências enche, transborda e espalha o esgoto pela areia. Na moradia de Eva, por exem-plo, a fossa const r uída com uma geladeira velha transbor-da nos dias de chuva e trans-forma a areia em banhado de esgoto. “Meu marido dá uma m e x i d a p a r a te nt a r f a z e r o esgoto descer, mas resolve só por um tempo”, comenta a ca-tadora de papel.

O s p r o b l e m a s d a s c o n s -tr uções da Vi la Ar voredo se mult ipl icam. São paredes de m a d e i r a pront a s p a r a c a i r, famílias apertadas em peque-n o s c ô m o d o s s e d e nt a s p or ampliar a casa e até barracos mal estruturados incl inados

para um só lado. Com a i nter ven-ção da Prefeitura de Flor ianópol is em 2005, os mo-r a d o r e s f o r a m proibidos de ven-de r ou refor m ar o s i m ó v e i s . E m dois anos, novas necessidades sur-

giram que vão da construção de um banheiro, um novo cô-modo e até um celeiro para o cavalo.

Mesmo com a proibição do poder público, a catadora de lixo Eva de Oliveira começou a recolher madeira nas ruas pa-ra levantar o celeiro. Ela sente remorso em deixar o cavalo ao relento, principalmente nos dias de chuva, e se incomoda com a sujeira que ele faz no quintal. Eva também reclama da areia dentro de casa e dos estragos provocados nos ele-trodomésticos. “Você compra alguma coisa nova e daqui a uns dias não presta. A areia come tudo”, queixa-se. A au-sência de respostas por parte da Prefeitura, que por um la-do proíbe a venda e reforma dos imóveis, mas também não aponta soluções concretas pa-ra os moradores saírem das dunas, af l ige os moradores . “Eu até podia ter um banheiro melhor, mas não tenho vonta-de de fazer nada porque vivem dizendo que vão tirar a gente daqui”, desabafa.

"Nos dias que venta muito não coloco as

panelas na mesa"M

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População aguarda projeto da Prefeitura para mudar de vida

A Prefeitura começou a se mo-bilizar no sentido de conter novas invasões a partir da audiência pú-blica realizada na Câmara Muni-cipal de Florianópolis para discu-tir a questão da habitação da Vila Arvoredo, em dezembro de 2004. Todas as casas foram cadastradas, numeradas, fotografas e avaliadas em 2005 pela Secretaria de Habi-tação e Saneamento e os proprie-tários foram proibidos de vender, construir ou ampliar os imóveis. A promessa é retirar os morado-res das dunas, mas como, quan-do e para onde eles serão levados ainda está indefinido.

Ao caminhar pelo bairro, é possível perceber um esvazia-mento progressivo provocado pela política de indenizações da Prefeitura (veja pg 05). Casas de-sapareceram. Restos de telhas, madeiras ou concreto viram en-tulho espalhado nos mesmos terrenos onde um dia seguraram construções. Quem não foi embo-ra, um dia vai. Pensando nisso, a proprietária do Mercado Paulista, Valquíria Barone, quer negociar com a Prefeitura o pagamento da indenização do estabelecimento comercial e de dois imóveis alu-gados na Vila Arvoredo.

As doenças do filho provocadas pela areia contaminada e a que-da nos rendimentos do mercado motivam a empresária a pegar a indenização do imóvel e voltar para São Paulo. Segundo Valquí-ria, as vendas caíram 70% em um ano com a saída dos moradores indenizados e a abertura de mais um estabelecimento comercial na comunidade, totalizando quatro mercados para a área. “Aprendi muita coisa aqui, mas quero um lugar melhor para meus filhos”, justifica-se.

Histórias repetidas

A esperança de uma vida me-lhor é um sentimento forte na Vila Arvoredo. Os nomes mudam, mas as histórias se repetem. Cer-

ca de 85% dos moradores não são naturais de Florianópolis e se mudaram para o município em busca de melhores empregos e qualidade de vida. Sem condições de suportar os alugueis do Norte da Ilha, as famílias construíram ou compraram barracos sobre a areia. Boa parte da população tem parentes na vizinhança, irmãos, filhos, sogros e tios, cada um pu-xou o outro para a comunidade até chegar a 779 pessoas em 2005, conforme o levantamento socioe-conômico da Secretaria Munici-pal de Habitação e Saneamento.

Tanto por sua história de vida quanto pela condição socioeco-nômica, a catadora de papel Eva de Oliveira representa o perfil dos moradores da Vila Arvoredo. Natural de Coronel Vivida (PR), mudou-se para Florianópolis em 1994 à procura de uma vida nova e se estabeleceu na casa da irmã, residente na comunidade. Com-prou um imóvel em construção e concluiu a obra com as próprias mãos. Sem contrato ou documen-to, o negócio foi feito de boca. “Ele me deixou pagar parcelado, acho que já estava interessado na minha filha”, brincou Eva, que hoje é sogra do homem de quem comprou o terreno. Das 221 ca-sas da região, 65% são próprias, enquanto 13% são classificadas como invadidas, pois os atuais proprietários construíram sem comprar o terreno.

Eva chegou na comunidade com os dez filhos e o companhei-ro, mas se separou e anos depois passou a viver com um vizinho. Ao todo, já morou em quatro ca-sas na Vila, uma com cada ma-rido, uma enquanto estava di-vorciada e outra que precisou abandonar antes que fosse soter-rada pelas dunas. Na região, os relacionamentos entre vizinhos são comuns, principalmente em uniões estáveis, que representam o estado civil de 41% das famílias contra 28% de casados e 16% de divorciados.

PERFIL DOS MORADORES

• 82% das famílias têm renda média de até três salários mínimos• 80% delas não recebem benefícios dos programas sociais• 53% têm menos de 24 anos• 85% não são naturais de Florianópolis• 82% dos chefes de famílias cursaram apenas o ensino fundamental• 5% deles são analfabetos

Fonte: Secretaria de Habitação e Saneamento

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INFRA-ESTRUTURA IMPROVISADA

Água: Alguns moradores têm relógio instalado pela Casan, enquanto outros ligam canos clandestinos para abastecer as casas com água. Sem pressão, há interrupções freqüentes no fornecimento durante o verão.

Luz: A maioria dos moradores fez gatos dos fios dos postes de iluminação pública e recebem energia elétrica da Celesc clandestinamente. As ligações são mal feitas e em altura insuficiente, aumentando o risco de curto circuito.

Esgoto: A rede de esgoto dos Ingleses não foi concluída. Os moradores da Vila Ar-voredo fazem buracos na areia e colocam geladeiras velhas ou cubas de caixa d’água para improvisar fossas sanitárias. A solução é de curto prazo, já que muitas fossas transbor-dam e derramam o esgoto na areia.

Lixo: O caminhão de coleta de lixo passa a cada dois dias apenas na Rua Floresta, a mais próxima do asfalto. O lixo de todos os moradores se acumula nessa rua para ser

coletado. Não há cestas de lixo e restos de materiais sujam as ruas.

Ruas: Sem asfalto, as travessas se definem entre as dunas. Estreitas e cheias de areia, impedem a circulação de veículos. A exceção é a Rua Floresta, que tem menos areia espalhada e permite a passagem de carros.

Endereço: O nome das servidões está pintado nos muros de esquina, mas elas não são reconhecidas no sistema viário de Florianópolis. Os moradores não têm endereço residencial oficial, o que dificulta os procedimentos que exigem compro-vante de residência. O carteiro deixa as correspondências na casa de algumas pessoas para que elas distribuam entre os vizinhos.

Vanusa encara o assassinato dos antigos moradores como exemplo aos filhos para não se envolverem com drogas

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Criminalidade motiva famílias a sair da Vila Arvoredo

A catadora de lixo Eva de Olivei-ra entrou em desespero e chegou a preencher o cadastro para receber a indenização da Prefeitura e sair da comunidade após o assassi-nato de seus dois sobrinhos. Eles moravam em frente à sua casa e foram executados no dia 2 de no-vembro de 2004.

Seis homens encapuzados inva-diram o barraco onde os irmãos de 16 e 20 anos ofereciam uma festa para mais oito pessoas e os mataram com tiros na cabeça na frente dos convidados. A polícia acredita que o motivo do crime seja acerto de contas ligado ao tráfico de armas e drogas. “Eles estavam errados, mas não justifica o que aconteceu. Eram meus sobri-nhos e eu os ama-va”, lamenta.

Na hora do as-sassinato, Eva es-tava dormindo e não escutou os tiros. Soube da tragédia quando a sobrinha lhe pediu socorro aos prantos, já que a mãe das vítimas não estava em casa. “Os dois estavam caídos de mãos pegadas”, relembra. Após o homicídio, Eva ficou um tempo na casa de uma filha que mora fo-ra da comunidade com medo que os bandidos voltassem. “Disseram que eles queriam terminar com a família toda”, justifica.

A dor da perda dos sobrinhos

atingiu a catadora de lixo, mas quando percebeu que não conse-guiria comprar outro imóvel no município de Coronel Vivida (PR) com os R$ 5.400 oferecidos pela Prefeitura, voltou atrás. “Eu tava de cabeça quente e com depres-são, depois pensei melhor e vi que era a decisão errada”, avalia. A mãe e os irmãos das vítimas não mudaram de idéia e saíram da Vi-la Arvoredo há dois anos.

Hoje quem mora na casa é a família de Vanusa Araújo, que vê a tragédia como um exemplo pa-ra os jovens não se envolverem com drogas. “Um exemplo ruim, mas as pessoas que não usam

drogas podem pensar ‘eu não quero isso pra mim’”, explica. Mãe de uma adolescente de 14 anos, a dona de casa acredita que um dos desafios das mu-lheres na comunidade é evitar que os filhos

entrem para o mundo do vício e tráfico.

O conflito entre a polícia e os traficantes também atinge os ino-centes. Durante as últimas sema-nas de maio, um clima de insegu-rança se estabeleceu na Vila Arvo-redo pela investigação da PM de tráfico de drogas na região. Dois policiais foram baleados na troca de tiros entre dois grupos estendi-da por oito dias. Os moradores re-clamaram que os interrogatórios e

as revistas das casas de pessoas não rela-cionadas ao tráfico foram realizados de forma autoritária.

Até o dia 1 de junho de 2007, a PM atendeu a 2211 ocorrências nos In-gleses relacionadas à criminalidade ou a acidentes de trânsi-to. Não há dados es-pecíficos sobre a Vila Arvoredo, mas os plantonistas do Pos-to da Polícia Militar nos Ingleses consi-deram “alta” a inci-dência de registros envolvendo os moradores da área.

Apesar dos indícios da existên-cia de bocas de fumo, a popula-ção defende que a comunidade é tranqüila. “Aqui não tem bandido como eles falam”, frisa Glauceli Branco, presidente da Associação dos Moradores da Vila Arvoredo. Para a moradora Simone Araújo, todos pagam o preço dos atos de poucos. A empregada domésti-ca se queixa do preconceito das pessoas de outros bairros contra a população local, principalmen-te na hora de contratar funcioná-rios. Quando descobrem que você mora na Favela do Siri não pegam pra trabalhar. Acham que todo mundo que mora aqui é ruim”, lamenta.

O desafio das mães é evitar que os

filhos entrem para o tráfico

de iluminação pública e recebem energia

não foi concluída. Os moradores da Vila Ar-

Lixo:

Após o homicídio dos sobrinhos, Eva pensou em sair da Vila Arvoredo com medo da criminalidade

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Quando sopra o vento Sul, Vanusa Araújo tira o aparelho de inalação do armário e coloca na sala. Morado-ra da Vila Arvoredo há quatro anos, ela já sabe que os filhos Marciane, 7 anos, e José, 1 ano e dois meses, vão ter crises de bronquite provocadas pela grande quantidade de grãos de areia em suspensão. A dona-de-ca-sa não é a única a se preocupar. O relatório da Unidade Local de Saú-de (ULS) dos Ingleses apontou que dentre as seis doenças mais inci-dentes na comunidade, a bronquite é responsável por 51% dos casos, atingindo 19 famílias das 37 que re-lataram problemas de saúde.

O médico da família que atende na Unidade, Luis Fabiano Ramos, explica que a maioria dos pacientes com problemas respiratórios sofre de bronquite asmática, enquanto algu-mas pessoas, principalmente idosos, podem desenvolver bronquite crôni-ca. É o caso de Tereza Rodrigues da Silva, 61 anos, que sente dificuldades de respirar quando ataca a doença. “Os médicos dizem que esse pó de areia não é saúde para a gente, mas fazer o quê? Pobre é assim! A única opção é ficar aqui comendo areia”, la-menta com sua voz rouca.

Parasitas

As doenças respiratórias não são as únicas. O bando de cães mal cuidados faz da Vila Arvoredo foco de prolifera-ção de bicho-de-pé. Os males são tão comuns que é muito difícil encontrar moradores que nunca retiraram um parasita dos dedos. Há dois anos na ULS dos Ingleses, Ramos relata casos de pacientes com mais de 80 bichos-de-pé. “As pessoas não precisavam fi-car daquele jeito, mas elas não se tra-tam e deixam acumular larvas”, frisa.

Leonardo dos Santos, de 14 anos, precisou passar seis meses na casa de parentes em São Paulo para tratar as feridas. Apesar de não residir na Vila Arvoredo, o estudante passa o dia na

comunidade onde seus pais abriram um pequeno mercado há cinco anos e sofre com os sintomas de bicho geográfico. Com dificuldades para se curar definitivamente, Leonardo reclama de dores e coceiras geradas pelo movimento da larva sob a pele. Sua mãe, Valquíria Barone, solicitou à Prefeitura o pagamento de indeni-zação pelo imóvel após ser advertida pelos médicos de que precisava reti-rar o filho da comunidade para evitar novas contaminações de parasitas e completar o tratamento.

Para o chefe do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, Alcides da Silva, a facilidade de contrair in-fecções pode tornar o bicho-de-pé e o geográfico portas de entrada para outras doenças, como úlce-ra ou tétano. No primeiro caso, ele recomenda que o parasita seja re-tirado por médicos com material esterilizado e que os pacientes sejam vacinados contra o tétano antes de rea-lizar o procedimento. Já para o bicho geo-gráfico, Silva atenta para a higiene das unhas dos pacientes ao coçar as feridas, além da necessidade de procurar tratamento médico.

O médico Luis Fabiano Ramos defende o uso de calçados na comu-nidade e o controle da população de cães para evitar as doenças. Ele con-dena a prática adotada por alguns moradores da Vila Arvoredo de este-rilizar o solo para matar os parasitas. “Não tem como passar veneno na areia, porque as partículas voam. Se as pessoas respirarem os inseticidas podem até morrer”, alerta.

O lixo acumulado nos quintais e a precariedade das fossas sanitárias também podem desencadear proble-mas de saúde. Micoses diversas e to-das as doenças com transmissão de

origem intestinal, como hepatite e fe-bre tifóide, podem ser contraídas pela população através da contaminação da areia com o esgoto. Os relatos de fossas sanitárias que transbordam e até mesmo de moradores que jogam baldes com dejetos diretamente no solo evidenciam o risco para a saúde.

Dificuldade de acompanhamento

Apesar de ser o segundo bairro mais populoso de Florianópolis, In-gleses não tem hospital. Na Unidade Local de Saúde, apenas três médicos se desdobram para atender a popu-lação de 19 mil habitantes. Ramos calcula que a ULS abrange uma área de mais de 30 mil pessoas, já que também recebe pacientes dos bair-ros vizinhos. A carência de profissio-nais e a demanda por atendimento dificultam que os médicos vão até as comunidades carentes, como a Vila

Arvoredo. O coordenador do

Comitê Gestor de Saú-de de Florianópolis, Valdir Ferreira, explica que o quadro de mé-dicos nos Ingleses es-tava defasado em fun-ção do afastamento de dois profissionais, um

para assumir a coordenação da Uni-dade e o outro em férias. Ele insiste que o centro de saúde do bairro é exemplo de qualidade em Florianó-polis, pois está dentro dos parâme-tros ideais para atendimento médico. Apesar da complexidade em definir um padrão rígido para determinar a proporção ideal de médicos por ha-bitantes pelas diferentes necessidades regionais, a OMS recomenda que os países da América Latina busquem atender a população com 8 médicos

para cada 10 mil pessoas. O agendamento de consultas só

pode ser feito nas sextas-feiras, quan-do a fila evidencia as limitações do posto médico. Vanusa Araújo sai de casa às 3h da madrugada para pegar uma senha e marcar uma consul-ta para o filho. “Se você chegar lá às 6h da manhã, não consegue senha e tem que tentar de novo na semana que vem”, queixa-se. A dona-de-casa também reclama da falta de especia-listas na ULS. O filho de 1 ano e dois meses faz tratamento para bronquite desde que nasceu, mas há quase um ano aguarda o retorno da solicitação de consulta com um especialista em alergias.

Ferreira explica que o atendimento de especialistas compete ao Estado. Os médicos da família municipais encaminham os pacientes à Cen-tral de Marcação de Consultas para agendarem o atendimento no SUS. O coordenador do Comitê Gestor de Saúde informou que o Município es-tá negociando com o Ministério da Saúde para assumir até o final do ano a assistência médica para doenças de média e alta complexidade, além da saúde básica.

Tratamento não continuado

Se a pequena quantidade de mé-dicos impede que eles saiam da Uni-

dade, a distância em relação à Vila é um empecilho para os moradores buscarem o serviço de saúde. Se-gundo Ramos, a população procura com mais freqüência o Pronto Aten-dimento, localizado a cerca de 1 km da comunidade, que atende apenas emergências. “O PA não oferece um tratamento continuado e na Unidade de Saúde temos que atender toda po-pulação dos Ingleses com apenas três médicos. Ficamos sem estrutura para dar atenção à área de risco do bairro”, conclui.

Esses problemas de infra-estrutura da ULS complicam o diagnóstico e tratamento adequado da população. O cadastro dos pacientes da Vila Ar-voredo está incompleto, dificultando ao médico da família detectar pesso-as que precisam consultar e planejar ações de atendimento. No último relatório de saúde, nove gestantes foram cadastradas, 30% delas com menos de 19 anos. Os dados também apontaram a existência de quatro so-ropositivos em 2005, um número alto para uma comunidade de 779 ha-bitantes enquanto a média de Santa Catarina no mesmo ano foi de 12,7 infectados para cada 100 mil pessoas. Sem acompanhamento continuado, os médicos não têm controle se as gestantes estão fazendo o pré-natal ou se os pacientes soropositivos estão tomando o coquetel anti-Aids.

Areia e falta de saneamento afetam saúde dos moradores

As larvas de bicho geográfico percorrem a pele, provocando coceira e feridas

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"Já atendi pacientes com mais de 80bichos-de-pé"

ANIMAIS VADIOS, DOENÇAS NA PELE

Doutor em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP), o professor de Medicina da Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Alcides da Silva, explica que o bicho-de-pé é provocado por uma espécie de pulga, a tunga penetrans, de cerca de 1 milímetro de comprimento. Apesar de ser pa-rasita dos cães, o inseto pode viver até dois anos na areia sem se alimentar. A fêmea grávida se nutre de sangue para amadurecer seus ovos e procura um ambiente para se alojar. Entre sete e dez dias a pulga expele até 200 ovos no hospedeiro, que crescem, se reproduzem e reiniciam o ciclo.

Além das pulgas que se criam nos pêlos, cães e gatos não vacinados também hospedam parasitas no intestino. De acordo com o professor, as fezes dos animais contêm ovos do ancylostoma braziliense que, em contato com umidade e calor, se transformam em larvas à espera de um hospedeiro. Quando as pessoas pisam em locais infectados, os microorganismos perfuram a pele, entram no corpo huma-no, mas não conseguem atravessar as camadas mais espessas para chegar ao intestino. O parasita começa a se movimentar ao acaso, provocando coceira e lesões avermelhadas na pele, sintomas da doença popularmente chamada de bicho geográfi co.

A família de Leonardo quer voltar para SP para ele se curar de bicho geográfico

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Fenômenos naturais colocam moradores em riscoMais de um ano depois que o

último temporal devastou a Vi-la Arvoredo, as marcas perma-necem. A cada nuvem escura ou trovoada, a população teme as-sistir a uma nova tragédia. Por mais que o tempo passe, o rela-to de barracos destelhados e fa-mílias desabrigadas ainda cho-ca e pressiona o poder público para solucionar o problema de moradia.

Com o apoio dos moradores, a União Flor ianopolitana de Entidades Comunitárias (Ufe-co) usou o risco iminente de destruição das casas por ven-

davais como argumento para pedir a remoção provisória das pessoas para imóveis locados, na audiência pública realizada na Câmara Municipal no dia 18 de maio.

O secretário da Defesa Civil de Florianópolis, Francisco Car-doso, afirma que não há como prever se ciclones ou tornados vão atingir novamente a região, mas, se isso acontecer, dificil-mente a comunidade sairá ilesa. “As dunas são uma área de ris-co para a habitação, pois é um descampado onde só há areia e quando ocorrem temporais,

o vento chega com força total”, explica.

Devastação

Em 23 de marco de 2006, dez se-gundos bastaram para o tornado destruir completamente 21 das 80 casas atingidas na Vila Arvoredo. No dia em que Florianópolis comple-tava 280 anos, os moradores viram telhas voarem, paredes caírem, tetos desabarem e vizinhos perderem o pouco que tinham, levado pelo ven-to ou molhado na chuva. Sem vege-tação para segurar a ventania que passou de 170 Km/h, os barracos construídos com madeiras reapro-veitadas estavam completamente vulneráveis sobre as dunas.

A chuva forte alagou o chão e o telhado voou na casa onde Deisiane dos Santos e Émerson André mo-raram até março do ano passado. No escuro e com medo que o teto desabasse sobre suas cabeças, o ca-sal tentava desesperadamente abrir a porta emperrada. Aos 17 anos, o chefe de família derrubou a porta com um chute e levou a esposa de 15 anos, grávida de 2 meses, para a casa da sua mãe. “Eu estava de-sesperada, achei até que ia perder o bebê”, lembra a adolescente, que até hoje teme ventanias.

Ninguém se machucou, mas as perdas materiais foram significati-vas. Com o teto e as paredes destru-ídos, a casa se desmanchou. O casal não encontrou nenhuma peça de roupa sua ou do bebê, o colchão foi carregado pelo vento e os móveis e eletrodomésticos se transformaram em entulho. Sem alternativas, preci-saram ficar alojados no Centro Co-munitário Madre Tereza de Calcutá junto com outras 40 famílias.

A Prefeitura decretou situação de emergência no distrito dos Ingleses e a destruição das casas trouxe à fa-vela o prefeito Dário Berger, a Defe-sa Civil, a Secretaria de Habitação e Saneamento, o Corpo de Bombeiros

e a imprensa. O problema da habita-ção que a comunidade convive dia a dia desde sua formação na década de 80 veio à tona para a sociedade catarinense com a tragédia.

O dia seguinte

Quando o secretário da Defesa Ci-vil de Florianópolis, Francisco Car-doso, chegou ao local atingido pelo tornado no dia 23 de março encon-trou um cenário de desespero e des-truição. Casas destelhadas, popula-ção apavorada e uma comunidade no escuro pela ruptura das ligações de energia elétrica. Cardoso ressalta que em situações como essa é preci-so tomar decisões emergenciais pa-ra preservar a vida das pessoas. “As famílias não queriam permanecer nas casas e eu só tinha o Centro Co-munitário para alojá-las”, lembra.

No dia seguinte ao fenômeno, moradores, voluntários e bombei-ros formaram um mutirão para reconstruir as casas. O Prefeito de Florianópolis, Dário Berger, visitou a comunidade e se comprometeu a ajudar os desabrigados. A Prefeitura distribuiu cerca de duas mil telhas, lonas e descarregou um caminhão cheio de madeira para as reformas,

além de ajudar as pessoas alojadas no Centro Comunitário com a doa-ção de alimentos, fraldas e colchões. Os assistentes sociais do município montaram um espaço provisório ao lado do Posto Policial dos Ingle-ses, no qual cadastraram cerca de 70 famílias que desejavam receber a indenização do imóvel e sair da região.

Apesar da estratégia de assistên-cia social da Prefeitura, nem todos os moradores foram contemplados. Deisiane e Everton foram os últimos a desocupar o Centro Comunitário, no qual permaneceram por quase um mês. Segundo ela, a casa onde moravam foi completamente des-truída e a Prefeitura não prestou assistência a eles sob a justificativa de que os pais do rapaz possuíam imóveis alugados na comunidade e poderiam cedê-los ao filho e à nora.

Com apenas cinco meses de casa-dos na época, o casal ficou sem ter para onde ir após o tornado. “Era fi-nal do mês e não tínhamos dinheiro guardado. A gente estava num mato sem cachorro”, lembrou Deisiane. Após morarem cinco meses com a mãe da moça, os jovens se muda-ram para o segundo andar de um sobrado do pai do rapaz.

O teto caiu e as paredes voaram, mas a recomendação da Defesa Civil é ficar em casa

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PERIGO IMINENTE

Não foi a primeira vez que um fenômeno natural devastou a Vila Arvoredo. Na madrugada entre os dias 9 e 10 de agosto de 2005, um ciclone extratropical passou em Florianópolis e deixou dezenas de pessoas desabrigadas na comunidade. Para a ex-moradora Elisa Tavares o ciclone foi a gota d’água para ir embora do município.Naquela noite, a auxiliar de cozinha estava em casa com o marido e as duas fi lhas quando começou o temporal. O vento empurrou a areia para cima do telhado e a chuva molhou os grãos, deixando-os pesados, até que o teto desabou. A família conseguiu sair a tempo, mas uma das vigas de madeira acertou e quebrou o braço da caçula, com menos de dois anos na época. “Quando vim morar na Vila, achava as dunas muito bonitas. Mas logo vi que essa areia causa destruição”, lamenta.O procedimento da Defesa Civil é informar as populações da ocorrência de temporais a partir da previsão dos meteorologistas da Epagri. Como os tornados se formam rapidamente, são difíceis de prever mesmo com alta tecnologia e muitas vezes pegam as pessoas desprevenidas.Para incidentes como ciclones ou tornados a orientação é não sair de casa e se abrigar na menor peça, geralmente o banheiro. A justifi cativa é o risco de ser atingido por objetos derrubados pelo vento, como placas, postes, telhas e até fi os de alta tensão. Na Vila Arvoredo, fi ca difícil saber como reagir quando o telhado desaba na sua cabeça. Literalmente.

Em dez segundos o tornado devastou a comunidade com ventos de 170 Km/h no dia 23 de março

Das 80 casas atingidas na Vila Arvoredo, 21 foram totalmente destruídas

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DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007 Exclusão > 15DC Documento DC Documento

esidente no Sítio do Capivari, nos Ingle-ses, há 7 anos, Car-los Santos levou um susto quando soube da existência de uma

proposta da Prefeitura para abrigar 168 famílias da Vila Arvoredo em um terreno próximo a sua casa. Contrário à construção do comple-xo habitacional, o morador defende que a área não seja ocupada, pois forma uma bacia hidrográfica e a nascente do rio Capivari. Apesar de afirmar que a rejeição ao proje-to não é preconceito à comunidade da Vila Arvoredo, ele admite que os vizinhos estão preocupados com a criminalidade.

Santos conta que apenas na meta-de de junho os moradores ouviram boatos de que a Prefeitura planeja remover as famílias da Vila Arvo-redo para a localidade. Assim que souberam dessa possibilidade, um grupo procurou as secretarias mu-nicipais, os órgãos ambientais e a Câmara Municipal para obter infor-mações consistentes. Ele relata que apenas a Secretaria de Habitação e Saneamento passou mais detalhes e explicou a planta arquitetônica, mas não divulgou os documentos. “Nin-guém nos mostrou os papéis assi-nados com autorização do projeto”, queixa-se.

Impacto ambiental

A elaboração do projeto sem o conhecimento da população local não é o que mais irrita Américo Nunes, morador desde 1992. Ele cobra dos órgãos ambientais co-mo a área não está definida como de preservação no Plano Diretor, já que abriga a nascente do rio Ca-pivari. “Onde está a lei ambiental? Não é possível permitir que se des-trua uma reserva ecológica que es-

coa água”, indigna-se.Localizado no pé de um morro, o

terreno recebe as águas que escor-rem das partes altas. O banhado e as margens do rio se confundem. Ape-nas uma faixa de vegetação mais escura identifica o curso do córrego. De acordo com Santos, nos dias de chuva não tem como caminhar na região sem afundar, em alguns tre-chos, até a cintura.

O secretário da Habitação e Sane-amento não aceita os questionamen-tos sobre a degradação ambiental e acredita que ele não é o real motivo para a rejeição do projeto. “As pes-soas que colocam essas críticas mo-ram no terreno ao lado da área que dizem ser de preservação”, ironiza.

Outros motivos

A moradora Ângela Militino res-salta que a comunidade não tem na-da contra a população da Vila Arvo-redo, mas sim a ocupação do terre-no. Além do impacto ambiental, ela cita as deficiências de infra-estru-tura que vão ser conseqüências do assentamento de novas famílias na área. “As autoridades sempre dizem que vão dar assistência, mas depois abandonam o bairro e os problemas ficam aqui”, teme.

Embora a criminalidade não se-ja o argumento para a mobilização contrária ao projeto Recanto dos Ingleses, Ângela diz que é hipocrisia afirmar que a população do Capivari não se preocupa com a procedência dos novos vizinhos. “Sabemos que eles têm um histórico de criminali-dade e uma relação ruim com a po-lícia, que acaba agindo de maneira ríspida com todos os moradores dos arredores”, explica. Ela ressalta que nem todas as pessoas da Vila Ar-voredo praticam delitos, mas uma minoria que acaba prejudicando co-munidade inteira.

Eles não querem

Carlos Santos mostra o banhado e o rio Capivari no terreno onde a Prefeitura planeja construir o Recanto dos Ingleses

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População do entorno se mobiliza contra o projeto Recanto dos Ingleses

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Ângela admite receio com a segurança do bairro após a construção do Recanto

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O principal motivo de atra-so da remoção das famílias da Vila Arvoredo é o preconceito social. Essa é a opinião do se-cretário municipal de Habita-ção e Saneamento, Átila Rocha, que comparou a construção de moradias populares para co-munidades de baixa renda com a instalação de estações de tra-tamento de esgoto ou lixões. “A Vila Arvoredo está entre os problemas urbanos de Floria-nópolis que todos querem uma solução, mas ning uém quer que seja per to da sua casa”, critica.

A atual política de gestão do

município para as famílias de baixa renda é cr iar assenta-mentos na própria localidade em vez de remover os morado-res para regiões mais distantes. Com isso, o secretário acredita que diminui o impacto da mu-dança e aumenta as chances de permanência na área, já que os empregos e as ligações sociais s e m ant ê m os mesmos . E le também justifica a decisão por uma questão de just iça com a comunidade do entorno. “A Vila Arvoredo é um problema social que já existe nos Ingle-ses, tanto que é politicamente questionável transferi-la para

outro bairro”, salienta.A Prefeitura já apresentou

propostas de remoção para os bairros Rio Vermelho e Vargem Grande, nos quais as associa-ções dos moradores se mobili-zaram e conseguiram impedir a criação de complexos habi-tacionais. O secretário já sabe da rejeição da comunidade do entorno da área prevista para a construção do projeto Recanto dos Ingleses e adianta que vai ser diferente. “A idéia é enfren-tar a rejeição e todo o desgas-te polít ico decorrente com a consciência de que não existe alternativa melhor”, avisa.

Solução longe de casaA comunidade do Sítio do Capivari segue o exemplo do Rio Vermelho e Vargem Grande e se mobiliza contra o projeto habitacional

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O embargo da obra do Costão Golf e o pagamento de propina para a concessão de licenças am-bientais, revelado pela Polícia Fe-deral na Operação Moeda Verde, trouxe conseqüências políticas para a Vila Arvoredo. Conhecida popularmente por Favela do Siri, a comunidade foi citada como exemplo negativo das restrições da legislação ambiental para os empreendimentos por empresá-rios e políticos, inclusive o go-vernador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira.

Não é a primeira vez que o campo de golf e a favela entram em pauta ao mesmo tempo. Em 2005 o jornal O Bairro, do Rio Vermelho, comparava as duas realidades ao se posicionar con-trário ao assentamento dos mo-radores da Vila Arvoredo na re-gião e favorável à construção do empreendimento.

Uma das reportagens que mais causou polêmica foi publicada na coluna de Cacá Minéia, na edição de abril de 2005. O texto foi considerado preconceituoso e provocou a revolta dos morado-res da Vila Arvoredo, relatada no

dossiê da Secretaria de Habita-ção e Saneamento sobre a comu-nidade.

Responsável pela coluna, Ma-ria Aparecida Nery defende que apenas publicou a opinião dos moradores do Rio Vermelho. A população votou por unanimi-dade pela rejeição ao projeto de criação de habitações populares direcionado às famílias da Vila Arvoredo no bairro, na assem-bléia da Associação dos Mora-dores do Rio Vermelho (Amorv), dia 19 de março de 2005.

O presidente da Amorv na épo-ca, César Schenini, disse que o motivo da rejeição do projeto foi a carência de infra-estrutura do Rio Vermelho. Ele cita o exem-plo da falta de vagas nas escolas públicas para os estudantes resi-dentes na região. Schenini alega que o bairro suporta cerca de 8 mil pessoas, mas calcula que o número de habitantes já atingiu o dobro.

O Bairro e Amorv

Mesmo contrário à proposta de assentamento dos moradores da

Vila Arvoredo no Rio Vermelho, discutida em 2005, o ex-presi-dente da Amorv critica a manei-ra como o O Bairro tratou a ou-tra comunidade e os movimentos sociais no artigo. Para Schenini, o jornal começou a “bater” na Favela do Siri quando se posi-cionou favorável ao Costão Golf, segundo ele, parte interessada na remoção da população das dunas dos Ingleses.

Maria Aparecida rebate que é justamente essa a posição da população do Rio Vermelho. “Interessa a comunidade que o Costão Golf seja instalado, assim como não interessa a ocupação desordenada”, enfatiza. A colu-nista também se queixa de uma conveniência implícita que pro-íbe as pessoas de se manifesta-rem contrárias a Vila Arvoredo. “Não é porque são pobres que não podemos criticar a invasão das dunas”. Ela ressalta que a contrariedade das populações vizinhas em relação as morado-res se justifica pelos relatos de ocorrências policiais e histórico de criminalidade. “Não é precon-ceito, é precaução”, diferencia.

Favela do Siri vira jargão político para conter restrições ambientais

A FAVELA E O RESORT

Em entrevista a TV BV no dia 13 de maio deste ano, o governador Luiz Henrique da Silveira rela-cionou as restrições ambientais para os empreendimentos em Florianópolis com a “proliferação de favelas”, como a do Siri.“E a Favela do Siri? Do lado do campo de golfe que não deixaram o Fernando Marcon-des fazer. Por que não se proíbe a proliferação de favelas que jogam, me permita a expressão irada, cocô (sic) na praia para provocar doenças nas nossas crianças. Por que não se atua nisso aí para impedir? A favela pode poluir a praia. Agora o resort, o hotel, o campo de golf para atrair turista e gerar empre-go e renda não pode.”

Texto e charge do jornal O Bairro revoltaram moradores da Vila Arvoredo

Na mesma página em que critica a Vila Arvoredo, Cacá Minéia defende a construção do Costão Golf

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DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 2007 Ação Social > 17DC Documento DC Documento

Projeto Aroeira alia cursos profissionalizantes a aulas de cidadania

primeiro empre-g o p a r a j o v e n s carentes entre 16 e 24 anos é o fo-co do Consórcio Socia l da Juven-

t u d e , pro g r a m a f i n a n c i a d o pelo Ministér io do Trabalho e executado em Florianópolis pelo projeto Aroeira. Mais de mil estudantes de 56 comunidades da re-g ião metropolitana do município parti-cipam das of ic inas profissionalizantes. Eles recebem o be-nef í c io de R $ 1 2 0 , v a l e - t r a n s p o r t e e lanche para assistir aos cursos gratuitos.A Escola de Turismo e Hote-lar ia Canto da I lha (ETHCI) é a inst ituição que oferece o ensino profissionalizante aos adolescentes da Vila Arvoredo, nas modalidades Gastronomia ou Informática. Os professo-

res se preocupam em ir além do conte ú do t é c n ico e pro-porcionar conhecimentos que aumentem a auto-estima dos jovens carentes. Com 22 dos 46 alunos da escola residentes na Vila Arvoredo, a educadora Hanen Kanaan integra as ati-vidades do laboratório de in-formática com o conteúdo de

sala de aula.E l a c i t a o e x e m -plo de um exercício s o b re a O p e r a ç ã o Moeda Verde, inves-t i ga ç ã o d a Pol í c i a Federal sobre o pa-gamento de propina para a concessão de

licenças ambientais em Floria-nópolis. “Discutimos em sala de aula o que a operação sig-nifica para a comunidade e de-pois eles utilizaram ferramen-tas da internet e do word para pesquisar e redigir um texto sobre o tema”, explica.Para o educador da ETHCI,

Luiz Gabriel Ange-n ot , a m a i or d i f i -culdade do projeto é a p e r m a n ê n c i a nos cursos. A últ i-ma turma do ensino prof i s s i on a l i z a nte teve 8% de desistên-cia por motivos so-cioeconômicos. “Os que desist iram foi porque precisavam trabalhar”, lamenta.

Atuação social

Uma das exigências para se inscrever no Aroeira é que os jovens que ainda não completaram o ensi-no regular voltem a estudar. Os educadores da Escola de Turis-mo tiveram que intervir para que os estudantes se matricu-lassem nas instituições públi-cas de ensino do Norte da Ilha. “Um dos alunos não conseguia se matricular porque não tinha identidade e CPF, então tive-mos que negociar com a escola e ajudá-lo a obter os documen-tos”, conta Angenot.O c o o r d e n a d o r d a e s c o l a , Adriano Larentes da Silva, ex-plica que, como são filiados à Central Única dos Trabalhado-res (CUT), as atividades estão engajadas com os movimentos sociais. Os alunos e educado-res do projeto percorreram a Vila Ar voredo para convidar os moradores a participar de uma reunião no dia 12 de maio a fim de discutir que posição defenderiam na audiência pú-blica sobre a política de habi-tação de interesse social em Florianópolis, realizada no dia 18 do mesmo mês.Os estudantes vestiram cami-

setas do projeto Aroeira e pen-duraram faixas no plenarinho da Câmara Municipa l como forma de protesto pelo falta de soluções em relação à Vila Arvoredo. Aluna da oficina de informática, Maria da Luz de Lima, de 18 anos, relata que os

jovens decidiram se manifes-tar em prol da comunidade na tentativa de pressionar o poder público e pediram a ajuda dos educadores na confecção das faixas. “Acho que só a união da população vai fazer a gente sair da areia”, ressalta.

"Só a união vai fazer a gente sair da areia"

Centro Comunitário investe no ensino integralElisabete Forte não segura

o sorriso ao contar que rece-be seu primeiro diploma este ano. A faxineira entrou numa sala de aula pela primeira vez na vida em 2004, para cursar o ensino fundamental na turma de supletivo da Escola Básica Gentil Mathias. Entusiasmada em aprender, matriculou-se na classe de informática básica do Centro Comunitário Madre Te-reza de Calcutá e comemora a conclusão do curso em julho. O trabalho de educadores volun-tários abre uma oportunidade para os moradores da Vila Ar-voredo conhecerem tecnologias

que não faziam parte do seu cotidiano até então, como na-vegar na internet.

Apesar de oferecer oficinas de informática para adultos, o fo-co das atividades do Centro Comunitário é atender crianças e adolescentes de 7 a 14 anos. O espa-ço serve para o de-s envolv i mento de atividades para 56 estudantes da Vila Arvoredo durante o período em que não estão na es-cola, como capoeira, música, de-senhos e brincadeiras. “A idéia é

fazer com que a criança se sinta melhor aqui do que na rua”, ex-plica a presidente do Centro Co-munitário, Ruth Pereira.

O projeto conta com a par-ceria da Secretaria Municipal de Edu-cação, que deslocou dois professores da rede pública para o ensino integral no Centro Comunitário e financia a meren-da escolar. Uma par-ceria com o Comitê

para Democratização da Infor-mática (CDI) permite que os professores da rede de ensino

lecionem gratuitamente para os moradores da Vila Arvoredo.

Mais do que o conteúdo téc-nico, o coordenador de Infor-mática, Édson Alves, procura conscientizar os alunos da im-portância do estudo. Dentre as dificuldades de ensinar jovens carentes a mexer no computa-dor, o professor aponta a falta de uma turma de nível avan-çado para dar continuidade ao curso básico, com duração de três meses. Ele também insis-te na necessidade de aulas pa-ralelas à informática específi-cas sobre cidadania e direitos humanos.

O incidente do dia 21 de ju-nho mostra que o pedido do professor faz sentido. Duran-te a aula de informática, uma adolescente de 13 anos esfa-queou a colega da mesma ida-de com uma faca de cozinha que levou para o Centro Comu-nitário. A vítima conseguiu se defender e empurrou a agres-sora pela escada, que correu para a Vila Arvoredo. “O mais triste é que a menina esfaque-ada jurou a outra de mor te, então a violência não acaba”, lamenta Aline Borba, que tam-bém é professora de informá-tica e presenciou a cena.

“O mais triste é que a violência

não acaba”

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A ETHCI oferece oficinas de Informática e Gastronomia a 22 jovens da Vila

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Maria da Luz se manifestou para pressionar a Prefeitura e apresentar soluções

Estudantes do projeto Aroeira pintaram faixas de protesto pela situação da Vila Arvoredo

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Estudante de Arquitetura busca soluções para Vila ArvoredoQuando assistiu à audiência

pública para discutir a situação da Vila Arvoredo após a devas-tação provocada pelo ciclone ex-tratropical em 2005, a estudan-te de Arquitetura e Urbanismo Pierina Pomarico decidiu apro-fundar o tema no seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), apresentado em 2006 na Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Apaixonada por arqui-tetura social, a universitária fez pesquisas de campo, participou das reuniões da associação dos moradores, revisou a bibliogra-fia sobre remoção de comuni-dades e direito à moradia, além de estudar conteúdos d e ou t r a s á re a s de conhecimento, como Geografia e Engenharia Sani-tária. O esforço foi n e ce s s á r i o p a r a desenvolver uma monografia sobre o assunto e um projeto arquitetônico para a população.

Acompanhada da então presi-dente da Associação dos Mora-dores da Vila Arvoredo, Claudete Maciel, Pierina percorreu a re-gião para diagnosticar a reali-dade da população e sugerir so-luções a partir do conteúdo que aprendeu na graduação. Como foi bolsista de iniciação cientí-fica do projeto Segregação Espa-cial e Mobilidade Intra-urbana, ela já conhecia a realidade de algumas comunidades carentes de Florianópolis. Mesmo assim,

a estudante confessa que ficou chocada com as condições de vida na Vila Arvoredo. “Vi casas quase soterradas, famílias serem removidas dentro da própria fa-vela para áreas mais estáveis, a falta de expectativas daqueles que tiveram a casa destelhada no temporal de 2006 e o descaso da Prefeitura com a situação da comunidade”, relata.

O trabalho f inal se div ide em duas disciplinas, uma pa-ra a pesquisa e estudo de caso e outra para o desenvolvimento de um projeto. Orientada pela doutora em Arquitetura e Ur-

b a n i s m o M a r i a Inês Sugai, Pierina most rou t a nto o interesse social da ret irada dos mo-radores quanto a visão especulativa em torno da saída da população de baixa renda dos In-

gleses na parte teórica do TCC. “Diferente da classe média que também está em Área de Pre-servação Permanente, eles não puderam optar, mas têm que de-socupar o local. Parece um pro-cesso de limpeza social de uma área nobre”, critica.

Ela apresentou o tema como um problema social e trouxe exemplos de outros municípios com famílias removidas pa-ra moradias populares que não suportaram as despesas com financiamento, água e luz e aca-baram vendendo as casas. Com a informação de que boa parte

das construções no bairro não tem tratamento de esgoto ade-quado, a estudante desbancou os argumentos de que a Vila Arvo-redo é a única responsável pela poluição do aqüífero com suas fossas sanitárias. Ela também questionou por que os mesmos grupos que utilizam a degrada-ção ambiental como justificativa para a remoção da favela apóiam a construção do Costão Golf, em-preendimento que recebe críticas de ambientalistas pelo risco de poluição ao lençol freático.

Para desenvolver um projeto de remoção e assentamento dos moradores, Pierina pesquisou o solo da área e identificou re-giões que perderam as caracte-rísticas geológicas de duna. As casas construídas nesses lotes permaneceriam no mesmo local, enquanto os moradores da área de risco seriam removidos para pequenos complexos habitacio-nais projetados sobre terrenos baldios nos Ingleses. A estudan-te não apresentou o projeto aos moradores e nem à Prefeitura, pois não gostou do resultado fi-nal. “Me superei no embasamen-to teórico, mas quando desenhei percebi a dificuldade de aplicar a teoria em um problema real com limitações de custo e estrutura”, justifica.

Antes mesmo de terminar a graduação, Pierina passou em um concurso público. Atualmen-te ela não trabalha com Arquite-tura, mas planeja fazer mestrado na área social e se voltar para a carreira acadêmica.

“A remoção parece um processo de limpeza social de uma área nobre”

DESAFIO AOS FUTUROS ARQUITETOS

O TCC de Pierina não foi o único trabalho do curso de Arquitetura e Ur-banismo da UFSC que estudou a Vila Arvoredo. No último semestre de 2006, os alunos da disciplina Projeto Arquitetônico IV receberam como desafi o desenvolver um complexo habitacional para os moradores da Vila Arvoredo em um terreno no bairro Vargem Grande. A cadeira é foca-da em habitação popular, de modo que a cada semestre os professores selecionam uma comunidade benefi ciária e um terreno para o estudo.Os estudantes Ani Zocolli, Greyce Kelly Luz e Guilherme Araújo dese-nharam um conjunto de casas e edifícios de materiais pré-moldados, adaptáveis conforme as escolhas de cada morador. Para desenvolver o projeto, o grupo fez duas visitas à comunidade, uma com os profes-sores e outra sozinhos. “As pessoas pareciam ter medo da nossa pre-sença e nós, com receio daquela situação, não fi camos muito tempo”, conta Greyce.O trio tentou considerar as necessidades de trabalho e capacitação da população para projetar a planta. Satisfeitos com os resultados alcan-çados, os universitários planejam inscrever o trabalho em concursos de Arquitetura. “Mesmo que a proposta não seja implementada, esse tipo de evento promove a discussão sobre o défi cit de habitação no Brasil e a qualidade dos projetos para as populações carentes”, avalia a estudante.

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Para conhecer as condições de habitação, a estrutura do terreno e o perfil dos moradores, Pierina percorreu a Vila Arvoredo em pesquisas de campo para a elaboração do trabalho final do curso de Arquitetura

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Comunidade luta pela preservação das dunas e regularização dos lotes

Fim de semana não é para des-canso na rua Angra dos Reis, em Florianópolis. Os moradores se organizam em mutirões comuni-tários para recolher o lixo e plan-tar mudas nas dunas do bairro Ingleses. Assim como na Vila Arvoredo, a areia se deslocava rumo às casas, mas a população de Angra decidiu fazer alguma coisa para não ser soterrada. A partir do ano 2000, as 26 famílias desenvolveram um trabalho de educação e preservação ambien-tal com o auxílio técnico de pro-fessores e estudantes da Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Os resultados positivos permitem sonhar mais alto. Eles pedem ao poder legislativo mu-nicipal a regularização dos lotes, situados em Área de Preservação Permanente (APP), e ao executi-vo a criação do Portal das Dunas, gerido pela comunidade.

No quintal das casas, há mu-das de plantas em caixas de leite. Cada um faz a sua parte nos mu-tirões de fim de semana ou até depois do expediente. Nem o tra-balho pesado na construção civil tira o fôlego de Ricardo Patrício para contribuir nas atividades de jardinagem. Poda as árvores, carrega os galhos, aduba o solo

e planta as mudas. “A única coisa que pode nos expulsar daqui é a duna, então temos que cuidar de-la”, justifica. As crianças também ajudam com os galhos pequenos. “A gente brinca de quem plan-ta mais rápido”, conta Fernanda Rabello, de 11 anos.

Com a organização da Associa-ção Comunitária dos Moradores de Angra dos Reis (Acari), a po-pulação buscou ajuda na univer-sidade federal. Professores de Ar-quitetura e Urbanismo e estudan-tes do Ateliê Modelo de Arquite-tura (AMA) começaram a pensar em soluções para conter as dunas sem degradar o meio ambien-te. A equipe pesquisou quais as plantas nativas da região e como poderiam irrigar e adubar a areia para as mudas não morrerem.

A Acari organiza eventos bene-ficentes para arrecadar verba pa-ra a manutenção das atividades, que custam cerca de R$ 4 mil ao ano. A grande conquista de 2006 foi a construção do cata-vento, que puxa a água diretamente do aqüífero e lança pelo ar para ir-rigar as plantas. Antes da insta-lação do equipamento, os mora-dores ligavam mangueiras dire-tamente das suas casas, as crian-ças carregavam água em garrafas

PET e regavam as mudas, uma a uma. A inovação permi-tiu aumentar ainda mais o cultivo e re-duzir os gastos da conta de água, que já chegou a R$600. Até junho deste ano, os mo-radores plantaram cerca de 750 mudas nas dunas, su-perando as 600 cultivadas em 2006.

Com o tempo, os novos jardineiros aprenderam algumas técnicas a fim de melhorar o aproveitamen-to das mudas, doadas pela Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola (Cidasc). Eles delimitaram trilhas nas dunas para evi-tar que elas fossem pisote-adas e morressem. Os mo-radores também fizeram cercas de bambu na tentativa de conter o vento e ganhar tempo para plantar em determinados locais. Muitas pessoas da Vila Arvoredo levam restos de galhos e folhas retirados de terrenos que fazem limpeza para ajudar os vizinhos de Angra dos Reis a adubar o solo.

Planos futuros

As atividades de extensão uni-versitária da arquiteta Cíntia Fernandes em Angra dos Reis, durante a graduação na UFSC, acabaram no ano passado com a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Portal das Dunas. O projeto contempla necessidades da comunidade e sugere a construção de um par-que para visitação turística nos Ingleses.

A arquiteta prevê o plantio de vegetação nas dunas na forma de um cinturão verde ao Sul da co-munidade para diminuir o avan-ço da areia. Passarelas e mirantes viabilizariam a visitação turística do Portal. O plantio de vegetação continuaria, mas com a contra-tação de jardineiros pela Prefei-tura. A construção de um horto para o cultivo das mudas e de plantas ornamentais para a ven-da reverteria em recursos finan-ceiros ao projeto. “Esse trabalho mudou a minha visão dentro da Arquitetura, sinto que fiz a dife-rença atuando na área social. Se o TCC for implementado vai ser a primeira vez que isso acontece em 30 anos do curso de Arquite-tura”, avalia Cíntia.

Munidos de um projeto e com o histórico de sete anos de atuação em mutirões comunitários para vegetar as dunas, a população fa-lou aos vereadores e autoridades

convidadas na audiência pública de 19 de abril. A sessão era uma oportunidade de prestar escla-recimentos sobre o projeto de lei do vereador Márcio de Souza (PT) de mudança de zoneamen-to da servidão Angra dos Reis. A rua está em Área de Preservação Permanente (APP) e a proposta é que a classificação mude para Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). “O projeto de lei é para regular uma área c o n s i d e r a d a d e preservação já que a ocupação não en-tra em conflito com o meio ambiente”, defende Souza.

Com fotos do tra-balho comunitário e com a apresenta-ção do projeto pela arquiteta, os moradores tentaram convencer os vereadores a regularizarem os lotes e o secretário de Habitação e Saneamento, Átila Rocha, que vale a pena investir no projeto. “A Prefeitura tem carência de espaço físico e propostas para apresen-tar. Nós temos espaço e proposta e, se o poder público puder atuar em parceria com a comunidade, nós podemos fazer a diferença”, ressalta a moradora Gecilda Bac-cin, membro da Acari.

O secretário se posicionou a favor do projeto e pediu agili-dade aos vereadores pela legali-zação da área, justificando que não conseguirão recursos para as

obras enquanto a localidade for classificada como APP. Sem espe-rar pela Prefeitura, a comunidade está implementando o projeto aos poucos e já iniciou a constru-ção do horto.

Enquanto o professor de Arqui-tetura e Urbanismo da UFSC e orientador do projeto Portal das Dunas, Lino Peres, defende que a proposta se encaixa com a de-finição de ZEIS, o promotor do

Ministério Público Alexandre Hercula-no considera mais adequada a clas-sif icação da área como Operação Ur-bana Consorciada (OUC). “A alteração do zoneamento pa-ra ZEIS não resolve

essa questão juridicamente, pois a área continua sendo uma duna, então é APP pelo Código Flores-tal”, ponderou.

Segundo o Estatuto da Cidade, nas OUCs uma região pode ser regularizada mesmo contrarian-do a legislação vigente. Essas áre-as precisam ser definidas no Pla-no Diretor do município e cum-prir diversos requisitos, como estudo ambiental e contrapartida de beneficiários. A discussão não mudou muita coisa, pois o pro-jeto retornou para o Instituto de Planejamento Urbano de Floria-nópolis (IPUF) para receber um novo parecer técnico antes da mudança de zoneamento.

“A única coisa que pode nos expulsar é a duna, então temos

que cuidar dela”

HISTÓRIA DE ATITUDE

Antes de começar organizar os mutirões, a população de Angra dos Reis estava assustada com o avanço das dunas. A areia já havia passado por cima do antigo campo de futebol Vera Cruz, situado alguns metros atrás da comunidade. Os vizinhos conversavam sobre o que fazer e, sem au-xílio técnico, partiram para diversas tentativas de contenção. Colocaram sacos de areia e estacas de madeira na base das dunas, mas de nada adiantou, a areia passou por cima. As soluções efetivas só vieram com o auxílio acadêmico e com o plantio de vegetação. Além do medo das dunas, a comunidade também temia medidas judiciais ou administrativas do poder público pela localização sobre APP. Em 2001, um abaixo-assinado com dois mil nomes de moradores dos Ingleses exigia a retirada da comunidade alegando que eles ocupariam e destruiriam o meio ambiente. Ao contrário do que imaginavam que acon-teceria, o número de famílias residentes na rua Angra dos Reis diminui de 36 para 26 desde a criação da comunidade, pois a população impediu a invasão das dunas.A presidente da Associação Comunitária dos Moradores de Angra dos Reis (Acari), Flávia Accord, lembra que a partir de 1999 algumas pessoas chegavam na região para se estabelecer e construíam barracos de lona. Os moradores tentavam negociar a retirada e, quando não conseguiam, acionavam a polícia ambiental. Como compraram as casas onde residem de antigos moradores, a população não queria que a área fosse invadida, pois temiam a formação de uma favela.“Com o tempo Angra dos Reis fi cou com a fama de lugar onde os vizinhos não deixavam ocupar e, aos poucos, os barracos construídos da noite para o dia não apareceram mais”, conta a presidente da Acari. De acordo com Flávia, muitas famílias pegavam suas coisas e iam para a Vila Arvoredo, já que não havia fi scalização das invasões.

DUAS COMUNIDADES NA AREIAAssim como a Vila Arvoredo, Angra dos Reis também está no caminho das dunas dos Ingleses. A diferença entre as duas é que em Angra a preservação do meio ambiente atrasa o avanço da areia, enquanto na Vila a degradação ambiental acelera a movimentação.

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ARTE: DIRCEU GETÚLIO

Angra dos Reis

Vila do Arvoredo

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DIÁRIO CATARINENSE > QUARTA-FEIRA | 18 | JULHO | 200720 < Arte DC Documento DC Documento

RETRATO DO DESCASO

No lado oposto ao mar, dunas de areia fofa marcam o horizonte dos Ingleses. Era para ser bonito, mas não é. Um olhar mais aten-cioso revela barracos caindo aos pedaços, travessas mal defi nidas e entulho de todos os tipos na favela que emergiu na areia. Não só o meio ambiente está degradado na Área de Preservação, mas também os direitos hu-manos e de moradia. As casas estacionadas na areia por tempo indeterminado aguardam a aproximação das dunas. Na mesma praia, casas de veraneio e barracos sem infra-es-trutura. No mesmo enquadramento, a miséria da população e a beleza das dunas. Assim é a Vila Arvoredo, um cenário de contradições habitado por 779 pessoas.

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