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109 Ling. Acadêmica, Batatais, v. 5, n. 2, p. 109-138, jul./dez. 2016 Entre a Literatura e a História Cultural: crônicas da Segunda Guerra Mundial na obra de Rubem Braga Arlindo PALASSI FILHO 1 Resumo: O presente artigo objetiva refletir sobre as possibilidades de diálogo entre a História Cultural e a Literatura a partir da análise da obra Com a FEB na Itália (1945), de Rubem Braga. Inicialmente, abordamos questões sobre História Cultural, Literatura e Crônica. Em seguida, discorremos sobre o momento histórico vivenciado pelo autor durante a década de 1930 e 1940, bem como discutimos sobre a contribuição das crônicas de guerra de Rubem Braga para a compreensão acerca da participação dos brasileiros na Segunda Guerra Mundial. Palavras-chave: História Cultural. Literatura. Rubem Braga. Crônica da Segunda Guerra Mundial. 1 Arlindo Palassi Filho. Mestrando em Sociologia Política pela Universidade de Vila Velha (UVV). Especialista em História Cultural pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <apalassi@hotmail. com>.

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Ling. Acadêmica, Batatais, v. 5, n. 2, p. 109-138, jul./dez. 2016

Entre a Literatura e a História Cultural: crônicas da Segunda Guerra Mundial na obra de Rubem Braga

Arlindo PALASSI FILHO1

Resumo: O presente artigo objetiva refletir sobre as possibilidades de diálogo entre a História Cultural e a Literatura a partir da análise da obra Com a FEB na Itália (1945), de Rubem Braga. Inicialmente, abordamos questões sobre História Cultural, Literatura e Crônica. Em seguida, discorremos sobre o momento histórico vivenciado pelo autor durante a década de 1930 e 1940, bem como discutimos sobre a contribuição das crônicas de guerra de Rubem Braga para a compreensão acerca da participação dos brasileiros na Segunda Guerra Mundial.

Palavras-chave: História Cultural. Literatura. Rubem Braga. Crônica da Segunda Guerra Mundial.

1 Arlindo Palassi Filho. Mestrando em Sociologia Política pela Universidade de Vila Velha (UVV). Especialista em História Cultural pelo Claretiano – Centro Universitário. E-mail: <[email protected]>.

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Between Literature and Cultural History: Chronicles of Second War from Rubem Braga work

Arlindo PALASSI FILHO

Abstract: This paper attempts to reflect about the possibilities from the dialogue between the Cultural History and Literature from the analysis of the work with the FEB in Italy (1945), by Rubem Braga. First of all, we address questions of Cultural History, Literature and Chronicle. Then we will discourse on the historical moment experienced by the author during the 1930s and 1940s, just like discussing the contribution of Rubem Braga´s war chronicles for understanding of Brazilians participation in the Second World War.

Keywords: Cultural History. Literature. Rubem Braga. Chronicle of the Second World War.

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1. INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem crescido sensivelmente, no Brasil, a produção de trabalhos que tematizam a crônica em vários de seus aspectos (CANDIDO, 1997; COUTINHO, 1997; FREITAS, 2005). Muitos desses estudos investigam as obras do escritor Rubem Braga sob o olhar da teoria literária (SANTOS, 2001; PATRINI--CHARLON, 2008; DUBIELA, 2013), quase nunca analisadas sob a perspectiva da História Cultural.

Entretanto, nas crônicas de guerra de Rubem Braga, especialmente as inseridas na obra Com a FEB na Itália (1945), é possível capturar informações de cunho histórico sobre Segunda Guerra Mundial; verificar as condições, funções, influências e autenticidade dos trabalhos produzidos pelo escritor acerca do grande conflito; observar os mecanismos de produção de objetos culturais no período do Estado Novo e a construção por esse Estado da imagem do conflito; interrogar sobre as relações de poder existentes, bem com sobre o cotidiano dos soldados brasileiros durante a Guerra na Itália.

É nesse sentido que pretendemos desenvolver o presente artigo científico: explorando o diálogo interdisciplinar que permeia a História Cultural, mostrar que é possível entender um pouco melhor o fazer histórico sobre a participação do Brasil e dos brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial por meio da reflexão sobre a crônica de guerra de Rubem Braga.

Ademais, a presente abordagem visa fomentar o debate acerca da multiplicidade de interpretações e leituras das fontes históricas, possibilitando, ainda, a reflexão sobre as diferentes possibilidades de tratamento da História Cultural, sendo uma dela a análise da crônica literária.

O procedimento técnico utilizado para a presente investigação teórico-científica cinge-se à pesquisa bibliográfica – livros, artigos, dissertações, publicações avulsas extraídas de sites da internet –, onde se pesquisou a bibliografia e os textos disponíveis a respeito do assunto versado por meio do exame e da observação, com mira à confecção deste trabalho científico.

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Foram selecionados para a leitura e investigação textos que ofereceram sustentação teórica à hipótese levantada. A partir disso, os textos foram interpretados e analisados, com a finalidade de encontrar uma fundamentação teórica que pudesse solucionar o problema levantado, permitindo uma elaboração crítica a respeito do tema.

O período histórico escolhido para a investigação bibliográfica se circunscreve às décadas de 1930 e 1940 até o tempo presente. Quanto aos tratamentos de dados, foi utilizada a abordagem qualitativa e no referente ao método científico, o histórico dedutivo.

Por fim, considerando que a pesquisa abarcou duas áreas do conhecimento – a Literatura e a História Cultural –, implicou um diálogo interdisciplinar, redundando em uma investigação analítico-interpretativa. Assim, foram levados em conta as contribuições decorrentes de estudos históricos e literários, que orientaram a pesquisa pela interpretação, comparação e análise de textos.

A partir dessas considerações, este trabalho é constituído de duas partes.

A primeira procura refletir sobre a possibilidade de diálogo e aproximação entre a História Cultural e a Literatura, ressaltando ainda o desenvolvimento e a importância da crônica no Brasil, em especial as produzidas por Rubem Braga.

Já na segunda parte, discorremos sobre o momento histórico vivenciado pelo autor durante a década de 1930 e 1940, bem como discutimos sobre a contribuição das crônicas de guerra de Rubem Braga para a compreensão acerca da participação dos brasileiros na Segunda Guerra Mundial, destacando o modo como foram expostas as questões histórico-culturais da época.

Finaliza-se o trabalho com a conclusão de que, além do valor de registro histórico, a reflexão sobre as crônicas da segunda guerra mundial na obra Com a FEB na Itália, de Rubem Braga, contribui para desvendar e compreender a atuação dos brasileiros no conflito na Europa, revelando, ainda, a aproximação das abordagens do cronista com os objetos da História Cultural.

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2. A HISTÓRIA CULTURAL, A LITERATURA E A CRÔNICA

Em nossos dias, pesquisas fundadas na ideia de interdisciplinaridade têm buscado compreender o fazer histórico sobre determinada época por meio da análise de textos literários.

A Literatura vem despertando o interesse de historiadores, até porque é forma de expressão artística da sociedade possuidora de historicidade e fonte documental apta à produção do conhecimento histórico.

Por certo, a História não é o passado em si (BLOCH, 2001), mas um construto do historiador (JENKINS, 2001), uma interpretação realizada a partir da leitura e reflexão de documentos e outras fontes históricas. Logo, a História é uma representação do passado, um registro materializado por meio da linguagem; ou melhor, é reconstruída pelos historiadores por intermédio de um discurso científico em constante modificação e reinterpretação.

A História Cultural tem por fito analisar no passado os mecanismos de produção e recepção de objetos culturais (BARROS, 2005), bem como refletir sobre a forma de interpretar e sobre a maneira de se escrever a História (HUNT, 1992). Em síntese, o que diferencia a História Cultural de outros campos historiográficos é pensar o passado como discurso. Para Hunt (1992, p. 28-29):

[...] a ênfase na História Cultural incide sobre o exame minucioso – de textos, imagens e ações – e sobre a abertura de espírito diante daquilo que será revelado por esses exames, muito mais que sobre a elaboração de novas narrativas mestras ou de teorias sociais que substituam o reducionismo materialista do marxismo e da escola dos Annales.

Assim, a História Cultural abarca a pesquisa sobre o texto, com escopo de compreender as práticas, complexas, múltiplas, diferenciadas, que constroem o mundo como representação.

Hunt (1992, p. 16) sustenta que a História Cultural tem uma natureza etnográfica e que:

[...] trata-se de uma ciência interpretativa: seu objetivo é ler “em busca do significado – o significado inscrito pelos

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contemporâneos”. A decifração do significado, então, mais do que a interferência de leis causais de explicação, é assumida como a tarefa fundamental da história cultural, da mesma maneira que, para Geertz, era a tarefa fundamental da antropologia cultural.

Como todo documento – seja ou não literário – é representação do real que se apreende (CHARTIER, 1990). Logo, historicizar e contextualizar o texto com o qual se investiga é impreterível para desvendar e compreender o tempo histórico, o lugar em que foi produzido, o estilo, a linguagem, a sociedade na qual o autor se insere e retrata em seu texto.

Dentre os bens culturais, a Literatura é compreendida como forma de representação social e histórica que registra e reproduz as experiências humanas, os hábitos, os costumes, as normas, as atitudes, as práticas, os sentimentos, as criações, os pensamentos, as expectativas, os ideais, e outras questões que movem e atingem determinada sociedade em um período histórico. Segundo Pesavento (2004, p. 84):

A utilização do texto literário pela História permite levar mais longe o deslocamento da veracidade à verossimilhança, pondo em discussão os efeitos de real e de verdade que uma narrativa histórica pode produzir, tomando o lugar do que teria acontecido um dia. Ao trabalhar com a Literatura como fonte, o historiador se depara, forçosamente, com a necessidade de pensar o estatuto do texto e realizar cruzamento entre os dois discursos, em aproximações e distanciamentos.

Ademais, o texto literário, como representação da realidade social e como prática intelectual, é pontuado por interesses complexos, diversificados, conflituosos, especialmente aqueles decorrentes de grupos sociais que detêm posição de mando e domínio, revelando estratégias e práticas que visam impor uma autoridade, uma hierarquia, um projeto, uma escolha (CHARTIER, 1990). De acordo com Chartier (2002, p. 259):

Produzidas em uma ordem específica, as obras escapam dela e ganham existência sendo investidas pelas significações que lhe atribuem, por vezes na longa duração, seus diferentes públicos. Articular a diferença

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que funda (diversamente) a especificidade da literatura e as dependências (múltiplas) que a inscrevem no mundo social: esta é, a meu ver, a melhor formulação do necessário encontro entre a história da literatura e a história cultural.

Como ensina Borges (2010, p. 108), a Literatura, seja ela expressa mediante os gêneros crônica, conto ou romance, “[...] apresenta-se como uma configuração poética do real, que também agrega o imaginado, impondo-se como uma categoria de fonte especial para a história cultural de uma sociedade”. Para Silva (2007, p. 3), a aproximação entre História e Literatura se dá porque:

O discurso histórico e o discurso ficcional são próximos, dialogam entre si. Ambos são linguagem e como tal tentam representar o mundo em sua volta, interpretá-lo, compreendê-lo, significá-lo. Assim, constroem sentidos para o real, para as experiências com o real, a partir da linguagem.

Já De Decca e Lemaire (2000, p. 10) esclarecem que tanto a História quanto a Literatura fazem uma reconfiguração do passado, porquanto:

Tanto a narração literária quanto a historiografia pressupõem um processo e estratégias de organização da realidade, uma procura de uma coerência imaginada baseada na descoberta de laços e nexos, de relações e conexões.

De acordo com os autores acima mencionados, a diferença é que a História promove uma reconfiguração do passado ancorada em fontes e documentações, seguindo uma metodologia científica prévia, enquanto a Literatura “[...] permite que o imaginário levante vôo mais livre e amplamente, que ele fuja, numa certa medida, aos condicionamentos impostos pela exigência da verificação pelas fontes” (DE DECCA; LEMAIRE, 2000, p. 11).

A Literatura é construída a partir da realidade social e cultural; é um testamento dos embates, conflitos, guerras e sofrimentos humanos. É, enfim, registro, leitura, interpretação da trajetória dos homens no tempo – ainda que sob o filtro de um olhar do literato. Por isso, requer que seja sempre historicizada e problematizada, a

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fim de melhor entender e perceber as rupturas, descontinuidades, transformações e permanências da realidade.

Como assevera Silva (2007, p. 5):A literatura e a história constituem-se como formas de ver o mundo, gestos de leitura, gestos de interpretação e, por fim, gestos de escritura das significações que damos ao mundo em nossa volta.

Nesse sentido, a reconstrução do passado a partir da análise do texto literário permite uma reflexão mais abrangente e mais crítica do período investigado, evidenciando nas entrelinhas dessa narrativa o contexto histórico e o olhar do escritor que vive em um tempo delimitado e impreterível.

Para Candido (1971, p. 23), a Literatura brasileira buscou demarcar seus momentos decisivos, “[...] como síntese de tendências universalistas e particularistas”. Dentre esses momentos decisivos da Literatura brasileira, podemos mencionar a ascensão e o desenvolvimento da crônica nas primeiras décadas do século XX.

Gênero compreendido como uma mescla de literatura, jornalismo, cotidiano e vida social (CANDIDO, 1992), a crônica brasileira teve um momento marcante em sua história: quando sofreu influência do modernismo, movimento iniciado com a Semana de Arte Moderna de 1922.

A partir desse período, a crônica voltou-se:[...] para as miudezas do cotidiano, as fraturas expostas da vida social, a finura dos perfis psicológicos, o quadro de costumes, o ridículo de cada dia e até a poesia mais alta que ela chega a alcançar (ARRIGUCCI JR., 1987, p. 59).

Na lição de Freitas (2005, p. 175):A crônica dessa época pode ser entendida, portanto, como amostra do percurso do movimento modernista brasileiro, na medida em que a inserção de temas e linguagem ligados às classes populares parece ser a chave para a compreensão de uma das características essenciais da releitura da rea-lidade do país, preconizada pelo modernismo, nos vários aspectos que colaboram para a formação da brasilidade: tentativa, bem sucedida, de alargar os horizontes da litera-

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tura a partir de uma maior abertura, tanto temática quanto formal, possibilitando a revelação de elementos, até então, poucas vezes registrados pelos escritores brasileiros.

De consignar que, apesar de seu caráter eclético, no início do século passado, a crônica era veiculada majoritariamente em jornais, formando um vínculo que norteava as temáticas dessas narrativas e motivava novas formas de leitura. Esclarece Miceli (1977, p. 14):

Em termos concretos, toda a vida intelectual era dominada pela grande imprensa que constituía a principal instância de produção cultural da época e que fornecia a maioria das gratificações e posições intelectuais. Os escritores profissionais viam-se forçados a ajustar-se aos gêneros que vinham de ser importados da imprensa francesa: a reportagem, a entrevista, o inquérito literário e, em especial a crônica.

Assim, a crônica segue a periodicidade e agilidade dos meios de comunicação impressa da época, obrigando o cronista a enfatizar, de forma direta, clara e sem os requintes gramaticais, o cotidiano, o dia a dia, levando-o a abusar da criatividade e da utilização de recursos linguísticos dos mais variados, como a sátira, a ironia, a indignação, o humor, o cinismo, o drama de caráter social. Entretanto, ainda que as fronteiras entre o jornalismo e a crônica sejam próximas, tais limites não se fundem, pois conforme acentua Andrade (1999, p. 13):

A crônica é fruto do jornal, onde aparece entre notícias efêmeras. Trata-se de um gênero literário que se caracte-riza por estar perto do dia-a-dia, seja nos temas, ligados à vida cotidiana, seja na linguagem despojada e coloquial do jornalismo. Mais do que isso, surge inesperadamente como um instante de pausa para o leitor fatigado com a frieza da objetividade jornalística. De extensão limitada, essa pausa se caracteriza exatamente por ir contra as ten-dências fundamentais do meio em que aparece [...]. Se a notícia deve ser sempre objetiva e impessoal, a crônica é subjetiva e pessoal. Se a linguagem jornalística deve ser precisa e enxuta, a crônica é impressionista e lírica. Se o jornalista deve ser metódico e claro, o cronista costuma escrever pelo método da conversa fiada, do assunto-puxa-

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-assunto, estabelecendo uma atmosfera de intimidade com o leitor.

Ademais, como lembra Candido (1992), a crônica, mesmo considerada como um gênero literário de menor expressão, mormente por ter um caráter provisório e momentâneo, deve ser valorizada e estudada porque “[...] quando passa do jornal ao livro, nós verificamos meio espantados que a sua durabilidade pode ser maior do que ela própria pensava” (CANDIDO, 1992, p. 14-15).

Conforme dispõe André Mendes Capraro (s.d., p. 19-20), “[...] a crônica é a literatura que surge do âmago da sociedade, a partir da análise manifesta publicamente pelo cronista, no momento exato em que os fenômenos estão ocorrendo”.

A crônica é um gênero da Literatura atrelado a um determinado tempo presente; um tempo convertido em texto, ou melhor, uma narrativa do tempo, da contemporaneidade (CANDIDO, 1992).

Daí a imprescindibilidade de se aprofundar os estudos dessa forma de expressão cultural sob a perspectiva da História, mormente no Brasil, ainda carente de tais pesquisas.

É nesse ambiente difuso de jornalistas e literatos que desponta o jovem e combativo Rubem Braga (1913-1990), cuja vida profissional iniciara, em 1928, com apenas 15 anos, escrevendo no jornal Correio do Sul, em Cachoeiro de Itapemirim (ES), sua cidade natal.

Na década de 1930, Rubem Braga trabalha para vários jornais: o Diário da Tarde, em Belo Horizonte (MG); os Diários Associados, em São Paulo (SP); o Diário de Pernambuco e a Folha do Povo, em Recife (PE); A Manhã, no Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil; Folha da Manhã, em Porto Alegre (RS). No início dos anos 1940, colabora com o jornal Diário Carioca, no qual cobriria, como correspondente de guerra, a atuação da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Itália, em 1945.

Como cita Franchetti e Pecora, o próprio Rubem Braga, em entrevista prestada, em 1972, ao Jornal da Tarde, revela: “Escrever para mim sempre foi uma coisa ligada a jornal, não me lembro de ter escrito nada que não fosse para ser publicado no dia seguinte

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ou na semana seguinte” (FRANCHETTI; PECORA, 1980 apud SANTOS, 2001, p. 19).

Nada obstante sua trajetória profissional relacionada ao jornal, onde teve de se submeter à censura e aos interesses empresariais, Braga sempre manteve sua autonomia intelectual e compromisso político e social com a sociedade e seus leitores, como bem destaca Ribeiro (2009, p. 93):

Pode-se dizer, com alguma margem de segurança, que Braga, como bom jornalista que era, fez o que muitos outros profissionais da imprensa fizeram e fazem, e nisto não há grande novidade. O grande diferencial da sua atuação estava, portanto, num estilo pessoal que harmonizava, com grande habilidade, a informação com os deslocamentos de sentido que imprimia aos seus textos, colocando a nu, com sua habitual ironia, os discursos dominantes. Mais do que nos fatos, a denúncia se dava no terreno da própria linguagem, o que, não poucas vezes, exasperou os que o perseguiam e detratavam.

Unindo a rudeza do noticiário a um estilo requintado pelo lirismo, Rubem Braga era um dos poucos literatos que tinha a crônica como seu gênero principal:

Rubem Braga é um cronista que fez dos seus textos um espaço de expressões de suas percepções cotidianas. Ele fez isso tão bem, através das palavras, que, na maioria das vezes, o seu leitor se imagina diante de fotografias ou filmes, portanto, a escrita de Braga é sugestivamente imagética. Em relação à marca de seu pensamento em seus textos, isso se dá de maneira consciente e no uso da razão, pois Braga tem o cuidado para não fazer de sua escrita um divã. Outro aspecto que deve ser ressaltado é que a crônica é uma tipologia textual que permite estas mesclas de vozes. Talvez, por isso, Braga não tenha escrito outro tipo de texto. Pelo seu estilo, parece que o próprio escritor escolheu este tipo de texto ou vice versa. O que se pode dizer é que a crônica permite estas posturas textuais, portanto não se desvalorizam os textos de Rubem Braga, pelo contrário, fazem deles campo vasto e rico para pesquisas que envolvem as áreas das Ciências Humanas, Sociais e as subáreas que as compõem (BATISTA, 2010, p. 272).

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Com um estilo particular e encantador, em suas crônicas, Braga circula entre o belo e o ferino, entre a doçura e a denúncia, entre a suavidade e a coragem, entre o racional e o mágico, entre o acontecimento ruidoso do dia a dia e a recordação melodiosa da infância. Como consagra Coutinho (2006, p. 54):

Com o ar de quem está simplesmente divagando, e em tom de conversa fiada, mas que não falta boa dose de humor, ele vai discorrendo naturalmente sobre um fato e outro, transmitindo impressões e comentários, e vai mergulhando a fundo nos sentimentos dos homens, chegando a tecer muitas críticas sociais contundentes.

Em 1945, Braga publica seu terceiro livro de crônicas, Com a FEB na Itália, objeto de reflexão da próxima seção.

3. AS CRÔNICAS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL NA OBRA DE RUBEM BRAGA

Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, em 1939, o Brasil vivia em um estado de exceção: com a farsa do documento conhecido como o Plano Cohen, Getúlio Vargas, com o apoio de militares simpáticos ao regime fascista, justificou o golpe de estado, instaurando, em 10 de novembro de 1937, o chamado Estado Novo (MCCANN, 2007).

O Estado Novo foi um período negro da história brasileira (1937 a 1945), sob o regime ditatorial, no qual a censura era ferrenha. Vargas controlava os meios de comunicação através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que também elaborava a propaganda favorável ao presidente e ao Governo. Durante esses oito anos, a imprensa fora controlada de modo autoritário pelo Estado, que decretava invasões em domicílios, prisões e exílios de jornalistas e intelectuais, fechava jornais e promovia a censura de todas as formas de comunicação.

O próprio Rubem Braga foi vítima de perseguições de Getúlio: foi preso em Minas Gerais, quando colaborava para os Diários Associados como correspondente de guerra da Revolução Constitucionalista de 1932; em Pernambuco, por três vezes, quando

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trabalhava para o jornal Folha do Povo, em 1935; no Rio Grande do Sul, em 1939, ao desembarcar com a esposa em Porto Alegre, fugindo da repressão (CARVALHO, 2007). Nos anos 1930, Braga foi obrigado a peregrinar por várias cidades brasileiras, como Belo Horizonte, São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Porto Alegre. Durante esse período de chumbo, o cronista, que era visto pelos órgãos de segurança getulista como comunista, teve de publicar alguns de seus textos com pseudônimos, como o livro A questão do ferro, publicado em 1938 pela Gráfica Olímpica Editora, sob o pseudônimo de Roberto M. Couto (DUBIELA, 2013). Segundo Santos (2001, p. 40):

A repressão era a face mais violenta do DIP, mas o órgão responsável pela construção do mito Vargas também fermentava a doutrinação que garantia apoio às políticas presidenciais. O governo incentivava artistas e comediantes a tratar de temas nacionais, exaltar o trabalho e produzir textos que exalassem patriotismo.

No mesmo sentido, o escritor Joel Silveira, em entrevista a Gilberto Negreiros na Folha de São Paulo sob o título O Estado Novo e o Getulismo, alude aos múltiplos processos utilizados pelo Estado Novo, objetivando produzir o consenso e a cooptação de jornais e jornalistas para a propagação da mítica e dos interesses do governo Vargas:

O DIP exercia um duplo controle: um controle autoritário proibitivo, da censura propriamente dita. E tinha o controle através da corrupção. O caso da isenção para a importação do papel da imprensa. Você importava o papel da Finlândia, do Canadá, mas tudo sob o controle do DIP. E tinha o derrame de dinheiro, que era tentador. Por exemplo, o DIP criou uma série de livros pequenos, tudo sobre o Getúlio: “Vargas e o Teatro”, “Vargas e o Cinema”, “Vargas e a Literatura“. Pagavam um dinheirão, em termos de época. Um pobre intelectual que ganhava, vamos dizer, Cr$ 1.500,00 com a edição de um romance, eles botavam dez mil cruzeiros no bolso dele para escrever quarenta páginas sobre a coisa. Isso era um negócio terrível. Poucos resistiram (FOLHA DE SÃO PAULO, 1979, p. 1).

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E acrescenta Silveira (1979, p. 1): Um ou outro jornal que tentou se rebelar foi imediatamente fechado. Mas a grande imprensa daquele tempo imediata-mente aderiu ao Estado Novo. Toda. Com exceção de O Estado de S. Paulo. É só você pegar as manchetes do dia 28.

O DIP funcionou até maio de 1945, sendo o período de decurso da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) considerado a fase áurea desse órgão, evidenciando o nacionalismo, o culto a Vargas e a propaganda de guerra para criar e difundir uma imagem positiva do regime e de seu chefe. De acordo com Santos (2001, p. 51, grifo do autor):

O combate na Europa estimulou os planos do governo Vargas de intervenção estatal na economia – a Constituição de 1937, como já foi dito, pregava a “nacionalização progressiva de minas, jazidas minerais e quedas d’água ou outras fontes de energia, assim como das indústrias consideradas básicas ou essenciais à defesa econômica e militar da Nação”; a guerra aceleraria esse processo. O conflito minava a economia dos países europeus e dificultava a chegada, no Brasil, de produtos estrangeiros, estimulando a implementação de uma política de substituição de importações, direcionada sobretudo à criação de uma infra-estrutura para o desenvolvimento do capitalismo no país. Os investimentos irrigaram principalmente a indústria de base, com a criação de siderurgias, todas elas controladas pelo Estado; para isso, foram fundamentais os financiamentos de longo prazo concedidos pelos Estados Unidos – a contrapartida econômica à colaboração do Brasil na luta antinazista. O presidente tentava, por meio da propaganda oficial, se apoderar dos dividendos políticos gerados pela aceleração industrial “Vargas [...] tentava capitalizar essas mudanças; daí a intensidade com que foram utilizadas técnicas de propaganda, as paradas públicas, os discursos associando poderio militar e a industrialização de que seu governo fora o principal promotor”. A imprensa também participava desse esforço nacional, chamado por Rubem Braga, em texto para a Folha da Manhã, de “política de libertação econômica”.

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Em 1942, durante o regime autoritário, a população brasileira foi surpreendida com ataques de submarinos alemães a embarcações da marinha mercante nacional, desencadeando manifestações em represaria a alemães e italianos aqui residentes e encorajando a criação de uma campanha pela entrada do Brasil no conflito mundial. Os reclames populares levaram Getúlio a unir-se definitivamente aos países aliados, dando início a um lento processo de queda do Estado Novo, construído com base nos ideários fascistas. Ou seja, o alinhamento político e militar do Brasil com os Estados Unidos expôs as contradições do governo getulista: no plano externo, Vargas apoiava os ideais democráticos; no plano interno, abrigava uma administração calcada no modelo fascista. Conforme Sodré (2010, p. 353-354):

Diante da pressão popular, foi inevitável encarar o problema da participação de forças militares brasileiras no teatro de guerra europeu. Era um grave problema para as Forças Armadas brasileiras pois não estavam minimamente preparadas para enfrentá-la, nem do ponto de vista material, nem do ponto de vista da organização, nem do ponto de vista ideológico. Dificilmente uma organização militar preparada para funcionar policialmente pode funcionar em sua tarefa específica, pelas deformações inevitáveis que advém da função policial. A preparação da Força Expedicionária Brasileira sofria, assim, as consequências do Estado Novo e teve uma gestação lenta, laboriosa, desordenada e difícil, que teria de refletir-se, inevitavelmente, em sua deficiência, como se verificou, intervindo aí outros fatores, no início de suas operações. A participação do Brasil na guerra, apesar disso, apresentou aspectos positivos que seria errôneo esquecer e soldados e oficiais que integraram a FEB souberam honrar as tradições genuínas do Exército brasileiro, que estavam, naturalmente, longe de aparentar-se com o pretorianismo vigente e sob o qual se formara aquela Força. De qualquer forma, de outro lado, a referida participação integrou-se no processo de deterioração do Estado Novo, acelerado com a guerra, embora já iniciado antes de sua eclosão.

De fato, o Brasil não estava preparado para a guerra: com um Exército obsoleto, mal armado, mal organizado, mal treinado e com um contingente irrisório – especialmente se levarmos em

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conta nossas dimensões territoriais –, teve de superar grandes obstáculos para combater, pela primeira vez em sua história, em outro continente.

Como resume Maximiano (2010, p. 17):Dentre todos os segmentos que compunham a sociedade brasileira ao tempo da Segunda Guerra, nenhum sentiu mais diretamente os seus resultados do que os militares, tanto os de carreira como a grande maioria de cidadãos soldados temporariamente incorporados às Forças Armadas. Por mais ingrata que tenha sido a realidade enfrentada por marinheiros, aviadores, soldados da borracha e civis que o conflito afetou das mais diversas formas, nenhuma vivência se comparou à brutalidade e à violência da situação limite vivenciada pelos expedicionários que foram para a Europa combater contra a Wehrmacht e o Exército Republicano de Mussolini.

O Brasil participou da Segunda Guerra Mundial entre setembro de 1944 e maio de 1945, enviando 25.445 soldados para o front italiano (PORTAL PLANALTO, 2015).

Para dar uma aparência de normalidade, Vargas buscou dominar as consciências da população atingida pelos racionamentos e afetada diretamente pela guerra com a convocação para a Força Expedicionária Brasileira (FEB). Para tanto, os órgãos de imprensa passaram a difundir propagandisticamente a versão oficial do Estado Novo, preparada cuidadosamente por especialista do DIP. Os correspondentes de guerra eram escolhidos tão somente para servir como instrumentos a serem utilizados para a efetivação do papel reservado à imprensa: divulgadores da versão oficial do governo Vargas (HENN, 2013).

Durante o tempo em que a Força Expedicionária Brasileira (FEB) esteve na Europa, foram enviados correspondentes de guerra, dentre eles Rubem Braga, que chegou à Itália em outubro de 1944.

Apesar de confessar “Vou à frente por dever de ofício, não gosto de tiros, não gosto de bombas” (BRAGA, 1945, p. 112), segundo Marcos Carvalho, Rubem Braga “[...] só chegou à Itália porque era teimoso e porque o diretor do Diário Carioca superou

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todas as dificuldades para enviar seu correspondente à Itália” (CARVALHO, 2007, p. 15).

Contrariamente à pretensão estadonovista de propagação da versão oficial, nas crônicas de guerra de Braga – reunidas primeiramente na obra Com a FEB na Itália (1945), ganhando, posteriormente, novos títulos: Crônicas da Guerra (1964) e Crônicas da Guerra na Itália (1985):

[...] a ênfase maior do cronista é na humanidade do pracinha resgatado de sua impessoalidade; no contraste da natureza amena dos campos italianos com a brutalidade dos combates; na violação dos lares com seus “reinos íntimos”, “antigas ternuras” e “longas discussões domésticas”; na descrição das cidades em ruínas e no sofrimento de seus habitantes, sobretudo das mulheres e das crianças; no patrimônio artístico ameaçado; no heroísmo do homem comum; nas vidinhas estreitas em meio aos combates; nas raízes do nazi-fascismo e da guerra; na exploração de classes; na fome, na humilhação e no servilismo impostos às populações; nos que lucram com a guerra; nos corpos dos pracinhas mortos que se acumulam nos cemitérios; nos soldados alemães que, em particular, renegam Hitler e o nazismo, e em público o glorificam; na capacidade humana de reconstruir a vida a partir dos escombros; nos homens que se acostumam com a guerra; na censura exercida contra a imprensa (RIBEIRO, 2009, p. 93).

Assim, como bem assinala Santos (2001 p. 135-136), “Essa ênfase no universo pessoal é um diferencial importante – é ela um dos principais recursos que distancia os procedimentos de Braga dos utilizados pelo discurso oficial”.

Levando em conta o contexto político e ideológico da época, bem como a rigorosa censura tanto do Exército quanto do DIP, Rubem Braga, utilizando-se dos recursos e da estética da linguagem literária, deu voz aos combatentes e a si próprio para retratar a crueza da guerra:

– “É engraçado... A gente numa hora assim pensa umas coisas que só depois a gente vai ver que pensou. Aquêles alemães todos estavam ali com jeito de que iam me matar, e aquêle outro alemão só ficava me olhando, sem dizer nada. Teve uma hora que êle mexeu com a cabeça assim

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(Santana abana a cabeça para os lados como quem diz que não) mas não dizia nada nem para mim nem para os outros, só ficava olhando. Os outros me empurraram pela porta afora, e lá fora estava um soldado brasileiro caido morto. Êles me apontaram para êle, e então eu entendi que eu também ia morrer. Quis me abaixar para ver direito o morto, mas êles me empurraram para um lado. Aí fizeram sinal para que fôsse andando, batendo com as pontas das armas nas minhas costas. Eu saí andando devagar, e êles ficaram parados lá perto da porta. Dei uns cinco ou seis passos. Eu sabia que ia morrer, e calculei que com certeza tinham feito assim com o outro – mandar ir andando e depois “comer êle” com a metralhadora. Eu tinha de passar diante de uma metralhadora que estava do lado da casa, e além disso atrás de mim estavam os homens com os fuzis e metralhadoras de mão. Eu nem sei o que pensei, estava muito cansado e achei que afinal era melhor morrer mesmo do que ficar prêso. Mas de repente... me deu uma coisa, eu resolvi correr, que êles atirassem logo porque senão eu escapava. Àquilo foi num instante, só sei que dei um pulo de lado, parece que bati com o pé numa metralhadora, depois dei outro pulo para o lado em que tinha uma parreira. Êles abriram fogo. Eu me deitei no chão e fui rolando. O senhor sabe, essas lavouras italianas têm uns degraus assim, eu foi rolando por ali como um louco e eles atirando, atirando. Uma hora parei e me levantei um pouco, mas logo vieram umas duas rajadas, e ouvi as balas assobiando perto de meus ouvidos. Foi então que eu pensei que podia escapar, e me joguei depressa outra vez pelo morro abaixo: ia rolando, depois me arrastando, depois saí correndo [...]” (BRAGA, 1945, p. 122-123, grifo do autor).

De acordo com Patrini-Charlon (2008, p. 3):[...] a escritura esmiúça as trincheiras e as vozes vão misturando na narrativa de Rubem Braga, algumas vislumbram desforra, deboche na vitória, outras medo, tristeza na saudade, controle de uma censura feroz, enquanto a ironia parece ser a única saída, tantas vezes poética, bem humorada, para salvaguardar da pressão da censura o ofício do jornalista [...].

Nesse sentido, o texto a seguir é exemplar:A guerra cansa – mesmo a quem está de palanque e chegou há pouco tempo, como êste correspondente. Descubro

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que daria, quem sabe, um bom cronista social. E no lugar de vos dizer que nossos soldados deixaram as roupas de inverno e lutam agora com o “Zé Carioca”, poderia estar escrevendo:

“Mlle Xuxú apareceu como um poema em solferino, e Mme. Boa era muito bem “toute em rose”...

Mas agora na frente tudo é poeira – A poeira é o grande uniforme da guerra, depois da lama e da neve, que o Diabo as carregue (BRAGA, 1945, p. 276, grifo do autor).

Apesar de não pretender “[...] fazer uma história que interessasse aos técnicos militares, mas uma narrativa popular, honesta e simples, da vida e dos feitos de nossos homens na Itália” (BRAGA, 1985, p. 7), as crônicas produzidas por Braga durante o período em que esteve na Europa como correspondente de guerra não deixam de ter um viés histórico, na medida em que registram os episódios ocorridos na campanha da FEB e abordam, ao longo da obra, outros assuntos de interesse histórico, como se percebe no trecho a seguir:

A imprensa não funciona apenas na retaguarda, nestas guerras de hoje. Ela não cuida apena do “front interno”: “ataca” o inimigo, saltando sobre suas linhas.

Trata-se de uma imprensa especial, freqüentemente reduzida à condição de volantes, mas incluindo também verdadeiros jornais noticiosos e informativos. Os soldados alemães que lutam em nossa frente são cavalheiros bem informados do que vai pelo mundo. Os aliados os informam, dispondo para isso de jornais.

São escritos em alemão e lançados em abundância sôbre as linhas alemãs. As autoridades da “guerra psicológica” redigem êsses jornaisinhos com o maior escrúpulo, dando notícias exatas da marcha da guerra. Que êles são lidos, são. Mais de uma vez foram apreendidos exemplares no bolso de prisioneiros alemães. Volantes preparados pelos brasileiros (escritos, naturalmente, em alemão) também têm sido lançados do lado de lá. Soldados inimigos que desertaram para as nossas linhas tiveram o cuidado de trazer consigo o pedaço escrito em várias línguas e que funcionam como “salvo-conduto” para o homem que deseja se entregar.

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Nossos colegas da imprensa alemã retribuem, cuidando de fornecer literatura aos nossos soldados. Até agora, minha coleção inclui apenas dois espécimens em inglês e português.

O que está escrito em inglês – mas destinado especificamente aos soldados norte-americanos, e não aos inglêses – é muito bem impresso. Vi outros folhetos dessa série. O que tenho apresenta uma linda jovem universitária americana com uma perna para o céu e um sorriso nos lábios. A legenda concita o soldado a olhar bem para aquilo – porque com tôda certeza será a última vez que ele verá imagem tão interessante. No verso são examinadas as perspectivas que o soldado tem em sua frente: ser morto, ficar inutilizado ou ir parar em um campo de prisioneiros de guerra. No último caso – diz a legenda – êle terá uma “chance” de algum dia ver uma pequena como aquela (BRAGA, 1945, p. 78-79, grifo do autor).

De fato, as crônicas de guerra de Braga constituem fontes de pesquisas históricas no estudo da Segunda Guerra Mundial, sendo imprescindível sua utilização para problematização e compreensão das representações do passado. Nesse ponto, é importante destacar o texto abaixo:

Em seu discurso na solenidade de 15 de novembro, o ministro Vasco Leitão da Cunha fêz referência ao fato de submarinos italianos terem afundado navios brasileiros quando o nosso país ainda era neutro.

Por mais que isso possa parecer estranho aos brasileiros, a verdade é que essa afirmação constitui, ainda hoje, para a grande maioria dos italianos, uma verdadeira surprêsa. Centenas de italianos com quem tenho conversado – homens de tôdas as classes sociais e níveis de cultura, inclusive jornalistas políticos – ignoravam completamente a covarde ação dos submarinos italianos que afundaram nossos navios, matando assim homens, mulheres e crianças de um país neutro. A censura fascista escondeu completamente êsse fato. Segundo a propaganda fascista, o Brasil entrou na guerra obrigado pelos Estados Unidos. As grandes manifestações de protesto do povo brasileiro em seguida ao torpedeamento de nossos navios por submarinos alemães e italianos não foram, como é fácil imaginar, noticiadas aqui.

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Uma vêz que o Brasil declarou guerra, a maquinária de propaganda de Mussolini passou a se interessar mais positivamente pelo nosso país. Ao mesmo tempo que a entrada de nosso país no conflito era ridicularizada da maneira mais baixa – com ataques que se dirigiam não somente à atitude do governo, mas também ao nosso próprio povo – foram inventadas histórias de milhares de imigrantes italianos sofrendo horrores nas prisões e campos de concentração do Brasil.

É fácil imaginar o efeito que não teriam essas notícias sôbre os italianos que têm parentes em nosso país. Os dois milhões de italianos natos que vivem no Brasil têm, certamente, aqui, milhões de parentes e amigos. Para êsses, os italianos do Brasil estariam sofrendo tôda classe de humilhações e padecimentos físicos.

Proibindo a verdade – com a mais negra das censuras – e espalhando a mentira – com a mais audaciosa das propagandas – o Fascismo procurava incutir ódio e paixões guerreiras (BRAGA, 1945, p. 73-74).

Algumas das crônicas de Braga apresentam uma visão sobre o fascismo, permitindo o entendimento sobre essa forma de totalitarismo político:

O fascismo é uma praga difícil de exterminar. É o preço que os povos pagam pela própria desídia. É a defesa frenética dos privilegiados. E contra êle só há um remédio verdadeiro: conquistar e manter a todo custo a liberdade do homem, e só há liberdade entre os homens quando cada um vale pelo seu trabalho – e não pelo seu nascimento nem pelos seus privilégios. Ninguém se iluda: acabar com as injustiças nacionais e sociais, que são o caldo de cultura do fascismo e das guerras, será uma luta muito dura, uma grande luta do povo (BRAGA, 1945, p. 150).

As narrativas de Braga são reveladoras dos interesses dos países beligerantes, das relações de poder e do sofrimento da população civil, vítima das atrocidades da guerra:

O povo do lugar passava seguramente fome, comprando raros gêneros com suas “tessere” melancólicas – que tantas vêzes dão direito a comprar o que não há para vender – e seu velho dinheiro desvalorizado. Ninguém ainda podia reconstruir as casas arrebentadas pelos bombardeios e

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explosões. Sem água encanada, com uma luz elétrica incerta e um aquecimento precário e difícil, o inverno corria duro e triste. Em muitas famílias havia o luto, ou a apreensão por um homem que há muito não dá notícias, ou uma história de mulher ou moça caída em desmoralização (BRAGA, 1945, p. 242).

Por outro lado, as crônicas de Rubem Braga contêm relatos de situações que nos permitem refletir acerca das razões da eclosão das guerras:

O boneco de Deus estava ali. Perdera não apenas a cabeça, ainda mais. Perdera até a majestade que costuma ter o Cristo na sua Cruz, olhando-nos do alto do Seu martírio, dominando-nos do alto de Sua dor. Não dominava mais nada. Era um pobre boneco arrebentado e mal seguro, numa postura desgraçada e grotesca. Era um morto da guerra.

E ai dos mortos! Que faremos com os mortos? Podem rezar missas aos potes para que as almas dêles se salvem, mas êles não querem isso. Êles querem saber de nós – êles nos vigiam. Êles vigiam o nosso reino da terra; foi por êsse reino que êles morreram. Estão espantados: querem saber porque morreram, para que morreram. Êles morreram muito jovens, quando ainda queriam viver mais; não gostaram da própria morte, por isso não gostaram da guerra.

Enquanto um homem fôr dono dêste campo e mais daquele campo, e outro homem se curvar, jornada após jornada, sôbre a terra alheia ou alugada, e não tiver de seu nem o chão onde vai cair morto – esperem a guerra. Ela explodirá – e enquanto não explodir estará lavrando surda. O homem rico lutará contra outro mais rico que quer ficar ainda mais rico, ou contra outro menos rico que também quer ficar mais rico, ou não quer ficar ainda menos rico; e o homem pobre lutará por êle, ou contra êle. Lutará para não perder o pouco que tem, ou lutará porque não tem nada a perder. De qualquer modo haverá guerra – e os bonecos serão outra vez arrebatados e estripados.

E os homens subirão até as igrejas, não para ver a Deus, mas para ver os outros homens que êles precisam matar. E o Cristo de massa perderá a cabeça outra vez; e não

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perderá grande coisa, porque o Cristo-Deus, o Cristo-Rei, esse já a perdeu há muito tempo (BRAGA, 1945, p. 241).

Além disso, as crônicas de guerra de Rubem Braga estão perpassadas por questões ligadas ao gênero. No texto abaixo, é reveladora a presença feminina no conflito:

– Agente dizer que gosta disso é bobagem. Ninguém pode gostar de uma vida assim com tanto trabalho e longe do Brasil. Mas por nada dêste mundo eu voltaria para lá agora. Vim porque quis e estou contente tratando os meus soldados. Tenho uma coleção de lembranças que êles me dão. Naquela inundação que houve no Hospital 38, eu perdi duas lembranças que tinha ganho dos meus soldados, e não imagine quanto senti. Eu só volto para o Brasil quando não houver mais nenhum soldado brasileiro doente nem ferido na Europa (BRAGA, 1945, p. 86-87).

Braga também faz uma descrição físico-geográfica e urbana da Itália na época da guerra, possibilitando o entendimento acerca dos locais dos eventos vividos pelos soldados e populares:

Cá Berna é um lugarejo que não tem mais de oito casas. Duas estão abaixo da estrada que vai de Vidiciatico para Madonna Dell’Acero. As outras estão numa elevação à esquerda, formando um pequeno grupo. O caminho que desce uns 50 metros até a estrada é enfeitado por alguns abetos, e o morro atrás da aldeia tem um bosque de carvalhos – que agora ainda estão com os galhos quase nus, mas em setembro têm folhas – e a história se passou em setembro.

Parando o carro na estrada, vi um pequeno terreno cercado de arame farpado. Dentro havia uma cruz de madeira, e alguns homens e mulheres plantavam alguma coisa em dois canteiros, sob os braços da cruz. Fui até lá: era o pequeno cemitério improvisado para as 29 vítimas do massacre. Não fôsse a cruz, o cemitério pareceria um jardim em formação. Sôbre a terra fôfa dos canteiros havia pequeninas imagens de santos e simples pedaços de papel com nomes escritos. Algumas das pessoas que ali estavam eram parentes dos mortos (BRAGA, 1945, p. 256).

Após tal registro, Braga reconstrói A história do massacre, sem deixar de acentuar que:

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[...] Durante a guerra sempre há muita mentira, muito exa-gêro, muita “propaganda”. O inimigo é sempre atroz, bár-baro, etc. Mas agora eu tenho mais tendência a crer em histórias dêsse gênero – agora eu vi testemunhas de uma delas, e ouvi as palavras de ódio e dor dos homens que perderam a família (BRAGA, 1945, p. 260-261).

Conforme ressalta Batista (2012, p. 16), “[...] o posicionamento do narrador de Com a FEB na Itália apresenta semelhanças com o cronista da História, aquele que a narra”:

O fato de não estar distante da cena evidencia um olhar limitado ao narrador, já que ele não observa a si mesmo como personagem e nem sabe do sentimento dos demais, mas se coloca em posição testemunhal privilegiada, assim como a credibilidade exigida pelo histor de Heródoto. E, ao registrar o ocorrido para a posteridade, dá a oportunidade de ampliação do conceito de testemunha, como sugerido por Gagnebin: os leitores da recolha de crônicas são testemunhas das vozes que permaneceram nas narrativas escritas pelo repórter-cronista (BATISTA, 2012, p. 18).

Assim, além da importância histórica e documental das crônicas de guerra de Rubem Braga, o papel do cronista se amplia quando confrontamos seus textos com os objetos da Nova História Cultural.

Como é consabido, a Nova História Cultural, mudando o sentido do discurso historiográfico e deslocando o olhar – antes focado nas transformações, rupturas, rompimentos – para os bloqueios, as inércias, as permanências dos sistemas sociais, deixa de lado o econômico, o social, a mudança, e se abre à cultura material, ao estudo das sensibilidades, mentalidades, valores, tradições, representações, ideologias, memória, enfatizando o local, o cotidiano, o homem comum, as mulheres, os marginalizados. Dirige também seus olhares à família, ao amor, à sexualidade, ao nascimento, ao casamento, à criança, à velhice, à morte.

Atualmente, não há mais a história, mas as histórias. Não mais a história do real, mas a história deste ou daquele fragmento do real. De fato, a História fragmentou-se, renunciando à construção de uma historiografia de síntese. Múltiplos objetos, olhares sem limites –

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são os escopos dessa História plural, que valoriza sobremodo a multiplicidade das temporalidades heterogêneas.

Segundo Burke (2008, p. 139, grifo do autor), o tema violência também seduz historiadores culturais:

A sugestão de que a violência tem uma história cultural pode parecer surpreendente, já que ela muitas vezes é vista como a erupção de um vulcão, a expressão de impulsos humanos que nada têm a ver com a cultura. O argumento de que é uma espécie de teatro pode até parecer escandaloso, já que se derrama sangue de verdade.

No entanto, a analogia do teatro não pretende negar o derramamento de sangue.

[...] A proposta da abordagem cultural é revelar o significado da violência aparentemente “sem significado” e as regras que governam o seu emprego.

Na obra Com a FEB na Itália (1945), Rubem Braga assume um papel de cronista da História Cultural, pois como testemunha dos acontecimentos retrata o passado indicando sua fonte de informação e revela, por meio de seu discurso, não só as contradições e mazelas de um tempo de conflitos extremos, mas o cotidiano dos soldados, suas condições de vida, suas práticas, suas condutas, seus pensamentos, suas visões de mundo. Como expõe Santos (2001, p. 136-137, grifo do autor):

[...] nos textos produzidos na Itália o correspondente de guerra se apega menos aos combates e ao rumo geral do confronto do que à rotina, ao pormenor envolvendo os pracinhas. A construção da intimidade, nesse caso, parece contribuir para dar, a seu relato sobre a atuação dos soldados brasileiros na Europa, um caráter menos de campanha nacional do que de aventuras de certa maneira individuais; como se frisou no capítulo anterior, no prefácio a Com a FEB na Itália Braga classifica seu trabalho não como “história da campanha”, mas “histórias” – ainda que esse seja o único livro temático de crônicas de Rubem Braga.

De fato, nas crônicas de guerra de Braga, os aspectos sociais e culturais sobrepõem-se às questões meramente militares, valorizando a opinião do expedicionário, seu histórico de vida, seu dia a dia (BATISTA, 2012).

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Para Patrini-Charlon (2008, p. 7, grifo do autor): Ele toma posições pessoais e faz alusões aos homens e aos seus feitos na guerra com ternura e poesia. E, assim, pequenas ações exercidas por toda aquela gente simples, “pracinhas” e “infantes” como ele os denomina, não perdem a sua dimensão de importância na rotina exacerbada da guerra. Os títulos de suas crônicas que tantas vezes parecem anunciar informações objetivas, relatos sobre o desempenho das tropas e dos aviões, enfim algo próximo a uma reportagem jornalística, subitamente sofre a interferência do narrador que mistura com talento os dados objetivos com uma prática poética. E o jornalista mesmo consciente de sua missão parece não saber viver nem tão pouco se manifestar no seu ofício sem a participação do artista. E assim vai esculpindo no dia-a-dia a matéria que está “sempre ajudando a estabelecer a dimensão das coisas e das pessoas [...]. Características do cronista que cria e recria um discurso do cotidiano através da recomposição de realidades fragmentárias, contraditórias ou ambivalentes.

Muito mais do que as próprias notícias da guerra, o que torna relevante a obra Com a FEB na Itália (1945), de Rubem Braga, sob o ponto de vista da História Cultural, é sua aproximação com o cotidiano dos combatentes. De acordo com Patrini-Charlon (2008, p. 4):

A experiência da guerra pode ser considerada como um assunto pouco estimulante, pois se a guerra devasta e aniquila caminhos por onde passa e escolhe como seu alvo preferido o corpo do homem, é natural que emudeça pessoas e afaste narradores e leitores. Mesmo assim, esse narrador/etnógrafo consegue, graças ao seu poder de contar história, passar ao leitor cada fato que viveu, observou e ouviu.

Conforme nota Batista (2010, p. 278):[...] a dimensão cultural, então, faz-se presente nas crônicas de Rubem Braga. Mesmo porque, não haveria como o autor desempenhar todos estes papéis, sem que as dimensões que envolvem a cultura fossem mencionadas.

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Braga pode não ter abordado em suas crônicas de guerra temas como o racismo e a desigualdade – talvez por força da censura –, mas construiu textos que se coadunam com os objetos da História Cultural. Conforme revela o cronista:

Quando afinal cheguei (e cheguei lá porque sou um homem teimoso), havia, contra os correspondentes, um ambiente de desconfiança e mesmo de má vontade que prejudicava muito o nosso trabalho. Isso melhorou com o tempo, mas os jornalistas acreditados junto à divisão brasileira nunca tiveram as mesmas facilidades de informação e de transporte que havia em outras unidades aliadas. Tivemos, além disso, até certa altura da campanha, o peso de três censuras, das quais apenas uma era legítima e razoável. Não estou me queixando, apenas enumero fatos. Que, de resto, não me espantaram, e até sempre achei que “podia ser pior”, tanto me habituara, como qualquer outro jornalista livre, à estupidez mesquinha dos feitores da imprensa sob o Estado Novo (BRAGA, 1985, p. 7, grifo do autor).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Explorando o diálogo interdisciplinar entre a História Cultural e a Literatura, percebe-se que é possível construir interpretações históricas sobre a participação dos brasileiros na Segunda Guerra Mundial a partir da análise da coletânea de crônicas inserida na obra Com a FEB na Itália (1945), de Rubem Braga. Logo, historicizar e contextualizar esses textos é imperioso para desvendar e compreender a atuação dos pracinhas, o conflito e a realidade da época.

Ademais, infere-se que, além do valor de registro histórico, as crônicas de guerra de Rubem Braga revelam o compromisso político-social desse cronista com a sociedade e seus leitores, mediante a produção de um discurso que não só expõe as contradições e mazelas de um tempo de conflitos mundiais extremos, mas que também procura analisar o cotidiano dos expedicionários, suas condições de vida, suas práticas, suas condutas, seus pensamentos, suas visões de mundo – temas que muito se aproximam dos objetos da História Cultural.

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