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1 ENTENDENDO O FRACASSO PRESIDENCIAL: CONJUNTURA, CÁLCULO E ESTRATÉGIA NO PROCESSO DECISÓRIO EM TORNO DA CPMF Marta Mendes da Rocha 1 Renato Francisiquini 2 RESUMO O presente artigo tem como objetivo discutir o tema do sucesso presidencial tomando como objeto de análise a derrota sofrida pelo governo Lula, em dezembro de 2007, em aprovar a proposta que previa a prorrogação da CPMF. São analisados, para tanto, os cálculos e as estratégias do governo e da oposição, o papel dos grupos organizados e dos governadores, através de mensagens veiculadas na imprensa pelas lideranças políticas durante o processo de negociação. O artigo busca explicar porque, apesar de ter maioria no Congresso e passar por um bom momento em termos de popularidade, o presidente não foi capaz de obter sucesso. A principal conclusão é a de que a derrota do governo deveu-se à fragmentação da base aliada e à união dos partidos de oposição, principalmente no Senado, e a erros de cálculo do governo. Palavras chave: Relações Executivo-Legislativo, sucesso presidencial, disciplina partidária e grupos de interesse. Introdução Parte substancial da Ciência Política brasileira tem destacado os efeitos dos poderes de agenda garantidos ao presidente da República pela Constituição de 1988 sobre a produção legislativa e as relações entre Executivo e Legislativo no país. O reconhecimento da importância dessa dimensão se deu, principalmente, a partir do estudo pioneiro de Figueiredo e Limongi (1999), no qual os autores concluem que, ao contrário do que argumentava a literatura até então, os governos brasileiros contam com alta capacidade de obter apoio legislativo e de obter sucesso na aprovação de sua agenda. A explicação para essa dinâmica encontra-se, segundo os autores, nas 1 Mestre e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da UFMG. 2 Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da UFMG.

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ENTENDENDO O FRACASSO PRESIDENCIAL: CONJUNTURA, CÁLCULO E ESTRATÉGIA NO PROCESSO DECISÓRIO EM TORNO DA CPMF

Marta Mendes da Rocha1

Renato Francisiquini2

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discutir o tema do sucesso presidencial tomando

como objeto de análise a derrota sofrida pelo governo Lula, em dezembro de 2007, em

aprovar a proposta que previa a prorrogação da CPMF. São analisados, para tanto, os

cálculos e as estratégias do governo e da oposição, o papel dos grupos organizados e

dos governadores, através de mensagens veiculadas na imprensa pelas lideranças

políticas durante o processo de negociação. O artigo busca explicar porque, apesar de

ter maioria no Congresso e passar por um bom momento em termos de popularidade, o

presidente não foi capaz de obter sucesso. A principal conclusão é a de que a derrota do

governo deveu-se à fragmentação da base aliada e à união dos partidos de oposição,

principalmente no Senado, e a erros de cálculo do governo.

Palavras chave: Relações Executivo-Legislativo, sucesso presidencial, disciplina

partidária e grupos de interesse.

Introdução

Parte substancial da Ciência Política brasileira tem destacado os efeitos dos

poderes de agenda garantidos ao presidente da República pela Constituição de 1988

sobre a produção legislativa e as relações entre Executivo e Legislativo no país. O

reconhecimento da importância dessa dimensão se deu, principalmente, a partir do

estudo pioneiro de Figueiredo e Limongi (1999), no qual os autores concluem que, ao

contrário do que argumentava a literatura até então, os governos brasileiros contam com

alta capacidade de obter apoio legislativo e de obter sucesso na aprovação de sua

agenda. A explicação para essa dinâmica encontra-se, segundo os autores, nas

1 Mestre e Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisadora do Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da UFMG. 2 Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador do

Centro de Estudos Legislativos do Departamento de Ciência Política da UFMG.

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prerrogativas asseguradas ao Executivo pela Constituição de 1988, e nas atribuições e

direitos assegurados aos líderes partidários, previstos no Regimento Interno do

Congresso Nacional. Os autores argumentam que, em conjunto, esse quadro normativo

permitiria ao presidente e às lideranças partidárias exercerem um grande controle sobre

a agenda legislativa.

Esse ponto também é enfatizado por Santos (2002), que afirma que o marco

normativo inaugurado pela Constituição de 1988 deu ao Presidente e aos líderes

partidários grande capacidade de impor disciplina à base de apoio parlamentar. Isso

porque, individualmente, os parlamentares possuem pouca capacidade de pressionar o

Executivo.

Mesmo reconhecendo o impacto de tais regras, alguns autores questionam a

propriedade de se tomar como muito provável o sucesso do Executivo. Segundo Ames

(2001), deduzir o sucesso ou o fracasso presidencial através do cômputo das propostas

de iniciativa do Executivo aprovadas e rejeitadas não considera que as votações

nominais, das quais Figueiredo e Limongi inferem a disciplina partidária, são

antecedidas por um processo de negociação entre o presidente e o Congresso e entre

líderes e liderados. Esse processo de negociação pode revelar uma maior força dos

parlamentares em extrair benefícios das lideranças e do Executivo em troca do apoio às

suas propostas. Além disso, essa perspectiva desconsidera o fenômeno das “não-

decisões” ou da “não-agenda” do Executivo, casos em que o presidente deixa de

encaminhar propostas ao Congresso prevendo sua derrota.

O mesmo aspecto é enfatizado por Diniz (2005). Segundo ela, as negociações

que antecedem as votações nominais no Congresso são permeadas de pressões dos

parlamentares no sentido de obter concessões por parte do governo. Dessa forma, pode

ocorrer que os projetos apresentados pelo Executivo não correspondam às suas reais

preferências já que o governo pode fazer concessões no texto antes de enviá-lo ao

Legislativo prevendo a reação do Congresso ou radicalizar no conteúdo da proposta

prevendo que terá que fazer concessões em estágios mais avançados da negociação. O

presidente pode, também, usar outras estratégias na negociação com o Congresso, como

apresentar projetos que não lhe são tão caros e usá-los como instrumento de barganha

para a aprovação de outros ou deixar nas mãos dos parlamentares a decisão de aprovar

ou rejeitar projetos com apoio popular. No mesmo sentido, Santos (1997) argumenta

que, apesar das prerrogativas e recursos controlados pelo Executivo, o presidente, com

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freqüência, é obrigado a negociar sua agenda com o Congresso tendo que construir

maiorias a cada votação para aprovar os projetos de seu interesse.3

Outros autores complementam a explicação sobre a disciplina partidária

sugerindo que esta, em grande parte, decorre do uso de recursos de patronagem e

clientelismo pelo Executivo, não sendo apenas um resultado direto das prerrogativas

legislativas daquele e da organização legislativa do Congresso (Mainwaring, 1999).

Essas considerações sugerem que, para avaliar o grau de sucesso do presidente

na aprovação de sua agenda, é preciso levar em conta outras variáveis. É preciso

conhecer a fundo as preferências do governo para que se possa distinguir os aspectos

prioritários de sua agenda dos não-prioritários. Também é necessário considerar a

natureza e o tamanho da coalizão de apoio ao presidente, as preferências da oposição e

sua distância em relação às preferências do governo e, inclusive, questões conjunturais

que influenciam a disposição dos parlamentares da base aliada em manterem-se fiéis ou

não e dos opositores em cooperar ou não. Outras arenas, além da parlamentar, adquirem

destaque, como a arena societal, a arena eleitoral e dada a organização federativa do

estado brasileiro, a arena estadual (Tsebelis, 1998).

O processo decisório em torno da PEC 50/20074, que previa a prorrogação da

Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira5 até 2011, é um bom exemplo

de como o sucesso do presidente na aprovação de sua agenda tem um caráter incerto no

presidencialismo de coalizão e depende de um conjunto amplo de fatores. No presente

artigo pretende-se analisar o processo decisório em torno da PEC 50/2007 e as razões de

sua rejeição pelo Senado Federal. Buscar-se-á responder à questão de porque, mesmo

em se tratando de um aspecto prioritário de sua agenda, o presidente não conseguiu

obter a aprovação do projeto. 3 Figueiredo e Limongi consideram o aspecto enfatizado por Ames e Diniz relativo aos cálculos do Executivo sobre o grau de resistência que pode encontrar às suas propostas no Congresso e à possibilidade dos legisladores efetuarem modificações nas propostas enviadas pelo Executivo. Entretanto, eles afirmam que essa possibilidade não obscurece os dados que revelam altíssima capacidade do Executivo de aprovar as leis de sua iniciativa, principalmente, as que correspondem às áreas nas quais ele possui iniciativa exclusiva. 4 Na verdade, a PEC 50/2007 era uma das propostas de emenda constitucional que foram reunidas

em uma única, a PEC 558/2006. Esta última foi erigida como proposição principal em razão de sua precedência cronológica em relação às demais, todas de 2007. À PEC 558/2006 somaram-se outras seis propostas relacionadas à CPMF e à DRU: a PEC 50/2007 de autoria do Poder Executivo que previa a prorrogação da CPMF até 2011 e a Desvinculação das Receitas da União e as PECs 23/2007, 66/2007, 90/2007, 112/2007 e 113/2007 de autoria dos deputados. No Senado, a PEC recebeu a numeração 89/2007.

5 A partir de agora, CPMF.

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A análise realizada teve como base os dados das votações nas comissões que

apreciaram a proposta e das votações nominais realizadas em plenário com o intuito de

se analisar o comportamento dos partidos da base de apoio ao governo e dos partidos de

oposição – na Câmara e no Senado. Foram consideradas também as mensagens dos

líderes veiculadas na imprensa quando da tramitação da proposta como forma de se

identificar suas preferências e estratégias. A análise dessas mensagens foi utilizada por

tratar-se de uma boa forma de identificar o que estava em jogo, em especial na arena

societal. Tais mensagens são tomadas aqui como opiniões que os atores políticos

julgavam adequado expressar em público perante os adversários, os cidadãos e os

públicos atentos.

Na primeira seção são analisados os antecedentes da cobrança, os principais

atores envolvidos na discussão em torno da proposta de emenda constitucional, suas

preferências e as arenas nas quais eles interagiam. Na segunda discute-se o processo de

tramitação da PEC, as manobras realizadas por governo e oposição e o comportamento

dos partidos na votação. Na terceira seção analisa-se os fatores que, se acredita,

explicam a derrota do governo no Senado. Na última são feitas as considerações finais.

1. Atores, preferências e arenas

A CPMF era uma cobrança que incidia sobre todas as movimentações

bancárias, exceto a negociação de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-

desemprego, salários e transferências entre contas-correntes de mesma titularidade6.

Apesar de ser provisória a cobrança foi prorrogada várias vezes desde sua criação,

sendo que na última prorrogação a sua extinção era prevista para 31 de dezembro de

20077.

A PEC 50/2007 de autoria do presidente da República previa a prorrogação do

tributo até 2011, mantendo-se a alíquota de 0,38%. Além disso, previa a desvinculação

das receitas da união (DRU) através da qual o governo poderia gastar livremente 20%

6 Sua origem remonta a 1993 quando foi criado o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF). A sugestão para a sua criação foi do então ministro da Saúde, Adib Jatene, em um momento de crise no setor. A cobrança passou a vigorar no ano seguinte, no governo de Fernando Henrique Cardoso, com uma alíquota era de 0,25%, mas foi extinto em dezembro de 1994 como estava previsto. Em 1996 o tema voltou à pauta do governo e foi criada, então, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que deveria vigorar a partir de 1997, prevendo-se que os recursos arrecadados através do tributo (de alíquota de 0,20%) fossem direcionados à área da saúde. Em junho de 1999, a CPMF foi prorrogada até 2002 e a alíquota passou a ser de 0,38%. 7 Folha Online, “Conheça a História da CPMF”, “Dinheiro”, 15/09/2007.

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do que fosse arrecadado. O comportamento do governo sugere que, se a proposta

enviada não correspondia exatamente ao ponto ótimo de suas preferências, estava

próximo dele. Acredita-se que o governo tenha radicalizado no conteúdo da proposta

prevendo a necessidade de fazer concessões em estágios mais avançados da discussão.

De toda forma, no início das discussões, o governo mostrou-se firme em sustentar a

proposta apresentada, o que ficou claro na fala de Lula, dos ministros e dos líderes. O

máximo que o governo admitia em público era a redução gradual da alíquota a partir de

2008 ou desonerações em outras áreas. A oposição, no entanto, na Câmara e no Senado,

já havia declarado a intenção de fazer modificações na proposta que iam desde a

extinção do tributo ou a redução da alíquota ainda em 2007 até sua progressiva redução

a partir de 2008.

Por se tratar de uma emenda constitucional, a PEC exigia, para sua aprovação,

do voto de três quintos dos parlamentares na Câmara (308 dos 513 deputados) e no

Senado (49 dos 81 senadores) em dois turnos de votações. Além disso, os parlamentares

deveriam respeitar os prazos estabelecidos na Constituição para tramitação de propostas

desse tipo8. Essa característica do arranjo institucional brasileiro, somada à grande

fragmentação partidária na Câmara, gerava empecilhos ao sucesso da empreitada do

governo. Além disso, tratava-se de um processo no qual os parlamentares teriam que se

posicionar publicamente sobre um tema caro aos cidadãos – a carga tributária –, o que,

em tese, possibilitaria aos grupos de interesse vinculá-los à decisão e responsabilizá-los

posteriormente, o que poderia ter conseqüências eleitorais (Arnold, 1990). Decisões

desse tipo, portanto, ampliam o peso das arenas societal e eleitoral (Melo e Anastasia,

2005).

No tocante à arena parlamentar, a base de apoio ao presidente era formada por

379 parlamentares na Câmara e 53 no Senado9. Os partidos de oposição eram quatro e

somavam 134 cadeiras na Câmara e 28 no Senado. Portanto, no que se refere à arena

parlamentar, o presidente tinha número suficiente (mesmo em se tratando de uma

8 A proposta deveria passar pela CCJ da Câmara dos Deputados para o exame de sua constitucionalidade. Em seguida, deveria ser instalada uma comissão especial para análise do mérito da proposição. Essa comissão teria o prazo de 40 sessões para emitir um parecer. Nessa etapa a proposta poderia receber emendas. Depois, entraria na Ordem do Dia e seria submetida a dois turnos de discussões e votações. Para ser aprovada, deveria obter em ambos os turnos o voto de três quintos dos membros da casa, em votação nominal. Se aprovada, a proposta passaria então a tramitar no Senado, primeiro na CCJ da casa e em seguida no plenário onde deveriam ser cumpridas as mesmas exigências estabelecidas para a votação na Câmara. (Art. 60 da CF e Art. 202 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados e Art. 354 do Regimento Interno do Senado Federal). 9 Esse número incluía os presidentes de ambas as casas cujo voto só é considerado em caso de empate.

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proposta de emenda constitucional), em ambas as câmaras, para obter a aprovação da

proposta, mas com uma pequena margem de manobra contra possíveis defecções no

Senado.

No que concerne à arena societal, destacam-se os discursos apresentados por

governo e oposição veiculados na imprensa na tentativa de mobilizar o apoio da opinião

pública10. Em relatório denominado “Considerações sobre a CPMF” o Ministério da

Fazenda destacou as vantagens da CPMF, entre elas: “a incidência universal sobre a

economia informal”, “o combate à lavagem de dinheiro”, “o baixo impacto nos preços

dos produtos”, e “a facilidade no recolhimento para o contribuinte e para a

fiscalização”. Na proposta enviada ao Congresso pelo Executivo afirmava-se que,

“mesmo num ambiente de crescente solidez macroeconômica” o governo não poderia

prescindir das receitas geradas pela cobrança da CPMF sem “comprometer o bom

desempenho das contas públicas” (PEC 50/2007).

O governo procurava chamar a atenção para o impacto de uma possível

rejeição da proposta sobre os programas sociais tão importantes para a imagem

favorável de que o presidente gozava no primeiro ano de seu segundo mandato. Outro

argumento muito utilizado era da eficácia da CPMF em coibir a sonegação fiscal11.

Dessa forma, o governo buscava inibir o posicionamento contrário dos congressistas

incutindo-lhes o temor de que pudessem ser responsabilizados eleitoralmente pelo mau

desempenho do governo e pelo corte dos gastos sociais. Em meados de setembro, o

presidente Lula criticou aqueles que não queriam aprovar a proposta argumentando que

se tratava de uma tentativa de “boicote” ao bom momento pelo qual passava o país, por

razões eleitoreiras:

“Nenhum governo, do PMDB, do PSDB, do PT ou do PFL [atual DEM] ou de qualquer outro partido conseguiria governar sem a CPMF" e que "Qualquer pessoa de juízo, a não ser os que querem inviabilizar o país, sabe que não poderia abrir mão da CPMF" (Folha Online, “Brasil”, 19/09/2007).

10 As informações que os cidadãos comuns têm sobre os assuntos públicos, em grande parte, estão ligadas àquilo que a “grande imprensa” escolhe veicular. Mesmo quando não é diretamente lida nos jornais, estes últimos estão geralmente envolvidos na disseminação da informação política em estágios anteriores (ARNOLD, 2004). 11

No final de 2000, o governo decidiu permitir o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes. Assim, caso um contribuinte tenha declarado ser isento do IR e, ao mesmo tempo, a cobrança da CPMF evidenciasse a movimentação de grandes quantias em sua conta bancária, sua declaração teria maior risco de ser colocada na malha fina pela Receita Federal (Folha Online, “Conheça a História da CPMF”, “Dinheiro”, 15/08/2007).

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A oposição, por sua vez, argumentava que: (a) a carga tributária era excessiva

e que a cobrança não teria impacto sobre o orçamento já que a previsão era de um

aumento de arrecadação, mesmo se descartada a CPMF; (b) que os recursos arrecadados

através da CPMF poderiam vir de outras fontes; (c) que o governo gastava mal o que

arrecadava; e (d) que os recursos arrecadados através da CPMF não estavam sendo

destinados à área da saúde como previsto. Dessa forma, a oposição buscou se apresentar

como a expressão da vontade da sociedade insatisfeita com a alta carga tributária que

não era acompanhada por sua contrapartida em serviços sociais de qualidade.

Os principais partidos de oposição, DEM e PSDB, no entanto, tiveram

posturas diferentes ao longo do processo. Em meados de agosto, a postura do PSDB era

expressa da seguinte forma pelo líder do partido na Câmara, Antônio Carlos Pannunzio

(PSDB-SP): “Nossa proposta é a redução da alíquota, porque um corte abrupto não seria

possível. Defendemos, ao invés de 0,38%, cair para 0,20% e com o compartilhamento

com estados e municípios”12. Enquanto os parlamentares do PSDB na Câmara

mostravam-se dispostos a alguma negociação, os parlamentares do DEM, desde o

princípio, manifestaram-se a favor da extinção do tributo. Um exemplo disso foi a

criação da campanha “Xô CPMF” liderada pelo DEM e que contava com o apoio de

treze entidades. Essa diferença na postura dos dois maiores partidos de oposição não era

novidade e vinha se verificando desde o primeiro mandato de Lula. O PSDB via-se

constrangido à necessidade de manter a coerência diante de uma agenda governista em

muitos aspectos semelhante à que havia sustentado no governo FHC. O DEM, então,

assumiu o lugar de principal partido de oposição adotando uma postura de confrontação

mais sistemática (Anastasia, Inácio e Melo, 2007).

Levando em conta a arena societal e eleitoral, a oposição acreditava estar em

vantagem porque suas preferências estavam mais próximas às dos cidadãos, em geral,

avessos a carga tributária. Já o governo trabalhava com o argumento de que o peso da

CPMF no bolso do contribuinte era pequeno se comparado aos benefícios que ela

acarretava. Além disso, o governo podia contar como recursos a serem utilizados na

arena societal o bom desempenho da economia e dos indicadores sociais e o fato de

estar relativamente livre de constrangimentos eleitorais por se encontrar no início de seu

segundo mandato13.

12 Agência Brasil, 17/08/2007. 13 Pesquisa publicada pela Datafolha revelou que em agosto de 2007, 48% dos brasileiros consideravam o governo do presidente ótimo ou bom; 36% consideravam o governo regular e 15% o

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Uma discussão saliente á época era a de sobre quem recairia o ônus da

cobrança, quem seriam os principais beneficiados e quando benefícios e custos seriam

sentidos. Melo e Anastasia (2005) analisando o processo de decisão em torno da

reforma da previdência nos governos FHC e Lula mostram que tratava-se de uma

política que concentrava custos imediatos sobre públicos facilmente identificáveis (os

servidores, aposentados e pensionistas do setor público) e dispersava benefícios que

seriam sentidos apenas no médio e longo prazos (equilíbrio das contas públicas).

Segundo os autores, essa característica tornava a decisão politicamente inviável e difícil

de ser obtida. No caso da CPMF, a questão da incidência de custos e benefícios também

era um ponto saliente das disputas entre governo e oposição.

No relatório divulgado pelo Ministério da Fazenda, afirmava-se que uma das

vantagens do tributo era a redistribuição de renda entre as classes sociais e entre as

regiões do país.

“A CPMF tem como uma de suas principais características, a redistribuição de renda entre as classes sociais. Do total arrecadado, 72% são das empresas. E dos 28% arrecadados por pessoas físicas, 17% são arrecadados por pessoas com renda anual superior a R$100 mil, ou seja, estão entre os 10% mais ricos da população. Em contrapartida, a metade mais pobre da população é responsável por 2% da arrecadação. O uso dos recursos da CPMF permite uma redistribuição espacial de renda, beneficiando as regiões mais pobres”. 14

Portanto, segundo o governo, a CPMF se encaixaria em um tipo de política que

concentrava benefícios a públicos menos favorecidos – trabalhadores, beneficiários do

SUS e do Bolsa Família –, e dispersava os custos ao conjunto da população, pesando

mais sobre as camadas mais altas. Como tal, consistiria em uma política de cunho

popular cujos custos, segundo o governo, eram sentidos pela população

proporcionalmente ao montante movimentado em conta-corrente. Para a oposição, a

incidência de custos e benefícios oriundos da cobrança da CPMF não correspondia ao

que era propalado pelo governo. Argumentava-se que a cobrança tinha impacto maior

entre os mais pobres, seja pela sua incidência direta via conta-corrente, seja pela sua

avaliavam como ruim ou péssimo. No primeiro ano do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, a taxa de reprovação ao governo era de 37% superior à taxa de aprovação que era de 34% (Pesquisa Ibope 1999). 14

Considerações sobre a CPMF. Ministério da Fazenda. Novembro de 2007. Disponível em: http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/novembro/cartilhaCPMF.pdf

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incidência indireta sobre produtos e serviços. Quanto aos benefícios, a oposição

questionava se os recursos estavam de fato sendo direcionados para a área da saúde e

com que eficiência.

A disputa no âmbito do discurso tinha como destinatários os cidadãos e os

grupos organizados. É difícil mensurar a forma como os cidadãos, de modo geral, se

posicionavam sobre o assunto. Segundo uma pesquisa realizada pela CNI/Ibope, em

meados de setembro, em 142 municípios brasileiros, 54% dos entrevistados afirmavam

ser contrários à prorrogação da CPMF, 12% eram a favor de uma extinção gradual e

outros 12% eram a favor da continuidade da contribuição desde que houvesse uma

diminuição da alíquota. É possível imaginar que esse posicionamento fosse resultante

mais de uma aversão geral à carga tributária, sobretudo quando contrastada com a

qualidade dos serviços públicos, do que a uma avaliação aprofundada sobre os prós e

contras da cobrança desse tributo específico. Comprova isso o fato de a mesma pesquisa

ter constatado que 85% dos brasileiros consideravam a carga tributária no Brasil alta em

relação à qualidade dos serviços públicos.

Já entre alguns grupos organizados que se pode classificar como públicos

atentos houve um posicionamento mais explícito contrariamente à proposta. Destacou-

se o papel desempenhado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)

que atuou em várias frentes mobilizando cidadãos, associações de empresários ao redor

do país, prefeitos, sindicatos e, claro, congressistas. No início de setembro, quando a

proposta estava tramitando na comissão especial da Câmara, o presidente da Fiesp,

Paulo Skaf, entregou mais de 1 milhão de assinaturas de contribuintes contrários à

prorrogação da CPMF em seis carrinhos de supermercado. Em meados daquele mês, um

grupo de jovens empresários liderados por André Skaf, filho do presidente da Fiesp,

organizou um evento de protesto denominado “Tributo contra o Tributo”, no Vale do

Anhangabaú, em São Paulo, com shows musicais de diversas bandas e a presença de

políticos favoráveis à extinção da contribuição15.

Sobretudo em se tratando de matérias tributárias, o arranjo federativo

brasileiro confere especial importância à arena estadual. Samuels (2003) e Abrúcio

(2002) mostram como essas regras contribuem para dotar os governadores de grande

poder de influência sobre os rumos da política nacional. Segundo Abrúcio, uma das 15

Em outros estados do país também houve movimentação de empresários e suas associações. A Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), por exemplo, instalou em Florianópolis um outdoor com os nomes dos parlamentares catarinenses que votaram a favor da PEC no primeiro turno na Câmara.

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origens deste poder seria a dependência dos deputados federais em relação aos

governadores para assegurar seu desempenho eleitoral nos distritos informais. Assim,

apesar dos cargos de deputado federal serem de atuação nacional, estes, ao serem eleitos

por circunscrições eleitorais estaduais e não por uma lista partidária nacional, tornam-se

dependentes da ajuda dos governadores para otimizar a sua performance em suas bases

locais. Segundo Samuels, isso ocorre, pois, no Brasil os parlamentares apenas

excepcionalmente objetivam fazer uma carreira no Legislativo e, na maioria das vezes,

o vêem como trampolim para cargos no Executivo. Dessa forma, ao levar em

consideração as preferências dos governadores no processo de tomada de decisões, os

parlamentares esperam poder contar com seu apoio nos passos posteriores de sua

carreira. Dessa maneira as decisões congressuais sofreriam forte influência dos

governadores sendo raras as vezes em que decisões legislativas que ferem o interesse

dos mesmos, sobretudo em se tratando de questões tributárias ou que incidem sobre o

arranjo federativo, sejam aprovadas sem muitas concessões (Samuels, 2003).

No caso da CPMF tratava-se de uma questão que impactava diretamente o

interesse dos governadores em relação ao equilíbrio das contas públicas estaduais. A

PEC 23/2007 de autoria do deputado Fernando Coruja (PPS-SC) materializava a

demanda dos governadores ao prever a partilha dos recursos da CPMF com estados e

municípios. Apesar disso, o governo deixou claro, desde o início da discussão, que não

trataria da partilha dos recursos com os estados, o que não impediu que os governadores

desempenhassem um papel à parte no processo, procurando influenciar a posição de

seus líderes no Congresso. Este foi o caso dos governadores do DEM e do PSDB que,

juntos, governavam seis estados e se posicionaram abertamente a favor da aprovação da

PEC. No caso específico dos governadores de Minas Gerais e São Paulo (ambos do

PSDB), pode-se supor que seu posicionamento devia-se não apenas às suas

preocupações imediatas com o equilíbrio fiscal, mas, também, às suas futuras ambições

políticas: ambos representavam à época, dois dos nomes mais prováveis à sucessão

presidencial de 2010. A fala do governador da Paraíba, do PSDB, ilustra bem essa

tensão:

“Você tem cinco governadores defendendo a manutenção da CPMF e a bancada do PSDB [no Senado] faz ouvido de mercador para isso. Estamos diante de um impasse grave para nos organizar". (...). A minha posição é algo que não pode faltar ao PSDB: coerência. Se o Alckmin tivesse sido eleito, essa discussão da CPMF não estaria

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existindo [no partido]. Nós criamos o imposto, não fica bem adotar uma posição contraditória”. (Folha online, 23/11/2007)

O contraste entre a posição dos deputados e senadores, de um lado, e dos

governadores, de outro, causou um desgaste no interior dos partidos de oposição, o que

lançou incerteza sobre seu posicionamento final e colocou em risco a estratégia adotada

por eles perante a opinião pública.

2. Tramitação e manobras

O processo de tramitação da PEC tal envolveu cinco etapas principais. Na

Câmara dos Deputados, consistiu na análise de constitucionalidade pela CCJ, análise de

mérito na Comissão Especial e votação em dois turnos no plenário. No Senado,

consistiu na análise de constitucionalidade na CCJ e votação em primeiro turno no

plenário.

O processo de negociação na Câmara destacou-se: (a) pelo controle do

governo sobre as duas comissões que analisaram a matéria, nas quais tinha maioria e

controlava a presidência e a relatoria; (b) pela decisão do governo de não fazer

concessões; (c) pela realização de manobras regimentais, e (d) pela incapacidade da

oposição de interferir no conteúdo da proposta e no timing do processo. Na CCJ os

parlamentares aprovaram, por 44 votos a 15, o parecer pela constitucionalidade de todas

as propostas de emenda constitucional. Mas, na Comissão Especial, o relator propôs a

aprovação apenas da proposta de autoria do governo e a rejeição de todas as demais,

incluindo a que previa a partilha dos recursos da CPMF com estados e municípios. O

relator também recomendou a rejeição de todas as 29 emendas propostas ao texto, das

quais 12 eram de deputados oposicionistas.

Já na CCJ o DEM se mostrou bastante unido: todos os 12 deputados votaram

contra a matéria. No PSDB, dos 6 deputados, 5 votaram a favor. Apenas um deputado

da base votou contra a proposta. Na Comissão Especial o parecer do relator, favorável

ao governo, foi aprovado por 13 votos de parlamentares da base contra 5 de partidos de

oposição.

Aprovada na Comissão Especial, a matéria passou para votação no plenário.

Para que a CPMF pudesse continuar a ser cobrada em 2008, o Senado teria que aprovar

a proposta antes do recesso parlamentar que estava previsto para meados de dezembro.

Por se tratar de uma proposta de emenda constitucional, havia várias exigências a serem

cumpridas no processo de tramitação. Para complicar, tanto na Câmara quanto no

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Senado, a pauta de votações estava trancada por quatro medidas provisórias (MPs). Para

agilizar o processo, o governo revogou três MPs e trabalhou pela rápida aprovação da

quarta. Esse episódio demonstra o poder do Executivo brasileiro de determinar o timing

do processo legislativo, acelerando a apreciação das propostas de sua iniciativa ou,

como no caso, manipulando a agenda de votações de acordo com suas prioridades.

O texto base da PEC foi aprovado em primeiro turno na Câmara com 338

votos favoráveis, 117 contrários e 2 abstenções. A oposição votou praticamente unida

contabilizando apenas 6 “traições”: uma do PSDB (1 parlamentar do CE), três do DEM

(2 parlamentares de MG e 1 do DF) e duas do PPS (2 parlamentares de MG). O

governo, por sua vez, contabilizou 19 traições sendo 8 no PMDB. Os três deputados do

PSOL votaram unidos contra a proposta. Foram contabilizadas 3 obstruções e 52

ausências. Estas últimas, como se sabe, ao lado da abstenção, são um expediente

utilizado pelos parlamentares em votações nominais quando qualquer posicionamento

pode gerar custos junto aos seus eleitores ou apoiadores consistentes.

No segundo turno, a votação foi muito semelhante ao primeiro. Foram 333

votos a favor, 113 contrários e 2 abstenções. No entanto, os deputados do DEM que

haviam votado favoravelmente à matéria no primeiro turno foram ameaçados de

expulsão do partido e não compareceram à votação no segundo16. O PSDB e o PPS

continuaram contabilizando, juntos, as mesmas três traições (dos mesmos deputados) do

primeiro turno. Do lado do governo, poucos voltaram a contrariar a orientação

partidária. O maior número de “traições” ocorreu no PMDB, 8 no total. Também houve

resistências à proposta do governo no PSB (2), no PTB (2), no PDT (2), no PP (2) e no

PV (3)17. Apenas 3 deputados mudaram de posição em relação ao primeiro turno.

Como se pode notar, a discussão da PEC 558/06 na Câmara foi repleta de

manobras por parte de governo e oposição. Durante a votação da matéria, a oposição

tentou usar manobras regimentais para inviabilizar a sessão. Entretanto, o controle do

governo sobre a presidência e a relatoria da Comissão Especial assim como sua

presença majoritária em plenário, impediu que a oposição exercesse maior influência

sobre o processo. Depois da aprovação da proposta em primeiro turno, os parlamentares

apresentaram 65 emendas aglutinativas ao texto, todas da oposição (sendo 60 de autoria

do DEM), estratégia geralmente utilizada para atrasar a votação de uma matéria. A

maioria das emendas apresentadas (50) propunha o fim da CPMF e outras 13

16 Congresso em Foco, 10/10/2007. 17 Congresso em Foco, 10/10/2007.

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mantinham o tributo até 2010. O presidente da casa admitiu apenas as emendas que

cumpriam as exigências regimentais. A oposição também tentou aprovar a votação em

separado de destaques (DVS)18. Após várias votações simbólicas o número de emendas

caiu para 4, o de DVS para 6. Todas as propostas de modificação foram derrubadas em

seguida e o texto base do relator foi mantido, encerrando a votação em primeiro turno

na Câmara.

Aprovada em dois turnos na Câmara a PEC passou a tramitar no Senado sob o

título de PEC 89/2007. Nessa Casa o governo enfrentava alguns problemas: além da

pequena margem contra defecções, a proposta precisava ser aprovada antes do recesso

parlamentar marcado para meados de dezembro; a pauta estava trancada por três MPs

(justamente aquelas editadas para destrancar a pauta da Câmara); a presidência e a

relatoria da CCJ eram ocupadas por senadores de oposição; e uma crise assolava o

Senado decorrente dos sucessivos processos apresentados contra o senador Renan

Calheiros (PMDB-AL) por quebra de decoro parlamentar.

Apesar disso, o governo saiu vitorioso e a proposta foi aprovada por 12 votos a

9. Essa vitória foi possível graças à sua presença majoritária na comissão e às manobras

regimentais realizadas. Lançando mão de seu poder para indicar membros das

comissões o governo substituiu dois parlamentares da base que já haviam declarado

voto favorável ao parecer da relatora que era contrário ao governo, por outros dois,

comprometidos com a prorrogação da CPMF19. Outro fato decisivo foi a disposição do

governo, pela primeira vez desde o início das negociações, em realizar concessões no

conteúdo da matéria20.

18 Nessa fase do processo, como o substitutivo do relator já havia sido aprovado em plenário, novas modificações só poderiam ser propostas por meio de destaques (DVS) e de emendas aglutinativas que resultam da fusão de outras emendas apresentadas anteriormente, ou dessas com o texto já aprovado, e que exigem, para a sua aprovação, de quorum constitucional de 308 votos em votação nominal. 19 O senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi substituído pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO) e o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) foi substituído pela senadora Ideli Salvati (PT-SC). 20

O acordo oferecido pelo governo previa, entre outras coisas, a limitação dos gastos públicos com pessoal em relação ao que havia sido gasto no ano anterior, acrescido da inflação do período mais 2,5%; acréscimo de R$ 24 bilhões ao orçamento da Saúde até 2011, conforme acordo firmado para aprovação da regulamentação da Emenda Constitucional 29 na Câmara dos Deputados; a extensão da isenção da CPMF a contribuintes com renda de até R$ 2.894, com abatimento na contribuição previdenciária; o envio ao Congresso de uma proposta de reforma tributária até 30 de novembro; e a redução da alíquota em 0,02 pontos percentual ao ano em quatro anos, o que levaria a CPMF ao patamar de 0,30% em 2011 (www.uol.com.br, 14/11/2007).

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Pelo mesmo placar os membros da Comissão aprovaram o voto em separado

do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), favorável à manutenção do parecer da

Câmara. Este parecer também determinava a rejeição de todas as emendas apresentadas

pelos senadores de modo que o texto que iria para o plenário do Senado era idêntico ao

aprovado na Câmara.

A PEC 89/2007 foi levada à votação no plenário do Senado em meados de

dezembro de 2007. O resultado, apesar de tudo, era indefinido. No entanto, um ator de

destaque do processo, o PSDB, havia fechado questão contra a matéria. Nos dias

anteriores à votação, o governo realizou diversos esforços para conseguir o apoio de

alguns senadores do PSDB para a prorrogação. Após reuniões e discussões sobre

alternativas para a cobrança e a distribuição dos recursos da CPMF, contudo, a bancada

do partido decidiu votar contra a proposta. Talvez, a decisão de esconder como votaria a

bancada até o último momento, tenha sido uma estratégia para evitar que o governo

“abrisse os cofres” para a base aliada e ainda acreditasse que pudesse conquistar o apoio

do partido através de propostas de redução da alíquota e aplicação de seus recursos.

Ainda que não tenha sido essa a intenção, o governo acabou incorrendo em um erro de

cálculo ao acreditar que pudesse contar com traições no PSDB, seja porque alguns se

mostravam tendentes a negociar, seja devido à pressão dos governadores do partido.

No plenário, do total de 81 senadores, 28 pertenciam à oposição e 53 a partidos

da base aliada, incluindo o presidente da Casa. O governo já contabilizava dois votos a

menos e a possibilidade de perder outros dois, de modo que a proposta só seria

aprovada se todos os demais senadores da base votassem a favor ou se o governo

conquistasse votos na oposição21.

Temendo que a proposta fosse finalmente derrotada, o governo tentou uma

última manobra no dia da votação: fez concessões mais substanciais através de uma

carta-compromisso apresentada pela líder do PT no Senado, enviada pelos ministros da

Fazenda e das Relações Institucionais e endossada pelo presidente Lula. Nesta, o

governo se comprometia a renovar a CPMF por apenas um ano, enquanto se tentaria

21 Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) já havia declarado abertamente a decisão de votar contra a prorrogação da cobrança. Outros dois senadores da base aliada, Jefferson Péres (PDT-AM) e Pedro Simon (PMDB-RS), se mostravam indecisos e ameaçavam votar contra a proposta dado o pequeno tempo de discussão, condicionando o seu apoio a concessões do governo em relação à alíquota.

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fazer uma reforma tributária, ou renová-la por quatro anos, destinando 100% dos

recursos à saúde22.

Apesar de todas as manobras, o Senado rejeitou, em primeiro turno, a PEC que

prorrogaria a CPMF até 2011. A votação, que se estendeu pela madrugada do dia 13 de

dezembro terminou com 45 votos a favor e 34 contra. Todos os senadores

oposicionistas votaram contra a matéria. Já, junto à base aliada, contabilizou-se seis

traições, sendo três do PMDB, duas do PR e uma do PTB. Além disso, o governo

perdeu os votos do presidente da casa e do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) que

era contrário à prorrogação e não participou da votação.

3. Entendendo o fracasso presidencial

O processo de negociação em torno da PEC que prorrogava a CPMF até 2011

mostra que, apesar das prerrogativas e recursos controlados pelo Executivo, o presidente

é obrigado a negociar arduamente com o Congresso e individualmente com cada

parlamentar para aprovar a sua agenda. E mostra que, ainda assim, pode não obter

sucesso, mesmo em aspectos cruciais de sua agenda.

Enquanto a literatura chama a atenção para o comportamento disciplinado dos

partidos da coalizão governista, o que se viu, nesse caso, foi uma disciplina rigorosa por

parte da oposição. Este é um tema pouco explorado pela literatura e ainda a espera de

estudos mais consistentes (CINTRA e LACOMBE, 2004). Não é propósito do presente

artigo propor uma teoria para explicar a disciplina dos parlamentares da oposição, mas,

em se tratando do caso analisado, é possível apresentar algumas hipóteses explicativas.

Sabe-se que PSDB e DEM (então PFL), aliados desde 1994 na coligação que

elegeu Fernando Henrique Cardoso, enfrentavam alguns problemas que fragilizavam a

aliança e que ficavam mais evidentes à medida que se aproximavam as eleições

municipais de 2008. Os partidos começavam a discordar a respeito do lançamento das

candidaturas, inclusive em importantes capitais. Como visto desde o início do debate a

respeito da CPMF, o DEM se posicionou contra, enquanto o PSDB só fechou questão

dias antes da votação no Senado, a despeito do apoio dos governadores à proposta.

22

Até então, apenas uma parcela de 0,20 da alíquota de 0,38% era destinada à saúde. A nova proposta previa o aumento de gastos para a saúde em R$ 8 bilhões em 2008; R$ 12 bilhões em 2009 e R$ 16 bilhões em 2010, além da correção dos repasses pelo PIB (Produto Interno Bruto) nominal. Segundo o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), a alteração deveria ser incorporada à emenda 29 – que destina recursos da União para a saúde, o que permitiria agregar mais verbas para o setor. (Folha Online, “Brasil”, 12/12/2007).

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16

Além disso, a postura conflitiva adotada pela oposição não correspondia ao

que se vinha observando no primeiro ano do segundo mandato de Lula. Um

levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) e

publicado em meados de setembro de 2007, mostrou que no primeiro semestre daquele

ano o governo Lula havia conseguido o apoio dos partidos de oposição (PSDB, DEM,

PPS e PSOL) em mais da metade das votações. Esse apoio se deu, sobretudo, no

Senado, onde nas 12 votações nominais realizadas entre 2 de fevereiro e 16 de julho

daquele ano, parlamentares do DEM e do PSDB, juntos, seguiram orientação de voto do

líder do governo em 58,3% das vezes23. Portanto, não se pode afirmar que a oposição

vinha adotando uma postura sistematicamente intransigente e que a rejeição da PEC

89/2007 pelo Senado seria apenas mais um sinal desse comportamento.

A disposição da oposição em cooperar com o governo durante o primeiro

mandato do presidente Lula, se deu mesmo em propostas consideradas impopulares

como foi o caso da reforma da previdência analisado por Melo e Anastasia (2005). Em

relação a esse tema, o autores argumentam que uma das razões do relativo fracasso de

FHC, se comparado a Lula, deveu-se à habilidade do segundo em conquistar apoio junto

à oposição e à semelhança das propostas apresentadas por Lula em relação às

defendidas pelo PSDB quando governo. Mesmo tendo sofrido férrea oposição do PT

durante o governo de FHC, o PSDB optou por cooperar com o governo Lula porque,

dadas as conjunturas, tinha pouco a ganhar e muito a perder junto a seus eleitores se

opondo a uma matéria que tinham apoiado no passado (Melo e Anastasia, 2005).

Em relação à CPMF tinha-se o mesmo cenário: o PSDB via-se diante da

possibilidade de cooperar com o governo em relação a uma matéria que havia

sustentado no passado e em relação à qual os petistas tinham se oposto durante o

governo Fernando Henrique. Mas, desta vez, ao invés de cooperar e manter a coerência

de posições, o PSDB optou por “dar o troco”. Então, se se tratava de uma política que

PSDB e DEM tinham aprovado no passado e os dois partidos vinham passando por um

momento de desgaste de sua aliança, porque eles se mostraram tão unidos no Senado

contra o governo no caso da CPMF?

Acredita-se que, entre outras, questões conjunturais, geralmente não levadas

em conta nas análises sobre processo decisório, desempenharam papel importante. À

época da votação em torno da prorrogação da CPMF, o Senado passava por uma das

23 O Estado de São Paulo, 10/09/2007.

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17

maiores crises de sua história acarretada pelos sucessivos processos apresentados contra

seu então presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). O senador fora reeleito presidente

do Senado para o biênio 2007-2008 (já comandara a Casa nos anos de 2005-2006).

Durante esse período mostrou-se fiel aliado do governo Lula, desempenhando papel

importante na construção de apoio às propostas do governo. Mas, já no início de seu

segundo mandato, surgiram denúncias que o levaram a enfrentar vários processos por

quebra de decoro parlamentar. Os episódios contribuíram para manchar a imagem do

Senado brasileiro e reduzir sua credibilidade junto à opinião pública. Em mais de uma

ocasião o plenário do Senado contrariou a decisão do Conselho de Ética votando pela

absolvição do senador em sessões e votações secretas. Foram meses de muita tensão na

Casa. Vários senadores pediram publicamente ao senador que se afastasse da

presidência; este, no entanto, se negou veementemente a se afastar do cargo,

permanecendo no mesmo até o dia 4 de dezembro, poucos dias antes da votação da

CPMF. Durante esse período, o presidente Lula procurou não intervir de forma

contundente no caso e até apareceu ao lado do senador em eventos institucionais. Na

imprensa, veiculava-se que uma das condições impostas pelo PMDB para votar pela

aprovação da prorrogação da CPMF era a de que o governo fizesse todos os esforços

possíveis pela absolvição de Renan. Senadores de oposição, por outro lado, pretendiam

utilizar a proposta como instrumento de barganha para forçar a saída de Renan

Calheiros da presidência da Casa.

Em 13 de setembro, um dia após o Senado absolver o senador Renan

Calheiros, o vice-presidente do Senado, Tião Viana (PT-AC), afirmou que o clima de

hostilidade e ressentimento era grande entre os senadores24. A fala da senadora Marisa

Serrano (PSDB-GO) ilustra o clima de tensão dominante na casa:

“A CPMF, não podemos votar. Não venham com a chantagem de dizer que a CPMF tira dinheiro da saúde. O governo que tire recursos de outro lugar, sem essa contribuição” (...) “A oposição tem que fazer uma operação padrão no Senado e passar um pente fino em todos os projetos que chegarem aqui. Não podemos deixar passar nada, não devemos fazer acordos e temos que votar somente o que for de interesse do país” (Folha Online, “Brasil”, 13/09/07).

Acredita-se que essa questão conjuntural contribuiu para ampliar o clima de

hostilidade entre governo e oposição no Senado e para que os oposicionistas adotassem

24 Folha Online, “Brasil”, 13/09/2007.

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uma postura menos cooperativa e de maior enfrentamento, desconsiderando as pressões

que advinham da arena estadual.

Outro fator a ser considerado foi o esforço dos partidos de oposição, sobretudo

do DEM, em disciplinar suas bases com ameaças de expulsão de parlamentares infiéis e

de iniciar processos no STF para reaver os mandatos dos parlamentares que haviam

migrado para a base aliada caso estes votassem com o governo. 25

Do lado do governo, o episódio parece revelar que, mesmo contando com

importantes prerrogativas legislativas e recursos, entre eles, recursos informacionais, o

Executivo pode incorrer em erros de cálculo e, conseqüentemente, de estratégia. A

análise mostra que, durante todo o processo de discussão e negociação em torno da PEC

55/2006 na Câmara, o governo mostrou-se bastante intransigente. Obtendo a maioria na

CCJ e na Comissão Especial e controlando a presidência e a relatoria em ambas, o

governo conseguiu rejeitar todas as emendas apresentadas e minar as tentativas da

oposição de interferir no conteúdo da proposta e no timing do processo. Mesmo junto

aos partidos da base o governo mostrou uma postura intransigente. Foram comuns as

reclamações de parlamentares dos partidos aliados da falta de diálogo do governo e de

sua pouca disposição em negociar.

Sabe-se que o uso de recursos de patronagem é uma uma prática comum às

democracias (Limongi, 2006) e ao presidencialismo de coalizão brasileiro, através da

qual o presidente busca organizar maiorias de apoio à sua agenda e assegurar a

disciplina de sua base. Entretanto, quando esses recursos são usados para assegurar

maiorias às vésperas de votações importantes, torna-se mais difícil para o analista

mensurar seu impacto. Não são raras as ocasiões em que a imprensa veicula casos de

utilização desses recursos às vésperas de votações estratégicas para o governo. Mas,

como se dá exatamente a utilização desses recursos? É mais racional para o governo

negociar cargos com os partidos ou emendas com os parlamentares individuais? No

processo decisório em questão, há evidências de que o governo tenha se valido de 25 No dia 4 de outubro o Supremo Tribunal Federal havia decidido que, no caso das eleições proporcionais, os mandatos dos deputados pertenciam aos partidos pelos quais eles se elegeram, que poderiam, então, reaver as cadeiras perdidas de parlamentares que haviam migrado para a base aliada�. A decisão do tribunal ampliou o poder dos partidos que passaram a ter mais um recurso para disciplinar os parlamentares. O presidente nacional do DEM à época, deixou clara a intenção do partido de punir os ex-senadores se estes votassem a favor do governo, entrando com processo junto ao STF para reaver as cadeiras perdidas. Os senadores em questão ameaçados pelo DEM, Romeu Tuma (ex-DEM, então PR-SP) e César Borges (ex-DEM, então PR-BA), cederam às pressões do partido e votaram contra o governo.

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ambas as estratégias, o que contraria a opinião dos autores que argumentam que a

barganha é focada apenas nos partidos ou apenas nos legisladores individuais (Pereira e

Muller, 2002; Pereira e Rennó, 2001; Ames, 2003).

Segundo reportagem da Folha de São Paulo, o relator da proposta na CCJ da

Câmara, Leonardo Picciani (PMDB-RJ), recomendou a admissibilidade (adequação aos

preceitos constitucionais) da proposta somente depois que o seu partido indicou o ex-

prefeito Luiz Paulo Conde, do mesmo partido e estado, para ocupar a presidência de

Furnas. Não se sabe em que medida essa informação corresponde à realidade, o fato é

que no mês de agosto, Conde foi nomeado para o cargo26. Esta, porém, parece ter sido a

única concessão em termos de cargos feita pelo governo já que foram comuns as

reclamações de partidos aliados no tocante a essa questão. Os dados sugerem que o

governo optou mais fortemente em negociar diretamente com os legisladores. Um

cruzamento da Folha de São Paulo com os dados do SIAF (Sistema de

Acompanhamento dos Gastos Federais) demonstra que na semana em que a Câmara dos

Deputados iniciou a votação da PEC 558/2006 em primeiro turno, o Palácio do Planalto

destinou R$ 159 milhões em verbas federais para atendimento das emendas que

deputados e senadores fizeram ao Orçamento da União. O valor, comprometido ou

efetivamente pago na semana da votação representa 9,6% de tudo o que havia sido

destinado em todo o ano.

Apenas, quando a proposta passou a tramitar no Senado, o Executivo mostrou-

se disposto a negociar. A essa altura, no entanto, com a oposição exaltada e com o

governo contando com pouca confiança junto aos senadores, as promessas não foram

suficientes para conquistar votos dos aliados e para impedir defecções na base.

Acredita-se que tal comportamento por parte do governo deveu-se a um erro de cálculo

que o levou a superestimar os recursos de popularidade que tinha na arena societal e a

subestimar as dificuldades que teria que enfrentar no Senado, inclusive, as decorrentes

do caso envolvendo o senador Renan Calheiros.

4. Conclusões finais

26 Folha Online, “Brasil”, 19/09/2007.

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O presente artigo procurou analisar as razões da derrota do governo na

aprovação da proposta de emenda constitucional que previa a prorrogação da CPMF até

2011. Enfatizou-se que a análise do processo decisório deveria considerar os jogos em

múltiplas arenas com destaque para as arenas parlamentar, societal, eleitoral e estadual.

A análise revela que a derrota do governo no Senado deveu-se à surpreendente coesão

da oposição o que por sua vez, teve como razões: (a) a falta de disposição do governo

em negociar com a oposição (este apenas se dispôs a fazer concessões em estagio

bastante avançado do processo quando a possibilidade de derrota tornou-se iminente);

(b) a capacidade de mobilização dos parlamentares de oposição e dos públicos

intensamente contrários à proposta que foram capazes de responder aos argumentos do

governo; (c) o clima de hostilidade que reinava no Senado e que levou a oposição a

adotar uma postura mais combativa; e (d) o erro de cálculo do governo que parece ter

superestimado os recursos dos quais dispunha e subestimado os obstáculos que teria que

enfrentar. Dessa forma, corroborou-se o argumento de que, em alguns casos, o controle

de importantes prerrogativas e recursos pelo Executivo não é suficiente para que o

mesmo obtenha sucesso. O esforço de negociação, seja com parlamentares da base

aliada, seja da oposição, durante o processo decisório, é um ingrediente fundamental

para explicar o sucesso ou o fracasso do Executivo na aprovação de suas propostas.

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