ensino especial - um relato de experiência na sala de recursos
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Terça-feira, 31 de maio de 2016 19:26
Prof. Esp. Valéria Rosa Poubell Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Quando, através de um convite de uma Coordenadora Pedagógica para
atuar na Sala de Recursos da sua escola, me vi completamente
"desteriorizada", como costumo brincar com meus alunos da graduação.
Não conhecia as bases teóricas para atuar especificamente no Ensino
Especial. Mas fui acalentada com a seguinte frase: "- ninguém conhece!".
Com a "mão na massa", fui buscar! E por sorte e boa vontade, na busca fui
encontrando alguns caminhos possíveis.
E a própria experiência como professora de atendimento de ensino
especializado em Sala de Recursos, o chamado AEE, me proporcionou um
aprendizado substancial relativo à atuação pedagógica frente às diversas
modalidades de deficiências.
Nesta trajetória acompanhei diversos alunos do ensino especial incluídos em
turmas regulares e pude perceber que muitos se beneficiavam dessa
proposta pedagógica de inclusão, porém, outros não tinham a mesma sorte,
pois frequentavam aulas em salas superlotadas, nas quais o professor ou os
professores exerciam seus trabalhos sem o conhecimento adequado da
deficiência do aluno.
Alguns casos acabam chamando mais atenção que outros, sejam pelas suas
especificidades mesmo ou pelo resultado que a equipe escolar consegue
alcançar.
Lembro muito do Bruno, 10 anos, osteogênese imperfeita, conhecida como
"Ossos de cristal", bastante comprometido, mas bem incluído em Turma
Regular, na qual todos os cuidados lhe eram fornecidos, apesar de toda a
sua dificuldade de locomoção. O que ajudou muito o Bruno foi o clima de
solidariedade construído junto aos colegas da sala de aula, todos crianças
e como tais, cheias de vontade de correr ao invés de simplesmente andar.
Mas isso seria um problema enorme para o Bruno, pois se uma criança
esbarrasse nele, certamente seria o caos. E além da locomoção,
apresentava perda significativa de audição, o que também necessitou de
medidas efetivas para auxiliá-lo em sala de aula. Uma dessas medidas, foi
a monitoria direta. Dois alunos se revezavam para auxiliá-lo nas instruções
Relato de Experiência
Educação Especial
dadas pelo professor que mediava todos os processos, pois não havia
profissional mediador para ele. Bruno conseguiu se desenvolveu muito
pedagogicamente e socialmente também, uma vez que a escola e o
hospital eram os seus lugares mais frequentados.
Outro caso bastante interessante foi de um jovem com 16 anos, síndrome
do Alcoolismo Fetal, matriculado no 9° ano, antiga oitava série, que
apresentava baixo rendimento e muitos problemas relacionados a
indisciplina. Ele não queria frequentar as aulas na sala de recursos e foi
necessária uma conscientização e a busca de uma parceria junto aos seus
pais e ele mesmo para que ele passasse a frequentar as aulas no seu
contra turno e também no seu próprio turno, uma vez que deixava de
assistir as aulas para ficar no pátio, o que surtiu efeito positivo.
Em conversa na Sala de Recursos, descobrimos que Christian tinha vergonha
de estar em sala de aula, por ser repreendido constantemente pela
maioria dos seus professores que, se descobriu, sequer tinha ciência da sua
condição de aluno especial, apesar de laudado e oficialmente incluído no
Ensino Especial.
Bom, optei por um trabalho na Sala de Recursos que contemplasse os
interesses do Christian com as suas necessidades de aprendizagem.
Christian era leitor não muito eficaz e escritor necessitando de muitas
intervenções pedagógicas. Mas qual era o lugar na vida do Christian de
todo aquele conteúdo trabalhado pelas diferentes disciplinas em sua
sala de aula? Tinha que dar conta, dentro das suas possibilidades.
Conversei com todos os seus professores, conscientizando-os das
necessidades pedagógicas do Christian, como a urgência de uma
adaptação curricular; a possibilidade de realizar avaliações com
mediador, que poderia ser qualquer elemento da Equipe Pedagógica
Escolar, enfim, uma série de "arranjos simples", porém negligenciados em
toda a vida escolar do aluno até então.
Especificamente na Sala de Recursos, optei por um trabalho com uso das
tecnologias digitais incluindo as redes sociais. O que possibilitou um
desenvolvimento significativo por parte do Christian. Com o consentimento
do seu responsável, o ajudei a cadastrar um email pessoal e
consequentemente construir um perfil do Facebook. Ele se sentiu megafeliz!
E foi muito bom pedagogicamente, porque ele começou a sentir
necessidade de escrever melhor para participar da Rede Sociail onde
encontravam-se boa parte dos seus colegas de sala de aula, familiares e
amigos dos familiares. Sentiu-se parte daquele grupo de amigos da escola
e começou a desejar estar em sala de aula para ter assunto para a rede
depois. Os temas trabalhados nas disciplinas também eram buscados na
Rede Facebook, através das diversas páginas oficiais de conteúdo, de
Revistas renomadas e até não renomadas, como forma de criar a
habilidade de crítica e seleção de conteúdo significativo. Tivemos muitos
percalços, como o problema da adaptação curricular, na qual os
professores sentiam-se desconfortáveis em "diminuir algo" ou por não
acreditarem mesmo na proposta: "-Ah, ele já está saindo mesmo da
escola!"; e também a aceitação de que o aluno tinha o seu direito
garantido de realizar avaliações com uso de um mediador. Mas o
resultado final foi bastante rico e produtivo para ele que conseguiu de fato
perceber que fazia parte daquele universo e não era mais um em condição
de isolamento.
E assim como esses, todos os casos acrescentam algo em mim. São pessoas,
são vidas humanas em pleno desenvolvimento, mas que necessitam da
minha boa vontade para serem desenvolvidas plenamente.
Agradeço a oportunidade e atenção de todos.
Bons Estudos!