ensino de lÍngua portuguesa: uma visÃo histÓrica
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ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA VISÃO HISTÓRICA
Nícia de Andrade Verdini Clare (UERJ)
Na qualidade de professora de Língua Portuguesa, com quarenta anos em sala de
aula, nos ensinos fundamental, médio e superior, propusemo-nos a refletir sobre a traje-
tória e a qualidade desse ensino, como já o fizemos tantas vezes ao prepararmos nossas
aulas.
O ensino no Brasil foi, inicialmente, tarefa dos jesuítas da Companhia de Jesus,
com a finalidade da catequização indígena. Foram os jesuítas, entre eles Manuel da Nó-
brega e José de Anchieta, credores de uma ação mais educadora, de base catequética, do
que conversora (Houaiss: 1992, 147). A ação jesuítica se definia pela compreensão de
que era a língua geral o caminho a seguir. Tal língua, considerada franca ou de intercur-
so, tinha por base o tupi, mais especificamente a língua dos Tupinambás, entre numero-
sas línguas indígenas espalhadas em território brasileiro, mas apresentava, também, ves-
tígios de um português estropiado.
Durante três séculos, foram os jesuítas os educadores no Brasil, sendo que o maior
destaque coube ao Padre José de Anchieta, que, a respeito do tupi, legou-nos uma gra-
mática: Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil.
A língua portuguesa transplantada para o Brasil, inicialmente, sofreu forte concor-
rência da língua geral falada informalmente em todo o litoral brasileiro. Mas o portu-
guês era a língua da escola, o falar polido e disciplinado em gramática, enquanto a lín-
gua geral carecia de prestígio, pois era um linguajar sem tradição e aprendido de outiva.
Usava-se o português na administração e todos os instrumentos jurídicos eram escritos
na língua dos colonizadores. Os livros, de ficção ou científicos, também eram escritos
em português, língua oficial. Assim, no século XVIII, pode-se mesmo dizer que houve
um período de bilingüismo no Brasil e o idioma luso, já transplantado, começava a re-
ceber os primeiros adstratos em solo americano.
A instituição da língua portuguesa só se torna definitiva com a vinda de famílias
de imigrantes portugueses, mas, principalmente, com o Diretório dos Índios, implantado
após a expulsão dos jesuítas, em 3 de maio de 1757, pelo governador Francisco Xavier
de Mendonça Furtado, com o aval do Marquês de Pombal e aplicado, a princípio, no
Pará e no Maranhão e, no ano seguinte, em todo o Brasil. O Marquês de Pombal, sen-
tindo a língua portuguesa ainda ameaçada pela língua geral, uma mistura da língua indí-
gena com o português, tornou obrigatório, por instrumento legal, o ensino de português
no Brasil. – um fato já consumado, apenas sancionado então por ele. A finalidade era
abolir essa língua geral e impor a chamada “língua do Príncipe”, ou seja, o português de
Portugal. Segue abaixo uma versão do Édito de Pombal:
Sempre foi máxima inalteravelmente praticada em todas as nações
que praticaram novos domínios introduzir logo nos povos conquista-
dos o seu próprio idioma, por ser indispensável, que este é um meio
dos mais eficazes para desterrar dos povos rústicos a barbaridade dos
seus antigos costumes e ter mostrado a experiência que, ao mesmo
passo se introduz neles o uso da língua do Príncipe, que os conquistou,
se lhes radica também o afeto, a veneração e a obediência ao mesmo
Príncipe. Observando, pois, todas as nações polidas do Mundo este
prudente e sólido sistema, nesta conquista se praticou pelo contrário,
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que só cuidavam os primeiros conquistadores estabelecer nela o uso
da língua, que chamamos geral, invenção verdadeiramente abominá-
vel e diabólica, para que privados os índios de todos aqueles meios
que os podiam civilizar, permanecessem na rústica e bárbara sujeição,
em que até agora se conservam. Para desterrar este perniciosíssimo
abuso será um dos primeiros cuidados dos Diretores estabelecer nas
suas respectivas povoações o uso da língua portuguesa, não consen-
tindo por modo algum que os meninos e meninas, que pertencerem às
escolas, e todos aqueles índios, que forem capazes de instrução nesta
matéria, usem da língua própria das suas nações ou da chamada geral,
mas unicamente da Portuguesa, na forma que S.M. tem recomendado
em repetidas ordens, que até agora não se observam, com total ruína
espiritual e temporal do Estado. (Cunha: 1985, 80).
Entretanto, não foi apenas um decreto que tornou possível o restabelecimento da
língua portuguesa tida como padrão. Este se deve a fatores de unificação, como a língua
escrita culta e, ainda, a língua falada pelas elites e o ensino preconizado nas escolas.
Além disso, o português era a língua do comércio utilizada nos portos, nas cidades
e vilas e até mesmo no seio da família, “mas ainda aí aparecia o tupi, falado pelos fâmu-
los, quase todos índios ou de descendência índia” (Sampaio: 1928, 51). Os falares ge-
rais, porém, foram, pouco a pouco, empurrados para os sertões. Nas cidades litorâneas,
só se falava a língua dos colonizadores, que representava fator de status. Nas principais
cidades, falava-se um português mais culto, “de onde as conhecidas escolas pernambu-
cana, baiana e mineira das nossas histórias literárias” (Elia: 1979, 189). Enquanto isso,
nos engenhos de açúcar, formava-se uma língua coloquial, resultante do contato entre
brancos trabalhadores e negros escravos traficados da África para o Brasil, diretamente
para Salvador, a partir de 1550.
Nas cidades imperava a língua portuguesa; na zona rural agrícola, da-
va-se o mesmo fato, porquanto os falares crioulos ou semicrioulos não
passavam de formas portuguesas alteradas na boca de aloglotas (Elia:
1979, 193)
Vêm de longe os problemas relativos ao ensino de língua materna no Brasil. Até
meados do século XVIII, esse ensino era restrito à alfabetização. Poucos educandos
tinham acesso à escolarização mais prolongada. Esses, privilegiados, estudavam a gra-
mática da língua latina, a Retórica e a Poética. (Soares: 1998, 54).
A educação escolarizada não jesuítica iniciou-se nos meados do século XVIII e se
dirigia a uma ínfima parcela da população, que foi aumentando aos poucos até que, com
a chegada ao Brasil do príncipe regente D. João, em 1808, fossem criados centros de
transmissão do saber. O Rio de Janeiro, agora capital do Reino, a partir de 1815, foi
sede da Escola Médico-Cirúrgica, do Liceu de Artes, da Biblioteca Real, além de outras
criações.
Paralelamente, a língua literária, que se desenvolvia, ganhou, no século XIX, com
José de Alencar, uma modalidade própria, aproveitando-se da cor local. Chegou-se a
cogitar da formação de uma língua brasileira, quando, na verdade, estávamos diante de
um “estilo brasileiro” (Melo: 1981, 131) – ou variedade brasileira, numa concepção
mais atual –, que iria desenvolver-se, até o século XX, quando se afirma com o movi-
mento modernista.
Verdadeiramente, o desenvolvimento cultural foi maior no segundo reinado,
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quando se instalaram no Brasil institutos históricos e geográficos que superaram as aca-
demias do século XVIII. Todavia, ainda o saber se concentrava na Metrópole, em espe-
cial em Coimbra, para onde eram enviados os jovens de famílias abastadas do Brasil, a
fim de seguir cursos de Direito, Teologia, Medicina e Engenharia.
Os estudos lingüísticos no Brasil eram, todavia, ainda empíricos; faltava-lhes um
método científico, que só começou a surgir no primeiro quartel do século XIX. A gra-
mática normativa continuava entregue a amadores. Só em fins do século XIX, com o
país já independente, os ensinos de Gramática, Retórica e Poética cedem seu lugar à
disciplina chamada “Língua Portuguesa” (Soares: 1998, 55), que se baseava no estudo
da gramática da língua e leitura de antologias que privilegiavam autores portugueses (e
alguns brasileiros que mais se destacavam pela imitação dos clássicos), passando todos
a formar o paradigma do “bem escrever” que os alunos deviam imitar. Isso porque pre-
dominavam na Lingüística as teorias histórico-evolutivas, segundo as quais o presente
lingüístico se explicava pelo passado e a fase atual do idioma representava uma corrup-
ção da fase passada. Assim, prestigiavam-se escritores lusitanos dos séculos XVI e
XVII.
Foi, ainda, essa preocupação historicista que norteou a reforma do ensino de lín-
guas, especialmente da materna, no programa elaborado por Fausto Barreto, em 1887,
de onde se originaram as primeiras gramáticas escritas por brasileiros: as de João Ribei-
ro (Gramática portuguesa, 21a ed., 1921), Pacheco da Silva Jr. e Lameira de Andrade
(Gramática da língua portuguesa, 1887), Maximino Maciel (Gramática descritiva,
1910), Alfredo Gomes (Gramática portuguesa, 2a ed., 1930) e Ernesto Carneiro Ribeiro
(Serões gramaticais, 106a ed., 1957).
No século XIX, o ensino de língua materna relacionava-se a uma tradição de teo-
ria e análise com raízes na filosofia grega, em que a linguagem era considerada expres-
são do pensamento. Só no início do século XX, com as novas teorias lingüísticas, ouvi-
ram-se os primeiros ecos de uma mudança, mas, ainda assim, o ensino de Língua Portu-
guesa se mantinha voltado à tradição gramatical, buscando-se a homogeneidade padro-
nizada e desprezando-se a heterogeneidade dialetal.
Essa preocupação com a boa escrita pôde ser comprovada, posteriormente, no iní-
cio do século XX, pela análise dos manuais utilizados na época: a Gramática expositiva,
de Eduardo Carlos Pereira (em dois volumes: curso elementar e superior), a Antologia
nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet (publicada em 1907 e consumida em 43
edições até os anos 60, baseando-se a modalidade culta em autoridades clássicas e apre-
sentando sobre cada escritor sucinta biografia histórica e literária), além de O idioma
nacional, de Antenor Nascentes; a Gramática normativa da língua portuguesa, de
Francisco da Silveira Bueno, e a Gramática metódica da língua portuguesa, de Napole-
ão Mendes de Almeida.
A gramática de Pereira (106a ed., 1957), por exemplo, era expositiva e se dedicava
ao programa oficial dos três primeiros anos ginasiais. Procurava, seguindo a então ori-
entação da Comissão de Programa de Línguas, fugir do excesso de terminologia e evitar
as subdivisões que representariam um prejuízo para a clareza. No exemplário, foram
selecionados autores clássicos e modernos seguidores dos clássicos, entre estes dando-
se preferência a Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho.
Apresentava Pereira uma noção mais larga de língua, cujas regras não se formu-
lam a priori, ao sabor dos gramáticos, mas pelo uso das pessoas cultas. Ainda se tratava
de uma visão elitista, mas já ampliada em relação a conceitos anteriores em que a língua
era delineada em gabinetes. Dessa forma, citava escritores modernos para o abono das
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regras estabelecidas.
A prática se fazia por meio de textos antológicos, em que estruturas lingüísticas
eram submetidas à análise lógica, “que, levada ao exagero e a um vazio de só se servir a
si mesma, passou a ser, entre muitos professores, o centro de preocupação de suas au-
las” (Bechara: 1986, 37). Assim, textos do século XVI, como Os Lusíadas, de Camões,
se constituíam objetos de “terror” do alunado, que eram obrigados a analisá-los.
Entretanto, João Ribeiro (1921, 240), nas notas finais de sua Gramática, já se mos-
trava infenso às doutrinas gerais da análise lógica: “Nas minhas lições de português
feitas no Pedagogium do Rio de Janeiro, a análise lógica foi completamente eliminada
por inútil e insignificante.”
Nas primeiras décadas do século XX, a concepção de língua que orientava o ensi-
no de língua materna era a de sistema único, o que significava a não aceitação das vari-
edades. Ensinar português representava levar os alunos ao reconhecimento do sistema
lingüístico, com a aprendizagem das regras prescritas pela gramática normativa. Era
função da escola transmitir e fixar a variedade culta da língua, garantindo-lhe a continu-
idade, para, dessa forma, atender aos interesses dos grupos dominantes.
O trabalho de ‘fixação’ de uma variedade da língua acaba por levar a
um compromisso com uma visão estática da língua e a conseqüentes
assunções de crenças que ligam a mudança lingüística a conceitos ne-
gativamente avaliados pela escola. (Santos: 1996, 18)
As primeiras idéias lingüísticas chegaram até nós veiculadas por Said Ali em suas
gramáticas. Autodidata, Said Ali mantinha-se sempre em contato com os estudos euro-
peus, a ponto de, em 1919, incluir em sua obra Dificuldades da língua portuguesa capí-
tulos voltados para as doutrinas saussurianas, quando o Curso de lingüística geral, obra
póstuma de Saussure, fora publicado apenas três anos antes, em 1916.
Partindo do conceito de diacronia de Saussure, Said Ali criou sua Lexiologia do
português histórico (1921), transformada em Gramática histórica, na 2ª edição, para
atender ao programa oficial vigente na época.
A obra de Said Ali inova, pois não parte do latim para chegar ao português, mas,
antes, trabalha do português arcaico ao moderno, apresentando duas sincronias “tão
válidas quanto a anterior” (Bechara: 1986, 52) – referindo-se à sincronia latina. Todavi-
a, a inovação do mestre não foi acolhida na época e seu trabalho só se tornou reconheci-
do após a década de 60, com os novos estudos lingüísticos já valorizados.
Na década de 40, ainda não havia um consenso sobre o que ensinar e como ensi-
nar. Cada professor estabelecia o seu planejamento, selecionando, à sua moda, o que
considerava importante para o estabelecimento de um programa de ensino.
Nessa década, com base na dicotomia langue-parole de Saussure, abriu-se para
nós o campo da Estilística. Pôde, assim, o professor distinguir estilística de gramática.
Mas, desde 1923, Sousa da Silveira, em sua obra Lições de português, embora ainda não
se dedicasse ao estudo da Estilística, já se preocupava em conceituá-las separadamente
e, do todo, já se depreendia uma colocação, acima de tudo, estilística, numa visão larga
em relação à época em que realizou seus estudos.
A linguagem brasileira corrente infringe este preceito [Não se inicia
período por variação pronominal átona] a cada momento e é força re-
conhecer que, em muitos casos, comunicando à expressão encantado-
ra suavidade e beleza (1983, 253)
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É importante reconhecer o pioneirismo de Sousa da Silveira, que, desde a 1ª edi-
ção de sua obra, opôs-se ao “dogmatismo da corrente purista”, como afirmou em seu
prólogo, e defendeu a necessidade de se recorrer a autores contemporâneos brasileiros,
sem que, por esse motivo, se desprezassem os clássicos portugueses. Assim, por exem-
plo, Machado de Assis é mais citado do que Camões. Também reconheceu a variabili-
dade lingüística, atribuindo certa importância tanto às variedades diastráticas quanto às
diatópicas.
A própria literatura nossa regional exprime-se numa língua que, ape-
sar de tudo, não deixa de ser a portuguesa; e o falar dialetal da nossa
gente inculta é, na essência, língua portuguesa. (1983, 292)
Também de Sousa da Silveira temos os Trechos Seletos, antologia cercada de co-
mentários e precedida de um estudo da língua portuguesa em seus vários aspectos. Dis-
tingue língua falada de língua escrita, brasileirismos de arcaísmos, gramática de estilís-
tica. Dessa forma, Sousa da Silveira apresenta uma didática até os dias atuais respeitada:
o estudo do texto, pelo texto, para o texto. Gramática [aqui, referindo-se à morfossinta-
xe], Semântica e Estilística são estudadas simultaneamente, pela sua proposta.
E os professores que ainda não descobriram que o texto é o grande
instrumento de ensino da língua, que leiam atentamente, repetidamen-
te, exaustivamente, as anotações de Sousa da Silveira aos Trechos se-
letos e terão encontrado o rumo definitivo da sua Didática. (Melo, a-
presentação de Trechos seletos: 1963, 3)
Mas não é apenas nos planos pedagógico e didático que distinguimos as duas me-
tades do século, no que tange ao ensino em geral. Um problema de cunho político-social
distancia frontalmente os anos pós-50 dos anteriores. A realidade é que, desde o início
do século até os anos 50, o ensino destinava-se a uma elite. As camadas populares não
tinham acesso à escola, pois as vagas eram escassas. Ora, esses alunos de uma classe
privilegiada já chegavam à escola com um domínio razoável do dialeto de prestígio, a
norma padrão culta, e seus professores eram teórica e didaticamente preparados com
excelência.
À escola cabia o ensino da gramática normativa. Textos literários compunham an-
tologias, através das quais se desenvolviam nos educandos as habilidades de leitura e
escrita. Além disso, a leitura tinha início, nessa época, em casa, no seio da família. Li-
am-se os contos de Andersen e dos Irmãos Grimm; as fábulas de Esopo e La Fontaine;
as histórias de Monteiro Lobato no Sítio do Picapau Amarelo; os livros da Condessa de
Ségur e da Sra. Leandro Dupré, entre outros.
A gramática histórica já tinha adquirido, nesse período, nova dimensão, graças ao
ensino universitário de língua materna, iniciado em 1939. Tinha como digno represen-
tante o filólogo Ismael de Lima Coutinho, que, desde sua obra mais relevante – Gramá-
tica histórica (1938) – praticava com rigor o método histórico-comparativo.
Por outro lado, a Estilística começava a ocupar um espaço no ensino, com a publi-
cação, em 1952, do livro Contribuição para uma estilística da língua portuguesa, de
Mattoso Câmara, que enveredava por um caminho até então pouco explorado por nós.
No campo da Lingüística, Mattoso Câmara publica, em 1956, o Dicionário de fa-
tos gramaticais, depois Dicionário de filologia e gramática, hoje Dicionário de lingüís-
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tica e gramática, obra de consulta, compreendendo vários verbetes, através dos quais
termos gramaticais novos e seus respectivos conceitos nos são apresentados.
Nos ensinos primário e secundário (correspondentes, respectivamente, aos atuais
ensinos fundamental e médio), nos anos 50, trabalhava-se, ainda, com a antologia. Mas
a questão do ensino ainda se mantinha problemática. As nomenclaturas eram muito va-
riáveis e cada professor seguia a sua linha, até que, diante do caos reinante, o governo
federal incumbe um grupo de gramáticos da tarefa de compilar termos técnicos, relacio-
nados à Língua Portuguesa, que deveriam ser empregados uniformemente em todo o
país. Esse glossário foi publicado, em 1959, sob forma de portaria, com o título de No-
menclatura Gramatical Brasileira (NGB), a fim de padronizar as referências descritivas
sobre a língua, numa tentativa de redirecionamento de estudos. Até os dias atuais, a
NGB encontra-se em vigor, embora submetida a várias críticas e já necessitando de uma
revisão.
A NGB não resolveu o problema do ensino, já que este não se restringe à nomen-
clatura empregada pelos professores. O objeto do ensino de Língua Portuguesa é variá-
vel o bastante para que se possa considerar que uma única doutrina dê conta dessas va-
riáveis. Além do mais, entende-se que cada professor tem o direito ético de privilegiar
essa ou aquela doutrina, sem que, por isso, seja condenado.
Dessa forma, na década seguinte, estudos e pesquisas denunciam o fracasso esco-
lar, a crise do ensino, que se mantém apesar de todas as tentativas. O alvo da alfabetiza-
ção em massa, perseguido desde a Constituição de 1946, continua inatingível. Nasce,
então, como mais uma tentativa de aperfeiçoamento do ensino, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, sob o número 4024/61. Esta lei determina que “a educa-
ção é direito de todos e será dada no lar e na escola” (Art.2º). Entretanto, em parágrafo
único, admite a insuficiência de escolas e a possibilidade de encerramento de matrícula
em caso de falta de vagas.
Ainda com intenção de minimizar os problemas, a Lei 4024/61 cria os Conselhos
Estaduais de Educação. Estes se propõem a tentar melhorar a qualidade do ensino. Le-
var-se-ão em conta, a partir da Lei, a variedade dos cursos, a flexibilidade dos currículos
e a articulação dos diferentes graus. (Art. 12). Assim, a organização do ensino passa a
obedecer às peculiaridades de cada região e de seus grupos sociais.
Nessa fase, destaca-se a conferência realizada por Celso Cunha no MEC, em de-
zembro de 1964, sobre o tema “O ensino da língua nacional”. Publicada nesse mesmo
ano, pela Livraria São José, a conferência prima por uma abordagem corajosa: a defesa
da unidade da língua, contrária a uma uniformização arbitrária, dissociada da realidade
lingüística.
A situação começa a se transformar ainda na década de 60, quando se firma o pro-
cesso de democratização da escola – em verdade, uma conseqüência de um novo mode-
lo econômico: o povo, em geral, conquista o direito à educação sistemática. Mas não se
trata, apenas, de uma mudança educacional. Surgem novas condições sociopolíticas.
Todo o país vive uma metamorfose. Com a ditadura militar, a partir de 1964, passa-se a
buscar, no país, o desenvolvimento do capitalismo, mediante expansão industrial, e o
fim das ideologias socialistas e comunistas. Na busca incessante desse objetivo, fecham-
se escolas e diretórios acadêmicos de universidades; perseguem-se professores e alunos
acusados de comunistas e acaba a liberdade de imprensa.
A proposta educacional, agora, passa a ser condizente com a expectativa de se a-
tribuir à escola o papel de fornecer recursos humanos que permitam ao Governo realizar
a pretendida expansão industrial.
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Com o povo conquistando o direito à educação sistemática, a clientela da escola
pública começa a modificar-se fundamentalmente. As escolas primárias municipais não
são mais freqüentadas pelos filhos das camadas mais privilegiadas da população. Aos
poucos, o aspecto elitista da escola pública desaparece e sua clientela passa a ser consti-
tuída de camadas populares. Cria-se o critério de carência para o acesso às escolas pú-
blicas. Em conseqüência, o professor passa a ter uma nova preocupação em sala de aula:
a heterogeneidade dialetal de seus alunos.
Acostumados, até então, a uma camada de alunos distintos, a quem ministravam a
norma padrão culta, agora os professores se sentiam despreparados para enfrentar esse
problema.
Mas não foram apenas os alunos que mudaram. Também os professores, nos pri-
meiros sessenta anos do século, pertenciam a uma elite sócio-cultural. No Rio de Janei-
ro, formados pelas Escolas Normais – inicialmente o Instituto de Educação e a Escola
Normal Carmela Dutra – eram a fina flor do Magistério Público. A nova lei acaba com
o privilégio de o Município e o Estado formarem seus professores. O prestígio do Ma-
gistério começa a se desfazer com a nova política salarial. Os professores já não são os
mesmos. As classes média e alta, que, antes, optavam pelo Magistério, por vocação ou
interesse profissional, passam a interessar-se por outras profissões mais rendosas. Co-
meça a evasão no Magistério e a mudança de perfil do professor.
Nos anos 70, começa a mudar a clientela dos Cursos Normais. Antes, uma profis-
são que conferia status às moças de classe média e alta; agora, a ascensão social para os
que pertencem à camada mais pobre da população.
Em conseqüência dessa mudança, a qualidade do ensino se faz menos refinada,
buscando-se uma adequação ao novo momento. E as classes média e alta começam a
abandonar a escola pública e a procurar as instituições particulares, notadamente as de
formação religiosa.
As concepções de lingüística européia e norte-americana, que começaram a che-
gar ao Brasil principalmente na década de 40 foram, desde o início, mal interpretadas
por professores da época, o que, como já se falou, resultou na comissão criadora da
NGB (1957-1959). A partir de 1963, implantou-se a disciplina Lingüística no currículo
mínimo dos Cursos de Letras. Segundo Uchôa (1991, 34), foi uma decisão precipitada
que causou graves distorções, pois professores sem formação lingüística se tornaram
responsáveis por seu ensino
A mesma avaliação é feita por Kato:
Em virtude da falta de formação específica da maioria dos professores
de Lingüística da década de 1963-1973, muitas aberrações podem ter
sido cometidas em nome dela. Assim, a ciência passa a ser questiona-
da por culpa de uma legislação precipitada e dessa formação precária
que levou muitos professores treinados nessa época, e também autores
de livros didáticos, a proporem e utilizarem propostas pedagógicas em
cima de conceitos e princípios mal compreendidos. (Kato: 1988, 52)
Na mesma época, o governo militar, para fazer face à demanda, autoriza a instala-
ção de faculdades particulares, sem planejamento ou fiscalização e, ao mesmo tempo,
sem preocupar-se com a qualificação docente. Paralelamente, expande a rede de ensino
público para receber a massa de analfabetos que iriam prestar serviço ao modelo indus-
trial que estava sendo criado. A isso se considerou “democratização do ensino”. Os con-
teúdos curriculares, de valor imediatista, passam a ter características instrumentais.
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Nesse clima, é sancionada a Nova Lei de Diretrizes e Bases, a 5692/71, que esta-
belece a língua nacional como instrumento de comunicação e expressão da cultura bra-
sileira. A partir de então, a disciplina Língua Portuguesa torna-se Comunicação e Ex-
pressão no que passou a ser considerado 1º segmento do 1º grau (1ª à 4ª série); Comuni-
cação e Expressão em Língua Portuguesa, no 2º segmento (5ª à 8ª série), só se configu-
rando como Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no 2º grau.
No ensino de 1º e 2º graus, dar-se-á especial relevo ao estudo da lín-
gua nacional, como instrumento de comunicação e como expressão da
cultura brasileira. (Lei 5692/71, Art.1º, parágr. único)
Diante da nova realidade lingüística dos alunos, os professores mantêm-se indeci-
sos: nivelar por baixo ou reprovar em massa nas primeiras séries de cada curso. Não
havia outras opções: ou se mantinha a qualidade do ensino e se tinha uma reprovação
maciça nos anos iniciais ou se baixava o nível de ensino, permitindo a aprovação de
alunos sem base. Nenhuma das hipóteses contentava aos professores e estes, no 2º grau,
perguntavam-se como ensinar análise literária a um aluno que nem reconhecia um subs-
tantivo.
O Brasil entra numa fase chamada de “milagre econômico”. O governo se concen-
tra na área tecnológica e já não se importa com o humanismo. Em conseqüência, altera-
se a atribuição da escola. No final do curso de 2º grau, o cidadão deverá estar qualifica-
do para o trabalho. O curso de 2º grau (atual ensino médio) passa, portanto, a ser profis-
sionalizante, e as escolas, em geral, alteram seus currículos, forjando uma “qualificação
profissional”, que, em verdade, jamais saiu do papel.
A preparação para o trabalho, como elemento de formação integral do
aluno, será obrigatória no ensino de 1º e 2º graus e constará dos planos
curriculares dos estabelecimentos de ensino. (Lei 5692/71, Art.4º, pa-
rágr. 1º)
Encarar a língua como instrumento de comunicação é uma concepção mecanicis-
ta, adequada aos fins pragmáticos do ensino. Trata-se de objetivo, no mínimo, abrangen-
te e parcamente delimitado em termos curriculares. Não mais a língua é encarada como
sistema único, o que a adequava a um ensino elitista. Para atender às camadas populares
que, agora, assolam as escolas, urge um ensino utilitário com a língua voltada para a
oralidade. Cada vez mais, o ensino torna-se menos normativo e, portanto, menos rigoro-
so, em relação aos padrões cultos da língua. Ensinar gramática passa a ser coisa ultra-
passada. Em decorrência, esse ensino vem a configurar-se pela Teoria da Comunicação:
o aluno deve ser capaz de “funcionar” como emissor e receptor de mensagens pela utili-
zação de códigos verbais e não-verbais. Em outras palavras: de forma pragmática, a
língua não é mais encarada como sistema único, o que propiciava um ensino elitista;
agora, propunha-se o desenvolvimento das habilidades de expressão e compreensão de
mensagens, um ensino compatível, portanto, com o uso da língua.
Já não se trata mais de levar ao conhecimento do sistema lingüístico –
ao saber a respeito da língua – mas ao desenvolvimento das habilida-
des da expressão e compreensão de mensagens – ao uso da língua.
(Soares: 1998, 57)
No ensino, essa alteração de objetivos se fez sentir no propósito de desvalorização
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da prática pedagógica de gramática normativa, através de regras. O professor que “ensi-
nasse gramática” era considerado desprestigiado: “foi nesse período que surgiu a até
então impensável polêmica sobre ensinar ou não ensinar gramática na escola fundamen-
tal.” (Soares: 1998, 58).
A língua como sistema era relegada a segundo plano para que se passasse a valo-
rizá-la como instrumento de comunicação. Ensinavam-se os elementos de comunicação
e funções da linguagem. Dava-se, ainda, valor à expressão corporal como uma forma de
linguagem. As gramáticas de Bechara, Celso Cunha e Rocha Lima, até então alvos de
ensino, eram substituídas por outras, que ensinavam através da ilustração. As antologias
desapareciam e, em seu lugar, surgiam livros didáticos mais atraentes em sua forma,
explorando-se cores e recursos gráficos. Seu conteúdo – esse, sim – deixava a desejar. A
interpretação dos textos não era mais elaborada pelo professor junto a seus alunos. As
perguntas – em geral, tipo “cavalo branco”, perguntas de resposta óbvia, sem nenhuma
reflexão – eram as mais comuns. Havia o livro do professor, com as respostas às ques-
tões formuladas para que o professor nem precisasse pensar. Era uma “parafernália di-
dática” (Geraldi: 1997, 93), que ia das respostas nos manuais do professor até vídeos
destinados ao ensino de determinados tópicos. Esses livros vinham adequados aos no-
vos professores que ingressavam no Magistério sem grande preparação prévia.
Dava-se ênfase, então, apenas a textos jornalísticos e publicitários, praticamente
ignorando-se os literários (desses, só o gênero crônica era utilizado, em geral). Havia,
ainda, destaque para textos não-verbais, charges e histórias em quadrinhos, com seus
códigos especiais, que passam a figurar na quase totalidade dos manuais didáticos. Não
são um mal, certamente, mas não devem ser a exclusividade, como também não o de-
vem ser os textos literários.
Pela primeira vez, exercícios de expressão oral tornam-se parte dos manuais didá-
ticos. Os textos literários de estilo mais elaborado somem desses manuais. São substitu-
ídos por crônicas, onde se explora a língua coloquial. Há, portanto, uma inversão. Os
autores da maioria dos livros didáticos se preocuparam exclusivamente com a língua
oral, visando à comunicação, e se esqueceram de que é objetivo do professor de portu-
guês trabalhar também a língua escrita (especialmente, a padrão, desconhecida, em ge-
ral, dos alunos) para ampliar os recursos de expressão de seus alunos. Assim, alguns
professores “da velha guarda” preocupavam-se em procurar livros didáticos que ainda
atendessem às suas expectativas, como os de Magda Soares, Domício Proença, Maria
Helena Silveira, Carlos Maciel e outros.
Desde o final dos anos 70, diante do caos que se estabelecera no ensino, decidiu-
se pela inclusão de redações em provas e exames vestibulares, acreditando-se em que se
teria nessa atitude uma solução para a crise do ensino. Esqueceu-se, todavia, de que,
para a melhoria da expressão de nossos alunos, não basta o domínio da técnica de reda-
ção. Fazer uma boa dissertação não consiste em estar ciente de que se devem utilizar
quatro a cinco parágrafos, sendo um de introdução, dois ou três de desenvolvimento, um
de conclusão, num espaço de vinte e cinco a trinta linhas. Urge, tão-somente, uma mu-
dança de atitude do professor quanto às atividades de produção textual de seus alunos e
como avaliar essa produção.
O que se cobrava nas redações era a obediência ao padrão culto da língua, nessa
época já tão afastado da realidade culta corrente. Assim, corrigia-se o emprego passivo
do verbo assistir, o uso do pronome reto em entre eu e você, o emprego do oblíquo em
para mim ver e se esquecia de que o grande problema da produção textual é a interlocu-
ção. Uma carta a um amigo era, por exemplo, escrita de forma cerimoniosa, para aten-
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der às normas prescritivas da língua.
O aluno é levado a reproduzir estereótipos ou generalidades sobre os
mais variados assuntos, compondo, então, a redação (e não a produção
de um texto) com base na imagem que ele assimilou do gosto e da vi-
são de língua do professor. (Uchôa: 1991, 65).
Essa atitude perdurou durante a década de 70 e início de 80. Nesse período de
mudança, já na segunda metade dos anos 80, alguns professores, em fase de pós-
graduação, cursando mestrado e doutorado, apresentam alternativas para a melhoria do
ensino de Língua Portuguesa (Souza: 1983) e publicam suas dissertações e teses, ques-
tionando o ensino a partir da gramática normativa. Grandes nomes da Lingüística e da
Gramática também se manifestam, como poderemos ver no primeiro capítulo. Algumas
editoras criam coleções que buscam o questionamento e a reflexão, como é o caso da
coleção Princípios, da Ática.
Tentando minimizar o problema, no final da década de 70, as escolas normais,
como o Instituto de Educação do Rio de Janeiro, criam disciplinas extraordinárias, como
TEOTI (Técnica de Estudos e Organização do Trabalho Intelectual) e EOE (Expressão
Oral e Escrita) para servirem de ponto de apoio ao Curso Normal e, portanto, aos futu-
ros professores do ensino fundamental, que, a essa altura, ainda sentiam dificuldades de
expressão e organização lógica do pensamento.
Do programa de TEOTI, constavam a organização de resumos, quadros sinóticos,
tabelas, técnica de sublinhar um texto, enfim tudo que pudesse facilitar o estudo e orien-
tar a pesquisa dos alunos.
EOE era uma disciplina instrumental. Parte dos “erros” comuns cometidos pelos
alunos era revista e, através de uma bateria de exercícios, dúvidas do tipo mas ou mais,
por que, porquê, por quê ou porque, há, à ou a passavam a ser esclarecidas. Pretendia-
se, pois, oferecer subsídios para uma melhor expressão escrita, mas o ensino ainda se
limitava ao conceito de que escrever bem era escrever corretamente. Tomava-se por
base unicamente o padrão culto da língua. E, ainda nesse momento, os alunos eram o-
brigados a decorar, por exemplo, que a locução adjetiva “de tia” corresponde ao adjeti-
vo “avuncular”. Pergunta-se: para quê? Por quê? Em que momento irão empregar essa
forma?
Vale lembrar que esse tipo de ensino sem propósito, vez por outra, era questiona-
do até na imprensa, como por exemplo numa deliciosa crônica de Rubem Braga, intitu-
lada “Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim”.
O livro-base de estudo era a Nossa gramática, de Luiz Antonio Sacconi, inteira-
mente calcado na gramática normativa, tradicional.
No início dos anos 80, ainda preocupadas com a defasagem dos alunos, escolas
tradicionais, como o Instituto de Educação do Rio de Janeiro, aumentam em duas horas
a carga horária de Português no primeiro ano do 2º grau (hoje, de novo, ensino médio),
para maior aproveitamento em redação. Mas também as “aulas de redação” eram, em
geral, artificiais. O professor escolhia um tema e os alunos escreviam sobre ele.
Sentindo a necessidade de rever seu planejamento, também o Colégio Pedro II re-
avalia seus objetivos e propõe, na década de 80, um novo conteúdo programático para
os ensinos fundamental e médio. Com relação a este conteúdo, dá-se ênfase à morfos-
sintaxe. As classes de palavras são estudadas dentro da oração em suas relações sintáti-
cas. Todo o ensino é sugerido a partir da leitura expressiva de um texto. A finalidade
maior do ensino de Português, no primeiro grau, continua sendo a utilização adequada
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da norma culta do idioma. Todavia, a composição oral, em suas nuanças, será recomen-
dada.
O ensino da gramática terá por fundamento a prática oral e escrita da
língua portuguesa, visando à gradual transposição da língua transmiti-
da para a língua adquirida. (PGE: 1986, 49)
Paralelamente, são criados projetos de integração entre as séries 4ª e 5ª, visando a
que, ao ingressar na 5ª série, os alunos sintam não uma quebra, mas, ao contrário, a con-
tinuidade de um ensino voltado ao aprimoramento da expressão oral e escrita. É de ex-
trema preocupação o incentivo à leitura e à produção textual, que será sempre avaliada,
inclusive como parte integrante das provas únicas, realizadas no meio e no fim de cada
período escolar.
Por seu lado, as editoras, tentando colaborar com os novos planejamentos e, ao
mesmo tempo, orientar os professores, lançam inúmeros manuais de redação e os distri-
buem entre professores, esperando que os adotem. Entre esses, destaca-se a série Criati-
vidade, de Samir Curi Meserani, que realmente explorava e estimulava a capacidade
criadora do aluno, de forma inteiramente espontânea e gradual.
Havia uma quantidade de manuais, mas quase todos se baseavam na conhecida
obra de Othon Moacir Garcia, Comunicação em prosa moderna, cuja leitura deveria ser
recomendada a todo professor porque ensina a escrever aprendendo a pensar (Garcia:
1975, 275). Sua obra divide-se em dez partes e abrange todos os conhecimentos neces-
sários a quem pretende aprimorar-se na arte de escrever e de ensinar a escrever. Seus
três primeiros capítulos são fundamentais, uma vez que estudam a frase, o vocabulário e
o parágrafo, norteando-se sempre pelas relações semânticas e sintáticas.
A partir de 1985, uma nova realidade preocupa o ensino: os exames vestibulares
constatam o despreparo dos vestibulandos, que, apesar de todos os esforços, redigem
mal e não entendem o que lêem. Matérias jornalísticas apresentam os erros ortográficos
dos candidatos a uma vaga nas universidades. Percebe-se que a preocupação maior ain-
da é com a ortografia, esquecendo-se de que a expressão é o ponto nevrálgico da produ-
ção escrita. Ninguém comenta, por exemplo, a falta de coesão e coerência num texto
escrito, mas riem dos erros ortográficos. De qualquer maneira, urge a volta da redação.
Em busca de uma solução, leitura e redação passam a ser exigidas em provas. Paralela-
mente, os alunos lêem livros impostos pelos professores e, na maioria das vezes, inade-
quados à sua faixa etária e grau de cultura. Vêem-se alunos de 6ª e 7ª séries sendo obri-
gados a ler, por exemplo, romances de José de Alencar e de Machado de Assis.
Alguns professores tradicionais condenam os colegas que adotam livros, como os
de Lígia Bojunga Nunes e Ana Maria Machado, por serem escritos em linguagem colo-
quial. Esquecem-se dos belíssimos recursos de expressão que permeiam tais livros, es-
ses, sim, adequados à faixa etária do ensino do então 1º grau. Uma cobrança inadequada
força os alunos a decorarem a história narrada para, logo após, essa “leitura” ser avalia-
da em provas.
Em cursos pré-vestibulares, cria-se a disciplina Técnica de Redação, cujo objetivo
é preparar os alunos para as dissertações dos exames vestibulares, dissertações essas que
devem apresentar coesão e coerência, além de parágrafos definidos com o propósito de
se estabelecer introdução, desenvolvimento e conclusão. À criatividade, sobrepõe-se a
apologia pura e simples da forma.
Observando as dificuldades de expressão até mesmo dos estudantes de Letras,
cursos superiores de Letras passam a oferecer disciplinas de apoio, como é o caso de
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TECOE (Técnica de Comunicação Oral e Escrita) na UERJ.
Enfim, pensava-se que se ensinava; os alunos pensavam que aprendiam. Mas o re-
sultado era, ainda, apesar de todos os esforços, uma expressão pobre, calcada , apenas,
em modelos pré-concebidos.
É nesse momento de crise que se faz ouvir a voz de Evanildo Bechara. Destaca-
mos como de alta importância no momento histórico de reflexão sobre ensino de língua
materna a obra Ensino da gramática. Opressão? Liberdade? (1986), que sempre provo-
cou muita discussão em torno dos temas focalizados, desencadeando uma série de ou-
tras produções, de diferentes autores.
Nesse trabalho, após um levantamento histórico do comportamento pedagógico,
em relação ao ensino de gramática normativa, nas décadas de 60 e 70, o autor conclui
que a “perseguição” à gramática normativa, tradicional, é tão errada quanto o privilégio
dedicado ao código oral, coloquial, em detrimento do dialeto padrão. Segundo o mesmo,
ambas as atitudes “são de natureza monolíngüe” e desprezam o fato de que “cada falan-
te é um poliglota na sua própria língua” (Bechara, 1986, 12-3).
O filólogo alinha-se com os postulados preconizados por Coseriu (1980). Assim,
observa que “toda língua funcional tem a sua gramática como reflexo de uma técnica
lingüística que o falante domina e que lhe serve de intercomunicação na comunidade a
que pertence” (1986, 13).
O falante dispõe, portanto, de várias línguas funcionais: a que usa com mais fre-
qüência e faz parte do seu cotidiano e as que costuma decodificar, em diferentes situa-
ções de discurso. Nesse caso, o papel do professor se resume em incentivar o aluno a
escolher a língua funcional adequada a seu momento de expressão. Isso pressupõe li-
berdade, possibilitada pela capacidade de entender a língua como um diassistema, que
abrange variedades diatópicas, diastráticas e diafásicas.
Posiciona-se o autor, pois, contrário ao glotocentrismo, à doutrina de uma única
língua – no caso, a língua padrão. Quando a questão é “gramática e ensino”, propõe que
se extraiam da linguagem todos os recursos que “podem significar”, como diz o lingüis-
ta inglês Halliday (1974, 274-87).
Essa mudança proposta no ensino requer, sem dúvida, uma reforma de currículo e
de atividades didáticas. É preciso não esquecer que a língua “não é um rol de nomencla-
turas” (Bechara: 1986, 23) e que seu ensino deveria seguir um método natural, quer di-
zer, diretamente proporcional ao desenvolvimento lingüístico dos alunos. Com esse
pensamento, defende que, nas aulas de gramática, dever-se-á previamente determinar
que língua funcional será objeto de descrição e, simultaneamente, contrastá-la com ou-
tras línguas funcionais, sempre que for possível.
Findas essas considerações, observa-se que o autor discute politicamente o ensino
de gramática. Em outras palavras: direciona seu pensamento para uma determinada ide-
ologia em que a sociedade brasileira deve participar como um todo na luta pela educa-
ção, “pois o destino da educação se confunde com o próprio destino dessa mesma soci-
edade” (1986, 23).
É a partir daí que pergunta se ensinar gramática significaria opressão. Interroga-
se, ainda, em relação aos limites da liberdade. Nesse momento, embora reconheça e
admita a língua coloquial como um dos usos lingüísticos (como uma língua funcional,
portanto), não aceita o privilégio que alguns autores lhe dão e, conseqüentemente, o
“ensino” dessa modalidade de língua.
Que a língua coloquial esteja presente no ensino da língua estrangeira,
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compreende-se...mas no tocante à língua materna... (Bechara: 1986,
60).
Entretanto, reconhece que “o ensino lingüístico na escola deverá partir da ativida-
de oral” (p. 46), o que significa que a gramática internalizada – aqui entendida como o
repertório lingüístico que todo falante possui – será o ponto de partida do ensino.
Contextualizando no tempo a obra em análise, observamos que ela já representa
uma evolução, pois conclama a que outros autores escrevam sobre o mesmo tema - en-
sino da gramática e, inclusive, comecem a propor uma metodologia de ensino.
“Escrevam, discutam, polemizem! ” – constitui a “chamada”, embora breve, para
a reflexão e conseqüente posicionamento em torno da questão ensino. A coleção Princí-
pios, em que se insere a obra, caracteriza-se, entre outros objetivos, por lançar idéias a
serem desenvolvidas/debatidas no meio acadêmico.
.Resumindo, o autor posiciona-se contra a opressão lingüística, contra o glotocen-
trismo e o ensino metalingüístico e defende a liberdade de expressão.
Fazendo do estudo da gramática um fim em si mesma, pôde-se facil-
mente observar que tal atividade nem ministrava aos alunos, através
do conhecimento das normas gramaticais, o conhecimento da língua,
nem tampouco a habilidade expressiva. (Bechara: 1986, 39).
Mais uma vez, sobressai o nome de Celso Cunha, dessa vez aliado ao de Lindley
Cintra. Ambos conjugam, em sua Nova gramática do português contemporâneo (1985),
o normativismo e o descritivismo, numa tentativa de conciliação. Pela primeira acepção,
apresentam, de maneira didática, as regras relativas à norma culta do português atual,
tomando por base não apenas escritores clássicos, mas também brasileiros, africanos e
portugueses a partir do Romantismo, no século XIX. Já numa posição descritiva, os
autores ainda apresentam aspectos da língua coloquial, além de variedades diatópicas.
Houve, inclusive, a intenção de valorizar os recursos expressivos do idioma, tornando
sua gramática uma “introdução à estilística do português contemporâneo” (1985, 15).
Celso Pedro Luft foi, também, um nome de destaque na década de 80. Com a pu-
blicação, em 1985, de Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua materna,
o autor foi tido como revolucionário no tocante ao ensino de Língua Portuguesa, daí a
necessidade de incluí-lo nessa relação.
Nessa obra, aqui referida pela 3a edição, de 1994, Luft afirma que, ao contrário do
que muitos pensam, não é contra a gramática, “pois esta é imanente às línguas” (1994,
11). O que, na verdade, o preocupa é o ensino opressivo de língua materna. Propõe, en-
tão, uma mudança radical nesse ensino, em que se passe a usar, como ponto de partida,
a gramática que o aluno domina, ou seja, a gramática internalizada a que outros autores
irão referir-se posteriormente.
Segundo Luft, o que falta ao educando é liberar o que “já sabe” (ou seja, sua gra-
mática internalizada) e, certamente, ampliar suas capacidades através de uma “prática
sem medo, um ensino sem opressão” (1994, 12). Com essa observação, antecipa-se à
posição posteriormente assumida por Franchi (1987), Travaglia (1995/1998), Possenti
(1996/1998) e Geraldi (1991;1996/1998), defendendo o desenvolvimento das aptidões
dos alunos através da prática.
O que os distingue, todavia, é o fato de o autor em foco não chegar a precisar em
que consiste essa “prática sem medo” (Luft: 1994, 12) a que se refere. Discute o pro-
blema, mas não chega a apresentar alternativas em termos pragmáticos.
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Para o autor, “quem fala sabe a gramática da língua”, logo a escola não necessita
de informar teoria gramatical aos alunos, pois não é por esse meio que teremos escrito-
res habilidosos e leitores proficientes. O que importa, portanto, é a ampliação de voca-
bulário, o desenvolvimento dos recursos expressionais, enfim a possibilidade de o aluno
tomar consciência da língua e, a partir daí, ser capaz de dominar a escrita. Assim, o au-
tor destaca o papel da liberdade referida no título de sua obra. Seu desejo é formar “ci-
dadãos lúcidos e livres, senhores de sua linguagem” (1994, 12).
Luft relaciona o ensino de língua ao conceito universal de liberdade, pois “a gra-
mática mal ensinada incute servilismo” (1994, 93). Partindo desse princípio, espera que
o ensino conduza à liberdade - ponto comum com o filólogo Bechara (1986), já referido.
Estabelece, também, distinção entre “teoria artificial”, que ele chama de Gramáti-
ca (com G maiúsculo) e “teoria natural”, gramática (com g minúsculo) - respectiva-
mente, o que Coseriu (1980) chama de “gramática 1” e “gramática 2” Em outras pala-
vras, Luft distingue a gramática explícita, metalingüística, da gramática tomada como
objeto, a gramática interiorizada. Defende a idéia de que o estudo da Gramática, unica-
mente como metalinguagem, não é indispensável ao domínio da comunicação. Chegar-
se-á, pois, à comunicação através da prática e não da teoria.
Podemos nos mover sem saber que músculos, nervos, ossos estão em
funcionamento; sem saber as regras da locomoção. Quanto pianista
toca de ouvido, sem conhecer teorias de notas, de acordes ou harmo-
nização, sem saber explicitamente as regras – a gramática – da músi-
ca. (Luft, 1994, 18)
Assim, ao invés de regras gramaticais, as aulas de Português devem abranger lei-
tura com comentário, análise e interpretação de “bons” (grifo nosso) textos e produção
constante de textos “bons” – comentário subjetivo, pois depende de critérios variáveis.
O autor ainda esclarece que muitos professores, rejeitando a gramática tradicional,
de natureza metalingüística, se valem dos conhecimentos teóricos de Lingüística. Esta
passa a ser a “tábua de salvação”. Mas a teorização moderna, de base lingüística, não
deve substituir a teoria gramatical, de caráter tradicional. O que se procura, em termos
de ensino, não é uma teoria “melhor” e, sim, uma prática mais eficiente. Por conseguin-
te, cabe ao professor o embasamento teórico que irá guiá-lo em suas aulas práticas. Essa
posição se afina com a de Franchi (1987) e já a definia Georges Mounin:
É o docente quem deve saber Lingüística e Gramática para bem ensi-
nar esse manejo, e não forçosamente o discípulo, muito menos a cri-
ança. (apud Luft: 1994, 97)
Diante dos protestos da área educacional, o Conselho Federal de Educação decide
estabelecer a medida de retorno da disciplina “Português”, eliminando as denominações
relativas à Comunicação. Esse caráter vacilante de denominar a disciplina referente ao
ensino da língua materna , alás, sempre foi uma constante. Nas décadas de 40 e 50, usa-
va-se Linguagem para o antigo primário. Tal atitude traduz a falta de consenso, não só
na referência, mas também no que ensinar.
Entretanto, não se trata somente de substituir uma denominação, mas de encetar
uma nova atitude que se esperava obter frente ao ensino de língua materna.
Paralelamente, novas ciências lingüísticas – a Sociolingüística, a Psicolingüística,
a Pragmática, as teorias do discurso e do texto – desenvolvidas nesse período, come-
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çam, inclusive, a influenciar no ensino de língua portuguesa.
Chega-se, portanto, a mais um momento de questionar que gramática queremos
ensinar: a gramática entendida como um sistema único ou a gramática como um diassis-
tema? Valoriza-se a língua escrita, a língua oral, ou ambas? Qual a função do texto?
Ensina-se redação ou trabalha-se com produção textual? Cobra-se ou incentiva-se a lei-
tura? Parece-nos já se ter chegado a um consenso: ensina-se a gramática como diassis-
tema, valorizando-se todas as modalidades lingüísticas, adequadas a cada situação em
particular; o texto é estudado em suas potencialidades expressivas; trabalha-se com pro-
dução textual; incentiva-se sempre a leitura.
Diversos lingüistas começam a escrever artigos e publicar livros sobre o ensino de
língua portuguesa. Destacamos os nomes de Carlos Franchi, Mário Perini, Sírio Possen-
ti, Luiz Carlos Travaglia, João Wanderley Geraldi, Luiz Percival Leme Britto, Rodolfo
Ilari, Carlos Eduardo Falcão Uchôa, Magda Soares, Luiz Marques de Souza, Marcos
Bagno, entre outros.
Se perguntássemos a qualquer professor secundário por que se ensina
gramática, ele responderia provavelmente que o conhecimento da
gramática, devidamente assimilado, é um pré-requisito da expressão
correta. Se entendo bem, afirmações como esta querem dizer que o in-
divíduo que conhece gramática tem melhores condições para controlar
sua própria expressão, evitando assim incorreções (...) Esse projeto,
que poderia ser chamado de ‘boa expressão como subproduto da gra-
maticalização’, é problemático. Primeiro, porque cabe perguntar se
uma prática, um hábito, qualquer que ele seja, deve sempre resultar de
uma opção consciente; segundo, porque parece claro que o esforço de
abstração exigido para adivinhar o que está por trás de certas defini-
ções das gramáticas escolares vai além da capacidade do aluno médio
[vai além da capacidade de boa parte dos lingüistas não-dogmáticos].
(Ilari: 1997, 54-5).
A década de 90 já representa uma evolução. Encabeçado pela UFRJ e pela UNI-
CAMP, começa a mudar o Vestibular. As provas, não mais de múltipla escolha, revelam
amadurecimento na elaboração e preocupação com a expressão escrita dos candidatos,
em questões que exigem reflexão e conhecimento da língua.
As redações, nos exames vestibulares, começam a mudar de feição. Diante do e-
xame de textos variados, em diferentes linguagens, em torno de um mesmo núcleo te-
mático, o aluno é incitado a produzir seu próprio texto.
Deve o professor fomentar permanentemente o contato do aluno com
a múltipla variedade de situações e logo com a pluralidade de discur-
sos daí recorrentes. (Uchôa: 1991, 66)
Nessa década, as principais universidades brasileiras começam a discutir o tema
“ensino de língua materna”. Congressos e Simpósios são realizados em vários pontos do
país. Na UERJ, por exemplo, instituiu-se por iniciativa da professora Maria Teresa
Gonçalves Pereira, em 1996, o I Fórum de Estudos Lingüísticos para debater o ensino
de Língua Portuguesa. O evento tem se repetido ano após ano, trazendo novas contribu-
ições e ganhando o apoio de novas figuras representativas da UERJ, como os professo-
res André Valente, Cláudio Cezar Henriques e José Carlos de Azeredo. Na UFF, o pro-
fessor Carlos Eduardo Falcão Uchôa cria, em 1998, durante a implantação do curso de
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Doutorado, uma linha de pesquisa em estudos lingüísticos voltados para o ensino de
língua materna. Foi sob sua orientação que a tese de que se origina este artigo começou
a amadurecer.
Há vários anos, Uchôa vem defendendo que o “ensino de língua materna deve
cuidar de modo prioritário (não absoluto) da língua escrita” (1991, 35) daí advindo,
também, sua recomendação de que se inclua, nos cursos de Letras, uma ementa voltada
para a Lingüística Aplicada ao ensino de língua materna. Não será, com certeza, a cria-
ção de uma nova gramática da língua, em bases descritivas modernas, a redenção do
ensino. O que lhe parece fundamental é a “preocupação com a criação de atitudes críti-
cas do futuro professor em relação à língua e ao seu ensino” (p. 37).
De pouco adiantará tal gramática, esperada por tantos como redentora
com vistas à renovação do ensino, se o professor persistir em falar ou
em defender uma “boa linguagem” em termos absolutos, continuando
a orientar o seu ensino na base da rigidez normativa e de atitudes sem
fundamento – sem saber colocar-se, digamos, ante uma ocorrência
como a gíria, recriminando-a simplesmente como linguagem pobre,
vulgar, ao invés de procurar caracterizá-la e mostrar a sua expressivi-
dade e adequação a certos contextos.(UCHÔA: 1991, 36).
Crendo, pois, na importância da visão crítica do professor de Língua Portuguesa,
Uchôa propõe que se cuide “com maior atenção e maior realismo” dessa formação, a-
proximando Universidade e ensinos fundamental e médio, de tal forma que o futuro
professor não apresente uma atitude preconceituosa face à variedade dialetal de seus
alunos, o que já se tornou uma realidade desde o momento em que as diferentes classes
sociais tiveram acesso à escola.
Nos últimos anos, nota-se uma maior preocupação com a formação dos professo-
res de Letras. O governo incentiva e cobra a pós-graduação. Criam-se os PCNs (Plane-
jamento de Currículo Nacional), visando a orientar e padronizar o ensino segundo os
mais modernos parâmetros.
Algumas instituições adotam o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como
base de ingresso nas Universidades, compondo a primeira fase do exame vestibular.
A LDB nº 9394, de 20/12/1996, em seu Art.36, estabelece que a língua portuguesa
será encarada como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício
da cidadania, contemplando, assim, todas as modalidades expressivas, sem encará-las de
forma privilegiada ou não. Os ensinos de 1º e 2º graus são rebatizados, respectivamente,
de ensino fundamental e médio. Mas, ainda assim, o Magistério permanece mal remunerado e sem condições de
trabalho. Falta-lhe, inclusive, muitas vezes, o giz e o apagador. E o professor, verdadei-
ro artista, é obrigado a fazer malabarismos no palco da sala de aula para dar conta, com
seriedade, de um trabalho realizado em mais de uma escola como condição de sobrevi-
vência.
Tentativas de resolver a questão do ensino continuam. No Governo Fernando
Henrique Cardoso, o Ministério da Educação implantou, em nível nacional, o chamado
“Provão”, com a finalidade de avaliar o aproveitamento dos alunos formados pelas uni-
versidades brasileiras, de norte a sul. Os atuais governantes resolveram aperfeiçoar o
modelo, inserindo outros critérios que vêm recebendo críticas nos meios políticos e aca-
dêmicos, mas persiste a idéia de que é preciso avaliar o ensino ministrado nos cursos
superiores.
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Condenado por uns, aprovado por outros, o “Provão“ se mantém e revela, pelo
menos, um mérito: apontar as Universidades que apresentam grandes falhas no ensino.
Toda a sociedade letrada toma conhecimento, pelos órgãos de divulgação de massa, dos
conceitos atribuídos às universidades brasileiras. Sentindo-se expostas, essas Universi-
dades voltam a atenção a seus currículos e reavaliam seu corpo docente, preocupando-
se, a partir daí, em contratar novos professores com formação em mestrado e doutorado.
Nada disso, porém, é definitivo. Educação será sempre um processo de questio-
namento. Temos consciência de que nunca chegaremos a uma plenitude, mas o mais
importante, nesse momento, é a nova concepção de língua que começa a delinear-se.
Língua, agora, não é apenas instrumento de comunicação, mas, principalmente, enunci-
ação, discurso, que estabelece relações de intercomunicação. Os processos de leitura e
escrita passam, portanto, a ser resultantes da interação autor-texto-leitor.
De acordo com a nova concepção, altera-se o papel desempenhado pelo aluno. Es-
te passa a ser ativo e construtor de suas próprias habilidades e conhecimentos, através
de um processo contínuo de interação com outros receptores e com a própria língua, que
funciona como código. A criatividade não é mais considerada um fator isolado, depen-
dente de um dom inato e especial. Criativo é todo ato de fala, porque a linguagem é cri-
ação e re-criação de si mesma.
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N. do Org.: Este artigo é uma adaptação do capítulo de introdução da tese de doutora-mento "Ensino de Língua Portuguesa: teorias, reflexões e prática", defendida na UFF em 2002.