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UEM - Universidade Estadual de Maringá / PLE – Programa de Pós-graduação em Letras Disponível em:<anais.jiedimagem.com.br>. Página1 ANÁLISE SEMÂNTICA E HÍSTÓRICA DA CANÇÃO “O QUERERES” DE CAETANO VELOSO SOB A VISÃO DE GREIMAS E POTTIER Aline Suzana de Freitas VAZ (USC) Introdução Muitos filólogos e estudiosos da história da língua esquecem-se, durante o transcurso de suas pesquisas, de que assim como as palavras mudam sua forma e sua sintaxe através dos tempos, também seu significado vai se modificando com o passar dos anos, em decorrência de uma série de fatores sociais e culturais. Nesta pesquisa, intitulada “Análise semântica e histórica da canção “O Quereres” de Caetano Veloso sob a visão de Greimas e Pottier”, tenho me dedicado ao estudo das diferenças de significação das palavras da língua portuguesa tentando descobrir as diferentes nuances de significação que estas palavras possuem em outros estágios da língua, através da comparação de seus contextos sintático-semânticos e, quando necessário, pragmáticos. Na tentativa de determinar os motivos que levam a essas diferentes acepções de uma mesma palavra através dos tempos, costumo encontrar fatores sociais, culturais, antropológicos e históricos interessantíssimos, que muito engrandeceriam a pesquisa filológica, se os ilustres pesquisadores normalmente não esquecessem do “detalhe semântico” em suas pesquisas. Este trabalho tem por finalidade rememorar, ou até apresentar, conforme for o caso, as principais mudanças semânticas, suas características mais marcantes e seus fatores determinantes, com profusão de exemplo a música “O Quereres” de Caetano Veloso, chegando mesmo a discorrer sobre uma fase da história “Tropicalismo”, neste jogo de palavras a música confunde-se com a própria história da humanidade, com o objetivo precípuo de despertar a atenção dos senhores pesquisadores e filólogos para a importância e dimensão que a semântica histórica tem no estudo dos diversos tipos de gêneros literários da língua portuguesa. O suporte teórico para este trabalho é quase que exclusivamente, o excelente livro “Fundamentos da linguística contemporânea” de Edward Lopes e também o livro

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ANÁLISE SEMÂNTICA E HÍSTÓRICA DA CANÇÃO “O QUERERES” DE

CAETANO VELOSO SOB A VISÃO DE GREIMAS E POTTIER

Aline Suzana de Freitas VAZ (USC)

Introdução

Muitos filólogos e estudiosos da história da língua esquecem-se, durante o

transcurso de suas pesquisas, de que assim como as palavras mudam sua forma e sua

sintaxe através dos tempos, também seu significado vai se modificando com o passar dos

anos, em decorrência de uma série de fatores sociais e culturais.

Nesta pesquisa, intitulada “Análise semântica e histórica da canção “O

Quereres” de Caetano Veloso sob a visão de Greimas e Pottier”, tenho me dedicado ao

estudo das diferenças de significação das palavras da língua portuguesa tentando

descobrir as diferentes nuances de significação que estas palavras possuem em outros

estágios da língua, através da comparação de seus contextos sintático-semânticos e,

quando necessário, pragmáticos.

Na tentativa de determinar os motivos que levam a essas diferentes acepções de

uma mesma palavra através dos tempos, costumo encontrar fatores sociais, culturais,

antropológicos e históricos interessantíssimos, que muito engrandeceriam a pesquisa

filológica, se os ilustres pesquisadores normalmente não esquecessem do “detalhe

semântico” em suas pesquisas.

Este trabalho tem por finalidade rememorar, ou até apresentar, conforme for o

caso, as principais mudanças semânticas, suas características mais marcantes e seus

fatores determinantes, com profusão de exemplo a música “O Quereres” de Caetano

Veloso, chegando mesmo a discorrer sobre uma fase da história “Tropicalismo”, neste

jogo de palavras a música confunde-se com a própria história da humanidade, com o

objetivo precípuo de despertar a atenção dos senhores pesquisadores e filólogos para a

importância e dimensão que a semântica histórica tem no estudo dos diversos tipos de

gêneros literários da língua portuguesa.

O suporte teórico para este trabalho é quase que exclusivamente, o excelente livro

“Fundamentos da linguística contemporânea” de Edward Lopes e também o livro

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“Verdade tropical” de Caetano Veloso, duas grandes obras que tomarei como base para

meus estudos relacionados à semântica e a história.

1. Biografia de Caetano Veloso

Caetano Emanuel Viana Teles Veloso – cantor, compositor, escritor nasceu no dia

sete de Agosto de 1942 em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, filho de José Teles

Veloso, que trabalhava como funcionário público do Departamento de Correios e

Telégrafos, e de Claudionor Vianna Teles Veloso. Tem sete irmãos – Nicinha, Clara,

Mabel, Irene, Rodrigo, Roberto e a mais conhecida Maria Bethânia.

Desde sua infância demonstrou interesse pela música, pintura, e depois também

pelo cinema:

“Eu me aconchegava nesses rituais, mas a pouco, fui me rebelando

contra as formalidades. Eu tinha intuições filosóficas complicadas.

Senti com muita força a evidência solipsista da impossibilidade de

provar para mim mesmo a existência do mundo – mesmo a do meu

corpo.” (VELOSO, 1997, p. 24)

Em 1956 morou durante um curto período em Guadalupe, no Rio de Janeiro,

frequentou o auditório da Rádio Nacional – era palco de apresentações dos maiores ídolos

musicais brasileiros da época. Em 1959 conheceu o trabalho do músico João Gilberto

através do LP “Chega de Saudade”. Este músico que mais influenciou sua trajetória

artística:

“Eu tinha dezessete anos quando ouvi pela primeira vez João Gilberto.

Ainda morava em Santo Amaro, e foi um colega do ginásio quem me

mostrou a novidade que lhe parecera estranha e que, por isso mesmo,

ele julgara que me interessaria: “Caetano, você que gosta de coisas

loucas, você precisa ouvir o disco desse sujeito que canta totalmente

desafinado, a orquestra vai pra um lado e ele vai para o outro”. Ele

exagerava a estranheza que a audição de João lhe causava,

possivelmente encorajado pelo título da canção “Desafinado” – uma

pista falsa para primeiros ouvintes de uma composição que, com seus

intervalos melódicos inusitados, exigia intérpretes afinadíssimos e

terminava, na delicada ironia de suas palavras, pedindo tolerância para

aqueles que não o eram.” (VELOSO, 1997, p. 32)

Em 1960, após concluir o curso ginasial, mudou-se com a família para Salvador,

onde concluiu o ensino médio. Entre 1960 e 1962 escreveu críticas de cinema para o

Diário de notícias. Nesta época também aprendeu a tocar violão e começou a cantar com

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sua irmã Maria Bethânia em bares de Salvador. Em 1963 ingressou na faculdade de

Filosofia da Universidade de Bahia. Neste ano conheceu o seu ídolo que já conhecia pela

TV, Gilberto Gil, e tornou-se amigo dele. Também conheceu Gal Costa e Tom Zé.

Casou-se com a baiana Dedé Gadelha em 21 de Novembro de 1967. No dia 22 de

Novembro de 1972 nasceu o primeiro filho deles Moreno Veloso. No dia 7 de Janeiro de

1979 Júlia, que morreu dias depois. Em 1986, já separado de Dedé Veloso, começou a

viver com a carioca Paula Lavigne. Com ela teve mais dois filhos – Zeca Lavigne Veloso,

nascido no dia 7 de Março de 1992, e Tom Lavigne Veloso, nascido em 25 de Janeiro de

1997 em Salvador.

2. Características do movimento tropicalista

Para entendermos melhor o movimento tropicalista, precisamos tratar melhor da

situação política do país daquela época. O movimento tropicalista cujo período incide na

seguinte datação: Setembro de 1967 a Dezembro de 1968 constituiu um desafio à crítica

cultural dessa década. Os tropicalistas influenciados pela produção de paradigmas da

mudança cultural, da transformação estética e política da época, indicam uma nova

situação, no contexto dos acontecimentos das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.

(FAVARETTO, 1996, p.99)

A década dos anos 60, no Brasil, é apontada como um período muito rico

culturalmente e politicamente. O desenvolvimento progressista anunciado por Juscelino

Kubitschek, posteriormente colocado em xeque pela repressão pós-golpe de 1964, e

permeado pelos atos inconstitucionais, resultaram numa ampla contestação ideológica na

época, produzida pela intelectualidade brasileira. Somados à entrada da era eletrônica e a

conquista do homem à Lua formam o período mais efervescente e contraditório da

história cultural brasileira contemporânea:

“Para entendermos a pertinência de observações como as feitas acima, é

preciso ter em mente a atmosfera em que se davam esses embates de

canções no Brasil dos anos 60. O golpe militar, levado a cabo em nome

da guerra ao comunismo internacional, tinha posto um oficial da

chamada linha “americana” no poder: o marechal Castelo Branco. Isso

quer dizer que ele, diferentemente dos chamados “prussianos” (que

seriam nacionalistas estatizantes), queria limpar o Brasil do

esquerdismo e da corrupção para poder entrega-lo às modernidades do

livre mercado.” (VELOSO, 1997, p. 172)

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O Tropicalismo ocorre nos fins da década de 60, abrangendo a duração de

quatorze meses, não podendo ser estudado somente nessa fase, pois buscou fontes em

todas as épocas anteriores e dessa forma deixando suas marcas culturais.

O movimento tropicalista transformou os critérios de gosto não só quanto a

música e a política, mas também ao comportamento, ao sexo, ao corpo e ao vestuário. A

contracultura hippie foi assimilada, com a moda dos cabelos longos a das roupas

coloridas e berrantes. O movimento acabou reprimido pelo governo militar. Porém, a

cultura do país já estava marcada para sempre pela descoberta dos trópicos:

“Esse clima – que exercia estímulo igualmente forte sobre cineastas,

diretores de teatro, poetas e artistas plásticos – justificou um rótulo

jocoso que, provavelmente criado por mentes da direita com intuito

desabonador, não foi tomado sempre como pejorativo por parte

daqueles em quem ele era aplicado: “esquerda festiva”, uma expressão

de gênese e gosto aparentados com os de “radical chic” mas menos

mordaz e antipática do que esta (menos inteligente, porém anônima,

mais popular e, de todo modo, mais generosa, além de muito anterior),

é, de fato um epíteto que nos sentiríamos felizes em poder aplicar

literalmente, por exemplo, ao socialismo cubano.” (VELOSO, 1997, p.

173)

2. Análise da canção “O Quereres”

Essa canção revela uma espécie de jogo de xadrez em que as palavras são as peças

e o sentido delas depreendido causa o movimento de cada palavra, unindo-as através de

uma rede de significações. Portanto, o jogo de xadrez no texto só se faz perceptível ao

leitor/ouvinte porque as palavras mantêm uma relação de significados entre si, necessária

à compreensão do texto. Observe a música na integra:

O Quereres (Caetano Veloso)

Onde queres revólver sou coqueiro,

E onde queres dinheiro sou paixão

Onde queres descanso sou desejo,

E onde sou só desejo queres não

E onde não queres nada, nada falta,

E onde voas bem alto eu sou o chão

E onde pisas no chão minha alma salta,

E ganha liberdade na amplidão.

Onde queres família sou maluco,

E onde queres romântico, burguês

Onde queres Leblon sou Pernambuco,

E onde queres eunuco, garanhão

E onde queres o sim e o não,

Talvez onde vês eu não vislumbro razão

Onde queres o lobo eu sou irmão,

E onde queres cowboy eu sou chinês.

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Ah, bruta flor do querer,

Ah, bruta flor, bruta flor...

Onde queres o ato eu sou espírito,

E onde queres ternura eu sou tesão

Onde queres o livre decassílabo,

E onde buscas o anjo eu sou mulher

Onde queres prazer sou o que dói,

E onde queres tortura, mansidão

Onde queres o lar, revolução,

E onde queres bandido eu sou o herói.

Eu queria querer-te e amar o amor,

Construir-nos dulcíssima prisão

E encontrar a mais justa adequação,

Tudo métrica e rima e nunca dor

Mas a vida é real e de viés,

E vê só que cilada o amor me armou

E te quero e não me queres como sou,

Não te quero e não queres como és.

Ah! Bruta flor do querer

Ah! Bruta flor, bruta flor...

Onde queres comício, flipper vídeo,

E onde queres romance, rock’nroll

Onde queres a lua eu sou o sol,

E onde a pura natura, o inseticídeo

Onde queres mistério eu sou a luz,

E onde queres um canto, o mundo inteiro

Onde queres quaresma, fevereiro

E onde queres coqueiro sou o obus.

O queres e o estares sempre afim,

Do que em mim é de mim tão desigual

Faz-me querer-te bem, querer-te mal,

Bem a ti, mal ao quereres assim

Infinitamente pessoal,

E eu querendo querer-te sem ter fim

E, querendo-te, aprender o total

Do querer que há e do que não há em

mim

VELOSO, Caetano. Velô. Polygram,

1984. Faixa 7.

2.1 Relação Antonímica

A música “O Quereres”, de Caetano Veloso, há vários exemplos de pares

antonímicos de valor semântico. Nesse tipo de relação, os valores antonímicos só serão

reconhecidos no contexto, ou seja, não há uma relação direta de oposição entre pares de

palavras, a relação de oposição é construída no texto. Considerando-se que antonímia não

tem de necessariamente ocorrer entre palavras isoladas como, por exemplo, nos pares

quente / frio ou noite / dia mas, muito além disso, pela elasticidade de valores semânticos

que compõem o léxico de uma língua, podemos dizer que a antonímia é um fenômeno do

uso (TEIXEIRA, 2005, p.21).

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Para observarmos mais facilmente as relações de oposição no poema musical “O

Quereres”, partimos de dois vocábulos, eu e tu, que apresentam visões contraditórias

acerca do mundo, como podemos acompanhar nos versos seguintes:

“vê só que cilada o amor me armou: eu te quero (e não queres) como sou

não te quero e não me queres como és.”

Vejamos no quadro 1 exemplos de palavras ou ainda, de estruturas frasais que

pontuam a relação de contradição mantida pelo par de vocábulos tu e eu no poema:

Tu Eu

Revólver Coqueiro

Dinheiro Desejo

Família Maluco

Romântico Burguês

Leblon Pernambuco

Eunuco Garanhão

sim e não Talvez

Lobo Irmão

Cowboy Chinês

Ato Espírito

Ternura Tesão

Anjo Mulher

Prazer o que dói

Tortura Mansidão

Lar Revolução

Bandido Herói

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Comício flipper-vídeo

Romance rock’n’roll

Lua Sol

pura natura Inseticídio

Mistério Luz

um canto o mundo inteiro

Quaresma Fevereiro

Coqueiro Obus

voas bem alto eu sou o chão

pisas o chão minha alma salta

Vês não vislumbro razão

não queres como sou eu te quero como sou

não queres como és eu não te quero como és

o quereres o estares sempre a fim do que em mim é de mim tão desigual

Quadro 1

A partir destes pares antonímicos, que as relações são estabelecidas entre

elementos que se completam como partes de um todo, não entre elementos que têm de a

priori ser contraditórios.

Acompanhemos, agora, no quadro 2 (REI, 2002) as relações dos pares de palavras

exemplificados:

Pares antonímicos no texto Relação de oposição

Revólver / coqueiro Revólver: associado a atos violentos.

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Revólver / coqueiro Coqueiro: que dá frutos, portanto, vida.

Dinheiro / Paixão

Dinheiro: algo concreto; material.

Paixão: sentimento; abstrato; espiritual.

Descanso / Desejo

Descanso: corpo em repouso. Desejo: corpo

em atividade.

Família / Maluco

Família: apego ao lar. Maluco:

comportamento inconsequente; que gosta de

experimentar liberdade.

Romântico / Burguês

Romântico: culto aos sentimentos. / Bur-

guês: apego material sobretudo ao dinheiro.

Leblon / Pernambuco

Leblon: metrópole; badalação.

Pernambuco: provincianismo, sossego.

Eunuco / Garanhão

Eunuco: associado ao que ou àquele que é

estéril.

Garanhão: com facilidade de reprodução.

O sim e o não / Talvez Sim e não: certeza.

Talvez: dúvida.

Lobo / Irmão Lobo: voracidade.

Irmão: pacato.

Cowboy / Chinês

Cowboy: está associado à imagem do

mocinho americano.

Chinês: prefere se proteger mais, se

posicionar contra os atos de heroísmo.

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Ato / Espírito

Ato: concreto.

Espírito: abstrato.

Ternura / Tesão

Ternura: sentimento dócil; afeto; espiritual.

Tesão: desejo carnal; inconsequente;

sentimento num plano inferior.

Livre / Decassílabo Livre: não se prende as regras.

Decassílabo: preso às regras.

Anjo / Mulher Anjo: pureza / Mulher: ser ambíguo

Prazer / Dói

Prazer: alegria.

Dói: tristeza

Tortura / Mansidão

Tortura: faz sofrer.

Mansidão: acalma.

Lar / Revolução

Lar: tranquilidade; estabilidade.

Revolução: turbulência; desestabilidade.

Bandido / Herói

Bandido: transgride as leis.

Herói: respeita as leis.

Comício / Flipper vídeo

Comício: reunião de pessoas que interagem

entre si em um mesmo ambiente, em busca

de um interesse comum.

Flipper vídeo: várias pessoas em um mesmo

ambiente, mas a relação de interação dá-se

entre sujeito e a máquina.

Romance / Rock’nroll Romance: calmaria; sossego.

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Romance / Rock’nroll Rock’nroll: protesto; barulho.

Lua / Sol

Lua: noite, escuridão.

Sol: dia, claridade.

Pura natural / Inseticídeo

Pura natural: aquilo que é próprio da

natureza, é natural. / Inseticídeo: produto

industrializado, artificial.

Mistério / Luz

Mistério / Luz

Mistério: que não é revelado; obscuro.

Luz: clareza.

Um canto / O mundo inteiro

Um canto: atitude de egoísmo.

O mundo inteiro: atitude de altruísmo.

Quaresma / Fevereiro

Quaresma: corresponde aos quarenta dias

que se seguem após o carnaval. Fevereiro: o

mês que marca, tradicionalmente, a festa de

carnaval; festa pagã, profana.

Coqueiro / Obus

Coqueiro: que dá frutos, portanto, vida.

Obus: uma espécie de morteiro ou granada;

tira a vida

Quadro 2

Nessa canção, portanto o autor se vale também do recurso da antonímia a priori, a

característica de pares de signos com valores opostos claros, em que um a alternativa

nega a outra.

Veja os exemplos: sim / não; bandido / herói; lua / sol; bem / mal.

Nesse tipo de relação, os pares antonímicos podem ser mais facilmente

identificados se deslocados do texto, ou seja, se vistos isoladamente.

A metáfora é um recurso amplamente rico de que os falantes de uma língua se

valem quando querem dizer que “uma coisa (A) é outra coisa (B) em virtude de qualquer

semelhança percebida pelo espírito característico de A e o atributo predominante, atributo

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por excelência, de B, feita a exclusão de outros, secundários por não convenientes à

caracterização do próprio termo A (GARCIA, 1981, p. 85)

2.2 Linguagem metafórica

Dentre os recursos de que Caetano Veloso se vale em “O Quereres”, a metáfora

pode ser identificada com bastante frequência marcando a força da expressão desde de

um ciclo de comparações diretas, seguindo a estrutura onde “queres x, quero y”, como

nos exemplos:

“onde queres descanso, sou desejo” / “onde queres romântico, burguês”

“onde queres comício, flipper-vídeo”.

2.3 Frases em oposição

A oposição construída no poema se divide em dois grupos: oposição entre

palavras – formando pares antonímicos e antíteses – e oposições entre frases – formando

contrariedades:

“E onde buscas o anjo, sou mulher / Onde queres o prazer sou o que dói”

Há uma clara divergência de vontades (SALGUEIRO, 2003). O autor explora o

recurso da ambiguidade de maneira sublime, como que fechando o ponto de tensão em

toda a letra, arrolando entre as figuras eu e tu, como podemos constatar nesses dois

versos:

Onde queres revólver sou coqueiro

E onde queres coqueiro, eu sou o obus.

Veja o segundo verso destacado, que é escrito no final do poema (último verso da

penúltima estrofe), repete o primeiro, que se refere também ao primeiro verso do poema.

No entanto, a repetição sinaliza uma oposição entre os sujeitos, pois a atitude do sujeito

eu muda completamente em relação ao tu.

Para demonstrar a oposição entre eu e tu, o autor utiliza palavras repetidas ou de

um mesmo campo semântico, produzindo um cruzamento na diagramação que

materializa a oposição das ideias mantida ao longo da letra.

Onde queres revólver sou coqueiro

E onde queres coqueiro, eu sou o obus

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Revolver e obus = armas morte

Coqueiro e coqueiro = natureza vida

2.4 Neologismo literário

O neologismo é um processo de formação de palavras que se ocupa de recobrir

lacunas semânticas da língua. São várias as maneiras de produzir neologismo literário,

percebe-se uma criação que visa a inovar a língua sem que haja necessidade objetiva de

criação vocabular.

Em “Quereres”, o neologismo se dá de uma forma inusitada, pois nasce de um uso

especial de formas já existentes na língua.

Na dissertação de REI (2002), cujo corpus foram letras-de-música de Caetano

Veloso, incluindo “Quereres”, o autor conclui que a forma quereres constitui um uso

especial nessa letra, pois o emprego da forma flexionada como substantivo, sem, contudo,

flexionar o artigo que a determina, gera um substantivo novo e inesperado.

Infinitivo não-flexionado querer Substantiva-se então o

desejo incontrolável e

infinito do interlocutor do

eu lírico. Emprego do substantivo verbal o querer

Flexão na letra com ruptura da concordância o quereres

2.5 Emprego do verbo “querer”

Além de parecer no texto como forma verbal de infinitivo flexionado, o verbo

central do poema varia, aparecendo também no:

Gerúndio – “E eu querendo querer-te sem ter fim”

Infinitivo não-flexionado – “Ah, Bruta flor do querer”.

3 Análise sob a visão de Greimas e Pottier

De acordo com LOPES (1979) significantes, para Greimas são elementos que

tornam possível o surgimento da significação, ao nível da percepção e que são

reconhecíveis como exteriores ao homem; correspondente, pertencem ao plano do

conteúdo. Entre significante e significado há pressuposição recíproca: a existência de um

deles pressupõem, necessariamente, a existência do outro. O signo é um conjunto

significante (= significante + significado).

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O autor ainda complementa a ideia dizendo que “O objetivo da semântica é o

descrever as línguas naturais na sua qualidade de conjuntos significantes”.(LOPES, 1979,

p.311).

De acordo com o autor o estudo da semântica possibilita analisar os diferentes

aspectos de determinadas palavras ou frases. Como objetivo de estudo foi escolhida à

letra da música “O Quereres” de Caetano Veloso, e dessa forma, por meio da análise dos

termos da música e do estabelecimento de uma relação entre seus termos componentes,

pode ser realizado um estudo mais aprofundado nessa questão semântica, com a

utilização das teorias de Greimas e Pottier, dois importantes nomes dentro dessa área,

como método. Greimas define significados como elementos que tornam possível o

surgimento do significado, pertencentes ao plano de conteúdo. A partir de então, surge

uma pressuposição recíproca, pois a existência de um deles indica a existência de outro.

Porém, a significação é independente da natureza do significado, ou seja, uma pintura não

comporta, necessariamente, uma significação pictórica ou a música não comporta uma

significação musical. Dessa forma, há de se abandonar a definição de significação como a

relação entre os signos e as coisas.

Bernard Pottier (1973) desenvolveu sua descrição semântica baseada tanto na

análise da semântica lexical quanto gramatical. Desenvolveu um maior estudo da noção

de sema, que são os traços pertinentes na noção de uma determinada palavra, a partir das

noções de denotação e conotação. Dessa forma, cada traço do conteúdo (sema) é reunido

em um conjunto (semema), e assim, formando grupos, os campos associativos. Os semas

podem se apresentar em três tipos diferentes: o sema específico (semantema), que

distingui os morfemas de um mesmo campo; o sema genérico (classema), que inclui o

morfema em uma determinada classe; e o sema virtual (virtuema), que representa a

associação presente no discurso.

A partir, então, de todo o embasamento teórico, no qual foram expostas as ideias

principais e as linhas de pensamento de dois dos diversos teóricos dentro da semântica,

pode-se lançar do exemplo prático. Para isso, escolhi alguns trechos da música “O

Quereres” de Caetano Veloso.

Uma relação possível de se estabelecer é através do quadro semiótico de Greimas

(relações de contradição, hiperonímia e eixo semântico):

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“Onde queres dinheiro sou paixão (...)”

Considerações finais

O objetivo desse artigo é enriquecer o estudo de interpretação com base semíotica

observadas as riquezas icônicas dos vocábulos, ou seja, as palavras não precisam

representar o que significam a priori, mais que isso, elas podem ser carregadas de

significados que extrapolam a escrita para alcançar o nível da imagem.

Referências

FARAVETO, C. Tropicália, alegria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996.

VELOSO, C. Verdade Tropical. 1. ed. . Campinas: Editora Schwarcz Ltda, 1997.

TEIXEIRA, J. Relações linguísticas de antonímia: O insucesso da Lógica e o valor da

cognição humana. In: MARQUES, M. A. e KOLLER E. (Orgs.). , Ciência da

Linguagem: 30 anos de investigação e ensino, Universidade o Minho, Braga 2005.

GARCIA, O. M. Comunicação em Prosa Moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio

Vargas, 1981.

REI, C. A. O. A palavra caetana: estudos estilísticos. Rio de Janeiro: UERJ, 2002

(Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa) – Universidade Estadual do Rio de

Janeiro, 2002.

SALGUEIRO, W. C. F. Conceito e concerto em “O Quereres” de Caetano Veloso.

LOPES, E. Fundamentos da Linguística Contemporânea. São Paulo: Cultrix, 1979.

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