ensino de gramatica o enfraquecimento da lisonja ou o fortalecimento da disciplina wagner rafaell...

66
AUTARQUIA EDUCACIONAL DE BELO JARDIM FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BELO JARDIM CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA ENSINO DE GRAMÁTICA: O ENFRAQUECIMENTO DA LISONJA OU O FORTALECIMENTO DA DISCIPLINA? WAGNER RAFAELL PEIXOTO BELO JARDIM- PE 2011

Upload: w-rafa-peixoto

Post on 28-Jul-2015

268 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

AUTARQUIA EDUCACIONAL DE BELO JARDIM FACULDADE DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BELO JARDIM

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA

ENSINO DE GRAMÁTICA: O ENFRAQUECIMENTO DA LISONJA OU O FORTALECIMENTO DA DISCIPLINA?

WAGNER RAFAELL PEIXOTO

BELO JARDIM- PE

2011

Page 2: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

WAGNER RAFAELL DA SILVA PEIXOTO

ENSINO DE GRAMÁTICA: O ENFRAQUECIMENTO DA LISONJA OU O FORTALECIMENTO DA DISCIPLINA?

Monografia apresentada ao curso de Especialização em Língua Portuguesa da Faculdade de Formação de Professores de Belo Jardim, para obtenção do grau de especialista, sob orientação da Professora Ms. Dirce Jaeger.

BELO JARDIM- PE

2011

Page 3: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

WAGNER RAFAELL DA SILVA PEIXOTO

ENSINO DE GRAMÁTICA: O ENFRAQUECIMENTO DA LISONJA OU O FORTALECIMENTO DA DISCIPLINA?

Aprovada em ___/____/____

Banca

__________________________________________

__________________________________________

BELO JARDIM- PE

2011

Page 4: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

Dedico estre trabalho monográfico a todos os estudiosos da linguagem que, convergindo ou divergindo dos nossos ideais enriquecem o debate em torno da faculdade comunicativa.

Page 5: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

AGRADECIMENTOS

À minha tia Carmen, por servir de norte e de espelho como profissional bem sucedida

e competente.

A toda minha família, pelo apoio e oportunidades sempre proporcionados e nunca

ausentes.

A meus professores, em especial os de Língua Portuguesa, dos Ensinos Básico, Médio,

Superior e da especialização, pelos conhecimentos compartilhados, pelas correções que tanto

me ajudaram a progredir como usuário e estudioso da língua e pela paciência com os meus

‘porquês’.

A minha orientadora, professora Ms. Dirce Jaeger, pela confiança, correção,

complacência e por apontar o caminho correto (nem sempre o mais fácil a ser trilhado).

Aos alunos e professores que responderam aos questionários usados na pesquisa.

A mim mesmo, pela perseverança de, contra a maré, acreditar na importância de um

trabalho abordando o ensino de gramática.

Page 6: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

“Escrever é fácil. Você começa com uma

maiúscula e termina com um ponto final.

No meio, coloca ideias.”

Pablo Neruda

Page 7: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

SUMÁRIO

1.A NORMA NA SALA DE AULA E FORA DELA ........................................................................................ 12

1.1. DIFERENTES NORMAS NO PORTUGUÊS: PADRÃO E CULTA ....................................................... 12

1.2. ABISMO ENTRE NORMA PADRÃO E VARIEDADES ...................................................................... 15

1.3.O PAPEL DA ESCOLA É ENSINAR QUAL LÍNGUA? ......................................................................... 16

1.4. EXEMPLIFICANDO FALHA METODOLÓGICA DA EXPLICAÇÃO DO ‘ERRO’ ................................... 19

1.5. EXISTEM ERROS MAIS ERRADOS E MENOS ERRADOS? .............................................................. 21

1.6. HÁ OU NÃO VARIEDADE SUPERIOR NA LÍNGUA PORTUGUESA? ............................................... 22

1.7. LIVROS DIDÁTICOS, GÊNEROS ORAIS E POSTURA DOCENTE ...................................................... 25

1.8. MUDANÇAS NO ENSINO DE LÍNGUAS ........................................................................................ 28

2. A LÍNGUA E SUAS RELAÇÕES COM A SOCIEDADE .............................................................................. 32

2.1. IDEOLOGIA ENFRENTANDO A REFLEXÃO .................................................................................. 32

2.2. LÍNGUA COMO ELEMENTO DE IDENTIDADE CULTURAL ............................................................ 33

3. PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................................................. 36

4. ANÁLISE DO CORPUS ......................................................................................................................... 38

4.1. OS ALUNOS ................................................................................................................................. 38

4.2. OS PROFESSORES ........................................................................................................................ 45

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................... 48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................................. 51

APÊNDICE A- DISTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS ENTREVISTADOS ................................................................ 54

APÊNDICE B- ENTREVISTA ALUNOS E RESPOSTAS EM NÚMEROS ........................................................ 55

APÊNDICE C- ENTREVISTA PROFESSORES E RESPOSTAS EM NÚMEROS ............................................... 57

ANEXO A- SAMBA DO ARNESTO ........................................................................................................... 59

ANEXO B- AOS POETAS CLÁSSICOS- PATATIVA DO ASSARÉ .................................................................. 60

ANEXO C- VESTIBULAR UFPE- 2001- PORTUGUÊS 2 .............................................................................. 61

ANEXO D- NÓS MUDEMO- .................................................................................................................... 63

Page 8: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

LISTA DE ABREVIAÇÕES USADAS

LP- Língua Portuguesa

NP- Norma Padrão

NC- Norma Culta

ELP- Ensino de Língua Portuguesa

GN- Gramática Normativa

VP- Variedade Padrão

PNP- Português não padrão

Page 9: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

RESUMO

Neste trabalho, inserimo-nos no debate do ensino de Língua Portuguesa a partir da gramática normativa. Para empreender nossa investigação, recorremos, inicialmente, tanto a estudiosos que defendem o trabalho escolar com esse tipo de gramática quanto àqueles que postulam essa tarefa de modo a contemplar as variedades não padrão. Assim, trazemos para este trabalho monográfico, teóricos da linguística como Bagno, Azambuja, Marcuschi, Perini, Travaglia, bem como da filosofia, a saber, Antunes, Carvalho e Hacking. A pesquisa inclui, em seu corpus, falas de estudantes e professores que opinaram acerca da temática em estudo. Reunindo as leituras feitas durante a revisão bibliográfica com as observações de campo, chegamos à conclusão de que o ensino de gramática normativa, apesar das várias críticas de que tem sido alvo por parte da sociolinguística, não enfrenta tanta resistência entre professores e alunos, o que nos leva à conclusão de que essa é merecedora do status que ocupa. A gramática mostra-se, e tem sido reconhecida como tal, importante ferramenta para a aquisição da Língua Portuguesa, ao servir de referência e de embasamento do “bem-falar”. Assim, no primeiro capítulo, Norma na sala de aula e fora dela, abordamos as relações das normas gramaticais com a sala de aula e a contextualizamos também com o mundo fora dela, levando em conta as situações nas quais se faz ou não necessário maior domínio de tais normas. Tratamos aí das diferenças, pouco exploradas, entre norma padrão e culta; do abismo existente entre essas e a que soemos usar em ocasiões informais; discutimos sobre qual dessas seria papel da escola ensinar; analisamos certas explicações da sociolinguística para o que comumente chamamos “erro”, paralelamente a uma avaliação sobre os motivos que fazem alguns “erros” parecerem mais errados que outros; refletimos sobre se há ou não uma variedade que possa ser chamada de superior às demais, e aí concluímos algo que, apesar de politicamente incorreto, soa-nos mais honesto para com os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, e abordamos algumas das mudanças por que passou o ensino de língua nos últimos tempos, dando ênfase aos gêneros textuais. No segundo capítulo, A Língua e suas relações com a sociedade, damos mais enfoque ao aspecto filosófico que ao linguístico dessa problemática, e nele abordamos o sentimento de “revanche” que faz o brasileiro querer cada vez mais se livrar dos vínculos que o prendem a sua metrópole colonial, mesmo os linguísticos. Tratamos da Língua como elemento de identidade cultural, e percebemos como a nossa está cedendo à influência do inglês, sem perceber que nisso há também ferramenta de domínio. No terceiro capítulo, apresentamos o percurso metodológico que nos permitiu fazer a análise dos dados coletados a partir das entrevistas com alunos e professores, melhor explicitados no quarto e último capítulo. PALAVRAS-CHAVE: gramática, ensino, linguística, língua portuguesa.

Page 10: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

RESUMEN

En este trabajo, nos inserimos en el debate sobre la enseñanza de la Lengua Portuguesa partiendo de la gramática normativa. Para emprender nuestra investigación, recorrimos, de primero, tanto a estudios que defienden un trabajo escolar con esa clase de gramática como también a aquellos que postulan una enseñanza de lengua que contemple las variedades no patrones. Así que traemos hacia este trabajo monográfico, teóricos de la lingüística como Bagno, Azambuja, Marcuschi, Perini, Travaglia, como también de la filosofía, a ejemplo de Antunes, Carvalho e Hacking. La pesquisa incluye, en su corpus, hablas de estudiantes y maestros que opinaron sobre la temática estudiada. Reuniendo las lecturas hechas durante la revisión bibliográfica con las observaciones de campo, hemos llegado a la conclusión de que la enseñanza de gramática normativa, a pesar de las varias críticas de las que tiene sido el objetivo por parte de la sociolingüística, no enfrenta tanta resistencia entre profesores y alumnos, lo que nos lleva a la conclusión de que es si merecedora del status que ocupa actualmente. La gramática se muestra, y es reconocida como tal, importante herramienta para la adquisición de la Lengua Portuguesa, por servir de referencia y de plataforma del “bien hablar”. Así, en el primero capítulo, Norma na sala de aula e fora dela, tratamos las relaciones de las normas gramaticales con el aula y la contextualizamos con el mundo fuera de ella, llevando en cuenta las situaciones en las cuales se hace o no necesario mayor dominio de tales normas. Hablamos ahí de las diferencias, poco exploradas, entre norma patrón y culta; del abismo existente entre esas dos y la que solemos usar en ocasiones informales; discutimos sobre cuál de esas es rol de la escuela; analizamos ciertas explicaciones de la sociolingüística para lo que normalmente llamamos “error”, paralelamente a una evaluación sobre los motivos que hacen con que algunos “errores” sean vistos como más equivocados que otros; reflexionamos sobre si hay o no una variedad que pueda ser llamada de superior a las demás, y ahí concluimos algo que, a pesar de políticamente incorrecto, nos suena más honesto para con los envueltos en el proceso de enseñanza-aprendizaje, y abordamos algunos de los cambios por qué pasó la enseñanza de la lengua en los últimos tiempos, dando énfasis a los géneros textuales. En el segundo capítulo, A Língua e suas relações com a sociedade, damos más enfoque al aspecto filosófico que al lingüístico de esa problemática, y en él abordamos el sentimiento de “revancha” que hace con que brasileño quiera cada vez más librarse de los vínculos que lo mantienen cautivo a su metrópoli colonial, mismo los lingüísticos. Tratamos de la Lengua como elemento de identidad cultural, y percibimos como la nuestra está cediendo a la influencia del inglés, sin percibir que en ello, hay también herramienta de dominio. En el tercer capítulo, presentamos el recurrido metodológico que nos permitió hacer el análisis de los datos colectados a partir de las entrevistas con alumnos y profesores, mejor explicitados en el cuarto y último capítulo.

PALAVRAS-CHAVE: gramática, enseñanza, lingüística, lengua portuguesa.

Page 11: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

10

INTRODUÇÃO

A crise por que passa o ensino de Língua Portuguesa no Brasil tem possibilitado aos

estudiosos da área um vasto debate sobre os rumos a serem tomados por parte dos que o

fazem. Têm-se, de forma constante, colocado em xeque a validade e a funcionalidade do

ensino da gramática normativa em sala de aula. Muitos são os linguistas que acreditam ser

importante dar-se uma guinada e redirecionar o ensino para que assim se prestigiem mais as

variedades da língua que não a norma padrão prescrita nos compêndios escolares.

As dificuldades dessa operação e a necessidade de alguma mudança fizeram nascer em

nós a preocupação com o assunto, enquanto docente, e o desejo de nos aprofundarmos mais,

baseados em teóricos que já escreveram sobre o tema, seja defendendo essa mudança, seja

acreditando na eficácia do modelo atual. Por não estarmos muito de acordo com o lugar da

gramática normativa destinado pela sociolinguística, dispusemo-nos a confrontar as ideias de

ambos os lados e colocarmos as nossas próprias. Mais: ir às escolas, procurar alunos e

professores para tomar-lhes emprestadas impressões acerca da atual conjuntura do ensino de

Língua Portuguesa, e saber dos envolvidos no ensino (educadores e educandos) a relevância

que dão à GN e a praticidade desse ensino, bem como a funcionalidade em suas vidas sociais.

No meio do caminho, deparamo-nos com necessidades diversas que foram sendo

incorporadas ao trabalho, como, por exemplo, a de fazer uma diferenciação entre norma culta

e norma padrão, ou então tratar dos gêneros textuais e sua atual situação nos livros didáticos

(dando espaço, inclusive, aos gêneros orais), ou ainda, a de perceber a unidade linguística

como forte elemento de identidade cultural, bem como o desejo inconsciente do povo

brasileiro em romper com um virtual domínio lusitano (domínio esse não mais existente no

plano econômico, mas refratado no linguístico, fato repulsado por muitos). Preciso também

foi aprofundar-nos nos conceitos acerca de língua transmitida e língua adquirida, e proceder a

uma reflexão sobre quais dessas é a que se acredita deva ter mais espaço nos gêneros textuais

trabalhados em sala de aula, em virtude não de sua primazia linguística, e sim de sua

relevância social.

Acreditamos na relevância do tema proposto, uma vez que o fazer docente é uma

atividade sempre inexaurível, fonte de discussões frutíferas e, amiúde, ao menos no Brasil,

dominada pela opinião da sociolinguística, crente da urgência de pôr em condições

igualitárias as variedades não padrão e a norma padrão.

Page 12: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

11

O título do trabalho veio a calhar, pois, embora dicotômico, reflete bem o modo como

é visto o destino a ser trilhado no ensino de Língua Portuguesa. O enfraquecimento da lisonja

(ao evitar correções nos erros dos alunos) trará que benefícios aos discentes, além de não os

constranger diante de situações em que fazem uso do próprio idioma materno? O

fortalecimento da disciplina poderá mesmo fazer deles melhores usuários da língua em

situações sociais que exigem cada vez mais o domínio da norma padrão? O presente trabalho

pretende ser uma discussão entre os argumentos abundantes de ambos os lados, ao mesmo

tempo em que acredita na eficácia e no pragmatismo social da plena aquisição da norma

padrão, elemento de ascensão social e de convergência das variedades, na vida futura dos

alunos.

Page 13: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

12

1.A NORMA NA SALA DE AULA E FORA DELA

1.1. DIFERENTES NORMAS NO PORTUGUÊS: PADRÃO E CULTA

Um dos pontos que, apesar de pouco explorado, tanto nas gramáticas, óbvio, como até

mesmo nos compêndios linguísticos, é o que difere os conceitos de norma padrão dos de

norma culta da língua. E mais: qual delas deve, se é que deve, ser ensinada em sala de aula.

Optamos por trazer esta distinção no princípio do trabalho para poder, assim, nortearmos a

semântica desses termos, ainda que em certas ocasiões encontremos falas que não os

diferenciam.

Essa diferenciação não é nem simples nem ordinária. Grosso modo, tais nomenclaturas

têm sido usadas para referirem-se a eventos únicos. Daí, pode-se concluir que há uma falha e

ela não provém especificamente das gramáticas, e sim das universidades e faculdades de

formação de professores. Se há esse conceito mal explicado e pouco explorado mesmo entre

os formandos de Letras, isso se deve a uma lacuna deixada por suas formações acadêmicas.

Se por motivo de déficit cognitivo ou por desdém em relação a discussões de âmbito

linguístico, não se sabe, e nem vem ao caso, ao menos por hora.

Convém, portanto, fazer um breve comentário acerca dessas terminologias, antes de

adentrarmos em outra discussão sobre qual dessas normas deve-se ensinar. E o fazemos

tomando por base definições trazidas por Bagno (2007) e Faraco (apud BAGNO, 2002).

Por NP, compreendemos uma língua considerada pura e livre de vícios, falada em sua

totalidade por ninguém, escrita por poucos e que povoa as gramáticas de língua portuguesa

aos montes. Seria a língua que, como diz o nome, serve como padrão de referência e mais:

uma vez compreendida por todos os luso-falantes, permitiria a toda essa gente uma

comunicação efetiva, já que temos nisso o objetivo número um da existência da língua.

É essa variedade, a da NP, que encontramos nas gramáticas e que os escritores da

maioria dos meios de comunicação perseguem. E o fazem, ao contrário do que dizem muitos

sociolinguistas, não por julgarem-na superior à outra variedade. Isso ocorre, sim, por ser essa

NP sem vícios, gírias, jargões, vieses ou quaisquer outros fatores que porventura possam

dificultar o entendimento do texto por parte de algum grupo adepto de uma variante, ou

mesmo caracterizar o autor do texto como pertencente a determinada “tribo”.

Page 14: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

13

Significa dizer, por exemplo, que um texto não se escreve com a língua típica do Acre,

para que os moradores do Rio Grande do Sul possam, ao abrir um jornal acreano, lê-lo sem

dificuldade alguma. Para que isso ocorra, usa-se, então, um variante padrão, de fácil

intelecção por parte dos acreanos e dos gaúchos; dos skatistas e dos médicos; dos nerds e dos

pagodeiros; dos lavradores e dos poetas.

Há, entretanto, no imaginário popular, a impressão de que, ao que chamamos de NP,

aplica-se também a denominação de norma culta, o que não é muito apropriado, conforme

analisaremos a partir dos diálogos imaginários a seguir, proposições de M. T. Piacentini

(2005):

- Me conta como foi o fim de semana...

- Te enganaram, com certeza!

- Me explica uma coisa: você largou o emprego ou foi mandado embora?

- Tive que levar os gatos, pois encontrei eles bem machucados.

- Conheço ela há muito tempo – é ótima menina.

- Acho que já lhe conheço, rapaz.

Diz M. T. Piacentini em artigo seu que

se os falantes cultos, aquelas pessoas que têm acesso às regras padronizadas, incutidas no processo de escolarização, se exprimem desse modo, essa é a norma culta. Já as formas propugnadas pela gramática tradicional e que provavelmente só se encontrariam na escrita [conta-me como foi / enganaram-te / explica-me uma coisa / pois os encontrei / conheço-a há tempos / acho que já o conheço] configuram a norma-padrão ou língua-padrão (2005, p.1).

A definição nos parece apropriada, uma vez que por padrão entendemos aquela

variedade da língua para a qual todas as outras convergem e que serve para a comunicação

entre os falantes das demais, quando em um contexto que os reúna. Assim, é imutável (ou, ao

menos, a mudança não é constante) e merecedora de conhecimento por todos os falantes da

Língua Portuguesa. E a norma culta não poderia ser outra coisa senão aquela usada pelas

pessoas cultas, portanto, mutável e variável em função do tempo e fatores diversos. De sorte

que divergimos de Bagno (2007, pág. 63), quando afirma que “a língua é, na verdade, um

produto social e artificial, que não corresponde àquilo que a língua realmente é”.

Carvalho (2000, pág 1), filósofo conservador, afirma que, já que para a linguística não

há variedade superior a outra e, para ela, “uma língua expressiva, rica, flexível, instrumento

do pensamento livre, vale tanto quanto uma língua pobre, emperrada, bárbara,”, não haverá,

Page 15: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

14

portanto, meio linguístico para escolher entre o que é bom e o que não é, uma vez cumpridos

os objetivos da comunicação. Por outro lado, a gramática normativa (GN) é a que obtém

dados de expressividade, riqueza, coerência, integralidade e o que mais for útil a essa

identificação.

Sem fazer distinção entre normas padrão e culta, Carvalho (op. cit.) pensa que, uma

vez tendo-se a fixação da NC baseada no falar médio das classes cultas, aí sim teríamos o

preconceito linguístico na sua forma mais voraz, dado que, dessa forma, existiriam as classes

cultas, aquelas que cederam seu “falar médio” para servir como base do ensino. Essas classes

seriam, inevitavelmente, a dos que mandam, de onde dividiríamos a sociedade entre “bons

falantes e maus falantes”. Baseado nisso, Carvalho (op. cit.) defende o uso de obras dos

grandes escritores em LP como base para fundamentação da norma padrão:

A gramática normativa, ensinando a imitar os grandes escritores e não uma determinada classe social, é instrumento democratizador por excelência, ao passo que um ensino fundado na "norma culta" sociologicamente estabelecida mediante "dados objetivos" e "recursos tecnológicos" é a cristalização oportunística de um sistema de preconceitos. É a beatificação do fato sociológico consumado (2000, p.1)

Diz-nos ainda que, apesar de ter de levar em conta as “falas médias” da língua, não se

deve pautá-las como parâmetro de ensino, reafirmando que, aí sim, estaríamos ensinando a

língua dos que mandam, dos que têm mais prestígio. E prossegue na defesa do ensino da

Norma Culta como aquela dos grandes autores de LP:

Ensinar um menino a escrever como Machado ou Graciliano é libertá-lo e enobrecê-lo. Impingir-lhe como "norma culta" a fala atual média de jornalistas, publicitários, políticos e executivos é rebaixá-lo e escravizá-lo. (op. Cit.)

Em Bagno (2009), encontra-se a definição de norma padrão como algo obsoleto e, por

tal motivo, digna de indagar-se por que deve ser ensinada. Fosse mesmo obsoleta, é de

imaginar-se que há muito já estaria banida do ensino fundamental e médio no país. Se ainda

não o foi, resta-nos imaginar que, para muitos, inclusive para os elaboradores da burocracia

escolar, não é obsoleta, retrógrada, caduca ou algo que o valha. Mais adiante, iremos buscar

opiniões dos envolvidos no processo para refletirmos sobre que ideia fazem da GN.

Page 16: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

15

1.2. ABISMO ENTRE NORMA PADRÃO E VARIEDADES

Não se nega a distância existente entre as diversas variedades da LP e aquela

normatizada como padrão. Se, como nos diz Bagno (2007, pg 89), a NP não foi escolhida por

ser mais bonita, produtiva, lógica ou exata que as demais variedades, devendo-se esta escolha

a fatores sociais e políticos, é de se supor que, uma vez relegada e perdendo o espaço que

detém para as outras variedades, a norma padrão ceda o lugar que ocupa, de preferida

(sobretudo na escrita), a uma das centenas (talvez milhares) de variedades usadas no país. Não

se busca, imaginamos aqui, apenas fazer uma permuta ou um sistema de rodízio para decidir

qual das variedades será a oficial e a digna de ser usada nas condições em que hoje se usa a

NP. Porém, como de uma precisamos para redigir documentos oficiais, publicar obras

científicas e literárias, e efetivar a comunicação com os falantes mais distantes (em termos de

língua), teremos a necessidade de buscar alguma forma de padronizar a língua.

Pensamos que, se essa forma padrão não for mais aquela na qual se produziu boa parte

das coisas escritas e a qual se usou por séculos como tal, abriremos espaço para uma nova

peleja política, em que se lutará não por tesouro ou terras, mas sim pelo direito de ter a sua

variedade reconhecida como a mais influente e digna de ser usada como oficial. Ainda que

camuflada de rinha linguística, estaríamos diante de mais uma disputa por poder. Seria, sem

dúvidas, essa variedade escolhida (ou vencedora desse duelo) a dos jornalistas, escritores

modernos, advogados e estudiosos bem sucedidos do ramo da linguística. Estaríamos dando,

sem perceber, a essas pessoas, o livre direito de nos impor sua língua “variada” como a nossa

língua. Pensamos que a norma padrão vigente representa e desempenha muito efetivamente

tal papel, sem colocar etnias, faixa etária e origens sociais em lados opostos. Devemos todos,

malgrado divergências sociais, etárias, políticas e geográficas, usar uma mesma variedade

(sempre abrindo espaço para frisar a importância do contexto e da adequação exigida por ele)

imposta pelo costume e produtividade.

Não queremos também, com isso, imaginar que a NP seja imutável e estática por todo

tempo. Pensamos, sim, que não se torna possível efetuar mudanças numa forma que se chama

de padrão a cada vez que os indivíduos que dela fazem uso criarem um novo léxico ou

inovarem algo em sua sintaxe ou semântica. A NP em voga não é a mesma de um século atrás

e provavelmente não será a mesma de um século à frente. Esperemos tão somente que tais

Page 17: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

16

mudanças surjam acompanhadas de um contrato social, tal qual o de Hobbes, por necessidade,

e não por imposição de quem vê a atual norma padrão como antiquada e retrógrada.

1.3.O PAPEL DA ESCOLA É ENSINAR QUAL LÍNGUA?

Pensamos que língua não se ensina. Ao menos, não a materna, e não em sala de aula.

Língua se adquire no dia-a-dia, dispensando os padrões de ensino formal que são propostos a

outras áreas do saber, como exatas. A língua é usual e funcional.

Em sendo assim, em que consistiriam as aulas de Língua Portuguesa, se não em

ensinar a língua? A resposta pode não vir de modo simples e direto, como muitos esperam

encontrar em textos do gênero.

Algo a ser observado e trabalhado é o distanciamento existente entre o português

aprendido de modo natural pelas crianças e o português considerado norma padrão. Da

mesma forma que não parece promissor desvalorizar o português naturalmente falado,

também não parece justa e válida a negação a quem quer que seja ao acesso à norma padrão

ou mesmo à culta, privilegiada e que melhor unifica as centenas, talvez milhares, de

variedades encontradas em nossa língua.

Daí a necessidade de se afirmar e reafirmar que o papel da escola é, sim, ensinar

língua padrão. Ou, como diz Possenti (1996, p. 17), criar condições para que ela seja

aprendida. “Qualquer outra hipótese é um equívoco político e pedagógico”. Segundo o

mesmo autor, deve-se refutar de modo categórico a ideia segundo a qual, aprender a norma

padrão é difícil e de pouca utilidade. Bem diz ele que as razões que levam os alunos a não

aprenderem (e geralmente nem quererem aprender) a norma padrão são de ordem social e

pedagógica. Nada tendo a ver com capacidades cognitivas. Em linhas gerais, quem defende o

não ensino de língua padrão por ser difícil está cometendo um preconceito abissal ao julgar

como incompetentes os falantes desta mesma língua, porém usuários de uma variedade menos

formal. E se, como docentes, pretendemos levar uma mensagem de integração social em vez

de preconceito, devemos refutar todas as manifestações que levem a isso. Cabe, portanto,

identificar também, na prática de certos sociolinguistas modernos, uma atitude de exclusão.

Possenti (op. cit.) nos traz ainda, e sua contribuição é de uma validade propícia para

este tratado, a desmistificação de duas teses defensoras do não ensino da variedade padrão. A

Page 18: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

17

primeira delas, de natureza político-cultural, encara como uma ação de violência impor a um

grupo social valores típicos de outro, como se este segundo fosse superior do ponto de vista

linguístico para ter seu dialeto levado aos demais como “correto”, em detrimento do outro

dialeto já usado por aquele grupo. O erro de tal tese, apontado por Possenti, e que ratificamos

agora, é que nenhum grupo sai prejudicado sob nenhum ponto de vista ao ser apresentado a

uma nova cultura, no caso, linguística. Negar o ensino da NP a este grupo seria o mesmo que

incentivar brasileiros a não aprenderem o inglês, por exemplo, resguardando as devidas

proporções, por ser difícil, e de outra cultura, e com um agravante: estarmos falando de uma

língua que é a mesma, ainda que diversa. Da mesma forma que o inglês é importante para

quem quer se aventurar ou terá a necessidade de ir a um lugar de cultura anglo-saxônica, a NP

lhes será extremamente necessária em várias circunstâncias sociais. Não se pretende, com

isso, convencer-lhes de que usam uma língua desprivilegiada e que deve ser evitada. Muito

pelo contrário. O primeiro passo é deixar claro que ambas (e todas as outras existentes) as

variedades são uma só língua, e que cada uma delas tem seu espaço contextual propício para

seu desenvolvimento e seu uso.

A outra tese refutada por Possenti (op. cit.) aborda um aspecto cognitivo. Segundo

essa tese “cada grupo de falantes só pode aprender e falar um dialeto... A defesa dos valores

‘populares’ suporia que o povo só fala formas populares, e que elas são totalmente distintas

das formas usadas pelos grupos dominantes.” (1996, p. 19)

Mesmo se diferentes fossem, essas formas possuem mais convergências que

divergências, uma vez que são variedades da mesma língua. Além disso, qualquer indivíduo

tem capacidade cognitiva para aprender uma nova língua (ou um novo dialeto) se for

assiduamente exposto a ele.

Daí, deduzimos que ambas as teses refutadas por Possenti são na verdade instrumentos

falaciosos usados por sociolinguistas dispostos na luta de afastar o povo de sua língua padrão,

relegando-a a um lugar pouco acessível ao alcance de uns poucos, que por isso mesmo, serão

tachados de dinossauros vernaculares e serão também vítimas de preconceito. É, aliás, como

ainda relata o autor, por motivos como esses que a correção gramatical é vista como marca

feminina e evitada, sobretudo, pelos meninos, que evitarão sempre construções como

Tu podes emprestar-me a caneta?

Page 19: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

18

Preferem a construção com o verbo na terceira pessoa do singular, embora o pronome

seja de segunda pessoa, e o pronome oblíquo proclítico, mesmo quando a norma exige o

contrário. E é isso que devemos, todos nós envoltos no processo de aprendizagem, combater:

a criação de um preconceito às avessas, em que o “padrão” seja visto como inadequado e

tenebroso.

Paralelo a essa defesa preconceituosa do fim do ensino da gramática normativa em

sala de aula, anda o pouco preparo de parte significativa dos nossos professores de língua no

que diz respeito a atrair o seu alunado para a funcionalidade de uma boa apreensão dos

conteúdos programáticos da disciplina. O resultado é que, quando se juntam tais ingredientes,

são poucos os discentes que enxergam aplicabilidade, funcionalidade e interesse em

consumirem um produto visto como antiquado, obsoleto e restrito a poucos contextos de uso.

Nessa discussão acalorada, deparamo-nos com autores defensores do “lasser-faire”

linguístico, embora eles nunca se assumam como tais. Suas obras têm um alcance amplo entre

os professores e já chegam também aos alunos. Por usarem uma retórica que se adapta muito

bem às idiossincrasias dos que têm preguiça de estudar e buscam a todo custo embasamento

para justificar seus ‘afrouxos’ linguísticos, alguns desses autores atingem um nível de

inserção difícil de ser combatido, se buscarmos a via da popularidade. Achamos mais justo,

no entanto, enfrentá-los a partir da argumentação e da ciência.

Para o presente trabalho, tomamos como base para análise e confronto das ideias duas

obras de Bagno (2002; 2007), nas quais ele tenta convencer alunos e professores de que o que

se chama erro não é erro, e o que se chama acerto não é acerto. Mistura conceitos gramaticais

e linguísticos quando busca persuadir seus leitores de que a NP é uma aberração que deve ser

imediatamente escorraçada das escolas e dos livros didáticos.

Bagno (2004) acredita que o ensino de gramática normativa deve passar por uma

“adequação à realidade dos falantes do português”, a fim de valorizar as variedades de menos

prestígio, mas de uso até mais estendido que a NP ou NC.

Possenti (1996) acredita ser oportuno que regras hoje ditas padrões passem a integrar

os termos arcaicos, e que as formas populares, mas já cristalizadas pelo uso, tornem-se a

verdadeira NP. Cita o exemplo da regência do verbo assistir no sentido de presenciar algo.

Segundo o autor, esse uso do verbo já não se encontra mais com a preposição “a” regendo o

verbo, e poucos usuários dizem “assistir ao jogo”, preferindo sempre a forma “assistir o jogo”.

Page 20: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

19

Por força do uso, portanto, a última construção deveria tornar-se padrão, e a primeira ser

inserida nos arcaísmos da linguagem.

O problema de tal visão está no fato do preconceito existente em relação a termos

arcaicos. Dizer que é arcaico usar a regência “padrão” do verbo assistir é o mesmo que dizer

ao aluno para não usá-la, pois será considerado algo antiquado, fora de moda e “careta”.

Relembrando a ideia de eliminar quaisquer espécies de preconceito com qualquer que seja a

variação linguística, inclusive as arcaicas, colocamo-nos em desacordo com tal procedimento.

Inclusive por constatarmos as rápidas mudanças lexicais, sintáticas e semânticas por que a

língua passa em espaços de tempo relativamente curtos. De tal forma, não teríamos como

normatizar nem colocar em compêndios norma alguma, por mutável que seria. Não daríamos

conta de renovar nosso acervo normativo, pois, antes de finalizarmos um, mudanças várias já

teriam ocorrido, já exigindo uma adequação daqueles estudos. Possenti (op. cit.) diz ainda o

seguinte: “Por exemplo, todos perceberíamos que gastar um tempo enorme com regências e

colocações inexistentes no uso real é, a rigor, inútil. A prova é que a maioria dos alunos que

as estudam não aprendem tais formas, ou, pelo menos, não as usa”. (1996, p. 40)

Já foi dito aqui que o fato de não aprenderem ou não usarem as regras tem origem não

em uma dificuldade cognitiva dos discentes, e sim em duas falhas, uma pedagógica, por conta

de um ensino que se mostra caduco; e outra social, pelo preconceito existente em volta de

quem usa normas desprestigiadas, mas também de quem usa as de prestígio. Não é plausível

que se defenda o abandono de normas por não serem utilizadas. Se assim procedermos,

estaremos diante de um impasse medonho, por não podermos ter um paradigma a seguir, uma

vez que a mutabilidade da língua é de ordem tão frequente que tornaria inviável a produção de

material normativo em tempo hábil para acompanhar as mudanças ocorridas.

1.4. EXEMPLIFICANDO FALHA METODOLÓGICA DA EXPLICAÇÃO DO

‘ERRO’

Bagno (2001, p. 44) sugere encararmos algumas realizações ‘não padronizadas’ como

algo decorrente de outras fases da LP e explica que, no latim, muitas palavras hoje grafadas e

Page 21: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

20

faladas com R eram com L, o que, em sua hipótese, explica o fato de falantes não instruídos

falarem, por exemplo, PRACA em lugar de PLACA (afinal, estariam, com este vocábulo,

realizando o mesmo fenômeno ocorrido com BRANCO, forma atual da antiga palavra

Blanco). Bagno nomeia o fenômeno e, a fim de conferir-lhe autoridade científica,

exemplifica-o à exaustão. Trata-se da rotacização, fenômeno pelo qual algumas palavras

trocaram, do latim para o português, o “R” pelo “L” :

blancumà branco;

plagaà praia;

sclavuà escravo, etc

Não parece, no entanto, que uma explicação diacrônica, embora bem fundamentada e

comprovada como a de Bagno, possa servir para justificar realizações fora do padrão dos

tempos atuais, uma vez que os falantes de “PRACA” não possuem tal conhecimento

diacrônico a respeito da rotacização, ou seja, não falam assim por conhecerem a raiz latina

desse ou de tantos outros vocábulos.

Não pretendemos refutar os estudos linguísticos bem embasados e de fundamental

relevância para essa área do saber. No entanto, não podemos tomá-los como resposta para

outro fenômeno sem o direito de contestá-lo, embora tenhamos que lidar com o pragmatismo

dialético de seus defensores que enquadram os que não compartilham dessa ideia como

preconceituosos.

As realizações não padrão como PRACA, PRANTA devem ser evitadas pelos alunos e

desestimuladas pelo professor. Dar àqueles a explicação etimológica e diacrônica fornecida

por Bagno na obra citada pode servir como mera explicação do erro, e não como

embasamento para a permanência dele. Talvez se pense que a correção pode causar trauma e

desgosto no aluno, mas há de se pensar também que a complacência com o erro causará

exclusão dele em conversas de ordem mais formal e de bons postos no mercado de trabalho.

Afinal, ao se depararem com situações formais, não haverá tempo para esses falantes,

ainda que conheçam a explicação acima, repassarem-nas para os seus interlocutores, dizendo-

lhes que falam “frecha”, “frauta”, “ingrês” e “pranta” em lugar das padronizadas “flecha”,

“flauta”, inglês” e “planta” por causa do fenômeno da rotacização, ou mesmo mostrar-lhes

que Camões também o fazia conscientemente.

Page 22: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

21

1.5. EXISTEM ERROS MAIS ERRADOS E MENOS ERRADOS?

É possível dizer também que entre os desvios gramaticais cometidos, os fonéticos

passam mais despercebidos e acabam nem sendo apontados como tais. Basta analisar as

pronúncias quase inexistentes de certos ditongos (peixe, ouro, amou) que são pronunciados

como (pêxe, ôro, amô) por pessoas de classes sociais, faixas etárias e graus de instruções

diferentes. São desvios, portanto, cristalizados pelo uso e por isso mesmo nem são apontados

por quem quer que seja. Nem por isso, há quem defenda a inserção dessas (e outras) palavras

nos dicionários e nas gramáticas. O mais importante é saber se todos que falam pêxe, oro e

amô têm a segurança de escrever as formas padronizadas (peixe, ouro e amou).

Há, no entanto, deslizes também fonéticos que são apontados como erros. Para

exemplificar, poucos pronunciam biscoi=o (biscotcho, com som de consoante africada

palatal) no lugar de “biscoito”, preferido de maioria esmagadora dos falantes. Chama à

atenção o fato de que muitos dos que veem como estranha essa pronúncia usam o mesmo

processo para a palavra “tia”, quando pronunciam tia (tchia, com o mesmo alofone), sem, no

entanto, encontrarem nisso razão para estranhamento ou preconceito.

Já os deslizes cometidos em relação à sintaxe gramatical sempre chamam mais à

atenção que os fonéticos, embora nem sempre sejam apontados na fala das pessoas de nível

social mais prestigiado. Construções como “os menino chegou” são facilmente interpretadas

como formas do plural e tornam-se mais sintéticas ao dispensar as marcas de plural no

substantivo e no verbo, mantendo-as apenas no artigo.1 Os livros que tratam do assunto são

unânimes em apontar um aspecto gramatical intrínseco e automático em quem produz uma

construção como essa, colocando-a em paralelo com construções do inglês, por exemplo, em

cuja gramática não se faz precisa a redundância do plural, apontando-o apenas nos

substantivos sem comprometer a inteligibilidade da oração.

Possenti (1996) não deixa claro, e não encontramos literatura que o faça, quais atuais

desvios merecem ser incorporados à NP e quais não, e como se daria tal procedimento.

Pergunta-se, então: que erros são toleráveis e quais não são? E os que não forem, o que fazer

com eles?

1 Mais à frente abordaremos a influência da sintaxe saxônica influenciando na brasileira, tal como nessa referida economia de marcadores de plural.

Page 23: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

22

Como dito antes, tratam mais de explicar o deslize do que de desestimulá-lo. É claro

que estão corretos quando dizem que essas marcas de plurais, apesar de transgredirem as

normas gramaticais, são lógicas e que nenhum falante produziria a construção “o meninos

chegou” ou “o menino chegaram”, o que mostra que a marca do plural vem sempre no

primeiro elemento da construção.

Mas o que se coloca aqui como ponto da discussão não é a compreensão das

construções feitas, que já está provado que existem. Indaga-se se realmente devem os

professores de língua portuguesa abster-se de corrigir seus alunos ao ouvirem essas formas.

Sabemos que elas possuem semântica completa e até obedecem a uma sintaxe própria

(embora diferente da padrão, totalmente lógica).

As explicações encontradas para justificar os “erros” são, portanto, bastante plausíveis

do ponto de vista diacrônico, histórico, fonético, sintático e linguístico. Por outro lado,

possuem uma carga de desserviço imensa ao alunado, uma vez que não fazem com que

procurem adequar-se ao modelo padrão da língua, preferindo o relaxamento propiciado por

tais explicações ao rigor imposto pelas gramáticas normativas.

Se, em diversas situações sociais, precisaremos de adequação vocabular padrão

(exatamente aquela encontrada nas aulas de gramática da Língua, tais como domínio de

regência, concordância, etc.), de que vale saber tais explicações, porém ignorar as formas

mais valorizadas socialmente? De nada. É policiamento vão do politicamente correto.

1.6. HÁ OU NÃO VARIEDADE SUPERIOR NA LÍNGUA PORTUGUESA?

Diz Bagno (2007, p. 89) que, linguisticamente, nenhuma variedade da LP tem

características que possam dar-lhe o título de superior à outra, sendo essa superioridade algo

de nuance meramente social e política, instrumento de coação e domínio por parte de seus

dominantes sobre os que não a dominam, fatores pelos quais deveria a NP ser colocada em pé

de igualdade perante as demais. A posição politicamente correta e bem aceita no universo

acadêmico se choca com a de Antunes (2008), para quem o fato de ser superior, ainda que

apenas social e politicamente (embora não linguisticamente), já faz da norma padrão superior

às demais, em virtude de seu papel de convergência entre as variedades. Diz-nos este autor

que

A língua padrão é superior às outras por ser o ponto de encontro de todas as variedades lingüísticas. Todo povo que atinge determinado nível cultural cria uma forma especial de comunicação, que vai sendo enriquecida e apurada ao longo do

Page 24: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

23

tempo: a língua padrão, um instrumento geral de comunicação, a todos inteligível, a todos dirigido, destinando-se a qualquer região, em qualquer tempo. (2008, p. 1)

Antunes (op. cit.) também comenta a obra de Bagno e observa a ausência da distinção

já clássica feita pela linguística moderna entre língua transmitida e língua adquirida, dizendo

que

A língua adquirida é a literária, a culta, que se aprende na escola, conscientemente, metodicamente. Para quem quer, de fato, escrever certo e bem, é preciso aprendê-la pelo resto da vida. A língua adquirida é intrinsecamente superior, pois é clara, rica, intemporal, supra-regional e supra-segmental.(2008, p. 2)

Concebemos o ensino de língua em sala de aula de modo semelhante ao desse autor.

Provado está que se devem privilegiar os gêneros textuais mais utilizados pelos alunos por

toda a sua vida (não apenas profissional e acadêmica, como também socialmente). A língua

transmitida é recebida de forma natural desde os primeiros meses de vida, é repassada pelos

familiares e amigos. Não precisa (ao menos em nível fundamental e médio) de explicações e

fundamentos. De forma que enxergamos a língua adquirida como a que deve ser tratada com

privilégios em sala de aula.

Pode-se encontrar quem fale a palavra “tio” de mais de uma forma (como o fazem o

carioca e o pernambucano, via de regra). Ainda assim, ambos se farão entender porque

remeterão o signo ao significante: “tio”, padrão para qualquer falante de LP. Voltando ao

exemplo da obra de Bagno, tanto quem fala “praca” como quem fala “placa”, usando de

significantes distintos, remete-se a um mesmo significado. É de se supor uma maior eficácia

na comunicação caso houvesse a uniformidade desse significante, a despeito das explicações

diacrônicas já comentadas. Se não, vejamos o que nos diz ainda Oliveira Lopes (2010):

A linguagem formal desconhece fronteiras regionais e temporais, é duradoura e conserva o melhor do cabedal cognitivo produzido pela cultura de uma comunidade linguística. Claro que cada região e cada época possuem seus sotaques, gírias e expressões peculiares, mas é a norma padrão que garante a comunicação e a aproximação entre o maior número de pessoas no tempo e no espaço, vencendo as distâncias geográficas e de momento. (2010, p. 1)

Se quisermos defender uma integração cada vez maior entre os povos que compõem

nossa pátria, é dever nosso primar para que tal fato se dê também no campo linguístico. É

necessário, ao passo em que se permitem e mesmo se incentivam as peculiaridades regionais,

manter a LP una e inteligível em todas as situações geográficas, sociais e sociológicas. Afinal,

é sob essa regra que poderemos manter baianos e acreanos, pernambucanos e capixabas,

amazonenses e potiguares em consonância uns com os outros ao se iniciar um diálogo. Em

Page 25: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

24

tais situações, é a norma padrão a que garantirá a eficácia comunicativa. Não é demais

lembrar o processo de decadência do latim e surgimento das línguas neolatinas.

Uma vez em patamares iguais à NP e demais variedades da LP, isso daria ao Brasil

(para nos limitarmos a nosso país) dialetos diversos cada vez mais distintos (tal como ocorre

hoje com o italiano). Por outro lado, incentivar e propor meios para a aquisição das regras da

NP pelo maior número possível de falantes aproxima os falantes (em que pesem suas posições

geográficas, faixa etária, classe social, etc), e confere à LP status de língua forte e una,

fortalecendo inclusive a difusão de ideias. A esse respeito, diz-nos Oliveira Lopes (2010):

Exatamente ao contrário do que reza a ideologia do comunismo linguístico, o uso da língua modelo permite que todos tenham acesso ao conhecimento, enquanto o emprego de uma variedade linguística não-padrão circunscreve-o a um parco círculo de falantes.(2010, p.1)

Possuir o pleno domínio da NP, ainda mais hoje, frente à globalização e forte

competição nas conquistas de bons postos sociais, possibilita maior compreensão e

interpretação dos textos com os quais se depara, além de frequentemente significar também

uma maior capacidade de comunicação (não falamos dos aspectos retóricos, para o qual,

fatores como espontaneidade, postura e até indumentária concorrem, e sim do aspecto da

eloquência). Por outro lado, o não possuir tal domínio concorre para sua limitação social,

causada por uma crença vã de que seu potencial cognitivo não alcança tal nível, ou mesmo

que não seria necessário, posto que uma variedade não se sobreponha a outra.

É preciso lembrar, nesse quesito, a tentativa recente de uma definitiva padronização

entre as variantes americana, europeia e africana da LP, através do Acordo Ortográfico.

Enxergá-lo como mero instrumento de imposição política é apequenar o tema e negar-se a vê-

lo como elemento facilitador na difusão de obras literárias, legendas cinematográficas,

burocracia comercial entre as nações, etc. Acordo não é sinônimo de nem rima com

imposição. Houve concessões de todos os lados, para que, ao fim, tenhamos uma ortografia

única. Enquanto os portugueses abriram mão de suas consoantes mudas (acção, óptimo), os

brasileiros abdicaram dos acentos em ditongos tônicos nas paroxítonas (ideia, jiboia). Não é

de se duvidar que em uma próxima etapa, tente-se algo parecido na sintaxe.

Em uma obra mescla de linguística e filosofia, Hacking (1999) diz que

Aprender a falar significa aprender a pronunciar sentenças em diversos modos, não apenas pronunciar uma palavra quando na presença de uma característica. (...) Aprender a gramática é no mínimo tão importante quanto aprender palavras. O empirista sustenta não que a aprendizagem das palavras seja a totalidade da

Page 26: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

25

aprendizagem da linguagem, mas que é o seu começo, e que é o lugar certo para iniciar uma teoria. (1999, pág 100)

Paralelo a essa visão, Hacking diz que um dos elementos da aprendizagem de palavras

é “pronunciar sons correspondentes a características de maneira que sejam aprovadas pela

sociedade”, de onde depreendemos, uma vez mais, a superioridade social (e aqui, filosófica)

dada à norma padrão de uma língua.

Por fim, não fosse a NP superior “em nada” (nos termos de Bagno) às demais, a não

ser em termos políticos, os próprios defensores dessa teoria não teriam escritas, na variedade

padrão, suas obras, uma vez que desdenham da sua importância política e social, atribuindo a

isso tanta mazela. Escreveriam, pois, em quaisquer uma das outras variedades, a fim de dar-

lhes o mesmo reconhecimento linguístico já que, nesse aspecto, equivalem-se, e para enfrentar

o status quo que mantém a NP como aquela que deve ser utilizada para divulgação de

trabalhos científicos. É o caso de pensar que o marxismo das ideias não se desprende do

capitalismo editorial e da necessidade de vender livros.

1.7. LIVROS DIDÁTICOS, GÊNEROS ORAIS E POSTURA DOCENTE

Uma crítica antiga dos professores e linguistas já tem sido atendida, ainda que a passos

curtos. Dizia-se que os livros didáticos de Língua Portuguesa não davam os devidos valor e

espaço aos textos, fazendo das normas (explicadas em frases soltas) seu principal foco. Hoje

os gêneros textuais já são uma realidade no ensino de LP, portanto, nos livros didáticos, onde

têm espaço garantido. No entanto, a didática dos professores tem mudado numa velocidade

menor que a das editoras e da burocracia educacional ao adotar os gêneros como foco

principal. Passamos a ter, assim, livros didáticos reformulados, abordando mais o texto que a

norma, ao mesmo tempo em que seguimos com professores resistentes em abandonar o

tradicionalismo e tratar apenas do texto. É um caso de se pensar se o problema não está nos

cursos de Letras em todo o país, nos quais, a linguística, disciplina obrigatória há pelo menos

30 anos, não tem conseguido mudar a metodologia dos docentes, acusação feita ainda hoje

pelos próprios linguistas. É um autorreconhecimento de falha no objetivo deles. Se não o for,

é uma demonstração crua da funcionalidade do modelo anterior, uma vez que, apesar de

serem submetidos aos conceitos da sociolinguística e a novos paradigmas didáticos, os alunos

Page 27: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

26

dos cursos de Letras formam-se e tornam-se professores iguais aos que tiveram em seus

cursos fundamental e médio.

Ao que parece, a maior parte dos formandos concorda com as teses e ideias difundidas

a respeito de uma mudança na perspectiva do ensino de Gramática e NP, afinal, os seus

professores da faculdade proliferam argumentos em favor dessa nova concepção de ensino de

língua e condenam o “sectarismo” do ensino tradicional e o ensino da norma padrão como a

melhor e pura a ser usada. Não obstante, ao entrarem em sala de aula e enfrentarem vários

turnos e turmas com as mais variadas idiossincrasias, o discurso politicamente correto dá

lugar, muitas vezes, ao tradicionalismo tantas vezes condenado. Percebe-se, talvez somente aí,

que é a NP vital no processo ensino/aprendizado de Língua Portuguesa, uma vez que outras

variedades já são dominadas pelos discentes, e é a NP o objeto a ser estudado e usado nos

textos escritos naquele ambiente.

Fica, porquanto, avaliadas tais situações, evidente a fragilidade do discurso daqueles

que pensam não ser necessário enfatizar a NP como objeto das aulas de Português.

É bem comum ouvirmos de professores de língua relatos acerca da dificuldade por

parte de seus alunos em ler e interpretar um texto além da leitura superficial. Tomando por

base Azambuja e Souza (2003), para quem “estudar um texto é trabalhar nele de modo

analítico e crítico, desvendando-lhe sua estrutura, percebendo os recursos utilizados pelo autor

para a transmissão da mensagem”. (2003, p.49)

Há que se cuidar para não se permitir o uso da gramática normativa como instrumento

de discriminação social, fato existente e persistente por muito tempo em nossa cultura

linguística. É papel também do professor de LP formar “indivíduos críticos e capazes de

interagir linguisticamente nas mais diversas situações, possibilitando a análise não apenas do

aspecto gramatical, mas da intenção do discurso, das ideias que ele pretende transmitir e de

sua importância” (MARQUES DA SILVA, 2009). Seria, no entanto, necessário um estudo,

ainda no ensino médio, do uso da língua nas situações menos monitoradas, quando a

pragmática prevalece sobre todos os outros aspectos linguísticos?

Uma das observações feitas por Bagno (2003) aponta para a prevalência da norma

padrão sobre outras normas por razões sociais e não linguísticas, já que, para ele, não há

superioridade nesta esfera por parte da NP.

Na pronúncia normal do Sudeste, a consoante que escrevemos T é pronunciada [ts] (como em tcheco) toda vez que é seguida de um [i]. Esse fenômeno fonético se

Page 28: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

27

chama palatização [...] E todo mundo acha isso perfeitamente normal, ninguém tem vontade de rir quando um carioca, mineiro ou capixaba fala assim. Quando, porém, um falante do Sudeste ouve um falante da zona rural nordestina pronunciar a palavra escrita OITO como [oytsu], ele acha isso "muito engraçado", "ridículo" ou "errado" (2003, p. 72)

Caberá, portanto, a nós, professores de língua, combater tal preconceito, formulando

meios de aprendizado nos quais fique claro que as variedades existem e que elas não têm,

obrigatoriamente, reflexo no aspecto cognitivo dos seus falantes (e é nessa tarefa que entram

os gêneros textuais), mas também mostrando e deixando claro que é a variedade padrão

aquela à qual devemos recorrer em boa parte das situações sociais com as quais nos

depararemos ao longo de nossas vidas. É ela que faz com que todos nós, usuários de

variedades distintas, sejamos, ao final das contas, falantes de um mesmo idioma. É a NP a que

recorremos quando queremos nos comunicar com alguém de idade, posição geográfica e

social bastante diversa da nossa. É a NP usada por todos nós, inclusive pelos sociolinguistas,

para escrever textos científicos a fim de que tenham alcance máximo e amplo.

Paralelo a essa discussão, algo que merece espaço na sala de aula, e isso poucas vezes

ocorre, é o caráter valorativo que se dá ao texto escrito em detrimento do falado. Ambos são

formas de expressão sociocultural, merecedores de atenção por parte dos professores de LP.

No entanto, como o falar é mais instantâneo e de monitoramento frequentemente menor ou

nulo, tal ação é relegada, dando-se espaço quase sempre apenas ao texto escrito. Perini (2004)

diz que alguns tomam a escrita como forma "correta" da língua restando para a fala o papel de

“forma simplificada e errada” de reprodução daquela. Segundo esse autor,

[...] a diferença entre a fala e a escrita não é que a fala seja uma espécie de escrita descuidada; as noções de "certo" e "errado" são completamente inadequadas para descrever as relações entre o modo como falamos e o modo como escrevemos. (2004, p. 56).

Já para outros estudiosos, adeptos da Teoria Associacionista, a escrita é uma mera

reprodução gráfica da fala, motivo pelo qual esta deve ter mais espaço no ensino que aquela.

Perini se contrapõe também a esses teóricos, afirmando que oralidade e escritas são formas

distintas de se comunicar e que uma não pretende ser mera reprodução da outra.

De acordo com os PCN’s (p. 54),

[...]os blocos de conteúdos de Língua Portuguesa são língua oral, língua escrita, análise e reflexão sobre a língua; é possível aprender sobre a língua escrita sem necessariamente estabelecer uma relação direta com a língua oral; por outro lado, não é possível aprender a analisar e a refletir sobre a língua sem o apoio da língua oral, ou da escrita.

Page 29: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

28

Devemos, portanto, embasados inclusive na burocracia educacional vigente, refletir

sobre a utilização dos gêneros textuais orais na sala de aula e quais seriam eles. Formar

cidadãos competentes no uso de sua própria língua extrapola ensinar-lhes a bem usar as

palavras no plano da escrita, embora tenhamos enquanto professores dado ênfase maior a essa

atitude. Em boa parte das situações sociais que serão enfrentadas pelos nossos alunos, deverão

eles fazer uso de textos orais (entrevistas de emprego são um bom exemplo disso).

Acreditamos, pois, na importância do uso desses gêneros orais também nas aulas de língua

portuguesa, visando a uma formação mais ampla dos nossos alunos.

Essa maior preocupação vem do fato de os livros didáticos, em sua maioria, ainda não

trazem uma boa contextualização dos gêneros orais. Sem essa ferramenta, ainda que bem

intencionados e esclarecidos acerca da importância do uso de tais gêneros em sala de aula, o

trabalho docente fica engessado e sem retaguarda burocrática, afinal, há de se seguir um

roteiro programático trazido pelos livros didáticos adotados pela escola. O lobby linguista,

portanto, deve ser feito, agora, não mais junto aos formandos e sim junto às editoras.

1.8. MUDANÇAS NO ENSINO DE LÍNGUAS

É inevitável constatar as muitas mudanças por que passou o ensino de Língua

Portuguesa no ensino brasileiro, dentre elas destacando-se a gramática textual, adotada por

muitos autores de livros didáticos. Essa gramática, para Marcuschi (1983, p. 7), "[...] é uma

das linhas de pesquisa mais promissoras da linguística atual, uma vez que contempla os

recursos linguísticos partindo do texto e não mais das frases.” Ainda de acordo com

Marcuschi, “este trabalho discute possíveis obstáculos causados pelo preconceito linguístico e

propõe um modelo de ensino baseado na reflexão e diversidade textual.” É de se supor que,

uma vez mencionanda a diversidade textual, o autor faça, paralelamente, a defesa também da

diversidade de variações, uma vez que em cada gênero, variações diversas se fazem presentes.

Nessas consideraçõeso, fica explícito que se deve abordar a diversidade linguística, mas nem

de longe se faz apologia a que se tenha a variação padrão excluída desse processo.

Uma das grandes transformações por que tem passado o ensino de língua portuguesa

diz respeito à introdução dos gêneros textuais em sala de aula. Assunto muito em voga nos

últimos anos, os gêneros retratam os usos sociais do texto feitos pelos usuários da língua. E se

Page 30: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

29

são esses textos aqueles de que vamos dispor ao longo da nossa vida, devem ser eles

instrumentos utilizados nas aulas de língua.

Para Marcuschi (2002), os tipos de textos (narração, descrição, dissertação e injunção)

realizam-se através dos gêneros textuais. O autor admite ainda a hipótese da heterogeneidade

tipológica, fato ocorrido quando um mesmo gênero apresenta características de mais de um

tipo. Ainda para ele, o gênero é como uma “noção vaga para os textos materializados

encontrados no dia a dia e que apresentam características sócio-comunicativas definidas” pela

situação do falante.

Travaglia (2002), que prefere os tipos de textos aos gêneros como elementos a serem

usados nas aulas, caracteriza estes por suas funções sociais, pressentidas pelos que fazem uso

da língua. Para ele, sabemos o momento e o local adequado para fazermos uso de cada

gênero.

As variedades linguísticas, em que pesem as falhas metodológicas, também têm sido

inseridas no processo de ensino-aprendizagem de língua materna, ainda que, sob a ótica da

sociolinguística, de forma muitas vezes equivocada. Bagno (2007) pensa ser um equívoco

confundir-se variedade linguística com variedade regional. Segundo o autor,

Parece estar por trás dessa tendência a suposição (falsa) de que os falantes urbanos e escolarizados usam a língua de um modo mais “correto” mais próximo ao padrão, e que no uso que eles fazem não existe variação. (2007, p. 40)

Seguindo essa linha de raciocínio, o uso de três personagens frequentes quando se

tenta abordar tal tema (Chico Bento, Adoniran Barbosa e Patativa do Assaré) mostra-se

também preconceituoso, uma vez que vislumbra levar a imagem que o modo próprio de os

três falarem é uma variedade não padrão e que deve ser evitada. Bagno (op. cit.) exemplifica

através de um balão das histórias em quadrinho de Maurício de Souza, no qual a fala de Chico

Bento é representada de acordo com a figura a seguir, ao lado de outra fala do personagem

Apesar de praticamente todos os falantes da língua portuguesa no Brasil realizarem o

ditongo OU como um Ô e as vogais “E” em posição átona como um “I”, no plano da

expressão gráfica, esse fenômeno só é apontado quando provém de um usuário da zona rural.

SORRIAM QUE EU VÔ TIRÁ O RETRATO

COMO OCÊ NUM FEZ A LIÇÃO DI CASA DIREITO, ACABÔ TOMANDO NO...

Page 31: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

30

Fosse uma pessoa escolarizada, tais reproduções viriam muito provavelmente na sua forma

lexical correta. Fenômeno bem parecido será encontrado em textos de Adoniran Barbosa,

como por exemplo o Samba do Arnesto (anexo A), no qual usos bastantes populares (como a

forma “nós fumo” em lugar de nós fomos) se mesclam a outros restritos a poucos usuários

(como o uso do oblíquo “nos” em “Arnesto nos convidou”). A pessoalidade da obra musical

de Adoniran explica esse fato que dificilmente seria encontrado em uma fala espontânea de

um usuário da língua, fato pelo qual o exemplo não pode ser visto como uma construção

usual, logo, uma variedade da língua. Isso se repetirá em Patativa, como no seu poema “Aos

poetas Clássicos” (anexo B) e em tantos outros exemplos disponíveis a quem os busque.

Mas por que tratar de um aspecto tão sociolinguístico do uso da língua aqui? Para

mostrar que a língua é uma “atividade social, um trabalho coletivo empreendido por todos

seus falantes” (BAGNO, 2007). Se é assim, torna-se heterogênea. E é essa heterogeneidade de

usos que se toma por variedades da língua. Vemos variedades como usos reais e funcionais na

fala espontânea das pessoas, limitados, via de regra, ao plano da expressão oral, uma vez que

na escrita as formas lexicais tendem a convergirem para a padrão. É por isso que defendemos

a ideia de que as formas várias de pronunciar-se a palavra “AMOR” (amô, amor, AmoIr)

seriam cada uma delas variedades, ao passo em que escrever a palavra AMÔ em lugar da

forma AMOR não seria variedade e sim desvio léxico da norma padrão.

A crítica feita por Bagno a esse processo metodológico, com a qual nós concordamos,

dá-se, entre fatores outros, pela pressão feita pelo lobby linguista que leva os escritores e

editores dos livros didáticos a, mesmo sem uma teorização mais completa sobre o tema,

adotarem algo que pudesse atender a essa expectativa pela presença das variedades

linguísticas nos livros didáticos.

Acreditamos na importância de que os textos escritos sob quaisquer uma das normas

sejam levados aos alunos por proporcionarem conhecimento e reflexão, mas discordamos de

que sirvam de modelo de língua para os mesmos, uma vez nem representam variedades

linguísticas e, mesmo que o fizessem, tendem mais a enfraquecer pela lisonja que fortalecer

pela disciplina.

Daí que, pouco após termos passado por duas significativas mudanças na perspectiva

metodológica das aulas de LP, já recebemos pressão acadêmica e linguística para operarmos

mais uma, até que nos adequemos a um modelo pré-estabelecido por aqueles que assim

Page 32: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

31

anseiam. Enxergamos no uso da norma padrão, una e homogênea, o melhor método para

apaziguar esse conflito por que passamos os professores de língua.

Page 33: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

32

2. A LÍNGUA E SUAS RELAÇÕES COM A SOCIEDADE

2.1. IDEOLOGIA ENFRENTANDO A REFLEXÃO

Iludidos pela crença da origem lusitana de nossas mazelas, estudiosos nacionais

pelejam para que nos afastemos de nossas raízes europeias, estendendo o campo dessa batalha

para a linguística. Na contramão deles, pensamos que estipular normas e transmiti-las às

crianças (ou mesmo a um adulto ainda não letrado) em hipótese alguma configura violência. É

antes um exercício de conscientização de que teremos, em nossa vida social, regras (sejam

justas ou não, oportunas ou não; impostas pelo empirismo ou pelo status quo) às quais nos

devemos ater e as quais devemos respeitar e buscar cumprir.

Amiúde, argumenta-se que a NP não é realizada em sua íntegra por nenhum falante da

LP, por mais culto, escolarizado e familiarizado que este seja. A afirmação, apesar de ser

facilmente comprovada, não deve servir como argumento para retirar a NP do estamento que

ocupa. A fim de comparação, Oliveira Lopes (2010) reflete que, embora todos já tenhamos

cometido algum deslize moral, jurídico ou ético, nenhum de nós propõe o afrouxamento das

normas morais, jurídicas e éticas.

Oliveira Lopes (op. cit.) pensa que à Linguística, como ciência que se propõe ser, não

cabe o campo onde se debate a questão do preconceito, e sim os da filosofia, moral e ética:

Por exemplo, se amanhã ou depois um grupo idôneo de cientistas renomados conseguir comprovar, para além de quaisquer dúvidas, que existem raças e que uma raça específica é mais “inteligente” que as demais, isso nos dará o direito “científico” de discriminar as raças “menos inteligentes”? Claro que não! Porém, como sustentar essa negativa, se a ciência afirma o oposto? A resposta é simples: retirando do âmbito da ciência o problema da discriminação e transferindo-o para o da ética e da moral (2010, p. 2)

De tal modo, as crianças seriam educadas sob a ótica de que o preconceito (seja racial,

linguístico ou quantos mais houver) é algo a ser abominado moralmente, e não

cientificamente, como dito, visando a que, em hipótese de comprovação científica, não haja

necessidade de mudança de postura frente a tais situações. Podemos, ainda debruçados sobre

o artigo de Oliveira Lopes, perceber que “formalmente a ciência não é competente para

fundamentar os valores éticos da sociedade”.

Outro problema decorrente do deslocamento “inadequado” dessa discussão para o

campo científico é que, uma vez adotada a defesa de um tema seja ele qual for (e damos

atenção ao preconceito linguístico aqui), a Linguística assume o papel de defensora da

Page 34: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

33

coletividade oprimida, dos ‘sem-acesso’ à norma padrão, ao passo que combate os

pensamentos contrários, dando aos seus ares de ciência e àqueles, de “preconceituoso”. É um

posicionamento maniqueísta, embasado cientificamente com conceitos corretos trazidos pelos

estudos linguísticos, mas colocados ao público de forma, a nosso ver, equivocada, por

oferecer a visão de que quem está a seu lado está com o povo, é tolerante e progressista,

restando aos demais apenas o laivo de sectário, conservador, antiquado e retrógrado. Esse

modus operandi marxista de lidar com o tema inviabiliza, antes de iniciar-se, um debate às

claras.

Um exemplo do que se diz aqui está na prova de Português 2 do Vestibular 2011 da

UFPE (anexo C) que trouxe texto de Perini (2004), onde se lê, por exemplo:

[...]do que a linguística não se ocupa é a distinção entre o “certo” e o “errado” na língua...O ensino do português muitas vezes difunde a crença de que existe uma maneira “certa” de usar a língua, e que essa é a única maneira aceitável; todas as outras são “erradas”, devem ser evitadas...Quantas vezes não nos dizem que a palavra chipanzé “não existe” (porque o “certo” seria chimpanzé)? Dizer isso é desrespeitar o fato de que milhões de pessoas dizem chipanzé. (2004)

O discurso se encaixa como uma luva e ganha de modo fácil e com ares de

politicamente correto adeptos de modo muito ágil. O problema que encontramos em posições

como a de usar um texto como esse para adolescentes que realizam uma prova de ingresso à

academia é que, ao invés de buscar fazer deles (ou identificar se são) usuários competentes da

variedade que será exigida deles em muitas situações sociais, contenta-se em fazer deles

pessoas tolerantes com o “erro”.

Fato semelhante encontramos em diversos outros textos usados nas salas de aula do

ensino médio, como por exemplo, Nóis mudemo, de Fidêncio Bogo, (anexo D) levado à sala

de aula por dezenas de professores na tentativa de mostrar a seus alunos como o “apego

exagerado às normas gramaticais” pode causar desânimo e afastar um potencial aprendiz da

sala de aula, impossibilitando-o de se tornar um cidadão mais bem instruído.

2.2. LÍNGUA COMO ELEMENTO DE IDENTIDADE CULTURAL

É sabido que o idioma de um povo é um dos mais, se não o mais, importantes

elementos de identidade cultural. É a principal convergência de quem faz parte desse povo e a

principal divergência com quem não faz. É a língua portuguesa que faz um rico fazendeiro

Page 35: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

34

acreano de 70 anos de idade ser tão brasileiro quanto um pedreiro gaúcho de 22 anos de idade.

O filósofo Olavo de Carvalho (1999), ao tratar sobre a busca pela identidade nacional diz que,

Enquanto nossos vizinhos buscavam sabiamente fortalecer os laços que os uniam à cultura hispânica de origem, lutávamos obsessivamente para cortar toda nossa raiz lusitana (1999, p.2)

Carvalho segue no tema e compara nosso idioma ao espanhol, oficial de nossos

vizinhos, e percebe a reafirmação da língua de Cervantes como reafirmação de identidade de

tais países, em contraponto ao português que, segundo ele,

[...]perde terreno dentro de solo brasileiro e é acossado pelo barbarismo midiático manietado pelos fiscais politicamente corretos, açoitado pelos feitores da incorreção obrigatória.(1999, p.2)

O filósofo comenta a obra Preconceito Lingüístico: O que é, como se faz (BAGNO,

1999), uma das obras da sociolinguística nacional mais lidas nos cursos de Letras e de

formação de professores em geral em todo o país. Ele dá conta de encontrar um afrouxamento

da norma padrão portuguesa, o que acarretará no domínio cada vez maior da norma inglesa, e

não do “democratismo igualitarista das falas populares”, defendido no citado livro. Para

ilustrar, argumenta que tal fato já ocorre, ao encontrarmos palavras portuguesas formando

uma oração com sintaxe típica do inglês, como em "amanhã estarei indo viajar", em

preferência à forma “amanhã viajarei”, mais típica da sintaxe lusitana. O exemplo, mais que

uma assimilação eventual, revela como se vem procedendo, talvez de modo involuntário, a

uma adaptação do nosso repertório à forma estrangeira. Revela mais: a posição frouxa frente

ao mau uso gramatical não fortalece as variedades não padrões do português, e sim a norma

padrão alheia, saxônica.

Para o filósofo, a obra de Bagno seria fruto de extrema inteligência (ainda que

misturada com maquiavelismo, na acepção popular do termo) se tivesse a intenção de pôr fim

à unidade linguística lusófona para sobreposição da americana. Porém, não é esse o fim ao

qual se presta Bagno, marxista que não sabe a quem serve e que, de tempos em tempos,

percebe, sob ira e revolta, que seu objetivo deu errado.

Para os alunos dos diversos níveis e até para aqueles que não estudam, é cômodo e soa

politicamente correto aos ouvidos alheios que os deixem escrever como falam e que falem

como soem fazer, sem orientá-los em direção à uniformidade da norma padrão. É provável

que, agindo assim, eles se sintam menos excluídos social e linguisticamente. No entanto, dá-

se o inverso, pois é essa atitude justamente que mais os exclui, por privá-los do acesso a

conversas cultas. Segundo Carvalho (op. cit), “Tudo depende de saber se preferimos

Page 36: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

35

enfraquecê-los pela lisonja ou fortalecê-los pela disciplina”. É daí que advém o título do

presente trabalho.

A preferência da NP por parte não apenas dos usuários como também dos sistemas de

ensino é tamanha, que se pode inclusive, constatar, como o faz Bechara (2006, p. 11), um

retorno por parte dos livros didáticos a insistir no padrão culta da linguagem, seja através das

normatizações da gramática ou mesmo através das seleções textuais que, segundo o autor,

refletem esse padrão.

Já para Saussure (1949, apud BECHARA, 2006, p. 11), a GT está “fundada na lógica

e desprovida de toda a visão científica e desinteressada da própria língua”, e a conceitua como

“disciplina normativa, distante da observação pura, cujo ponto de vista é necessariamente

restrito.” (grifo nosso).

Acreditamos verdadeiramente na preocupação daqueles que veem preconceito na

atitude de muitos usuários cultos da língua com aqueles que não compartilham a mesma

capacidade linguística. É preciso assegurar-lhes o curso na intercomunicação social. Porém,

pensamos, tal como Bechara, que o respeito às variedades “não lhe furta o direito de ampliar,

enriquecer e variar esse patrimônio inicial”. Afinal,

Enquanto a posição populista perpetua a segregação linguística das classes subalterna, a educação linguística deverá ajudar a sua liberação (SIMONE, 1979, apud BECHARA, 2006, p12).

O ensino linguístico deverá partir da atividade oral, pois que constitui a base para a

aquisição ideal de quase todas as competências linguísticas. Mas vale lembrarmos que a

função do professor deve ser a de estimulador e que não deve também perder de vista a sua

missão programaticamente corretiva.

Pensamos que a Gramática deve ter papel didático, e não dogmático, como já disse

Bechara (2006, p. 50). Citando Wagner e Pinchon, o autor nos diz que a GN pertence mais à

educação que à instrução, já que objetiva mostrar aos usuários como dizer isso e repelir

aquilo, a fim de atender às expectativas do contexto social.

Page 37: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

36

3. PERCURSO METODOLÓGICO

Propusemo-nos a conversar com determinado número de alunos e professores e colher

impressões dos mesmos acerca do ensino de gramática, bem como de sua funcionalidade. Nos

apêndices B e C, estão registradas as perguntas feitas no questionário, cujos detalhes

comentamos a seguir.

Procuramos 50 alunos de Língua Portuguesa, divididos da forma exposta no apêndice

A, de modo a contemplar ambos os sexos, procedência da instituição (se privada ou pública,

e, se pública, estadual ou federal) e nível de estudo; e lhes pedimos que respondessem a um

questionário (apêndice B) sem identificação nominal, apenas sinalizando o sexo, a idade, o

nível de ensino e o nome da instituição, a fim de tornar mais espontâneas e reais suas

respostas, uma vez que admitimos a possibilidade de se sentirem coagidos se houvesse

necessidade de identificação. Nenhum dos alunos foi escolhido por manifestar simpatia pela

matéria, bem como nenhum é aluno do redator do presente trabalho. Foram escolhidos

aleatoriamente pela ordem na caderneta em turmas nas quais não havia relação próxima entre

nós e eles. Acreditamos que isso confere mais legitimidade aos resultados. Apresentamos no

apêndice B as respostas quantitativas dadas por eles às perguntas às quais foram submetidos.

No decorrer do texto, no entanto, trabalharemos quase sempre com números percentuais.

As escolas nas quais buscamos esse alunado foram escolhidas por critérios levando em

conta o nível de ensino e se públicas ou privadas. Condições socioeconômicas do público não

foram levadas em consideração, a fim de não escolhermos escolas nas quais adolescentes de

maior poder aquisitivo (fator este muitas vezes relacionado com a capacidade cognitiva)

fossem os entrevistados, fator esse que poderia intervir nas análises.

Entrevistamos alunos nas seguintes escolas particulares:

Colégio Diocesano de Belo Jardim (8 alunos)

Colégio Adventista de Belo Jardim (7 alunos)

Nas seguintes escolas públicas federais:

IFPE- Campus Belo Jardim(10 alunos)

IFPE- Campus Pesqueira (10 alunos)

Nas seguintes escolas públicas estaduais:

CEEBEJA, Belo Jardim (7 alunos)

Bento Américo, Belo Jardim (8 alunos)

Page 38: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

37

Conversamos com 10 professores de língua portuguesa nas mesmas instituições onde

conversamos com os alunos. Quatro homens e seis mulheres. Não por escolha metodológica,

e sim pelo quadro de professores não apresentar mais homens do que esse número na função

de docente de língua portuguesa. A exemplo do primeiro questionário, neste também não

pedimos identificação e apenas procedemos a leitura dos mesmos após todos os entrevistados

haverem concluído sua participação. De antemão, antevimos algumas respostas por se

tratarem de perguntas que mexem com a autoestima. Ainda que de forma anônima,

deduzíamos que poucos iriam responder diferente do que fizeram por exemplo na questão

primeira e na segunda.

Por se tratar de um número reduzido de entrevistados, achamos por bem apresentar os

números reais e não percentuais como feito com os alunos. O apêndice C mostra os números,

as perguntas e respostas.

Page 39: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

38

4. ANÁLISE DO CORPUS

4.1. OS ALUNOS

PERGUNTA 1

O primeiro dado já digno de registro e de surpresa é que 36% deles afirmam gostar,

sim, das aulas de gramática em suas escolas, enquanto 14% dizem que não gostam e 50%

gostam pouco. Analisando por segmentos de sexo e de instituição, encontramos os seguintes

dados:

• dos que afirmam que gostam, 50% são meninos e 50% meninas, o que destrói, ao menos

em nosso campo de pesquisa, a tese de que as meninas são mais simpáticas ao ensino de

gramática;

• dos que gostam, 60% estudam até segundo ano do médio, e 40% estão ou no terceiro ou no

quarto (a pesquisa inclui alunos das escolas federais técnicas, que trabalham com alunos no

nível médio por 4 anos);

• os que afirmam gostar de gramática são 40% alunos da escola técnica, 40% das escolas

particulares e 20% das escolas estaduais.

Nossa reflexão sobre esse dado aponta para a qualidade do ensino e, consequentemente,

para o interesse despertado no alunado. As escolas federais onde desenvolvemos a pesquisa

são consideradas excelentes escolas e contam em seu corpo docente com professores que,

além de capacitados, trabalham indiscutivelmente sob melhores condições, quer sejam

financeiras, quer sejam estruturais. Pensamos que resultado parecido deve surgir se forem

pesquisadas quaisquer disciplinas, uma vez que o déficit da escola pública estadual não atinge

tão somente a área de Língua Portuguesa. Vale ressaltar ainda que a escola estadual onde

Pergunta 1 SIM POUCO NÃO

Você gosta das aulas de gramática na sua escola? 35% 50% 14%

Page 40: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

39

buscamos respostas não é um Centro de Referência (as chamadas escolas integrais), pois

procuramos exatamente confrontar também dados de escolas onde sabemos que há uma

qualidade de ensino melhor (caso da particular e das federais), com alguma onde suspeitamos

não dispor da mesma qualidade. Que fique registrado que não culpamos o corpo docente por

essa qualidade abaixo do desejado, e sim os órgãos governamentais a quem cabe a tutela das

referidas escolas.

PERGUNTA 2

Quando a pergunta feita é sobre o nível de dificuldade (fácil ou difícil) encontrado na

disciplina e o quanto lhes é agradável o ensino (legal ou chato)2, encontramos os seguintes

dados:

• 62%3 dizem achar legal, enquanto 38% dizem ser chato o ensino de LP.

• 62% dizem ser difícil, ao passo em que 38% dizem ser fácil o ensino de LP.

Esses foram talvez os dados mais complicados para serem analisados. A expectativa

inicial nossa era ver números mostrando que os alunos que acham fácil aprender gramática

também acham “legal”, enquanto os que acham difícil achariam também “chato”. Entretanto,

as respostas apuradas mostram o seguinte:

• 30% dos que acham “legal” acham fácil,

• 70% dos que acham legal acham difícil.

• 55% dos que acham “chato” acham fácil.

• 45% dos que acham chato acham difícil.

PERGUNTA 3

2 Os termos ‘chato’ e ‘legal’ foram usados por se tratar de um questionário aplicado a um público jovem, a fim de deixar-lhes mais à vontade ao respondê-lo. 3 Para fins de facilitar a leitura, os números percentuais estão arredondados. Talvez por isso haja, em alguns momentos, desigualdade na soma dos percentuais.

Page 41: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

40

A próxima indagação feita aborda a aplicabilidade do que se aprende nas aulas de

gramática. Ao contrário do que se poderia esperar como resultado, a maioria diz que a utiliza

em sua vida social: Observem os dados:

• 52% usa.

• 48% usa pouco.

• nenhum dos 50 disse nunca usar.

Em relação ao gênero, nessa questão, outra situação causa surpresa: os alunos do sexo

masculino responderam em maior número quanto ao uso social da gramática em suas vidas

sociais. Entre os alunos que dizem usá-la, 55% são do sexo masculino, e 45%, feminino. Já

dos que afirmam usar pouco, 43% são do sexo masculino 57% do feminino. Os que usam são

em sua maior parte alunos das redes particular e federal: 78%. Ainda assim, o número dos

alunos da escola estadual que a usam chega a 22%.

PERGUNTA 4

O próximo item a lhes ser perguntado foi, se eles pudessem decidir, se teriam aulas dessa

disciplina. Os números encontrados foram muito positivos para nosso estudo:

• 76% dizem que sim, teriam aulas de gramática.

• 24% não as teriam.

Segregados quanto ao sexo, praticamente um empate. Os que dizem sim em relação às

aulas de gramática são 49% homens e 51% mulheres. E por escolas, uma leve diferença para

as particulares, com 36%, enquanto as públicas estaduais tiveram 32% e as federais 32%

também.

Talvez tenha sido esse o número que mais confirma nossas expectativas, uma vez que

o senso comum aponta para um total desprezo por parte dos alunos em relação ao valor o

aprendizado da NP em sala de aula. Eles, além de a usarem, defendem seu ensino. Acreditam,

portanto, na importância social de dominarem a forma padronizada da língua.

Page 42: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

41

PERGUNTA 5

Na sequência, responderam sobre que assuntos lhes causam mais dificuldades no

ensino da LP. Os assuntos apontados como os mais difíceis pelos pesquisados foram, na

ordem, acompanhados da quantidade de alunos que o citaram:

4

4 Nesse item da pesquisa, permitiu-se mais de uma reposta. Por isso, o número de respostas

aqui é maior que o número de alunos pesquisados.

Assuntos Difíceis Número % de alunos

Regências 24

Concordâncias 15

Análise Sintática 7

Conjunções 4

Tipos de orações 4

Transitividade Verbal 5

Pontuação 5

Conjugação de verbos 4

Page 43: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

42

PERGUNTA 6

Já as situações onde eles se veem mais estimulados (ou forçados) a usarem a NC são

as seguintes, igualmente acompanhados pela quantidade de citações:

5

Fica, dessa forma, perceptível e irrefutável que, entre as situações nas quais se sentem

mais propensos ao uso da NC da língua, estão aquelas nas quais haverá contato com pessoas

de formação intelectual maior (professores, pessoas cultas e formação superior, juntas

somaram 19 citações). Perdem apenas para apresentações de trabalhos acadêmicos, nas quais,

embora interajam com colegas de mesmo nível, devem rebuscar ao máximo a fala. São

5 Nesse item da pesquisa, permitiu-se mais de uma reposta. Por isso, o número de respostas

aqui é maior que o número de alunos pesquisados

Situações Número % de alunos

Apresentação em público 15

Professores 8

Pessoas cultas 6

Pessoas com formação

superior

5

Pais 4

Redação escolar 4

Diante do diretor 2

Atividades profissionais e

reuniões

2

Cargos superiores 2

Entrevista 2

Pessoas que dominam a

Gramática

2

Pessoas desconhecidas 2

Page 44: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

43

exatamente as situações descritas nas quais acreditamos ser útil o uso da língua padrão. O

afrouxamento da exigência por parte da escola do domínio da NP não faria desaparecerem

essas situações em que é preciso dominar a referida norma. Isso apenas faria com que

houvesse menos pessoas prontas e capazes para usá-la e, assim, galgar melhores posições

sociais.

PERGUNTA 7

Quisemos saber ainda sobre o quanto eles veem a língua que usam nas situações

descritas na pergunta 6 distante da que usam com os amigos, por exemplo, no cotidiano.

24% dizem que entre os dois momentos, há um distanciamento muito grande, ao passo

que há um empate entre os que dizem haver mais coisas em comum que diferenças ou então

que são iguais (38% cada uma das respostas).

Foi outro item a causar surpresa. Revela, no entanto, que, ao usarem a NP ou NC, não

estamos vestindo a máscara de um extraterrestre irreconhecível por todos e que apenas

assusta. Reforça, de certa forma, nossa crença a respeito.

Veja o quadro da distribuição quanto ao sexo:

Em % Há um distanciamento muito grande

Há mais coisas em comum que diferenças

É quase igual

Homens 28 36 36

Em % Há um distanciamento muito grande

Há mais coisas em comum que diferenças

É quase igual

Total 24 38 38

Em % Há um distanciamento muito grande

Há mais coisas em comum que diferenças

É quase igual

Mulheres 20 40 40

Page 45: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

44

Como pode ser constatado, entre os alunos do sexo masculino, o distanciamento entre

as duas variedades é maior que entre alunas. Consequentemente, as meninas tendem a dizer

mais que os alunos que há semelhanças em maior número que diferenças entre as mesmas

variedades. Esse item traz à baila, outra vez, o mito que dá conta de afirmar que a correção

gramatical é uma característica mais feminina que masculina. Essa temática, apesar de muito

instigante, não cabe nesse tratado.

PERGUNTA 8

A derradeira questão visou a indagar-lhes como se sentiam emocionalmente ao se

verem forçados a usarem uma forma mais rebuscada da língua (sem especificar se Padrão ou

Culta):

34% afirmam sentirem-se à vontade, sem nenhum tipo de mal-estar;

8% acreditam sentir angústia;

24% dizem que se sentem pressionados;

34% sentem-se estimulados.

A essa altura dos questionários, já não nos causaram estranheza tais números. Ao

menos nos campos de pesquisa deste trabalho, não se evidenciou o que muitos tomam como

verdade inconteste. 68% dos alunos se sentem ou estimulados ou à vontade, ao passo que

32% sentem algo negativo (angústia e pressão).

Finalizamos a análise dos questionários aplicados aos alunos com a impressão de que

o ensino atual de LP não está tão no fundo do poço como se supõe, grosso modo. Ao menos,

não na perspectiva dos discentes.

À VONTADE ANGUSTIADO PRESSIONADO ESTIMULADO

34 8 24 34

Nas situações descritas na questão 6, em que utiliza com mais cuidado regras gramaticais, você se sente... (respostas em %)

Page 46: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

45

4.2. OS PROFESSORES

PERGUNTA 1

Perguntamos aqui como os alunos desses docentes se portam em suas aulas diante do

assunto gramatical. As respostas com mais citações foram as de caráter positivo (engajados e

atentos, cada uma com três citações). As de caráter negativo (indiferentes e ansiosos pelo

término) foram citadas por duas pessoas cada uma. Os professores do sexo masculino se

dividiram: dois responderam “engajados”, e dois, “indiferentes”. Entre as mulheres, as

respostas foram diversas (um “engajados”, três “atentos” e dois “ansiosos pelo término da

aula”).

PERGUNTA 2

Nesta segunda questão, quisemos saber dos docentes o seu pensamento sobre si

mesmos enquanto ao domínio dos conteúdos trabalhados. O resultado, esperado, mostra que

sete de dez deles se julgam seguros. Apenas um se diz inseguro e dois afirmam estudar muito

antes de ensinar determinados assuntos.

Foram exatamente essas duas primeiras perguntas as que julgamos com respostas mais

difíceis de serem analisadas, pois mexem diretamente com o brio dos professores. A questão

aqui seria sociológica e não linguística, motivo pelo qual não nos atrevemos a entrar no

mérito. A pergunta, retórica, não carece de resposta e sim de reflexão apenas: Quais deles

foram sinceros com o questionário e o são consigo mesmos?

PERGUNTA 3

Neste item, foi-lhes perguntado como agiriam se lhes coubesse alterar o ensino de LP

atual. Dentre os nossos entrevistados, nenhum diz que eliminaria as aulas de gramática (até

porque vivem de ensiná-la). Seis dizem que o manteriam como se encontra; três, que dariam

outra perspectiva; e um, mudaria os conteúdos trabalhados.

O resultado mostra que, apesar do forte lobby da moderna sociolinguista, raivosas

alterações no ensino de LP não seriam bem-vindas. Ao menos não se mostram necessárias,

Page 47: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

46

uma vez que a maior parte de nossos docentes está contente com a situação atual. Dos que

responderam que mudariam o conteúdo ou dariam outra perspectiva (quatro, no total), todos

disseram que essa nova perspectiva seria a linguística textual. Não houve espaço para

perguntar-lhes se não acham que isso já vem ocorrendo, ou então, o que fariam com a

gramática normativa.

PERGUNTA 4

Quando questionados sobre se estariam de acordo com o fato de usos populares

tornarem-se padrão, oito professores disseram que estariam de acordo se mudanças sintáticas

(o exemplo citado- vide o apêndice C- tratava de mudanças na regência dos verbos assistir

e namorar) ocorressem nas gramáticas tradicionais. Apenas dois se disseram contra

tais mudanças.

A princípio, enxergamos uma forte discrepância entre essas respostas e as dadas ao

item anterior. No entanto, fazemos a seguinte leitura: os docentes, apesar de se dizerem

satisfeitos com o atual modelo de ensino, bem como seguros do conteúdo trabalhado, não se

fecham a possíveis mudanças na gramática, por vislumbrarem nisso, segundo alguns

comentários colhidos, um afago na população que hoje não se vê como usuária da língua

culta. Seria como uma forma de acolher essa gente que faz a língua ser viva e reconhecer sua

importância para o processo.

PERGUNTA 5

Por fim, perguntamos que alterações fariam, se o pudessem, nas regras gramaticais

vigentes. Dos dez, cinco escreveram que não alterariam, apenas acrescentariam as regras que

já são de uso comum pelos usuários da língua, sem, no entanto, tirar das regras o que já está

consolidado. Por coincidência(?), todos esses cinco haviam respondido antes que estão

satisfeitos com a situação do ensino de línguas atual.

Dos quatro que haviam, antes, respondido que procederiam a alterações na perspectiva

do ensino, direcionando-o ao texto, todos citaram a “regência” como algo que alterariam na

gramática. Três também citaram a “concordância” e a “crase”. Dois ainda falaram em

Page 48: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

47

“pontuação” e outros dois em “acentuação” de modo geral. Um citou ainda a questão da

“análise sintática das orações”.

Reparamos aí grande convergência, apesar do baixo número de entrevistas, com as

respostas dadas pelos alunos em item semelhante a este.

Page 49: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

48

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tentando ao máximo fugir de um juízo de valor político, faz-se necessário comentar

algo que, de tão repetido, transformou-se em um lugar-comum. Um chavão. Sem dar

importância à regra que aconselha evitá-los, vemo-nos em uma situação bem propícia a

afirmar: no mundo capitalista, globalizado e competitivo que ora nos cerca, no qual vale a

regra de “os mais adaptados sobrevivem”, soa extremamente desonesto, embora politicamente

interessante e correto, que argumentos bem embasados linguisticamente sejam usados por

autores para desestimular a juventude (maior alvo dos escritos sociolinguistas, como por

exemplo as novelas sociolinguistas de Marcos Bagno) a uma adequação às normas vigentes,

exigidas em vestibulares, concursos públicos e mais: na linguagem formal, com a qual essas

pessoas terão de lidar em boa parte de suas vidas profissional e pessoal. É claro que os

argumentos desses jamais aparecerão como desestímulo, e sim como respeito às diferenças.

Percebemos, através dos questionários aplicados, que a maioria dos próprios docentes

não cedem a esse lobby sociolinguítisco, e seguem sem suas aulas com o seu modus operandi

tradicional, mesmo após tantos anos, até mesmo décadas, de bombardeio ideológico que

manda transformar aulas de língua em aulas de linguística.

Os defensores da gramática normativa reconhecem e aplaudem os feitos da linguística,

sem, no entanto, reconhecer-lhe, como bem diz Lyons (apud BECHARA, 2006, p. 58) o papel

de pelourinho da gramática tradicional, ainda mais quando, após as críticas, fica o vazio sem

apresentação de nada que a suceda de modo profícuo. Há convergência nossa com o

pensamento do escritor quando aponta a gramática normativa e sua abordagem tradicional

como sendo “pelo menos tão boa quanto qualquer outra alternativa (sic) que tenha sido até

agora apresentada”. Lyons (apud BECHARA, [op. Cit.] p. 58)

Adaptação, nas ocasiões propícias, às normas vigentes. É isso que pensamos dever ser

oportunizado às classes em se tratando de norma culta. As variedades não padrão já estão por

aí. Correm campos, ganham as ruas, os livros, a TV, as músicas... Pensemos, pois, nos textos

mais exigentes: monografias, artigos, reportagens e tantos outros gêneros, inclusive os orais,

que exigem tais conhecimentos.

A afirmação de que os sociolinguistas visam a por fim no ensino de gramática

normativa em sala de aula é combatida com outra, tão falsa quanto: os defensores da GN não

Page 50: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

49

aceitam em hipótese alguma o uso de variedades que não sejam a norma padrão ou a norma

culta. Concordamos com as palavras de Bechara:

Hoje, por um exagero de interpretação de “liberdade” e por um equívoco em supor que uma língua ou uma modalidade é “imposta” ao homem, chega-se ao abuso inverso de repudiar qualquer outra língua funcional, que não seja aquela coloquial, de uso espontâneo na comunicação cotidiana. Em ambas as atitudes há realmente opressão, na medida em que não se dá ao falante a liberdade de escolher, para cada ocasião do intercambio social, a modalidade que melhor sirva à mensagem, ao seu discurso. (2006, p. 14)

Claro está que o uso popular acomoda muito bem todas elas, cada qual em seu espaço

adequado. Evidente, para nós, também está que, no espaço acadêmico, a mais avalizada e

merecedora (seja do ponto de vista cultural, social ou mesmo linguístico) de ser estudada,

aprofundada e principalmente usada, é a variedade padrão da língua. Permitir que mudemos a

variedade padrão (haverá sempre uma que se faça necessário para “padronizar” um texto ou

modelo de comunicação) ao bel-prazer dos que se julgam capacitados para determinar que

variedade deve ser padronizada é assinar procuração para que moldem a nossa língua. É

reconhecer-lhes o direito de nos imporem, apenas por capricho, novos modelos a serem

seguidos, ou, pior, modelo nenhum a ser seguido

Acreditando que não se deva inverter o preconceito existente contra falantes de

normas desprestigiadas da língua, passando a desmerecer aqueles falantes adeptos de uma

forma mais padronizada (na acepção cronológica e sociológica do termo), podemos concluir

com esse trabalho que: sim, é possível, lógico e recomendável convivermos com grupos

sociais adeptos de variantes diversas entre as quais uma mais padronizada (via de regra,

utilizada em contextos bem especificados) e que deve ser objetivo do ensino de Gramática em

sala de aula. Mais que isso: tal ensino não deve ser combatido nem mesmo secundarizado, e

sim incentivado como instrumento de ascensão, portanto, permitido a todos quantos se

oportunizem.

Acreditamos que cabe aos professores a tarefa de levar além as atividades de leitura,

interpretação e produção de textos, passando a estimular seus alunos a desvendar as teias que

compõem o texto, seus pressupostos, subentendidos, intenções, contexto de enunciação, etc.

Cremos, ainda, que para que esses objetivos sejam plenamente alcançados, o ensino de

gramática normativa surge como instrumento imprescindível, eficaz e aceito pela

comunidade, conforme aferimos nos questionários.

Page 51: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

50

Os questionários aplicados ajudaram a mostrar que o abismo no processo de ensino-

aprendizagem sugerido parece não ser tão profundo, ou ao menos não tão difícil de ser

sanado. Percebemos ainda que parte considerável do público envolvido no processo ensino-

aprendizagem (discentes e docentes) não percebe toda essa crise alardeada pela

sociolinguística, tampouco vislumbra uma mudança no trato com a gramática tradicional e

suas relações com a sala de aula.

Ao iniciarmos esse trabalho monográfico, objetivávamos justamente contrapor

argumentos contrários (de um lado os sociolinguistas, do outro os gramáticos, e entre eles, os

filósofos), para, então, embasados teoricamente, e com o suporte das opiniões de professores e

alunos, posicionarmo-nos, hoje, ao lado dos que defendem o ensino da gramática normativa

como algo extremamente válido, útil, importante e eficaz, o que não implica dizer que não

possa passar por um processo de adequação (seja tecnológica, social, ou mesmo atualização

de seu léxico ou sua sintaxe). Afinal, se o mundo muda, porque não o faria o ensino? Mas isso

desde que não perca a sua essência, qual seja a de padronizar a língua, oferecer um suporte

aos falantes e oportunizar os falantes da língua a terem uma comunicação estabelecida de

forma eficaz e, sobretudo, una.

Assim como nas demais áreas do saber, a gramática tem um valor formativo inclusive

maior que o normativo. Que não seja descartado, pois. Nem pelos discentes, menos ainda

pelos docentes. Bechara (op. cit.) traz, muito adequadamente, o debate sobre a frouxidão em

termos de domínio da norma culta por parte inclusive dos professores de língua: “Professor de

português, ensinando a desacreditar os padrões da língua escrita e culta, acabaram eles

mesmos por desconhecer esses padrões.” (2006, p. 60). A afirmação, aliás, serve aos dois

senhores: os professores desconhecem os padrões por frouxidão ou por tamanha inoperância e

funcionalidade dos referidos padrões? Excelente discussão que pode e deve pautar futuros

trabalhos.

Page 52: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANTUNES, Marco A. T. Charlatanismo na Linguística. Disponível em <http://www.brazzilport.com/viewtopic.php?t=1338php?t=1338.> Acesso em: 28 maio 2009.

AZAMBUJA, Jorcelina Queiroz de; SOUZA, Maria L Rocha de. O estudo de texto como técnica de ensino. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Técnicas de ensino: por que não? 15. ed. São Paulo: Papirus, 2003.

BECHARA, Evanildo. Ensino de Gramática. Opressão? Liberdade?. 12ª Ed. São Paulo: Ática, 2006.

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 1999

______, Marcos. A Língua de Eulália. 9. ed. São Paulo: Contexto, 2001.

______, Marcos. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. 3. ed. São Paulo: Parábola, 2003.

_______, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. 33. ed. São Paulo: Loyola, 2004.

______, Marcos. Nada na língua é por acaso. Por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo, ed. Parábola, 2007.

______, Marcos. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro – São Paulo, Parábola,2009.

CARVALHO, Olavo de. Quem come quem? Disponível em <http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/quem.htm>, 1999. Acesso em 20, dez. 2010.

HACKING, Ian, Por Que a Linguagem Interessa à Filosofia?; trad. Maria Elisa Marchini Sayeg; revisão de trad. Cezar Augusto Mortari. São Paulo: UNESP Ed., 1999, pág. 170.

Page 53: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

52

MARCUSCHI, L. A. Lingüística textual: o que é e como se faz? Recife: Editora Universitária da UFPE, 1983.

_____________, L. A. . Oralidade e Escrita: Uma ou duas Leituras do Mundo?. Linha d' Água, v. 15, p. 41-62, 2002.

NEF, Frédéric, A Linguagem: Uma abordagem filosófica; trad. Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, pág. 137.

OLIVEIRA LOPES, Anderson Cássio de. A ideologia que debilita o pensamento, 2010. Disponível em <http://faleportugues.ning.com/profiles/blogs/a-ideologia-que-debilita-o>. Acesso em: 02 jan. 2011.

PERINI, Mário A. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola, 2004.

PIACENTINI, Maria Tereza de Queiroz. Norma culta e língua-padrão. Disponível em http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=216&rv=Gramatica. Acesso em 24, fev. 2011.

POSSENTI, S. . Por Que (Não) Ensinar Gramática Na Escola. MERCADO DE LETRAS, 1996.

TRAVAGLIA, L. Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002

Page 54: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

53

APÊNDICES

Page 55: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

54

APÊNDICE A- DISTRIBUIÇÃO DOS ALUNOS ENTREVISTADOS

DISCENTES: SEXO x NÍVEL DE ENSINO

DISCENTES: SEXO x INSTITUIÇÃO

DISCENTES: NÍVEL DE ENSINO x INSTITUIÇÃO

Até 2° médio Acima do 2° médio TOTAL Masculino 15 10 25 Feminino 10 15 25

TOTAL 25 25 50

Particular Pública estadual Pública federal TOTAL Masculino 10 8 7 25 Feminino 5 7 13 25

TOTAL 15 15 20 50

Particular Pública estadual Pública federal TOTAL Até 2° médio 8 8 9 25

Acima do 2° médio 7 7 11 25 TOTAL 15 15 20 50

Page 56: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

55

APÊNDICE B- ENTREVISTA ALUNOS E RESPOSTAS EM NÚMEROS

Instituição: Série/semestre: Idade: Sexo:

1. Você gosta das aulas de Gramática na sua Instituição? ( 18 ) SIM ( 25 )POUCO ( 7)NÃO

2. Para você, aprender o conteúdo das aulas de Gramática é...(marque duas opções)

(31)LEGAL (19) CHATO (19)FÁCIL (31)DIFÍCIL LEGAL E FÁCIL: 9 PESSOAS LEGAL E DIFÍCIL: 21PESSOAS CHATO E FÁCIL: 11 PESSOAS CHATO E DIFÍCIL: 9 PESSOAS

3. Você usa na sua vida social (ou profissional) o que aprende nas aulas de gramática? (26) SIM (24 )POUCO ( )NÃO

• 17 homens SIM 8homens POUCO • 9 mulheres SIM 16 mulheres POUCO

4. Se dependesse de você, haveria aulas de Gramática?

(38) SIM (12 )NÃO

5. Que assuntos de Gramática você tem mais dificuldades? Regências- 24 Concordâncias-15 Análise Sintática- 7 Conjunções- 4 Tipos de orações- 4 TV- 5 Pontuação- 5 Conjugação de verbos- 4

Page 57: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

56

6. Em que situações sua fala tem mais preocupação com regras gramaticais?

Diante do diretor- 2 Pessoas cultas- 6 Pais-4 Pessoas com formação superior-5 Professores-8 Atividades profissionais e reuniões-2 Cargos superiores-2 Entrevista-2 Apresentação em público (trabalho escolar, seminários)-15 Pessoas que dominam a Gramática-2 Redação escolar-4 Pessoas desconhecidas-2

7. Comparando o modo como você usa a gramática na(s) situação(ões) acima citadas com o

modo como conversa com os amigos, você diria que... (12) HÁ UM DISTANCIAMENTO MUITO GRANDE (19) HÁ MAIS COISAS EM COMUM QUE DIFERENÇAS (19) É QUASE IGUAL

8. Nas situações descritas na questão 6, em que utiliza com mais cuidado regras gramaticais, você se sente... (17) À VONTADE (4) ANGUSTIADO (12) PRESSIONADO (17) ESTIMULADO

Page 58: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

57

APÊNDICE C- ENTREVISTA PROFESSORES E RESPOSTAS EM NÚMEROS

Função:_________________________________ Idade:__________________________________ Escolaridade:____________________________ 1- Em relação aos conteúdos de suas aulas de Gramática, seus alunos portam-se...

(2)INDIFERENTES (3) ATENTOS (3) ENGAJADOS (2) ANSIOSOS PELO FIM DA AULA

2- Você se julga, em relação ao conteúdo gramatical que ensina... (7) SEGURO (1) INSEGURO (2) ESTUDO BASTANTE ANTES DE REPASSAR O CONTEÚDO 3- Se dependesse de você, as aulas de gramática... ( ) SERIAM EXTINTAS (6) PERMANECERIAM COMO ESTÃO (1) MUDARIAM O CONTEÚDO (3) TERIAM OUTRA PERSPECTIVA DE ABORDAGEM Em caso de marcar a última alternativa, qual seria a perspectiva? _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ 4- Você estaria de acordo se por acaso mudassem as regras gramaticais fazendo com que construções populares passassem a ser consideradas padõres (como por exemplo, “assistir o jogo” ou “namorar com alguém”)? ( ) SIM ( ) NÃO 5- Se coubesse a você mudar regras da Gramática Portuguesa, em quais delas você mexeria? _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________

Page 59: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

58

ANEXOS

Page 60: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

59

ANEXO A- SAMBA DO ARNESTO

Samba do Arnesto- Adoniran Barbosa

O Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no Brás Nós fumos não encontremos ninguém Nós voltermos com uma baita de uma reiva Da outra vez nós num vai mais Nós não semos tatu! No outro dia encontremo com o Arnesto Que pediu desculpas mais nós não aceitemos Isso não se faz, Arnesto, nós não se importa Mas você devia ter ponhado um recado na porta Um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra esperá Aduvido que isso, num faz mar, num tem importância, Assinado em cruz porque não sei escrever"

Disponível em http://letras.terra.com.br/adoniran-barbosa/43968/

Page 61: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

60

ANEXO B- AOS POETAS CLÁSSICOS- PATATIVA DO ASSARÉ

Poetas niversitário, Poetas de Cademia, De rico vocabularo Cheio de mitologia; Se a gente canta o que pensa, Eu quero pedir licença, Pois mesmo sem português Neste livrinho apresento O prazê e o sofrimento De um poeta camponês. Eu nasci aqui no mato, Vivi sempre a trabaiá, Neste meu pobre recato, Eu não pude estudá No verdô de minha idade, Só tive a felicidad De dá um pequeno insaio In dois livro do iscritô, O famoso professô Filisberto de Carvaio. No premêro livro havia Belas figuras na capa, E no começo se lia: A pá — O dedo do Papa, Papa, pia, dedo, dado, Pua, o pote de melado, Dá-me o dado, a fera é má E tantas coisa bonita, Qui o meu coração parpita Quando eu pego a rescordá.

Page 62: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

61

ANEXO C- VESTIBULAR UFPE- 2001- PORTUGUÊS 2

A linguística se ocupa de muitos aspectos da linguagem e de seu uso; um aspecto do uso da

linguagem de que a linguística não se ocupa é a distinção entre o “certo” e o “errado” na

língua.

O ensino do português muitas vezes difunde a crença de que existe uma maneira

“certa” de usar a língua, e que essa é a única maneira aceitável; todas as outras são “erradas”,

devem ser evitadas. Isso é reforçado por colunas em jornais, gramáticas escolares, livros de

“não erre mais” e a pressão social de todo momento. Essa atitude, com suas perniciosas

consequências, tem sido objeto de crítica por parte de linguistas e professores, mas continua

muito presente na escola e na vida.

Não há a menor base linguística para a distinção entre “certo” e “errado” – o linguista

se interessa pela língua como ela é, e não como ela deveria ser. Imaginese um historiador que

descobre que determinado povo antigo praticava sacrifícios humanos. Ele, pessoalmente, pode

desaprovar esse costume, mas nem por isso tem o direito de afirmar que os sacrifícios não

ocorriam – um fato é um fato, e precisa ser respeitado. No entanto, quantas vezes não nos

dizem que a palavra chipanzé “não existe” (porque o “certo” seria chimpanzé)? Dizer isso é

desrespeitar o fato de que milhões de pessoas dizem chipanzé.

Um linguista parte sempre dos fatos, e a cada passo verifica suas teorias em confronto

com eles: se muitos falantes dizem chipanzé, então ele precisa registrar esse fato, e levá-lo em

conta em sua descrição e teorização. E se todo mundo diz me dá ele aí, essa é uma estrutura

legítima da língua falada do Brasil, e precisa figurar na descrição.

A oposição entre “certo” e “errado” muitas vezes corresponde, no fundo, à oposição –

essa, sim, legítima – entre língua falada e língua escrita. É fato (e, portanto, temos que

respeitar) que a gente não escreve como fala. E se é um fato, deve figurar em algum ponto de

uma gramática completa da língua. Mas se é errado escrever me dá ele aí em uma carta

formal de pedido de emprego, é igualmente errado sentar na mesa do bar e dizer dê-me esse

copo. Cada variedade da língua é apropriada em seu contexto próprio, e os falantes sabem isso

muito bem, tanto é que empregam com toda a segurança a variedade adequada à situação do

momento: ninguém fala como escreve, e ninguém escreve como fala. Isso, já que é um fato,

merece ser descrito e eventualmente ensinado. Mas note-se a diferença: não se trata de dizer

que me dá ele aí é “errado”, mas que é uma forma coloquial, usada na fala. Diga-se, de

Page 63: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

62

passagem, que as formas faladas são usadas em uma variedade muito maior de situações, em

ocasiões muito mais numerosas, por um número muito maior de falantes do que as formas

escritas. Assim, elas são as representantes mais genuínas da língua do Brasil. [...]

Diz-se, às vezes, que os linguistas são permissivistas para quem “tudo vale, desde que

haja comunicação.” Não é verdade. Por exemplo, praticamente ninguém questiona a

conveniência de se ensinar o uso do português padrão escrito, desde que limitado aos

contextos em que ele é socialmente aceito. O português padrão é, queiramos ou não, a nossa

língua erudita, e, no que pese seu caráter exclusivamente escrito, está aí para ficar. O que se

defende é o respeito aos fatos: a língua falada também existe e constitui um objeto de estudo

interessante e importante.

Um linguista, portanto, não deve fazer julgamentos de valor a respeito de seu objeto de

estudo –para ele, qualquer variedade da língua tem interesse, desde que realmente exista e

seja usada (ou tenha sido usada) por uma comunidade. Uma pessoa que não consegue se

libertar da sensação de que certas formas da língua são “feias”, “erradas” ou de alguma

maneira desagradáveis deveria procurar outra profissão que não a de linguista ou professor de

línguas.

(PERINI, Mário A. Princípios de linguística descritiva: introdução ao pensamento

gramatical. São Paulo: Parábola, 2006, p.21-23. Adaptado.)

Page 64: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

63

ANEXO D- NÓS MUDEMO-

Por Fidêncio Bogo

O ônibus da Transbrasiliana deslizava manso pela Belém-Brasília rumo a Porto Nacional. Era

abril, mês das derradeiras chuvas. No céu, uma luazona enorme pra namorado nenhum botar

defeito. Sob o luar generoso, o cerrado verdejante era um presépio, toda poesia e misticismo.

Mas minha alma estava profundamente amargurada. O encontro daquela tarde, a visão

daquele jovem marcado pelo sofrimento, precocemente envelhecido, a crua recordação de um

episódio que parecia tão banal... Tentei dormir. Inútil. Meus olhos percorriam a paisagem

enluarada, mas ela nada mais era para mim que o pano de fundo de um drama estúpido e

trágico.

As aulas tinham começado numa segunda-feira. Escola de periferia, classes

heterogêneas, retardatários. Entre eles, uma criança crescida, quase um rapaz.

- Por que você faltou esses dias todos?

- É que nóis mudemo onti, fessora. Nóis veio da fazenda. Risadinhas da turma.

- Não se diz "nóis mudemo", menino! A gente deve dizer: nós mudamos, tá?

-Tá, fessora!

'No recreio, as chacotas dos colegas: Oi, nóis mudemo! Até amanhã, nóis mudemo!

No dia seguinte, a mesma coisa: risadinhas, cochichos, gozações.

- Pai, não vô mais pra escola!

- Oxente! Módi quê?

Ouvida a história, o pai coçou a cabeça e disse:

- Meu fio, num deixa a escola por uma bobagem dessa! Não liga pras gozações da mininada!

Logo eles esquece.

Não esqueceram.

Na quarta-feira, dei pela falta do menino. Ele não apareceu no resto da semana, nem

na segunda-feira seguinte. Aí me dei conta de que eu nem sabia o nome dele. Procurei no

diário de classe e soube que se chamava Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa. Achei o endereço.

Longe, um dos últimos casebres do bairro. Fui lá, uma tarde. O rapazola tinha partido no dia

anterior para a casa de um tio, no sul do Pará.

Page 65: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

64

- É, professora, meu fio não aguentou as gozação da mininada. Eu tentei fazê ele continua,

mas não teve jeito. Ele tava chatiado demais. Bosta de vida! Eu devia di té ficado na fazenda

côa famia. Na cidade nóis não tem veis. Nóis fala tudo errado.

Inexperiente, confusa, sem saber o que dizer, engoli em seco e me despedi.

O episódio ocorrera há dezessete anos e tinha caído em total esquecimento, ao menos

de minha parte.

Uma tarde, num povoado à beira da Belém-Brasília, eu ia pegar o ônibus, quando

alguém me chamou. Olhei e vi, acenando para mim, um rapaz pobremente vestido, magro,

com aparência doentia.

- O que é, moço?

- A senhora não se lembra de mim, fessora?

Olhei para ele, dei tratos à bola. Reconstituí num momento meus longos anos de

sacerdócio, digo, de magistério. Tudo escuro.

- Não me lembro não, moço. Você me conhece? De onde? Foi meu aluno? Como se chama?

Para tantas perguntas, uma resposta lacônica:

- Eu sou "Nóis mudemo”, lembra?

Comecei a tremer.

- Sim, moço. Agora lembro, Como era mesmo seu nome?

- Lúcio - Lúcio Rodrigues Barbosa.

- O que aconteceu com você?

- O que aconteceu ? Ah! fessora! É mais fácil dizê o que não aconteceu . Comi o pão que o

diabo amasso. E êta diabo bom de padaria! Fui garimpeiro, fui bóia fria, um "gato" me

arrecadou e levou num caminhão pruma fazenda no meio da mata. Lá trabaiei como escravo,

passei fome, fui baleado quando consegui fugi. Peguei tudo quanto é doença. Até na cadeia já

fui para. Nóis ignorante às veis fais coisa sem querê fazé. A escola fais uma farta danada. Eu

não devia de té saído daquele jeito, fessora, mas não aguentei as gozação da turma. Eu vi logo

que nunca ia consegui fala direito. Ainda hoje não sei.

- Meu Deus!

Aquela revelação me virou pelo avesso. Foi demais para mim. Descontrolada comecei

a soluçar convulsivamente. Como eu podia ter sido tão burra e má? E abracei o rapaz, o que

restava do rapaz, que me olhava atarantado.

O ônibus buzinou com insistência.

Page 66: Ensino de Gramatica O Enfraquecimento Da Lisonja Ou o Fortalecimento Da Disciplina Wagner Rafaell Peixoto

65

- O rapaz afastou-me de si suavemente.

- Chora não, fessora! A senhora não tem curpa.

Como? Eu não tenho culpa? Deus do céu!

Entrei no ônibus apinhado. Cem olhos eram cem flechas vingadoras apontadas para

mim. O ônibus partiu. Pensei na minha sala de aula. Eu era uma assassina a caminho da

guilhotina.

Hoje tenho raiva da gramática. Eu mudo, tu mudas, ele muda, nós mudamos,

mudamos, mudaamoos, mudaaamooos... Super usada, mal usada, abusada, ela é uma

guilhotina dentro da escola. A gramática faz gato e sapato da língua materna - a língua que a

criança aprendeu com seus pais e irmãos e colegas- e se torna o terror dos alunos. Em vez de

estimular e fazer crescer, comunicando, ela reprime e oprime, cobrando centenas de regrinhas

estúpidas para aquela idade.

E os lúcios da vida, os milhares de lúcios da periferia e do interior, barrados nas salas

de aula: "Não é assim que se diz, menino!" Como se o professor quisesse dizer: "Você está

errado! Os seus pais estão errados! Seus irmãos e amigos e vizinhos estão errados! A certa

sou eu! Imite-me! Copie-me! Fale como eu ! Você não seja você! Renegue suas raízes!

Diminua-se! Desfigure-se! Fique no seu lugar! Seja uma sombra!"

E siga desarmado para o matadouro.