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ENSINO DE CIÊNCIAS NA EJA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES, PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade da educação básica e tem como público pessoas que não acessaram a escola ou tiveram o processo de escolarização interrompido. A EJA se constitui uma necessidade histórica concebida a partir das contradições da sociedade brasileira, seu público é heterogêneo e, isso por sua vez, delineia as especificidades dessa modalidade. Na educação escolarizada os educandos da EJA obterão contato com os saberes sistematizados pelas ciências da natureza. Esse contato deveria se dar de tal forma que aos educandos fosse possibilitada a compreensão de que as ciências da natureza é uma objetivação humana da realidade, o que permite também, transformá-la. O ensino de ciências na EJA alinhado às especificidades da modalidade se configura um campo de pesquisa a ser explorado pela didática das ciências. No campo da formação de professores as políticas públicas e as instituições formadoras ainda negligenciam a formação que se atente à EJA. Ao que toca as práticas pedagógicas empregadas no ensino de ciências na EJA, é damandado avanços quanto à análise das especificidades ou propostas de inovação nos processos de ensino-aprendiazagem. A produção do conhecimento sobre o ensino de ciência na EJA ainda é incipiente e demanda o entendimento sobre que concepções de EJA e suas especificidades se assentam a produção acadêmica que abarca o ensino de ciências nessa modalidade. O objetivo do painel é apresentar pesquisas que tem como escopo de discussão o ensino de ciências na EJA, considerando para isso, a formação de professores de ciências, práticas pedagógicas e a produção do conhecimento sobre a relação Educação em Ciências e EJA. Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos, Ensino de Ciências, Especificidades. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11223 ISSN 2177-336X

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ENSINO DE CIÊNCIAS NA EJA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES,

PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade da educação básica e tem

como público pessoas que não acessaram a escola ou tiveram o processo de

escolarização interrompido. A EJA se constitui uma necessidade histórica concebida a

partir das contradições da sociedade brasileira, seu público é heterogêneo e, isso por sua

vez, delineia as especificidades dessa modalidade. Na educação escolarizada os

educandos da EJA obterão contato com os saberes sistematizados pelas ciências da

natureza. Esse contato deveria se dar de tal forma que aos educandos fosse possibilitada

a compreensão de que as ciências da natureza é uma objetivação humana da realidade, o

que permite também, transformá-la. O ensino de ciências na EJA alinhado às

especificidades da modalidade se configura um campo de pesquisa a ser explorado pela

didática das ciências. No campo da formação de professores as políticas públicas e as

instituições formadoras ainda negligenciam a formação que se atente à EJA. Ao que

toca as práticas pedagógicas empregadas no ensino de ciências na EJA, é damandado

avanços quanto à análise das especificidades ou propostas de inovação nos processos de

ensino-aprendiazagem. A produção do conhecimento sobre o ensino de ciência na EJA

ainda é incipiente e demanda o entendimento sobre que concepções de EJA e suas

especificidades se assentam a produção acadêmica que abarca o ensino de ciências

nessa modalidade. O objetivo do painel é apresentar pesquisas que tem como escopo de

discussão o ensino de ciências na EJA, considerando para isso, a formação de

professores de ciências, práticas pedagógicas e a produção do conhecimento sobre a

relação Educação em Ciências e EJA.

Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos, Ensino de Ciências, Especificidades.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11223ISSN 2177-336X

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O DIÁLOGO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: UM

OLHAR PARA AS ESPECIFICIDADES DA EJA

Sayonara Martins dos Santos Secretaria Municipal de Educação de Senador Canedo, SMESC - GO

Mestre em Educação em Ciências e Matemática - Universidade de Federal de Goiás, PPGECM - UFG

Simone Sendin Moreira Guimarães Instituto de Ciências Biológicas - Universidade Federal de Goiás, ICB - UFG

Prog. Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática, PPGECM - UFG

RESUMO: A Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade da Educação Básica

que, em função da especificidade do seu público, que tem como diferencial as vivências

e o mundo do trabalho, demanda formação de professores específica. Contudo, embora

discutida no país, essa formação vem sendo negligenciada pela ausência de políticas

públicas e pelos silenciamentos das Universidades frente à questão. Nesse recorte

objetivamos discutir as especificidades relacionadas à EJA (educando, educador,

currículo, material didático e projeto educativo) que surgiram durante as aulas da

disciplina de Estágio Curricular Supervisionado II, de um curso de licenciatura em

Ciências Biológicas. A disciplina em questão foi organizada a partir do diálogo (Paulo

Freire) como estratégia (Edgar Morin) tendo seu lócus na EJA. O diálogo tem como

característica o encontro de sujeitos mediatizados pela realidade a fim de problematizá-

la, sendo considerado uma estratégia por ser flexível e não impositor. Para isso, as

atividades da disciplina foram acompanhadas com registros audiovisuais e a elaboração

de um diário de campo. Posteriormente, esses registros foram transcritos e analisados a

partir da análise textual discursiva. Consideramos que, com uma formação dialógica que

considere a EJA, é possível que os professores em formação (re)conheçam as

especificidades da modalidade, o que pode auxiliar na sua prática docente. As

especificidades que emergiram nessa pesquisa estão relacionadas ao educando, currículo

e educador. Finalmente, embora sejam as especificidades relacionadas ao educando que

justificam todas as outras, na situação analisada a especificidade mais destacada foi à

formação do educador. Isso nos parece natural na medida em que se trata de um curso

de formação de professores.

Palavras-chave: educação de jovens e adultos, diálogo, formação de professores.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho contempla um dos objetivos de uma pesquisa maior,

realizada em um programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática.

A pesquisa geral teve como objetivo compreender os limites e possibilidades do diálogo

(FREIRE, 2011) como estratégia (MORIN, 2003) na formação de professores de

biologia para atuar na EJA. Nesse recorte objetivamos discutir as especificidades

relacionadas à EJA (educando, educador, currículo, material didático e projeto

educativo) que surgiram durante as aulas da disciplina de Estágio Curricular

Supervisionado II, de um curso de Licenciatura em Ciências Biológicas do turno

noturno.

A Educação de Adultos está presente no Brasil desde o período colonial. Ela

vem construindo sua identidade ao longo dos anos, estando diretamente interligada às

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mudanças sócio-políticas ocorridas no país (LOPES e SOUSA, 2005). Com a

promulgação da Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), o direito ao

acesso à educação foi garantido aos jovens e adultos que não tiveram acesso à educação

em idade própria.

Alguns autores, ao discorrer sobre tal modalidade apontam para a existência de

especificidades referentes à EJA, diferentes do Ensino Fundamental e Médio

(ARROYO, 2006; SOARES, 2011). A especificidade vinculada à EJA é um tema muito

amplo que abrange aspectos como currículo, diversidade do público, formação de

educadores, desenvolvimento de material didático (SOARES, 2011), entre outros.

Considerar estes aspectos na formação inicial e/ou continuada de educadores torna-se

importante para atuação destes nessa modalidade de educação (SOARES, 2006;

RIBEIRO, 1999; OLIVEIRA, 2007).

Assim, o que nos motiva a apresentar essa reflexão sobre a formação de

professores de ciências/biologia para a EJA, pauta-se na existência de um discurso que

vincula à EJA a um rol de especificidades, que por sua vez, estão ligadas ao modo

próprio de ser e existir dessa modalidade (BRASIL, 2000), abrangendo os educandos e

os educadores.

Contudo nos cursos de formação inicial o que percebemos, além de uma

formação bancária, é a negligência em relação a uma formação específica para atuar na

modalidade. Na maioria dos casos a Universidade negligencia esta formação e, o

professor de EJA tem contato com a modalidade apenas após a sua formação inicial (Di

PIERRO, 2001).

Pensando na inserção da discussão sobre a EJA na formação inicial de

professores de biologia, começamos a considerar que o Estágio Curricular, como espaço

formativo, poderia ser uma possibilidade de inserção da temática no curso. Percebemos

que no estágio poderíamos ao mesmo tempo estudar a inserção das discussões sobre a

EJA na graduação e perceber o reflexo dela na atuação dos futuros professores na

Educação Básica.

O CAMINHAR DA PESQUISA

Apresentamos neste trabalho um estudo de caso realizado em um curso de

licenciatura em Ciências Biológicas (noturno) de uma universidade pública do centro-

oeste. A pesquisa foi realizada durante a disciplina de Estágio Curricular (200 horas).

Haviam doze alunos matriculados e todos aceitaram participar da pesquisa

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voluntariamente. Todas as aulas da disciplina foram acompanhadas, contudo apenas as

duas aulas referentes ao diálogo (Freireano) na formação de professores foram

transcrita. Apresentamos neste recorte a análise dessas aulas (8h/aula).

Após a transcrição os dados foram analisados a partir de uma adaptação da

Análise Textual Discursiva proposta por Moraes e Galiazzi (2007). Essa consiste na

“análise de dados e informações de natureza qualitativa com a finalidade de produzir

novas compreensões sobre fenômenos e discursos” (p.07). Após a transcrição os textos

(corpus) foram desconstruídos, em seguida categorizados a partir de categorias

elaboradas a priori. A construção das categorias foi baseada nos estudos de Arroyo

(2006), Soares (2001, 2006) e Santos (2012). Os sujeitos são identificados como PF

(professor formador) e L1, L2, L3...L12 (Licenciandos).

AS ESPECIFICIDADES RELACIONADAS À EJA

Na etapa da pesquisa aqui relatada, tínhamos como objetivo perceber se a

partir das aulas dialógicas (em que o tema central era o próprio diálogo relacionado a

formação de professores para atuar na EJA) emergiriam as especificidades vinculadas a

modalidade.

A partir de uma análise documental das propostas oficiais que se referiam a EJA

sobre os sentidos que estavam vinculados a palavra especificidade, identificamos que

essas estavam vinculadas a aspectos referentes: (a) aos educandos; (b) a formação de

educadores; (c) ao projeto educativo próprio; (d) ao currículo e (e) a construção de

material didático (SANTOS et al, 2012). Esses aspectos foram utilizados nessa etapa da

pesquisa como categorias a priori para discussão das aulas sobre diálogo.

Durante as discussões realizadas nas aulas analisadas emergiram três

especificidades. Essas estavam relacionadas ao educador, ao educando e ao currículo.

EDUCANDO

Entre as especificidades relacionadas à EJA o educando é o que justifica todas

as outras. Quando, a partir dos documentos oficiais para EJA, discutimos as

especificidades para modalidade percebemos que a especificidade vinculada ao

educando, relaciona-se com a trajetória de vida, diversidade cultural e o mundo do

trabalho (SANTOS et al, 2012), fazendo dos educandos da EJA um público

diferenciado, se comparado com o público do Ensino Fundamental e Médio.

L11: Bem eu pensei que o que eles mais se importam é ler escrever e fazer

conta. Ai fiquei pensando como a Biologia podia ser ensinada, ai pensei de

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partir do que eles sabem pra poder ensinar a biologia. Localiza-los no

conhecimento biológico, ai pensei que a gente podia partir daí. Acho que a

gente pode levar pra eles que eles também fazem ciência.

L9: Uma coisa que a gente pode levar é como a biologia tá relacionada ao

consumismo. Por exemplo as pessoas estão trocando o celular a cada seis

meses, o que isso ta causando pro meio ambiente, isso e outras coisas. Por

que a biologia é uma ciência que está muito próxima a nós, porque somos

seres biológicos.

Considerar o outro, sua realidade, sua diversidade, implica em dialogar com

ele, compreender suas percepções de mundo para a partir daí construir um novo

conhecimento, pautado em ação e reflexão (FREIRE, 2011a, 2011b). O diálogo pode

permitir o desvelamento de mundo, em que o educando supere uma visão ingênua para

uma visão crítica. Esta percepção da necessidade de dialogar com o outro é expressa a

seguir:

L1: então deixa de ser uma relação vertical, e passa a ser uma relação

horizontal.

L2: Então pensando nisso que você falou, ele tem que ouvir o educando pra

chegar ao diálogo.

PF: O verdadeiro diálogo demanda a escuta do outro (...)

No primeiro fragmento percebemos que emerge uma discussão superficial, das

especificidades relacionadas ao educando, que se atem ao considerar os saberes prévios,

a contextualização desses saberes na relação com o cotidiano do educando e a

possibilidade do educando de fazer ciência. Essas são questões importantes, pois

garantem a aproximação da ciência ao educando para qual se ensina. Sabemos que,

embora o compromisso do professor seja com o conhecimento científico, os saberes dos

educandos precisam ser considerados no ensino de ciências/biologia nessa modalidade

de educação.

Esses elementos podem ser vinculados à trajetória de vida do sujeito e sua

cultura, porém uma discussão mais verticalizada que relacione o mundo do trabalho ao

ensino de ciências/biologia não emerge nas discussões realizadas na aula sobre diálogo.

Discussões relacionadas a esses tópicos são relevantes, pois com ou sem a

escola, estes estão inseridos no mundo num jogo de relações que lhes possibilitaram

construir suas visões de homem, mundo e as formas de estarem inseridos nele. Tem

uma história de vida, uma cultura e principalmente um vínculo com o mundo do

trabalho.

Além disso, os futuros professores pouco percebem que uma faceta relevante

dessa especificidade está relacionada à negação do direito à educação. Essa negação é

uma marca do público da EJA que não pode ser desconsiderada na formação inicial do

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professor de ciências/biologia. Mas, poderíamos nos perguntar: qual é o sentido de

discutir esse histórico de negação de direitos no contexto da formação de professores de

ciências/biologia?

Para nós, o sentido vincula-se à ideia de compreender um dos motivos da

necessidade e existência da EJA, enquanto modalidade da Educação Básica. Remontar e

analisar o histórico de exclusão das pessoas jovens e adultas do direito à educação é

uma forma de compreender os cenários em que a educação brasileira se estruturou ao

longo dos tempos e, também compreender a quem ela esteve endereçada (COSTA,

2013).

Finalmente é importante destacar que durante as aulas, os licenciandos deram

um passo rumo a ressignificação de uma formação que considere os educandos, neste

caso em especial a EJA. Com acesso ao histórico da EJA em que os educandos sempre

estiveram a margem do processo educativo, identificamos que os futuros professores ao

pensar suas estratégias de ensino consideraram que deveriam abordar o conhecimento

dos educandos.

EDUCADOR

Como citado anteriormente, uma das especificidades da EJA relaciona-se a

formação do educador, pois o mesmo necessita compreender seu público e considerar

sua diversidade em sua prática pedagógica. Como nos adverte Santos (2007, p.14): “[...]

os caminhos se direcionam para a compreensão de que o público que essa educação

atende é específico e exige um professor com formação especifica.” Quando referida a

esta formação específica, muitas vezes os autores se atentam apenas aos aspectos

metodológicos do ensinar ciências/biologia na EJA, sem estabelecer uma relação com

os saberes dos educandos. Contudo, uma formação de educadores para atuar na EJA

deve estar ligada ao público a que se voltará. No fragmento abaixo podemos perceber a

discussão sobre essa especificidade.

(...)L3: Na página 94 (refere-se ao livro Pedagogia do Oprimido)

L1: Ele fala da postura do professor, de respeito, mas de não se manter

acima do educando.

PF: isso mesmo

L3: é o que ele fala que não contribui pra humanização, verticalizar o

conteúdo. Porque para o educador bancário o diálogo é com ele mesmo.

(...)L4: Não igual a gente ta falando aqui, a gente ta tendo psicologia agora

e ta lendo Piaget. E fala que as vezes o método de ensinar é novo mas que

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matem coisas de antigamente. Igual aqui na página 60. Que muitas vezes o

educador tá ali só pra colocar o conhecimento, só que a gente aprendeu

que o conhecimento é construído a partir das interações também. E esta

forma que representa aqui, que é um modelo antigo, é um modelo bancário

tradicional. Fala-se muito em moderno, mas se utiliza das técnicas

tradicionais e ai eu acho que isso é um problema muito grande também. Por

que a gente discute muito, mas usa do tradicional.

Nos trechos anteriores, a partir das discussões sobre o texto indicado no inicio

da aula (Pedagogia do Oprimido) os licenciandos evidenciaram que um educador

depositário, que dialoga consigo mesmo, não contribui com a formação do educando

que supere o modelo bancário (FREIRE, 1985, 2011a). Os futuros professores também

relacionaram o que pensam sobre o fazer do professor com o que estão aprendendo na

Universidade. Como também é possível identificar no fragmento da aula 2 abaixo.

L9: A gente já viu as especificidades dos alunos da EJA, que já foram

excluídos e estão voltando e precisam ter uma motivação muito grande, se a

gente fica lá só passando conteúdo, ele vai anotar, mas aquilo não vai mudar

nada na vida dele, ele vai ter só um caderno cheio de anotações mas não vai

saber a aplicação daquilo que você falou. Então a metodologia do Paulo

Freire é muito mais fácil de você atingir o educando se a gente quer que o

aluno seja critico, esta é a metodologia que mais se aproxima.

Outra questão que emerge das discussões é a de que, para considerar os saberes

prévios dos educandos os professores precisam de formação que ajude a reconhecer o

que ainda não sabem.

(...)L11: Acho que faz é distanciar, melhor é começar pelo outro lado, ver o

que eles conhecem. Como por exemplo, lá eles conhecem uma erva

medicinal ai começa disso.

L9: Acho que a gente tem que pensar isso primeiro pra nós mesmos, porque

se pensar a gente também não entende muitos conceitos, primeiro passo pra

reconhecer no aluno, é reconhecer na gente estas associações.

No trecho anterior, os futuros professores parecem perceber a importância de

saber o que o educando da EJA já sabe. Considerando que podem partir de saberes

populares (ervas medicinais) para ensinar ciências.

Além disso, o trecho destacado evidenciou a necessidade de uma formação

permanente, que reconhecendo que é necessário que o professor primeiro identifique

nele aquilo que quer trabalhar com seus alunos. Como dar aquilo que não temos? Que

não construímos na formação?

Nesse caso, como fazer associações com os educandos sobre conhecimentos

que nós mesmos não conseguimos elaborar? Morin (2011) indica a necessidade de uma

reforma na Universidade e consequentemente nos cursos de formação de professores

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que, ao invés de “conservar” de maneira estéril e dogmática os saberes formativos passa

a ajudar o futuro professor a construir novos saberes, novas estratégias de ensino.

CURRÍCULO

A ideia de currículo muitas vezes está ligada apenas as disciplinas. Para Freire

(2011), é na consciência que temos da realidade mediatizadora que iremos buscar o

conteúdo a ser ensinado, e é no momento de busca, por esses conteúdos, que se

inaugura “o diálogo da educação como prática de liberdade” (p.108). Assim, parece ser

contraditória a proposição de um currículo que “acolha e defenda as diversidades

culturais a partir de parâmetros previamente estabelecidos” (BARCELOS, 2010, p.25).

Se encaixa no rol de especificidades da EJA (re)pensar um currículo próprio que

seja construído a partir das experiências dos educandos. Para isto há a necessidade de

reconhecimento e respeito à identidade cultural desses sujeitos, que vem de diferentes

contextos econômicos e culturais (FREIRE, 2011).

Nos fragmentos abaixo o professor formador chama a atenção dos licenciandos

para a necessidade de escutar os saberes dos educandos como ponto de partida para a

sistematização do conhecimento biológico.

PF: Nós vamos conversar com o professor pra ele se programar de encerrar

o que está lecionando até o dia de vocês chegarem. Mas gente, quando a

gente fala do diálogo em Paulo Freire a gente tem que ter acesso de como

eles percebem a realidade. Mas, como que vocês vão perguntar para estas

pessoas o conhecimento que elas já têm, sobre biologia e ciências? Será que

temos que fazer pergunta?

L9: Professor, mas todos os temas estão relacionados a vida deles, porque

se a gente escolher qualquer tema, de alguma forma vai estar relacionada a

vida deles. Não podia ser o inverso: a gente soltar um tema e a partir deste

tema escutar o que eles têm a dizer?

PF: Então mais ai, esses alunos já tem uma ideia do que é ser professor, mas

numa perspectiva bancária, será que se a gente chegar lá indicando um

tema, eles questionarão este tema, sei lá. Será que este tema vem de acordo

com os anseios deles? Então assim nos textos fala que o diálogo começa na

busca pelo conteúdo programático. Na metodologia de Paulo Freire, eles

iam a casa dos educandos, ia em feiras pra levantar o universo vocabular

dos educandos,mas isso numa perspectiva de alfabetização, mas e se eu for

pensar na perspectiva da biologia,o que eu posso fazer? É ai que entra a

estratégia que vimos semestre passado, o que devemos lançar mão pra ter

acesso as percepções dos educandos?

Podemos pensar na organização curricular em que os educandos sejam

“escutados” no processo, inclusive no que se refere a conteúdos. Esta escuta vai além do

ouvir o que eles têm a dizer, mas se relaciona com “dar atenção” aos sabores e

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experiências vivenciadas pelos educandos, não os tratando “como meros “objetos de”,

mas sim como parceiros, como coautores (as) e mesmo autores do processo educativo”

(BARCELOS, 2010, p.46).

Considerando que o saber é um sabor advindo das nossas experiências e por sua

vez refere-se àquilo que nos toca e que nos passa (BONDIA, 2002), o currículo posto

para a EJA na maioria das vezes, não contempla as necessidades dos educandos. Desta

forma, escutar as histórias dos educandos é uma possibilidade muito rica na perspectiva

de ampliar nosso repertorio de informações sobre a forma como as pessoas buscam

entender o mundo em que vivem, bem como para nos aproximar do sentido que essas

pessoas atribuem ao que lhes acontecem. Para Barcelos (2010) “É fundamental que

atentemos para os saberes e fazeres que são verbalizados pelo grupo com qual estamos

envolvidos” (p.6). Então, o primeiro passo para a construção de um currículo que

considere as experiências dos educandos é a escuta a eles, como propôs o professor

formador, conforme indicado no fragmento a seguir.

PF: No primeiro dia vocês vão estar com esses alunos ai vocês podem

receber eles, conversar lá na escola. E em outro momento vocês podem

pensar num diálogo mais sistematizado, é isso que a gente vai fazer na quinta

feira.

Em relação aos dados obtidos, destacamos dois aspectos. O primeiro se refere a

dificuldade em separar as especificidades, para análise, visto que elas se

complementam. Assim, no mesmo trecho transcrito encontramos uma discussão que

pode remeter a mais uma especificidade. O segundo tem relação com a especificidade

mais destacada no trabalho. Embora sejam as especificidades relacionadas ao educando

que justificam todas as outras, no material analisado a especificidade mais destacada foi

à formação do educador. Isso é natural na medida em que se trata de um curso de

formação de professores.

A figura a seguir (Figura 1) indica, a partir de uma escala de cores que

especificidade mais aparece (cor mais intensa) até as que não apareceram (menor

intensidade de cor) nas transcrições da primeira aula sobre o diálogo.

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Figura 1: As especificidades que emergiram durante as aulas

Fonte: Elaboração das autoras

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante as aulas percebemos que, a partir do diálogo emergiram algumas

especificidades vinculadas a EJA. Percebemos que os licenciandos reconheceram a

importância de escutar o educando, conhecer sua percepção de mundo e a partir daí em

conjunto construir um novo conhecimento.

Esta possibilidade de trabalhar o conhecimento de biologia, a partir do diálogo

na educação básica pode permitir aos futuros professores serem sujeitos dialógicos se

afastando do depositarismo característico de uma educação bancária. As especificidades

vinculadas ao projeto educativo e material didático próprio não foram evidenciadas

durante as aulas. Acreditamos que seja pelo fato de se tratar de um curso de formação

de professores que discute o educador e educando. Destacamos que considerar a

especificidade do educando da EJA é um grande avanço na formação inicial, pois a

existência das demais especificidades se vincula a ele.

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Destacamos que a discussão da EJA na formação de professores se configura

como uma demanda complexa posta para as licenciaturas, sobretudo, as de formação

específica (Biologia, Física, Química e outras áreas), contudo é possível inserir estas

discussões nos cursos de formação inicial.

REFERÊNCIAS

ARROYO, M. G. Formar educadoras e educadores de jovens e adultos. In:

Seminário Nacional sobre formação do educador de jovens e adultos. Belo Horizonte:

Autêntica, 2006.

BARCELOS, V. A Educação de Jovens e Adultos – Currículo e práticas pedagógicas.

Editora Vozes. São Paulo, 2010.

BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira

de Educação. n.19. 2002.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno. Resolução 1/2000–

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Diário

Oficial da União, 5 de julho.2000.

COSTA, C. G. Desafios da EJA face as transformações do trabalho. Revista Lugares

de Educação [RLE], Bananeiras/PB, v. 3, n. 6, p. 90-103, Jul.-Dez., 2013 Disponível

em <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rle> Acesso em 15/04/2015.

DI PIERRO, M. C. Contribuições do I Seminário Nacional de Formação de Educadores

de Jovens e Adultos. In: SOARES, L. (org). Formação de educadores de jovens e

adultos. Belo Horizonte: Autêntica/ SECAD-MEC/UNESCO. 2001

FREIRE, P.; SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do Professor. Rio de Janeiro: Paz e

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FREIRE, P. Educação na Cidade. São Paulo: Cortez,1995.

_____. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 36 ed. São

Paulo: Paz e Terra, 1996.

_____. Pedagogia do oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011a.

_____. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 51 ed. São

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LOPES, S. P.; SOUZA, L. S. EJA: uma educação possível ou mera utopia. CEREJA.

2012 Disponível em:

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CONCEPÇÕES E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS PRESENTES NO ENSINO DE

CIÊNCIAS NA EJA – UMA REVISÃO DE LITERATURA

Simone Paixão Araújo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, IFG

Aluna do Doutorado em Educação - Universidade de Brasília, PPGE - UnB

Maria Helena da Silva Carneiro Faculdade de Educação - Universidade de Brasília, FE - UnB

Programa de Pós-Graduação em Educação, PPGE - UnB

RESUMO: A educação de adultos é uma modalidade de educação com especificidades

que marcam o campo teórico e metodológico. O Ensino de Ciências na EJA deve

estabelecer relações entre os objetos de estudo das Ciências Naturais e a realidade do

aluno. A aprendizagem deve ser promovida por meio de um ensino dinâmico e

contextualizado de modo que as Ciências da Natureza contribuam para a ampliação da

compreensão do mundo por parte do aluno e melhoria de sua qualidade de vida. O

objetivo desse trabalho é discutir aspectos da produção acadêmica a respeito das práticas

pedagógicas empregadas no Ensino de Ciências na EJA nas séries finais do Ensino

Fundamental e do Ensino Médio, e contribuir na análise de aspectos relevantes dos

estudos realizados no período de 1995 a 2015. Evidenciamos que há uma produção

reduzida de artigos voltados para a EJA em interface com o Ensino de Ciências,

particularmente relativos ao ensino de biologia. Diante da realidade do aluno trabalhador,

a motivação para aprender depende da oferta de conteúdo relevante, que aborde os

contextos e as esperanças dos adultos. Materiais apropriados e adequados às necessidades

dos alunos devem estar acessíveis, é um desafio crescente para as universidades

estabelecer espaços de discussão da EJA nos cursos de graduação, pós-graduação e

extensão, sendo fundamental considerar nestes espaços a produção já existente em EJA.

A maioria dos trabalhos foi desenvolvida nos últimos cinco anos, e muitos pertencem a

relatos de experiência com restritos avanços quanto à análise das especificidades ou a

propostas de inovações nos processos de ensino-aprendizagem. É necessário construir um

arcabouço teórico que melhor relacione as capacidades de leitura e escrita para que os

alunos alcancem habilidades de nível superior e que essas possam ser propulsoras da

aprendizagem em Ciências.

Palavras-chave: educação de jovens e adultos, ensino de ciências, práticas pedagógicas.

INTRODUÇÃO

A aceleração do processo tecnológico, a dinâmica de produção de bens de

consumo, o desenvolvimento das comunicações, a necessidade da mobilidade social e o

anseio por participar de atividades políticas e culturais marcam a concepção de educação

como uma necessidade que urge aos adultos pouco escolarizados. Além das necessidades

do adulto nos deparamos com a superação do analfabetismo e o sucesso da EJA como

desafios presentes para o Brasil.

Os dados obtidos a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -

PNAD, realizada pelo IBGE em 2013 revelam que em uma população de mais de 201

milhões de habitantes a universalização da educação básica obrigatória é uma meta

distante e que depende ainda do aumento da frequência escolar no ensino médio. O estudo

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reunido na Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2014, mostra que apesar de avanços ainda

nos deparamos com limitações graves. A elevada frequência escolar bruta dos jovens de

15 a 17 anos de idade (84,3%) não significa que eles estavam frequentando o nível

adequado à sua faixa etária, o censo evidencia que as vulnerabilidades se manifestam de

formas diversas, estar na escola nem sempre indica que os alunos estão conseguindo

alcançar as metas e ideais estabelecidos. O atraso escolar no ensino médio reflete o nível

de permanência e sucesso na etapa anterior, isto é, no ensino fundamental. Os dados da

pesquisa evidenciam que o atraso se intensifica na medida em que a idade aumenta, e que

ocorreu um lento avanço entre 2004 e 2013. É importante ressaltar que, em 2013, 31,0%

dos jovens de 18 a 24 anos de idade não haviam concluído o ensino médio e não estavam

estudando, representando cerca de 2,8 milhões de jovens. Essa taxa representa o abandono

escolar precoce, um importante indicador de vulnerabilidade na medida em que esses

jovens podem, futuramente, tornar-se um grupo com menos oportunidades de inserção

qualificada no mercado de trabalho e com possibilidades de não usufruírem plenamente

de seus direitos sociais.

O quadro se agrava quando associamos a essa realidade os problemas de evasão e

repetência daqueles que se inserem na Educação de Jovens e Adultos. Santana (1996)

relata em sua pesquisa a respeito das estratégias utilizadas pelos analfabetos para suprir o

seu analfabetismo, bem como aquelas incorporadas ao cotidiano dos recém-alfabetizados,

que os alunos buscam a escolarização para responder às exigências impostas pelos mundo

letrado. A autora conclui que apesar da demora na aquisição das habilidades de ler e

escrever, por conta da falta de oportunidades, os alunos adultos encontram meios para

interagir com a realidade, demonstrando competência comunicativa. Os entrevistados

buscavam a educação formal porque desejavam alcançar a independência, pois

acreditavam que as habilidades de leitura e de escrita facilitavam o fluxo das necessidades

básicas, especificamente, aquelas ligadas à sobrevivência. Segundo Santos (2003) os

pontos dificultadores para a entrada e permanência de alunos adultos em um curso de

Ensino Fundamental são: baixa autoestima; história escolar marcada por fracassos;

trajetória de vida repleta de constrangimentos; jornada de trabalho pesada, entre outros.

Dentre os elementos facilitadores/motivadores apontados, destacam-se: passar no exame

de seleção; acesso dos alunos ao ambiente universitário; proposta pedagógica baseada na

construção de conhecimentos e valorização das experiências de vida, resgatando o desejo

de aprender; gratuidade dos estudos; material didático e alimentação fornecidos pelo

projeto; carinho, atenção e respeito dos professores-monitores.

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Pautados nos pressupostos de Oliveira (1999), Paiva (2006) e Freire (2001) e em

estudos anteriores, entendemos que a educação de jovens e adultos abriga um conjunto

de pessoas que por motivos diversos em algum momento deixaram de frequentar a escola,

e no resgate de seus direitos de cidadãos buscam os caminhos da educação formal para

romperem com os processos de exclusão dos quais foram vitimados. E nesse processo os

seus saberes construídos ao longo de sua história de vida devem ser respeitados e

considerados como variável importante no processo de ensino-aprendizagem do

conhecimento científico e tecnológico.

O estudo “O Estado da Arte das Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos no

Brasil - A produção discente da pós-graduação em educação no período 1986 – 1998”

organizado por Haddad (2000) constata que evasão e repetência são fenômenos

generalizados, explicados pelos autores pela inadequação das condições de estudo e dos

modelos pedagógicos para as necessidades educativas dos alunos adultos. Em muitos

estudos analisados predomina uma visão generalizada a respeito dos alunos, tratando-os

como “adultos” ou “trabalhadores”. Contudo, algumas pesquisas abordam a

caracterização do alunos e a construção de identidades singulares (diferenças de gênero,

étnicas, culturais ou entre gerações), assim como existem trabalhos que abordam a

dimensão da subjetividade dos educandos. Neste conjunto, o subtema do ensino noturno

(regular e, muitas vezes, de nível médio) é um dos mais recorrentemente abordados no

período, quase sempre como problema e associado ao fracasso/reprovação e à evasão

escolar. Frequentemente o ensino noturno é pesquisado em conexão à relação educação

e trabalho, pois seus alunos são unificados na categoria “trabalhador”. Quanto às

concepções de EJA, a proposta de alfabetização conscientizadora / educação

transformadora de Paulo Freire é referencial teórico de uma série de experiências

curriculares, metodológicas ou organizacionais. Haddad (2000) destaca que falta um

balanço geral da sua influência na EJA, nas questões relativas aos aportes teóricos das

pesquisas percebe-se ainda uma grande dispersão entre os autores utilizados, havendo

alguma unidade nas referências históricas da EJA.

As pesquisas sobre a temática do professor de EJA, evidenciam a existência ainda

hoje de um preconceito sobre esse campo de trabalho, alguns professores consideram um

campo de atuação com menor relevância quanto a qualificação do profissional que atua

na EJA. Esse estigma estaria presente entre professores, corpo técnico das escolas e

secretarias de educação, e até mesmo entre os próprios alunos. Este é um desafio que

precisa ser enfrentado em qualquer proposta em EJA, sobretudo reconhecendo o direito

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à especificidade que esta modalidade de educação tem. Onde isto tem ocorrido, as

experiências são exitosas e vêm buscando sistematizar os ganhos evidenciados numa

modalidade que pouco a pouco vai se distanciando do modelo padrão da escola diurna,

ao mesmo tempo em que aponta para referências próprias: em relação ao horário de

funcionamento das aulas; aos programas desenvolvidos nos diferentes níveis; às

metodologias utilizadas no processo de aprendizagem e avaliação de alunos e professores.

Há ganhos para quem está vivenciando a experiência de voltar para a escola depois de

adulto, mas há também decepções por esta escola não corresponder a tudo o que se espera

dela. Os altos índices de evasão e repetência observados na pesquisa de Haddad (2000)

reafirmam a escola como obstáculo para o aluno trabalhador.

A evasão e a repetência apresentam-se como problemas educacionais

generalizados, cujas razões relacionam-se a múltiplos fatores de ordem

política, ideológica, social, econômica, psicológica e pedagógica, a

ausência de metodologias de ensino que incorporem e articulem os

conhecimentos que os alunos são portadores. (HADDAD, 2000, p. 90)

Existe uma generalização de que o trabalho é o motivo hegemônico de evasão da

EJA, mas o estudo de Carmo (2010), destaca que essa é uma característica do grupo etário

adulto masculino. O trabalho pode ser entendido também como solução, já que a busca

por reconhecimento social e realização pessoal podem favorecer a permanência do aluno

na escola. Nesse trabalho fica evidente que prepondera o motivo não gostava de estudar

/ dificuldade de aprender como a principal justificativa do grupo etário jovem do sexo

masculino. Entretanto para o gênero feminino tanto no grupo etário jovem como adulto a

principal razão pela qual deixaram de estudar são as situações familiares. Um dado

relevante no estudo de Carmo (2010) é que quando foi questionado aos alunos a respeito

do motivo que os levaria a parar de estudar novamente, prepondera no grupo adulto e no

grupo jovem em ambos os gêneros, a opção “nota baixa nas matérias / reprovação”,

seguida da opção “problema com professor, diretor, funcionário”.

A partir dessas considerações é imprescindível que o Ensino de Ciências na EJA

venha estabelecer relações entre os objetos de estudo das Ciências Naturais e a realidade

do aluno. A aprendizagem deve ser promovida por meio de um ensino dinâmico e

contextualizado de modo que as Ciências da Natureza para a ampliação da compreensão

do mundo por parte do aluno e melhoria de sua qualidade de vida.

O objetivo desse trabalho é discutir aspectos da produção acadêmica a respeito

das práticas pedagógicas empregadas no Ensino de Ciências na EJA nas séries finais do

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11238ISSN 2177-336X

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Ensino Fundamental e do Ensino Médio, e contribuir na análise de aspectos relevantes

quanto aos estudos realizados no período de 1995 a 2015.

METODOLOGIA

O conhecimento acerca de um tema apresenta limitações que se minimizam a

partir do momento que nos empenhamos em realizar uma revisão da produção acadêmica

disponível a respeito objeto de estudo. Optamos por estabelecer nossa revisão a partir dos

periódicos por entendermos que eles representam a contribuição atualizada de pesquisas

em andamento ou recentemente concluídas, decidimos que seriam analisados os artigos

publicados no período de 1995 a 2015. Para tal finalidade, acessamos o portal de

periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

e utilizamos diversos descritores como palavras-chave tanto em português como em

inglês que relacionassem a EJA e o Ensino de Ciências. Nosso objetivo inicial era

localizar artigos que tivessem como objeto de estudo o Ensino de Ciências na EJA,

posteriormente ampliamos nossa revisão incluindo alguns periódicos internacionais.

Esses descritores trouxeram como resultado muitos trabalhos, portanto, decidimos fazer

um recorte dentro dessa gama de artigos. Nos dedicamos a analisar artigos que tivessem

sido publicados em periódicos avaliados pela Capes com Qualis A1, A2, B1 ou B2. Esse

recorte do levantamento incluiu 34 periódicos com as classificações Qualis que

selecionamos e nos quais encontramos as palavras-chave supracitadas. Posteriormente a

esse processo efetuamos a leitura dos resumos dos artigos para delinear com maior

precisão o âmbito do estudo realizado, tendo em vista que muitos títulos não eram claros

quanto ao problema ou tese defendida no artigo. Para nossa análise inicial consideramos

apenas os artigos que abordavam a educação formal no Ensino Fundamental ou Ensino

Médio, não nos interessava nesse momento artigos que tratavam de práticas de

alfabetização, que se dedicavam a espaços não formais de educação ou que eram voltados

para estudos com adultos portadores de necessidades especiais. Uma questão relevante é

que em alguns estudos realizados em âmbito internacional, os autores definem a

graduação em Nível Superior ofertada para maiores de 23 anos de idade como Educação

de Adultos, essa representação difere da adotada no Brasil, assim esses artigos não foram

analisados por não contemplarem nosso objeto de estudo. Assim de uma seleção inicial

de 137 artigos limitamos a nossa análise a 85 artigos.

Um relatório da associação Ação Educativa organizado por Haddad (2000) detecta

e discute os temas emergentes da pesquisa em educação de jovens e adultos no Brasil,

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para o período 1986-1998. Esse trabalho analisa a produção acadêmica discente dos

programas nacionais de pós-graduação stricto sensu em educação, expressa em teses de

doutoramento e dissertações de mestrado. A partir desse trabalho nos inspiramos para

analisar o conjunto de artigos selecionados. Ao realizarmos a leitura de cada artigo, já

tínhamos as categorias de classificação já definidas. A partir da leitura, organização e

análise dos artigos selecionados propomos subcategorias para melhor compreendermos a

forma como o Ensino de Ciências está em interface com a EJA. Nesse momento

apresentamos parte dos resultados, que trata especificamente dos artigos voltados para as

práticas pedagógicas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A categoria “Concepções e Práticas Pedagógicas” reúne 34 artigos que abordam

as práticas de escolarização de jovens e adultos e reflexões a respeito do processo ensino-

aprendizagem. Para melhor compreensão optamos por trabalhar com as subcategorias

“Processo Ensino-aprendizagem” e “Relato de Experiência”. A primeira subcategoria

agrupa artigos que tinham/tem o foco em pesquisas centradas no processo de ensino e

aprendizagem das áreas de Ciências, Física e Biologia, na qual foram incluídos 09 artigos.

Os artigos de Freitas e Aguiar Jr (2010), Abreu (2012) e Ameno et al (2012)

analisam modos de relação que os estudantes estabelecem com o conhecimento científico

escolar. Os autores destacam que é evidente a ausência de questionamentos ao discurso

científico escolar nas produções escritas dos alunos. Para eles, as representações iniciais

dos alunos podem representar tanto um ponto de partida como obstáculo à aprendizagem

dos conceitos científicos. Consideramos imprescindível que o professor utilize diferentes

metodologias de ensino que promovam o aprendizado dos conceitos.

Os artigos de Martínez Salvá e Latorre (1998), Vilanova e Martins (2008), Ustra

e Santos (2014), Silva, Silva e Ziegler (2014) e Souza e Linhares (2014), por sua vez,

analisam rotinas em sala de aula, durante uma sequência de ensino. Para tanto, os autores

fizeram uso de metodologias como: entrevistas (Silva, Silva e Ziegler, 2014)), registros

de observação participante (Ustra e Santos, 2014), ambiente virtual de ensino-

aprendizagem (Souza e Linhares, 2014), análise de textos produzidos pelos professores

(Vilanova e Martins, 2008) ou pautadas no enfoque comunicativo (Martínez Salvá e

Latorre, 1998). Os autores concluem que as aulas de ciências tanto em termos estruturais

quanto nas modalidades didáticas utilizadas não atendem as exigências dessa modalidade

de ensino. Os trabalhos enfatizam a necessidade de adotar recursos metodológicos e

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estratégias que sejam construídas e direcionadas tomando como base a realidade, o

interesse e as necessidades dos alunos, visando facilitar e motivar a aprendizagem como

elemento capaz de ajudar no desenvolvimento de suas habilidades e competências.

A subcategoria “Relato de Experiência”, na qual foram inseridos os 26 trabalhos

que apresentam experiências didáticas vivenciadas em aulas de ciências. Embora esses

trabalhos sejam importantes e façam análise das práticas pedagógicas, não fica evidente,

na leitura do texto, o problema de pesquisa. Os estudos de Nascimento et al (2011),

Barbosa et al (2012), Silva e Fampa (2012), Hygino, Souza e Linhares (2012), Paranhos

e Shuvartz (2013), Braibante et al (2014), por exemplo, tratam do ensino de maneira a

associar a ciência como um conhecimento em constante construção a partir de uma

abordagem que resgatasse a origem e história do tema. Ao utilizar a história da ciência

como arcabouço da prática, os autores afirmam que ao final do trabalho os estudantes

expressaram uma visão gradativa e coletiva da ciência, ou seja, a ciência como

empreendimento social.

Os artigos de Razuck e Razuck (2012), Rodriguez (2013), Cavaglier e Messeder

(2014), Farias e Nascimento (2014) tratam de questões ligadas ao cotidiano, com temas

em saúde e meio ambiente, com alternativas de abordagens interdisciplinares

contextualizadas para o ensino de Química e Biologia na EJA. Uma das conclusões

destacadas pelos autores é a importância de abordar os conteúdos com diversidade de

gêneros do discurso não apenas em função de sua relevância social, mas também para

possibilitar o acesso a vários gêneros textuais. A escola deve ser concebida como um

espaço de debates e discussão de assuntos associados à comunidade.

Ainda dentro dessa categoria “Relato de Experiência” encontramos os trabalhos

de Espíndola e Moreira (2006), Fraga e Borges (2010), Costa e Bizerril (2012), Freitas e

Aguiar Jr (2012), Lyra, Oliveira e Barrio (2012), Gomes e Garcia (2014) que estão

voltados para práticas dialógicas, como argumentação, exposição de ideias e trocas de

experiências, como instrumentos de construção de conhecimentos científicos. Todos

esses trabalhos utilizaram sequências didáticas e adotaram como referencial teórico as

ideias de Paulo Freire. Segundo esses autores a abordagem dialógica possibilita ao aluno

adulto uma percepção mais ampla do universo em estudo, pois além dos conteúdos da

disciplina serem discutidos nas aulas, eles conseguem relacionar situações reais e

concretas com situações abstratas de aprendizagem. Os autores defendem que ao

favorecer a produção discursiva dos estudantes e orientar suas intervenções para pontos

considerados essenciais para a compreensão do problema, favorece-se o discurso

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argumentativo possibilitando posicionamentos dos estudantes em relação às enunciações

do professor e dos colegas.

Os trabalhos de Merazzi e Oaigen (2007), Merazzi e Oaigen (2008), Krumenauer

e Costa (2009), Krumenauer, Costa e Silveira (2010), Silva et al (2012), Ramos e Sá

(2013), Boszko, Karas e Santos (2014), Neves, Sousa e Arrais (2014), Nunes et al (2014)

e Machado e Culpi (2015) se distinguem por propor abordagens diferenciadas e

contextualizadas para o ensino de Ciências na EJA, seja por um conjunto de atividades

práticas, experimentações, jogos ou filmes para promover a investigação do

desenvolvimento da compreensão e da construção conceitual. Os autores destacam que

atividades que aprimorem as habilidades de observação, manuseio, investigação e

reflexão dos alunos oportunizam uma melhor compreensão do conteúdo. Os autores

destacam que adotar metodologias diferenciadas com enfoque em um conteúdo

significativo para o aluno, de maneira contextualizada, é fundamental para despertar seu

prazer pela ciência. Os trabalhos ressaltam que quando os estudantes realizaram

atividades distintas, seja por meio de experimentos ou jogos, ficaram entusiasmados e

houve mudanças em seus conceitos quando comparados às suas representações iniciais.

Aliado a isto se estabelece a grande importância da valorização dos conhecimentos

prévios do jovem e adulto para a sua formação efetiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar os artigos encontrados evidenciamos que há uma produção reduzida

de artigos voltados para a EJA em interface com o Ensino de Ciências, particularmente

relativos ao ensino de biologia, destacamos que essa produção acadêmica se refere a mais

de trinta periódicos nas duas últimas décadas. Diante da realidade do aluno trabalhador,

a motivação para aprender depende da oferta de conteúdo relevante, que aborde os

contextos e as esperanças dos adultos. Materiais apropriados e adequados às necessidades

dos alunos devem estar acessíveis, é um desafio crescente para as universidades

estabelecer espaços de discussão da EJA nos cursos de graduação, pós-graduação e

extensão, sendo fundamental considerar nestes espaços a produção já existente em EJA.

Em nosso levantamento 40% dos estudos estão voltados para as Concepções e Práticas

Pedagógicas, essa quantidade de trabalhos encontrada porém, ainda não produziu

resultados consistentes com relação à formulação de propostas para o currículo ou de

metodologias de ensino mais adequadas. Nessa categoria, a maioria dos trabalhos foi

desenvolvida nos últimos cinco anos, e muitos pertencem a relatos de experiência com

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11242ISSN 2177-336X

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restritos avanços quanto à análise das especificidades ou a propostas de inovações nos

processos de ensino-aprendizagem. O pensamento freireano continua a ser a referência a

partir da qual os pesquisadores acedem e incorporam novas perspectivas.

É possível evidenciar que no início do Ensino Médio espera-se que os alunos já

adquiriram competências básicas da leitura, da escrita e da aritmética mas não parecem

entender essas atividades de forma que elas extrapolem os níveis básicos para que eles

sejam proficientes. No Ensino Médio na EJA esses obstáculos são mais evidentes, o que

nos leva a inferir a necessidade de construção de um arcabouço teórico que melhor

relacione as capacidades de leitura e escrita para que os alunos alcancem habilidades de

nível superior e que essas possam ser propulsoras da aprendizagem em Ciências.

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AS ESPECIFICIDADES DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA NA EJA

Rones de Deus Paranhos Instituto de Ciências Biológicas - Universidade Federal de Goiás, ICB - UFG

Aluno do Doutorado em Educação - Universidade de Brasília, PPGE - UnB

Maria Helena da Silva Carneiro Faculdade de Educação - Universidade de Brasília, FE - UnB

Programa de Pós-Graduação em Educação, PPGE - UnB

RESUMO: Este estudo se dedicou à análise da produção científica (artigos) sobre o

ensino de ciências da natureza na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Uma parte das

discussões é de natureza epistemológica e lança mão de elementos da teoria de Ludwik

Fleck (Estilo e Coletivo de Pensamento; Tráfego Inter e Intracoletivo). Outra parte se

dedica à compreensão das especificidades do ensino de ciências na EJA, considerando as

áreas da biologia, ciência, física, química e outras. Com critérios pré-estabelecidos (área

de avaliação e básica, qualis, descritores e bancos) foram selecionados 46 artigos

publicados entre 1996 e 2015. Os textos foram lidos na íntegra e os dados, gerados a partir

de uma grade de análise, previamente elaborada. Os resultados indicam que a

especificidade do ensino de ciências na EJA vem se constituindo um fato científico a ser

pauta de pesquisa do Coletivo de Pensamento Educação em Ciências (CPEC). Sobre o

tráfego intercoletivo, foi observada maior diversidade de autores do Coletivo de

Pensamento Educação (CPE) empregados nas discussões do CPEC. Quanto ao tráfego

intracoletivo (CPEC-CPEC), foi identificada menor diversidade de autores e estes são

empregados nos limites das discussões sobre o ensino das áreas do CPEC (Biologia,

Ciências, Física e Química), observando pouco trânsito de ideias entre as áreas e o

emprego de autocitações. As especificidades da EJA se vinculam ao público e as

especificidades do ensino de ciências, consideram também o público da modalidade na

relação com o conhecimento, aspectos metodológicos/formativos e currículo. As

determinações que caracterizam esse público (direito a educação negado, relações com

outros saberes e que pertence à classe trabalhadora) são elementos a serem considerados

no ensino de ciências na EJA, permitindo afirmar que ele tem que ser socialmente

referenciado. Este é um importante aspecto a ser considerado no desenvolvimento de

novos estudos, bem como, pela educação em ciências.

Palavras-chave: educação de jovens e adultos; ensino de ciências; Ludwik Fleck.

INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade da educação básica

cujo público são pessoas que não tiveram acesso à escolarização ou tiveram esse processo

interrompido. O formato atual da educação de adultos não é uma constante na história da

educação brasileira, sua organização e modos de oferecimento estiveram ligados a

diferentes contextos políticos do país, o que levou a modificações. A escola é um lugar

de direito desse público, portanto, o acesso aos conhecimentos socialmente construídos e

veiculados por essa instituição, também o é.

A história da EJA possui mais tensões do que a trajetória histórica da educação

básica (ARROYO, 2005). Este autor sustenta sua afirmação apontando que, isso se

justifica pois, no processo de engendramento da EJA há mais dissensos do que consensos

quando comparada com a educação da infância e da adolescência. O autor vincula essa

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11247ISSN 2177-336X

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situação menos consensual às condições do lugar social que o público dessa modalidade

ocupa, ou seja, “são trabalhadores, pobres, negros, subempregados, oprimidos, excluídos.

[...] A história oficial da EJA se confunde com a história do lugar social reservado aos

setores populares” (ARROYO, 2005, p.221).

A EJA é uma modalidade da educação e isso quer dizer que ela pode se desdobrar

numa modalidade de ensino, quando tomamos as especificidades que envolvem o ensino

dos diferentes componentes curriculares. Contudo, enquanto modalidade da educação,

entendemos que há um projeto formativo específico que considera principalmente as

especificidades do seu público, o que por sua vez, demanda pensar como os componentes

curriculares irão se alinhar a esse projeto formativo. A especificidade da EJA é discutida

considerando seus aspectos históricos e políticos (ARROYO, 2005; DI PIERRO, 2005;

HADDAD; DI PIERRO, 2000); sujeitos (ALVES et al., 2014; BOUTINET, 2004;

FURINI; DURAND; SANTOS, 2011; ZORZAL; MIRANDA; RODRIGUES, 2014);

currículo (OLIVEIRA, I. B., 2005); aprendizagem (OLIVEIRA, M. K., 2005), entre

outros. Neste trabalho, trazemos a discussão da especificidade do ensino de ciências da

natureza na EJA.

Considerar a relação entre Sociedade e a Ciência é uma premissa para uma postura

pedagógica articulada com a vida social (SILVA, 2007). Portanto, pensar o ensino de

ciências na EJA passa por considerar as contradições entre um projeto formativo mais

político e crítico frente à demanda do seu público que vislumbra a inserção no mercando

de trabalho. Na EJA o conhecimento científico é que permite uma leitura mais rica do

cotidiano que, somado a uma abordagem histórica possibilita “captar a provisoriedade, a

contraditoriedade e a diversidade dos determinantes” envolvidos na produção do

conhecimento científico (SILVA, 2007, p.130). Na EJA há a demanda de se rever a

centralidade dada aos conhecimentos, enquanto produtos, desconsiderando os processos

de produção destes (PARANHOS; CARNEIRO, 2015). Estes autores afirmam que é

necessário ter clareza dos fins do conhecimento científico “com vista a uma formação

política de transformação” (p.928), considerando a inserção contraditória da escola na

sociedade capitalista.

O escopo de discussão deste texto reside na relação entre a Educação em Ciências

e a Educação de Jovens e Adultos, mais especificamente ao que toca o ensino das ciências

da natureza na modalidade EJA. Não está no horizonte deste trabalho a preocupação, a

priori, em apontar “metodologias” para se ensinar as ciências na EJA. A pesquisa de

doutorado que estamos desenvolvendo evidenciou a necessidade de nos ocuparmos, num

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primeiro momento, com a compreensão dos fundamentos do ensino de ciências na

educação de adultos. Esperamos, a partir de uma compreensão e análise mais apurada

desses fundamentos, sinalizar princípios formativos para um ensino de ciências que venha

ao encontro das especificidades da modalidade educativa em questão. Este trabalho é

fruto dessa preocupação, resultado da finalização de uma etapa da pesquisa. Nossa

empreita investigativa gira em torno também da construção da especificidade do ensino

de ciências para a EJA como um fato científico.

As análises epistemológicas contidas nesta pesquisa fundamentam-se nos

pressupostos teóricos de Ludwik Fleck que contém categorias formuladas a partir da

análise da dinâmica da produção do conhecimento científico. A filiação a Fleck se deu

em função do material empírico deste estudo, constituído por artigos científicos

brasileiros (Área de avaliação Ensino, área básica Ensino de Ciências, conforme

estabelece a CAPES). Também pela compreensão de ciência encontrada na obra desse

referencial, que a entende como um empreendimento social por natureza (FLECK, 2010;

LÖWY, 2012).

Lançamos mão dos conceitos Coletivo de Pensamento (CP), Estilo de Pensamento

(EP) e Tráfego Intercoletivo e Intracoletivo desenvolvidos por Fleck (2010). O autor

define CP como agrupamentos de pessoas que intercambiam ideias sobre uma questão

num determinado campo de pesquisa. Nas palavras do autor é

[...] a comunidade de pessoas que trocam pensamentos ou se encontram numa

situação de influência recíproca de pensamentos, temos, em cada uma dessas

pessoas, um portador do desenvolvimento histórico de uma área de

pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura, ou seja, de um

estilo específico de pensamento (p.82).

Já a categoria Estilo de Pensamento refere-se aos conceitos e práticas

compartilhadas entre integrantes de uma mesma comunidade científica (LÖWY, 2012).

Para Fleck (2010)

[...] não é apenas esse ou aquele matiz dos conceitos e essa ou aquela maneira

de combiná-los. Ele é uma coerção definida de pensamento e mais : a

totalidade das disposições mentais, a disposição par uma e não para outra

meneira de perceber e agir. Evidencia-se a dependência do fato científico em

relação ao estilo de pensamento. (p.110).

Este estudo é recorte de uma pesquisa e objetiva levantar e compreender as

especificidades do ensino de ciências da natureza para a EJA a partir da análise da

produção científica brasileira (artigos). A análise foi guiada pelas questões: a) O que os

artigos sobre ensino de ciências consideram sobre as especificidades da EJA? b) Quais

são os apontamentos dos artigos sobre as especificidades do ensino de ciências na EJA?

c) Elas trazem marcas de outros EP e/ou CP?

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Na EJA a especificidade do ensino dos diferentes componentes curriculares passa

também por considerar a natureza dessa especificidade. Analisar o conhecimento

produzido sobre o ensino de ciências na EJA é salutar para captar o movimento envolvido

nessa produção, trata-se de realizar uma análise para compreender as determinações

envolvidas nessa produção, pois os conteúdos de determinada área do conhecimento “são

condicionados e por podem ser explicados pela história do pensamento” (FLECK, 2010,

p.62).

Não se chega à compreensão da especificidade da EJA sem uma retomada

histórica sobre a sua constituição enquanto uma modalidade educativa. Portanto, não se

tem a clareza do seja específico no ato de ensinar nessa modalidade. As especificidades

da EJA seriam protoideias que se desdobram em vertentes investigativas para ampliar a

compreensão acerca da EJA e seus processos pedagógicos. As protoideias “são

predisposições histórico-evolutivas de teorias modernas e sua gênese deve ser

fundamentada na sociologia do pensamento” (FLECK, 2010, p.66).

Através do prisma de que o público da EJA é específico, há a construção de que o

ensino de ciências para EJA também o deve ser. Qual é a natureza dessa especificidade?

A especificidade do ensino de ciências está se constituindo um fato investigável num CP

já consolidado com práticas consolidadas (Educação em Ciências). E aqui

compreendemos que a ideia de especificidade da EJA, enquanto fato investigável, se

move do Coletivo de Pensamento Educação (CPE) e adentra o Coletivo de Pensamento

Educação em Ciências (CPEC) com as nuances da discussão do ensino de ciências. De

acordo com Löwy (2012) os fatos científicos não ficam restritos a um determinado grupo

de especialistas, eles também deixam suas comunidades de origem e se movimentam em

direção a outros CP.

Acreditamos no valor da compreensão da especificidade do ensino de ciências na

EJA, enquanto uma pré-ideia a ser desenvolvida. Para Fleck (2010, p.67) a relevância da

compreensão de uma protoideia “não reside em seu conteúdo lógico e “objetivo”, mas

unicamente em seu significado heurístico enquanto potencial a ser desenvolvido”.

Portanto, é louvável considerar a construção dessa pré-ideia num fato científico a ser

investigado por um CP que possui, dentre outras pautas de pesquisa, o ensino de ciências

na EJA. No seio das produções científicas analisadas (artigos) que ideias podemos

destacar sobre o ensino de ciências na EJA?

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METODOLOGIA

O corpus de análise desta pesquisa foi constituído por artigos científicos

publicados em periódicos que tem como escopo a educação em ciências, sendo

empregado para isso os seguintes critérios: a) Área de avaliação: Ensino; b) Área

básica: Ensino de Ciências; c) Periódicos1 (qualis): A1 – B2 ; d) Período: a partir do

marco legal que considera a EJA como uma modalidade educativa (Lei nº 9.394/96) até

o ano de 2015; e) Descritores: ensino de ciências (biologia1, física1, química1 e outras1)

na relação com a educação de jovens e adultos, EJA, educação de adultos, podendo estes

estar presentes no título, resumo e palavras-chave do artigo e; f) Bancos: Portal de

Periódicos da CAPES e sites das revistas de educação em ciências. Com os esses critérios

foram obtidos 46 artigos.

Previamente, foi construída uma grade analítica que direcionou a leitura de modo

a identificar os seguintes aspectos: a) Problemas de pesquisa; b) Objetivos; c)

Metodologia; d) Considerações Finais; e) Referências Bibliográficas; f) EJA

(características, definições, compreensões); d) Público da EJA (características); e) Projeto

Formativo da EJA; f) Especificidades da EJA e; g) Especificidades do ensino de ciências

para a EJA. Feito isso, todos os artigos foram lidos na íntegra, mas neste texto serão

apresentadas as discussões relacionadas aos tópicos ‘f’ e ‘g’ da grade de análise.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Aspectos gerais e epistemológicos da produção científica

O levantamento e análises mais gerais dos artigos permitiu apurar que: a) Dentre

as produções sobre o ensino de ciências da natureza na EJA, há uma centralidade

(quantitativa) dessa discussão nas áreas da biologia e ciências; b) Os periódicos que

concentraram o debate sobre a relação Educação em Ciências e EJA foram: P8 com 17,2%

da produção; P6, P9 e P4 com 10,9% de artigos em cada e; por fim, P3 com 6,5%, seguido

dos demais periódicos.

A partir das sinalizações teóricas de Ludwik Fleck, podemos destacar em função

dos nossos interesses investigativos, dois CP bem delimitados, a saber: o Coletivo de

Pensamento Educação (CPE) e o Coletivo de Pensamento Educação em Ciências

(CPEC)2. Embora haja pontos convergentes de discussão entre esses dois coletivos, a

marca distintiva do CPEC é o componente ciências na relação com a educação, sobretudo

nos aspectos do ensino. O que chamamos aqui de “pontos convergentes”, seriam o

compartilhamento de EP entre esses coletivos, pois o ensino de ciências não se desvincula

de uma concepção de educação, currículo, políticas públicas, concepção de homem,

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11251ISSN 2177-336X

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projeto formativo, correntes filosóficas que advém, em grande parte, do CPE. Uma

especificidade do CPEC é o fato de a produção do conhecimento desse coletivo ser

relativamente nova se compararmos com o CPE.

Fleck (2010) marca a condição social da produção do conhecimento destacando o

CP e o EP para se conhecer algo. No CPE a EJA é investigada no campo das políticas

públicas educacionais, educação popular, formação de professores, aspectos pedagógicos,

currículo, ensino-aprendizagem, seus sujeitos, etc. Enquanto no CPEC, a componente

ciência e o seu ensino delineiam outras demandas investigativas que o objeto requer,

dentre eles o projeto formativo posto no componente curricular ciências somado às

especificidades da EJA. Não são CP estanques, há um tráfego de EP entres os CP (Quadro

13).

Quadro 1 – Tráfego intercoletivo entre Educação – Educação em Ciências

Coletivo de Pensamento

Educação (CPE)

Áreas1 do Coletivo de

Pensamento Educação em

Ciências (CPEC) Ideias (CPE)

(Estilos de Pensamento)

B C F Q O

ARROYO, Miguel x x x x ---

Aspectos Pedagógicos,

Currículo, Educação Popular,

Educação, Ensino-

Aprendizagem, Escola,

Formação de Professores para

EJA, História da Educação,

Homem, Políticas Públicas

Educacionais, Sujeitos da EJA

DI PIERRO, Maria C. x x --- x x

FREIRE, Paulo x x x x x

HADDAD, Sérgio x x x x x

OLIVEIRA, Inês B. x x --- x x

OLIVEIRA, Marta K. x x x --- x

MACHADO, Maria M. --- --- x --- ---

PAIVA, Jane x x --- --- ---

PAIVA, Vanilda P. x --- --- --- ---

RIBEIRO, Vera M. x x --- --- x

SOARES, Leôncio J. x x x --- x

Fonte: Elaboração dos autores.

A leitura do Quadro 1 indica que as ideias de 7 autores (63,3%) do CPE são

empregadas nas produções do CPEC com um índice de presença igual ou superior a 80%

nas áreas deste coletivo, o que permite afirmar que há um considerável tráfego

intercoletivo de ideias sobre a EJA, envolvido na produção de conhecimentos sobre o

ensino das ciências na EJA. Paulo Freire e Sérgio Haddad estiverem presentes em todas

a áreas do CPEC neste conjunto de trabalhos analisados.

Quando tomada para análise as áreas do CPEC em separado e o tráfego das ideias

dos diferentes autores do CPE nestas áreas, é possível perceber uma porcentagem mínima

de 45,4% na Química e máxima de 90,9% na Biologia, da presença das ideias do CPE

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11252ISSN 2177-336X

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empregadas nos artigos sobre o ensino de ciências na EJA entre as diferentes áreas do

CPEC. Portanto, isso demonstra também um considerável tráfego de ideias do CPE nas

diferentes áreas do CPEC.

Desse modo, fica demostrado que a discussão do ensino de ciências na EJA não

se processa no campo de demandas individuais dos pesquisadores do CPEC, ou seja, “o

já conhecido influencia a maneira do conhecimento novo, o processo de conhecimento se

amplia [...]”, quer dizer, “[...] o estado do saber ultrapassa os limites dados a um

indivíduo” (FLECK, 2010, p. 81-82). Portanto, isso marca a natureza social envolvida na

produção de conhecimento em que o pensar é coletivo e presume troca (FEHR, 2012).

Considerando que nossa análise foi verticalizada para as produções do CPEC, foi possível

constatar que o tráfego de ideias se deu na direção CPE - CPEC. Julgamos pouco provável

a existência de um tráfego na direção CPEC – CPE, pois o ensino de ciências em si, não

está na pauta investigativa do CPE destacado neste trabalho. Porém, a fundamentação de

tal afirmativa demanda análises mais sistemáticas de produções publicadas nos periódicos

do CPE, abrindo assim, outras perspectivas analíticas para a compreensão do tráfego

intercoletivo de ideias.

No tocante ao tráfego intracoletivo do CPEC (Quadro 2)4, os dados explicitaram

uma dinâmica diferenciada. Os artigos analisados empregam, numa diversidade reduzida,

ideias de outros autores que constituem o CPEC e que também abarcam a discussão do

ensino de ciências na EJA. Afirmamos que a diversidade é reduzida pois, as produções

analisadas das áreas do CPEC lançam mão de citações que não extrapolam as próprias

áreas; por exemplo, as produções do ensino de física empregam outros autores que

também discutem o ensino de física na EJA. Somado a isso, foi possível notar o emprego

de autocitações dentro das próprias áreas do CPEC.

Quadro 2 – Tráfego intracoletivo no Coletivo de Pensamento Educação em Ciências

Coletivo de Pensamento

Educação em Ciências

(CPEC)

Áreas1 do Coletivo de

Pensamento Educação em

Ciências (CPEC)

Ideias (CPEC)

(Estilos de

Pensamento) B C F Q O

ESPÍNDOLA, Karen --- --- x --- --- Currículo, Educação

Ambiental, Educação

e Saúde, Educação

em Ciências, Ensino

de Biologia, Ensino

de Ciências, Ensino

de Física, Ensino de

Química, Formação

de Professores de

FERREIRA, Leonardo A. G. --- --- x --- ---

FORGIARINI, Marta S. --- x --- --- ---

FRAGA, Roberta F x --- --- --- ---

FREITA, Érico F. F. --- --- x --- ---

HYGINO, Cassiana B. --- --- x --- ---

KRUMMENAUER, Wilson --- --- x --- ---

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11253ISSN 2177-336X

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LAMBACH, Marcelo --- --- --- x --- Ciências, Meio

Ambiente LEITE, Adriana C. S. --- --- x --- ---

MARTINS, Wagdo S. --- --- --- x x

MUENCHEN, Cristiane --- x --- --- ---

PARANHOS, Rones D. --- --- --- --- x

RAMALHO, Flávia A. --- x --- --- ---

SANTOS, Sayonara M. --- --- --- --- x

VILANOVA, Rita x x x --- ---

Fonte: Elaboração dos autores.

Dentre as citações encontradas nas produções do CPEC analisadas neste estudo,

notamos que dois autores (13,3%), Rita Vilanova e Wagdo Martins, tiveram suas ideias

sobre ensino de ciências na EJA compartilhadas com maior frequência, em que a primeira

autora esteve em três áreas (60%) e o segundo em duas (40%).

Contudo, ao considerar meticulosamente as áreas do CPEC em separado, observamos que

a discussão do ensino de ciências na EJA presente nos artigos da área de Física, lançaram

mão de ideias de outras 7 produções (46,6%) do CPEC; seguida da área de Ciências com

5 (33,3%); Outros com 3 (20%); Química com 2 (13,3%) e a Biologia com 2 produções

(13,3%). Porém, cabe destacar que essas porcentagens ligadas à quantidade de produções

não possuem uma relação linear com a diversidade de autores, pois nesses trabalhos há o

emprego de autocitações; por exemplo, em Ciências (MUENCHEN, Cristiane); Biologia

(FRANGA, Roberta); Física (HYGINO, Cassiana; KRUMMENAUER, Wilson);

Química (LAMBACH, Marcelo) e; Outros (PARANHOS, Rones; SANTOS, Sayonara).

As discussões sobre ensino de ciências na EJA nas diferentes áreas apresentam um baixo

percentual de compartilhamento de ideias e talvez isso se deve ao fato das discussões

ficarem restritas ao ensino de Biologia, Ciências, Física e Química. Sem considerar o que

há de comum entre essas áreas, quando tomado o ensino destas ciências na EJA.

As especificidades da Educação de Jovens e Adultos

As análises das produções do CPEC, objeto deste estudo, indicam que em relação

as especificidades da EJA há uma centralidade (54,3%) em compreender que elas se

vinculam ao público da modalidade (Tabela 1). Isso indica que para pensarmos o ensino

de ciências na EJA o ponto de partida e de chegada deve ser o educando. Portanto, o

ensino de ciências nessa modalidade educativa não deve se dar de forma a desconsiderar

as determinações do público da EJA, que possui um histórico de exclusão ao direito à

educação, relações com outros saberes e que pertence à classe trabalhadora.

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Tabela 1 – As especificidades da EJA presente nas produções científicas (artigos) no período de 1995 –

2015.

Especificidades da

EJA Artigo (Periódico)1 Qtd.

(%)

Metodológica O1(P9) 1

(2,2)

Pedagógica B10(P8) 1

(2,2)

Público

B4(P8); B6(P6); B7(P3); B11(P8); B13(P8); B14(P9);

C3(P4); C4(P9); C5(P4); C8(P3); C9(P8); C13(P3);

C14(P13); F1(P5); F2(P6); F4(P4); F5(P7); F7(P11);

F8(P4); F9(P6); Q1(P2); Q2(P7); Q3(P4); O4(P10);

O5(P11)

25 (54,3)

Público/Pedagógica C11(P8) 1

(2,2)

Não explicita

B1(P8); B2(P8); B3(P6); B5(P8); B8(P8); B9(P8);

B12(P8); C1(P2); C2(P8); C6(P8); C7(P9); C10(P8);

C12(P12); F3(P9); F6(P6); F10(P5); O2(P8); O3(P1)

18 (39,1)

Total 46

(100) Fonte: Elaboração dos autores.

Por outro lado, foi observado que 39,1% dos artigos não demarcaram uma

especificidade e, dentre estes, as áreas que menos explicitaram essa preocupação foram a

biologia e ciências. Contraditoriamente, estas são as áreas que apresentaram maior índice

no emprego de autores do CPE. Isso demanda uma análise mais profunda para

compreender que ideias são empregadas pelos autores da biologia e ciências do CPEC

que não as relacionadas às especificidades da EJA.

As especificidades do ensino de ciências da natureza para EJA

Os dados contidos na Tabela 2 nos indica que as especificidades do ensino de

ciências na EJA consideram o público da modalidade na relação com o conhecimento

(30,4%), aspectos metodológicos (15,2%), aspectos formativos (4,4%), currículo (2,2%);

ou seja, 52,2% dos artigos analisados trazem sinalizações de que as especificidades do

ensino de ciências para EJA está na relação com seu público.

Por outro lado, 21,7% dos trabalhos indicam que a especificidade do ensino de

ciências se dá no campo de metodologias que não aparecem na relação com outras

questões da EJA; havendo também os textos que não explicitaram especificidades para

este ensino (21,7%), o que totaliza 43,4% dos artigos analisados.

Tabela 2 – As especificidades do ensino de ciências da natureza na EJA presente nas produções científicas

(artigos) no período de 1995 – 2015.

Especificidades do

Ensino de Ciências

na EJA

Artigo (Periódico)1 Qtd.

(%)

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Conhecimento/Público

B14(P9); C3(P4); C5(P4); C7(P9); C8(P3); C9(P8);

C11(P8); C14(P13); F3(P9); F4(P4); F5(P7); F6(P6);

Q1(P2); Q2(P7);

14 (30,4)

Currículo/Público C4(P9) 1

(2,2)

Formativa/Público O4(P10); B13(P8) 2

(4,4)

Metodológica B1(P8); B5(P8); B6(P6); C2(P8); C10(P8); C12(P12);

F1(P5); O1(P9); O3(P1); O5(P11) 10

(21,7)

Metodológica/Público B7(P3); F2(P6); F7(P11); F8(P4); F9(P6); Q3(P4);

O2(P8) 7

(15,2)

Público C1(P2) 1

(2,2)

Em construção C13(P3) 1

(2,2)

Não explicita B2(P8); B3(P6); B4(P8); B8(P8); B9(P8); B10(P8);

B11(P8); B12(P8); C6(P8); F10(P5) 10

(21,7)

Total 46

(100)

Fonte: Elaboração dos autores.

A análise dos dados na relação entre as Tabelas 1 e 2 indica que os trabalhos que

não apontam uma especificidade para o ensino de ciências na EJA, também não trazem

em seus textos a discussão sobre a especificidade da modalidade (B2, B3, B8, B9, B12,

C6 e F10). Além disso, entre aqueles em que é possível observar uma especificidade

meramente metodológica para o ensino de ciências (tabela 2), estão os que não se

preocuparam em marcar a especificidade da EJA (B1, B5, C2, C10, C12 e O3).

Paranhos e Carneiro (2015) discutem em seu trabalho o ensino de biologia na EJA

a partir da análise de artigos e fazem duas considerações que são pertinentes a todas as

áreas do CPEC. A primeira é sobre a superação de discussões sobre o ensino de ciências

que estejam vinculadas aos aspectos metodológicos descolados de outras determinações

que perpassam a EJA (público, projeto formativo, características). A segunda, refere-se

à necessidade de compreender o que é uma “modalidade de educação”, pois o contrário,

possibilita a transposição de formas de ensinar ciências já postas para o Ensino

Fundamental e Médio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar a produção científica (artigos) sobre o ensino de ciências da natureza na

EJA empregando as categorias de Ludwik Fleck (Coletivo de Pensamento, Estilo de

Pensamento, Tráfego Inter e Intracoletivo) nos permitiu, salvo os limites da nossa

discussão, identificar o tráfego de ideias entre o CPE e CPEC. O tráfego identificado por

nós vem ao encontro da ideia de que a relação entre Educação em Ciências e EJA está em

construção e demanda mais investigações (VILANOVA; MARTINS, 2008). A isso,

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acrescentamos a partir de nossas análises, que a especificidade do ensino de ciências na

EJA vem se constituindo um fato científico a ser pauta de pesquisa do CPEC.

No tráfego intercoletivo, observamos maior diversidade de autores do CPE

empregados nas discussões do CPEC. Já ao que se refere ao tráfego intracoletivo (CPEC-

CPEC), constatamos menor diversidade de autores e estes são empregados nos limites

das discussões sobre o ensino das áreas do CPEC (Biologia, Ciências, Física e Química),

observando pouco trânsito de ideias entre as áreas e o emprego de autocitações. Isso não

desqualifica as produções e nem as empreitas investigativas das áreas que se dedicam ao

ensino de ciências na EJA. Ao contrário, demonstra também que a discussão do ensino

de ciências na EJA está em construção e demanda pesquisas sobre princípios mais gerais

que deem conta da especificidade da modalidade na relação com o ensino de ciências.

Os artigos analisados apontam que a especificidade da EJA se vincula ao público

da modalidade. Sobre as especificidades do ensino de ciências na EJA, notou-se que os

textos consideram também o público da modalidade na relação com o conhecimento,

aspectos metodológicos, aspectos formativos e currículo.

A especificidade da EJA que centraliza as características do seu público, delineia

para o CPEC uma pauta investigativa que considere o ensino de ciências na relação com

as determinações que caracteriza esse público (direito a educação negado, relações com

outros saberes e que pertence à classe trabalhadora). Portanto, a especificidade do ensino

de ciências na EJA reside no fato deste ensino ser socialmente referenciado. Sinalizamos

que isso é um importante aspecto a ser considerado no desenvolvimento de novos estudos,

bem como, pela educação em ciências.

Notas: 1Para sistematizar a apresentação dos dados utilizamos as letras B (Biologia), C (Ciências), F (Física), Q

(Química) e O (Outros) para indicar as áreas do conhecimento, acompanhadas de numeração para se referir

aos diferentes artigos analisados. A mesma sistematização foi empregada, só que utilizando a letra P

seguida de numeração, para fazer referência aos periódicos em que foram publicados os artigos, ficando

estabelecido: P1- Acta Scientiae; P2- Ciência & Cognição; P3- Ciência & Educação; P4- Ensaio Pesquisa

em Educação em Ciências; P5- Ensino de Ciências e Tecnologia em Revista; P6- Experiência em Ensino

de Ciências; P7- Investigações em Ensino de Ciências; P8- Rev. Assoc. Bras. Ensino de Biologia; P9- Rev.

Bras. Pesq. em Educação em Ciências; P10- Rev. Contexto & Educação; P11- Rev. Educação, Ciências e

Matemática; P12- Rev. Elet. Deb. Educ. Cient. e Tecnológica; P13- Rev. Elet. Enseñanza de las Ciências. 2Os integrantes do CPE e CPEC mencionados neste artigo não representam o número total de pesquisadores

que constituem esses coletivos de pensamento da pesquisa em Educação e Educação em Ciências

brasileiras. A construção dos Quadros 1 e 2 considerou os autores de artigos, livros, teses e dissertações

citados nos artigos analisados por este trabalho. 3A construção do Quadro 1 considerou como intregrantes do CPE os autores citados no artigos analisados

por este trabalho. Não incluimos neste quadro todas as citações, pois consideramos os autores de artigos

veiculados em periódicos, livros, dissertações e teses do CPE que trazem em suas produções acadêmicas a

EJA. 4A construção do Quadro 2 considerou como intregrantes do CPEC os autores das produções das diferentes

áreas (B, C, F, Q e O) analisadas por este trabalho. Nestas produções identificamos os autores de artigos,

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livros, dissertações e teses do CPEC citados nos artigos analisados por este trabalho, o que subsidiou a

nossa discussão sobre o tráfego intracoletivo no CPEC.

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