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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 ENSINO DE ARTE NA DÉCADA DE 70: AS DIFERENTES LINGUAGENS VISUAIS E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO EDUCACIONAL DO SUJEITO FURLAN, Elisangela (UNIOESTE) 1 FIUZA, Alexandre Felipe (UNIOESTE) 2 INTRODUÇÃO Em cada época as práticas culturais, sociais e políticas se diferenciam e marcam a história. Reproduzem seu objetivo de transformar a forma de pensar e de agir das pessoas, vista por seus adeptos como padrão necessário à manutenção do sistema vigente que, geralmente, ocorre por meio da educação ou da imposição. Para tanto, o ensino de arte teve sua trajetória marcada na década de 70. Período esse de luta, de repressão e censura à expressão de pensamento e opinião que repercutiu de forma persuasiva no ensino de arte, já que, a mesma, de acordo com o Parecer 540/77, era vista na época, de forma equivocada, como mera atividade artística de livre expressão. Portanto, busca-se por informações a respeito das linguagens visuais no período que compreende a ditadura, ou seja, de 1964 a 1985, com ênfase na primeira década do regime, pelo seu nível de medidas extremas impostas nas ações estatais. A ditadura restringiu o exercício da cidadania e reprimiu com violência todos os movimentos de oposição, usando da força frente aos que se opunham à ordem e regras impostas pelo governo golpista. Com objetivos desenvolvimentistas, o país ingressou numa fase de industrialização e crescimento econômico acelerado. Em particular, a classe 1 Graduada em Artes Visuais; Pós-Graduada em Arte e Educação e Métodos e Técnicas de Ensino; Mestranda em Educação junto a Unioeste, Campus de Cascavel. 2 Orientador. Pós-doutor em História Contemporânea pela Universidade Autônoma de Madrid, professor do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Unioeste.

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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ENSINO DE ARTE NA DÉCADA DE 70: AS DIFERENTES

LINGUAGENS VISUAIS E SUA INFLUÊNCIA NA FORMAÇÃO

EDUCACIONAL DO SUJEITO

FURLAN, Elisangela (UNIOESTE) 1

FIUZA, Alexandre Felipe (UNIOESTE) 2

INTRODUÇÃO

Em cada época as práticas culturais, sociais e políticas se diferenciam e marcam

a história. Reproduzem seu objetivo de transformar a forma de pensar e de agir das

pessoas, vista por seus adeptos como padrão necessário à manutenção do sistema

vigente que, geralmente, ocorre por meio da educação ou da imposição.

Para tanto, o ensino de arte teve sua trajetória marcada na década de 70. Período

esse de luta, de repressão e censura à expressão de pensamento e opinião que repercutiu

de forma persuasiva no ensino de arte, já que, a mesma, de acordo com o Parecer

540/77, era vista na época, de forma equivocada, como mera atividade artística de livre

expressão.

Portanto, busca-se por informações a respeito das linguagens visuais no período

que compreende a ditadura, ou seja, de 1964 a 1985, com ênfase na primeira década do

regime, pelo seu nível de medidas extremas impostas nas ações estatais.

A ditadura restringiu o exercício da cidadania e reprimiu com violência todos os

movimentos de oposição, usando da força frente aos que se opunham à ordem e regras

impostas pelo governo golpista.

Com objetivos desenvolvimentistas, o país ingressou numa fase de

industrialização e crescimento econômico acelerado. Em particular, a classe

1 Graduada em Artes Visuais; Pós-Graduada em Arte e Educação e Métodos e Técnicas de Ensino; Mestranda em Educação junto a Unioeste, Campus de Cascavel. 2 Orientador. Pós-doutor em História Contemporânea pela Universidade Autônoma de Madrid, professor do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Unioeste.

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trabalhadora foi vista como a que poderia realizar efêmeros e deficientes cursos técnicos

que suprissem a demanda industrial. A educação voltada aos trabalhadores objetivava a

formação de mão-de-obra para ocupar as vagas, condição necessária ao atendimento do

mercado e a formação de um exército de reserva com um mínimo de formação

profissional. O ensino aqui em apreço visava, apenas, a formação para o trabalho,

potencializando a economia do país, sem qualquer linha de formação crítica. Aos alunos

caberia realizar atividades voltadas à formação para a atuação, e não de

desenvolvimento das habilidades individuais, formando assim uma grande massa

manipulada pelas ordens políticas e econômicas. Apesar do proposto, o próprio regime

não ofereceu condições para que esta formação profissional fosse minimamente de

qualidade e com a extensão esperada pelos industriais. Neste contexto, a disciplina de

educação artística não teria o retorno prático esperado, semelhante à disciplina de

história. Não serviam nem ao apelo ideológico dos ideários do regime, muito menos aos

ditames do capital.

Por conseguinte, a pesquisa a que se circunscreve este texto, busca compreender

como a ditadura lidou com a disciplina de educação artística e como o contexto do

período contribuiu para esta mudança, sem perder de vista como isso interferiu na

formação do sujeito imerso no espaço educativo formal.

A TRAJETÓRIA DO ENSINO DE ARTE NO REGIME MILITAR

A arte, como matéria aplicável aos bancos escolares, começou a se manifestar

com as novas ideias para a educação, no fim do século XIX, tendo base na expressão de

liberdade e criação. No entanto, não era valorizada como disciplina na educação básica.

Fora do âmbito escolar a arte se manifestava nos meios sociais por meio da música,

teatro, literatura e arquitetura.

Com uma educação voltada às técnicas, o ensino de artes, era ministrado por

professores sem formação específica e sem fundamentação teórica, focava apenas

atividades mecânicas, visando o desenvolvimento da habilidade manual com a

valorização da estética.

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Em 1971, em apenas 30 dias, foi promulgada a Lei 5.692/71, em que a educação

artística passava a ser uma atividade educativa, deixando de ser atividade

complementar, passando a ser obrigatória no currículo escolar, abrindo demanda

profissional qualificada para ministrar esta disciplina, pois era exigida formação

universitária para trabalhar com a disciplina a partir da 5ª série. Os professores da época

não tinham orientação suficiente para desenvolver seu trabalho, pois, até então,

lecionavam desenho, trabalhos manuais, canto, artes aplicadas, atividades geralmente

sempre relacionadas ao trabalho.

Para tanto, o governo federal possibilitou a criação de cursos universitários de

licenciatura para qualificar os profissionais e atender a demanda exigida pela lei para o

ensino de educação artística. Conforme assevera Barbosa (2003, p.10):

O currículo de licenciatura em educação artística na universidade pretende preparar um professor de arte em apenas dois anos, que seja capaz de lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança e desenho geométrico, tudo ao mesmo tempo, da primeira à oitava série, e em alguns casos, até o 2º grau.

Consequentemente, é notável o descaso governamental da época, que

equivocadamente ou intencionalmente, pretendia formar um profissional competente,

capaz de lecionar com domínio de conteúdo e múltiplas linguagens da arte em sala de

aula, sem oferecer o mínimo de condições estruturais e materiais para tal. Assim,

mantinha-se a ideia de uma formação mínima também para os trabalhadores da

educação, como mais uma mão de obra barata, para atingir o que preconizava o

currículo previsto em lei. Assim, tal política, ou a ausência desta, ocasionou uma baixa

qualidade do ensino em arte, além de, possivelmente, deixando-se levar pelo ideários

dos militares e civis que compunham o governo.

O aluno era submetido a meras atividades artísticas, sem a definição clara dos

objetivos das práticas escolares ali desenvolvidas. Então, para atender a essas

necessidades, os professores passaram a seguir os livros didáticos de Educação

Artística. Com difíceis condições de trabalho, não possuíam uma formação universitária

de qualidade. Além disso, não dispunham de tempo para aprofundamento metodológico.

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Denominada na época como educação artística, foi tratada como uma disciplina

extemporânea, mesmo fazendo parte do currículo escolar, onde o ensino de arte era

considerado "não uma matéria, mas uma área bastante generosa e sem contornos fixos,

flutuando ao sabor das tendências e dos interesses" (FUSARI, 1993, p. 41). Neste

contexto, o Parecer nº. 540/77 fez a inclusão do ensino obrigatório da disciplina de

artes. Com esta reformulação de todo o contexto de ensino da arte, desde a exigência de

formação superior para os professores até a organização da disciplina como polivalente,

medidas que formalmente pareciam muito interessantes, na prática contribuíram para

desestruturar o sistema de ensino da arte. Assim, reiteramos, os cursos superiores

implementados às pressas, formavam professores de Educação Artística, habilitados a

lecionar distintas artes na licenciatura curta (2 anos), possibilitando a complementação

com mais 2 anos para a licenciatura plena.

Dessa forma, o ensino de educação artística, sem definições fixas, tornou-se para

os professores uma matéria a ser trabalhada com conteúdos de acordo com seus

conhecimentos, prevalecendo interesses políticos, sociais e culturais daquela época,

expressando-se apenas a repetições de técnicas e conteúdos.

Antes disso, educadores dos anos 60, preocupados com o rumo da educação

escolar, passam a discutir a respeito das reais contribuições da escola, buscando uma

melhoria das práticas sociais. Neste contexto, por exemplo, surge a Tendência Realista–

Progressista (1960 a 1970), dando origem a novas propostas pedagógicas para uma

educação conscientizadora, visando libertar as pessoas da opressão da ignorância e da

dominação política.

No Brasil, nas décadas de 60 e 70, ganha força a Tendência Tecnicista para

atender ao mundo tecnológico em expansão, assim, a educação passa a ter a

intencionalidade de preparar profissionais para atender as necessidades do mercado de

trabalho. Desta maneira, almeja preparar o indivíduo mais competente e produtivo com

o conhecimento do moderno e do técnico para suprir os interesses da sociedade

industrial. Portanto, não bastasse uma formação deficiente, a escassez de recursos

materiais para as aulas levou os professores de educação artística a lançarem mão

unicamente do livro didático como ferramenta, por vezes única, de sua ação pedagógica.

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Como agravante, a carga horária de trabalho inviabilizava uma melhor preparação para

um aprofundamento metodológico, já limitado a priori pela formação precária.

Outra tendência que esta pesquisa irá se deter, a Pedagogia Crítico-social dos

Conteúdos, surgiu do descontentamento dos professores atuantes no final da década de

70 com todo este estado de coisas. Esta crítica nasce em resposta à baixa qualidade do

ensino, pela retomada dos estudos teóricos críticos que difundiam a ideia da escola

como reprodutora das desigualdades sociais, como contraposição teórica aos conteúdos

tradicionais, por sua vez, submetidos aos discursos políticos.

CONTEXTO HISTÓRICO SOCIAL E POLÍTICO

A ditadura militar compreende os anos de 1964 a 1985, foi um período em que o

poder político, tinha a finalidade de manter a hegemonia perante a sociedade brasileira,

repreendendo ações indesejadas, principalmente ao que compete a livre expressão

política. Entre 1964 e 1974, houve um período crítico da ditadura, onde era proibida

qualquer forma de expressão ou manifestação de suas ideologias. Apesar do recorte, ao

qual este estudo dará ênfase, os vinte anos de ditadura no Brasil foram marcados por

severa repressão a quem se mostrasse contrário aos ditames militares.

O Golpe Civil-Militar de 1964, como ficou conhecido, apoiou-se no discurso de

que era necessária uma intervenção militar para restabelecer a ordem e colocar o país de

volta no suposto caminho certo, longe da ameaça comunista e rumo a um próspero

desenvolvimento econômico. Para tanto, a ditadura também se valeu de políticas

educacionais autoritárias que inviabilizavam práticas escolares que contemplassem a

livre expressão de pensamentos, que gerassem um aluno autônomo, ou que pudessem

repercutir numa formação mais crítica.

Todo esse enfoque político, de repressão a manifestações e à livre expressão,

retumbou na sociedade de forma geral. Na educação, essa repercussão teve objetivos

voltados à formação do sujeito para uma sociedade em que prevaleciam os interesses de

grupos políticos e econômicos hegemônicos. Utilizando-se desse pano de fundo, o

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governo estruturou e aprovou as reformas educacionais, como a Reforma Universitária

(4.024/68) e a Reforma do 1º e 2º graus (5.692/71).

[...] ao se revestir de legalidade [Lei 5.540/68 e do Decreto 464/69], possibilitou o completo aniquilamento, por parte do Estado de Segurança Nacional, do movimento social e político dos estudantes e de outros setores da sociedade civil. A ordem foi restabelecida mediante a centralização das decisões pelo Executivo, transformando a autonomia universitária em mera ficção, bem como pelo uso e abuso da repressão político-ideológica. A institucionalização das triagens ideológicas, a cassação de professores e alunos, a censura ao ensino, a subordinação direta dos reitores ao Presidente da República, as intervenções militares em instituições universitárias, o Decreto-lei 477/69 como extensão do AI-53 ao âmbito específico da educação e a criação de uma verdadeira polícia-política no interior das universidades, corporificada nas denominadas Assessorias de Segurança e Informações (ASI), atestam o avassalador controle exercido pelo Estado Militar sobre o ensino (GERMANO, 2011, p. 133).

Medidas essas que visavam conter a sobrevalorizada subversão e neutralizar os

movimentos estudantis, no momento em que a educação era entendida, pelos militares,

como importante arma de transmissão ideológica pautada na Segurança Nacional

redirecionando o sistema educacional, renovando e restaurando o controle pela lei.

Sendo assim, a educação em arte, na década de 70, mantinha o ensino de acordo

com a visão política militar, evitando assim medidas políticas extremas de repressão

contra professores que ousassem mostrar a real situação política do país aos seus alunos,

considerados pelo poder vigente como professores subversores.

Neste sentido, os professores que resistiram às pressões internas e externas

sofreram as consequências de suas atitudes, porém, poder ter contribuído para o

potencial criativo do educando, possibilitando-o pensar por si mesmo, construindo sua

identidade e sua visão de mundo.

O regime ditatorial foi um período marcante no cenário político brasileiro,

embora tenha produzido efeitos perniciosos ao país, gerou seu contrário, uma reação à

3Ato Institucional nº 5 (AI-5), foi instituído em dezembro de 1968, representando o completo fechamento do sistema político e o recrudescimento da ditadura. O AI-5 restringiu a cidadania, dotando o governo de prerrogativas legais que produziram a ampliação da repressão política e militar.

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estas políticas, levou setores da população à luta política, de busca pela liberdade ou

pela criação de um novo regime, elaborando variadas maneiras de burlar o sistema

repressor, instituído com o Golpe de 64.

Conforme Germano (2011, p. 19) “o controle militar sobre o Estado implica uma

determinada forma de dominação e, por conseguinte, de atuação prática em diversos

campos da vida econômica, social e político do país, na qual se situa a política

educacional”. Sendo que, a partir do Golpe, houve uma mudança drástica no cotidiano

das pessoas. A sociedade brasileira teve que aprender a conviver e de certa forma a

sobreviver de acordo com as novas regras estabelecidas, isto é, com a repressão e com a

censura, levando os formadores de opinião (aqui incluídos professores e artistas) a

policiar o conteúdo das palavras ditas a respeito do regime militar, inclusive sobre as

pessoas que estavam direta ou indiretamente a ele ligados.

Além disso, os meios de comunicação eram utilizados como vitrine do regime

para silenciar, ou mesmo para tentar intimidar todos os que tivessem interesse em reagir

contra o sistema vigente naquela ocasião, pois o terror, o medo, a tortura, o fim dos

partidos políticos, das associações, sindicatos e movimentos estudantis, faziam parte da

realidade do país nos chamados anos de chumbo.

Em qualquer ambiente, seja nas escolas ou em qualquer outro ambiente social,

foi criada uma resistência não declarada. Durante a presidência do General Médici, que

se intensificaram o combate aos focos de resistência ao regime, prendendo, torturando,

matando e exilando as pessoas tidas como subversivas. Conforme Napolitano (2008, p.

82), “o regime militar entrava na sua fase mais violenta, onde o novo presidente

priorizava ‘ganhar’ o apoio da classe média, por meio da política de estímulo ao

consumo, e destruir – fisicamente, se possível – os opositores”.

REPRESSÃO, CENSURA E AS LINGUAGENS VISUAIS

O conhecimento da linguagem visual, durante o Regime Militar, era restrito,

limitava-se a pequena, ou quase nenhuma, abordagem feita nas aulas de educação

artística, mas que tinha fundamental importância na formação educacional do sujeito,

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quando se reconhece que se vivia numa civilização contrária a toda e qualquer forma de

expressão.

Para tanto, em todas as formas de expressão artística do homem estão presentes

o conhecimento e a leitura dos elementos visuais, a organização e a ordenação do

pensamento, a significação, ou seja, a representação, o significado gerado pelo

interpretante na construção da imagem, a expressão da história pessoal e social do

sujeito. Para Dondis (1991), “muitos dos critérios para o entendimento do significado na

forma visual, o potencial sintático da estrutura no alfabetismo visual, decorrem da

investigação do processo da percepção humana”. Portanto, as linguagens visuais

resultam da “articulação entre o fazer, o conhecer, o exprimir e o criar” (BARBOSA,

2001).

Segundo Gramsci (1977), “somente através da percepção e da análise histórica,

pelo entendimento preciso das circunstâncias históricas nas quais as sociedades e os

homens se acham, torna-se clara a capacidade do homem de refazer seu ambiente e a si

próprio”. Portanto, é perceptível que o conhecimento acerca da história de seu povo é

fundamental para formação educacional. Este entendimento da realidade e a construção

de uma alternativa ao status quo era vista por Gramsci como plausível justamente pela

comunicação, informação, educação e pelas artes como o caminho para a construção da

contra-hegemonia. Aliás, se na escola as artes não produziam estes discursos e práticas

contra-hegemônicas, em outros espaços a arte se tornou o último bastião na luta contra a

ditadura, nas mais diversas expressões artísticas, como na canção, no teatro, na dança,

nas artes plásticas (incluindo aqui a produção chargística), entre outras.

Portanto, naquele período, a arte não foi valorizada pelo regime, o que foi um

atraso para o país, uma vez que, como afirma Luckesi (1994, p.70), esta educação de

qualidade poderia desenvolver “métodos de ensino como meio de privilegiar a aquisição

do saber e de um saber vinculado às realidades sociais, reconhecendo nos conteúdos o

auxílio para a compreensão o contexto atual”.

No período compreendido pela ditadura, o saber, o criar e o conhecer não faziam

parte do repertório de um contexto, onde, se privilegiava o capital, pois, conforme

Ribeiro (1992, p. 136), havia um impasse, uma vez que o regime buscava

“compatibilizar os modelos econômico e político: optando pela manutenção da

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orientação econômica e mudança na orientação política, ou optando pela manutenção da

orientação política e mudança na orientação econômica”. Para tanto, Ribeiro (1992, p.

138) afirma que, ”era preciso reforçar a função do Estado, tornando mais desenvolvido

economicamente, intervindo drasticamente na agricultura, transformando áreas

tradicionais em modernas, e reaproximar os interesses da burguesia nacional e dos

proletariados, pela elevação do nível tecnológico”.

Assim, a educação artística foi deixada de lado durante o Regime Militar, com

foco apenas na ascensão política e na busca por uma sociedade hegemônica4. As

políticas públicas destinadas ao quadro educacional da época, com as Leis 4024/56,

5540/68 e 5672/71, traz o fortalecimento do ensino técnico, nos âmbitos secundários e

universitários, com a justificativa de transformar a nação numa potência.

Na área educacional, durante o período, com sua pedagogia oficial, a liberal

tecnicista, considerava o homem um produto do meio e, consequentemente, resultado

das forças existentes em seu ambiente. Desse modo, o sistema educacional estava

interessado em criar uma sociedade industrial movida pelo chamado “milagre

econômico”5. A educação primava pela eficiência e produtividade, tendo como objetivo

preparar o aluno para um mundo regulado pelo mercado do trabalho.

Para o jovem com mentalidade crítica que vivia no início dos anos 1970 restavam três poções: a resistência democrática em pequenas ações no cotidiano; a clandestinidade da guerrilha ou o chamado desbunde e a busca de uma vida “fora” da sociedade estabelecida. A cultura e as artes direcionadas à juventude refletiam e configuravam as três opções. Havia também uma cultura mais voltada para o “lazer” da juventude que não pode ser desconsiderada, e que na época era tida como alienada pelos jovens mais críticos (NAPOLITANO, 2008, p. 84).

4 Para Gramsci (Apud GERMANO, 2011, P.20), hegemonia “é uma esfera da superestrutura, em que são formuladas e circulam a cultura, a ideologia, enfim, as relações de direção política e ideológica, de uma classe social com relação às outra, mas também como o ‘lugar’ em que todas as classes organizadas expressam a defesa de seus interesses”. 5 Milagre Econômico é resultado de um conjunto de medidas governamentais que elevaram o crescimento do Brasil durante o período da Ditadura Militar, mais precisamente durante os anos 1969 e 1973, no mandato do General Médici, sem, contudo, elevar as condições materiais das classes populares.

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No entanto, independente da escolha do jovem, tudo era censurado. Assim, a

Censura operou em distintas frentes: dos canais de informação à produção cultural, ou

seja, a editoração de livros, a produção cinematográfica e tudo que fosse referente à

televisão, tudo era acompanhado muito de perto pelos censores do governo. Com o

objetivo de passar à população a ideia de que o país se encontrava na mais perfeita

ordem, os jornais foram calados, obrigados a publicarem desde poesias até receitas no

lugar das verdadeiras atrocidades pelas quais o país passava.

Neste contexto, a leitura de imagens, a criação e fruição artísticas poderiam

contribuir na luta contra a ditadura, permitindo trazer a lume uma crítica ao poder

ditatorial. Contudo, a potencialidade do ensino de educação artística esteve longe de ser

alcançada no período. Afinal, não se privilegiou um ensino em que, por exemplo,

O modo visual constitui todo um corpo de dados que, como a linguagem, podem ser usados para compor e compreender mensagens em diversos níveis de utilidade, desde o puramente funcional até os mais elevados domínios da expressão artística. É um corpo de dados constituído de partes, um grupo de unidades determinadas por outras unidades, cujo significado, em conjunto, é uma função do significado das partes. (DONDIS, 1991, p. 04)

A livre expressão era combatida a força. A partir de 1964, com a ascensão dos

militares e de alguns setores civis ao poder, o país ficou marcado pelo autoritarismo,

pela supressão dos direitos constitucionais, pela perseguição, prisão e tortura dos seus

opositores e por uma censura aos meios de comunicação e de expressão. Assim,

restringindo o exercício da cidadania mediante a repressão, marcando

consideravelmente a educação da época e a formação do sujeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino da arte teve sua trajetória, um tanto quanto indefinida. Inicialmente,

como algo sem contornos precisos e sem objetivos específicos, e que passou a seguir as

ordens políticas da época. O governo militar preocupado em manter uma sociedade sob

controle tinha na educação um poderoso meio de transmissão ideológica.

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A valorização da pátria, a expressão de amor ao Brasil, fazia parte dos slogans

oficiais do governo, conforme afirma Napolitano (2008, p. 82), principalmente, em

1970 com a conquista do tricampeonato de futebol, na Copa do Mundo, realizada no

México, foi perfeita para a propaganda do governo “Pra frente Brasil”, “Eu te amo meu

Brasil”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

O período de 1964 a 1974, por sua vez, foi o mais violento da ditadura militar,

de repressão à expressão popular e de manifestação de pensamento que se opusessem às

ordens do governo. O caráter mais marcante na educação era tentar dar a formação

educacional um cunho profissionalizante. Para tanto, esperava-se por uma evolução

econômica do país, onde o governo colocou em prática um projeto econômico

conservador, que, incialmente, resultou num período de industrialização e crescimento

econômico acelerado, mas sem benefícios para a classe trabalhadora. Neste contexto, a

educação e mais especificamente o ensino de artes ficaram reféns desta política macro.

Cabe agora perguntar, se no cotidiano escolar a disciplina de educação artística e a

atuação de seus professores reproduziram o que se preconizou pelo poder ditatorial. Por

sua vez, nossa pesquisa buscará justamente examinar as práticas docentes do período no

que tange o ensino de artes, almejando igualmente escrutinar seus resultados na

formação dos alunos.

REFERÊNCIAS

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