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ENSINANDO GEOGRAFIA A PARTIR DO LOCAL: RELATO DE EXPERIÊNCIAS
DE ENSINO - APRENDIZAGEM VIVENCIADAS EM TURMAS DE SÉTIMAS
SÉRIES – LONDRINA (Pr).1
Maria Oneide Miatto Pedra2
Resumo
O ensino de Geografia deve estar voltado ao desenvolvimento da capacidade de ver
a realidade a partir de sua espacialidade, isto porque a prática da cidadania exige
que se tenha consciência espacial. Nesse contexto, é necessário que o sujeito
entenda que ele é parte integrante da realidade e que, por meio de sua ação,
influencia e é influenciado. Diante do exposto e a partir da realização de trabalhos
em sala de aula, com alunos de 7ª série, e a partir do conhecimento geográfico em
escala local buscou-se propiciar momentos que permitissem a elaboração e a
compreensão de conceitos geográficos, bem como salientar a importância da
educação geográfica para a construção da cidadania. Tendo como subsídio a
geografia local, foi confeccionado um material didático / pedagógico contendo textos,
imagens e outras linguagens, além de exercícios diversos que auxiliou o trabalho do
professor (a autora do presente artigo) com os significados das paisagens locais e
sua relação com os fenômenos geográficos das escalas regional, nacional e mundial
a fim de que os alunos pudessem produzir conhecimentos geográficos
imprescindíveis à sua atuação como cidadãos. Os resultados alcançados dão conta
de que a prática pedagógica deve estar atrelada ao ambiente cultural escolar de
aprender a observar e de aprender com o ambiente em que está inserido,
incorporando os recursos culturais que os alunos trazem para a escola.
Palavras-chave: Ensino de Geografia; Programa de Desenvolvimento Educacional
(PDE); Material Didático; Londrina.
1 Artigo orientado e revisado pela profa. Dra. Deise Fabiana Ely do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Londrina. 2 Professora PDE da Rede Pública de Ensino do Estado do Paraná - [email protected]
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ABSTRACT
The teaching of Geography must focus on the development of the ability to realize
the reality from its space, because the practice of citizenship requires that the
individual is aware of space. It's necessary to understand that he's part of the reality
and according to his action he influences and is influenced. After that, we gave the
7th grade students, opportunities to elaborate and understand geographic concepts,
as well as to emphasize the importance of the geographical education for the
construction of the citizenship, through exercises in the classroom and using local
geographical knowledge. Taking into consideration the local geography, it was made
a didactic/pedagogical material, containing texts, images and other resources,
besides several exercises that helped the work of the teacher(the author of this
article) with the meanings of local landscapes and their relationship to the
geographical phenomena of local, national and world scales, so that students could
produce essential geographical knowledge to their role as citizens. The achieved
results showed that the pedagogical practice must be tied to the cultural and
educational environment to which they belong to, incorporating cultural resources
that students bring to school.
Keywords: Teaching of Geography; Development of Educational Program (PDE);
Didactic/Pedagogical Material; Londrina.
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Introdução
O presente trabalho, desenvolvido na área do ensino de Geografia,
atende uma exigência do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), política
pública que promove e estabelece um diálogo entre os professores da Educação
Superior e os da Educação Básica do estado do Paraná através de atividades
teórico-práticas orientadas, tendo como resultado a produção de conhecimento e
mudanças qualitativas na prática escolar.
O PDE foi criado a partir da necessidade de estabelecer melhorias na
educação básica pública do estado do Paraná por meio da formação continuada de
seus profissionais, bem como da construção de um novo plano de carreira do
magistério conforme a Lei Complementar n. 103, de 15 de março de 2004. Esse
programa compreende um conjunto de atividades organicamente articuladas,
buscando uma interação entre os profissionais da educação do nível básico e do
nível superior e proporcionando a ampliação dos suportes intelectuais de ambos.
Para os professores da rede básica da educação, o PDE prevê
avanços na carreira e tempo de dedicação para seus estudos, pois durante o
primeiro ano de sua participação no programa o professor é totalmente dispensado
de suas atividades didáticas e no segundo ano é dispensado de 25% das mesmas.
Os momentos de estudos para a formação continuada, as trocas de experiências
entre os docentes facilitam a difícil tarefa de (re)significar a construção do
conhecimento necessário e urgente para o processo de ensino e aprendizagem.
Para a Secretaria de Estado da Educação (SEED) (2007, p.08), “a
parceria com as Instituições Públicas de Ensino do Paraná decorre da percepção de
que a essência do programa encontra ressonância na reflexão pedagógica crítica
nelas produzida”. Essa interação entre os professores da rede estadual de ensino
público com as Instituições de Ensino Superior (IES) é muito promissora, pois
permite uma maior troca de experiências entre os respectivos profissionais.
O PDE é um grande avanço no que diz respeito à busca pela
qualidade educacional, proporcionando aos professores do ensino básico a
participação em cursos de formação com vistas à ampliação de seus currículos,
dando ênfase a temas da ciência geográfica, tais como: a educação ambiental; o
direito ambiental; a biodiversidade existente nos biomas, com um destaque especial
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para as florestas tropicais e equatoriais; o desenvolvimento sustentável; a agenda
21; dentre outros.
A formação continuada do professor de Geografia permite que ele
compreenda a necessidade de transformação da própria prática pedagógica, pois o
ensino de geografia requer que o professor pense em termos de “contribuir para
desenvolver as potencialidades” do aluno e propiciar que o aluno se torne co-autor
do saber (com estudos participativos do meio, debates freqüentes, textos e conteúdo
adequados à realidade social e existencial dos alunos). Enfim, não se trata de
ensinar fatos, mas de levantar questões.
Uma das atividades previstas no PDE é a elaboração de um material
didático que possa atender às exigências de uma prática comprometida com a
aprendizagem significativa mais próxima do aluno. Entende-se que muitos materiais
didáticos, por vezes, tornam-se inadequados por não contemplarem informações
necessárias à aprendizagem de determinadas regiões, em detrimento de
informações mais gerais.
Dessa forma, a elaboração de um material didático que venha a
contribuir para a essa problematização é, de fato, bem vinda. Entende-se que a
educação é específica em cada ambiente, o que impossibilita a utilização exclusiva
de métodos e materiais determinados previamente. O professor crítico e consciente
entende que o livro didático não é um manual, uma fórmula, mas sim um elemento
de apoio. Sendo assim, informações que são necessárias para o alcance de
objetivos que o professor pretende alcançar possam não estar nele incluídas, o que
requer uma complementação.
Para Cavalcante (1998, p.135), “o ensino de geografia tem a função
de lidar com a espacialidade e com o conhecimento geográfico de cada um para
provocar neles (sic) alterações no sentido de uma ampliação”. Para o
desenvolvimento da prática de ensino no processo de produção e reprodução do
conhecimento geográfico faz-se necessário à utilização de recursos que auxiliem
esta prática.
Segundo Furlan (2002, p.1), os recursos produzidos para o
desenvolvimento de um material didático podem ser elaborados por um profissional
ligado diretamente ou indiretamente ao ensino da geografia “com o objetivo de
promover a ampliação do conhecimento dos alunos a respeito de temas cuja
relevância é de inquestionável valor para a sociedade atual, os materiais didáticos
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são fundamentais no trabalho do professor”.
Nesse processo, é preciso compreender que o produtor dos recursos
didáticos, quando inserido no processo, fazendo o papel de agente produtor e, ao
mesmo tempo, como o usuário do material, possui maior percepção das
necessidades dos alunos e dos professores, já que “o trabalho do professor de
geografia precisa ser ancorado por uma ampla variedade de materiais que
possibilitem planejar boas situações didáticas, buscando a articulação de
conteúdos”. (FURLAN, 2002, p.2)
Partindo deste pressuposto, a produção de um material didático
elaborado por educadores inseridos na prática cotidiana do ensino torna-se
imprescindível. Entende-se que nesse processo, o professor se faz presente na
produção e, ao mesmo tempo, na aplicação desses materiais, pois “os materiais
escolhidos pelos professores para seu trabalho didático podem também dar ênfase
aos temas que possibilitem a criação de projetos que envolvam mudanças de
atitudes e discussão dos valores dos próprios alunos”. (FURLAN, 2002 p.2)
De acordo com Katuta (2004) o objetivo pedagógico do ensino de
Geografia é o entendimento dos arranjos espaciais por meio da dialética entre os
conhecimentos geográficos não formais e os científicos.
Assim, o fundamento para a elaboração do referido material didático
é o entendimento de que a construção de conceitos e conhecimentos científicos em
geografia deva partir dos conhecimentos geográficos cotidianos ou aqueles
próximos da realidade vivenciada pelos educandos para, em um movimento
posterior, ampliar as escalas de análise dos objetos ou fenômenos. É dessa maneira
que entendemos que os alunos poderão compreender os arranjos espaciais atuais
e, assim, interferir em sua organização.
Para a elaboração do material didático, no decorrer das atividades do
PDE, foram utilizados diversos instrumentos (gráficos, mapas, textos, tabelas,
imagens, entre outros materiais) que apresentavam informações básicas com
relação à escala do município que, posteriormente, foram socializados no trabalho
de sala de aula de forma a facilitar a compreensão das espaço-temporalidades
vivenciadas pelos alunos.
É imprescindível, para o trabalho com o material didático proposto,
ter conhecimento dos diferentes arranjos espaciais locais que vão desde os
aspectos naturais até as características sócio-culturais do município e, a partir dessa
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análise escalar, pode-se chegar, quando for o caso, à escala global. A análise em
múltiplas escalas, juntamente com as informações e conceitos que garantem a
compreensão científica dos arranjos espaciais por parte do estudante, pode auxiliá-
lo na construção de um entendimento sistematizado da realidade e que o permita
efetivamente nela intervir.
O projeto da elaboração de um material didático a partir da escala
local (município) surgiu da demanda por recursos que auxiliassem o professor de
geografia em seu trabalho de sala de aula, pois é constata uma ausência de
materiais didáticos pedagógicos que, minimamente, dialoguem com os livros
didáticos de geografia. Essa é, infelizmente, uma realidade muito comum nas
escolas públicas paranaenses.
Para a elaboração do material didático também foi necessário
considerar a dificuldade que os alunos têm de entender o significado ou importância
do estudo da geografia para as suas vidas. Dessa forma, buscou-se criar condições
para que eles realizassem a leitura das paisagens locais e sua relação com os
acontecimentos da escala mundial, já que vivemos em uma sociedade globalizada.
Entende-se que os arranjos espaciais por eles vivenciados podem ter
diferentes significados. É importante salientar que o aluno vivencia arranjos
espaciais próximos e distantes, metricamente falando e que ele pode, por meio de
recursos visuais, de áudio e mesmo de áudios-visuais ter contato com as mais
diferentes paisagens; expressão visível dos arranjos espaciais.
Sabendo que para obter êxito no processo de ensino e aprendizagem
de conteúdos geográficos há a necessidade de elaboração de materiais didáticos
que abordem a realidade local, ou seja, sobre o território ou o espaço de vivência
dos educandos, foi desenvolvida a experiência ora relatada.
Parte-se do pressuposto de que é muito difícil, para o professor de
geografia, confeccionar e elaborar este tipo de recurso didático em função das
péssimas condições materiais de trabalho enfrentadas por ele. Dessa maneira,
entende-se que este material constitui um poderoso aliado do livro didático, recurso
didático cujo acesso, sobretudo no ensino público fundamental, tem sido facilitado
pelo Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD).
A partir dos elementos da geografia local, o material didático que
subsidia a experiência relatada foi confeccionado com imagens e outras linguagens,
a fim de trabalhar com os significados das paisagens locais para relacionar com os
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fenômenos que acontecem em escala regional, nacional e mundial e para que os
alunos tivessem condições de produzir conhecimentos geográficos imprescindíveis à
sua atuação na realidade.
A aplicação do material didático se deu em turmas de sétimas séries
do Ensino Fundamental do Colégio Estadual Barão do Rio Branco — Ensino
Fundamental e Médio, localizado na cidade de Londrina (Pr) à Rua Silvio Pegoraro,
nº 20. Esse colégio possui instalações amplas e atende alunos oriundos da zona sul
e centro da cidade e é mantido pelo Governo do Estado do Paraná, administrado
pela Secretaria de Estado da Educação nos termos da legislação em vigor.
Conforme o Projeto Político dessa escola, o trabalho de educação ali
desenvolvido está embasado nos princípios do aprender a conhecer, no aprender a
fazer e no aprender a ser. E, nesse processo, o papel dos professores é
fundamental, pois cabe a eles apresentar os conteúdos e atividades de
aprendizagem, levando seus alunos à motivação para o trabalho escolar e para o
desenvolvimento de suas competências.
As turmas escolhidas para a aplicação do material didático
desenvolvido correspondem às 7ªs séries do Ensino Fundamental, do referido
colégio, totalizando 160 alunos advindos tanto da região central da cidade quanto da
periferia, de classe média e média baixa.
Trata-se de turmas compostas por adolescentes que já possuem uma
boa capacidade crítica, mas com dificuldades de compreensão e formulação de
conceitos mais abstratos. Tais alunos estão, cada vez mais, em contato com as
mídias, tendo acesso às informações rapidamente por meio da Internet, atribulados
de atividades, demonstrando pouco interesse nos conteúdos geográficos
apresentados em sala de aula. Nesse sentido, a prática pedagógica é desafiadora,
pois é preciso competir com os estímulos que o aluno possui fora da escola, como
jogos eletrônicos, filmes muito mais acessíveis, TVs digitais, entre outros.
Revisão teórica: a contribuição de Vygotsky para uma aprendizagem
significativa
Dentre as muitas discussões teóricas sobre o processo de ensino e
aprendizagem, destaca-se a atenção que tem sido dada ao ambiente cultural escolar
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de aprender a observar e de aprender a partir do local que possibilita a incorporação
dos recursos culturais que os alunos trazem para a escola. Tal consideração parte
do pressuposto de que o conhecimento escolar emerge do contato entre
conhecimento espontâneo e científico. Nesse artigo buscou-se discutir sobre os
recursos culturais dos alunos como ponto de partida para a aprendizagem da
Geografia, partindo da experiência de uma prática educativa diferenciada com
quatro turmas de 7ªs séries do Ensino Fundamental, do Colégio Estadual Barão do
Rio Branco, localizado no município de Londrina (Pr).
Segundo Vygotsky (2000) é pelo uso dos conceitos do dia-a-dia que
as crianças atribuem sentidos às definições e explicações dos conceitos científicos.
A mediação para a aquisição dos conhecimentos científicos é possibilitada, portanto,
por meio dos conceitos cotidianos. Dessa forma, muitos conceitos fundamentais
para a assimilação de informações mais complexas são possibilitados a partir das
informações que os alunos trazem de sua vida cotidiana e a experiência aqui
relatada procurou suprir uma lacuna existente nas metodologias tradicionais de
ensino que, nem sempre, permitem essa mediação.
Pode-se inferir que o conhecimento escolar é resultado do
movimento de interação entre o conhecimento científico, historicamente construído e
o conhecimento espontâneo, marcado pela experiência pessoal e pelas experiências
cotidianas.
Entretanto, percebe-se que, durante a escolarização são poucas as
oportunidades em que os alunos expressam suas experiências cotidianas de forma
a articulá-las com os conhecimentos científicos. Fato que decorre de uma série de
fatores que fazem com que o ensino e a aprendizagem sejam, em certas instâncias,
deficitários. Atualmente, nas escolas paranaenses, esse processo está carregado de
uma quantidade enorme de conteúdos e materiais que fogem à realidade dos
alunos; os professores estão com carga elevada de trabalho, devido à baixa
remuneração; muitos alunos estão desmotivados com suas perspectivas para o
futuro; o que nos leva a constatar a existência de uma defasagem de aprendizagem
e a demanda, por parte dos professores, de um subsídio intelectual que possibilite o
estabelecimento da referida mediação de conteúdos.
É preciso considerar que os conhecimentos científicos não são
adquiridos imediatamente após a discussão sobre determinado conceito em sala de
aula. Esse é apenas o início do processo de apropriação do conhecimento pelos
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alunos e sistematizado pelo professor. Destaca-se a necessidade da mediação feita
pelo professor nesse processo, pois ele norteia as discussões e as complementa
com informações que faltam aos alunos que, geralmente, têm uma pré-disposição
para conversar e debater, cabendo, como já foi ressaltado, ao professor canalizar
essa vivacidade às questões educativas, problematizando-as, instigando a
curiosidade e a capacidade de observação e crítica.
Para Vygotsky (2000), o processo exposto passa, necessariamente,
pela articulação entre conhecimentos científicos e espontâneos ou sistematizados e
cotidianos.
A criança, ao operar com conceitos espontâneos, não tem
consciência deles, pois a sua atenção está sempre centrada no objeto ao qual o
conceito se refere e nunca ao próprio pensamento. Sendo assim, é comum que a
criança encontre dificuldades em solucionar problemas que envolvam situações da
vida cotidiana, porque não tem consciência de seus conceitos e, portanto, não pode
operar com eles à vontade. (VYGOTSKY, 2000)
Existem inúmeras situações cotidianas em que os conceitos
geográficos estão presentes e que podem ser retomados em sala de aula a partir de
exemplos de fatos corriqueiros. No que se refere ao clima, por exemplo, é fácil pedir
que os alunos observem no trajeto da escola, nas manhãs de inverno, se há algum
lugar por onde passam que sentem mais frio. E, a partir dos relatos, levar o aluno a
compreender que o clima é influenciado pelo relevo e que as áreas mais altas são
mais frias do que as baixadas, dependendo da hora do dia.
Sabe-se que há muitas formas de apresentar um mesmo conceito ou
conteúdo, fato que não se deve perder de vista para abranger a todos os níveis de
conhecimento dos alunos. Ressalta-se que essa diversidade intelectual é salutar
para o processo ensino / aprendizagem, pois é a partir dela que os alunos são
levados a enfrentar desafios, uns em relação aos outros e no interior de todas as
suas relações sociais.
Vygotsky (2002, p.76) explica que:
Embora os conceitos científicos e espontâneos se desenvolvam em direções inversas, os dois processos estão estreitamente relacionados. Por exemplo, (...) os seus conceitos geográficos e sociológicos crescerão necessariamente sobre o terreno do esquema simples “cá e lá”. Ao forçarem lentamente o seu caminho ascendente, os conceitos cotidianos abrem caminho para os conceitos científicos e o seu desenvolvimento descendente. Cria uma série de estruturas necessárias para a evolução dos aspectos mais primitivos e elementares de um conceito, que lhe dão corpo e
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vitalidade. Os conceitos científicos, por sua vez, fornecem estruturas para o desenvolvimento ascendente dos conceitos espontâneos da criança rumo à consciência e à utilização deliberada. Os conceitos científicos desenvolvem-se para baixo, através dos conceitos espontâneos; os conceitos espontâneos desenvolvem-se para cima, através dos conceitos científicos.
Para o autor, elevar no domínio dos conceitos científicos também
eleva o nível dos conceitos cotidianos espontâneos. Uma vez atingidos a
consciência e o controle em determinado tipo de conceitos, todos os conceitos
previamente formados são reconstruídos em conformidade com essa consciência e
esse controle.
Dentro deste contexto, a Zona de Desenvolvimento Proximal surge
como importante estratégia docente para mapear os conhecimentos oriundos da
cultura local, na qual os alunos estão inseridos, bem como os conhecimentos
científicos referentes à determinada temática. Dessa forma, a referida estratégia
poderá ser realizada para subsidiar o planejamento de atividades que promovam a
articulação entre estas formas de conhecimento.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal é um dos princípios
básicos da teoria de Vygotsky e representa a diferença entre a capacidade da
criança de resolver problemas por si própria e a capacidade de resolvê-los com a
ajuda de alguém. Em outras palavras, tem-se uma "zona de desenvolvimento auto-
suficiente" que abrange todas as funções e atividades que a criança consegue
desempenhar por seus próprios meios, sem ajuda externa. A zona de
desenvolvimento próximo, por sua vez, abrange todas as funções e atividades em
que a criança ou o aluno consegue desempenhar apenas se houver ajuda de
alguém. Essa pessoa que orienta a criança pode ser tanto um adulto (pais,
professor, responsável, instrutor de língua estrangeira) quanto um colega que já
tenha desenvolvido a habilidade requerida.
A idéia de zona de desenvolvimento próximo é de grande relevância
em todas as áreas educacionais. Uma implicação importante dessa discussão
conceitual é aquela que enfoca o aprendizado humano como sendo de natureza
social, ou seja, é um processo em que a criança desenvolve seu intelecto dentro da
intelectualidade daqueles que a cercam. (VYGOTSKY, 1991)
Segundo Vygotsky (1991), uma característica essencial do
aprendizado é que ele desperta vários processos internos de desenvolvimento, os
quais funcionam apenas quando a criança interage em seu ambiente de convívio.
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Para que as atividades desenvolvidas em sala de aula ascendam à
zona de desenvolvimento proximal faz-se necessário que estejam inseridas no
cotidiano da criança, integradas às condições gerais de aprendizagem. Nesse
sentido destacamos a importância da mediação desempenhada pelo professor.
O conceito de mediação semiótica é o elo epistemológico dos
estudos de Vygotsky (1896-1934), na medida em que este conceito-chave articula
os demais conceitos (internalização, objetivação, desenvolvimento proximal,
pensamento e linguagem, etc.) conferindo-lhes unidade e coerência teórica.
A idéia de mediação em Vygotsky está fundamentada na teoria
marxista da produção segundo a qual o desenvolvimento humano é o resultado da
atividade do trabalho.
A partir da constatação de que os instrumentos ou ferramentas são
mediadores, orientados externamente para regular a ação do homem frente à
natureza, Vygotsky estende o conceito de mediação para os signos (como por
exemplo, as palavras), que passam a ser considerados instrumentos psicológicos ou
mediadores internos para a interação entre o psiquismo das pessoas. Mediação
semiótica significa, assim, a intervenção de signos na relação do homem com o
psiquismo dos outros homens.
As formas superiores de relação do homem com o ambiente através
do pensamento, da linguagem, das relações lógicas implicam na intervenção de um
terceiro elemento, ou seja, dos signos. A significação pressupõe a criação e o uso
de signos através dos quais se constroem novas conexões cerebrais. Assim, a partir
dos processos mentais elementares que constituem uma base, opera-se o
desenvolvimento mental superior através da mediação semiótica. (VYGOTSKY,
1991)
O desenvolvimento do comportamento infantil nasce, assim, do
entrelaçamento de duas dimensões qualitativamente diferentes em sua origem:
processos psicológicos elementares, de origem biológica, genética e maturacional e
processos psicológicos superiores, de origem sociocultural que são mediados por
signos. Mas, ao longo do desenvolvimento da criança, as atividades mediadas
passam a predominar se comparadas com a quantidade de atividades provenientes
do capital genético, do maturacional e dos reflexos.
O sistema de signos formados pela linguagem, pelos gestos, pela
escrita, pelo desenho, pelos diagramas, mapas e outros, da mesma maneira que os
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instrumentos e ferramentas, criados pelos grupos sociais guardam, cristalizados em
si, as conquistas do desenvolvimento das sociedades. Enquanto no
desenvolvimento filogenético dos homínideos as conquistas se consolidam na
organização biológica através do código genético, no homem (após a constituição do
homo sapiens) as conquistas se consolidam na cultura material dos instrumentos e
na cultura dos signos: daí a necessidade da interação e da comunicação
mediacional entre as gerações e entre as pessoas, para haver transmissão do
acervo do patrimônio cultural da sociedade. (KATUTA, 2004)
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões humanas não são simplesmente dadas ao homem nos fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes resultados, para fazer deles suas aptidões, - os órgãos de sua individualidade -, a criança, o ser humano, deve entrar em relação com os fenômenos do mundo circundante através doutros homens, isto é, num processo de comunicação entre eles. Assim a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função este processo é, portanto, um processo de educação. (LEONTIEV, 1978, p. 272)
O processo de educação ocorre, de acordo com os autores citados,
através da mediação semiótica que, por sua vez, atua na construção de processos
mentais superiores. Essa construção é prolongada e complexa em decorrência de
uma série de transformações qualitativas em que um estágio é precondição para um
estágio posterior e este uma ampliação ou uma inovação de um estágio
antecedente; estas transformações, ligadas entre si, por processos evolutivos e
dialéticos, são sócio-históricas, pois são o resultado da apropriação das produções
culturais de uma sociedade através das relações com os membros desta. (KATUTA,
2004)
Assim, por meio da mediação de instrumentos ou ferramentas
materiais e, também, da mediação dos signos (assentada nos processos
elementares tipo estímulo-resposta), o homem atua no mundo físico e social
conhecendo-o, modificando-o, interagindo, aprendendo, comunicando aos outros as
suas experiências e construindo a sua própria. (KATUTA, 2004)
Em especial, na área de Geografia, estas mediações podem propiciar
ao aluno a aprendizagem dos conteúdos geográficos de uma forma bastante
significativa, pois sua ação no meio em que está inserido torna-se muito mais
consciente. Muitas mudanças são percebidas, tais como preocupação com o meio
ambiente, ocupações irregulares, urbanização, saneamento etc.
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O processo de elaboração do material didático
Partindo dos pressupostos teóricos apresentados, foi desenvolvido
um material didático contendo informações sobre a realidade geográfica do
município de Londrina (Pr) (escala geográfica local), uma vez que tais informações
locais não são apresentadas nos livros didáticos. O material didático produzido tem
o intuito de fornecer dados suficientes e necessários que permitam aos alunos
entender os arranjos espaciais vivenciados por eles, partindo do singular (local).
Entende-se que o trabalho pedagógico, a partir do referido material,
possibilitará a construção de conceitos geográficos significativos, pois enquanto há
uma profusão de conhecimentos geográficos em escala global e regional nos
conteúdos dos livros didáticos, praticamente inexistem referências e dados na
escala do cotidiano que permitam aos alunos reconhecerem-se no espaço que
habitam.
Compreende-se que a utilização do referido material didático será de
grande importância, pois os dados e análises sistematizadas sobre a escala local
fornecerão referências geográficas aos alunos que lhes permitirão o seu
reconhecimento no espaço, apreendendo as contradições da realidade e, assim,
situando-se como cidadãos capazes de interferir no seu cotidiano.
A educação geográfica proposta nas Diretrizes Curriculares da Rede
Pública de Educação Básica do Estado do Paraná (2006) prevê a formação de um
aluno consciente das relações sócio-espaciais de seu tempo, tendo como objeto de
estudo o espaço geográfico, entendido como o espaço produzido e apropriado pela
sociedade, composto por objetos e ações inter-relacionados. Para tanto, faz-se
necessário um professor interessado em se desenvolver, intelectual e
profissionalmente, em refletir sobre sua prática para tornar-se um educador
geográfico e um pesquisador em contínua formação que propicie ao aluno encarar a
escola como um espaço de pesquisa, de construção e reconstrução do
conhecimento e da realidade.
Diante do exposto, volta-se a enfatizar a importância da
disponibilidade de um material rico em informações condizentes com os objetivos
expostos anteriormente e que proporcione aos professores os dados e análises
sistematizadas sobre a escala local, inexistente nos livros didáticos que, geralmente,
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abordam apenas as escalas regionais e globais.
O material didático que foi aplicado nas atividades da disciplina de
geografia, com as turmas de 7ªs séries do Ensino Fundamental do Colégio Estadual
Barão do Rio Branco, localizado no município de Londrina (Pr), foi confeccionado a
partir de três temas: Limites, Arranjos Territoriais e Dinâmica Populacional. Para tal,
buscaram-se dados mais atualizados do município e da região norte do Paraná em
páginas da Internet relativas a institutos, jornais e artigos acadêmicos.
No primeiro tema estão inseridos os conceitos de limites, fronteiras,
extensões do município de Londrina (Pr) e de sua caracterização física (clima, solo,
relevo, hidrografia e vegetação) correlacionados com as suas diferentes escalas de
interação geográfica.
O tema Arranjos Territoriais leva em consideração a estrutura
fundiária, as relações de trabalho no campo, a relação campo-cidade, o uso do solo
urbano e a estrutura urbana do município de Londrina (Pr). Esses conteúdos
favorecem o desenvolvimento da observação detalhada, do estabelecimento de
relações que permitem ao aluno compreender o que acontece no seu município
para, a partir daí, transcender a escala das particularidades para aquela das
generalidades.
O tema Dinâmica Populacional teve como objetivo propiciar a
compreensão dos alunos sobre os arranjos territoriais do município de Londrina (Pr)
por meio da avaliação das características do povoamento, das migrações, da
estrutura populacional e do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), lembrando
que o material didático ainda permite relacionar esses conteúdos em suas diversas
escalas e possibilita a compreensão de como as expressões espaciais se articulam
com os arranjos espaciais do passado e do presente no referido município.
Entende-se que na relação cognitiva de crianças, jovens e adultos
com o mundo, o raciocínio espacial é necessário, pois as práticas sociais cotidianas
têm uma dimensão espacial, o que confere importância ao ensino de geografia na
escola; os alunos que estudam essa disciplina já possuem conhecimentos
geográficos oriundos de sua relação direta e cotidiana com o espaço vivido; o
desenvolvimento de um raciocínio espacial conceitual pelos alunos depende,
embora não exclusivamente, de uma relação intersubjetiva no contexto escolar e de
uma mediação semiótica, discutida anteriormente.
Mas, o desafio ou a preocupação de nossa prática pedagógica é
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fazer da geografia uma disciplina que interesse aos alunos por meio da ênfase na
demonstração de como tais conteúdos estão presentes na vida cotidiana e, não
apenas trabalhar com dados e informações que pareçam distantes da realidade,
permitindo a compreensão de que o espaço é construído pela sociedade como
resultado da interligação entre o espaço natural, com todas as suas regras e leis,
com o espaço transformado constantemente pelo homem.
A escola, ao difundir conhecimentos, cumpre um papel
importantíssimo – formar cidadãos –, embora muitas vezes ela sirva como
instrumento de reprodução social. E à geografia ensinada nas escolas cabe um
papel singular, pois é através dela que o professor desenvolve, junto aos alunos, a
visão de totalidade da sociedade e do mundo.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs (BRASIL,
1997), a geografia deve promover um ensino que possibilite o desenvolvimento de
alunos com uma postura crítica diante da realidade, comprometida com o homem e
a sociedade; não como homem abstrato, mas como homem concreto, com a
sociedade tal qual ela se apresenta, dividida em classes com conflitos e
contradições que podem ser transformadas.
Quando consciente de toda a complexa trama global, o professor de
geografia deixa de ser um agente de reprodução e se transforma em um agente de
transformação social, debatendo com os alunos a forma como os modelos
econômicos em curso impactam o espaço geográfico.
O aluno que compreende as conseqüências da degradação
ambiental causada pelo consumo desenfreado dos recursos naturais, da ocupação
desordenada do espaço pelo homem e pelo despejo dos dejetos oriundos da vida
urbana pode mudar consideravelmente hábitos como o desperdício de água, passar
a dar destino correto ao lixo e materiais recicláveis, dentre outras ações que podem
vir a ser desenvolvidas.
O ensino de geografia deve estar voltado ao desenvolvimento da
capacidade de ver a realidade a partir de sua espacialidade, isto porque a prática da
cidadania exige que se tenha consciência espacial. O sujeito precisa entender que
ele é parte integrante do ambiente e que, por sua ação, influencia e é influenciado.
Segundo os PCNs (BRASIL,1997), a geografia tem ainda outro papel no ensino,
alfabetizar o aluno na leitura do espaço geográfico, em suas diversas escalas e
configurações.
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É importante ressaltar que, ao trabalhar a geografia, é necessário
explorar as diversas linguagens como: mapas, fotografias, ilustrações, vídeos que
melhoram a compreensão do espaço geográfico pois, conforme Katuta (2004, p.2),
“apesar da riqueza da linguagem escrita, existem aspectos da geograficidade dos
entes que somente podem ser capturados e apresentados por imagens”. Assim, é
de grande importância a utilização de várias linguagens na produção de materiais
didáticos.
Sendo a geografia uma ciência que estuda o espaço terrestre, sua
dinâmica e organização, assim como suas transformações, para uma melhor
compreensão de toda a sua lógica é necessário entendermos quais são os
fundamentos da natureza das ações humanas, econômicas e políticas em curso no
mundo atual que, direta ou indiretamente, provocam alterações neste espaço.
Para que isso ocorra e, também, para que o ensino de geografia
cumpra seus objetivos, faz-se necessário selecionar e organizar os conteúdos, que
devem ser significativos e socialmente relevantes.
Aplicação do material didático: relato de experiências de ensino -
aprendizagem vivenciadas em turmas de sétimas séries – Londrina (Pr).
Por meio da aplicação dos conhecimentos contidos no material
didático “Geografia em escala local: um estudo de caso do município de Londrina
(Pr)”, junto às turmas de 7ª séries, foi possível perceber, não apenas a construção
de conceitos por parte dos alunos, mas também a importância da educação para a
construção da cidadania, tendo em vista a maior participação nas aulas e os relatos
por eles proferidos.
Diferentemente das aulas tradicionais, nas quais o professor
“despeja” informações e depois as cobra na forma de trabalhos e provas, o trabalho
aqui relatado foi iniciado com a problematização, instigando os alunos a questionar,
a aflorar sua curiosidade e a expor o conhecimento que já possuem sobre o assunto.
A partir do material didático “Geografia em escala local: um estudo
de caso do município de Londrina (Pr)”, foram trabalhados diversos conceitos, tais
como: nação, limite e fronteira, território, desterritorialização e Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) – (renda per capita, expectativa de vida). Essas são
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informações específicas do município de Londrina (Pr) que não constam nos livros
didáticos convencionais.
No que se refere ao tema dos limites foi percebido que a etiologia da
palavra é complexa e que tal conceito não cabe apenas para demarcar um local,
pois os alunos relataram, a partir de suas experiências, que existem limites que são
definidos por diferentes grupos, pela família, pela comunidade e aqueles que
definem os territórios como cidades, estados, países, entre outros.
O material didático “Geografia em escala local: um estudo de caso
do município de Londrina (Pr)” trouxe informações específicas sobre um território
que os alunos já conhecem, ou seja, seu município e as cidades vizinhas.
O processo de instigação efetivado tirou o aluno de sua rotineira
acomodação. Os alunos estavam esperando que o professor lhes trouxesse
informações que estavam estabelecidas no programa de ensino; no entanto a
situação proposta permitiu momentos de discussões, dando-lhes voz, fazendo-os
pensar e expor suas vivências e suas dúvidas. Nesse momento foi percebido que os
alunos possuem uma enorme dificuldade de estruturar seus pensamentos e seus
questionamentos. Poucos foram os que demonstraram ter o hábito de interferir nas
explicações para questionar aquilo que não compreenderam.
Desse modo, foi preciso partir dos mais simples relatos de
experiências do cotidiano dos alunos, dos seus relacionamentos e interações com
as pessoas da sua família; sempre por meio de questionamentos para possibilitar
situações que permitissem a transposição do conceito de limites de suas relações
sociais para o conceito geográfico de limites.
A aula neste dia foi um recomeço, um “quebrar o gelo”, numa
tentativa de nos aproximarmos dos elementos que fazem parte do processo ensino-
aprendizagem. Numa visão tradicional, poderia ser dito que uma aula toda foi
perdida para a introdução de apenas um conteúdo; entretanto, a aula foi
extremamente proveitosa porque todos os alunos se apropriaram de um conceito
fundamental para aquisição de novos conhecimentos, principalmente aqueles que
tangem o conhecimento geográfico.
A partir de então foi preciso manter um esforço para não apenas
passarmos o conceito, mas construí-los junto com os alunos. A princípio houve
dificuldades, pois os alunos ficaram muito receosos em expor suas idéias. Mas, à
medida que o assunto foi sendo desenvolvido com os questionamentos propostos no
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material didático e incentivando os alunos a exporem suas experiências e relatos, foi
possível construir as idéias principais que sustentam o conceito em questão.
Essa experiência não foi nova apenas para os alunos, mas também
para o professor. É preciso lembrar que o cotidiano desses adolescentes é marcado
pelas facilidades e velocidade de informações que as tecnologias proporcionam, por
isso, é preciso aprender a aprender. Facilmente nos acostumamos a receber as
informações prontas e de forma rápida. Nesse sentido, construir conceitos a partir do
raciocínio e das observações da própria vivência pode ser um processo mais lento,
mas é necessário que o professor proporcione muito mais do que a apreensão de
novos conteúdos, uma vez que sua aplicabilidade é mais aparente e visível aos
olhos dos alunos.
O relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura - UNESCO - (apud DELORS, 1998) sobre a educação para o
século XXI aponta para essa necessidade do “aprender a aprender”. No referido
relatório é indicado que a educação não deve ser entendida como uma resposta
puramente quantitativa, como um acúmulo de conhecimentos transmitidos – com
uma bagagem escolar cada vez mais pesada –, essa visão já não é possível e nem
adequada, pois,
[...] não basta, de fato, que cada um acumule no começo da vida uma determinada quantidade de conhecimentos de que possa abastecer-se indefinidamente. É, antes necessário estar à altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar, aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em mudança. (DELORS, 1998, p. 89)
Foi percebido que, à medida que se requisitava o raciocínio dos
alunos e se fazia a inserção de suas idéias para a construção do citado conceito,
eles foram se soltando e procurando participar do raciocínio proposto. Foram muitas
as histórias contadas por eles, principalmente no que diz respeito aos processos de
desterritorialização, uma vez que apresentaram situações em que já tinham se
sentido desterritorializados.
Ao trabalhar o conceito de território, foi feita a alusão ao sentimento
de estar fora do seu ambiente natural, ou de não pertencer ao meio. Nas palavras
dos alunos, sentir-se “um peixe fora d’água”. Tal identificação decorre dos eventos
de mudança, tanto de cidade quanto de bairro, seja por um período determinado, um
passeio ou uma visita, ou indeterminado, como mudança definitiva. Nessas
ocasiões, quando o individua se vê em novo lugar, poucas pessoas são conhecidas,
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ou até não se conhece ninguém; depoimentos que ilustraram de forma bastante
adequada e oportuna a idéia de desterritorialização. Tal conteúdo já estava proposto
no planejamento e, conseqüentemente, no material elaborado, contemplando não
apenas os conceitos de território como os limites. Como a proposta de trabalho está
pautada na Geografia local, buscou-se apropriar esses conceitos através do
município de Londrina (Pr), local de moradia dos alunos.
Foi gratificante perceber que, do cotidiano, ou melhor, senso-
comum, os alunos construíram e formularam conceitos científicos, ou seja, a partir
do senso comum e de suas experiências formularam conceitos mais elaborados.
Dessa forma, foi possível formular os conceitos de limites, território e escalas. A
mediação realizada através do material didático possibilitou o manuseio de materiais
complementares, como o mapa da cidade, atividade esta que suscitou comentários
como: “Desde a 3ª série eu não via o mapa da cidade”; “Eu morava aqui nesta
região, mas me mudei aqui para o outro lado”. Um aluno que não se manifestava em
sala de aula, levantou-se e, no mapa, mostrou que mora no distrito rural Selva, fato
desconhecido pela maioria dos alunos, que ficou impressionada com a distância
percorrida diariamente por ele. Os pontos cardeais também foram relembrados, bem
como a identificação mais apurada dos bairros.
O material elaborado serviu de motivação para o desenvolvimento
de debates e atividades diferenciadas, tais como a confecção de cartazes e mapa do
município. Vale ressaltar que o material é um suporte ao desenvolvimento da prática
pedagógica que colaborou muito para o enriquecimento da aula.
O tratamento contextualizado do conhecimento possibilitou retirar o
aluno da condição de espectador passivo. Foi percebido que se as atividades
propostas no material didático forem bem trabalhadas elas permitirão que, ao longo
da transposição didática, o conteúdo ensinado provoque aprendizagens
significativas que transparecem uma relação dialética entre os alunos e o objeto do
conhecimento. Isso equivale a dizer que não basta um material ser rico em
informações, pois é preciso que este esteja associado a uma prática pedagógica
inovadora, que instigue a curiosidade e participação dos alunos, como verdadeiros
atores do processo educacional.
O material didático “Geografia em escala local: um estudo de caso
do município de Londrina (Pr)” é um exemplo de que deve haver uma personificação
do sistema de ensino, pois a padronização dificulta as relações anteriormente
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salientadas. Se cada vez mais se deve conhecer o aluno para atingi-lo no processo
ensino-aprendizagem, também o professor deve ser sensível à sua realidade,
valorizando seu espaço e seu conhecimento.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
(PCNEM, 1997), a contextualização, ou seja, a apresentação das informações sobre
a geografia de Londrina (Pr) evoca áreas, âmbitos ou dimensões presentes na vida
pessoal, social e cultural e mobiliza competências cognitivas já adquiridas.
Ao trabalhar com o material didático “Geografia em escala local: um
estudo de caso do município de Londrina (Pr)”, que apresenta informações em
escala local, a curiosidade dos alunos foi despertada, pois desde as primeiras séries
eles relataram que nunca mais haviam manuseado um mapa de Londrina. Os alunos
demonstraram motivação e entusiasmo ao manusear o material didático, pois eles
se localizavam ou se situavam nos mapas apresentados, ainda se localizavam nos
locais da área rural e, também, nos distritos, que eles já tinham visitado. Alguns
alunos ainda destacaram a localização de suas casas, o que surpreendeu o
professor, pois não sabíamos que eles moravam na zona rural.
Diante do exposto, foi percebido que estudar e entender o conceito
geográfico de limites foi “quase” uma brincadeira. Ficou nítida a facilidade que os
alunos tiveram em relacionar o referido conceito com as outras escalas quando
trabalhamos o estado e o país e, depois, o continente americano. A localização no
espaço (norte, sul, leste e oeste), o sentimento de pertencimento com relação
aquele espaço e aquela paisagem se fez mais presente e despertou mais interesse
até naqueles alunos mais dispersos.
Depois de construirmos os conceitos, em duas aulas, novos
questionamentos foram iniciados nas aulas seguintes, mas agora com o
desenvolvimento de relatos de forma escrita sobre o que foi debatido oralmente.
A instigação da curiosidade, a abertura de espaços para os alunos
exporem suas vivências, bem como o uso de imagens e mapas constantes no
material didático foi uma experiência gratificante para o professor, pois ele pode
contar com a participação de todos os alunos, inclusive os que apresentavam
dificuldades de aprendizagem e indisciplina.
Vale ressaltar que o trabalho com o material didático foi iniciado com
o manuseio de mapas do município de Londrina (Pr) para o estudo das noções de
localização, orientação, coordenadas geográficas e limites, para depois avançar
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para os conceitos de país e o continente.
Por meio da realização das atividades propostas no material didático
em questão os alunos tiveram a oportunidade de reconhecer na paisagem local as
diferentes manifestações da natureza e as formas de sua apropriação bem como as
transformações promovidas pela ação da coletividade.
A partir das atenções mais voltadas à escala do município, os alunos
manifestaram interesse pelo clima, comentando, inclusive, os noticiários de jornais
sobre as trajetórias de frentes frias sobre Londrina. O material “Geografia em escala
local: um estudo de caso do município de Londrina (Pr)” contempla estas
informações, por isso alternamos o uso do material com outros que os alunos
traziam de casa, como previsões do tempo recortadas de jornais ou retiradas de
páginas da Internet.
Os alunos estudaram o clima local através da observação e
pesquisa em jornais e Internet, bem como por meio da utilização do material didático
que apresenta explicações mais didáticas sobre os motivos pelos quais os
fenômenos climáticos acontecem. Eles descobriram que Londrina possui um clima
de transição, diferentemente do que está registrado nos livros didáticos. Perceberam
as variações existentes e os efeitos das frentes frias em Londrina (Pr). Pesquisaram,
registraram e debateram sobre o assunto, tornando-se agentes do processo de
construção do próprio conhecimento.
Foi possível compreender como a natureza possui suas próprias
relações, que todos seus elementos estão interligados e como eles interferem nos
arranjos territoriais do município de Londrina (Pr).
Para estudar o conteúdo sobre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos o livro didático sugere o estudo do IDH. Sendo assim, foram
passados alguns filmes que abordam os contrastes sociais, econômicos e culturais
para os alunos. Trata-se de gravações de curta duração retiradas da Internet.
A partir da exibição do filme “Contrates do desenvolvimento”3, os
conteúdos das imagens exibidas foram explorados e os alunos foram conduzidos à
reflexão sobre as condições da vida mundial, nacional e local, permitindo uma
discussão sobre a interdependência entre espaços com diferentes níveis de
3 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=sCTB2UTW31A> Acesso em: 20 jun. 2008.
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desenvolvimento4.
Para melhor compreensão dos fatores que determinam as
condições de cada país foi exibido o vídeo “Indicadores econômicos – IDH”5 numa
associação com aula expositiva sobre os contrastes acentuados que existem entre
países ricos e pobres: Razões históricas, culturais, políticas, além do desequilíbrio
entre o aumento da população e da produção, fatores naturais como enchentes,
fatores econômicos como dívida externa, diferentes valorizações dos produtos
comercializados pelos países ricos e pobres e a imigração.
A expressão “Terceiro Mundo” foi apresentada a partir de
indagações sobre o que os alunos sabiam sobre as diferenças existentes entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Uma comparação entre as cidades com
maior desenvolvimento (metropolitanas) e as cidades vizinhas, com menor
desenvolvimento foi efetivada, salientando que existem estreitas ligações entre elas
como, por exemplo, o fornecimento de mão de obra mais barata. Para ilustrar a
discussão foi exibido o vídeo “Terceiro Mundo”6 que apresenta comentários e
imagens sobre a origem do referido termo e os problemas sociais que o mesmo
representa. Também foram exibidos outros vídeos sobre as características do
subdesenvolvimento7.
O trabalho com os vídeos foi de grande importância e aprendizado.
No entanto, cabe relatar algumas dificuldades encontradas, tais como o tempo
utilizado para a pesquisa desses materiais e a de que as cenas apresentadas nos
vídeos não são novidades para os alunos, pois a maioria tem acesso à Internet e é
quase tão usual quanto o próprio material escolar convencional. Diante do exposto,
a intervenção do professor foi fundamental para instigar a curiosidade e despertar os
debates críticos sobre os assuntos abordados.
A partir das discussões estabelecidas, foi solicitado que os alunos
relatassem quais os processos que permitiram o desenvolvimento de sua família. A
proposta era que os alunos conversassem com os seus pais para, na aula seguinte
apresentarem seus relatos.
Na aula seguinte foram muitas as histórias relatadas, muitos falaram
4 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=td9MRInq4Jo> Acesso em 20 jun. 2008. 5 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=FXUePHy9edM> Acesso em 20 jun. 2008. 6 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=tnzMn4MnnrY> Acesso em 20 jun. 2008. 7 Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=riWrAdXn46k> Acesso em 20 jun. 2008.
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que “no passado sua família não tinha alguns eletrodomésticos, casa própria, carro,
etc.”, mas que, atualmente, haviam comprado. Observa-se que os alunos associam
o desenvolvimento ao poder de compra, uma característica do capitalismo.
No que se refere às outras formas de desenvolvimento como, por
exemplo, ao intelectual, os alunos responderam à seguinte questão: “Mas apenas a
aquisição desses bens é que leva ao desenvolvimento? Será que a família de vocês
se desenvolveu culturalmente?”. Essa reflexão deixou-os pensativos. Então foi
explicado que o desenvolvimento não pode ser considerado apenas a aquisição de
bens e que essa, muitas vezes, está associada a uma classe com maior nível de
escolaridade e ocupa melhores empregos.
Dessa forma, aproximadamente 30% dos alunos consideraram que
houve desenvolvimento cultural, pois os pais estavam estudando. Outros
responderam que os pais haviam se formado e outros ainda acreditam que a cultura
está ligada ao fato da busca por informações constantes, relatando que os pais
passaram a ler o “Jornal de Londrina” todos os dias, além de possuírem assinatura
de alguma revista ou jornal. No entanto, poucos foram os que relataram ter acesso a
outras formas de cultura, tais como teatros, museus, entre outros.
Mais de 50% dos alunos responderam que os pais não tiveram
oportunidade de estudar, mas que tem feito muito esforço para que eles estudem. A
oportunidade foi aproveitada pelo professor para desenvolver o sentimento de
responsabilidade.
A partir dessas discussões e informações contidas no material
didático “Geografia em escala local: um estudo de caso do município de Londrina
(Pr)”, foi proposta a construção do conceito de IDH, utilizado como parâmetro para
avaliar o desenvolvimento dos países. E, por meio das informações contidas no
material didático, foi conhecido o IDH de Londrina (Pr), quando os alunos foram
instigados a conhecer as características do referido município.
Através de leitura e atividades de comparação entre índices de
diferentes cidades, foi realizado um debate sobre a influência do IDH no
desenvolvimento do município e quais as possibilidades de melhoria de vida da
população. Assim, os alunos confeccionaram cartazes com o tema “IDH e qualidade
de vida”, que foram expostos pelos corredores da escola.
O progresso dos alunos foi percebido não apenas na participação na
execução das atividades e nos debates, mas principalmente na escrita. Os alunos
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começaram a escrever mais e com maior poder de argumentação, utilizando
exemplos adequados. Não se trata de reprodução dos textos contidos no material
didático, muito pelo contrário, os alunos conseguiram, com suas próprias palavras,
explicar de forma bem clara e detalhada os conceitos abordados.
Antes do uso do material didático “Geografia em escala local: um
estudo de caso do município de Londrina (Pr)” parecia que nada do que
trabalhávamos tinha relação com o cotidiano dos alunos, as conversas paralelas
denotavam a falta de interesse pelos conteúdos como se estes não fizessem parte
do seu dia-a-dia. Após a experiência ora relatada, os alunos são mais participativos
e buscam trazer para sala de aula informações e materiais que julgam ser
importantes para compreensão do conteúdo trabalhado.
O trabalho a partir do referido material didático possibilitou a
abertura de um diálogo mais coerente com os objetivos propostos pela disciplina de
Geografia e a relação professor-aluno se tornou mais próxima.
Considerações finais
A experiência aqui relatada permite entender que todo o trabalho
efetivado no interior da escola precisa instigar a atenção, não só dos alunos, mas
também do professor. É preciso que ambos se deparem com desafios e sejam
estimulados para o processo de ensino – aprendizagem, já que tal processo ocorre
dialeticamente.
Assim, aprender Geografia a partir da escala local, desenvolvida
através de um material próprio, favorece o trabalho pedagógico que é cada vez mais
exigente e desafiador. Os modelos tradicionais da ação educativa passam a dar
lugar a uma nova forma de pensar a educação. Sabemos que existe uma enorme
quantidade de conteúdos que, trabalhados isoladamente e de forma distanciada do
aluno, não passam de um amontoado de informações sem utilidade prática. Sendo
assim, ao invés de se estabelecer métodos seguros de acesso à verdade e de
produção de conhecimento, resta ao professor a humilde atitude de reconstruir sua
prática pedagógica pautada na e para a vivência do seu aluno.
As atividades desenvolvidas com os alunos foram elaboradas a
partir da reflexão sobre o verdadeiro papel da escola, aqui entendida como um local
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de educação significativa que possa não só acompanhar as mudanças societárias,
mas, sobretudo, compreender e transformar, por intermédio dos sujeitos/atores e
atrizes, a sociedade na qual estamos inseridos.
Entende-se que a tarefa de ensinar e aprender pode promover uma
verdadeira aproximação humana, um encontro entre professor e aluno,
proporcionados pela riqueza de relações que daí se estabelece. Ensinar e aprender
volta-se para o homem, para o ser humano. Apontam para o concreto, pois é
necessário considerar o contexto no qual o educando se insere, assumindo a tarefa
de caminhar juntos para alcançar um objetivo maior.
O desafio é a descoberta do prazer em aprender e conhecer, é o
caminho de nossa construção enquanto seres humanos e que vivem em uma
sociedade cheia de contradições. Não se trata, portanto, de mero domínio de
conteúdos, mas fundamentalmente de uma formação baseada em valores
humanísticos que traduzam atitudes do bem viver em comunidade.
Referências
CAVALCANTE, Lana de Souza. Geografia, escola e construção do conhecimento. Campinas: Papirus, 8 ed., 1998.
DELORS, J. (org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC, 1998.
FURLAN, Sueli Ângelo. A Geografia na sala de aula: a importância dos materiais didáticos. Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2002/mp/ tetxt4.htm>. Acesso em: 09 abr. 2007.
PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná. Curitiba: SEED, 2006.
KATUTA, Ângela Massumi. O Estrangeiro no mundo da Geografia. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.