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ENSAIO SOBRE AS NOVAS TIPOLOGIAS NO RURAL BRASILEIRO: O turismo rural no contexto da pluriatividade. Essay on the New Typologies of the Brazilian Rural: rural tourism in the context of pluriactivity. Alexandre Bernardes Ribeiro 1 Paulo Sergio da Silva 2 RESUMO A partir dos anos de 1980, assistimos uma nova conformação do meio rural brasileiro, com transformações cada vez mais perceptíveis. Três aspectos merecem destaques no direcionamento dessas mudanças: o primeiro relacionado à “agroindústria”, o segundo a um conjunto de “atividades não-agrícolas”, e o terceiro às “novas” atividades agropecuárias. Do ponto de vista espacial, velhos mitos estão sendo derrubados enquanto surgem outros para explicarem as re(con)figurações do espaço rural, ficando cada vez mais difícil definir o que é urbano e o que é rural. Porém, notadamente percebemos que o urbano não pode ser mais identificado como o espaço das organizações econômicas e o rural como o palco das atividades voltadas para a agricultura e pecuária. O espaço rural brasileiro foi, gradualmente, se urbanizando como reflexo da industrialização da agricultura e um volume muito grande de padrões urbanos aos poucos transferidos para as áreas tradicionalmente definidas como rurais. Essas transformações acabaram definindo as novas funções do rural, antes voltado somente para as atividades agrícolas. A busca por alternativas econômicas para o setor fez surgir uma multiplicidade de atividades como forma de complemento de renda, denominada de pluriatividade. Esse conceito aparece mais fortemente na década de 1990 e alguns autores demonstram a necessidade de estudos mais aprofundados sobre essa temática e chamam atenção para uma leitura para além da atividade complementar de renda, mas também para o caráter exploratório sobre as famílias locais, enfocando ainda que, apesar da pluriatividade possuir um caráter multiplicador sobre as atividades existentes, a agricultura não deixará de existir. No contexto das novas atividades, o turismo rural apesar de ser uma atividade nova no Brasil com sua base originária no município de Lajes, no Estado de Santa Catarina, aos poucos vai se enquadrando no contexto da pluriatividade, onde o trabalhador rural passa a exercer novas funções sem comprometer suas rotinas tradicionais. Palavras-Chave: Urbanização. Turismo rural. Pluriatividade. 1 Turismólogo, pós-graduado em docência superior-Universidade Federal de Uberlândia-UFU, Docente Faculdade Triângulo Mineiro-FTM. 2 Doutorando em Geografia Cultural e Turismo Universidade Federal de Uberlândia, Docente Universidade de Uberaba-UNIUBE e Faculdade Triangulo Mineiro-FTM.

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ENSAIO SOBRE AS NOVAS TIPOLOGIAS NO RURAL BRASILEIRO: O turismo rural no contexto da pluriatividade.

Essay on the New Typologies of the Brazilian Rural:

rural tourism in the context of pluriactivity.

Alexandre Bernardes Ribeiro 1

Paulo Sergio da Silva 2

RESUMO

A partir dos anos de 1980, assistimos uma nova conformação do meio rural brasileiro, com transformações cada vez mais perceptíveis. Três aspectos merecem destaques no direcionamento dessas mudanças: o primeiro relacionado à “agroindústria”, o segundo a um conjunto de “atividades não-agrícolas”, e o terceiro às “novas” atividades agropecuárias. Do ponto de vista espacial, velhos mitos estão sendo derrubados enquanto surgem outros para explicarem as re(con)figurações do espaço rural, ficando cada vez mais difícil definir o que é urbano e o que é rural. Porém, notadamente percebemos que o urbano não pode ser mais identificado como o espaço das organizações econômicas e o rural como o palco das atividades voltadas para a agricultura e pecuária. O espaço rural brasileiro foi, gradualmente, se urbanizando como reflexo da industrialização da agricultura e um volume muito grande de padrões urbanos aos poucos transferidos para as áreas tradicionalmente definidas como rurais. Essas transformações acabaram definindo as novas funções do rural, antes voltado somente para as atividades agrícolas. A busca por alternativas econômicas para o setor fez surgir uma multiplicidade de atividades como forma de complemento de renda, denominada de pluriatividade. Esse conceito aparece mais fortemente na década de 1990 e alguns autores demonstram a necessidade de estudos mais aprofundados sobre essa temática e chamam atenção para uma leitura para além da atividade complementar de renda, mas também para o caráter exploratório sobre as famílias locais, enfocando ainda que, apesar da pluriatividade possuir um caráter multiplicador sobre as atividades existentes, a agricultura não deixará de existir. No contexto das novas atividades, o turismo rural apesar de ser uma atividade nova no Brasil com sua base originária no município de Lajes, no Estado de Santa Catarina, aos poucos vai se enquadrando no contexto da pluriatividade, onde o trabalhador rural passa a exercer novas funções sem comprometer suas rotinas tradicionais. Palavras-Chave: Urbanização. Turismo rural. Pluriatividade.

1Turismólogo, pós-graduado em docência superior-Universidade Federal de Uberlândia-UFU, Docente Faculdade Triângulo Mineiro-FTM. 2Doutorando em Geografia Cultural e Turismo Universidade Federal de Uberlândia, Docente Universidade de Uberaba-UNIUBE e Faculdade Triangulo Mineiro-FTM.

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ABSTRACT

From the years of 1980, we see a new conformation of the Brazilian rural environment, with perceptible transformations. Three aspects must be pointed out in the direction of these changes: the first one related to the “agroindustry”, the second one related to a set of “non-agricultural activities”, and the third one related to the ”new” farming activities. From the spatial point of view, old myths are being knocked down whereas others appear to explain the rural space reconfiguration, making it more difficult to define what is urban and what is rural. However, it is notable that the urban cannot continue to be identified as the space of economic organizations and the rural cannot continue to be identified as the stage of agriculture and cattle activities. The Brazilian rural environment got gradual urbanization as a reflex of the industrialization of agriculture and a great volume of urban standards transferred to the traditionally defined rural areas. These transformations defined new rural functions. The search for economic alternatives created a multiplicity of activities as an income complement, called pluriactivity. This concept strongly appears in decade of 1990, when some authors demonstrated the necessity of further studies on this thematic and called attention for reading beyond complementary income activity, but also for the exploratory sense over the local families, emphasizing that although the pluriactivity has a multiplier sense over the existing activities, agriculture will not reach an end. In the new rural activities context, although rural tourism is a new activity in Brazil (with its original base in the Lajes county, Santa Catarina State), it had gradual fitting into pluriactivity, where the rural worker exerts new functions without compromising his traditional routines. Keywords: Urbanization. Rural tourism. Pluriactivity.

Introdução

Este artigo busca promover, em primeiro plano, uma discussão em torno das

transformações ocorridas na sociedade brasileira, principalmente após os anos de 1930,

advindas de alguns fatos marcantes como o golpe de Getúlio Vargas, a queda da Bolsa de

Nova York, a tentativa da inversão no padrão de desenvolvimento brasileiro marcado pelos

primeiros passos da industrialização contrapondo-se ao rótulo dominado por décadas pelo

café, e por fim pelas mudanças que também ocorreram no campo, tanto do ponto de vista

agrícola como agrário.

Estas questões, não valorizando umas mais que outras, acabaram colocando novos

desafios nas relações sociais no campo, criando novos conceitos, termos e noções na tentativa

de melhor entendimento da realidade que estava por vir.

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Estas novas tipologias são incorporadas ao rural brasileiro, a partir dos anos de 1930,

perpassando toda uma discussão em torno das relações no campo até hoje, no ano de 2006 do

século XXI.

Os objetivos norteadores desta discussão partem inicialmente de uma análise sobre as

transformações no espaço rural brasileiro a partir de 1930. Vamos correlacionar os processos

de urbanização brasileira com as mudanças no campo, analisar as atividades alternativas que o

campo passou desempenhar e, por fim, analisar o turismo rural no contexto da pluriatividade.

A proposta da discussão também promove um debate em torno da multifuncionalidade da

agricultura diante das peculiaridades da realidade brasileira envolvendo elementos muito

novos neste contexto. A noção de pluriatividade no contexto brasileiro apesar de ser algo

limitado e incipiente3, já nos conduz a um entendimento sobre as transformações que

ocorreram e ocorrem no campo.

A idéia de múltiplos usos destas áreas é refletida quando buscamos conhecer um

pouco do interior do Brasil, onde vemos pequenas propriedades envolvidas nas suas

atividades tradicionais e um novo morador que, em busca de sobrevivência, acaba se

dedicando à formas alternativas de renda, alugando seus quartos, confeccionando artesanato,

doces, derivados de leite e até mesmo se tornando guia para o visitante.

Por fim, o artigo se encerra abordando o turismo rural no contexto da pluriatividade e

traçando um panorama do turismo rural no Brasil.

O rural brasileiro: Uma abordagem a partir dos anos de 1930

Para entendermos o nosso espaço rural hoje em 2006 é necessário resgatarmos fatos,

registros e acontecimentos que ocorreram ao longo de seu processo de formação. Analisar as

transformações ocorridas e identificar personagens, identidades e pertencimentos que

perpassam das atividades tradicionais às configurações que remetem a um novo cenário rural.

A importância de fazer um resgate após os anos de 1930 torna-se significativa na

análise do contexto rural brasileiro, uma vez que saímos de uma crise que sofreu muito com a

queda da bolsa de Nova York, a mudança do governo e uma tendência de alterações políticas

voltadas para a indústria, além de uma crise no sistema latifundiário.

3 MALUF, Renato S. A multifuncionalidade da agricultura brasileira na realidade brasileira. In: CARNEIRO, Maria José; MALUF, Renato S.(Org). Para além da produção: multifuncionalidade e agricultura familiar. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003. p.135-152.

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Saímos de um momento político denominado de República Velha para a Nova

República apesar de continuarmos com velhos moldes não somente no mundo rural como

também nas articulações sobre o nosso processo de industrialização. Essa busca por entender

como se processou o formato rural brasileiro se deu através de grandes nomes dos estudos

agrários brasileiros como Celso Furtado4, Caio Prado Júnior5, Roberto Simonsen6, Sergio

Buarque de Holanda7 e Francisco de Oliveira8, e contribui muito para entendermos os

modelos aplicados em diferentes momentos da agricultura brasileira.

O rural brasileiro, a partir de 1930, apesar de ainda manter relações com o período

anterior e ter sofrido um grande abalo na crise de 19299, apresenta ligeiras transformações

devido à própria necessidade de inserir novos produtos e não mais o café que havia sofrido

um impacto muito grande no final da década de 1920. Surgem então os primeiros passos para

a formação de um breve surto industrial brasileiro e a participação da economia rural no

produto interno bruto sofre um declínio circunstancial e contínuo segundo o Centro de Contas

Nacionais-IBRE-FGV, n.9 (1971), (OLIVEIRA, 1989).

Nesse pensamento afirma Sodré (1963, p.102).

Pela simples comparação dos quadros, verificamos o que era novo em cada momento e o que era velho, e como, inevitavelmente, o velho cedeu lugar ao novo – e que o novo de determinada etapa passa a ser o velho da futura, e assim se desenvolve a História, e por isso mesmo que é historia.

Os quadros aos quais o autor se refere, estão na tentativa de formatar um mosaico para

o espaço rural brasileiro, no qual o setor rural, naquele momento, seria incapaz de contribuir

significativamente para o avanço da economia brasileira sem uma dependência do mercado

externo. Mesmo com o fim da República Velha, o Brasil não havia superado a pesada

herança colonial. Apresentava características de um país monocultor baseado na estrutura

cafeeira e intimamente dependente do mercado externo. Porém, desde a abolição da

escravatura, esta estrutura econômica estava condenada devido ao processo de imigração que

de certa forma criou uma mão-de-obra livre e assalariada, e conseqüentemente um mercado

interno.

4 Formação econômica do Brasil. 8ª.ed. São Paulo. Cia.Editora Nacional, 1968. 5 História econômica do Brasil. 4ª.ed. São Paulo, Brasiliense, 1956. 6 A evolução industrial do Brasil, São Paulo. Revista dos Tribunais, 1939. 7 História geral da civilização brasileira. São Paulo, Contexto, 1972. (8º.v). 8 Economia da dependência imperfeita. 5ª.ed. São Paulo. Graal, 1989. 9 Queda da bolsa de Nova York.

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Para Prado Jr. (1956, p.7-83), aparece o fator consumo, praticamente imponderável no

conjunto do sistema anterior, em que prevalece o elemento produção. Essa transformação

estava relacionada com o desenvolvimento do capitalismo que, ao ampliar o seu horizonte

produtivo, passou a necessitar de um mercado cada vez maior e o Brasil se enquadrava nesse

novo cenário internacional, assim assistimos nos anos de 1930-1940 a crise no modelo agro-

exportador. A economia interna iniciou algumas transformações diversificando a produção de

alimentos e manufaturas. Essa tendência à nacionalização da economia já era visível após a

Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Com a crise de 1929, o reflexo da desvalorização do

café, que até então sustentava o modelo agrário-exportador, e a falta de financiamento aliada

ao bloqueio às importações favoreceram o desenvolvimento industrial, provocando alterações

profundas na fisionomia econômica brasileira.

A partir do governo do Presidente Getúlio Vargas, o cenário agrário-agrícola brasileiro

passa por grandes transformações uma vez que as tendências indicavam naquele momento

uma aproximação maior com o mundo industrial. O aumento no processo de urbanização

brasileira associada à indústria a partir da década de 1940 contribuiu para o surgimento de

áreas agrícolas destinadas à produção de matérias-primas industriais, de produtos

hortifrutigranjeiros e da pecuária. Já nos denominados anos dourados entre os anos de 1950

a 1975, o desenvolvimento tornou-se um marco muito importante tanto nos aspectos urbano-

industriais10 como para as atividades agrícolas, e o mundo rural brasileiro (re)nasceria11

fortemente transformado e os seus efeitos fariam reflexos nesta época. Após 1970 dentre as

transformações ocorridas no Brasil, a crescente inserção da população rural em atividades

não-agrícolas passou ter um peso cada vez maior na renda das famílias rurais.

No Brasil, Del Grossi (1999 p.127) observou que:

A população rural não é exclusivamente agrícola, uma vez que mais de 3,9 milhões de pessoas estavam ocupadas em atividades não-agrícolas, em 1995, o que representava 26% da PEA rural ocupada. Segundo o autor, a PEA rural não-agrícola, de certa forma, vem mantendo o contingente de trabalhadores rurais, pois, enquanto os ocupados na agricultura permaneceram estagnados entre 1981 e 1995, a PEA rural não-agrícola aumentou em todo país.

10 Período pós-governo de Juscelino Kubistichek e auge do Governo Militar. 11 GRAZIANO DA SILVA, ������������������������� �������������� ����������� ������������� ���������������

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Segundo BALSANI (2000), no meio rural especificamente, a "saída" para a população

residente foi encontrar ocupações fora da agricultura, no próprio campo ou nas cidades. Esse

movimento ganhou tal magnitude que, no final dos anos 1990, mais de 50% da população

economicamente ativa (PEA) com residência rural ocupava-se em atividades não-agrícolas.

No período 1992-97, houve uma inversão a favor das ocupações não-agrícolas, em detrimento

das agrícolas, culminando com a maior ocupação dos residentes rurais nos mais diversos

ramos da atividade econômica.

Graziano da Silva, (1996), analisando essas novas funções do meio rural brasileiro,

concluiu que já não se pode caracterizá-lo somente como agrário. É preciso incluir outras

variáveis, como as atividades rurais não-agrícolas decorrentes da crescente urbanização do

meio rural, moradias de alto padrão, turismo rural, lazer e outros serviços, o que denominaria

como pluriativiade. Desse ponto de vista o meio rural deixou claramente de ser sinônimo de

agrícola e passou a ser o espaço das múltiplas funções que até então eram típicas do espaço

urbano. Essas múltiplas funções foram acompanhadas pelo aparecimento das funções não-

agrícolas, como as questões ambientais, a proteção à natureza, o lazer e o turismo, a caça, a

pesca e o acolhimento daqueles que pretendem residir temporária ou permanentemente. A

transformação no espaço rural brasileiro abre portas para novas atividades que, com o passar

do tempo, se enquadram na formatação do turismo rural.

Graziano da Silva e Del Grossi, (1992, p.105-126), apontam para a evolução das

ocupações não-agrícolas no meio rural brasileiro, configurando o denominado novo rural,

composto por novos atores, novas relações e novos comportamentos tornando-se em alguns

casos alternativas de melhoria de renda das famílias que persistiram no campo.

Complementando, Chayanov (1974) acredita que o recurso às atividades não-agrícolas é uma

estratégia de alocação da força de trabalho familiar ante os condicionantes da unidade

produtiva agrícola. Ele expressa, acima de tudo, a racionalidade que a família imprime às

suas atitudes para manter o equilíbrio entre trabalho e consumo e garantir, assim, sua

reprodução.

Segundo Graziano da Silva, (1997, p.43-81) o novo rural brasileiro acabou assumindo

grandes mudanças advindas do modelo capitalista influenciando diretamente “no sistema

agroalimentar”, tanto em termos das relações de produção como em termos do papel

reservado ao espaço rural. O autor afirma ainda que

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o uso intensivo do capital na agricultura tornou os agricultores mais dependentes de fatores não-agrícolas (máquinas, equipamentos e insumos químicos), ao mesmo tempo que integrou a agricultura aos complexos agroindustriais, alterando progressivamente o seu papel na dinâmica produtiva das áreas rurais. (GRAZIANO DA SILVA, 1997, p.43-81).

Uma análise dos resultados desse processo mostra que houve uma extraordinária

elevação da produtividade do trabalho, aliada a um crescimento vigoroso da produção global

de alimentos e a uma diminuição das populações que tradicionalmente ocupavam as áreas

rurais. Decorre daí uma série de rupturas no modo clássico de interpretar o desenvolvimento

agrário, que recaem sobre o sistema de produção familiar com maior intensidade, que se vê

obrigado a buscar novas formas de reprodução.

GRAZIANO DA SILVA, J. (1997, p.43-81), acrescenta ainda cinco dimensões no

formato da nova paisagem rural:

1) O espaço rural passa a ter outras funções, além daquelas de caráter exclusivamente agrícola;

2) O processo de trabalho sofre profundas alterações, levando a uma desagregação das formas tradicionais de articulação da produção familiar;

3) A variável ambiental passa a ser um elemento decisivo no âmbito das novas políticas de desenvolvimento rural, uma vez que o uso intensivo dos chamados "insumos modernos" promoveu uma ruptura na harmonia que reinava entre as explorações agrícolas e a preservação dos recursos naturais;

4) O sistema agroalimentar passa a ser comandado por grandes empresas que se organizam e operam em escala mundial, tendo em vista a emergência e a consolidação de uma nova ordem econômica baseada na desregulamentação dos mercados e na concentração e centralização de capitais;

5) As políticas agrícolas, com o objetivo de se adequarem a esse novo contexto sócio-econômico, estão passando por constantes reformulações, embora prevaleçam séries distorções entre grupos de países, conforme as verificadas recentemente na rodada de negociações comerciais promovida pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Segundo Saraceno (1994, p.29-37), neste cenário se multiplicam as oportunidades e

surgem novas relações de trabalho e um novo processo gerador de renda, “as áreas rurais

podem aumentar sua competitividade sócio-econômica através de diversos fatores, com

destaque para a segmentação da produção e oferta de produtos”.

Graziano da Silva (2003), demonstra (Gráfico 1) que sobre a importância do

rendimento do trabalho principal rural, somam rendimentos não-agrícolas das pessoas

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residentes nos espaços rurais que crescem a cada ano. Em 1998 e 1999 os rendimentos

provenientes exclusivamente das atividades agrícolas diminuem em importância com relação

aos rendimentos não-agrícolas dos residentes em espaços rurais no Brasil.

Fonte: Instituto de Economia da UNICAMP/SEADE, 1997.

Estas condicionantes que acabaram reconfigurando o espaço rural brasileiro vem

demonstrando novas funções no espaço rural. Esse redimensionamento dos estudos merece

destaque.

O espaço rural não pode mais ser pensado apenas como um lugar produtor de mercadorias agrárias e ofertador de mão-de-obra. Além de poder oferecer ar, água, turismo, lazer, bens de saúde, oferece também a possibilidade de, no espaço local-regional, combinar postos de trabalho com pequenas e médias empresas. (Muller, 1995, p.18-52).

Dados do PNAD12s entre os anos de 1980 a 1990 revelaram que houve um

crescimento na PEA13 rural que cresceu enquanto a PEA agrícola diminuiu. A explicação para

esse contraste está no vigoroso crescimento verificado da população economicamente ativa

ocupada em atividades não-agrícolas residentes no meio rural brasileiro.

Ao discutir a evolução atual da agricultura brasileira, concluiu-se que já não se pode mais caracterizar a dinâmica do meio rural brasileiro como determinada exclusivamente pelo seu lado agrário, uma vez que o comportamento do emprego

12 Programa Nacional de Agricultura 13 População economicamente ativa

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rural não pode mais ser explicado apenas a partir do calendário agrícola e da expansão/retração das áreas e da produção agropecuária. Há um conjunto de atividades não-agrícolas que responde cada vez mais pela nova dinâmica populacional do meio rural brasileiro. (Graziano da Silva, 1997, p.43-81).

Em 1999, 4,62 milhões14 de pessoas estavam envolvidas em atividades não agrícolas,

significando um acréscimo de mais de um milhão de pessoas neste tipo de atividade em

menos de vinte anos. É neste contexto que ganha força, atualmente, o debate sobre as "novas

ruralidades". Um aspecto relevante a ser destacado nessa discussão é que se rompe a

concepção "produtivista" tradicional que identificou, por muito tempo, o desenvolvimento

rural em termos setoriais, avaliando-o apenas a partir dos níveis da produtividade das

atividades agrícolas e da eficiência dos sistemas de produção agropecuários.

Pluriatividade: ensaio de uma tipologia para o Brasil

As questões em torno do entendimento sobre a aplicação do conceito da pluriatividade

no Brasil, necessitam, logicamente, de entender se há uma inserção ou não do rural brasileiro

neste novo contexto das relações agrária/agrícolas.

A pluriatividade em países europeus como a França concentraram para si algumas

frentes de discussão. Uma primeira analisa este fenômeno como uma maquiagem que se dava

ao rural que por conseqüência acabaria se especializando nestas novas atividades não

agrícolas que perderiam as funções tradicionais de sua origem. Uma segunda análise se dá

quando se apontava a agricultura part-time ou Full-time15 como um obstáculo ao modelo

modernizante das unidades agrícolas; e uma outra que conduzia a discussão em torno de

mostrar que esta realidade, além de se tornar uma alternativa de renda para o camponês,

estaria valorizando a pequena propriedade, despertando-a para multifunções, envolvendo

todos os membros da família, e emergindo como um fator capaz fixar o homem no campo.

Segundo SCHNEIDER S. (1994. p. 127),

(...)o debate sobre a pluriatividade ou sobre as formas alternativas de desenvolvimento rural e reprodução da agricultura familiar, no Brasil, corre o riso de não chegar mais. O que reafirmaria a certeza de que o caráter atrasado de nossa estrutura agrária necessita, urgentemente, de reformas. Tanto isso é verdadeiro que,

14 Fonte: Instituto de Economia da UNICAMP/SEADE, 1997. 15 SCHNEIDER (1999.p150-153)

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nas regiões onde houve um processo de colonização baseado em pequenas propriedades, foi possível moldar um ambiente social e econômico que tem permitido estratégias alternativas de reprodução aos agricultores sem despojá-los de suas propriedades e, ao mesmo tempo, garantir-lhes formas complementares de obtenção de rendas.

Diante destas frentes de discussões torna-se necessário fazer uma analogia em torno da

discussão conceitual da pluriatividade, destacando o modelo part-time-farming nos Estados

Unidos, e “pluriactivité” em que convergem para um caráter transitório em torno da temática,

particularmente na França, para a qual os adeptos desse modelo são excluídos dos recursos e

das políticas públicas voltadas para o setor em função de não serem considerados agricultores.

A pluriatividade se destaca ao analisá-la no contexto das manifestações nas unidades

produção familiar, onde a idéia da simples função de produzir dá lugar às estratégias de

sobrevivência e de reprodução social no campo. Dessa forma, a pluriatividade se apresenta

como um fenômeno diversificador de fontes de renda.

Em seu trabalho KAGEYAMA, (2001, p. 56-58) explica o conceito como sendo

o fenômeno da redução do peso das atividades agrícolas no emprego e na renda das pessoas, famílias e regiões rurais, dando lugar aos empregos múltiplos e fontes de renda diversificadas, tem sido referido na literatura, às vezes sem muita distinção, como pluriatividade ou como agricultura (e agricultores) de tempo parcial.

Segundo FULLER (1983, 1984, 1990), apud SCHNEIDER (1999, p.54-76), após uma

avaliação da pluriatividade no contexto brasileiro, se apresentam duas fases para o melhor

entendimento. A primeira antes de 1975 que a apresentava como uma viabilidade econômica,

o caráter transitório e instável da produção part-time; e a segunda, após 1975 marcado pela

busca de identidades sobre o conceito de agricultura em tempo parcial. Os mesmos autores

argumentam ainda sobre o fato da transitoriedade, na qual a agricultura em tempo parcial

baseia-se em um fenômeno transitório advindo das dificuldades de crédito e mercado e um

resíduo de um falso tipo de categoria social provocando o assalariamento e o aburguesamento

nas relações rurais (CARNEIRO, 1998).

Para SCHNEIDER, (1999, p, 5658) agricultura familiar preconiza-se como sendo um

fenômeno através do qual membros das famílias que habitam no meio rural optam pelo exercício de diferentes atividades, ou, mais rigorosamente, pelo exercício de atividades não-agrícolas, mantendo a moradia no campo e uma ligação, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural.

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O turismo rural no contexto da pluriatividade: novas alternativas ou velhas dicotomias

para realidade brasileira

Mattei (2000, p.18-29), (apud Graziano da Silva, 1997, p.43-81), mostra que um dos

aspectos da "mercantilização do espaço agrário" era a exploração dos recursos naturais e de

valores culturais para fins econômicos. Neste contexto, o turismo rural aparecia como um

elemento novo no panorama econômico do mundo rural, sendo considerado, inclusive, como

uma atividade econômica relevante na busca de melhorias nas condições de vida dos

agricultores familiares, os quais diversificam suas formas de trabalho visando ampliar seus

níveis de renda. Afirma Graziano da Silva (1997, p.43-81) que,

Além disso, ressaltamos também que no Brasil o conjunto de atividades associadas ao termo genérico "turismo rural" (hotel-fazenda; fazenda-hotel; pousadas; pesque-pague; restaurantes típicos; venda direta de produtos industrializados nas propriedades; atividades de lazer associadas à paisagem natural; atividades baseadas nos elementos culturais de um local e/ou região; atividades ecológicas; etc) causava uma série de "confusões terminológicas", nem sempre ficando claro o sentido e o significado que se expressavam através das referidas designações.

A EMBRATUR (1998), ao elaborar o Manual de Turismo Rural, adotou o conceito de

Turismo Rural que inclui uma variedade de modalidades; desenvolvendo todas as suas

formas. Pela definição oficial sobre o turismo no meio rural, entende-se que esta nova

atividade agregaria todas as atividades, desde shows a rodeios, atividades religiosas, práticas

de esportes e visitas às paisagens naturais, preservação dos recursos naturais, até as atividades

dos hotéis-fazenda, das pousadas rurais e de acompanhamento das atividades agropecuárias.

Recentemente percebemos que o turismo rural passou a ganhar um grande destaque

nas discussões sobre alternativas para a agricultura familiar, principalmente quando se

procura atacar o problema da renda e do emprego. Segundo o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar-PRONAF (2003), estas oportunidades acabaram

influenciando as próprias políticas públicas, de tal forma que neste mesmo ano o Governo

Federal lançou, uma linha de crédito, chamada de "PRONAF Turismo Rural", para apoiar os

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agricultores familiares que pretendem implementar atividades turísticas no âmbito das

unidades familiares de produção. Estas propostas foram concebidas dentro de uma

perspectiva geral que visa construir uma estratégia, considerando a agricultura familiar a força

motora para um desenvolvimento rural. Segundo ROSSETTO16 (2003), estas propostas

buscam explorar "o enorme potencial do turismo enquanto atividade capaz de preservar o

meio ambiente, valorizar a cultura e gerar emprego e renda".

Em seu trabalho, Mattei (2003, p.18-39), analisou o potencial de geração de ocupações

não-agrícolas do ramo de turismo rural no estado de Santa Catarina, estado cuja dinâmica

agropecuária está assentada nas unidades familiares de produção, buscando compreender o

estágio atual desse setor de atividade, dando ênfase ao seu papel no desenvolvimento local. A

dinâmica de inserir atividades turísticas na produção familiar e a necessidade de promover

uma integração entre as propriedades tem repercussões diretas sobre a geração de emprego,

uma vez que a maior parte das ocupações criadas são temporárias ligadas às categorias

profissionais de menor qualificação e não são preenchidas por pessoas das localidades, mas

sim por trabalhadores de outros setores urbanos.

GRAZIANO DA SILVA, (1999, p.47-78), destaca alguns aspectos vinculados à

agricultura familiar que podem tornar-se fortes agregados se a atividade for aplicada de

maneira continuada e preservando os valores locais. O primeiro diz respeito à contribuição

que a atividade traz na permanência das pessoas da família na unidade de produção. Uma

outra consiste em buscar romper o isolamento dos agricultores pois a atividade se tornaria um

elo entre as pessoas das comunidades. Outra questão está associada a uma grande variedade

de produtos processados pelas famílias como os embutidos, derivados de leite, mel, cachaça,

melado, além de serviços de restaurante que comprovam a vitalidade dessas pequenas

propriedades e demonstram seu papel no comportamento positivo da atividade. A proposta de

implantação do turismo rural deverá ser focada na multifuncionalidade da agricultura e do

espaço rural, enquanto estratégia para garantir a reprodução das unidades familiares de

produção agropecuária.

Turismo rural: Um breve panorama no modelo brasileiro

16 Ministro Miguel Rossetto, do MDA, pronunciamento durante lançamento do programa em novembro de 2003, arquivo MDA/2003.

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São cada vez mais evidentes as transformações ocorridas no espaço rural brasileiro.

As multifunções destas unidades acabaram aportando uma variável muito grande de novas

atividades praticadas em áreas tradicionalmente agrícolas. Escrever sobre o turismo rural no

Brasil exige primeiramente buscar entender a sua tipologia. Graziano da Silva; Vilarinho &

Dale (2000, p.16-17),

Alertam para o problema encontrado ao estudar e descrever o turismo rural. Segundo os autores, o turismo rural engloba modalidades de turismo como: ecoturismo, agroturismo, turismo de aventura, que não se excluem e que se complementam, de forma tal que o turismo no espaço rural é a soma de todas essas modalidades.

Cals, Capellà e Vaqué (1995, p.23-26) complementam que consideram mais

apropriado referir-se à totalidade dos movimentos turísticos que se desenvolvem no meio

rural. Sendo o termo turismo rural usado para identificar atividades peculiares à vida rural,

seu hábitat, sua economia e sua cultura. Apesar da complexidade de definições sobre a

atividade todas elas convergem em entender o turismo rural como sendo uma prática no

contexto da pluriatividade praticado nos espaços rurais e que se diferencia conforme a adoção

de equipamentos e mobiliários e de acordo com as paisagens rurais.

O turismo rural no Brasil apresentou uma crescente demanda nos últimos 15 anos, em

função de uma fuga urbana e na busca pela tranqüilidade, por paisagens naturais e pelas

rotinas que o campo pode oferecer como uma alternativa à vida corrida do dia-dia nas

cidades. O sensível interesse por esse segmento do turismo se manifesta principalmente na

Europa do final do século XIX, em decorrência de um crescimento muito intenso das grandes

cidades, as transformações ocorridas nestes núcleos urbanos e uma decadência da qualidade

de vida. Essas atividades no Brasil, porém, aparecem a partir dos anos de 1980, concentradas

principalmente nos estados do sul do país, destacando o Estado de Santa Catarina que se

tornou pioneiro na prática do turismo rural, uma vez que apresenta um conjunto muito grande

de mobiliários e atrativos para a sua prática advinda das tradicionais formas de produção

agrícola de bovinos e grãos que foram aos poucos sendo abandonadas e apropriadas por esse

novo segmento econômico.

Segundo Requena e Avile’s (1993, p.6),

a oferta do turismo rural é diferenciada dos outros tipos de turismo pela preocupação de permitir aos visitantes um contato personalizado, uma inserção no meio rural físico, bem como uma participação nas atividades, costumes e modos de

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vida da população local, integrando-se a seus hábitos e crenças. A extensão cultural e pedagógica do turismo rural e estudos europeus evidencia que adeptos dessa modalidade atribuem grande importância aos valores locais.

As comunidades ligadas ao turismo rural deverão encontrar o equilíbrio entre os

custos e os benefícios do turismo rural, dos quais Ruschmann (1991, p. 26) destaca como

fatores positivos “a possibilidade de revitalização dos recursos naturais, culturais e históricos

de uma área rural; promoção e estímulo à renovação nas localidades envolvidas”

evidenciando como fatores negativos “a diminuição da qualidade de áreas naturais e

históricas pelo excesso de turistas; aumento de ruídos e efluentes, faltas de inserção da

comunidade no processo”. Assim, o turismo rural somente trará frutos positivos quando sua

prática for voltada para a valorização do homem do campo, no respeito à sua autenticidade e

para a estabilidade ecológica do meio natural. Um importante fator de indução do

crescimento de atividades não-agrícolas no meio rural tem sido o aproveitamento das

propriedades para a esta prática como no Fazenda Hotel. GRAZIANO DA SILVA (1997,

pp.36-40) define que

a fazenda hotel está voltada para uma clientela urbana cada vez mais carente de contato com o cotidiano da terra, com a rotina de um modo de vida que, pelo menos no imaginário urbano, remete a uma reconciliação com a natureza. O hotel-fazenda consiste em empreendimento implantado no espaço rural com características extremamente urbana como as piscinas, saunas e outros equipamentos.

Na maioria das vezes, essas fazendas permanecem com suas atividades produtivas. O

turista, além de andar a cavalo e contemplar paisagens, pode vivenciar rotinas como a

ordenha e a alimentação do gado. Nessa busca, o conforto acaba se tornando um fator

secundário, ao contrário da autenticidade de uma velha sede colonial. Nos últimos 20 anos,

as transformações no espaço rural brasileiro se tornaram mais visíveis principalmente com a

introdução de atividades urbanas no cotidiano rural. Roque (2004, p.12) pressupõe que “na

atualidade, para se proceder ao reconhecimento dos espaços rural e urbano, é necessário

focalizar os processos de interação entre ele”, ou seja, não se pode analisar separadamente

estes espaços, um automaticamente depende do outro para seu desenvolvimento. Existe na

verdade um reposicionamento do espaço agrário em relação à velocidade com que se integra

às relações com o urbano. Afirma ainda FROEHLICH; RODRIGUES, 2000, P.89-92, “o

rural hoje só pode ser entendido como um continuum do urbano (...)”, ocorrendo um “(...)

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transbordamento do mundo urbano naquele espaço que tradicionalmente era definido como

rural”.

A expansão deste segmento no mundo nos remete a lembrar que, após a Revolução

Industrial, ocorreu um processo migratório muito grande de pessoas dos espaços rurais para

os centros urbanos buscando de certa forma uma melhoria no padrão de vida. Esse processo

aos poucos vai se invertendo até termos a possibilidade de identificar um fluxo urbano-rural

na busca pelo ar do campo, visita a familiares, contato com costumes, hábitos e gastronomia.

Porém, foi no século XX que o turismo em áreas rurais começou a ser reconhecido como

atividade econômica. Desde a década de 1950, as atividades turísticas rurais são

consideradas estratégicas de desenvolvimento local em muitos lugares, como na Europa e

Estados Unidos; na década de 1980 na América Latina e nos anos de 1990 até hoje, em

alguns locais como no Continente Africano, Oceania e Japão.

Segundo Piletti (1992, p.56-62), no Brasil relembrando nossa história, há mais de

1000 anos residiram aqui às aldeias pré-históricas em várias regiões do Brasil.

Posteriormente, com a invasão portuguesa logo se apossaram destas terras. A coroa

portuguesa dividiu essas terras através das Sesmarias e iniciou o plantio da cana-de-açúcar

após a retirada do pau-brasil. A intensificação das ações da coroa no Brasil efetivou a

colonização européia em nossas terras e aprofundou ainda mais a exploração dos recursos

minerais como as pedras preciosas deixando registradas suas identidades e transformando as

culturas locais conforme os moldes europeus.

As expedições formadas pelos bandeirantes delimitaram as terras reconfigurando o

interior do Brasil, bem marcado nos estilos das casas coloniais do interior do Vale do Piraí no

Rio de Janeiro, Sul de Minas e nas cidades históricas de Ouro Preto, Mariana, Tiradentes,

Diamantina, Parati e outras, no denominado “interiorização de colonização”. Os primeiros

registros de turismo rural datam já no século XVI, onde, na Espanha surgem as primeiras

hospedarias rurais na região de Santiago da Compostella. A Alemanha mantém há mais de

150 anos, empreendimentos turísticos rurais, denominados Fazendas Hospedeiras no quais os

visitantes interagem com atividades desenvolvidas no campo.

No Brasil, o turismo rural chegou na década de 1980, sendo o processo de interação

da agropecuária com o turismo, visto até então como um componente inovador, mas que já

mostrava os seus primeiros resultados, sendo visualizado como uma alternativa de renda.

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Para Meirelles Filho (1994, p.24-36), o turismo em áreas rurais pode tornar-se,

A grande alternativa para as propriedades rurais no Brasil. A agricultura e a pecuária já não são tão rentáveis, e fazendeiros com a corda no pescoço descobrem que podem obter lucros abrindo suas propriedades para o turismo. No sul, em Lages (SC), há experiências muito bem-sucedidas nesse sentido. No estado do Rio de Janeiro, na região de Vassouras, o turismo rural também vem ganhando espaço.

Amparando essa citação, Cavaco (1995, p. 10-1), “propõe uma redefinição do papel

que o meio rural deve desempenhar no conjunto da sociedade”. A autora acrescenta ainda

que nos anos de 1990, o turismo rural cruza com um turismo baseado nas questões

ambientais, que também pretende ser responsável e preocupado em evitar custos ambientais e

sociais. Abramovay (1997) também faz referência à situação brasileira. Segundo o autor, é

decisivo combater o preconceito de que ruralismo é sinônimo de atraso e ampliar o leque

dentro do que elaboram os projetos de desenvolvimento do espaço rural. O papel econômico

da agricultura tende a ser declinante. Em compensação, é no meio rural que definiremos, em

grande parte, o tipo de relação que a sociedade manterá com a natureza. Desta forma,

podemos identificar a atividade de turismo rural como uma forma importante de interação

social, de resgate da cultura e de valores encontrados na vida do homem do campo.

Formatando um panorama do turismo rural no Brasil, Almeida, Froehlich & Riedl

(2001, p. 56), destacam o surgimento dos primeiros empreendimentos turísticos rurais na

década de 1980 na Região Sul. “O caso da Fazenda Pedras Brancas, localizada na cidade de

Lages (SC), vem recebendo visitantes desde 1983, sendo batizada como a capital brasileira

do turismo rural em função do volume de empreendimentos que surgiram e nela está a sede

nacional da Associação Brasileira de Turismo Rural – ABRATURR”.

Rodrigues (2000, p.60-62), sugere duas origens para o turismo rural brasileiro, “o

primeiro de cunho histórico e o segundo, de natureza contemporânea”. No primeiro,

identificam-se as atividades de origem agrícolas, as influências da colonização européia. Já o

segundo trata dos meados da década de 1970, quando turismo assume maior significado

como atividade econômica, contrapondo-se ao turismo de sol e mar. Segundo Roque (2004,

p. 17), nas décadas de 1980 e 1990, o movimento pelos empreendimentos explorando a

atividade no espaço rural se espalha pelos Estados de “São Paulo, Rio Grande do Sul,

Espírito Santo, Santa Catarina e Minas Gerais”. Antigas propriedades começam abrir suas

portas e receber os turistas.

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Segundo dados da Associação Brasileira de Turismo Rural-ABRATUR (2005), na

região nordeste as atividades estão concentradas principalmente nos Estados da Bahia,

Pernambuco e Ceará, que retratam a história do Brasil Colônia. Exemplo disso é o município

de Tejuçuoca (CE), que oferece hospedagem e comidas típicas. No norte do país a Ilha de

Marajó é o referencial deste segmento, destacando o município de Soure (PA) que oferece

um conjunto que, além da cultura rural, possibilita ao turista um contato com a fauna e flora

silvestre. Destaque para a Fazenda São Jerônimo que cativa o visitante também com

apresentações folclóricas. Na Região Centro-Oeste todos os estados apresentam uma

tendência muito grande ao desenvolvimento da atividade, destacando o roteiro pantaneiro

próximo à cidade de Campo Grande-MS que leva o turista ao contato com antigas fazendas.

No Mato Grosso o entorno da cidade de Cuiabá oferece uma mistura de turismo rural com

lazer perí-urbano17, o turismo de pesca e as fazendas. No estado de Goiás destaque para a

cidade de Goiás Velho e entre as cidades de Brasília e Anápolis o empreendimento trem da

Serra. Finalmente a região Sudeste que vem desenvolvendo atividades em todos os estados,

destacando o estado do Espírito Santo nos municípios de Alfredo Chaves de colonização

italiana. No estado do Rio de Janeiro nas regiões de Paty dos Alferes, Palmeiras e Barra do

Piraí com fazendas construídas no final do século XVIII. No estado de São Paulo destaque os

circuitos como das frutas e do rodeio que utilizam os ranchos e fazendas para o despertar da

atividade. No estado de Minas Gerais existem os circuitos regionais no entorno das cidades

históricas com destaque para a cidade de Tiradentes, o sul de minas e o triângulo mineiro.

Considerações finais

A busca pela compreensão que passa o meio rural brasileiro trouxe à tona algumas

especificidades inerentes à dinâmica de suas transformações que refletem no todo um

processo de redefinição das relações da população rural com o meio em que se vive, mediadas

pela forma multiativa que se desenvolve, o que tem levado à conquista de novas estratégias de

produção e de reprodução social.

17 RODRIGUES (2.000) em ensaio de uma tipologia, que define como empreendimentos no espaço rural, geralmente no entorno da cidade sem nenhuma característica rural, nem mesmo nas relações de trabalho que visa apenas explorar o espaço rural. Ex. pesque e pague.

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Frente à constatação de que o espaço rural brasileiro em muitas regiões está passando

a exercer novas funções no conjunto de suas atividades e incorporando estruturas destinadas à

produção de bens e serviços não-agrícolas, entre eles o voltado para o lazer e o turismo;

começamos a conviver com uma nova relação entre o essencialmente tradicional,

eminentemente agropastoril, e a possibilidade de aderir a essas atividades um novo elemento

no bojo deste universo.

Para Nogué (1989), conservar a autenticidade da paisagem não significa mantê-la

estática ou fossilizada, pois a paisagem é em si dinâmica e constitui o resultado de uma

tensão dialética contínua entre elementos abióticos, bióticos e humanizados. Trata-se,

portanto, de conservar a originalidade de seus elementos constituintes sem questionar o seu

dinamismo, preservando assim o caráter do lugar.

Não resta somente aplicar o conceito da pluriatividade e implantar estas novas

atividades. É necessário que essa relação venha acompanhada de todo um conjunto de

mecanismos que promovam realmente o bem-estar do morador rural, principalmente o

pequeno produtor. Não podemos assistir novamente o privilégio que as políticas públicas

sempre deram para o grande produtor, pois queremos estar promovendo um campo um pouco

mais justo.

Identificamos ao longo deste artigo que as ocupações agrícolas são as que geram

menor renda; e que o número de famílias agrícolas está diminuindo, pois elas não conseguem

sobreviver apenas de rendas agrícolas. Nem mesmo o número das famílias pluriativas, nas

quais seus membros combinam atividades agrícolas e não-agrícolas, vem aumentando.

Devido à queda da renda proveniente das atividades agropecuárias, as famílias rurais

brasileiras estão se tornando cada vez mais não-agrícolas, garantido sua sobrevivência

mediante a busca das transferências sociais como a aposentadoria e pensões.

Por isso cada vez mais o meio rural deixou de ser sinônimo de agrícola e passou a ser

o local de atividades que eram tipicamente urbanas. O declínio do lugar da agricultura nas

atividades e ocupações no espaço rural foi acompanhado pelo surgimento de funções não-

agrícolas. Segundo o autor, a procura por esses usos tende a aumentar, e a questão que se

coloca é saber quem se encarregará da oferta desses novos serviços no interior das sociedades

rurais.

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Por fim constata-se uma grande complexidade nos fatores que influenciam a estrutura

ocupacional dos residentes rurais. É preciso que as políticas assumam um enfoque integrador

das atividades agrícolas e não-agrícolas, ao mesmo tempo em que utilizem diferentes

instrumentos de política econômica e social para promover um modelo de desenvolvimento

rural que permita aos seus habitantes melhorarem suas condições de emprego, renda e

qualidade de vida.

Portanto, o fato concreto a ser frisado é que o crescimento explosivo das ocupações

não-agrícolas mostra que tão ou mais importante que continuar o seu fomento, seria imprimir

a essas atividades não-agrícolas um caráter mais ordenado, tanto socioeconômico como

ambiental e com reais melhorias nas condições de vida para todo o conjunto de residentes

rurais. Deixados à sua própria sorte, o novo rural brasileiro pode reproduzir muitas mazelas,

tornando inviável um promissor desenvolvimento.

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