enraiar uma roda

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Enraiar uma Roda Enraiar uma roda é provavelmente a tarefa mais difícil de fazer numa bicicleta, no entanto nada que um pouco de paciência não resolva. Enraiar uma roda (ou seja, de um monte de raios, um aro e um cubo montar uma roda bem alinhada), começa logo na escolha do tamanho dos raios. Esta é a parte mais stressante do processo, uma vez que um erro nos cálculos pode sair caro. Antes de comprar os raios, é necessário já ter definido que aro e cubo iremos usar. Depois de possuir-mos o aro e o cubo (ou baseando-nos nas medidas do fabricante, no entanto não devemos acreditar sempre no que a marca diz, sempre que possível é preferível medirmos nós próprios, ou saber através de alguém que tenha o mesmo material), devemos ter em conta vários valores: no caso do aro é necessário saber o seu ERD (Effective Rim Diameter), ou seja, o diâmetro não do aro mas do circulo teórico que os raios formarão depois de colocados, e mede-se facilmente usando duas cabeças de raio e dois raios quaisqueres. Esta é a medida que mais influencia o tamanho dos raios, logo é a medida que deve ser mais precisa. 1. - Enroscar as cabeças nos raios e colocar em pontos opostos (Colocar um dos raios num qualquer buraco e depois usando usando a fórmula (N - 2)/2 (sendo N o numero de furos do aro), o resultado é o numero de buracos que deverão estar entre os dois raios para garantir que estão em pontos opostos. 2. - Medir a distância entre as pontas dos raios. 3. - Medir o conjunto raios + cabeças ("B"), multiplicar por 2, somar a distância medida no ponto 2 e o resultado é o ERD, como indica a figura:

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Enraiar uma Roda

Enraiar uma roda é provavelmente a tarefa mais difícil de fazer numa bicicleta, no entanto nada que um pouco de paciência não resolva. Enraiar uma roda (ou seja, de um monte de raios, um aro e um cubo montar uma roda bem alinhada), começa logo na escolha do tamanho dos raios. Esta é a parte mais stressante do processo, uma vez que um erro nos cálculos pode sair caro.

Antes de comprar os raios, é necessário já ter definido que aro e cubo iremos usar. Depois de possuir-mos o aro e o cubo (ou baseando-nos nas medidas do fabricante, no entanto não devemos acreditar sempre no que a marca diz, sempre que possível é preferível medirmos nós próprios, ou saber através de alguém que tenha o mesmo material), devemos ter em conta vários valores: no caso do aro é necessário saber o seu ERD (Effective Rim Diameter), ou seja, o diâmetro não do aro mas do circulo teórico que os raios formarão depois de colocados, e mede-se facilmente usando duas cabeças de raio e dois raios quaisqueres. Esta é a medida que mais influencia o tamanho dos raios, logo é a medida que deve ser mais precisa.

1. - Enroscar as cabeças nos raios e colocar em pontos opostos (Colocar um dos raios num qualquer buraco e depois usando usando a fórmula (N - 2)/2 (sendo N o numero de furos do aro), o resultado é o numero de buracos que deverão estar entre os dois raios para garantir que estão em pontos opostos. 

2. - Medir a distância entre as pontas dos raios. 

3. - Medir o conjunto raios + cabeças ("B"), multiplicar por 2, somar a distância medida no ponto 2 e o resultado é o ERD, como indica a figura:

Na figura o "A" é a distância entre os dois raios opostos e "B" é o comprimento do conjunto raios + cabeças.

Convém fazer pelo menos duas medições em diferentes pontos do aro e fazer a média. No caso de ser um aro que já foi usado convém mesmo medir o máximo possível, pois já não estará perfeitamente redondo, havendo por isso variações acentuadas no ERD dependendo de

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onde se mede.

Esta é a forma de medir o ERD, no entanto por vezes não é possível medir o ERD do aro antes de comprar os raios (quando compramos ambos ao mesmo tempo), nesse caso podemos ver o ERD indicado pelo fabricante, no entanto é preciso ter em atenção que, por exemplo, os ERD's indicados  pela Mavic estão errados. O ERD que eles erradamente indicam é apenas o diâmetro do aro, pelo que caso comprem mavic confiram em fóruns ou através de alguém que possua o mesmo modelo que querem comprar o ERD correcto. No meu caso o que posso dizer é que o ERD das Mavic Ex729 é 539mm em vez dos 534mm anunciados por eles.

Apesar de algo incomum (nas rodas até 36 raios), por vezes a furação dos aros é assimétrica (os furos não estão todos ao centro), sendo nesse caso necessárias mais medições ao aro.  

Começamos por determinar onde é o centro do aro, ou seja, a linha onde os furos se encontrariam se estivessem todos centrados. Para isso mede-se a largura do aro (o "W" na figura) e divide-se por 2. O resultado é a linha do centro do aro, ou seja,  a medida "L" da figura. 

Depois disso medir a distancia desde a lateral do aro até ao furo (centro do furo) mais próximo (medida "H" da figura), e subtrair essa medida ao "L", ou seja, L - H = P. 

Se não for possível saber o valor de "P" por qualquer motivo, façam os cálculos como se o aro fosse simétrico e depois adicionem 1mm aos raios do lado direito e tirem 1 mm aos raios da esquerda.

Medido o aro, falta o cubo. O objectivo das medições do cubo é garantir que depois de enraiada a roda o aro fica centrado no cubo.

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Uma das medidas importantes de um cubo é o diâmetro das falanges (medida "d" da figura acima), medição entre os centros de 2 buracos opostos da falange. Atenção que por vezes as falanges são assimétricas (uma é maior que a outra). Nesse caso, registar o diâmetro para o lado esquerdo e o diâmetro para o lado direito.

 A medida "s" é o diâmetro de um buraco da falange (normalmente 2.6 mm).

As medições de comprimento do cubo não necessitam de grande precisão, pois alguns milímetros de erro nos comprimentos resultam em fracções de milímetros de erro nos cálculos, no entanto convém manter tudo o mais correcto possível. 

Começar por medir a medida "E", que normalmente é 135 ou 150mm. Depois medir "A" e "D", colocando a porca de aperto (não o eixo) na borda de uma mesa e medindo desde a borda da mesa até à falange do cubo, como mostra a figura abaixo:

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Medido o "A" e o "D", calcular "B" usando a fórmula: B = (E/2) - A. Analogamente, C = (E/2) - D.

Nota: E/2 resulta na linha divisória azul.

Temos portanto o cubo medido, sendo que convém reter as medidas "d", "B" e "C", sendo "d" o diâmetro da falange, "B" a distância da falange esquerda ao centro do cubo e "C" a distância da falange direita ao centro do cubo.

Medições feitas, falta apenas determinar que padrão de enraiamento se usará. O mais comum é o cruzado 3x,em que cada raio cruza 3 outros raios. Provavelmente as vossas rodas actuais são cruzadas 3x.

Depois de tudo decidido e medido, é hora de usar o máximo possível de calculadoras, de modo a evitar erros de cálculo, algo que acontece por vezes nas calculadoras (não é por nada que quem as fez coloca avisos de responsabilidade).

Para quem quiser é possível calcular em papel, com esta fórmula matemática. No fundo todas as calculadoras se baseiam nessa fórmula.

As mais conhecidas são a calculadora da DT Swiss e a do infelizmente já falecido Sheldon Brown, a spocalc (ficheiro excel, pode dar um erro relativo a macros, é so clicar Aceitar) . A spocalc é extremamente completa e precisa, e quer a spocalc como a calculadora da Dt swiss para mim acertaram em cheio nas medidas.

Se usarem a calculadora da Dt Swiss, o resultado final são as medidas "rounded" que aparecem a negrito. Devem também ter em atenção na altura da compra dos raios o tamanho das cabeças que acompanham esses raios. 

Existem cabeças de 12, 14 e 16mm ou seja, se tivermos 2 raios, um com cabeça de 12 mm e outro com cabeça de 16mm, apesar de servirem ambos na montagem, o com cabeça de 12mm é maior do que o da cabeça de 16. Isto significa que se comprarem raios pequenos podem compensar com cabeças maiores, até porque fica mais barato as cabeças que raios novos.

Como irão reparar na altura da compra dos raios, estes são normalmente vendidos em medidas de 2 em 2 mm, ou seja, existe tolerância de erro de 1 mm nos cálculos. 2mm já é abusar da sorte. A medida ideall é não ficar rosca nenhuma do raio fora da cabeça, ou seja, nem muito grande nem muito curto. Idealmente o topo da rosca do raio deveria coincidir com o topo da cabeça, embora muitas vezes fique 1 mm abaixo ou acima, embora seja preferível que esse milímetro fique abaixo do topo da cabeça de modo a evitar problemas com a câmara de ar.

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É também normal as medidas darem diferentes para a esquerda e para a direita , e essa diferença ser superior a 2 mm. Isso resulta das medidas de cada falange ao centro do cubo, que também deverão ter grande discrepância, sendo mais normal na de trás devido ao cepo do cubo que ocupa muito espaço do lado direito. Por exemplo, caso vos dê uma medida 254 para a esquerda e 255 para a direita, comprem todos os raios 254. Se vos der 254 para a esquerda e 256 para a direita, comprem metade 254 e outra metade 256.

A spocalc tem instruções bastante úteis com ela. O padrão de enraiamento na spocalc é no campo "cross number", que será 3, se usarem o padrão cruzado 3 vezes. Se o vosso aro for assimétrico, façam B - P e metam o resultado no " WL, width from center to left flange" e C + P e metam o resultado no " WR, width from center to right flange".

Na calculadora da Dt Swiss, a vossa medida "d" será colocada no campo "Pitch circle diameter", tendo a seguir dois espaços: o "le" e o "ri". O "le" é a medida "d" da falange esquerda e o "ri" é o "d" da falange direita.

Depois a medida "B" é colocada no campo "Flange distance" na parte do "le". A medida "C" é colocada no campo "Flange distance" na parte do "ri". Se o vosso aro for assimétrico, façam B - P e metam o resultado no "le" e C + P e metam o resultado no "ri".

No campo "Ø of spoke hole" colocam a medida "s".

No campo "Spokes", mesmo que não vão usar raios Dt Swiss, escolham a opção que tenha a mesma espessura dos raios que vão usar. Por exemplo, vão usar um raio qualquer de 2 mm. Escolhem por exemplo "DT Champiom 2.0".

No campo "No. of spokes" metem o numero de raios que a vossa roda vai ter.

No campo "No. of intersections" metem o padrão de enraiamento, que é igual tanto no "le" como no "ri". Se o vosso padrão for cruzado 3 vezes como é explicado a seguir, metam 3 no "le" e no "ri".

Finalmente no campo "Nipple" fazem o mesmo que no campo "Spokes": escolhem a opção com as medidas iguais às que vão usar. Por exemplo, se vão comprar raios de 2mm de espessura que vêm com cabeças de 14 mm, escolhem por exemplo "DT Alu 2.0/ 14mm".

No caso da spocalc tenham em atenção que a spocalc calcula os raios para cabeças de 12mm apenas, por isso se quiserem usar cabeças de 14 têm de somar 2mm ao resultado dado pela spocalc (ou mais 4, se quiserem cabeças de 16mm).

Calculado a medida dos raios, hora de comprar e juntar tudo:

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Neste caso os raios estão todos juntos pois são todos iguais (254 mm), caso os vossos raios sejam diferentes entre si convém não misturar, e não trocar os da direita com os da esquerda.

Nesta montagem usámos cubos DMR Revolver, raios DT Swiss Champion de 2 mm de espessura com cabeças de 14 mm e aros Mavic ex729.

Para começar a montagem pegar no monte de raios destinado ao lado direito (lado da transmissão, lado contrario aos apoios do disco) e colocar raios na falange direita do cubo, deixando um buraco entre cada raio, como mostra a imagem:

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Como já devem ter percebido, começamos por colocar os raios interiores, uma vez que os exteriores é que vão cruzar os interiores (interiores porque saem do lado de dentro da falange).

Feito isto, localizar o buraco da válvula no aro, pegar num raio qualquer do cubo e colocá-lo no primeiro buraco à direita do buraco da válvula como mostra a figura abaixo:

Depois deixar 3 buracos a intervalar e colocar o raio seguinte, e assim sucessivamente até usar todos os raios que estão no cubo, deixando sempre 3 buracos entre 2 raios, como mostra a imagem abaixo:

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Não apertem muito as cabeças, só o suficiente para segurar o raio no sitio sem cair.

Nesta fase estão colocados 8 raios, pois é um aro de 36 furos. Caso o vosso seja de 32, vão ter 7 raios colocados, se for de 28 terão 6 colocados, etc, mas têm de ter sempre 3 buracos livres entre cada dois raios.

Não se preocupem se os raios estiverem completamente curvos e tortos e pareçam que não cabem na falange do cubo. Depois com a tensão eles endireitam e ficam melhores na falange.

Colocados os raios interiores do lado direito, hora de colocar os do lado esquerdo. Virar a roda e colocar os raios na falange do cubo, deixando 1 buraco entre cada dois raios. Não existe ordem para colocar estes raios na falange, pois se repararem se colocarem um raio num buraco da falange do lado esquerdo e o deixarem ir em linha recta até a falange do lado direito, fica entre dois buracos, ou seja, os buracos do lado direito não coincidem com os buracos do lado esquerdo.

Colocando os raios interiores na falange esquerda (tendo novamente em atenção se meteram na falange esquerda os raios certos para o lado esquerdo), e tendo novamente em conta o facto de os buracos da falange esquerda não coincidirem os com buracos da falange direita, visto de frente, e com atenção ao buraco da válvula, terão um raio interior do lado esquerdo por colocar, terão o primeiro raio que colocaram (que está agora do lado esquerdo do buraco da válvula) na falange de baixo (vendo de cima a falange da esquerda), e um buraco livre na falange do lado esquerdo, isto numa visão da esquerda para a direita, como mostra a imagem abaixo: 

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Tendo então a roda com o lado esquerdo (do disco) virado para nós, identificar a primeiro raio que colocaram (que é agora o raio que está logo à esquerda do buraco da válvula). 

Pegar no raio da falange da esquerda imediatamente a seguir ( na imagem acima, o "raio da esquerda que terão por colocar"), e colocá-lo no buraco antes do primeiro raio que colocaram, ou seja, no buraco à esquerda do primeiro raio que colocaram (atenção para não colocar do outro lado do buraco da válvula (tendo em conta que isto se torna algo confuso, é um erro algo comum)). Repetir para os restante raios, colocando os raios do lado esquerdo sempre do lado esquerdo do raio da direita que já la está. Visto de cima, os raios não se podem "cruzar" de maneira nenhuma.

Com todos os raios interiores colocados, hora de rodar os raios:

Este rodar serve para puxar os raios para dentro da roda. Este rodar pode ser feito em qualquer sentido, no entanto convém rodar para o lado em que a zona do buraco da válvula fica mais aberta, de modo a facilitar depois o encher do pneu. 

Notar que mesmo depois deste rodar de raios os raios interiores continuam a não se "cruzar" de maneira nenhuma, se virem de cima.

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Colocados os raios interiores, colocar os exteriores, ou seja, os raios que saem do lado de fora da falange. 

Tal como nos internos, comecemos pelos raios do lado direito. Colocar os raios destinados ao lado direito nos buracos livres da falange direita de modo a saírem do lado exterior da falange. Depois pegar num raio qualquer, e colocar o raio orientado a favor do sentido da rotação que deram aos raios interiores, como mostra a figura abaixo:

Tal como a figura sugere, depois do raio estar orientado a favor do sentido de rotação dos raios interiores, vão reparar desde logo que o raio pode cruzar 3 raios interiores do lado direito por cima e conseguir chegar a um buraco, no entanto apenas os dois primeiros raios são cruzados por cima, uma vez que o ultimo é cruzado por baixo. 

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Não tenham medo de dobrar o raio para passar por baixo, apenas tenham cuidado para não riscar o aro.

Nos pontos 1 e 2 o raio exterior cruza os interiores por cima e no ponto 3 cruza o raio interior por baixo.

Fazer igual para os restantes raios do lado direito:

Fazer o mesmo para o lado esquerdo, tendo em conta o facto de orientar os raios exteriores a favor do sentido de rotação dos raios interiores, cruzando cada raio exterior 3 raios interiores. 

Nesta fase é possivel que cheguem a um ponto em que não conseguem chegar com o raio à cabeça por mais força que façam, ou que depois de montada a roda tenham as cabeças fora do aro mesmo estando todas enroscadas aos raios.

O que podem fazer nessa situação (por mais frustrante que possa ser) é retirar todos os raios externos que montaram no lado esquerdo, desmontar os raios externos do lado direito e ainda os raios interiores do lado esquerdo, deixando apenas 1.

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Resumindo, a roda ficara só com os raios interiores do lado direito e um raio interior do lado esquerdo.

O que fazem agora é pegar no raio interior esquerdo que lá está e colocá-lo no buraco seguinte da falange, e a partir dai fazer o processo normal, colocando cada raio interior à esquerda de cada raio interior direito.

Se no fim não tiver resolvido a única coisa a fazer é rever as contas e arranjar outros raios ou cabeças.

No fim, se o padrão de enraiamento estiver certo, verão que se formou uma estrela no lado direito e uma estrela no lado esquerdo:

No fim confirmem que no aro há alternadamente 1 raio do lado esquerdo e 1 raio do lado direito e apertem as cabeças até a rosca de todos os raios estar dentro das respectivas cabeças, de modo a todos os raios terem a mesma tensão base.

 Antes de darem essa tenção base, é normal que os raios estejam tortos e curvos, pois ainda não têm tensão:

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Para a roda de trás o procedimento é igual, com o padrão de enraiamento cruzado 3 vezes.

Ter sempre em atenção quais são os raios da esquerda e os raios da direita.