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ENQUANTOCAIO

MARCELO ROCHA

metamorfose

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Texto de acordo com a Nova Ortografia

Edição: William Boenavides

Capa: Marcelo Spalding a partir de fotografias de Juliana Salbego

Revisão Linguística: William Boenavides

Diagramação: Marcelo Spalding

Conselho Editorial da Editora Metamorfose:Ana Mello, Débora Porto, José Carlos Rolhano Laitano, Lucas de Melo Bonez, Marcelo Spalding e William Boenavides

R672e Rocha, Marcelo Enquanto Caio / Marcelo Rocha. – Porto Alegre: Metamorfose, 2016. 154 p. ; 14X21cm. - ISBN: 978-85-68175-69-9

1. Literatura Brasileira – Novela 2. Literatura Gaúcha – Novela I. Título.

CDD B869.3

Bibliotecária Alexandra Naymayer Corso – CRB10/1099

Todos os direitos desta edição reservados à Editora Metamorfose

www.editorametamorfose.com.br

(...) É uma palavra que eu queria perguntar a você...(...) – Metem-se o quê? – perguntou ele.

– Aqui está – disse ela – Que é que isto significa?Ele inclinou-se e leu cerca da unha polida do polegar.

– Metempsicose?

( James Joyce, Ulisses)

Marcelo Rocha | 5

APRESENTAÇÃO

Um ensaio mofado

Aventurar-se na escrita de si é parte dos desafios inusita-dos que encontramos na fluida narrativa de Enquanto Caio. Finalista em 2016 do Prêmio Fomento Literário da AGES (Associação Gaúcha de Escritores) em parceria com o Cen-tro Cultural Erico Verissimo e com a Editora Metamorfo-se, o livro de Marcelo Rocha se destaca pela forma ousada de narrar. Recorre ao experimentalismo formal ao mesmo tempo em que evoca uma boa, embora incerta e irregular, tradição de composição fragmentada, representada na obra por seus capítulos curtos e incisivos. Tal tradição, que cos-tuma ser acompanhada por um tom irônico e parodístico, remonta a autores como Xavier de Maistre, no seu Viagem ao redor de meu quarto, Laurence Sterne, em Viagem sentimental, ambos lá do distante séc. XVIII, e, em língua portuguesa, a Viagens na minha terra, de Almeida Garret, no século seguin-te. Seja em “viagens” propriamente ditas ou meramente metafóricas, essas obras estão sempre a serviço da represen-tação da busca de algo.

Trazido de forma explícita ao referencial da literatura brasileira por Machado de Assis nas Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), esse estilo digressivo é atualizado na nar-rativa de Marcelo Rocha aqui apresentada. Enquanto Caio é uma espécie de “Viagem ao redor de mim mesmo” (título de um conto de Machado que sintetiza muito de nossa con-versa aqui), já que o narrador se considera um “insiliado”,

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uma espécie particular de exílio que se dá sob o próprio teto e em si mesmo.

O narrador protagonista faz aniversário no mesmo dia em que Caio Fernando Abreu faria se estivesse vivo. No mesmo e fatídico dia, ele tem a tarefa, tão enfadonha como a do seu aniversário, de enviar um ensaio sobre li-teratura e pós-estruturalismo para o suplemento cultural de um jornal local; um dos diversos e massacrantes fardos de sua condição de professor universitário. No espaço de seu escritório, desbravando brevemente outros espaços do apartamento, revelam-se horizontes imensos na in-terioridade do protagonista. Erudito, desfila por nossos olhos uma ampla lista de autores: Terry Eagleton, Ma-noel de Barros, Derrida, Santo Agostinho, Lima Barreto, Karl Marx, Dostoiévski, Cortázar, João Gilberto Noll, Eduardo Galeano, Luiz Ruffato e um caprichado etc.

A despeito de certa crítica ao restritíssimo universo de leitores nacionais, o narrador está longe de se escon-der numa trincheira de páginas das obras desses autores; antes, coloca-os à prova ao tratá-los com humor e mistu-rá-los a uma série impressionante de elementos comuns do cotidiano contemporâneo. Representando o atordo-amento de quem vive sob a mira do turbilhão de infor-mações que nosso tempo nos oferece, marcam presença no livro temas como esoteria online, futebol, notícias bi-zarras pelo mundo, política nacional, programas de rádio encantadoramente bregas, desculpas esfarrapadas de alu-nos, funk... Tudo isso junto ao manancial de teorias pós--modernas que invadiu o ambiente universitário do país sobretudo nas últimas duas décadas, que, estranhamente, é um tema de rara presença na literatura brasileira.

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Para além disso, percebe-se um narrador que ocupa um lugar deslocado dentro da própria família. Já “acos-tumado” com a esposa, com quem tem uma filha, conta ainda com um gato como integrante de seu ambiente do-méstico. Diante da procrastinação do protagonista, ins-taura-se um ar de melancolia e pessimismo. Arriscando o jogo de duplos entre Caio Fernando Abreu e si mesmo, sentimos o peso destrutivo do auto boicote nessa tenta-tiva de dar conta da tarefa de escrever aquele esquecido ensaio.

Contudo, por um caminho inusitado se chega a um lugar inusitado. De um ensaio mofado pode brotar algum morango, daqueles típicos de Caio. Entre a luz e a som-bra do escritório, alguma transformação se processa. E, para completar o curto périplo dessa apresentação, lem-bro as palavras do narrador que o definem com precisão “Sou um Robinson Crusoé contemporâneo e sedentário. Um Marco Polo às avessas”. Trabalhando nos desespe-ros e contradições dos sobreviventes da época em que nos toca viver, Enquanto Caio é sem dúvida um texto que merece ser lido. Um livro que fala em suas linhas e entre-linhas do nosso tempo e, por isso mesmo, vai além dele.

William Boenavides

“Há tantas auroras quenão brilharam ainda...”

(Rigveda)

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Na manhã do dia em que Caio F. faria 67 anos, eu ti-nha que entregar um ensaio para um jornal. O ensaio era sobre literatura e pós-estruturalismo para um suplemen-to de cultura. Quase ninguém lê suplemento de cultura. Quase ninguém lê nada. Talvez se leia o preço da carne de porco, da costela minga ou o preço da cerveja. E só.

Então, eu acordei meio com preguiça de escrever algo para eu mesmo ler e ter de retomar aquelas teorias to-das e, já às oito e meia, o telefone tocou com a moça da operadora lembrando que minha conta de celular estava atrasada: “O senhor poderia estar informando quando poderá estar regularizando...”, desliguei depois do segun-do gerúndio. Vou deixar que suspendam minha linha. Dane-se. “Eu vou estar deixando suspender” – deu-me vontade de responder à moça, se já não tivesse desligado.

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Ainda na manhã do dia em que Caio F faria 67 anos, alguns sites informavam que um asteroide gigante iria co-lidir com a Terra, entre 22 e 28 de setembro. Pena não ser dez dias antes, aí eu não precisaria escrever meu ensaio. Enfim, o jornal britânico “Daily Mirror” destacou que um grande treinamento militar, chamado “Jade Helm”, estava sendo realizado em vários estados norte-ameri-canos com intuito de preparação para o salvamento de nosso planeta.

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Teóricos bíblicos, por sua vez, diziam que esse contex-to marcaria o início de uma tribulação, ou seja, o período que antecederia a volta de Jesus Cristo.

A Nasa, contudo, contestou as informações e assegu-rou que nenhum asteroide atingirá a Terra nos próximos cem anos.

Em suma: o Apocalipse começou, mas não é pra já.

3

Iniciar um texto é sempre mais difícil. Iniciar qualquer coisa é sempre muito difícil. Sempre. Sou professor uni-versitário há mais de trinta anos. Trabalho em uma uni-versidade estadual e lido com a escrita o tempo inteiro. O início de um texto é o mais difícil, pois você precisa criar do nada. No princípio é o caos. É, sem dúvida, o mo-mento mais intrincado, mas o mais instigante também.

Quando tenho algo para escrever, e não consigo, eu conservo um hábito meio heteróclito: antes de tudo, es-crevo os seguintes versos da Ana Cristina César:

Tenho uma folha branca e limpa à minha espera:mudo conviteTenho uma cama branca e limpa à minha espera:mudo convitetenho uma vida branca e limpa à minha espera:

Esse texto serve para instar, instigar, provocar o tem-

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po futuro do ato da escrita. Convida a escrever. A Ana Cristina César aponta o caminho, joga para frente e, eu, muitas vezes arrastando-me aceito o convite e vou.

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Um por cima, um por baixo, uma laçada. Assim se tece um texto no início. Devagar e com cuidado, como no conto de Carlos Carvalho. Escrever é igual ao tricotar de Dona Santinha, personagem da narrativa, que tateia cega as agulhas, com a cabeça erguida, e ouve, ao mesmo tempo, com atenção, o movimento da casa ao redor. É preciso prestar atenção a tudo. Dona Santinha sabe.

Um por cima, um por baixo, uma laçada.

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Bricolagem é o ato de trabalhar com materiais frag-mentados, utilizando procedimentos que se afastam de normas. Bricoleur que sou, trabalho com as mãos, pala-vra por palavra. Palavras achadas, recolhidas, guardadas, misturadas, costuradas, em pedaços.

Trabalho pelo método mais primitivo, o da intuição e da vontade. Mas, primeiro posiciono tijolo por tijolo para, depois, como fazem as crianças, derrubar tudo. Es-palhar. Confundir.

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Sou quase máquina ou melhor, como diz Manoel de Barros: aparelho de ser inútil.

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Sempre que vou iniciar um texto, eu tenho a nítida im-pressão de que não vou conseguir escrever nada. Então, disfarço. Ligo o computador, olho para o lado, remexo as gavetas. Vou, pouco a pouco, adiando o encontro com o teclado. É preciso quebrar o gelo. Falar de outras coisas.

Acho que estamos prontos.

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Não recebi nenhum e-mail de aniversário até agora e já são quase nove horas. Nada. Nem propaganda de lojas de jarras plásticas ou espremedores de frutas. En-tão, redigi para mim mesmo uma mensagem, retirada da internet, cujo um dos versos diz: “o segredo é não cuidar das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas ve-nham até você.” O que eu quero com borboletas? Autoa-juda barata, claro. Pílulas para viver melhor. Pior: o texto ainda é atribuído, equivocadamente, ao Mario Quintana. Maldita internet.

Assim, para começar a manhã disposto e irritado, como sói acontecer, já está preparado o terreno. Eis, também, o segredo para a escrita: atenção total à moldu-ra do texto.

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A cigana Ísis, minha consultora esotérica online, disse--me, via chat, para eu cuidar-me, especialmente neste dia

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de aniversário. Segundo ela, o tarot de Marselha mostra um período de turbulência e um dia bastante exaustivo. Ísis disse para eu proteger a cabeça, colocando em um copo de água, um pedaço de carvão e deixando-o ao meu lado, no escritório. Quando o carvão afundar, é para eu jogar a água fora.

Quis conversar um pouco mais com a Ísis. Estava com problemas em casa, tenho um ensaio para escrever hoje e sinto-me bastante cansado. Queria falar também sobre minha aposentadoria, os anos de problemas na universi-dade, entre tantos outros assuntos. Porém, ela escreveu que o meu tempo estava esgotado e trinta minutos mais custariam quarenta reais.

Desisti.

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Minha vida é uma lembrança remota.Sou casado com a Júlia, há tanto tempo que já nem

lembro. Não sou bom com datas, calendários, aniversá-rios, efemérides. Mas, sei que hoje também faço 67 anos. Vivo um dia de cada vez. Aliás, vivo cada dia menos – cada dia é sempre um dia a menos. Percebo, claramente, a minha queda. Penso que eu e Júlia não estamos, neces-sariamente, casados, estamos acostumados. Temos uma filha, Mariana, inquieta e que não se acostuma a nada – ainda bem. Ademais, temos um gato, gordo, onipresente e lento. Lupi é o nome dele. Lupi incorporou-se ao am-biente. Na realidade, não sei quem influenciou a quem. O que sei é que nossa vida e o Lupi são devagar. Não andamos, somos andados ao ritmo das interrupções ex-

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ternas: aulas a ministrar – sim, como se não bastasse, so-mos professores – telefones, contas a pagar, barulhos do trânsito, buzinas, escola da Mariana, bancos, mais contas a pagar, cartórios e sirenes de ambulâncias.

Vivemos entre a lentidão de nossa vida em casa e a celeridade nervosa das ruas que nos circundam e que nos invade. Por isso, deixo meu escritório fechado. Por isso, deixo tudo meio escuro. Sinto-me mais tranquilo, assim, para escrever, corrigir, preparar aulas e não fazer nada.

Mas há sempre algo que nos espreita e que não adianta fechar tudo. Há sempre algo que nos invade.

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Eagleton escreveu que “se o estruturalismo separou o signo do referente, o pós-estruturalismo separa o signifi-cante do significado”.

Isso quer dizer que, ao ler uma frase, sua significação estaria sempre suspensa, isto é, uma palavra pode me le-var a outra palavra e outra e outra e outra e outra em um processo infinito. Semiose infinita. Um texto que oscila e é instável, tal como eu... Tal como eu? Provavelmente, sim.

Talvez a minha vida seja pós-estruturalista. Passei a vida procurando um centro, uma essência, uma estrutura fixa. Mas só conseguia transitar pela margem. Passei a vida tentando saber se estava na profissão certa, com a esposa correta, na cidade adequada. Mas nunca obtive resposta. Afinal, quem poderia responder?

Passei a vida de significante em significante. Escrever sobre pós-estruturalismo é quase como escrever uma au-tobiografia. Meu tempo em retalhos. Quase instantes.

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Nove horas e quarenta e sete minutos...Nada de ensaio.

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Oito em cada dez brasileiros postergam seu trabalho. Quatro em cada dez brasileiros estão desempregados. Um em cada dez brasileiros escreve ensaio. Nove em cada dez brasileiros não acreditam em estatísticas. Oito em cada dez jornalistas reforçam estereótipos. Doze em cada dez gaúchos são bairristas. Nove em cada sete baia-nos tiram-o-pé-do-chão ao ouvir axé. Dez em cada dez brasileiros já alteraram, por confusão ou deliberadamen-te, alguma estatística em favor de seus argumentos.

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Eu preciso dizer que...É como se...Eu preciso falar...Meu estilo é este: a interrupção. Narro por interferên-

cias. Ruídos. Muitas vezes, a escrita fratura-se e retorna contradizendo a si mesma. Meu texto se compõem de anacolutos e reticências. Faz tempo. Desde que a me-mória aduziu-se falha. A frase para. Fica ali. Começo de novo. E vai. E para. E vem.

Tentarei consertar tudo isso com o ensaio. Mas, no fundo, acho que tudo fica melhor assim, aberto, inter-rompido, suspenso no ar. O sentido não se fecha com um ponto final. Fica ali, antecedido por reticências...

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Mas, afinal, o que é literatura? É Isto:Azulera o gatoAzulera o galoAzulO cavaloAzulTeu cu (...)Ferreira Gullar

Ou não?Vou pegar um café.

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Mas, afinal, o que é um ensaio?A etimologia de ensaio aponta para “tentativa”, “inaca-

bamento” e “experiência”. Em sua origem, ensaio signi-ficava a tentativa de explicar determinada realidade por meio de exposições pessoais do escritor acerca de assun-tos de seu domínio.

O primeiro a assumir o termo ensaio foi Montaigne, em 1596, redigindo seus textos em tom coloquial para transmitir familiaridade com o assunto enfocado. Uma das marcas do ensaio, especialmente os de Montaigne, é a impressão de que nele se traduzia diretamente o pensa-mento em palavras, sem quaisquer artifícios de expressão.

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Em geral, o ensaio assume uma forma livre e assis-temática para a defesa de um ponto de vista subjetivo a respeito de determinado assunto.

Texto livre e pessoal? Isso é horrível! Como lidar com tamanha liberdade para escrever um texto?

Na universidade, nunca pedi aos alunos que escre-vessem sobre temas livres. Se delimitando o tópico a ser tratado, eles já se perdem em digressões perfunctórias e infinitas, imagina se o tema é livre.

Se deixo o tema livre eles escreveriam sobre a hipó-tese da terra-plana e outras teorias da conspiração com quais eles tentam conversar contigo no café e você ouve com inabalável paciência.

Contudo, também há um outro lado (aliás, há sempre um outro lado). Ernesto Sabato escrevia que era preciso deixar que o tema nos escolhesse. É verdade. Para escre-ver é preciso deixar que a obsessão nos leve. É necessário atentar às ideias que nos perseguem, nos acossam e nos pressionam nas regiões mais misteriosas do nosso ser. É preciso saber ouvir nossas vozes interiores. Sem obses-são não se escreve.

Ok. Mas, afinal, por onde começar o meu ensaio?

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Barafunda, a do Chico.Foi na PenhaNão, foi na GlóriaGravei na memóriaMas perdi a senhaMisturam-se os fatos

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As fotos são velhasCabelos pretosBandeiras vermelhasFoi GarrinchaNão, foi de bicicletaJuro que vi aquela bola entrar na gavetaTiro de meta

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Barafunda, a minha.A Mariana entra no escritório. Um pato de pelúcia

sujo em uma das mãos e um biscoito mordido em outra.Mariana: “- Pai: o lagartão te mandou um recado:

(mostra a língua e sorri).”Eu: “Tá bom, filha. O pai tá trabalhando.”Mariana: “Pai, o Lupi te mandou um recado: Miau.”Eu: “Certo. ”Mariana: “Pai, o gato amarelo te mandou um recado:

Miaaaaaauuuuuuu (bem alto, gargalha lindamente e sai).Eu: (...)

Dez e meia.Dez e trinta e um.

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O estudo do tempo tem uma de suas primeiras sis-tematizações em Confissões, de Santo Agostinho, que re-fletia sobre o tema, mais ou menos assim: “eu sei o que é o tempo, mas só o sei quando não tenho de dizê-lo;

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quando não me perguntam, eu sei; quando me pergun-tam, não sei”.

Para Santo Agostinho, o tempo não teria uma dimen-são: quando vamos aprisioná-lo, ele se esvai.

Por isso, vivo nestes quase instantes. Meu tempo está fatiado. Se Heidegger indissocia o tempo ao ser, eu posso afirmar que vivo, hoje, em pedaços. Especialmente hoje, quando lembro do passado que já não é, de um agora que não tenho como deter e de um futuro para o qual escrevo e que também é um será.

O tempo é feito de estilhaços.Tudo isso na corda bamba – e de sombrinha. Sou o bêbado e o equilibrista. Ao mesmo tempo e, em

fatias.

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Na manhã do dia em que Caio F. faria 67 anos, li Hei-drun Olinto. Olinto é uma pesquisadora de teoria e histó-ria da literatura. Para ela, a pergunta “o que é literatura?” não faz mais sentido e deve ser ampliada para: “o que é considerado literário, quando, em que circunstância, por quem e por quê?”.

Pois é. Talvez isso explique os cânones e suas mudan-ças em cada época. Talvez isso explique a importância dos estudos culturais que relacionam formas simbólicas a contextos socioeconômicos.

Mas, então, não existiriam obras atemporais? Ou será que as obras atemporais seriam aquelas que responde-riam, de modo diferente – mas com o mesmo texto, evi-dentemente – as demandas de cada época? Será? Será?

Conheça o livro completo em

www.editorametamorfose.com.br/enquantocaio