enfrentamento da violencia na escola 104

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SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE POLÍTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS COORDENAÇÃO DE DESAFIOS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEOS ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA NA ESCOLA CURITIBA SEED/PR 2008 VIOLÊNCIA.indb 1 2/3/2009 12:43:23

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  • SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAO DO PARAN

    SUPERINTENDNCIA DA EDUCAO

    DIRETORIA DE POLTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

    COORDENAO DE DESAFIOS EDUCACIONAIS CONTEMPORNEOS

    EnfrEntamEnto violncia na EScola

    CURITIBA SEED/PR

    2008

    VIOLNCIA.indb 1 2/3/2009 12:43:23

  • Secretaria de Estado da Educao Superintendncia da Educao Diretoria de Polticas e Programas Educacionais Avenida gua Verde, 2140 Vila Isabel Telefone (XX41) 3340-1597 Endereo eletrnico: [email protected] CEP80240-900 CURITIBA-PARAN-BRASIL

    DISTRIBUIO GRATUITA IMPRESSO NO BRASIL

    Srie Cadernos Temticos dos Desafios Educacionais Contemporneos, v. 4

    Depsito legal na Fundao Biblioteca Nacional, conforme Lei n 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

    permitida a reproduo total ou parcial desta obra, desde que seja citada a fonte.

    Capa, Projeto Grfico e Diagramao Evandro Pissaia - MEMVAVMEM

    Reviso Ortogrfica Silvana Seffrin - MEMVAVMEM

    Paran. Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia da Educao. Diretoria de Polticas e Programas Educacionais. Coordenao de Desafios Educacionais Contemporneos.

    Enfrentamento Violncia/ Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia da Educao. Diretoria de Polticas e Programas Educacionais. Coordenao de Desafios Educacionais Contemporneos. Curitiba: SEED Pr., 2008. - 93 p. (Cadernos Temticos dos Desafios Educacionais Contemporneos, 4).

    ISBN 978-85-85380-83-0

    1. Violncia. 2. Escolas. 3. Estatuto da Criana e do Adolescente. 4. Educao-Paran. 5. Violncia na escola-Brasil. 6. Violncia na escola-Paran. I. Secretaria de Estado da Educao. Superintendncia da Educao. Diretoria de Polticas e Programas Educacionais. II. Coordenao de Desafios Educacionais Contemporneos. III. Ttulo. IV. Srie.

    CDU 57.017.5 + 37CDD 610

    CATALOGAO NA FONTE CEDITEC-SEED-PR

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  • Governador do Estado do Paran Roberto Requio

    Secretria de Estado da Educao Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde

    Diretor Geral da Secretaria de Estado da Educao Ricardo Fernandes Bezerra

    Superintendente da Educao Alayde Maria Pinto Digiovanni

    Diretora de Polticas e Programas Educacionais Ftima Ikiko Yokohama

    Coordenador dos Desafios Educacionais Contemporneos Sandro Cavalieri Savoia

    Equipe Tcnico-Pedaggica Enfrentamento Violncia na Escola Jos Luciano Ferreira de Almeida

    Lia Burigo

    Assessora Pedaggica Flvia Schilling

    Colaboraram para esta Edio Eduel Domingues Bandeira

    Irene de Jesus Andrade Malheiros Sandro Cavalieri Savoia

    Silvio Alves

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    Palavra Da SEcrEtria Da EDUcao

    Ao nos aproximarmos das nossas escolas, observamos as mltiplas determinaes, sua cultura, as in uncias do ambiente e as diversas interferncias do processo educa-cional nelas prprias e no seu entorno, trazendo o seu signifi cado, as oportunidades criadas, os processos nelas vividos e as experincias ali realizadas.

    O desafi o maior sem dvida, o conhecimento em si, razo do nosso trabalho e funo essencial da escola. No entanto, constantemente vai alm, demonstrando-nos demandas novas, exigindo um posicionamento em relao aos novos desafi os que se opem para a educao e que devem ser trabalhados neste contexto, tanto para os profi ssionais da escola, como para os educandos, seus pais e a comunidade, em toda a complexidade de cada um desses segmentos. Tais desafi os trazem as inquietudes humanas, as relaes sociais, econmicas, polticas e culturais, levando-nos a avaliar os enfrentamentos que devemos fazer. Implica, imediatamente, a organizao de nossas tarefas e o projeto poltico-pedaggico que aponta a opo pela direo educacional dada pelo coletivo escolar, nossos planos, mtodos e saberes a serem enfrentados, para hoje, sobre o ontem e com a intensidade do nosso prximo passo.

    A reativao constante nos impele a pedir mais: mais estudos, pesquisas, deba-tes, novos conhecimentos, e aquilo que nos abastece e reconhecemos como valoroso, inserimos e disponibilizamos nessa escola que queremos fazer viva replanejamos e reorganizamos nossas prticas. Os princpios, sem dvida, diretrizes que nos guiam so os mesmos, os quais entendemos como perenes. A escola , na nossa concepo, por princpio, o local do conhecimento produzido, reelaborado, sociabilizado dialeticamente, sempre na busca de novas snteses, construdas na e com a realidade.

    A tarefa de rever a prtica educativa nos impulsiona para que voltemos aos livros, analisemos os trabalhos desenvolvidos por nossos professores, adicionemos, co-participemos, contribuamos, faamos a releitura das realidades envolvidas e cami-nharemos par ao futuro.

    Este Caderno um pouco de tudo isso e parte de uma coleo que pretende dar apoio a diferentes propostas emanadas das escolas. uma produo que auxilia nas respostas dadas aos desafi os educacionais contemporneos que pairam sobre nossa ao escolar e precisam ser analisados, bem como re etidos para as necessrias intervenes e superaes no contexto educacional.

    Yvelise Freitas de Souza Arco-VerdeSECRETRIA DA EDUCAO

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  • 6o EnfrEntamEnto violncia na EScola na rEDE EStaDUal

    DE EnSino

    Apresentamos mais um caderno temtico que se prope a discutir e defi nir meios de enfrentamento violncia. Vivemos em uma sociedade marcada pela desigualdade, resultante de uma economia capitalista com feies liberais, alicerada na explorao do homem pelo homem. Como resultado dessa lgica, tem-se a visvel distncia que separa homens e mulheres, segundo sua classe social. Temos clareza que os fatores que determinam e condicionam os diferentes tipos de aes e comportamentos violentos, infelizmente to corriqueiros em nossa sociedade, tm razes na desigualdade social e na organizao econmica que a confi gura e a sustenta.

    Compreendemos que a comunidade escolar deva pautar suas discusses sobre a violncia com base em percepes mais globais dos mecanismos e dos sujeitos sociais nela envolvidos. Esta postura supe a compreenso e a re exo tanto da violncia praticada por sujeitos sociais, dentro e fora da escola, como da violncia praticada pela ou a partir da escola.

    Este caderno contribui para uma abordagem ampliada do tema da violncia e, principalmente, subsidia os coletivos da escola na complexa tarefa de enfrentar e superar situaes concretas de violncia, na medida em que aborda estes fenmenos a partir das discusses contemporneas acerca da organizao da sociedade, assim como discute com propriedade o caso especifi co da violncia vivida dentro e fora dos muros escolares.

    Alayde Maria Pinto DigiovanniSUPERINTENDENTE DA EDUCAO

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    com satisfao que apresentamos a publicao intitulada Enfrentamento Violncia na Escola, uma iniciativa da Diretoria de Polticas e Programas Educa-cionais por meio da Coordenao de Desafios Educacionais Contemporneos.

    Inicia-se, neste momento, uma discusso sistematizada sobre um dos assuntos mais emblemticos da sociedade contempornea, o qual, direta ou in-diretamente, tem interferido no processo educativo: a questo da Violncia.

    Este assunto est repercutindo, cada vez mais, nos debates pblicos e a escola como espao de produo de conhecimento social, histrico e cientfico no pode se furtar desta discusso.

    A Violncia, no mbito das escolas pblicas estaduais, pode ser entendida como um processo complexo e desafiador que requer um tratamento adequado, cuidadoso e fundamentado teoricamente, por meio de conhecimentos cientficos, desprovidos de preconceitos e discriminaes.

    Nesse sentido, esta publicao se dirige aos professores de todas as discipli-nas da Educao Bsica, bem como aos demais interessados. O principal objetivo subsidiar terico-metodologicamente estes docentes no tratamento pedaggico das questes relacionadas Violncia.

    Ftima Ikiko Yokohama DIRETORA DE POLTICAS E PROGRAMAS EDUCACIONAIS

    aPrESEntao Do caDErno

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    SUmrio

    APRESENTAO INSTITUCIONAL Palavra da Secretria de Educao ............................................................................................. 05O Enfretamento Violncia na Rede Estadual de Ensino..................................................... 06Apresentao do Caderno .......................................................................................................... 07

    INTRODUO ........................................................................................................................ 11

    Violncia nas escolas: explicitaes, conexes ................................................................. 13Flvia Schilling

    A violncia na escola ................................................................................................................. 21Carlos Alberto de Paula

    Violncia nas escolas: quando a vtima o processo pedaggico ............................. 29Felcia Reicher Madeira

    Desafi os da proteo integral no mbito escolar ............................................................. 49Ana Christina Brito Lopes

    Violncia escolar e a relao com o conhecimento e a prtica docente ................... 59Jos Luciano Ferreira de Almeida

    Relato de experincia desenvolvida no Colgio Estadual Helena Kolody, Colombo -PR ............................................................................................................ 69Ado Aparecido Xavier

    SUGESTES DE LEITURA, FILMES E STIOS ........................................................ 79

    Cinema e ensino ........................................................................................................................81Eduel Domingues Bandeira

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    introDUo

    Falar em violncia nos dias atuais no possibilita uma resposta a qual possa elucidar ou justifi car esse fenmeno to simplesmente. Deve-se considerar uma gama de fatores que contribuem para a sua existncia. No h, at o momento atual, uma pesquisa que fornea dados numricos cientifi camente comprovados sobre a violncia nas escolas. Entretanto, os educadores sabem, pela experincia que lhes somada no dia-a-dia escolar, que as escolas esto trabalhando, ensinando e aprendendo, e formando seus alunos. Os atos de violncia acontecem, o nmero deles aumentou nas duas ltimas dcadas, como tambm aumentou o nmero de escolas e maior se tornou a populao numericamente. sabido que um acontecimento que se manifesta em uma dimenso mais profunda do que a das ocorrncias cotidianas nas mais de 2100 escolas estaduais, ao se tornar notcia, assuma, muitas vezes, a bandeira simblica da violncia, e, por uma questo de generalizao, todas as escolas passam a ser vistas sob a perspectiva da escola violenta, incorporando-se ao imaginrio social um modelo no condizente com a realidade.

    Os artigos que compem este primeiro Caderno sobre a violncia na escola apresentam-se como objetos para re exo e formao de idias que, longe do lugar-comum, reafi rmem o papel social da escola.

    O artigo Violncia nas escolas: explicitaes, conexes, aponta a importncia da clareza dos propsitos da escola e para uma relao de comprometimento com uma identidade institucional forte, em que se entrelaam aes coletivas para a superao da desvalorizao da escola e conseqente violncia.

    A violncia na escola discorre sobre pesquisas que foram feitas sobre a violncia e que podem incidir em maior clareza s tentativas de resolv-la. Trata, com propriedade, das diversas expresses sociais que se projetam sobre a violncia escolar e o repensar e agir constantes para o desenvolvimento das aes pedaggicas.

    Violncia nas escolas: quando a vtima o processo pedaggico nos aproxima do olhar sociolgico e discorre sobre um fenmeno chamado sndrome do contgio da violncia via mdia. Indaga se a violncia est realmente crescendo, ou se, por acaso, no uma projeo da mdia. Refere-se, tambm, s in uncias de uma ampla transformao que est acontecendo na sociedade, e aponta mudanas demogrfi cas e econmicas que in uenciam para aumentar a violncia. de grande importncia a abordagem sobre as relaes do adolescente.

    Os desa os da proteo integral no mbito escolar atrela escola a funo de instruir, formar e garantir os direitos da criana e do adolescente. Discorre sobre artigos do Estatuto da Criana e do Adolescente

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    e de outros documentos pertinentes. Traz tona vrias questes sobre a violncia, entre elas a que se manifesta sob a forma de bullying. Enfatiza a instituio escolar tambm como espao importan-tssimo de defesa dos direitos de crianas e adolescentes referente violncia domstica e ao abuso sexual intrafamiliar.

    Violncia escolar e a relao com o conhecimento e a prtica docente aborda a violncia sob o aspecto do processo scio-histrico que se constitui por meio de contradies. Observa que cada momento histrico apresenta caracterstica e forma prprias de produzir violncia. Compreende que o papel da escola est centrado no ensinar e aprender e que a superao da violncia requer um trabalho coletivo e uma gesto democrtica.

    A signifi cncia do relato do Colgio Estadual Helena Kolody Colombo/Pr, identifi ca-se pela busca de solues para as difi culdades que lhe so prprias, as quais podem ser exemplifi cadas, se no nas mesmas aes, mas nas atitudes que as movem. Ultrapassar os limites da rea geogrfi ca da escola e incorporar o coletivo para um pensar e um agir em comum, respaldou o prprio trabalho na expresso democrtica em seu pleno aspecto e, assim, encurtou o caminho para encontrar solues.

    Cinema e ensino nos conduz a uma agradvel leitura sobre o desenvolvimento do cinema desde que os irmos Lumire apresentaram, em 28 de setembro de 1825, no Grand Caf, em Paris, a primei-ra sesso de cinema. O desenvolvimento do cinema abordado desde o incio do sculo, passa pela produo paranaense e chega em 2002, quando cita Cidade de Deus, de Fernando Meireles. Chega, assim, uma abordagem terica sobre a utilizao do vdeo em sala de aula, explicitando detalhes in-teressantes sobre sua aplicao.

    Nas pginas fi nais deste Caderno, apresentamos sugestes de leitura que podero ampliar a fundamentao sobre a violncia e seus desdobramentos. Trazemos uma relao de fi lmes, os quais podero ser usados didaticamente pelo professor, conforme o prisma da violncia que se queira abor-dar para estudo. E, por ltimo, apontamos stios eletrnicos com o objetivo de auxiliar na pesquisa e aprofundamento sobre a questo da violncia no mbito escolar.

    Entender mais amplamente a violncia, compreender as diversas faces com que ela pode se apresentar, somar vivncia escolar alicerces tericos, que sustentem uma ao pedaggica baseada no conhecimento, o compromisso deste primeiro Caderno sobre o Enfrentamento Violncia na Escola para com o professor da rede pblica estadual do Paran.

    Boa Leitura!

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    violncia naS EScolaS: EXPlicitaES, conEXES

    Flvia Schilling (USP) [email protected] 1

    rEsUmo

    Trata-se de relacionar a discusso sobre a violncia nas escolas problema atual, sobre o qual se debruam especialistas das mais diversas reas com a discusso sobre a funo da escola e suas possibilidades de educar na sociedade contempornea. Sugere-se que a violncia no mbito do cotidiano escolar pode ser tratada a partir da clareza que se tenha sobre nosso lugar como educadores e da importncia da escola como instituio realizadora do direito educao.

    PALAVRAS-CHAVE: Educao escolar; Violncia; Democracia; Direitos Humanos.

    violncia nas Escolas: afinal, Do QUE sE trata?

    Acompanhamos, principalmente a partir do fi nal dos anos 90, uma grande discusso sobre a violncia que estaria presente no cotidiano escolar, afetando profundamente alunos, professores e funcionrios. Afi nal, do que falamos quando falamos na violncia que estaria presente no ambiente escolar? Fala-se em agresses verbais, brigas, roubo, furto, indisciplina, incivilidades, violncia moral, violncia fsica, violncia contra o patrimnio pblico, discriminao, humilhao, desrespeito... a lista parece interminvel. O que acontece nas escolas? Quais so as prticas apontadas como violentas? Esta heterogeneidade de prticas, listadas acima, pode ser compreendida como reveladora do mal-estar que cerca o lugar da escola da atualidade e a relao professor-aluno. Quais so os contornos deste mal-estar, quais prticas defi nidas como violentas podem surgir a partir deste mal-estar: estas so algu-mas questes que justifi cam a necessidade de um diagnstico mais preciso sobre o que nos acontece nas escolas, o que de fato ocorre por trs das queixas mtuas de professores e alunos, dirigentes e funcionrios.

    1 Professora Doutora da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (USP).

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    Em interveno realizada em So Paulo, no marco da discusso sobre reduo da violncia em ambientes escolares, verifi cou-se que:

    Havia ausncia de preciso na descrio das violncias que permeavam o cotidiano escolar. preciso perguntar: O que violncia? Onde aparece? Quais so as prticas detectadas como violentas? Contra quem, entre quem acontecem? Quando? Em que lugares? Havia, assim, um trabalho de diagnstico a ser feito de forma a orientar as aes.

    Havia desconhecimento da histria das escolas naquelas localidades que justifi casse/explicasse aquela percepo da realidade, assim como uma compreenso do lugar que a escola ocupava naquela localidade. Qual a histria de uma instituio considerada pelos seus agentes como violenta? H uma histria desta violncia que precisa ser recuperada.

    Havia ausncia de clareza nos papis desempenhados pelos diversos atores envolvidos: diretor, coordenadores, professores, alunos e pais. Nestas escolas ningum sabe qual o lugar que ocupa ou como construir um lugar de autoridade, quais so as competncias e atribuies de cada um. Um fator relevante verifi cado era a ausncia de coletivos, inclusive por uma volatilidade do quadro de profi ssionais.

    Detecta-se uma viso nas escolas da violncia social/extra-escolar confundindo-se com a violncia interna. Questionou-se se essa relao era mecnica ou necessria. H escolas, em territrios violentos, no violentas, o que faz com que afi rmemos que a violncia no ambiente escolar no fatal ou necessria.

    Verifi cou-se, assim, que o projeto de reduo da violncia no ambiente escolar teria como centro um intenso trabalho de diagnstico das condies de cada uma das escolas. Pois s assim se poderia, a partir da verifi cao do mal-estar, atuar sobre aquelas prticas qualifi cadas como violentas. Pode-se pensar, tambm, que, medida em que este trabalho de diagnstico se desenvolve, as primeiras aes visariam o fortalecimento da instituio e de cada um de seus segmentos. Um ponto central, neste fortalecimento, a formao de um coletivo que pudesse, a partir das discusses sobre os acontecimentos da escola e reunindo todos os segmentos envolvidos, orientar as prticas dos professores e da equipe tcnica. Estas escolas que apresentavam queixas de violncia no tinham um projeto poltico-pedaggico real que pudesse criar uma coerncia entre as aes dos professores. Estavam fragmentadas pela instabilidade do corpo docente e pela instabilidade da ocupao dos cargos de direo e coordenao pedaggica. No possuam laos com a localidade, estavam em situao de isolamento e con ito com pais e alunos.

    Esse fortalecimento poderia auxiliar na resoluo de uma das difi culdades detectadas naquelas escolas: a difi culdade de ocupao do lugar de autoridade. Como construir uma idia de autoridade no autoritria, de uma autoridade democrtica, apoiada em um saber, em uma experincia, aberta mudana e ao dilogo e fi rme no cumprimento das decises acordadas? Foi imprescindvel realizar um trabalho de superao do medo cotidiano, derivado, em grande parte, do desconhecimento existente na equipe de professores em relao localidade, ao desconhecimento, portanto, de quem eram aqueles alunos.

    Em torno, portanto, das queixas sobre a violncia no cotidiano escolar, detectavam-se questes organizacionais, estruturais, sociais e culturais. Tratou-se de trabalhar em dois grandes eixos, explicitar e conectar: explicitar a que viemos, o que fazemos, qual a nossa proposta, o que cada instncia pode fazer e o que lhe compete fazer; conectar os adultos (fragmentados e isolados) em torno de um projeto comum, conectar os jovens, em torno desse projeto, conectar os pais em um compromisso por uma boa escola.

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    a QUE viEmos?

    Esta a grande questo que permeia o mal-estar que cerca muitas escolas: para que serve a es-cola? O que podemos fazer?

    Utilizaremos, para auxiliar nesta discusso, algumas contribuies de Bourdieu (2003), Dubet/Martuccelli (1997) e Leo (2006). As duas teses centrais de Pierre Bourdieu so: a) os alunos no so indivduos abstratos que competem em condies igualitrias, mas atores socialmente construdos que trazem uma bagagem social e cultural diferenciada e mais ou menos rentvel no mercado escolar; b) a escola no uma instituio neutra e representa os gostos, crenas, posturas e valores de grupos.

    Suas funes centrais, segundo Dubet/Martuccelli, so as de integrao (socializando os mais novos para serem membros de uma determinada sociedade), distribuio (pelos vrios segmentos de um mercado) e subjetivao (criando identidades que se ligam cultura escolar e aos papis sociais) que adquirem formatos especfi cos de acordo com as diferentes sociedades e tempos histricos.

    As funes de integrao, distribuio e subjetivao no ocorrem, portanto, sem con itos. Como acontece a integrao? Quais so as formas da distribuio e da subjetivao? Quais so as formas, valo-res, atributos, procedimentos em disputa? Dependendo dessas formas, valores, atributos e procedimentos (estratgias) h diferentes percepes da utilidade dos estudos, de identifi cao com o ambiente e a cultura e interesse intelectual (a paixo e o interesse despertados na relao educativa). Ainda segundo Dubet/Mar-tuccelli, dependendo dos resultados (sempre precrios e instveis) desta equao, as pessoas se socializam e subjetivam na escola (quando h percepo da utilidade, identifi cao com o ambiente e interesse intelectual), paralelamente escola (quando no h algum destes elementos) e contra a escola (quando h ausncia da percepo da utilidade para que serve a escola?, no h identidade com a forma ou a cultura escolar e nenhum interesse ou paixo intelectual).

    Em pesquisa recentemente realizada, Leo (2006) aponta os sentidos da escolarizao elaborados por jovens pobres do Ensino Mdio de Belo Horizonte, participantes de projeto social. As queixas em relao ao ambiente escolar mostravam que aqueles jovens se socializavam apenas parcialmente em relao ao ambiente e forma escolar, para muitos, incompreensvel. Foram apontados os seguintes problemas, que permeavam esta fraca adeso escola, mesmo com os jovens reconhecendo sua importncia para um futuro melhor: a progresso automtica, que, tal como foi implantada, derivou em uma atitude de tanto faz ou numa lei do menor esforo em relao ao contedo escolar; a rotatividade dos professores, impedindo estabelecer relaes, conhecer as regras, compartilhar um projeto comum;2 condies fsicas precrias das escolas, criando um ambiente pobre para uma educao pobre para os pobres; ausncia de normas e regras

    2 Chamamos a ateno para a correspondncia entre a atitude de fraca adeso por parte dos alunos e a fraca adeso, tambm, por parte de alguns professores, em relao ao docente: adoecimento, faltas, pouco preparo das aulas, traduzindo situaes organizacionais e estruturais que se expressam no desprestgio da profi sso, nos baixos salrios, acmulo de aulas, excesso de alunos e instabilidade, no caso dos professores precrios.

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    claras ou regras e normas vistas como abusivas e arbitrrias. Estes so alguns problemas apontados que le-vavam ao sentimento de estudarem em uma escola desvalorizada. Este sentimento invadia o cotidiano dos alunos, fazendo com que questionassem, inclusive, a utilidade do diploma conquistado, tanto para o ingresso no mercado de trabalho como para a continuidade dos estudos (funo de distribuio):

    Havia a idia de que o certifi cado no correspondia a um nvel real de aprendizagem, que no resultava do mrito e do esforo do aluno, mas de uma concesso da escola que acabava por torn-lo sem valor para o prprio estudante (LEO, 2006, p. 42).

    Percebiam que, ao freqentarem aquelas escolas, teriam, naquelas condies, grandes obstculos para o sucesso, pouca possibilidade de mobilidade social. Ao mesmo tempo, a pesquisa mostra, tambm, como a escola ainda um espao signifi cativo, importante contra a violncia do bairro e a mesmice do lar, importante espao de convivncia e sociabilidade, a nica instituio que permite que se sonhe com uma vida melhor. A socializao e subjetivao paralela escola (agentam a escola, mas no se integram, sendo mais importantes as atividades e encontros fora do espao da sala de aula e da prpria escola) e contra a escola (com brigas, agresses, depredaes) emergem, nesse contexto.

    Porm, para alm de uma viso comum da anomia dos estudantes, os jovens demandam regras claras e democrticas nas escolas, em que possam se sentir valorizados e tendo acesso a uma expe-rincia prazerosa, oposta a uma experincia escolar muitas vezes desumanizadora. Cotidianamente, encontram-se e desencontram-se com professores que tambm vivem, sofrem e reagem aos dilemas de uma condio social e profi ssional desvalorizada. Defrontam-se com a promessa da mobilidade social por meio da educao constantemente veiculada pela mdia e pelo discurso ofi cial e com uma experincia social que, de antemo, nega tal discurso (LEO, 2006, p. 48).

    A proposta, portanto, que temos, a partir desta breve anlise, a de explicitar a que viemos, o que fazemos, como faremos, com quem faremos. Explicitar, assim, a relao de utilidade dos estudos3; criar, num ambiente humanizado, democrtico e solidrio, uma identidade com o ambiente e a cultura escolar, pois instituio que realiza o direito educao, direito de todos conquista de todos; e, prin-cipalmente, a paixo e o interesse pelo conhecimento. Segundo Julia Varela (2002), possvel pensar este eixo central da educao escolar, o da paixo e o interesse pelo conhecimento, com um esforo para articular teoria e prtica, aproximando os saberes gerais com os saberes locais e os saberes pr-ticos com as teorias cientfi cas; no confundindo cultura culta com cultura dominante; questionando os esquemas classifi catrios em uso, ensaiando novas formas de pensamento, novas formas de orga-nizao e transmisso mais horizontais, transversais e polimorfas; articulando as tenses inerentes diversidade/universalismo.

    3 Esclareo que esta relao de utilidade vai alm de um utilitarismo mecnico: , principalmente, a utilidade do conhecimento e do saber para viver melhor, pensar melhor, amar melhor, compreender melhor o mundo em que vivemos, poder nele atuar e mud-lo.

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    o traBalHo com os conflitos

    Se soubermos a que viemos, com quem contamos, o que queremos, no seremos passivos ou inertes frente aos con itos: nem os temeremos. Recusaremos realizar cegamente as funes de integrao, distribuio e subjetivao quando estas impliquem em reproduzir a pobreza e a desigualdade. Ser, talvez, possvel, ocupar um lugar de adultos professores, na difcil tarefa de receber os mais novos, os que esto iniciando suas vidas: trabalhar com eles, encontr-los a partir desta troca de pontos de vista, e, quem sabe, que se neles desperte a paixo e o interesse pelos conhecimentos acumulados pela humanidade e que eles herdam. Sabendo que, nesse encontro, h con itos: entre saberes, entre geraes, de gnero, de raas, de religies e vises de mundo, entre temporalidades (a urgncia do tempo presente e a necessidade de conhecer o passado para a construo do futuro). Cabe recordar que con itos no so sinnimos de violncia. Uma das formas de resolver um con ito a violenta, mas no a nica nem esta resposta necessria. Cabe, nestas escolas que sabem a que vieram e a estes professores que conseguem ocupar um lugar, o reconhecimento de que os con itos so inerentes existncia; que h um outro neste con ito, que precisa ser reconhecido como um interlocutor; o reconheci-mento de que possvel lidar com as questes con ituosas do cotidiano escolar.

    No trabalho, portanto, que estamos propondo, de explicitar, cabe este momento, de identifi cao dos con itos, de diagnstico mais preciso da nossa condio. Propomos que o eixo continue sendo conformado a partir das respostas que estamos conseguindo dar s questes centrais: qual a utilidade deste nosso trabalho, esta utilidade est clara, foi explicitada para mim e para meus alunos? Qual a identidade que estamos propon-do para os nossos alunos em relao cultura e o ambiente escolar? Que tipo de ambiente esse, solidrio, fraterno, curioso, aberto? Quais so as paixes e o interesse despertados, quando sabemos que a escola, para muitas das crianas e jovens, o nico espao que lhe permite ampliar sua viso de mundo, ser distinto do que ? Ou seja, como, a partir das explicitaes que fi zemos, estabeleceremos conexes entre ns?

    violncia contra a Escola/Da Escola/na Escola: EXPlicitar E conEctar

    Vimos a heterogeneidade de prticas relatadas como prticas violentas no ambiente escolar. Vimos que podem ter causas diversas, externas e internas. O trabalho de diagnstico visa exatamente precisar quais so estas prticas, para sabermos o que fazer.

    A literatura sobre a violncia no ambiente escolar geralmente nos informa sobre a violncia contra a escola. Esta seria aquela praticada geralmente por ex-alunos ou alunos que se socializam contra a escola, por no encontrarem nela nenhuma utilidade, por no se identifi carem com o ambiente ou a cultura escolar e no perceberem nenhuma paixo ou interesse pelo que l acontece. Considero, tambm, na violncia contra escola, aquelas praticadas pelos governantes ou gestores, quando h o abandono dos prdios escolares, quando h o desvio de verbas destinadas escola, quando h pssimos salrios para os professores e uma desvalorizao da profi sso docente, despreocupao com as condies de trabalho, nmero excessivo de alunos por sala, mudancismo constante nas propostas educacionais, gerando uma grande insegurana e confuso.

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    Outra dimenso apontada a da violncia da escola: esta se apresentaria na forma da discrimi-nao (por sexo, raa, condio social, opo sexual, padres de beleza); no no ensinar, criando o espao sem sentido, espao vazio, espao cercado, assemelhando-se a prises. Revela-se na indiferena, na confuso entre o comportamento privado e o comportamento pblico. praticada tanto por alunos entre si como entre alunos e professores. uma dimenso institucional, pois reproduz a pobreza e a desigualdade.

    Estas dimenses se condensariam na chamada violncia na escola. Os fatores apontados: pr-dios abandonados, grades, pichaes, professores desmotivados, nada de conhecimento, reproduo da pobreza, gera o que se localiza como sendo violncia na escola: furtos, roubos, agresses, ameaas, brigas. As falas de professores e alunos revelam que nas escolas h, muitas vezes, grupos que mutua-mente se desconhecem.

    Se, geralmente, fala-se da violncia entre os grupos de alunos ou de alunos contra professores, cabe lembrar que os professores das diferentes matrias mal se conhecem, parecem pertencer a escolas distintas quando h turnos distintos. Em algumas escolas a sensao que ningum ocupa o seu lugar, a escola um lugar de passagem, de disputa de questes extra-escolares ou da vida privada. A violn-cia na escola re etiria exatamente o mal-estar derivado da impossibilidade de responder (explicitar) as questes j tratadas, sobre o que fazemos, qual o lugar social que ocupamos, a que viemos.

    Aparece na escola, tambm, e importante chamar a ateno, questes que so re exos da violncia na casa. Violncia na famlia, maus tratos, negligncia, abandono, abuso sexual, assim como disputas que re etem a violncia da localidade. Detectam-se padres de vitimizao que interferem no cotidiano escolar e exigem uma ateno redobrada. Esta ltima questo nos leva necessidade de tratar o ltimo ponto sugerido neste artigo, a necessidade de estabelecer conexes.

    conEXEs

    A escola no est condenada a reproduzir a pobreza ou a violncia social. O trabalho proposto de explicitaes implica em estabelecer conexes: tericas, entre saberes, entre prticas, entre grupos de adultos, entre grupos de alunos, com setores externos. O que cada um pode fazer e que lhe compete fazer? Qual ser o lugar do estudante, do professor, da direo, dos pais, do Estado? O que compete a cada um? A partir da explicitao de nossas funes, possvel propor acordos e formular algumas promessas. possvel ter um projeto, determinar prioridades, pontos de partida e de chegada, deter-minando quem pode fazer, o que pode fazer, quando e com quem. A idia de reverter o sentimento de estudarmos/trabalharmos em uma escola desvalorizada, construindo pontes e conexes internas e externas que possam auxiliar. Estas conexes, porm, so possveis, a partir da descoberta da potncia da instituio, da determinao coletiva e democrtica do seu eixo de mudana e trabalho.

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    a violncia na EScola

    Carlos Alberto de Paula (UFPR) [email protected]

    rEsUmo

    A violncia, nos espaos escolares, uma questo que tem sido o centro de debates da comunidade escolar e de diversas instituies. Nesse artigo foi realizado um levantamento de pesquisas sobre a violncia, drogas, imprensa, escola e as prticas sociais dos jovens, por instituies como a CNTE, ANDI e UNICEF no Brasil, a UNESCO em Curitiba, e de pesquisas realizadas na Frana. A anlise teve como referncia autores que abordam a violncia em diversas dimenses. Procura-se neste texto valorizar estas pesquisas que so densas em informaes, mas em sua maioria, pouco aproveitadas pelas escolas para estudo, e ao mesmo tempo aponta-se algumas determinantes da violncia na escola e re exes sobre possveis alternativas de trabalho.

    PALAVRAS-CHAVE: Educao; Comunidade Escolar; Violncia Escolar.

    introDUo

    O tema da violncia escolar tem sido uma preocupao de diversos segmentos sociais, sendo tratado em debates nas Instituies de Ensino Superior, nos Conselhos de Direitos da Criana e do Adolescente, Conselhos Tutelares, Ministrio Pblico, Juizados da Infncia e Juventude e nos ltimos anos est presente de forma reincidente na mdia.

    A violncia um fenmeno social e diferenciado histrica e culturalmente, sobre esta questo Chau (1994, p. 336) argumenta que:

    (......) Desde a Antigidade clssica (greco-romana) at nossos dias, podemos perceber que, em seu centro, encontra-se o problema da violncia e dos meios para evit-la, diminu-la, control-la. Diferentes for-maes sociais e culturais instituram conjuntos de valores ticos como padres de conduta, de relaes intersubjetivas e interpessoais, de comportamentos sociais que pudessem garantir a integridade fsica e psquica de seus membros e a conservao do grupo social.

    1 Professor da Rede Pblica Estadual de Ensino do Estado do Paran. Mestre em Educao (UFPR).

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    O entendimento do que violncia no o mesmo nas vrias culturas e sociedades, sendo de con-tedos diferentes, segundo seus prprios tempos e espaos. Em nossa cultura, Chau (1994) defi ne que a violncia entendida como o uso da fora fsica e do constrangimento psquico para obrigar algum a agir de modo contrrio sua natureza e ao seu modo de ser. No dicionrio Aurlio, violncia constran-gimento fsico ou moral, o uso da fora e da coao.

    Norbert Elias (1993) demonstra que o processo de constituio da civilizao implicou em uma grande mudana na conduta e nos sentimentos humanos, estabelecendo um tipo de autocontrole que inibia os impulsos e emoes animalescas. Argumenta que Ao se formar um monoplio de fora, criam-se espaos sociais pacifi cados, que normalmente esto livres de atos de violncia (1993, p.198), contudo h um conjunto inteiro de meios cuja monopolizao permite ao homem, como grupo ou indivduo, impor sua vontade aos demais.

    Para pensarmos a violncia na sociedade contempornea, importante o estabelecimento da relao entre os atuais modos de produo capitalista, de exibilizao do emprego, de internacionalizao da economia e a expanso da violncia na sociedade brasileira: suas razes sociais esto no aumento do de-semprego, na economia, no enfraquecimento das instituies socializadoras e na banalizao da violncia pelos meios de comunicao de massa. Como conseqncia, ocorreu o debilitamento dos laos sociais, o dilaceramento da cidadania, o aumento das violaes de direitos humanos e, por fi m, a expanso da violncia, tanto por agentes do Estado como a violncia disseminada nos espaos sociais.

    Ao tratar sobre violncia, Eric Debarbieux (2000) associa a incivilidade com a desorganizao da ordem, a introduo do caos, a perda de sentido e de compreenso. O autor destaca a desorganizao do mundo da escola, ou seja, a crise de sentidos pela qual passa essa instituio, ao fracasso em cumprir as promessas de integrao social, uma vez que a insero dos jovens no mercado de trabalho problem-tica: Incivilizao poderia no ser a nica forma bsica dos relatrios de classe que exprimem um amor desiludido para uma escola que no pode ter as promessas igualitrias de insero (2000, p. 404).

    as formas DE violncia E o aDolEscEntE

    Na pesquisa A voz dos adolescentes realizada pela UNICEF (2002), para os adolescentes, a violncia pode ser defi nida como desrespeito aos limites do outro, de qualquer natureza: fsica ou verbal, moral e sexual. Ao mesmo tempo em que desperta medo e angstia, possui tambm um carter de fascinao, na pesquisa as descries de violncia foram minuciosas e provocaram risos entre os participantes dos grupos pesquisados.

    Os jovens declaram que Violncia tudo que machuca por dentro e por fora, A omisso uma violncia e apesar da maioria dizer nunca ter sofrido violncia, contraditoriamente, citam episdios em que sofreram xingamentos, preconceitos, ameaas, assaltos e assdios. De forma geral, os adolescentes consideram que o Brasil um pas violento e apontam como algumas razes para isso a desigualdade social, o uso de drogas, a polcia mais perigosa que os bandidos e a banalizao dos episdios de violncia no cotidiano.

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    A Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia ANDI (BRASIL, 2001) realizou o relatrio intitu-lado Balas perdidas: um olhar sobre o comportamento da imprensa brasileira quando a criana e o adolescente esto na pauta da violncia.

    Na anlise do contexto da violncia no universo de crianas e adolescentes, veiculado na mdia, identifi ca-se a existncia de trs mitos na imprensa:

    MITO DO HIPERDIMENSIONAMENTO: decorre da descontextualizao das notcias do conjunto da criminalidade, culpabilizando os adolescentes por um grande nmero de crimes quando em verdade as infraes praticadas por adolescentes no alcanam 10% do total de delitos e, destes atos infracionais, cerca de 60% ocorrem sem ameaa de violncia pessoa porque a maioria de furtos.

    MITO DA PERICULOSIDADE: decorre da nfase dada pela imprensa a atos infracionais pra-ticados com violncia pessoa, em detrimento aos que so praticados sem violncia. No imaginrio coletivo, o resultado um adolescente responsvel por um nmero elevado de delitos graves, cerca de 30% das reportagens referem-se a casos de homicdio, os roubos comparecem com 10,1% e os estupros com 3,2%. Os furtos por outro lado so mencionados em apenas 2% das noticias. A concluso que existe uma super-representao dos casos de crimes violentos contra a pessoa e uma sub-representao de crimes no violentos contra o patrimnio. Exatamente o inverso das estatsticas sobre violncia, sendo que esta disparidade oferece uma viso falsa da realidade.

    MITO DA IMPUNIDADE: contribui para este mito a insufi cincia de informao, pois as notcias ignoram o sistema scio-educativo. A impunidade confundida com inimputabilidade. A idia errnea de que o adolescente resulta impune ou se faz irresponsvel, decorre de uma apreenso equivocada da Doutrina de Proteo Integral. O sistema scio-educativo proposto pelo Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA) constri todo um universo de recursos para dar conta da questo relativa cha-mada delinqncia juvenil. Estes recursos estabelecem uma escala de sanes pedaggicas que so da advertncia at a privao de liberdade, da mesma forma que para o adulto, sendo que para este, considerada como penalidade.

    Para compreendermos como esse imaginrio da imprensa in uencia os profi ssionais que atuam na escola, bem como as crianas e adolescentes, recorreremos ao conceito de campo de Bourdieu (1997, p. 81) em que escreve:

    O campo jornalstico age, enquanto campo, sobre os outros campos. Em outras palavras, um campo, ele prprio cada vez mais dominado pela lgica comercial, impe cada vez mais suas limitaes aos outros universos. Atravs da presso do ndice de audincia, o peso da economia se exerce sobre a televiso, e, atravs do peso da televiso sobre o jornalismo, ele se exerce sobre os outros jornais, mesmo sobre os mais - puros -, e sobre os jornalistas, que pouco a pouco deixam que problemas de televiso se imponham a eles. E, da mesma maneira, atravs do peso do conjunto do campo jornalstico, ele pesa sobre todos os campos de produo cultural.

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    A in uncia da imprensa escrita e da televiso atinge o campo jurdico, a opinio pblica e de diversas categorias profi ssionais como professores, policiais, assistentes sociais e outros. Da mesma forma atinge o poder legislativo que, com esta super-representao de crimes violentos praticados por adolescentes, teve como conseqncia a incluso de emendas no Congresso Nacional no sentido de reduzir a idade penal para 16, 14 e at 12 anos. Alegam os defensores das emendas que os jovens so os principais responsveis pelo aumento da criminalidade e que o Estatuto da Criana e do Adolescente muito brando.

    No livro Os jovens de Curitiba: esperanas e desencantos (UNESCO, 1999), a pesquisa constata um consenso entre pais, policiais e professores da natureza negativa do Estatuto, colocando o adolescente como um agente social intencional que aproveita seu conhecimento sobre a lei para no assumir suas responsabilidades. Este um consenso quase demonizador do adolescente como sujeito intencional que instrumentaliza com vantagens para si o Estatuto da Criana e do Adolescente.

    Esse conceito de violncia em relao ao adolescente que predomina na nossa sociedade (criminali-zando o adolescente e a pobreza, descaracterizando a violncia como um fenmeno social) importante, pois determina as condutas dos sujeitos no interior da escola. Sendo que uma de suas conseqncias que por parte dos professores e equipe de apoio h uma preocupao em estabelecer normas disciplinares para os alunos, delimitando os espaos e tempos de interao entre os alunos, no sentido de evitar a violncia.

    A Confederao Nacional de Trabalhadores em Educao - CNTE realizou uma pesquisa nos esta-belecimentos de ensino intitulada Violncia na escola ou violncia da escola? Drogas ilegais e violncia na escola, que procurou mapear as formas de violncia nas escolas.

    A principal constatao desta pesquisa a incidncia do consumo de drogas em 27,9% e o trfi co de drogas em 19,4% nas escolas, considerada uma das causadoras do aumento da violncia praticada no entorno e dentro das escolas. Da mesma forma o consumo e o trfi co de drogas so maiores (de 50% a 100%) nas proximidades da escola do que no interior da escola.

    Em relao violncia escolar a pesquisa levantou as seguintes formas: agresso fsica e verbal; roubo contra professores, funcionrios e alunos e de equipamentos e materiais didticos e pedaggicos; pichao; sujeira nas dependncias e porte de armas (armas de fogo e armas brancas). Constatou-se que os atos de violncia e depredao so reforados pela cultura de desprezo pelo patrimnio pblico, herana da con-cepo patrimonialista de gesto do servio pblico que chega a atuar na conduta dos prprios alunos.

    Na pesquisa da UNESCO (1999) os jovens apontaram como situaes de violncia vividas na es-cola, as discusses e bate-boca, seguidas pelas ameaas e agresses fsicas. A maior parte com os colegas (79%) e depois com professores (11%), foram ainda citados a agresso sexual, o uso de drogas e a venda de drogas.

    A relao de poder e violncia constituem-se uma constante nas relaes entre os sujeitos da escola, tanto dos diversos profi ssionais que atuam nela, como entre os alunos, Arendt (1994, p. 90) prope uma concepo que procura superar o senso comum de que poder violncia ou violncia poder e argumenta que em verdade ela destri o poder e que a cada diminuio no poder um convite violncia, esclare-cendo que:

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    O poder s efetivado enquanto a palavra e o ato no se divorciam, quando as palavras no so vazias e os atos no so brutais, quando as palavras no so empregadas para velar intenes, mas para revelar realidades, e os atos no so usados para violar e destruir, mas para criar relaes e realidades.

    A distino clara das palavras-chave como poder, vigor, fora, autoridade e violncia so tratados por Arendt como fenmenos distintos e diferentes, aos quais no se confere muito peso na conversa-o corrente. Argumenta ser comum a combinao entre violncia e poder, o que no se segue que, autoridade, poder e violncia sejam o mesmo.

    A violncia escolar no um problema fcil de ser resolvido, uma situao histrica e de grande complexidade, a escola, enquanto espao de violncia, percorrida por um movimento ambguo: de um lado, pelas aes que visam ao cumprimento das leis e das normas determinadas pelos rgos centrais, e, de outro, pela dinmica dos seus grupos internos que estabelecem interaes, rupturas e permitem a troca de idias, palavras e sentimentos.

    Os estabelecimentos de ensino no podem ser visto apenas como re exo da opresso, da vio-lncia, dos con itos que acontecem na sociedade. importante argumentar que as escolas tambm produzem suas prprias formas de violncia, no sentido de contrapor a interpretao da escola como um espao de reproduo, de preservao do que existe, Apple (1989, p. 30) argumenta que:

    As escolas no so meramente instituies de reproduo, instituies em que o conhecimento explcito e implcito ensinado molda os estudantes como seres passivos que estaro ento aptos e ansiosos para adaptar-se a uma sociedade injusta. Esta interpretao falha sob dois aspectos centrais. Primeiramente, ela v os estudantes como internalizadores passivos de mensagens sociais pr-fabricadas. Qualquer coisa que a instituio transmita, seja no currculo formal ou no currculo oculto, absorvida, no intervindo a modifi caes introduzidas por culturas de classe ou pela rejeio feita pela classe (ou raa ou gnero) dominada das mensagens sociais dominantes. Qualquer um que tenha ensinado em escolas de classe trabalhadora, ou escolas localizadas nas periferias, sabe que no assim que as coisas se passam. O que mais provvel que ocorra a reinterpretao por parte do estudante, ou na melhor das hipteses, so-mente uma aceitao parcial, e muitas vezes a rejeio pura e simples dos signifi cados intencionais e no intencionais das escolas. Obviamente, as escolas precisam ser vistas de uma forma muito mais complexa do que apenas atravs da simples reproduo.

    Para compreendermos a violncia escolar necessrio defi nirmos o conceito de violncia, que segundo Schmidt (2002) na escola pode-se abord-la em trs dimenses, que so: a violncia em torno da escola, a violncia dentro da escola e a violncia da escola.

    Para Bourdieu et Passeron, a verdadeira violncia da escola primeiramente a violncia simblica, invisvel, que mascara uma dominao social e naturaliza o vis da suposta insufi cincia do mau aluno, que um desajustado ordem dominante, reforada pela escola (apud Debardieux, 2000, p.400).

    Esta violncia caracterizada pelas formas de organizao do tempo e espao escolar, da relao professor e aluno, dos mtodos escolares e pela homogeneizao que exercida por meio de meca-nismos disciplinares, que uniformizam os movimentos, os gestos e as atitudes dos alunos, dos professores, dos diretores, impondo aos corpos uma atitude de submisso e docilidade.

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    Assim como a escola tem esse poder de dominao que no tolera as diferenas, ela tambm recor-tada por formas de resistncia. Compreender esta situao implica em aceitar a escola como um lugar que se expressa numa extrema tenso entre foras antagnicas.

    Neste sentido para compreendermos como se desenvolvem as relaes entre os agentes que atuam na escola, importante que pensemos esses agentes como sujeitos que transcendem a sua posio hierrquica da escola. O aluno precisa ser visto como um sujeito que, alm da escola, vive em um espao social, tem uma histria e se diferencia das outras crianas e adolescentes com que convive na escola.

    Um sujeito defi nido por Charlot (2000), como:

    um ser humano, aberto a um mundo que no se reduz ao aqui e agora, portador de desejos, movido por esses desejos, em relao com outros seres humanos, eles tambm sujeitos;

    um ser social, que nasce e cresce em uma famlia (ou em um substituto da famlia), que ocupa uma posio em um espao social, que est inscrito em relaes sociais;

    um ser singular, exemplar nico da espcie humana, que tem uma histria, interpreta o mundo, d um sentido a esse mundo, posio que ocupa nele, s suas relaes com os outros, sua prpria histria, sua singularidade.

    Pensar este sujeito como resultado de determinantes histricas, de pertencimento a um grupo social e de uma singularidade, o primeiro passo para podermos tratar das formas de violncia que acontecem dentro da escola e so prprias do ambiente escolar.

    Da mesma forma necessrio compreender que as noes e percepes sobre a infncia e juventude so construes scio-histricas, Aris (1981) escreve que essas noes tm variado no tempo e de uma cultura para outra, mesmo no interior de uma sociedade em particular. O prprio conceito de adolescncia comea somente a ser tratado por volta de 1900 na Frana, expandindo-se ainda mais aps a guerra de 1914. A adolescncia acaba por empurrar a infncia para trs e a maturidade para frente.

    Argumentando sobre os nmeros da violncia nas escolas francesas na dcada de 90, Debardieux (2000) constatou que os dados registrados pela polcia e justia eram extremamente modestos em relao realidade nas escolas, tendo sido necessrio desenvolver pesquisas e estudos especfi cos para apreender a real situao da delinqncia e microviolncias, formas mais comuns de violncia que normalmente no so registradas pelos sistemas de segurana.

    Em sua anlise considera que a melhor forma para conhecer a violncia real o inqurito dos viti-mizados, que pede aos prprios atores quais as violncias que eles eventualmente sofreram. As pesquisas realizadas no Brasil da UNESCO (1999) e da UNICEF (2002), j citadas neste texto, contm alguns captulos em que registra a fala dos adolescentes, mas tendo como objeto a violncia nos vrios espaos sociais, alm da escola.

    Nas investigaes realizadas na Frana com os vitimizados no aparece somente uma viso da delinqncia na escola, associada aos atos agressivos e danos ao patrimnio, mas, sobretudo das pe-quenas agresses, que so denominadas por school bullying e por incivilidade.

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    O school bullying pode ser traduzida pela idia de trote ou provas repetidas entre alunos. Podemos dizer que uma criana e um adolescente vtima de bullying quando outra criana ou adolescente ou mesmo em grupo caoam dele e insultam-no, tambm quando ameaada, batida, empurrada e quando recebe mensagens injuriosas ou maldosas.

    A incivilizao a primeira delinqncia, que no conduzem elucidao e as vtimas destes pequenos delitos ou infraes que transmitem uma impresso geral de desordem, de violncia num mundo mal controlado. Na escola, incivilidade um dos fatores explicativos essenciais do clima dos estabelecimentos quando se percebe um ambiente negativo na escola.

    A noo de microviolncia a sntese entre school bullying e incivilidade. Debardieux (2000) argu-menta que a carreira da vtima, como a carreira do delinqente, constri-se precocemente atravs das pequenas agresses no tratadas, provocando uma desvalorizao profunda no que sofre a violncia, um abandono do espao pblico e um sentimento de impunidade no agressor.

    consiDEraEs finais

    consenso na Europa, bem como em trabalhos publicados nos Estados Unidos e no Brasil, que na preveno diria, no trabalho com os profi ssionais atuantes na escola, com uma proposta de educao que abarque os alunos (crianas e adolescentes) como sujeitos histricos e sociais e a relao com a comunidade escolar, particularmente os pais, que se pode fazer face violncia no cotidiano das escolas.

    Um estudo de anlise da realidade da escola luz de um referencial terico de como se constri as condutas entre alunos e a forma de violncia prpria do espao escolar, faz-se necessrio pela situao de con itos, de crise e at de desespero que rondam nossas escolas.

    Neste texto procurou-se abordar algumas das inmeras variveis que incidem na questo da violncia na escola, das in uncias recebidas da sociedade e de suas prprias formas de condutas entre os sujeitos que atuam no espao escolar. Variveis essas complexas, mas que necessitam ser pensadas e traduzidas em aes para que a escola cumpra com o seu papel social.

    rEfErncias

    APPLE, Michael W. Educao e poder. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1998.

    ARENDT, Hannah. Sobre a violncia. So Paulo: Relume Dumar,1994.

    ARIS, Philippe. O sentimento da infncia. In. ARIS, Philippe. Histria social da criana e da famlia. Rio de Janeiro, Livros Tcnicos e Cientfi cos, 1978.

    BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente escola e cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrnio (Orgs.). Escritos de educao. Petrpolis: Vozes, 1998. p. 39-64.

    BOURDIEU, Pierre. Sobre a televiso. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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    BRASIL. Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia. Balas perdidas: um olhar sobre o comportamento da imprensa brasileira quando a criana e o adolescente esto na pauta da violncia. Braslia: AMENCAR, [2001]. 59p.

    BRASIL. Confederao Nacional de Trabalhadores em Educao. Retrato da escola 2: violncia na escola ou violncia da escola? Drogas ilegais e violncia na escola. So Paulo: CNTE, 2002.

    CHARLOT, Bernad. Da relao com o saber. Porto Alegre: Artmed, 2000.

    CHAUI, Marilena. Convite fi losofi a. So Paulo: tica, 1994.

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    ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: 1993. v.2.

    SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Educao esquecida, gerao perdida. Gazeta do Povo, Curitiba, p.10, 05 jul. 2002.

    UNICEF. A voz dos adolescentes. Braslia: UNICEF, 2002.

    UNESCO. Os jovens de Curitiba: esperanas e desencantos. Braslia: UNESCO Brasil, 1999.

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    violncia naS EScolaS: QUanDo a vtima

    o ProcESSo PEDaGGico1

    O presente artigo trata de questes pertinentes escola e ao fenmeno da violncia em um determinado momento da realidade social de So Paulo, e estende-se sociedade brasileira dos dias atuais, respeitando-lhe as particularidades, pela permanncia e seme-lhana entre as questes, possivelmente, agora, em maiores propores. Trata de esmiuar o tema adolescncia/violncia em suas reais dimenses sugerindo olhares como sobre o imaginrio social que relaciona indiscriminadamente o jovem pobre com a criminalidade. Neste cenrio, aborda relaes como da mdia com a violncia, da famlia e da prpria banalizao da violncia. Apresenta a juventude e a violncia sob o prisma de estudos demogrfi cos e conduz uma abordagem sobre a dinmica escola e trabalho.

    Felcia Reicher Madeira (SEADE) [email protected]

    A gente passa a roupa, pega a roupinha mais bonitinha que a gentetem, e quando chega l rebaixado.

    Jovem da periferia de Braslia

    O primeiro semestre deste ano foi marcado por aes concretas e discusses acaloradas sobre um tipo de violncia bastante especfi ca em pelo menos trs aspectos: acontece em ambientes ou em espaos prximos s escolas; aparece como se fosse impulsionada por uma epidemia internacional de criminalidade entre adolescentes; e o contgio se efetiva via mdia.

    1 MADEIRA, Felcia Reicher. Violncia nas escolas: quando a vtima o processo pedaggico. So Paulo em Perspectiva, So Paulo, Fundao Sead, v. 13, n. 4, p. 49-61, out./dez. 1999. Disponvel em: http://www.sead.gov.br/produtos/spp/v13n04/v13n04_05.pdf

    2 Sociloga, Demgrafa, Diretora Executiva da Fundao Seade - SP.

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    Quem est de alguma forma familiarizado com ecos de manifestaes criminosas perversas que ocupam muito espao na mdia, sobretudo quando envolvem adolescentes, certamente no se surpre-endeu com este fato. Aps o chocante evento da Columbine High School, na pequena comunidade de Littleton, um subrbio de Denver, no Colorado, e o surto de insanidade de um estudante de uma escola em Atlanta, nada mais esperado do que a sndrome da violncia escolar por contgio via mdia. De fato, depois destes trgicos episdios nos Estados Unidos, a mdia, no resto do mundo e natu-ralmente no Brasil, passou algumas semanas destacando dezenas de ocorrncias relativas violncia (desde o porte de arma para ganhar aposta de R$ 1 at o assassinato de uma professora) no circuito da vida escolar, que pipocavam pelo mundo, quando ainda estava quente na memria de todos a tragdia norte-americana.

    Esta no a nossa primeira manifestao deste tipo de sndrome envolvendo adolescentes. Ape-nas para citar fato mais prximo e mais recente, vale lembrar que, por ocasio do brutal assassinato do ndio Galdino por adolescentes da classe mdia em Braslia, o fenmeno da sndrome da violncia por contgio via mdia tambm se manifestou. Em uma seqncia de chocantes imitaes, adolescentes atearam fogo em mendigos em diferentes pontos do pas. Nos casos do crime nas escolas, entretanto, os impactos foram bem mais graves, aprofundando o pnico e a angstia j bastante presentes na sociedade. A sensao que envolvia o imaginrio das famlias que qualquer criana ou adolescente, a qualquer momento, poderia tornar-se vtima da ao criminosa de outra criana ou adolescente. Na verdade, tanto este sentimento angustiante e a insegurana dele decorrente quanto a forte reao de indignao da sociedade so compreensveis, j que um dos poucos momentos de tranqilidade para os pais sempre foi aquele em que seus fi lhos atravessavam a porta das escolas onde estariam protegidos e seguros.

    Como a enorme maioria dos jovens e crianas freqenta a escola pblica, nada mais esperado do que uma forte reao da sociedade no sentido de cobrar aes rpidas e efi cientes do governo, o qual, por sua vez, diante da gravidade da situao, no pode se manter omisso, tendo mesmo que agir rapidamente. O problema que formular aes nesta rea no constitui uma tarefa simples dadas as profundas divergncias sobre o tema que dividem os diferentes setores da sociedade. Alm disso, so precrias as avaliaes de programas aplicados em outros pases ou em outras ocasies.

    De fato, no campo poltico, estes episdios deixaram claro que a velha dicotomia esquerda/di-reita, nas questes relativas violncia, persistem ainda com intensidade. A parcela da populao com vocao direitista, como sempre, passou a exigir aes imediatistas e repressivas, como a presena da polcia na escola ou at a sua militarizao atravs da colocao de detetores de metal. J a esquerda insistia nos argumentos de sempre o crescimento da excluso, desemprego, a perda do poder de ganho do salrio, a ausncia de investimento em educao, poltica educacional equivocada, etc. sem propostas concretas de ao. O governo do Estado, por sua vez, seguindo uma tendncia internacional, optou por uma espcie de terceira via, por uma corrente que vem ganhando expresso internacional e que aposta em aes preventivas envolvendo a comunidade. Trata-se do Projeto Parceiros do Futuro.

    Assim, diagnosticando o fenmeno da violncia nas escolas, sobretudo como manifestaes de difi culdades de agregao e de organizao da sociedade civil, passou a desenvolver projetos na tentativa

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    de envolver toda a comunidade (local e geral) no processo de construo da cidadania e de conquista de direitos. Na concepo destes projetos, a comunidade, representada pelas famlias dos alunos, deve participar no s como simples receptora dos investimentos sociais no seu sentido mais amplo (en-volvendo desde projetos de sade at esporte, cultura e lazer), mas tambm como promotora, executora e gestora de iniciativas e aes. Este processo de envolvimento familiar com a escola aproxima muito mais pais, alunos (fi lhos) e corpo docente e administrativo das escolas, abrindo um dilogo que seja capaz de minimizar o potencial de desenvolvimento da violncia.

    claro que a ocasio mostrou-se propcia tambm para se retomar a calorosa e polmica ques-to em torno da efi ccia do Estatuto da Criana e do Adolescente como instrumento de proteo e controle social. Esta discusso esteve especialmente presente nas sesses de Carta ao Leitor dos grandes jornais, sendo que a ampla maioria manifestava indignao com relao ao contedo prote-cionista deste Estatuto.

    Nas reas mais prximas da pesquisa e da academia, a discusso mais recorrente tendeu a se concentrar nas diferentes variantes do cotejamento entre a percepo que a sociedade tem da violncia juvenil e a realidade dos fatos, quase sempre captadas por resultados estatsticos nem sempre confi veis, seja pela defi cincia da fonte utilizada, seja pela metodologia adotada. Nesta rea, as dvidas mais re-correntes costumam ser as seguintes: a violncia vem efetivamente crescendo ou s percebida como tal dada a exposio na mdia? Os jovens so de fato os promotores da violncia ou so sobretudo vtimas?

    Efetivamente, o empenho e o envolvimento da mdia com a seqncia de manifestaes cri-minais praticadas por crianas e adolescentes no ambiente escolar, neste incio de ano, reiteraram a importncia do tema para aqueles que tm se envolvido nesta discusso. Na verdade, so inmeros os estudos nacionais e internacionais nos quais as representaes sociais do crime e da violncia e o conseqente medo da populao so apresentados e tratados como irracionalidades geradas pela mdia, que incentiva o sentimento de insegurana das pessoas atravs do exagero ou excessiva exposio de notcias sobre o crime.

    A literatura, sobretudo a internacional, est farta de exemplos de situaes que mostram que atos de criminalidade praticados por adolescentes e muito veiculados pela mdia so especialmente propcios para gerar representaes sociais que criam ou fortalecem um clima de pnico social.

    Talvez a maior novidade que veio no rastro destes eventos recentes tenha sido a minimizao da crena em velhas e reiteradas hipteses que ainda desfrutam de grande credibilidade no Brasil. Diante das circunstncias

    que envolveram os episdios escolares norte-americanos, difcil acreditar que apenas diferenas sociais, nveis de pobreza ou quaisquer outras explicaes exclusivamente socioeconmicas sejam sufi cientes para explicar

    manifestaes de violncia. Ao mesmo tempo, passam a ganhar importncia teses que atribuem o crescimento

    da violncia cultura do individualismo e que acabou por inspirar o Projeto Parceiros do Futuro. Esta nova linha interpretativa, que vem se estruturando e ganhando organicidade h algum tempo, teve enorme destaque neste perodo, sobretudo atravs do artigo A grande ruptura, de Francis Fukuyama, publicado na edio de maio da revista Atlantic Monthly e traduzida pelo Jornal O Estado de So Paulo (30/05/99). Segundo o autor, a

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    mesma sociedade que no admite limites em sua inovao tecnolgica tambm no percebe os limites em mui-tas formas de comportamento pessoal, e a conseqncia o aumento do crime, famlias desfeitas, o malogro dos pais em exigir obrigaes dos fi lhos, a recusa do vizinho de ter responsabilidade pelo outro e a retirada dos

    cidados da vida pblica.

    Neste cenrio, como tendncia, claramente perdem fora as concepes que entendem a violncia como fenmeno unicamente ou preferencialmente vinculado existncia da pobreza, mostrando-se cada vez mais insufi cientes para compreender e explicar as situaes concretas dos dias atuais. Resumidamente, o debate encontra-se na seguinte situao: certamente os componentes inerentes violncia encontram cenrio mais propcio s suas manifestaes onde a pobreza se traduz em restrio permanente e cres-cente ao acesso a bens materiais cada vez mais atraentes, que infelizmente onde se encontra grande parcela da populao. Da as estatsticas se concentrarem nestas camadas populacionais.

    Porm, hoje no parece haver dvidas de que a violncia mais ou menos agressiva, mais ou me-nos visvel ou declarada, tem se manifestado em todas as instncias do tecido social, no observando classes sociais, riqueza e pobreza. Tal considerao ganha relevo tanto no caso das manifestaes de violncia pblica, por meio das organizaes internacionais do mundo do crime, das gangues e galeras infanto-juvenis, das agresses entre civis, dos extermnios e homicdios, como tambm nas aes que acontecem nos mbitos privados e at pouco tempo fora das discusses desta temtica, como a violncia domstica, o uso da fora contra a mulher e os maus tratos s crianas e aos adolescentes.

    A violncia cada vez mais est associada a referncias bem mais amplas, que inviabilizam qual-quer abordagem que no envolva profundas transformaes que esto ocorrendo na sociedade, como fi ca claro no trecho extrado de projeto destinado a enfrentar a violncia escolar: Atualmente, passa-se por um processo de banalizao da violncia, que corresponde no s perda do monoplio do Estado sobre esse elemento constitutivo da sua soberania e a ruptura dos processos de pacifi cao social estabelecidos segundo regras de convivncia social, mas tambm pulverizao da violncia entre civis, ao armamento individual e das organizaes internacionais do crime, ao lucro de empresas de segurana, etc.

    Essa situao, quando acompanhada de mtodos e meios modernos de destruio, torna difceis o entendimento e a elaborao de modos de lidar com a violncia, posto que esta se encontra por toda parte, no tem agentes permanentes reconhecveis, nem causas facilmente delimitveis e inteligveis. Instituies, organizaes, entidades, famlias, classes sociais, movimentos sociais, etc, fundamentais construo e conquista da autonomia tica, moral e poltica, encontram-se desestruturados quando no partidos.

    Desorganizados, facilitam o domnio dos chamados agentes da violncia (trafi cantes, por exemplo), que aprofundam a ruptura dos laos sociais dentro da famlia e da comunidade, levando ao isolamento, atomizao, ao individualismo. Rompem com a rede de reciprocidade social, colocando em seu posto o fascnio pelas armas, a defesa at a morte do orgulho machista, construdo sobre a noo de territrio, valores militaristas e enriquecimento rpido em atividades ilegais (MUSZKAT, 1997).

    VIOLNCIA.indb 32 2/3/2009 12:43:41

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    Nesta discusso sobre a violncia, o lamentvel que se perdeu mais uma vez a oportunidade de trazer tona e discutir o que talvez seja o desdobramento mais nocivo desta ou de qualquer outra sndrome desta natureza: sua ao direta e perversa sobre a atividade pedaggica nas escolas pblicas (que afi nal a misso prioritria da escola) para adolescentes dos setores populares. No h dvida de que as maiores vtimas, aquelas que sentem mais profundamente o impacto da mdia a que est sujeita a violncia juvenil, so o projeto e o processo pedaggicos. Trata-se de assunto que nos especialmente caro, e que desde o incio dos anos 80 temos discutido, mas que, salvo honrosas excees (CORTI, 1999, p. 33-34), as calorosas e recentes discusses praticamente ignoraram. No fundo, a proposta evidenciar como sndromes desta natureza, que acabam por dilatar enormemente os nveis reais de violncia escolar, tambm aprofundam e ampliam os j complicados e difceis con itos entre jovens e o corpo docente e administrativo das escolas, diminuindo a efi ccia da escola e, no limite, levando o jovem a abandon-la. E isto acontece em um momento em que o discurso da importncia da educao goza de amplo e consensual prestgio na sociedade.

    O objetivo central deste artigo justamente cobrir esta lacuna. Alm desta introduo, o texto contm mais trs partes. Para encaminhar a discusso na direo proposta, no item inicial, procura-se colocar o leitor minimamente a par do estgio atual das artes de dimenses do tema adolescncia/violncia, importantes na conduo da linha de argumentao. J no segundo item, a inteno dupla: trazer a discusso para o Brasil de hoje; e introduzir, no circuito de re exo deste complexo tema, um conjunto de novas informaes que tm sido pouco exploradas ou mesmo incorporadas.

    Trata-se de mostrar como mudanas estruturais recentes no pas, de natureza socio-demogrfi ca e econmica, tm atuado no sentido de aumentar substancialmente os riscos dos jovens no envolvimento de aes violentas. Finalmente, no ltimo item, chega-se re exo central do texto, concluindo-se que, se a pretenso efetiva for a de construir relaes pautadas pela confi ana, solidariedade e respeito, indis-pensveis para o xito de qualquer proposta pedaggica, uma das tarefas mais importantes que se tem pela frente o desmonte da percepo de eterna suspeio que paira sobre os jovens pobres, imagem esta que permeia fortemente a equipe escolar e constantemente alimentada, fortalecida e solidifi cada pela manipulao do imaginrio que trabalha a associao juventude/pobreza/criminalidade. Como desdobramento importante, estaro sendo criadas condies para diminuir a violncia.

    criminaliDaDE/aDolEscncia: tEnsEs/consEnsos

    O primeiro ponto para re exo : o que fazer para evitar a manifestao da sndrome? Alguns argumentam que deveria ser dado espao menor a crimes notrios, sobretudo quando envolvem ado-lescentes. Esta foi a deciso, por exemplo, de alguns jornais norte-americanos, como o The Chicago Sun-Times que propositadamente deslocou o tiroteio da Columbine das manchetes de primeira pgina para um tratamento mais discreto e cientfi co no interior do jornal. Outros rgos da imprensa norte-americana, ancorando-se no diagnstico de que os adolescentes tomam esta atitude sobretudo para brilhar como heris na mdia (o que certamente parte da verdade), optaram por insistir em mostrar a vida arruinada daqueles que viveram histrias parecidas (TIME, 31/05/99).

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    A questo que naturalmente se segue : por que a sndrome consegue se instalar, se espraiar to rapidamente? Talvez neste campo o consenso seja maior, provavelmente porque encontra terreno frtil e altamente propcio, ou seja, existe na sociedade um nmero expressivo de adolescente em situaes limites de executar tais atos violentos, manifestando-se prontamente quando a oportunida-de e o exemplo existem de forma simultnea. Alm disso, os adolescentes sabem que a televiso se encarregar de propiciar a devida notoriedade que os mesmos tanto anseiam.

    Mas afi nal, o que poderia ser caracterizado como um campo propcio? Ou, em outros termos, quais as causas da criminalidade juvenil? Ou, ainda, o que estaria ocorrendo de novo no mundo ps-moderno, globalizado e na sociedade brasileira em especial para propiciar tal situao dramtica? Colocadas para a sociedade ou mesmo para setores organizados ou no mais envolvidos com estes temas, as respostas a este conjunto de questes produziriam uma discusso acalorada, longe de con-senso. Entretanto, a literatura sociolgica de certa forma j fechou questo em alguns pontos, que sero tratados a seguir.

    Em primeiro lugar, preciso destacar que a violncia juvenil que se manifesta fora e dentro das escolas no recente nem nos pases ricos do norte nem nos pases pobres do sul, sobretudo porque juventude e violncia so temas estreitamente associados, desde o surgimento da categoria adolescncia ou juventude. De fato, a literatura sociolgica j dispe de uma vasta discusso sobre o assunto, evidenciando que a categoria adolescncia , historicamente, muito vinculada s mudanas da sociedade moderna, em especial a dois fatores: as transformaes do trabalho urbano industrial liberando crianas e adolescentes da participao na produo direta; e a conseqente e progressiva universalizao do acesso escola bsica pblica.

    Assim, no processo de crescente distanciamento entre as esferas de atuao pblica e privada da famlia, que ocorre ao longo do amadurecimento das sociedades modernas, o adolescente cada vez mais passa a ocupar uma categoria que o distingue tanto da criana (totalmente dependente dos adul-tos) como dos adultos (totalmente autnomos). Aos adolescentes atribua-se uma autonomia relativa, uma espcie de moratria, um espao de preparao (sobretudo via extenso da escolaridade) para a vida adulta.

    A literatura sociolgica tem se preocupado tambm em evidenciar a estreita associao entre adolescncia e problema. fcil aceitar que o conceito de autonomia relativa, difi cultando o es-tabelecimento de limites claros, traz implcito um componente de ambigidade. Por outro lado, se a ambigidade inerente categoria, seria de se esperar que a adolescncia tivesse sido, desde sempre, entendida como uma fase problema e, enquanto tal, fonte de preocupao dos pais e da sociedade, j que a responsabilidade indefi nida fonte constante de inquietaes familiares e sociais. Por este motivo, na condio especial que desfruta na sociedade, o adolescente objeto de ateno especfi ca e especializada do Estado: defi nem-se regras para sua insero no mundo do trabalho; regulamenta-se a educao compulsria; desenvolvem-se programas prprios de lazer e ocupao do tempo livre.

    tambm no processo crescente de busca da consolidao da autonomia em relao famlia, de construo de sua identidade e ainda de preencher o tempo livre, que os adolescentes organizam-se

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    em grupos, bandos, galeras, etc., com os quais tm mais afi nidade. Esta a, provavelmente, a origem das chamadas culturas juvenis. Com o amadurecimento da sociedade moderna, o perfi l do adolescente vai se defi nindo pela conquista de uma vida pessoal cada vez mais independente, marcado por um visual, um consumo e um tipo de lazer que os diferencia e que so, ao mesmo tempo, intensamente explorados pela propaganda comercial que refora esta necessidade, impondo constantemente novos padres de consumo diferenciados segundo tribos.

    claro que a simples vivncia em grupo no gera violncia, e de fato a enorme maioria dos grupos juvenis no so violentos. Entretanto, os bandos de adolescentes constituem uma forte fonte poten-cial de atritos, seja entre os grupos, seja entre estes e a comunidade. No raro, a escalada da violncia juvenil associada ao prprio crescimento dos grupos, em geral, nas periferias das grandes cidades, onde tambm se concentra a populao juvenil. A mistura explosiva acontece quando se cruzam a crescente imposio de um consumo que os identifi ca (tribos), a disseminao das drogas e do uso de armas de fogo e (talvez o fator mais importante) a afi rmao da honra e da virilidade. Neste cenrio, as chances de os grupos ou bandos tornarem-se uma quadrilha so bastante reais, alm das crescentes possibilidades da sua associao com outros grupos organizados.3

    Enfi m, o risco constante ao qual o jovem est submetido, que no limite signifi ca o seu envol-vimento com o mundo do crime e da violncia, deve ser visto de uma perspectiva histrica, sendo, de certa forma, inerente ao prprio conceito de transio e de autonomia relativa que caracteriza este perodo de vida.

    tEnDncias rEcEntEs E os riscos DE violncia JUvEnil

    Considerando-se estas re exes, ou seja, que adolescncia, crescimento do tempo livre, forma-o de grupos ou bandos de jovens, ideologia da virilidade e da honra e disseminao das drogas e do uso de armas de fogo amplamente potencializados pela imposio do consumo via mdia, constituem uma mistura explosiva no desencadeamento de aes juvenis violentas, as anlises e os dados que se seguem deixam claro que o Brasil vive, neste fi nal de sculo, uma situao especialmente difcil no enfrentamento desta questo.

    O primeiro dado a destacar de natureza demogrfi ca. No perodo que se estende de 1992 a 1996, o contingente de jovens entre 20 e 24 anos ampliou-se em 8%, enquanto o segmento mais prximo adolescncia (15-19 anos) apresentou um ritmo de crescimento populacional bem mais expressivo (12%). Esta diferena nos ritmos de crescimento pode ser explicada pelo fenmeno conhecido na literatura demogrfi ca como descontinuidades demogrfi cas, que pode ser assim resumido: por alteraes dos fatores que intervm na dinmica demogrfi ca fecundidade, mortalidade e migra-es a pirmide etria pode sofrer alargamentos ou estreitamentos na sua base, ou seja, aumento ou diminuio do nmero de nascimento.

    3 No contexto deste trabalho, no se considerou importante entrar na discusso das diferenas conceituais entre grupos, gangues, galeras, bandos, etc.

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    O fenmeno deste tipo mais conhecido o chamado baby boom, ocorrido no ps-guerra. Tais alargamentos ou estreitamentos vo necessariamente produzir ecos (novos alargamentos ou estreita-mentos) medida que esta gerao vai envelhecendo. No caso, como se trata de um alargamento na faixa de adolescentes, passou a ser conhecido como onda jovem. Neste sentido, fundamental ter presente que esses resultados referem-se ao perodo 1992-96 e que, portanto, a descontinuidade ou a onda nos prximos anos deve afetar a faixa de 20 a 24 anos (BERCOVICH; MADEIRA; TORRES, 1998). No momento, o pico da onda deve estar em torno dos 19 anos e, no incio de 2000, dever corresponder aos 20 anos. O Brasil inaugura o novo milnio com a maior populao de jovens que j teve e provavelmente jamais ter.

    Entretanto, uma melhor compreenso dos impactos deste fenmeno deve considerar dois aspec-tos da questo. O primeiro refere-se ao fato de que, embora a onda esteja presente em praticamente todas as regies do Brasil, a sua intensidade e concentrao est desigualmente distribuda pelas reas geogrfi cas do pas e com forte presena nas periferias das reas metropolitanas. O segundo diz respeito avaliao do impacto da onda, que deve sempre considerar o seu valor absoluto. Como em geral o nmero absoluto de jovens alto, os acrscimos em nmero relativos so pequenos em relao ao total do grupo etrio, mas acabam tendo impactos substantivos tanto no mercado de trabalho quanto no sistema escolar. Este argumento mais verdadeiro quando observa-se que a distribuio da onda muito desigual em termos regionais (BERCOVICH; MADEIRA; TORRES, 1998).

    O fenmeno da descontinuidade demogrfi ca fundamental na defi nio das estratgias de planejamento de polticas intervencionistas de natureza pblica ou no. Alm disso, o fenmeno da onda jovem tem recebido tambm a ateno e re exes de socilogos preocupados com a manifes-tao de eventos polticos-sociais que envolvem a juventude, no sentido de mostrar que, dependendo da maior ou menor capacidade que o mercado de trabalho tem de absorver a mo-de-obra juvenil e o sistema educacional de responder de forma mais ou menos positiva s expectativas dos jovens, o elevado nmero de jovens pode vir a constituir um problema poltico-social.

    Wriggins (1988) um dos autores que trabalha com profundidade esta hiptese, argumentando que esta re exo comea a ganhar consistncia quando nota-se, por um lado, que as manifestaes sociais radicais e violentas costumam ser lideradas por jovens (15 a 25 anos) e acontecem de forma recorrente em momentos no qual a coorte demogrfi ca constituda por jovens est alargada. Segundo o autor, foi o que ocorreu h alguns anos no Sri Lanka, em Taiwan, em Cuba, no movimento anti-Marcos, nas Filipinas, na Turquia, etc.. Tambm possvel encontrar na literatura associaes da onda jovem com o movimento francs de 1968, os yuppies norte-americanos, os acontecimentos na China de dez anos atrs, ou mesmo nos altos ndices de violncia nas periferias das grandes cidades norte-americanas nos anos 80. Existem autores como Fernando (apud Wriggins,1988), que calculam inclusive um ndice de periculosidade, que seria atingido quando a proporo de jovens estivesse em torno de 20% da populao.

    Nesta linha de raciocnio, interessante lembrar uma entrevista antiga, mas atual no seu conte-do, do antroplogo Philippe Bourgois revista Veja (19/09/80), sobre a questo da juventude, droga e violncia nos Estados Unidos, especifi camente no Harlem hispnico. A tese do autor a seguinte:

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    os trafi cantes de drogas nas esquinas de Nova York so pessoas que perseguem sua maneira, numa cultura de terror e autodestruio, o mesmo sonho americano dos jovens yuppies que vivem nos bairros bem comportados.

    Mais adiante, explicando por que a droga desencadeava a histeria e a violncia nos Estados Unidos, argumenta: ...(na Europa) os jardins tm ores, as escolas funcionam (...) Aqui nesta regio da cidade h menos parques, menos piscinas pblicas, mas h mais prises. Anlises recentes sobre a queda da violncia nos Estados Unidos tm, de forma muito recorrente, se referido ao envelhecimento populacional como um dos fatores importantes para esta reduo. Outros autores tm insistido que o grande nmero de jovens pobres encarcerados em decorrncia da poltica de tolerncia zero tem con-tribudo como fator importante. De qualquer forma, a diminuio do nmero de jovens em circulao sempre fator a ser levado em conta.

    Outro ponto a se considerar o rpido crescimento do tempo livre entre jovens brasileiros, tambm concentrado entre jovens que ocupam as periferias das grandes aglomeraes urbanas.

    Os jovens brasileiros apresentam diferenas marcantes em relao aos seus pares latino-america-nos, no que diz respeito tanto aos indicadores de desempenho educacional quanto s caractersticas de insero no mercado de trabalho. No Brasil, comparativamente aos outros pases da Amrica Latina, signifi cativamente maior a proporo de jovens (sobretudo adolescentes) no mercado de trabalho urbano (na agricultura a proporo de jovens sempre alta), inclusive nos setores mais modernos da economia. Tal tendncia comeou a se defi nir com clareza ao longo dos anos 70, quando a economia brasileira esteve marcada pelo dinamismo, persistindo com igual vigor no perodo recessivo que carac-terizou a dcada de 80. Um dado interessante a acrescentar que os anos 70 foram marcados por uma forte onda jovem (os pais dos atuais jovens), mas que teve xito em sua absoro pelo mercado de trabalho, graas ao dinamismo da economia neste perodo.

    J na dcada de 80 houve um re uxo desta onda e, portanto, a manuteno do emprego juvenil neste perodo deveu-se mais ausncia de presso demogrfi ca juvenil do que gerao especfi ca de postos de trabalho para jovens. De qualquer forma, importante notar que, comparada s dos outros pases latino-americanos, a estrutura produtiva da economia brasileira apresentou, no passado muito recente, uma espcie de vocao para incorporar as coortes jovens (MADEIRA; BERCOVICH, 1989). De certa forma, ocorre o inverso com relao aos indicad